Terra ardente

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


ELOI TELES DE MORAIS

TERRA ARDENTE

CRATO 1977



Era uma vez, no sertão, Sertão sem sorte, sofrido, Lá morava um moço honrado De todos muito querido. Trabalhador, muito exato Um sertanejo de fato Homem forte e destemido. Olavo era o seu nome Caboclo cabra da peste Justo como a maioria Dos filhos do meu Nordeste. Era o retrato da gente Que vive, sofre e não sente A malvadezas do agreste. Vivia Olavo feliz Com a sorte que Deus lhe deu De amor ao semelhante Nunca, jamais se esqueceu. Adorava sua mulher Formosa, de nome Ester Amor que lhe apareceu.


Olavo lavrando a terra, Terra que tanto ele amava Ester honrada o seu nome Nome que tanto a adorava. Era amor eterno e puro Que eu atĂŠ asseguro Que amor maior nĂŁo se achava. Quanto mais passava o tempo Mais Olavo amava Ester Mais aumentava a ternura Entre marido e mulher... Diziam: Nosso amor puro EstĂĄ ficando, seguro Para o que der e vier. Um dia Ester precisou Viajar para a cidade Atender as circunstancias De certa necessidade Olavo tudo aprontou Cavalos bons arreou Cheio de felicidade


Feliz porque sua amante Estava muito contente A alegria de um Ia ao outro de repente Era viagem pequena Olavo mesmo com pena De ficar só, lhe consente. Dois homens de confiança Acompanharam a senhora Saíram bem satisfeitos Troteando sertão a fora Pra servirem a linda Ester Cheios de coragem e fé Iam sem muita demora. Olavo esperou a volta O dia certo passou Passaram dias e dias Porem Ester não voltou. Com um mal pressentimento Olavo em certo momento Uma decisão tomou.


Foi à cidade saber O que tinha acontecido Mas lá foi grande a tristeza Era melhor não ter ido. Ester e os dois serviçais Não chegaram lá, jamais Lá não tinham aparecido. Ele voltou para casa Numa tristeza sem fim Dizia a chorar: Sem Ester Que poderá ser de mim? Louco de ira e paixão Desconjurado o sertão E tudo que tem de ruim. Dizia Olavo: Um malvado Um tirano cangaceiro Matou os dois serviçais Dois amigos verdadeiros E levou a minha Ester Pra mim a única mulher Que existe no mundo inteiro.


Ou quem sabe, a pobre até Talvez nem exista mais? Tenha sido assassinada Justo com os serviçais? Mas enquanto eu não vingar O assassino não achar Não descansarei jamais. Nesta noite, o pobre Olavo Cheio de dor e paixão Paixão e ódio também Não conteve a solidão Resolveu sair vagando Sua amante procurando Varando o ingrato sertão. No outro dia, cedinho Antes de romper da aurora Olavo estava de pé Pra sair de mundo a fora O nascer do sol, tão belo, Um rifle papo-amarelo E a vontade de ir embora!


Na cintura a cartucheira Uma grande maca de lado Um punhal cabo de chifre Um bornal bem preparado Pendurado, um parabelo Na mão, um papo-amarelo Lá ia Olavo, apressado! E vagou, sertão a fora Dia e noite, noite e dia. Debaixo de qualquer árvore Era aonde ele dormia Passava dias andando Um a outro perguntando Mostrando a fotografia. Mas o tempo foi passando Passou dia, passou mês, Passou dois e passou quatro Passou cinco e passou seis Um ano, sertão a fora Mas Olavo, hora a hora Sonhava encontrar os três.


Subia, descia serra Rios, florestas, grotão Cada vez mais aumentava Em Olavo a solidão Já dois anos se passava Que aquele pobre vagava Nas estradas do sertão. Sua saudade aumentava E aumentava a sua fé... De um dia se encontrar Com a sua boa Ester Era uma prova bastante De coragem dum amante Buscando o amor da mulher. Um dia, ao quebrar da barra Debaixo da oiticiqueira O heroi ao despertar Na sua visão primeira Avistou um casarão Tendo ao lado, um ribeirão E do engenho a bagaceira.


Soube que as terras eram Do Coronel Rudrião Um grande senhor de engenho Respeitado no sertão E as terras onde estava Tão bonitas se chamava Por todos “Sitio Cocão”. E Olavo admirado Com o campo e seus verdores Muito gado, um grande açude, Lindas matas, lindas flores, O verde canavial, A beleza natural Das grossas nuvens alvores. Levantou-se o nosso heroi Sempre sisudo e disposto Levando a grande coragem Estampada no seu rosto Rosto sofrido da sorte Em busca da própria morte Cravada no seu desgosto.


Rifle na mão, sai Olavo Falar com o Rudrião. O velho estava sentado No alpendre do casarão Cercaram logo os jagunços Com medo de algum furdunço E pra dar-lhe proteção. Olavo, nada temeu Falou calmo, de vós fria Puxou do bolso e mostrou A rôta fotografia O coronel, disse: Não! Nunca ví neste sertão Esta mulher algum dia. Os cabras do coronel Todos prontos pra brigar Demonstram sua vontade Do viajante espancar Mas Rudrião deu sinal Pra ninguem lhe fazer mal Deixassem ele voltar.


O sertanejo valente Olavo, homem sofrido Ia voltando tristonho Achando um caso perdido Mais uma visita em vão Mais um local no sertão Lhe deixava entristecido. Mas de repente abrem a porta E um vulto apareceu Era Ester o seu amor Olavo empalideceu O rifle cresceu na mão Pulou o seu coração Grande milagre se deu!!! Ester estava à sua frente Bonita sempre bonita No seu coração de jovem Aquela hora palpite O rosto de sofrimento Porém naquele momento Só um amante acredita.


Ester não estava só Havia uma companhia Uma moça tambem triste De pertinho lhe seguia Era Rute o nome dela Que acompanhava ela Assim o patrão queria. De repente alguém segura Pelo braço de Ester... Olavo viu corregarem Bruscamente sua mulher Levaram ela pra dentro Alí naquele momento Ele encheu-se de mais fé. Saiu pronto pra voltar Jurou pelo seu amor Libertar a sua amada Das garras do malfeitor Que mesmo com a própria vida Levar a sua querida Daquela prisão de horror.


E sumiu de estrada a fora Agora mais conformado Traçar um plano valente De atacar o desalmado Tinha que achar alguém Pra ir com ele também Na casa grande, vexado. Como o amor verdadeiro Sempre pra vencer tem sorte Mesmo enfrentando os perigos Nas garras da própria morte Olavo viu-lhe brilhar Uma estrela a lhe mostrar Novo ramo, novo norte! Na casa de um morador Ele parou pra repouso Alí sentiu que ninguém Gostava do criminoso. Arquitetou seu papel E espalhou que o coronel Era mau, era horroroso.


Mostrou o retrato de Ester Contou todo acontecido... Contou que a sua amante Era escrava do bandido Que Rute tambem era escrava E que alí todos estava Sob o seu poder temido. Olavo viu que alí Não gostava do patrão Que todos tinham vontade De sair da escravidão Que os moradores, bravos Eram todos como escravos Do infame Rudrião. E foi chegando mais um... Outros, outros, outros mais Todos foram concordando Em combater o Caifaz Era a oportunidade De se livrar da maldade Das garras do Satanaz.


Foram então para um quintal Sob a luz de uma fogueira E arquitetaram um plano Que durou a noite inteira Olavo traçava tudo Fazendo seu grande estudo De atacar com a cabroeira. Disse ele: A casa grande Tem muitos homens armados! Mas antes do quebrar da barra Eles serão atacados Esse malvado, tirano Que nos causou desenganos Vai pagar por seus pecados!!! E assim passou toda a noite Encorajando a negrada Preparando todas armas E munição adequada Até que chegou a hora Antes do romper da aurora Cedinho da madrugada.


Aí saíram em silencio Pra casa do coronel Os primeiros raios do sol Tingiam o azul do céu... Olavo dizia consigo: Eu levo Ester comigo E dou fim aquele incréu. Começou o tiroteio A casa estava cercada Saiu tanto cangaceiro Só se via a macacada O fogo cerrou o Cocão Que estrondou pelo sertão Zoava pelas quebradas. Cada tiro de Olavo Caia um com certeza Ele mostrou valentia, Mostrou a sua destreza... Seus homens, também valentes Derrubavam tanta gente Com muita calma e frieza.


Dentro da casa o alvoroço Ester chorando rezava Sabia que era Olavo Que aquela guerra causava E ajoelhada pedia A Santa Virgem Maria Pelo homem que amava. Lá fora, o fogo cruzado Em grande destruição. Cada jagunço caído Menos um de Rudrião... Caia gente a granel Tanto dos do coronel Como os contra o patrão. O fumaceiro subia Fazendo nuvens no ar O tiroteio formado Mortos aqui, acolá... O coronel Rudrião, Já perdendo na questão Airava sem parar.


De vara, cacete e faca A cabroeira atacava Como uma praça de guerra Olavo ali avançava Tomaram todo terreiro Entrou em casa ligeiro Matando os que encontrava. Correram os que puderam Menino, velho e mulher Olavo tomou a casa Entrou no quatro de Ester Saiu com ela ligeiro Enquanto lá no terreiro Se achava o labacé. Os poucos dos moradores Que escaparam da questão Gritavam de alegria Com suas armas na mão Era a vitória sonhada De uma turma escravizada Das guerras de Rudrião.


E dentro da casa grande Dum quarto uma gritaria O coronel se findava Suspirando em agonia Todo de sangue coberto Algumas mulheres perto A sua morte assistia. Quando o último suspiro Foi dado por Rudrião Lá fora, gritos e vivas Com grande satisfação A cabroeira gritava E a Olavo aclamava De bacamarte na mão!!! Deixemos o coronel Lá no seu leito da morte Deixemos os moradores Valentes, bravos e fortes Falemos de um casal Que foi vitima do mal Mas agora teve sorte.


Era Olavo mais Ester Que se abraçavam contentes Já lá fora, no terreiro Trocavam beijos ardentes Alegres, cheios de fé Lá foi Olavo e Ester Saudados por toda gente!!! Foi assim, meu caro irmão Que a história se passou O mal é sempre vencido O bem sempre é vencedor Esta é mais uma história Do sertão e sua glória Das lutas dum grande amor. Rudrião por ser tirano Morreu sem apelação... Olavo por ser honesto Foi querido no sertão Ester por ser sofredora Sorriu pois foi vencedora Tendo de Olavo a paixão!


E assim termina o romance Lhe mostrando que o amor Ostenta sempre a vit贸ria Irradiando o fervor! Tanto Olavo foi valente Ester tambem lhe ajudou Lhe esperando paciente Embora tendo a sua frente Sempre um grande malfeitor!

FIM



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