JAZZ NO COLÉGIO

Page 1





JAZZ

NO

COLÉGIO

No próximo mês de Outubro passam dez anos sobre o início de dois Festivais de Jazz nos Açores: o Angra Jazz, cuja primeira edição decorreu no Museu de Angra entre 2 e 4 de Outubro de 1999, e o I Festival de Música Jazz, promovido pela Jazzores, cujo arranque teve lugar no Auditório da Biblioteca Pública de Ponta Delgada a 16 de Outubro de 1999. Embora a Biblioteca não tivesse então desempenhado um papel activo na organização deste último evento – mérito que coube por inteiro a Carlos Riley e Rui Melo, fundadores e dirigentes da Jazzores – também não é menos certo que acabou por ficar objectivamente associada ao nascimento do I Festival de Jazz de Ponta Delgada, o qual, dez anos passados, já adquiriu créditos bem firmados no calendário cultural açoriano, contribuindo decisivamente para a criação/identificação de um público que, assim, tem a oportunidade de sustentar e desenvolver o seu gosto por este tipo de música. Dadas estas circunstâncias, a Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada entendeu dever assinalar esse aniversário na sua programação de 2009, projectando um conjunto de actividades a que deu o título de “Jazz no Colégio”: “Jazz”, porque se pretendeu evocar a memória dos concertos realizados há dez anos nos claustros do Convento da Graça, antigo Auditório da Biblioteca; “no Colégio”, porque a Biblioteca se transferiu entretanto para novas instalações , ocupando agora o edifício do Colégio dos Jesuítas, sua nova morada. O Jazz, como qualquer outra expressão musical, deve ser ouvido e, muito particularmente neste caso, ouvido ao vivo. Não tendo sido possível assegurar no programa esse desiderato com a realização de um concerto, a BPARPD procurou desenvolver as iniciativas que melhor competem à sua vocação institucional, convidando o público a ver e a ler o Jazz em diferentes suportes documentais: bibliográficos, fotográficos, discográficos e cinematográficos.

Neste sentido, organizou-se a programação em torno de três actividades distintas: a) ciclo de cinema; b) exposição de fotografia; c) mostra de livros, revistas e capas de discos. No que diz respeito à última alínea, esta mostra dá apenas uma pálida ideia da vasta produção bibliográfica associada ao Jazz, pois o acervo desta Biblioteca, descontando a Livraria de Natália Correia e algumas obras mais recentes do Fundo Geral, não se encontra bem apetrechado nesse domínio. Com a ajuda de alguns particulares, que generosamente colocaram os seus livros e discos ao nosso dispor, pensamos ter conseguido reunir um conjunto de títulos que cobre a evolução do Jazz e os seus intérpretes mais significativos, sendo de destacar o painel dedicado às capas de discos, cujo valor documental e artístico é hoje consagrado em catálogos de instituições de referência. A fotografia foi outro dos domínios que quisemos valorizar pois, como demonstra o grande número de exposições e livros publicados sobre este tema, o Jazz e os seus intérpretes são objecto predilecto da atenção de muitos fotógrafos, tanto amadores como profissionais. Assim, decidimos convidar Fernando Resendes, Guilherme Figueiredo e Raul Resendes a exporem alguns dos seus trabalhos no quadro desta iniciativa, com o duplo propósito de, por um lado, celebrar a fotografia enquanto expressão artística e criativa e, por outro, sublinhar o seu valor documental e histórico. A boa vontade dos três fotógrafos – a eles o nosso muito obrigado – permitiu reunir um conjunto de imagens que cobrem 30 anos de Jazz em Portugal e nos Açores, desde o histórico Festival de Jazz de Cascais promovido por Luís Villas-Boas na década de 1970, até às edições mais recentes do Festival de Jazz no Teatro Micaelense, passando pelas sessões realizadas em Ponta Delgada no Solar da Graça durante a década de 1980. O ciclo de cinema, composto por 6 títulos exibidos semanalmente às terças-feiras, apresenta um alinhamento que privilegia o equilíbrio entre filmes e documentários. Na primeira categoria temos Round Midnight,



realizado por Bertrand Tavernier e com direcção musical de Herbie Hancock, onde o saxofonista Dexter Gordon é o actor principal; Bird, realizado por Clint Eastwood, uma narrativa biográfica da vida do saxofonista Charlie Parker; Kansas City, realizado por Robert Altman, acerca do ambiente swing dos bares de Kansas City, onde tocaram músicos como Count Basie e Lester Young. Na categoria dos documentários, alguns deles expressamente legendados em português para este ciclo, temos Let’s Gost, realizado pelo fotógrafo Bruce Weber, sobre a vida do trompetista Chet Baker; Straight, no Chaser, realizado por Charlotte Zwerin e produzido por Clint Eastwood, centra-se sobre a figura e a música do pianista Thelonious Monk; A Great Day in Harlem, de Jean Bach, reconstitui a história da célebre fotografia de Art Kane – retratando um grupo de músicos nas ruas de Harlem em 1958 – para uma edição da revista Esquire dedicada ao Jazz. Tal como vem sendo hábito em iniciativas anteriores, a exibição das imagens será precedida de uma conversa destinada a enquadrar melhor o público com o que se segue, ficando a cargo dos apresentadores – aos quais agradecemos a disponibilidade demonstrada – destacar aquilo que bem entenderem sobre os diferentes intérpretes e etapas do Jazz que irão desfilar ao longo de seis semanas no Auditório da Biblioteca. Antes de terminar, duas ou três notas sobre esta expressão cultural que muitos consideram ser a única verdadeira “arte” americana, incubada desde finais do século XIX no delta do Mississipi e depois desenvolvida nas grandes cidades do norte, New York e Chicago, no período do pós-guerra. O Jazz nasceu americano e com o século XX, mas depressa se tornou universal. Deu nome a uma época – a jazz age, compreendida entre o fim da I Grande Guerra Mundial (1918) e o início da Grande Depressão (1929) – frequentemente associada ao ambiente hedonista e transgressor da década de 1920. A expressão foi cunhada inicialmente por F. Scott Fitzgerald em Tales of the Jazz Age (1922), mas só encontrou a sua cabal consagração literária no romance The Great Gatsby (1926), que tanto celebrizou este autor. A jazz age, no seu sentido lato, é uma designação que transcende o perímetro estritamente musical e americano da palavra, como confirma, por exemplo, a publicação entre nós do livro de António Ferro, A Idade do JazzBand (1923), cujo texto introdutório não deixa dúvidas sobre o sentimento vibrante de mudança e modernidade associado a esta época: “Eu não compreendo, de modo algum, a saudade doentia das outras épocas, a

nostalgia das idades mortas (...) Ter saudades dos séculos que morreram, é ter vivido nesses séculos, é não ser de hoje, é ser cadáver e andar a fingir de vivo”. Por falar em morte dos séculos, o óbito do século XIX só ocorreu em 1918, no final da I Grande Guerra, pelo que a jazz age consubstancia o próprio nascimento do século XX, o século moderno e americano por excelência. Cabe a esse propósito recordar que Ponta Delgada respirou de perto o perfume desses tempos modernos quando, entre 1918 e 1919, esteve aqui instalada uma Base Naval americana com largas centenas de efectivos. Aires Jácome Correia descrevia assim o ambiente da cidade nessa altura: ”a vida americana (...) exibia-se aclimada em Ponta Delgada, nas ruas, nos cafés, nos clubes, nos teatros e cinematógrafos. Nos écrans passavamse fitas americanas de uma notável celebridade (...) e os americanos agora jogavam o box no Coliseu Avenida e representavam uma revista nos modelos internacionais (...) com o sainete dos costumes de Oncle Sam.” A americanização de Ponta Delgada não chegou ao ponto de, então, se ouvirem jazz bands no Coliseu, mas a população da cidade teve uma experiência antecipada e tangível daquilo que viria a ser a jazz age. Noventa anos passados sobre estes eventos, vale a pena lançar um olhar retrospectivo sobre as origens e a evolução desta expressão cultural contemporânea, quanto mais não seja para concluir que embora a jazz age há muito tempo tenha acabado, o Jazz continua vivo e em contínua transformação.

A Direcção da BPARPD

Aires Jácome Correia, “Base Naval dos Estados Unidos da América do Norte em Ponta Delgada”, in Revista Micaelense, Ano I, nº 2 , Junho 1918, pp. 138-154 (149 para a citação).


Guilherme Figueiredo


JAZZ,

UMA

MÚSICA

MUTANTE

Louis Armstrong dizia que quem necessitasse de perguntar o que é o jazz, nunca viria a sabê-lo. Mesmo que se relativize o tom enigmático do patriarca Armstrong, e se considerem suficientes para o definir os cem anos que passaram após a associação da palavra jazz à música feita em New Orleans, Chicago ou New York, a verdade é que, ainda hoje, o jazz não foi definido de modo a incluir, sem excepção, toda a produção musical assim designada. Esta blindagem a circunscrições conceptuais deve-se e aqui arriscamos uma aproximação- à sua própria natureza mutante que, em movimento contínuo ao longo dos anos, evoluiu nos mais diversos sentidos e, não obstante, conservou a sua integridade. Talvez seja a isso que permanece a despeito daquilo que se transforma, e no qual as definições teimam em não acertar, a que Armstrong se refere como sendo a essência do jazz. Mas se a essência de qualquer arte se encontra na contemplação das suas obras, certamente que a essência do jazz (mesmo que imperscrutável) não andará longe da experiência, enquanto músico ou simples ouvinte, do caminho por onde segue o jazz: a improvisação. Sobre o que seja improvisar, conta-se que em 1968, numa rua de Roma, o pianista Frederic Rzweski tirou do bolso um gravador e pediu ao saxofonista Steve Lacy que, em 15 segundos, estabelecesse a diferença entre compôr e improvisar. Lacy respondeu: “a diferença entre compôr e improvisar é que na composição tem-se todo o tempo para decidir o que dizer em 15 segundos, enquanto que na improvisação tem-se 15 segundos . Este episódio- caricato pelo facto de Lacy, como depois verificou Rzweski, ter mesmo respondido em 15 segundos- faz luz sobre o que está em causa num improviso, e que remete para a afirmação de Armstrong: uma espécie de sentido do jazz ínsito ao músico. Se é verdade que a harmonia, a teoria musical, a técnica instrumental e de improvisação se aprendem na escola, é verdade também que o jazz está para além de tudo isso, algures entre

o uso combinado e incorporado de tudo o que se aprendeu, e uma ideia melódica, formada em tempo real, para responder ao tema que ganha a forma de uma pergunta. Na improvisação, em vez de uma decisão ponderada de compositor, há um reflexo consequente do músico, provocado por um desafio do tema à sua técnica, estética, cultura e até ao seu actual estado de espírito. É certo que a improvisação não tem origem no jazz, uma vez que já no Renascimento se compunham e se disputavam variações de temas compostos, e já havia espaços de criação entre as sequências harmónicas. Mas ainda que no jazz a improvisação seja essencial, ela é somente o leito. O papel de rio está entregue ao swing. O swing- impossível de traduzir em escrita musical e que significa balanço ou oscilação- carrega em si toda a vitalidade, subjectividade criativa e o mistério que torna o jazz genuíno e sempre esquivo a definições estáticas. Stanley Dance define swing como um sentido hilariante do ritmo, criado em volta de uma pulsação fundamental que sugere- mas que na realidade não realiza- uma alteração rítmica. Trata-se portanto de uma habilidade de interpretação em que é dada uma certa ilusão do ritmo, e que pode ser visto mais como um efeito do que como uma causa. É uma noção complexa que conjuga vários conceitos musicais como: a dinâmica, entendida como resultado colectivo; a pulsação, que apesar de marcada deixa de ser acentuada nos tempos fortes do compasso para passar a sê-lo nos tempos fracos; o ataque das notas, o início da abordagem ou execução de uma notaque decide muitas vezes a emoção que preside; e a execução melódica que, quando se swinga, prima pela flexibilidade. André Francis, afirma que tocar com swing, swingar, significa trazer à execução de uma peça um certo estado rítmico que determine a sobreposição de uma tensão e de um relaxamento. Por conseguinte, é grande a exigência de uma improvisação com swing, se pensarmos que só se pode concluir do equilíbrio e qualidade de uma ideia


melódica no fim de exposta, e que o músico a vai desfiando à medida que esta se lhe segreda ao ouvido, o que implica um esforço de compromisso e contenção para tocar discursando coerentemente com o que já se disse e com o que ainda vai ser dito, por sobre os recortes harmónicos dos acordes que a banda desenha. Como dizia Charles Mingus, o músico de jazz é um compositor espontâneo.” No entanto, a espontaneidade no jazz, ainda que verdadeira e abundante, não deixa de obedecer a alguns códigos e de ser subsidiária da tradição, isto é, do modo como o discurso jazzístico se exerceu: os grandes nomes desta música primaram pelo exímio conhecimento do que os antecedeu e foi a partir desse domínio que trouxeram novas possibilidades consistentes. O jazz, que transmite movimento e liberdade, tem afinal um léxico musical e um legado histórico do uso desse léxico na base das suas diferentes manifestações ao longo do tempo, das menos originais às mais radicais. Para a improvisação e até para o swing- marcas da originalidade musical- são muitos os recursos musicais usados que constituem, paradoxalmente, um cânone ou conjunto de formas repetitivas no jazz. Disto são exemplos os ritmos sincopados, o tocar contrapontístico do conjunto, os aspectos melódicos especiais (como as notas bemolizadas), a introdução de técnicas vocais (como o portamento) nas técnicas instrumentais, o rubato (“desrespeito” pelos valores temporais exactos das notas), os polirritmos (ritmos contrastantes tocados simultaneamente), os efeitos sonoros como “resmungos” e “gargalhadas” dos metais, o glissando (deslizamento rápido numa corda ou num teclado), o uso frequente de riffs (frases isoladas repetidas sucessivamente muitas vezes), e os breaks (breves interlúdios improvisados entre as frases, geralmente com a duração de quatro compassos). Todos estes e outros recursos, ainda que não estando presentes em todos os temas- sem prejuízo de serem considerados jazz- são as ferramentas usadas na escultura dos improvisos e na condução do swing. Mas- não fosse o jazz intrinsecamente mutante- estabelecer estes recursos é ainda dizer pouco. Estes são apenas formas a materializar pelo génio de cada músico, tal como uma Língua que- em exercício literário, por exemplo- sofre as mais diversas mutações e apropriações fonéticas, semânticas e sintácticas, o que redimensiona e enriquece o recurso em si mesmo. É pois no universo criativo de cada músico- apesar de prepassado

pelo léxico musical e pela tradição- que o jazz é entendido. Daí que se diga que o jazz não é tanto o que se toca, mas como se toca. E houve músicos que, pelo modo como tocavam- certamente norteados pela ideia de progresso ou de sofisticação- inspiraram e influenciaram todos os outros, o que permitiu à historiografia musical reconhecer alguns padrões ou regularidades no uso dos recursos musicais, e que permitiu uma arrumação do jazz em diferentes e datados tipos ou estilos, como o bebop, o cool ou o free. Mas, se dizer que o jazz não é tanto o que se toca mas como se tocaque não existe sem o risco da improvisação e o milagre do swing, que é uma música que constantemente se transmuta pela imaginação trazida por cada músico, gravação ou performance- não chega a defini-lo por inteiro, e se procura responder à pergunta que Armstrong disse não ter resposta, então… escutemos...

João Simas


RaĂşl Resendes


Fernando Resendes


O

JAZZ

NO

RITMO

DO

TEMPO

É unanimemente aceite que, sem excluir a influência directa ou indirecta da música europeia, o jazz nasceu da fusão do blues, das work songs dos trabalhadores negros norte-americanos, do negro spiritual protestante e do ragtime, nos primeiros anos do século XX. Assim exposta a matriz poligenética do jazz, é fácil compreender porque razão tem o jazz uma natureza mutante. Os géneros que o originaram, fizeram-no em evolução interna, e, simultaneamente, em fusão com os restantes, característica que hereditariamente passou a património genético do jazz. Prova desta evolução interna é o ragtime, música de ritmo frenético composta e tocada por pianistas profissionais (entre os quais se encontram expoentes como Scott Joplin, James P. Johnson e Jelly Roll Morton), que oferece ao futuro jazz uma primeira síntese entre o contributo africano- o ritmo- e o contributo europeu- harmonia e melodia. Assim, no ragtime, pela necessidade prática que a dança impunha de fazer variar ritmicamente as composições, já se ouve swing nos ritmos sincopados, breaks, fraccionamento do fraseado, tempo fraco desfasado, etc. No entanto, ainda não há improvisação, o que acontecerá no cruzamento com a liberdade de improviso trazida pelo blues (profano) e pelo espiritual negro (religioso) que se caracterizavam ambos por serem espontâneos a uma cultura afro-americana, relativamente anónimos e populares, e feitos por amadores com o intuito de inspirar e reunir a confiança de um povo. Apesar de nenhuma cidade poder considerar-se o berço do jazz, New Orleans será decerto a cidade onde esta síntese entre o swing do ragtime e a improvisação do blues e do espiritual negro, aconteceu de forma mais espectacular. “O estilo de New Orleans caracteriza-se por três linhas melódicas que se contraponteiam, executadas por um trompete, um trombone e um clarinete. O instrumento líder é o trompete, o trombone orienta o seu contraponto e o clarinete ornamenta o toque de ambos com uma ágil

condução melódica. Esses três instrumentos melódicos são apoiados pela base rítmica, formada pelo contrabaixo ou tuba, bateria, piano e banjo ou guitarra. A música de New Orleans era conhecida como hot, pelas suas características de sonoridade, articulação, vibrato, entoação e principalmente por uma viva execução individual. Em New Orleans, a prática do jazz não era privilégio dos negros. O jazz “branco” apesar de menos expressivo que o dos negros, tecnicamente era mais bem acabado. Papa Jack Laine foi o primeiro branco a obter sucesso com suas orquestras e foram elas que conferiram ao jazz, no início, maior notoriedade. A Original Dixieland Jazz Band (ODJB) e a New Orleans Rhythm Kings, com pouco solo e muita improvisação colectiva, tornaram famosos uma série de temas, como Tiger Rag (1917) e At the Jazz Band Ball (1919). Em 1917, a ODJB grava o primeiro disco de jazz e alcança enorme sucesso em New York, e acaba por difundir a palavra jazz como a expressão de uma forma musical iniciada no sul dos Estados Unidos. Se New Orleans engendrou o jazz, Chicago foi a sua incubadora. Para lá migraram, provenientes da sua nativa New Orleans, os grandes músicos de jazz, que encontrariam na “Windy City” o terreno cultural ideal para o seu desenvolvimento. Chicago reuniu ao seu redor todo o saber jazzístico de então e foi durante anos a cidade do jazz por excelência. Só muito tempo depois, quando o jazz já havia alcançado a sua maturidade artística e estava às portas da estagnação nos anos 40, passou o comando para Nova York. Com a chegada do swing, Chicago sucumbiu a uma tendência generalizada que favorecia as big bands itinerantes em detrimento dos conjuntos locais que prevalecera nos anos trinta. E embora seja verdade que as grandes orquestras como a de Count Basie, Benny Goodman, Roy Eldridge, Bob Crosby conseguiram os primeiros sucessos em Chicago e que os dixielanders mantiveram ali acesa a chama do jazz tradicional, também é certo que Chicago tinha esgotado, desde 1930, o seu papel histórico na evolução do


jazz. Chicago não se limitou a hospedar os jazzmen de New Orleans, mas também criou os seus: Bix Beiderbecke, com os seus Wolverines, inspirados na “Original Dixieland Jazz Band, os instrumentistas da Austin High School Gang, nascidos artisticamente do New Orleans Rhythm Kings e que mais tarde formariam o estilo Chicago- a única interpretação válida, por parte dos músicos brancos do norte, do jazz de New Orleans. O impacto do primeiro jazz de Chicago não foi muito rápido nem violento, como se poderia pensar. O ragtime já se tinha infiltrado havia algum tempo através dos espectáculos de vaudeville e dos pianos dos entertainers (Tony Jackson e Jelly Roll Morton já tinham atuado ali em 1910). E, antes ainda, o blues, arranjado e comercializado, tinha sido introduzido por conjuntos itinerantes chegados do sul. Em 1913, surgiu em Chicago a primeira verdadeira orquestra de ragtime jazz a Original Creole Band de New Orleans, um sexteto organizado pelo contrabaixista Bill Johnson, dirigido pelo cornetista Freddie Keppard. Houve muitos grupos pré-jazzísticos que se estabeleceram em Chicago por volta de 1915 sendo que em 1916/17 foram numerosos os grupos brancos que passaram por aquela cidade. Músicos como La Rocca, Eddie Edwards, Alcide Nunez e Henry Ragas que, em maio de 1916, com o baterista Tony Sbarbaro formaram a famosa Original Dixieland Jazz Band, que obteve um enorme sucesso. Nos anos seguintes não cessou a afluência de músicos de New OrIeans a Chicago. Em 1921/22, actuaram em Chicago conjuntos de grande importância histórico-artística: Joe Oliver, June Cobb, Roy Palmer, Clarence Jones e Bix Beiderbecke. E foi em Chicago que ocorreram as primeiras gravações inovadoras do jazz, que foram os famosos discos do “Hot Five” e do “Hot Seven” de Louis Armstrong durante o período de 1927-29. Naquela época tocava Johnny Dodds, Bix Beiderbecke (estava na orquestra de Charlie Stainght), Joe Oliver, Jimmy Noone, Earl Hines, Cab Calloway, Erskine Tate, e em 1930, Duke Ellington; Fletcher Henderson, em 1936; Count Basie, em 1937; de 1935 a 37, Benny Goodman com sua primeira big band, depois substituído pela de Jimmy Dorsey, Bob Crosby e Red Norvo. Organizaram-se naqueles tempos importantes acontecimentos de jazz no Chicago Rhythm Club, em colaboração com a revista especializada DownBeat, dos quais participaram grandes nomes. Este fervor de actividades e iniciativas durou até ao começo da guerra. A partir de 1943 a qualidade do jazz oferecido pelas inúmeras e famosas casas sofreu uma deterioração progressiva. Mas já há algum tempo que Chicago tinha encerrado seu ciclo histórico. O jazz estava em plena crise de transformação e dizia-se que em New York havia músicos de vanguarda a procurar novas fórmulas. E estas fórmulas foram encontradas pouco depois, e foram aplicadas no laboratório do Minton’s. Tomado em sentido histórico, o swing coincide com a era do swing,

o período clássico do jazz, que começa nos primeiros anos após a grande depressão económica dos anos vinte e vai até aos últimos da Segunda Guerra Mundial, aproximadamente entre 1932 e 1943. Embora o swing só tenha caído no gosto popular com a ascensão de Benny Goodman em 1935, o estilo já existia há mais de uma década. O jazz, nas suas formas iniciais, enfatizava a improvisação espontânea, mas à medida que as bandas de dança se tornaram populares nos anos 20 e começaram a usar mais três ou quatro instrumentos de sopro, tornou-se necessário que os arranjos fossem escritos para que a música pudesse ser organizada e coerente. Até 1924, as big bands (incluindo a de Paul Whiteman, que teve seu grande sucesso em 1920 com Whispering) tendiam a tocar arranjos que ficavam amarrados às melodias, oferecendo poucas surpresas e inibindo a espontaneidade e a criatividade dos melhores solistas. Em 1924, o jovem trompetista Louis Armstrong juntou-se à orquestra de Fletcher Henderson. O seu timbre, adicionado ao uso dramático do espaço e ao seu sentido de balanço impressionaram bastante o arranjador chefe da orquestra de Henderson, Don Redman: e esse momento pode ser datado como o início do swing. Outras importantes big bands da década foram a de Bennie Moten’s Kansas City Orchestra (que no meio da década de 30 se tornaria a de Count Basie), a de Jean Goldkette em 1927 (que contava com os arranjos de Bill Challis e solos do trompetista Bix Beiderbecke e do saxofonista Frankie Trumbauer), a de Ben Pollack (que serviu de escola a Benny Goodman, Glenn Miller e ao trombonista Jack Teagarden) e a de Paul Whiteman, que por volta de 1927 se tinha tornado na maior orquestra de jazz. A mais importante big band do final dos anos 20 e aquela que se sucedeu à de Fletcher Henderson foi a de Duke Ellington. Mestre, maestro e pianista, Ellington era igualmente talentoso como compositor e arranjador. A sua habilidade em escrever arranjos, especialmente para certos solistas resultou numa incrível quantidade de músicas de alta qualidade desde as suas primeiras gravações em 1925 até sua morte em 1974. Benny Goodman foi coroado como o “King of Swing” enquanto que Artie Shaw ficou em segundo lugar no clarinete; o sax-tenor cheio de bossa de Coleman Hawkins, foi desafiado pelos de Chu Berry e Ben Webster, e sofreu a concorrência do som terno de Lester Young e os sax-altistas mais importantes eram Johnny Hodges (da Duke Ellington’s Orchestra) e Benny Carter (também um grande arranjador). Em 1945, surge um estilo muito mais radical e que fazia menos concessões ao gosto popular, o bebop, que seria revisto, radicalizado e ampliado nos anos 50 com o hard bop. Três grandes gigantes dominaram a cena na era bop (1945-49) e modificaram o jazz para sempre: Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Bud Powell. O altoísta Charlie “Bird” Parker, que ganhou experiência com a big band do pianista Jay McShann em Kansas City, alterou de forma permanente o vocabulário do jazz e as suas frases desde cedo ecoaram para um grande número de instrumentistas, indo muito


além dos meros saxofonistas. Capaz de executar solos numa velocidade impressionante, Bird não era somente um grande explorador de improvisos, mas um grande executante de blues. Ele viveu apenas 34 anos devido à ruinosa presença da heroína em sua vida, conjugada com o álcool, mas durante os seus dez anos de brilho, Bird gravou várias pérolas nas gravadoras Savoy, Dial e Verve. Introduziu no seu quinteto, o trompetista Miles Davis e o baterista Max Roach, assim como apadrinhou outros grandes músicos como Chet Baker. O trompetista John Birks “Dizzy” Gillespie conseguiu alguma fama enquanto tocava com a Cab Calloway’s Band nos anos 1939-41. Calloway acusava-o de tocar “música chinesa”, mas na realidade, Dizzy tinha a habilidade e coragem de tocar a “nota errada”, sustentá-la e fazer com que tudo parecesse lógico. Fora as suas lendárias colaborações com Parker, Gillespie liderou a mais significativa big band bop nos anos 1946-49; viveu até aos 75 anos, gravou por mais de 50 anos e foi um professor entusiasta que incentivava outros trompetistas (inclusive Miles Davis) para aprender a tocar piano e compreender a estrutura dos acordes. Gillespie foi um animador bem-humorado que ajudava a desmistificar o bop e torná-lo mais acessível. Bud Powell foi uma figura trágica: em sua trajectória, foi agredido na cabeça por um policial racista em 1944 e sofreu de doença mental o resto da sua vida. Acima desses problemas, Powell pôde gravar jóias musicais entre 1947 e 1951 (especialmente para a Blue Note) e mudou a forma como o piano era tocado no jazz. Bird, Diz e Bud foram todos prendados virtuosos considerados como os melhores nos seus instrumentos. Eles, com toda a certeza, não estavam sozinhos no desenvolvimento do bop. No Minton’s e no Monroe’s, estavam instrumentistas do porte do pianista-compositor Thelonious Monk (cuja música altamente pessoal e complexa sempre ficou à parte dos boppers), do baterista Kenny Clarke (foi o primeiro a tirar a bateria do papel de marcação de tempo) e do guitarrista Charlie Christian (da banda de Benny Goodman) que estendia os acordes comuns, deixando a sua marca no jazz, um passo acima do swing. O início do hard bop na gravação é difícil de determinar, desde que o seu desenvolvimento do bop foi um processo gradual. Um bom começo foram as sessões de Miles Davis na Blue Note entre 1952-54. Os seus discos na Blue Note tiveram uma grande importância para os jovens do hard bop como o altoísta Jackie McLean (cujo som era muito diferente do estilo cool de Paul Desmond e Lee Konitz), tenorista Sonny Rollins (uma extensão de Coleman Hawkins, no sentido hard bop), o trombonista J.J. Johnson, o pianista Horace Silver e o baterista Art Blakey. Outras importantes séries de gravações foram feitas pelo Max Roach/Clifford Brown Quintet entre 195456, um grupo que ainda tinha Harold Land ou Sonny Rollins no sax-tenor. Em resposta à agressividade do bebop e do hard bop, aparece nos anos 50 o cool jazz, com uma proposta intelectualizada que está para o jazz assim como a música de câmara está para a música erudita. Cool jazz

era uma natural evolução do bebop, mas diferenciava-se dos outros estilos porque era uma reacção conservadora em relação à uma música radical da qual descendia e no fundo, não significava um movimento mais para frente. No final da década de quarenta, os jovens músicos de jazz ficaram perante um dilema: como é que alguém poderia tocar saxofone ao nível de um Charlie Parker ou trompete com a complexidade de um Dizzy Gillespie? Bird e Diz tinham criado e estabelecido padrões ao estilo bebop, a um nível em que eram insuperáveis, e a maioria dos seus seguidores esperavam ser, no máximo, os melhores imitadores. Quando Miles Davis teve a oportunidade de comandar suas primeiras sessões de gravação fora do universo de Parker, liderou um noneto composto por solistas de influência cool (Lee Konitz e Gerry Mulligan) e deu maior ênfase aos arranjos (feitos por Evans, Mulligan, John Lewis, Johnny Carisi e o próprio Davis). A banda (que depois teve o nome de The Birth Of The Cool Nonet) tocou para o público somente durante a folga de duas semanas de Count Basie no Royal Roost em 1948 e depois gravou uma dúzia de músicas para a Capitol no período de 1949-50, mas o seu impacto só foi sentido depois de uma década. Outro importante e influente grupo de jazz nos primeiros anos do cool foi o do pianista Lennie Tristano. Era uma espécie de guru para os seus músicos (também para os seus alunos). Tristano acreditava em longas linhas melódicas, na ausência do vibrato, em avançados chorus de improvisações e mantinha o baixista e o baterista contidos numa marcação rítmica bem calma. Com o sax-altista Lee Konitz, tenorista Warne Marsh e o guitarrista Billy Bauer, Tristano realizou algumas das mais importantes gravações de 1949. Os bem colocados uníssonos feitos pelos saxofonistas, os seus timbres pouco usuais e alguns acentos pouco previsíveis fez com que sua música soasse como única. Acrescente-se o facto de Tristano (em Intuition e Digression) ter gravado as duas primeiras improvisações num tom de free jazz. Entretanto, no final dos 50, a música mudou radicalmente seu rumo. O Hard Bop, um estilo de jazz mais excitante adicionou elementos fortes de blues e gospel e nessa época, começava a decolar a modernidade contida no free jazz de Ornette Coleman; e não podemos esquecer que o rock and roll estava a conquistar novos públicos e mercados. Por volta de 1960 o cool jazz já não era o estilo de referência. A maioria dos principais instrumentistas do West Coast Jazz continuariam a ter uma longa e produtiva carreira. Gerry Mulligan, que formou outro quarteto sem piano em 1958 com o trompetista Art Farmer, liderou a Concert Jazz Band, que pode ser considerada como a melhor big band cool no começo dos anos 60. O cool e o bop dominam a década de 50, até à chegada do free jazz, dando voz às perplexidades e incertezas dos anos 60. Mas o free jazz não aparece como uma drástica rejeição da tradição jazzística, mas sim como sua radicalização, por um caminho que já tinha sido iniciado por boppers como Charlie Parker e Thelonious Monk: o caminho da


ruptura cada vez mais explícita com certas regras escritas da forma jazzística que limitavam de maneira cada vez mais insuportável, a criatividade dos novos músicos.”Não existe uma maneira correcta de tocar jazz. Relacionando uma nota com um acorde tradicional, limita-se a escolha da nota seguinte”. Esta afirmação de Coleman evidencia a atitude dos primeiros jazzmen. O mercado discográfico descobre a presença do free jazz com uma gravação de Taylor no final de 1955, Jazz Advance. A este se seguirão, a partir de 58, os primeiros LPs de Coleman, até chegar a etapa colemaniana do free jazz de 60. Em Free Jazz Coleman grava uma improvisação colectiva de dois quartetos sobrepostos com a duração de 36 minutos e 23 segundos- a mais longa sessão de jazz gravada até então. O disco causou polémicas e discussões no ambiente jazzístico, desenvolvendo a difusão da nova música. Músicos como Coltrane. Sonny Rollins e Gil Evans começaram a colaborar com Coleman, Taylor, Albert Ayler e o quarteto de Bill Dixon e Archie Shepp, o New York Contemporary Five, com Shepp, Cherry e John Tchicai. No final dos anos 60, acontece a inevitável fusão do jazz com o rock, resultando primeiro em obras inovadoras e vigorosas. Poder-se-ia retornar a 1959 e traçar o nascimento do jazz-rock, com o pionerismo de Ray Charles, utilizando o piano eléctrico no seu sucesso gospel/blues/jazz “What’d I Say,” até Joe Zawinul, no Cannonball Adderley Quintet, com o meio gospel “Mercy, Mercy, Mercy” em 1966. Apesar de existirem pequenas dúvidas sobre como se cristalizou a fusão do jazz com o rock, ela foi feita de uma forma vital e original, servindo de guia e referência para os futuros líderes do movimento. O maior deles seria Miles Davis, sempre curioso, sensível às correntes de rock e R&B no final dos anos 60: bebendo dessas fontes, gerou o seu jazz fusion. Assim como o jazz nos turbulentos anos 20, o rock dos anos 60 (junto à explosão da soul music que estava no ar quando houve a invasão dos Beatles em 1964), foi percebido por sensíveis artistas que não puderam ignorar a sua vitalidade nem o seu efeito sobre a cultura. Devido ao enfraquecimento do jazz, em função da disputa entre os hard boppers e os raivosos artistas do free jazz, muitos músicos alienados ou cansados começaram a olhar para o rock, que depois de um nascimento barulhento, rapidamente desenvolveu uma forma de arte multifacetada e bastante imaginativa. A introdução de teclados electrónicos, tais como o Wurlitzer e os pianos eléctricos FenderRhodes e sintetizadores da ARP e outros, e a aparelhagem de efeitos sonoros, como a Echoplex e moduladores, actualizaram os pianistas com uma galáxia de novos sons a serem explorados. Para Miles, a fusão do jazz com o rock era um processo evolutivo, e a partir da ideia de Zawinul ao utilizar o piano eléctrico, gradualmente foi acrescentando mais teclados e guitarras eléctricas. Fez com que Tony Williams e depois Jack DeJohnette acelerassem a batida, dispensando a velha harmonia, para que os solos dos metais fossem jogados numa textura turbulenta. Essa evolução começou a acontecer no final de 1967, com a gravação de Miles In The Sky e Filles

de Kilimanjaro até chegar às obras-primas eletrónicas, In A Silent Way e Bitches Brew, anunciando ao mundo que Miles tinha aceite o desafio do rock. Denso e abstracto, apesar das influências dos ritmos do rock, Bitches Brew tornou-se uma inesperada surpresa, ganhando um disco de ouro em 1970, e inaugurando a era jazz-rock. A incubadora de Miles acabou por gerar vários grupos, liderados por grandes instrumentistas da sua trupe. Herbie Hancock deixou a banda e enveredou pelos caminhos do fusion com seus combos, dos quais o mais famoso foi o Sextet. Tony Williams organizou o seu grupo Lifetime, um trio cheio de energia e voltagem, influenciado pelas inovações de Jimi Hendrix. Joe Zawinul e Wayne Shorter reuniram-se em 1970 para formar o Weather Report, que carregou a bandeira do jazzrock até meados de 80, com criativas texturas electrónicas, liberdade na improvisação e absorvendo influências do Terceiro Mundo. O guitarrista John McLaughlin, primeiro com o Lifetime e depois com seu próprio grupo, Mahavishnu Orchestra, aperfeiçoou a fórmula do alto volume e toque rápido para atingir os aficcionados do rock. O teclista Chick Corea, primeiramente, baixou o volume em Return to Forever, em razão das influências brasileiras, mas depois acelerou em direcção ao rock, numa segunda versão do grupo. Keith Jarrett provou do fusion utilizando teclados electrónicos, assim como fez Larry Young, organista do Lifetime. Era um tempo vigoroso e pensante do jazz - pelo menos do lado electrónico - e parecia que iria durar para sempre. Mas, antes do final da década, vários projectos já desenvolvidos no jazz-rock se desmantelaram ou ficaram difusos. Miles pôs um pedal wah-wah no seu trompete e encaminhou o seu fusion para além da densa floresta da aparelhagem eletrónica, apresentando uma música que derivava para o imcompreensível, até à sua retirada temporária em 1975 por problemas de saúde. Hancock dissolveu o Sextet, e formou juntamente com o saxofonista Bennie Maupin, o conjunto de jazz-funk Headhunters (que atingiu sucesso nas vendas de discos), mas aos poucos foi-se deslocando para outros idiomas musicais. Jarrett renunciou radicalmente aos teclados electrónicos, em razão da sua paixão pelo grand piano, e a maioria dos pianistas, inclusive Corea e Hancock, seguiram, no todo ou em parte, esse caminho. McLaughlin tirou a tomada do Mahavishnu para formar um grupo acústico temperado de música indiana, Shakti, e depois voltaria, sempre que possível, para a música electrónica. Uma nova onda de combos jazz-rock, como o Spyro Gyra e Yellowjackets, passou a usar nos seus repertórios de jazz, formas e ritmos de R&B/funk/pop, química essa que atraiu um público bem maior do que o fusion inicial. Um pouco em função da perda de inspiração do rock e do desinteresse dos patrocinadores do fusion, nos anos 80 houve o renascimento do hard bop, acompanhado por uma campanha contra o jazz electrónico, comandada pelo trompetista Wynton Marsalis e o seu mentor Stanley Crouch. Parecia que o jazz-rock estava com seus dias contados na história do jazz. Mas não


foi bem isso o que aconteceu. Um revivido Miles Davis, de 1981 até a sua morte, continuou a utilizar um fusion bem mais sintetizado, sem retorno ao som acústico. Zawinul continua a carregar a bandeira do Weather Report e a sua música electrónica, e Corea fez uma digressão e gravou com sua banda de jazz-rock Elektric Band. Os guitarristas John Scofield, Pat Metheny e Mike Stern encontraram os seus caminhos próprios num inteligente jazz-rock, e jovens grupos como o trio de Medeski, Martin e Wood ressucitaram o fusion e o funk de 70 com a roupagem dos anos 90. Depois das intensas aventuras de improvisadores como o pianista Cecil Taylor e o sax-tenor Pharoah Sanders (primeira fase), tornou-se óbvio que o jazz não podia ser mais free, ou evoluir nessa direcção. Podia dizer-se que o jazz, como o tenorista Albert Ayler, cuja música ia da exploração de sons nervosos e gritantes para as marching bands de New Orleans, tinha ido tão longe, que agora estaria a voltar ao seu começo! “Novo” já não seria considerado superior ao que fosse “velho,” tocar um inventivo swing ou bop não seria comparável a usar um chapéu velho. Pelo contrário, em razão de já não existir uma figura dominante (John Coltrane ou Charlie Parker) para ser reverenciada e copiada, o jazz pareceu estar sem objetivo, quando de facto, todos atiravam em todas as direcções ao mesmo tempo. Alguns artistas retomaram os velhos estilos, outros “mixaram” jazz com os idiomas da World Music. Instrumentos acústicos foram retomados, apesar dos electrónicos continuarem com a mesma importância. No final de 90, todos os estilos de jazz estão a ser executados. Na realidade, todos os estilos de jazz continuaram a existir nas décadas de 80 e 90, e uma divisão mais acurada pode ser feita estabelecendo quatro áreas musicais para estabelecermos referências para os artistas do jazz nesse período: Post Bop (ou Neo Bop), Avant-Garde, Fusion até Crossover e Mainstream até Dixieland. Post Bop tem no hard bop a sua base, enquanto aberta às influências do Miles Davis Quintet dos anos 60, da vanguarda do jazz e pitadas de R&B e funk. O jazz de vanguarda ficou muito esquecido em função do fusion e do rock durante os anos 70, mas no final da década, a maré começou a mudar. Wynton Marsalis, um virtuoso trompetista de 18 anos, tornou-se uma estrela, solando no Art Blakey’s Jazz Messengers.A sua ascensão para a fama como um articulado porta-voz do jazz, encerrou uma década onde poucos trompetistas foram revelados. Em razão de ter tocado hard bop muito cedo, com um som lembrando o Miles Davis da metade dos anos 60 e pelo facto de influenciar jovens músicos, Marsalis logo ficou conhecido como líder dos Young Lions. São considerados como Young Lions, além de Marsalis, os trompetistas Terence Blanchard, Wallace Roney, Roy Hargrove, Philip Harper, Marlon Jordan e mais recentemente, Nicholas Payton; os pianistas Marcus Roberts e Benny Green, os altistas Donald Harrison e Christopher Hollyday e os tenoristas Branford Marsalis e Joshua Redman. Acrescentase à obra dos Young Lions, o retorno dos velhos sobreviventes dos anos

70, que descobriram espaço e oportunidades para gravarem nas décadas de 80 e 90. Gigantes voltaram à cena, como no dueto de Chick Corea e Herbie Hancock (ambos alternando piano acústico e sintetizadores), como o saxofonista tenor Joe Henderson (que se tornou popular, sem alterar a sua música, apoiado apenas numa bem sucedida campanha de marketing da Verve), como o pianista McCoy Tyner e o baterista Elvin Jones ou o tenorista imortal Sonny Rollins. O conceito de Post Bop pode ser aplicado a qualquer estilo que seja mais avançado do que bebop, mas não tão livre quanto avant-garde. Estão dentro dessa área os guitarristas John Scofield (cujo som distorcido e distinto é carregado de sensibilidade influenciada pelo bop), e o versátil Pat Metheny; os tenoristas Michael Brecker e Joe Lovano; e o altista Kenny Garrett. De facto, o campo de acção do post bop abrigou um número maior de instrumentistas e de novas vozes. O fusion começou a declinar a partir de meados de 70, mas continua um estilo excitante, quando executado com criatividade. Chick Corea’s Elektric Band, o guitarrista Kazumi Watanabe e Scott Henderson’s Tribal Tech são bons exemplos de fusion nos anos 90. Enquanto o fusion é uma mistura de improvisação de jazz com ritmos de rock, o jazz recebeu influências de outros estilos musicais. O popular conjunto Spyro Gyra e os saxofonistas Grover Washington Jr. e David Sanborn colocaram nas suas improvisações jazzísticas altas doses de R&B. Por outro lado, a vanguarda continuou a ter seu espaço artístico, apesar de menos influente do que nos anos 60. As mortes de John Coltrane (1967) e Albert Ayler (1970) deixaram enormes lacunas que se amplificaram com as decisões de Archie Shepp e Pharoah Sanders de tocarem um jazz mais tradicional. Entretanto, a gradual ascensão de instrumentistas radicados em Chicago e associados à AACM (Art Ensemble Of Chicago, o multi-palhetista Anthony Braxton e o trompetista Leo Smith) deram à música uma nova vida. Apesar da música possuir uma alta energia e densidade, estes músicos e outros contemporâneos acrescentaram o uso do silêncio, dinâmica, variedade e melodias, à vanguarda. Apesar do jazz não ter recuperado seu espaço na música popular americana, hoje existe mais actividade do que nunca na história do jazz, havendo uma grande produção de cd´s. Possivelmente, o melhor exemplo do jazz dos anos 90 é o saxofonista James Carter, um prendado e jovem músico, que tem mostrado habilidade em tocar criativamente, cada estilo de jazz, indo de New Orleans jazz, swing para o bop e a vanguarda. Os seus solos são carregados de criatividade e originalidade, inspirados na fonte da tradição; outras vezes os solos são modernos, explosivos e impacientes, mas buscam sempre a novidade, fugindo sempre das facilidades e dos clichés. Texto editado por João Simas a partir da “História do Jazz”, publicada no site www.clubedejazz.com.br


FERNANDO

BRITO

Artista plástico, nascido na Pampilhosa da Serra a 10 de Dezembro de 1957. Para além do seu percurso individual próprio, que começa a tomar forma na primeira metade da década de 1980, quando conclui o curso de Pintura na Escola de Belas Artes de Lisboa, integrou o Grupo dos Homeoestéticos [conjuntamente com Ivo, Manuel Vieira, Pedro Portugal, Pedro Proença e Xana] cuja manifestação mais marcante foi a exposição Continentes, realizada em 1986 na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Sobre a Homoestética, escreveu João Fernandes na apresentação do catálogo da exposição que o Museu de Serralves dedicou a este movimento em 2004:

“A realização de uma exposição sobre a história e as realizações do Grupo dos Homeoestéticos, permite esclarecer um dos capítulos mais curiosos do contexto artístico português das últimas duas décadas. (...) Claramente influenciados pelo paradigma mitológico das estratégias de grupo na afirmação das vanguardas nos modernismos do princípio do século (que, em Portugal, foram protagonizadas pelo grupo da revista Orfeu), os vários grupos surgidos no contexto português recuperam alguns dos seus procedimentos accionais e performativos, mas revelam-se sobretudo como utensílios para o aparecimento e a legitimação das obras dos artistas que os constituem”. É actualmente representado pela Galeria Presença (Porto). Vive e trabalha no Baixinho, arredores de Santarém.



LET`S BRUCE

GET

WEBER

LOST

[1988]

“Ouvi a primeira vez Chet Baker num disco dos anos 50, quando comecei a tocar Jazz. Fiquei imediatamente rendido ao seu calor, lirismo e ao delicado sentido melódico.” Herbie Hancock in texto que acompanha a versão em DVD do filme Let´s Get Lost.

O trompetista Chet Baker, inspirado na sonoridade de Miles Davis, tornou-se famoso em 1952, no quarteto de Gerry Mulligan, um músico já prestigiado pela presença e arranjos nas sessões do “Birth of the Cool”, de Miles Davis. Com Mullingan, Baker imortalizou o tema “My Funny Valentine”. Ainda no mesmo ano, Baker toca com Stan Getz, Paul Desmond e Charlie Parker, que gostava do som doce, suave, honesto e directo do “gatinho branco”, como ele lhe chamava.

Quando Bruce Weber finalizava a montagem de Let´s Get Lost recebeu a notícia da morte de Chet Baker. O trompetista apareceu morto na rua, por baixo da varanda do hotel Prins Hendrik, em Amesterdão, onde estava hospedado. Tinha 58 anos. Alimentando ainda mais o mito que tinha sido a sua vida, a morte ficou por esclarecer. A polícia holandesa nunca admitiu o homicídio, como chegou a constar entre tantas versões. No sangue de Baker foram encontrados vestígios de heroína e cocaína. Dois anos antes, numa entrevista a Elvis Costello no Ronny Scott Café, em Londres, revelou que se injectava com “speedball” uma mistura de cocaína com heroína. Bruce Weber pagou o funeral e a trasladação para os EUA, onde o músico foi enterrado ao lado do pai. No funeral estiveram pouco mais de 50 pessoas. Sem uma obra cinematográfica significativa, Bruce Weber conquistou com o filme um lugar de referência no cinema documental, imortalizando uma das figuras mais carismáticas, polémicas e que sempre dividiu opiniões na história do Jazz. Com este filme, o mito Baker reconstrói-se num novo mito. Filmado a preto e branco e muitas vezes com recurso ao alto contraste e ao grande plano, impõe ao espectador uma visão dramática e iconograficamente intensa de Chet Baker, de quem Weber disse ter uma beleza que o perturbava.

Chesney Henry Baker (Chet Baker) nasceu em Yale, Oklahoma em 23 de Dezembro de 1923. Em 1942, inicia-se no trompete na Glendale School Orchestra, onde faz estudos musicais. Entre 1946 e 48, é músico militar na 298ª Banda do Exército estacionada em Berlim, onde o baixista Don Bagley o convence a dedicar-se profissionalmente à música. Em 1948, começa a tocar em clubes de jazz de Los Angeles e dois anos depois casa com Charlaine. Regressa ao exército em 1950, de onde, três anos depois, é expulso por “instabilidade mental”. Em 1953, Chet Baker deixa o grupo de Mulligan e forma um quarteto com o pianista, onde se destaca Russ Freeman, que já tinha tocado com Dexter Gordon e Art Pepper. É nesta época que grava para a “Pacific Jazz Records” as famosas sessões, que muitos consideram o melhor de Baker e que se transformaram em ícones do Jazz, com as fotografias de William Claxton. Em 1954, Baker foi considerado o trompetista do ano pelas revistas Down Beat e Metronome, vencendo Miles Davis, Dizzy Gillespie e Clifford Brow. Este prémio irritou Miles, que considerava Baker um simulacro de músico. O ano de 1955 é passado em concertos na Europa e participa no filme de guerra “Hells Horizon”.


Em 1956, casa com Halema, de quem teve um filho, Chesney Baker. De regresso aos Estados Unidos começam os conflitos com as autoridades, relacionados com o consumo de droga, e passa uma temporada no Lexington Federal Hospital, no Kentucky. Grava com Phil Urso, Art Pepper e Bud Shank. Em 1957, junta-se de novo a Mulligan e aumentam as temporadas em clínicas e prisões. Em 1959, preso em Harlem por posse de droga, parte para a Europa depois de libertado, acabando por ser preso em Itália e posteriormente na Alemanha, de onde foi deportado para os EUA pelos mesmos motivos. Nesta época inicia-se no flugelhorn. Em 1964, casa com Carol, de quem teve três filhos, Dean, Paul and Melissa. Vive entre Nova Iorque e Los Angeles e grava para a Pacific Jazz e para a Verve. Em 1963, participa com Terry Riley na gravação de “Music for the Gift” um dos temas fundadores da música Minimal. Em 1968, muda-se para São Francisco. Numa briga nunca esclarecida, perdeu os dentes da frente. A carreira parecia perdida. Tocar um trompete com dentadura postiça era impossível, disseram-lhe. Pára de tocar durante dois anos e trata-se com metadona. Em 1974, com a ajuda de Dizzy Gillespie, que lhe oferece tratamento de apoio psicológico e uma dentadura postiça, Baker regressa às gravações com um som menos poderoso, mas mais intimista. Junta-se à cantora de Jazz Ruth Young. Entre 1974 e 1987, passou muito tempo na Europa, onde gravou muitas sessões, sobretudo na Dinamarca, para a editora SteepleChase. Em 1988, num passeio de Amesterdão, morreu o homem e nasceu o mito do Cool Jazz da costa Oeste e um dos ícones do Jazz. Ficava mais pobre o Cool, tornado famoso pelas orquestras de Stan Kenton e Woody Herman e que surgira em “oposição” ao Bebop, na defesa da reabilitação da melodia para ser cantável, sedutora, tonal, fútil até; o mesmo Cool que provocava, por sua vez, a “oposição” dos homens do Hard-bop, como Art Blakey, Max Roach ou Clifford Brown. É este homem, que tocou e cantou (com skats memoráveis), tantas vezes de um modo tímido, profundo e frágil o “American Songbook” em oposição às vozes poderosas de Sinatra e Billy Eckstine, que Bruce Weber narra no seu filme. Let´s Get Lost é também a narrativa de uma paixão. Como disse Ruth Young com quem viveu 10 anos “quando Chet cantava as palavras também eram notas musicais” e há até quem diga que João Gilberto, que procurava um novo som, o terá encontrado depois de ouvir Chet Baker. Bruce Weber nasceu a 29 de Março de 1946, em Greensburg, na Pensilvânia. Richard Avedon reconhece-lhe talento e aconselha-o a estudar fotografia. Encorajado por Diane Airbus viaja pela Europa durante um ano.

Quando regressa aos EUA, no início dos anos 80, Calvin Klein e Ralph Lauren reparam no seu trabalho e contratam-no. Fez capas para vários discos de Chris Isaak e Harry Connick e telediscos dos Pet Shop Boys. Em 1988, rodou Let´s Get Lost, o documentário sobre Chet Baker que o consagrou no cinema documental. Como fotógrafo de moda, tem trabalhado nas revistas Vogue, Vanity Fair, Elle, Life, Interview e Rolling Stone. Foi responsável pelo lançamento da carreira de modelo de Isabella Rossellini. No rescaldo do filme sobre Baker disse à revista Vanity Fair: “Este filme mudou-me a maneira de fazer fotografia. Tornei-me mais informal, faço menos estúdio a apetece-me ir para a rua fazer fotografia espontânea.” Mário Mota Correia

Filmografia de Bruce Weber: - Beauty Brothers (1987. 12 min./preto e branco e cor) - Broken Noses (1987, 75 min./preto e branco e cor) - Let’s get lost (1988, 120 min/ preto e branco) - Backyard Movie (1991, 9 min/ preto e branco) - Gentle Giants (1994, 15 min/ preto e branco e cor) - The Teddy Boys of the Edwardian Drape Society (1996, 4 min./ preto e branco) - Chop Suey (2000, 94 min./ preto e branco e cor) - A Letter to True (2004, 78 min./ preto e branco e cor) - Wine and Cupcakes (2007, 12 min./ cor) Nota: A obra completa de Bruce Weber está neste momento disponível em DVD em Portugal. Discografia sugerida de Chet Baker : - “Chet Baker Sings” Pacific Jazz/Blue Note, Los Angeles 1954/53. 3cds - “Chet Baker Once Upon a Summertime” Universal Records, Nova Iorque, 1977 - “It Could Happen to you Chet Baker Sings” Universal Records, NY, 1958 - “Mulligan/Baker, Pacific Jazz Records, Los Angeles, 1952 e 1953 - “Diane” SttepleChase, Copenhague, 1985. - “My Funny Valentine” Pacific Jazz de Los Angeles, 1953/54 - “Chet”, Riverside, Nova Iorque, 1958/59 - “Playboys”, Jazz Track, Los Angeles, 1956, com Art Pepper - “Chet Baker Plays the Best of Lerner&Loewe”, Riverside, Nova Iorque, 1959 - “This Is Always” SteepleChase, Copenhague, 1979

-“Someday My Prince Will Come” SteepleChase, Copenhague, 1979 - “Daybreak” SteepleChase, Copenhague, 1979 -“Chet Baker Big Band” Pacific Jazz Records, Los Angeles, 1957 -“Do It the Hard Way” Chet Baker the Riverside Years, Nova Iorque, 2003 -“The Touch of Your Lips”, SteepleChase, Copenhague, 1979 -“The Route” Pacific Jazz, Los Angeles, 1956 -“Chet Baker Sings” Pacific Records, Hollywood, 1954/56 - “Music for The Gift” de Terry Riley, sessão de 1963, em Paris, na Rádio France. Este disco, onde se encontra também o Mdescalin Mix, é considerado um dos fundadores do movimento minimal. -“Let´s Get Lost” BMG, Hollywood, 1988 Bibliografia sugerida: Gavin, James, “Deep in a Dream” Ed.Chatto&Windus, NY, 2002 Davis, Miles, “Miles The Autobiography” Ed. Simon and Schuster, NY, 1989 Ross, Alex, “The Rest is Noise”, Ed. Harper Perennial, London, 2004 Berente, Joachim-Ernst – “Le Grand Livre du Jazz “Ed. Rocher, Mónaco, 1986 Wagner, Jean, O Guia do Jazz, Ed. Pergaminho, Lisboa, 1990 Claxton, William, Jazz, Ed. Taschen, Berlim, 2002 Claxton, William, California Cool, Ed. Taschen, Berlim, 2004 Filmografia Complementar: Chet Baker Live at Ronnie Scott´s, ed.Umbrella Music, 2002, Concerto em Londres dirigido por Elvis Costello.


ROUND

BERTRAND

MIDNIGHT TAVERNIER

[1986]

O filho do médico (não é o retrato que se parece com o modelo, é o modelo que se parece com o retrato). Detesto ouvir apresentar filmes. A realidade, lembra Richard Rorty, é indiferente às descrições que fazemos dela. Um filme só vai significando entre os outros: só vai tendo lugar, mais ou menos relevante, na participação no que cada um dos outros vai sendo mais ou menos relevante: só vai sendo cinema (que só vai sendo a parte cinematográfica do mundo). O que um falador mais ou menos cheio de si lhe acrescenta é leitura que encanta ou irrita (ou nem isso): tempo de espera. Baudelaire amou e traduziu Poe. Até 1942 (até 7 de Dezembro de 1941), o povo americano, pragmático, restrito à própria língua e insulado entre dois oceanos, sabia da França, pelos compêndios, que era o país de Lafayette e de uma revolução treze anos posterior à sua (os sobreviventes de entre os negros que em 1917 tinham atravessado o Atlântico para enfrentar o império alemão, tinham regressado com lembranças indeléveis (e relatos assombrados) de um povo que os tinha cumulado de manifestações de gratidão e de respeito), mas antes da deslocação do centro da actividade artística de Paris para Nova Iorque (Greenberg assina “The Decline of Cubism” em 1948), consequência do nazismo inteiramente consumada no 1959 em que Dale Turner chega ao Paris de Alexander Trauner, já os Estados Unidos da América, primeira sociedade de consumo, agressiva exportadora dos seus signos (filmes que davam a ver e a desejar, automóveis, canções, heróis, refrigerantes, todo um código de posturas), estavam firmemente instalados no imaginário francês. O clarinetista Sidney Bechet desde 1919 (mas envolvimento num tiroteio de

que resultaram feridos custou-lhe um ano numa prisão francesa), a bailarina cantora Josephine Baker desde 1925 (Loos, a quem ensinou o Charleston, imaginou para ela um palacete significativamente preto e branco), foram ídolos da melhor sociedade parisiense. Charles Lindbergh aterrou em Le Bourget a 21 de Maio de 1927. Django Reinhardt, Joseph Reinhardt, os irmão Ferret, Óscar Aleman, Robert Normann, Ivor Mairants, Albert Harris, Alfio Grasso, Ian Mol, Stefan Grapelli, retomavam à escala e à maneira o jazz americano. André Citroen quis ser o Henry Ford da Europa. Muitos metros de comovente filme mostram o acolhimento dispensado pelas parisienses à quarta divisão americana de infantaria que libertou a capital francesa ao lado de Leclerc (noventa por cento da primeira vaga desembarcada em Omaha Beach a 6 de Junho tinha morrido sem chegar à areia). Round Midnight (1985), que conta com a colaboração de músicos de primeiro plano (a banda sonora de Herbie Hancock valeu prémio em 1986), resulta do fascínio de mais um francês (Bertrand Tavernier, escondido atrás de um François Borriet desenhado por François Cluzet), por um americano [Dexter Gordon, mais visivel através de um Dale Turner que assume as suas influências (Coleman Hawkins, Lester Young, Ben Webster), toca com o som que o indiciava, e agradece como ele agradecia, o saxofone erguido como uma taça num brinde ou um animal sacrificado]. O primeiro, nascido em Lyon a 25 de Abril de 1941, quis ser cineasta aos catorze anos, assume influências de John Ford, William Wellman, Jean Renoir, Jean Vigo e Jacques Becker, estreou-se a trabalhar com Jean-Pierre Melville e arrecadou o urso de prata do festival de Berlim (1974) com “L’horloger de Saint-Paul”. O segundo, filho de um médico que teve por pacientes Duke Ellington e Lionel Hampton, nascido em Los Angeles a 27 de Fevereiro de 1923, começou a


tocar clarinete aos treze anos e saxofone (inicialmente alto) aos quinze e fez recruta com o Lionel Hampton que o pai tratava, Nat Cole e Harry Edison, Louis Armstrong, Fletcher Henderson e Billy Eckstine. Em 1945, estava em Nova Iorque a gravar com Charlie Parker e em nome próprio, conhecido pelo som enorme e pela tendência para tocar atrasado, célebre pelos duelos ao vivo com outro jovem virtuoso (Wardell Gray) documentados em discos saídos entre 1947 e 1952. Tinha começado a gravar para a Blue Note, colaboração que haveria de resultar em muito do seu trabalho mais admirado. A partir de 1962, passou quinze anos sobretudo em Paris e Copenhaga (a Europa pareceu-lhe menos racista e mais respeitadora do que a América) tocando regularmente com outros expatriados: Bud Powell (em cujas atribulações o argumento de Rayfiel e Tavernier se baseia), Ben Webster (um favorito), Freddie Hubbard e Bobby Hutcherson (ao lado dos quais aqui aparece), Kenny Drew, Horace Parlan e Billy Higgins. Regressou triunfalmente em 1976. Aquele que o público alvo do filme sabe que foi uma lenda real enche o ecrã com um retrato, composto de si próprio, de uma lenda fictícia. “Round Midnight” não é a primeira passagem de Gordon pela representação. Em “Unchained” (Hall Bartlett, 1955), filmado na penitenciária de Chino (Califórnia) onde se encontrava detido por posse de heroína, deu corpo e expressão musical (posteriormente regravada) a Swanson, o saxofonista da banda. Em 1960, foi o saxofonista da produção angelena da peça de Jack Gelber “The Connection”, em substituição de Jackie McLean, que tinha tocado e gravado a partitura de Freddie Redd na produção nova-iorquina. Depois da colaboração com Tavernier, foi convidado de “Crime Story” (Michael Mann), objectivamente do décimo episódio da segunda série (“Moulin Rouge”, 5 de Janeiro de 1988). Ainda veio a ser o mudo Rolando em “Awakenings” (Penny Marshall,1990, dominado por Robert de Niro e Robin Williams), que teve estreia já após a sua morte. Fernando Brito


BIRD CLINT

EASTWOOD

[1988]

Charlie Parker (1920-1955) morreu a rir quando assistia ao show televisivo de Jimmy and Tommy Dorsey. Uma vida que terminou prematuramente numa gargalhada mas que não foi o eco de uma biografia de estilo burlesco. Parker foi um autodidacta mas também um génio com tendências autodestrutivas. É essa ambiguidade que é esculpida por Clint Eastwood em “Bird” (1988), num retrato a preto e branco, de pendor dramático com a marca registada de Eastwood que, tal como em “Million Dollar Baby” (2004), evita a vibração do technicolor optando por um registo que, apesar da cor, evoca o film noir. Em “Bird” a fotografia, por conta de Jack Green, é ingrediente essencial do filme e é nela que Clint Eastwood exerce o seu magnetismo. ”Gosto da luz, da obscuridade e de todas as suas nuances” disse o realizador a propósito de “Bird” que é também neste sentido um filme seminal para a restante carreira de Eastwood. Neste filme de 1988 o cineasta assina uma homenagem ao Jazz que faz parte da banda sonora da sua vida num longo love affair que começou com a música de Louis Armstrong. Este filme não era um projecto comercial, como referiu na entrevista ao programa “inside the actors studio”, mas sim um projecto que Eastwood quis realizar a pedido. Nos caminhos da vida não se cruzou com Charlie Parker mas assistiu ao emergir de um novo som profetizado por Dizzy Gillespie e a partir daí o Jazz, que conhecera ao ouvir Louis Armstrong, marcaria para sempre o compasso de Eastwood. Efectivamente, o actor e realizador norte-americano afirmaria mais tarde, com a convicção de um dogma, que “os americanos engendraram apenas duas formas autenticamente originais: o western e o jazz”. Em “Bird” a narrativa não segue a lógica linear e popular do western, mas sim o fluxo do Jazz numa série de quadros da vida de Charlie Parker que se vão encadeando em sucessivos e dramáticos flashbacks. Mas aqui não há lugar ao improviso e o filme de Eastwood pretende ser um rigoroso biopic da vida de Charlie Parker para o qual muito contribui o relato de Chan Parker (“My Life in E Flat” é o livro de memórias da viúva de Parker que só

foi publicado em 1999), e de Dizzy Gillespie. Cinematograficamente “Bird” é um filme rigoroso. Rigorosamente nocturno e talhado em technicolor como se fosse um filme a preto branco evocando os anos quarenta. Mas o rigor e o zelo de Eastwood reflectem-se ainda numa magistral banda sonora com a re-orquestração dos temas de Charlie Parker com músicos contemporâneos que acompanham os originais solos de saxofone de Bird. O resultado é uma banda sonora invulgar que deu o privilégio a músicos de Jazz dos anos 80 de tocarem com Charlie Parker anos depois da sua morte. Como se vê não há aqui improviso ou qualquer imitação, mas sim a marca de excelência de Clint Eastwood que, na sua resiliente teimosia, impôs ao estúdio este caderno de encargos cinematográfico que contaria, a título póstumo, com o verdadeiro Charlie Parker na banda sonora do filme. Para esta gravação histórica contribuiu particularmente Charles McPherson, ele próprio um discípulo de Charlie Parker, e que serviu de “duplo” para complementar a banda sonora do filme em algumas das sequências em que era impossível recorrer a gravações originais. Na arte final do produto temos a presença do som de Charlie Parker, um músico revolucionário, que representou o fim de uma tradição e o emergir de algo inteiramente novo no Jazz. Nos anos quarenta do Sec. XX a “golden era” do swing estava já em decadência e a música de Charlie Parker é de certo modo o requiem que anuncia o fim da moda das grandes bandas de jazz. Paradoxalmente Parker sofre um fulminante e mortal ataque cardíaco enquanto assistia ao Stage Show da CBS, que era um espectáculo de variedades apresentado pelos irmãos Jimmy e Tommy Dorsey, outrora estrelas das Big Bands! As bandas de swing ecoavam agora no passado como ruído de fundo do qual emergia um novo mundo para o Jazz: o bebop. A guerra também tinha feito as suas “baixas” nas grandes orquestras de swing que até ao início da II Guerra Mundial reinaram na ressaca da grande depressão. Com o fim da época do swing fechavam-se também as portas dos salões de dança. Além da falta


de público a produção da indústria discográfica entrava também em crise com a escassez de músicos que eram agora recrutados em massa para o esforço de guerra. O bebop surge assim dos escombros do swing e do pós guerra mas, em bom rigor, é uma evolução a partir do sistema das grandes orquestras e dá os primeiros acordes na Rua 52 de Nova York, curiosamente popularmente conhecida como “Swing Street”. Nesse sentido poder-se-á afirmar que a inovação do bebop era mais rítmica do que harmónica. Na liderança desta revolução dois nomes : Dizzy Gillespie e Charlie Parker. Dizzy Gillespie foi uma espécie de tutor de Parker com um ascendente paternalista sobre Bird. Gillespie, ao contrário de Parker, cultivava uma imagem pública de respeitabilidade e de activismo cívico de tal forma que, sob o lema “a política devia ser uma coisa melhor”, concorreu em 64 à Casa Branca! Parker era o reverso dessa imagem “clean” e teve sempre a companhia demoníaca da heroína, à qual se tinha “agarrado” aos 15 anos de idade, e na falta desta começou a compensar com doses homéricas de álcool. Era um génio musical, autodidacta, mas com um “death wish” autodestrutivo. Porém, o seu nome é uma marca cronológica na tabela do Jazz ao operar a transição deste, como música de conjunto, para uma expressão musical que privilegia o virtuosismo e o improviso do solista. Assim, “Bird” escreve o epílogo da obra já iniciada com Louis Armstrong. Efectivamente, com Charlie Parker, e o bebop, o Jazz assiste à glorificação dos solistas. O Jazz era agora uma forma de “arte” e não apenas de entertainment. O bebop trouxe ao Jazz um novo ritmo e uma concepção harmónica muito distante das melodias do swing. Charlie Parker colocou o solista no pedestal de uma nova corrente musical. Não só criou um “novo som” como também estabeleceu um novo cânone para o padrão do que seria, durante muitos anos, um quinteto de jazz: piano, baixo e bateria, seriam a base sobre a qual trabalhariam alternadamente o saxofone e o trompete. Esse legado de Charlie Parker permaneceu nas décadas seguintes e influenciou fortemente um dos Deuses do Jazz: Miles Davis. Curiosamente Miles Davis era um devoto de Parker de tal forma que gastou a sua primeira mesada em Nova York à procura de Charlie Parker com quem, mais tarde, viria a tocar nos clubes da Rua 52. Destes ficou ainda a memória de Birdland, clube mítico e cujo nome era já um tributo a Charlie Parker. Foi também um dos últimos palcos que o artista pisou. As primeiras gravações de Parker são de 1945. Dez anos depois, em 12 de Março de 1955, Bird sucumbia a uma vida de excessos e de tragédias pessoais. O legado e a genialidade de Parker foram o húmus para outras histórias do Jazz e, particularmente, para esse nome maior da música do Sec. XX que foi Miles Davis. Numa nota final fica o registo do paralelo inevitável entre Charlie Parker e Clint Eastwood : ambos, no início da sua carreira, foram menosprezados, até ridicularizados, mas a História veio a dar-lhes razão. João Nuno Almeida e Sousa


KANSAS ROBERT

CITY

ALTMAN

[1996]

Kansas city é tanto mais um filme sobre o jazz, quanto mais for um filme sobre o poder. A despeito de o jazz ser um elemento cenográfico esperado num filme de época cuja acção se passe numa cidade americana dos anos 30, Robert Altman, pelo protagonismo que lhe confere, reconfigura o seu campo semântico ao cruzá-lo com os modos de sobrevivência política das personagens. Entrevendo os discursos de poder subjacentes a estes, e concluindo-se a impossibilidade de os conciliar e harmonizar, o jazz ganha, por contraste, uma inusitada pregnância pelo equilíbrio e eficácia do seu resultado. A cidade de Kansas City, nos anos 30, vive marcada pelas consequências sociais e económicas da Depressão de 1929, pela segregação racial, pela corrupção política, pelo consumo de drogas, e pelo crime organizado. No entanto, ao invés de muitas cidades americanas da altura e pela influência da máquina política de Tom Pendergast- especialmente em impedir que a decretada proibição de bebidas alcoólicas vigorasse na cidade- Kansas City prospera pelo vício e pela vida nocturna, que só um paraíso de ilegalidade pode oferecer. Aqui o jazz expande-se em estilo e em força, e é daqui que saem nomes como Lester Young e Charlie Parker, pedras incontornáveis da história do jazz. Vemos que, pela abulia da lei e pelo incremento do jazz, é uma cidade onde se improvisa. Onde todas as decisões, aqui particularmente condicionadas, sofrem o impacto da condição humana no tempo, sob a qual paira a consciência da morte e o desejo de a vencer. Johny O’Hara (Dermot Mulroney) improvisa uma falsa hereditariedade para consumar um roubo e vencer de forma heróica as dificuldades económicas. Blondie (Jennifer Jason Leigh) improvisa uma identidade partilhada com Jean Harlow, actriz de Hollywood, e um rapto para repôr o reconhecimento do marido e a justiça das coisas. Carolyn Stilton (Miranda Richardson) improvisa estados de alma menos

impiedosos com láudano. Seldom Seen, (Harry Belafonte) improvisa teorias e vítimas para um poder forjado pelo medo e pelo crime, que não quer calar a revolta, mais antiga que ele, da raça negra subjugada. Henry Stilton (Michael Murphy) improvisa um compromisso político com Kansas City que lhe justifique as viagens a Washington que só visam o alargamento do seu status quo. Tom Pendergast (Jerry Fornelli) e John Lazia (Joe Digirolamo)nomes da história real de Kansas City- improvisam um partido democrata que, entre goats e rabbits e à lei da bala, garante o controlo da cidade. Johny Flynn (Steve Buscemi) improvisa uma autoridade à custa de um taco de basebol e de snacks a mercenários. Nettie Bolt (Jane Adams) improvisa uma compaixão seca que lhe serve a fachada de benfeitora. Em suma: de improviso, todos parecem crer conseguir superar o drama individual e vencer. Mas o que fica claro no final é que, na cidade, todas as situações individuais estão, de uma maneira ou de outra, intrincadas nas restantes, o que faz com que os improvisos das personagens, em vez de superações ou movimentos sem retorno, sejam como boomerangs que regressam, provocando impactos ainda mais amplos e expressivos do que as situações que os impulsionaram. O improviso torna-se, assim, a razão pela qual se permanece na dificuldade, um movimento circular de auto-perpetuação. Talvez aqui encontremos toda a força irónica do trailer de Kansas City, onde pode ler-se que se trata de uma história numa cidade onde nada é preto e branco e a música nunca pára. É uma história em que a cidade, entendida como corpo colectivo, colapsou, porque a legitimidade do poder instituído perdeu-se da crença, e- consequentemente- a música (entenda-se aqui o instinto de auto-preservação) faz-se ouvir sem parar. Olhando a cidade por cima do ombro e de sobrolho franzido- num misto de desdém e cumplicidade- o jazz, que vai ganhando a força de uma personagem omnipresente, parece conhecer toda a frustração e inconsequência dos improvisos políticos, onde vai buscar a matéria para


construir o seu discurso que, em coerência e génio, grita soluções surdas ao poder. Assim, na mesma cidade, num mesmo abandono, mas numa escala paralela, o improviso segue o seu curso (agigantando-se) no Hey Hey Club onde brilham músicos como Mary Lou Williams, Jimmy Rushing (não mencionado no filme), Coleman Hawkins, Bennie Moten, o ainda desconhecido Count Basie e o emergente Lester Young. Aqui as batalhas são pelo mérito, o colectivo é sagrado, os improvisos não acumulam mas distribuem, a eloquência é real, e o estranho mundo de Kansas City ganha finalmente um sentido. Robert Altman encontra em Kansas City- cidade onde nasceuo cenário para cruzar a música com a vida, mostrando como são, simultaneamente, cúmplices no sonho e distantes na concretização. Neste filme, entre o assumido propósito de criar de um jazz visual, e o respeito que aqueles grandes nomes do jazz impõem, Altman opta (felizmente) por rechear o palco do Hey Hey Club de estrelas do jazz como Ron Carter, Geri Allen, Joshua Redman, James Carter, Nicholas Payton, David “Fathead” Newman, Don Byron, Mark Whitfield, Kevin Mahogany, Victor Lewis, entre outros, que tocam ao vivo swing e blues ouvidos há 60 anos- o que resulta numa das raras bandas sonoras que podem também ser vistas no próprio filme. Entre os temas, vistos e ouvidos, está Tickle Toe, que abre o filme, I left my baby, o único tema cantado, e Solitude que embala o sono do jovem Charlie Parker que, tendo assistido da bancada aos dois intensos mundos de Kansas City, sonha um novo jazz que, como nos ensina Altman, estará sempre tão longe e tão perto. João Simas


STRAIGHT, CHARLOTTE

NO

ZWERIN

CHASER [1988]

Thelonious Monk. Nasceu em Rocky Mount, Carolina do Norte em 10 de Outubro de 1917. Cedo, juntamente com a mãe e irmãos foram para Nova York, San Juan Hill, bairro de Manhattan. Começou por estudar trompete mas a partir dos nove anos foi o piano o seu instrumento. Na adoslescência tocava orgão e piano na Igreja Baptista e ganhou vários concursos no Apollo Theather. Estudou no Peter Stuyvesant, um dos melhores colégios da cidade. Entre 1937 e 1941, com o seu próprio quarteto tocou em bares e clubes, altura que o baterista Kenny Clark o contratou para o Monton’s Playhouse no Harlem. É a altura de uma revolução no jazz, o Bebop. Com Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Oscar Pettiford, Max Roach, Tadd Dameron e muitos outros iniciavam as inovações que se revelaram fundamentais para o desenvolvimento do jazz moderno. Com as composições “52 Street Theme”,”’Round Midnight” e “Epistrophy”, entre muitas outras, deixou um marco na história do Jazz. Poupado na proliferação de notas, a sua música tomou um caminho muito próprio, em que nos dá a ideia de não serem necessárias muitas notas para transmitir o que vai na alma do compositor. Straight No Chaser é um dos seus álbuns dos anos 60 e tema para este filme/documentário, que nos dá uma visão da sua vida. Infelizmente, em 17 de Fevereiro de 1982 desapareceu, deixandonos com a sensação de ter ainda muito para dar, mas com a certeza de que são estes homens que fazem a música progredir, sem medo de “velhos do Restelo” que são contra tudo que seja evolução.

Carlos Riley



A

GREAT

JEAN

BACH

DAY

[1994]

IN

HARLEM

Agosto de 1958, Nova Iorque. Pelas 10 horas da manhã vários músicos começam a reunir-se junto à escadaria exterior de um prédio de apartamentos em Harlem. Aos poucos o grupo vai crescendo enquanto do lado oposto da rua um jovem de cara lavada e óculos de massa, com ares de Buddy Holly e empunhando um megafone improvisado, procura orientar e dispor os presentes ao longo dos degraus da escadaria. O jovem, de nome Art Kane, era o novo director artístico da Esquire, prestigiado título do jornalismo literário americano que começara a ser publicado no auge da Grande Depressão, em 1933, e onde colaboraram nomes ilustres como F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e Norman Mailer. A direcção da revista tinha decidido publicar um suplemento especial sobre Jazz na sua edição inaugural (Janeiro) de 1959 , dando-lhe honras de capa com o título de “The Golden Age of Jazz”, e Art Kane concebera a ideia de ilustrar o suplemento com uma fotografia de grupo que, de alguma forma, evocasse a ideia de família e comunidade. O cenário escolhido, uma rua do bairro de Harlem, fugia ao lugar comum dos ambientes nocturnos do tipo Cotton Club, mas não deixava de ser uma referência objectiva a esta expressão musical, já que Harlem era considerada a pátria do jazz nova iorquino. A convocatória para a sessão fotográfica passara de boca em boca e cinquenta e oito músicos compareceram de forma espontânea à chamada, facto tanto mais notável quanto a hora era inusitadamente madrugadora para quem, como eles, fazia da noite o seu habitat natural – (...) a musician at the shoot said he was astonished to discover that there were two ten o’clocks in each day. Conforme sublinha a conhecida frase publicitária da Kodak – “para mais tarde recordar” – qualquer fotografia tem desde logo uma função memorialista primordial, mas nem mesmo Art Kane, então no início da sua carreira, poderia Whitney Balliett, Harlem Morning (texto publicado no folheto que acompanha a edição especial em DVD do documentário de Jean Bach A Great Day in Harlem, 2005, MMV Image Entertainment).

supor que essa imagem publicada nas páginas da Esquire viesse a adquirir com o passar dos anos um valor documental tão apreciado e reconhecido entre todos os amantes do jazz. Este filme de Jean Bach, intitulado A Great Day in Harlem, não só certifica o valor histórico do documento produzido por Art Kane, como é a biografia da própria fotografia, tomando-a como suporte de uma interessante narrativa sobre a história do jazz na primeira metade do século XX, passando em revista todas as gerações de músicos nela retratados – desde os velhos executantes de stride piano, como Luckey Roberts e Willie the Lion Smith, até aos jovens saxofonistas emergentes de então, Gerry Mulligan e Sonny Rollins, passando pelas grandes estrelas da altura, como era o caso de Count Basie, Coleman Hawkins, Lester Young e Dizzie Gillespie, para só citar alguns dos nomes presentes. Dos clubes de Manhattan aos cafés de Paris, onde quer que existisse um apreciador de jazz, a fotografia começou a popularizar-se espontaneamente e depressa adquiriu características de ícone – Elaine Lorillard, mecenas e co-fundadora (com Geoge Wein) do Newport Jazz Festival, na entrevista que deu a Jean Bach para este documentário, recorda a surpresa sentida quando, ao visitar em Moscovo o apartamento de um artista local, reconheceu a fotografia da Esquire pendurada na parede. Vem ao caso acrescentar que o Newport Jazz Festival não só é um dos mais antigos e prestigiados festivais de jazz americanos – arrancou em 1954 com Billie Holliday como cabeça de cartaz – como dele existe um registo que merece aqui ser posto em destaque: trata-se do documentário Jazz on a Summer’s Day, filmado por Bert Stern (também ele um fotógrafo) durante a edição de 1958 do festival, ou seja, praticamente ao mesmo tempo que Art Kane realizava a sua sessão em Harlem. Temos, portanto, dois testemunhos literalmente contemporâneos daquilo que foi, por assim dizer, o meio-dia do Jazz no século XX, ambos datados do mesmo ano e do mesmo mês (Agosto de 1958), e com alguns figurantes em comum, como é o caso de Gerry


Mulligan e Thelonious Monk, que tanto aparecem na fotografia de Harlem como no alinhamento do festival de Newport. A consciência do significado histórico de uma coisa implica, por regra, algum distanciamento relativamente à sua ocorrência, e foi isso que Jean Bach sentiu quando nos finais da década de 1980, cerca de trinta anos passados sobre a sessão fotográfica, se apercebeu de que a maioria dos músicos aí presentes já tinha morrido, tornando-se imperativo entrevistar os que ainda estavam vivos. A ideia de realizar o documentário nasce, portanto, deste sentido de urgência, não sendo exagero afirmar que A Great Day in Harlem representa uma autêntica corrida contra o tempo, procurando recolher o máximo de testemunhos possíveis junto dos sobreviventes da fotografia, confrontando-os com ela e registando as suas reacções como quem folheia um álbum de memórias. Nomeado em 1995 pela Academia de Hollywood para um Oscar na categoria de documentário, o filme de Jean Bach poderá não ter levado a estatueta para casa, mas com o passar do tempo arrisca-se a ganhar um significado histórico semelhante ao da fotografia de Art Kane. Para além do seu indiscutível valor para a história do jazz, A Great Day in Harlem é também, do ponto de vista da cinematografia documental, um notável trabalho de edição de Susan Peehl, a qual já em 1993 dera provas da sua competência no documentário Lady Day: the many faces of Billie Holliday. Editar é a arte de

entrelaçar diferentes retalhos que, neste caso, são compostos basicamente por dois tipos de materiais: as entrevistas de Jean Bach aos músicos ainda vivos e, no campo oposto, um amplo espectro de material de arquivo que compreende, além das imagens de Art Kane, outras fotografias tiradas na ocasião por dois músicos, Mike Lipskin e Milt Hinton, um filme (8 mm) da sessão captado por Mona Hinton e, por último, algumas preciosas imagens de arquivo do programa de televisão Sound of Jazz. Hoje, vinte anos depois de Jean Bach ter dado início a este projecto, grande parte dos músicos por ela entrevistados já se encontram mortos, mas isso não nos deve levar a ver este documentário como um nostálgico passeio, conjugado no pretérito passado, pelo cemitério do jazz. Tal como diz Art Farmer, em voz baixa e pausada, no seu depoimento sobre a fotografia de 1958 – We don’t think about people not being here. If we think about Lester Young, we don’t think, well, Lester Young was here, but he’s not here anymore. Lester Young is here. Coleman Hawkins is here, Roy Eldridge is here. They are in us, and they will always be alive. No jazz não há vivos e mortos, presentes e ausentes. A música flutua como uma alma, liberta dos corpos que a criaram. Carlos Guilherme Riley


JAZZ

FOTOGRAFIAS



Dizzy Gillespie/ Charlie Parker/Bud Powell/Charles Mingus/Max Roach

Thelonious Monk

Dexter Gordon Go!

Brilliance

Blue Note [1962]

MIles Davis

Cecil Taylor

Albert Ayler

Miles Davis, vol. 1 - Blue Note 1501

Coltrane Time

Free Jazz

Charles Mingus

Miles Davis

Mingus at the Bohemia

Kind of Blue

Stan Getz/Jo達o Gilberto

Milestone [1959]

The King Jazz Story / Collector`s Edition

Debut Records/Fantasy [1953]

United Artists [1959]

America [1963]

Blue Note [1955]

Debut/OJC [1955]

Columbia/Legacy [1959]

Getz/Gilberto Verve [1963]

Bill Evans

Lee Morgan

New Jazz Conceptions

The Genius Of Lee Morgan

JAZZ

DISCOS

Riverside/OJC [1956]

America [1960]

Django Reinhardt & Stephane Grappelly With The Quintet Of The Hot Club Of France Decca/ Ace Of Clubs [1964]

Ella Fitzgerald and Louis Armstrong George Gershwin Porgy and Bess Verve [1957]

Herbie Mann

Herbie Hancock

Herbie Mann Returns to the Village Gate

Maiden Voyage

Atlantic [1961]

Blue Note [1965]


Wayne Shorter

John Mayall

Billie Holiday

Adam’s Apple

Jazz Blues Fusion

The First Verve Sessions

Stan Getz

Jean-Luc Ponty

Art Blakey

The Stan Getz Quartet in Paris

Open Strings

Blue Note [1966]

Polydor [1972]

BASF [1973]

Verve [1966]

Verve [1976]

Gypsy Folk Tales: Art Blakey and the Jazz Messengers Roulette [1977]

Dizzy Gillespie

Charlie Parker

Chet Baker

The Dizzy Gillespie “Reunion” Big Band 20th & 30th Anniversary

Comprehensive Charlie Parker Live Performances, Vol. 1

The Touch of Your Lips

Glen Miller

Joe Henderson/ Chick Corea/ Ron Carter /Billy Higgins

MPS Records [1968]

Keith Jarrett Facing You ECM [1971]

SteepleChase [1979]

ESP-Disk [1973]

The Swinging Big Bands (1939/1942) Vol.1 Joker [1974]

Mirror, Mirror Polydor [1980]

Vários Autores

Charlie Haden

La storia del jazz - The swing era

Golden Number

Joker [1971]

A&M [1976]

Rão Kyao Bambu

EMI [2001]




JAZZ

NO

COLÉGIO

BIBLIOTECA PÚBLICA E ARQUIVO REGIONAL DE PONTA DELGADA 14 DE JULHO A 18 DE AGOSTO 2009

FOTOGRAFIAS

AGRADECIMENTOS

FERNANDO RESENDES GUILHERME FIGUEIREDO RAUL RESENDES

CINEMA

LET`S GET LOST DE BRUCE WEBER | APRESENTAÇÃO DE MÁRIO CORREIA ROUND MIDNIGHT DE BERTRAND TAVERNIER | APRESENTAÇÃO DE FERNANDO BRITO BIRD DE CLINT EASTWOOD | APRESENTAÇÃO DE JOÃO NUNO ALMEIDA E SOUSA KANSAS CITY DE ROBERT ALTMAN | APRESENTAÇÃO DE JOÃO SIMAS STRAIGHT, NO CHASER DE CHARLOTTE ZWERIN | APRESENTAÇÃO DE CARLOS RILEY A GREAT DAY IN HARLEM DE JEAN BACH | APRESENTAÇÃO DE CARLOS GUILHERME RILEY

LIVROS MARGARIDA MAIA E GUILHERME FIGUEIREDO BIBLIOTECA PÚBLICA E ARQUIVO REGIONAL DE PONTA DELGADA

DISCOS ISABEL SILVA MELO GUILHERME FIGUEIREDO RUI COUTINHO

ILUSTRAÇÃO FERNANDO BRITO

DESIGN

GRÁFICO

VITOR MARQUES

À Margarida Maia, pelo empréstimo dos livros da sua biblioteca. À Isabel Silva Melo, ao Guilherme Figueiredo e ao Rui Coutinho, pelo empréstimo das capas dos discos. Ao Fernando Brito, pelo desenho expressamente feito para esta iniciativa. A todos os apresentadores dos filmes – Mário Correia, Fernando Brito, João Nuno Almeida e Sousa, Carlos Riley e, muito particularmente, João Simas – pelos textos elaborados para este catálogo. Aos fotógrafos Fernando Resendes, Guilherme Figueiredo e Raul Resendes, pela cedência das suas imagens. Ao Carlos Riley e ao Rui Melo, da Jazzores, pelas diligências feitas no sentido de assegurar um momento musical na programação. Por último, um agradecimento muito especial ao Vitor Marques e à CIMA (Centro de Imagem dos Açores), cuja ajuda foi decisiva na organização deste conjunto de actividades, designadamente o ciclo de cinema e a exposição de fotografia.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.