Presidente da República Fernando Henrique Cardoso Ministro de Estado da Educação Paulo Renato Souza Secretano Executivo Luciano Oliva Patrício
Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental
Guia do Usuário do Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE/99
Literatura
Infanto-juvenil
Brasilia 2001
IARA GLORÍA AREIAS PRADO Secretaría de Educação Fundamental WALTER KIYOSHI TAKEMOTO Departamento de Politica da Educação Fundamental NABIHA GEBRIM Coordenação-Geral de Avaliação de Materiais Didáticos e Pedagógicos
Guia do Usuário do PNBE/99
Histórias e histórias : guia do usuário do Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE 99 : literatura infanto-juvenil. / Secretaria de Educação Fundamental. - Brasilia : MEC; SEF 2001. 268 p.: il. I. Literatura infanto-juvenil 2. Guia I. Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE
CDU 82-93
Homenagem "A Profª Márcia da Silva Ferreira, que primeiro sonhou com este Guia e que teve de partir antes de ver como ficou parecido com o que ela desejava: um instrumento de beleza e inspiração para professoras e professores, cuja missão é estimular crianças e adolescentes a participar criativamente da construção de um pais rnais feliz e rnais justo para todos. "
Programa Nacional Biblioteca da Escola é fiador da importância que este governo atribui à leitura no projeto de qualificação da educação brasileira. Já o poeta Castro Alves, há bem rnais de um século, intuiu a fecunda relação entre leitura e cidadania ao proclamar a responsabilidade dos líderes do pais numa política de difusão da leitura:
"Semeai livros a mánchelas! Fazei o
povo pensar!" — reivindicava ele. Mais recentemente,
em meados do século XX,
o escritor paulista Monteiro
Lobato, impressionado pela biblioteca do Congresso norte-ameriœno, registrou de forma lapidar que "um país se faz com homens e livros". Ao enviar, então, às escolas brasileiras o acervo que constitui o PNBE, o Ministério tem a certeza e a alegria de estar cumprindo seu papel.
Está criando
condições para que os educadores de hoje, na esteira de escritores e intelectuais brasileiros do porte de Castro Alves e Monteiro Lobato, iniciem seus alunos nos laços tão essenciais que ligam educação de qualidade, leitura e cidadania.
PAULO RENATO SOUZA Ministro da Educação
ra uma vez... ...um velho, um saci, um príncipe, um sapo. Eles eram pobres, maus, bonitos, assustadores,
corajosos...
Muitos dos nossos sonhos infantis foram povoados por esses e tantos outros seres, habitantes de velhos livros, pertencentes a curiosas bibliotecas desde imemoriais tempos, mas que nos introduziram na dualidade do bem e do mal, nos mistérios da morte, nos sentimentos de ciúme, inveja, ambição e na magia do amor invencível, do sonho realizado, da justiça triunfante. 6, assim, muitos dos nossos valores foram adquiridos e confirmados pela tradição literária presente na vida dos povos do planeta, mesmo antes de existir comunicação entre eles. Hoje, em tempos em que a comunicação se dá com espantosa velocidade, a leitura
da
literatura
infantil continua
desempenhando
importante papel no pro-
cesso de desenvolvimento da criança, pois conserva seu caráter de experiência significativa de linguagem, revelação, descoberta e aprofundamento de referenciais da realidade. E foi por acreditar nisso que instituimos o Programs Nacional Biblioteca Ja Escola — PNBE —, que levou belíssimo acervo da literatura infantil e juvenil às escolas públicas brasileiras e que agora entrega aos professores este Guia que, antes de ser modelo a reproduzir, é material a ser construido por toda a
comunidade
escolar.
E, em consonância com os Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais,
o Programa Nacional Biblioteca Ja Escola reafirma nossa convicção de que a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes necessários para o exercicio da cidadania, direito inalienável de todos. Bom trabalho!
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL FUNDAÇÃO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO
Introdução
CARTAS Alice no pais das maravilhas Contos de Andersen O bordado encantado O gênio do crime uma idéia toda azul A terra dos meninos pelados Atrás da porta Os rios morrem de sede História de Trancoso Memórias
de um cabo de vassoura
Se as coisas fossem mães Confusão maior no Reino de
Tânger Menor
O fantástico mistério de Feiurinha O livro das árvores Mamãe trouxe um lobo para casa! Mata
Atlântica
Menino brinca de boneca? Plantando
uma
amizade
Praça das Dores Oe surpresa em surpresa Barulho
demais
Contos de assombração O dilema do bicho-pau A formiguinha e a neve O rei Gilgamesh Jornal da Grécia A lenda da vitória-régia
María Teresa Noite de cão Histórias da velha Totônia De dois em dois: um passeio pelas Bienais Ida e volta Juntos na aldeia Leonardo Maria Martins: mistério
das formas
O menino poeta Ou isto ou aquilo Pinturas: jogos e
experiências
Poesia fora da estante O rei da fome Coleção Arco-Iris Meu livro de folclore Adivinha o quanto te amo Guilherme Augusto Araújo
Fernandes
O homem
que calculava
Sidreu Nuncios.
O mensageiro das estrelas
Portinari O mais belo livro das pirâmides O povo Pataxó e sua história Cartão-postal A
cristaleira
Faca afiada Flauta doce: método de ensino para crianças Sete contos russos Strega Nona — a avó feiticeira Tanto,
tanto!
Teatro I — Maria Clara Machado Travatrovas Zoom Brincando com os números Histórias da Coleção Gato e Rato
Contos de Grimm A mãe da mãe da minha mãe A moeda de ouro que o pato engoliu O Rei de Quase Tudo Serafina e a criança que trabalha Televisão da bicharada A
última flor amarela
Victor e o jacaré A
bruxinha atrapalhada
Berimbau e outros poemas Bisa Bia, Bisa Bel A casa da madrinha A fada que tinha idéias Menino do rio doce Noções de coisas O que fazer? Falando de convivência Uni Duni e Té
O velho que trazia a noite A arca de Noé A bela e a fera A lenda do guaraná A mulher que matou os peixes A senha do mundo A última busca de Gilgamesh A vingança de Ishtar Coisas de menino Contos de Perrault É isso ali Eu e minha luneta Fábulas de La Fontaine A velhinha que dava nome ás coisas Lucas Mandiofa e Vou radin ho O escaravelho do diabo
Minhas memórias de
Lobato
Mitos: o folclore do mestre André Nó na garganta O jardim
secreto
O sabiá e a girafa O último dia de brincar Pé de pilão Pé de poesia Picote, o menino de papel Quem lê com pressa tropeça Receitas de olhar Rosalina, a pesquisadora de homens Somos todos iguais Um amigo
diferente?
Um fotógrafo diferente chamado Debret Viva o Boi-Bumbá
O professor — leitor e formador de leitores Anunciando o acervo Leitura/leituras,
história/historias,
histórias
de
leitura/histórias
como história individual, algumas das histórias de leitura
da
começaram
leitura. nas ruas,
outras na escola, outras em casa. Flávia, por exemplo,
começou
a interessar-se por palavras escritas no termi-
nal de ônibus, quando ia com a mãe, que era faxineira, para o outro lado da cidade. Os ônibus rolavam o nome de seu ponto final e aquelas letrínhas brancas que ficavam escorrendo na tabuleta escura pareciam
uma
brincadeira.
Quando
estava de bom humor, para distrair sua filha. Filó ia lendo nomes como Vila Espe-
rança, Jardim Sagarana, Ponte Terceira. com Paulo foi diferente. Ele só se ligou em livros e leituras na escola: dona Rosa, sua professora, levava livros para a aula e lia histórias para os alunos. Já a história de Francisca tem outro recorte: ela nunca se esqueceu do pai, que enxugava suas lágrimas de filha caçula em quem os irmãos rnais velhos queriam mandar, com a promessa: "Não chora. Chica, não chora que eu te feio uma história". Francisca, Paulo e Flávia hoje são professores. Entre as paredes das classes onde eles dão aula, entre os livros e os alunos, eles sabem que são figura fundamental na história de cada um de seus alunos.
E são mesmo. A história de leitura de cada um de nós, educadores de noje, tem a nossa idade e contínua se tecendo. como toda história, é uma história ao mesmo tempo coletiva e individual, de muitos e de cada um. como parte de uma história coletiva, nossa experiência de professoresleitores de uma escola que recebeu um belo acervo de livros - os livros do Programa Nacional Biblioteca da Escola - mescla-se a várias outras histórias. Mescla-se, por exemplo, à história dos professores de antigamente. No século passado, esperava-se muitas vezes que os professores escrevessem os livros pelos quais ensinavam, como registra o programa de uma escola carioca de 1809. Lá se lia que: (...) pelo que toca à matéria do ensino, [os professores] ditarão as suas lições pela gramática que for rnais bem-conceituada, enquanto
não
formalizarem alguma de sua própria composição
Mas a história da feitura dos
professores-leitores
de hoje é também uma
história de censura: articula-se à história das professoras cujas leituras eram controladas pela familia ou pela comunidade, como se lê no romance A normalista, de Adolfo Caminha. Livro de 1893, a história inclui a cena de uma aula da escola normal da época, na qual um professor se dirigia às normalistas nos seguintes termos:
' Cf. Marisa Lajolo e R. Zilberman, A formação da leitura no Brasil São Paulo, Editora Ática, 1996, p. 150.
- Eu estou certo — dizia o Berredo, convicto - de que as senhoras não lêem livros obscenos, mas refiro-me a esses romances sentimentais que as moças geralmente gostam de ler, umas historíazinhas fúteis de amores galantes,
que não significam ab-
solutamente coisa alguma e só servem de transtornar o espirito às incautas... Aposto eu como quase todas as senhoras conhecem A dama das Camélias, a Lucíola...
Quase todas conheciam. —... Entretanto, rigorosamente, são péssimos exemplos.2 Ainda outro elo a ligar nossa história de leitura à dos mestres e mestras que nos antecederam é recordar o costume de os professores escolherem livros com
os quais presenteavam, ao final do ano, os melhores alunos, como registram algumas ilustrações de livros anti
Recebendo o acervo A presença, em sua escola, do acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola é razão de festa: você, seus alunos e seus colegas receberam mais de cem livros novos, bonitos e de alta qualidade, selecionados pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Para que a história de leitura dos alunos da escola pública brasileira que hoje recebe esses livros seja o rnais rica possível, você — como Francisca, como Paulo e como Flávia — é fundamental. Você, sua história de leitura, os outros educadores
2
Idem, ibidem, p. 285.
de sua escola, as histórias de lettura deles, as histórias de leitura das comunidades de onde eles vieram e as das comunidades onde ensinam. Resgatar essas histórias e registrá-las é uma boa maneira de dar inicio a um projeto de leitura que tenha por objetivo uma utilização eficiente e inventiva do material que chegou à sua escola. Além dessas histórias, há ainda a história da leitura dos livros que compõem o acervo: quanto rnais um livro foi lido, rnais densa é a história de suas leituras. Contos como os de Grimm, de Perrault e de Andersen, por exemplo, ou a história de Alice no país das maravilhas vêm sendo lidos e ouvidos há muitas e muitas gerações e foram re-escritos nas rnais diferentes linguagens, do desenho animado ao folheto de cordel. São, assim, histórias com uma história de feitura muito rica. Os muitos olhos e ouvidos que leram e ouviram a história de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, foram construindo histórias para a história da menina e do lobo. Chapeuzinho Vermelho é a história que antigamente era contada ao lado da lareira em noites de frio, mas também é um texto ao qual se agregou o realismo de uma época em que lenhadores e caçadores eram figuras do cotidiano; é ainda uma história que foi contada para metaforizar no lobo os riscos de sedução a que se expunham meninas ingênuas. E é porque esse conjunto de histórias da história de Chapeuzinho Vermelho continua latente que sorrimos quando ouvimos João Gilberto cantar que "Chapeuzinho de m a i ô ouviu buzina e não parou". Esses livros falam de diferentes coisas, têm tamanhos diferentes, são escritos em diferentes estilos.
Uns têm séculos de idade, outros foram publicados
recentemente. A maior parte é brasileira, mas alguns prosêm de diferentes partes do mundo. Em suas centenas de páginas, delineia-se uma amostra bem ampla do que hoje há de melhor para leitura: no acervo encontram-se biografias, livros de poema, clássicos, lendas, histórias para rir e histórias para chorar, para brincar e para aprender. São histórias dos muitos brasis que vivem no Brasil: histórias de indio e de caipira, de branco e de negro, de bicho e de planta; histórias de pai, de
mãe, de pai novo e de mãe nova, de avô e de avó, e até de bisavó; histórias de letras e de números, de reis e de fadas, de meninas e de meninos, de professores e de alunos. Enfim, há de tudo. Esses livros representam, para algumas escolas, o começo de uma biblioteca escolar. Para outras, o enriquecimento do acervo já existente. Em qualquer dos dois casos, você é figura-chave para que, saindo de suas caixas e estantes, esses livros cheguem ás mãos e aos corações dos alunos. Às mãos e aos corações de seus alunos. Hoje se sabe que só se desenvolve o gosto pela leitura a partir de uma aproximação afetiva e significativa dos livros: precisa ser uma aproximação afetiva com A para ser efetiva com E Também se sabe que a escola é fundamental para essa aproximação, tanto da criança quanto do jovem. Por isso os alunos precisam viver na escola as experiências necessárias para que, ao longo da vida, possam recorrer aos livros e à leitura como fonte de informações, como instrumento de aprendizagem e como forma de lazer. Ou seja, como você já sabe, a escola não pode contentar-se com uma leitura mecânica e desestimulante. A escola pode e precisa comprometerse com muito rnais do que isso. Ela pode e precisa comprometerse com uma leitura abrangente, critica, inventiva. Só assim estará ensinando seus alunos a usar a leitura e os livros para viver melhor. Por isso, a presença desses livros é uma oportunidade imperdível para que cada escola discuta e estabeleça a posição que a leitura ocupa em seu projeto pedagógico. como fazer isso? De diferentes jeitos, alguns dos quais são sugeridos nas propostas a seguir. • Organize uma reunião de toda a escola para marear a presença dos livros.
Nessa reunião, planeje uma discussão com os outros professores sobre a importância da leitura. A discussão pode ser iniciada, por exemplo, pela leitura do texto Anunciando o acervo deste documento. Faça cópias do texto e distribua-as
aos professores.3
Nessa reunião, favoreça a familiaridade da escola toda, mas sobretudo dos professores (e não exclusivamente dos professores de português) com o acervo que está chegando: leve alguns livros para a reunião e faça-os circular. comente o titulo de uma obra, a capa de outra, as ilustrações de uma terceira. Conte um pedaço da história de um livro, ou taça cópias de algum poema do acervo.
Enfim, traga os livros, física e metaforicamente,
para a reunião e faça-os o centro das discussões. Nessa reunião, incentive todos os professores — se forem muitos, divida-os em grupos - a manusear os livros, prestando atenção à capa e às ilustrações deles, imaginando/antecipando a história. Sugira que os grupos leiam algumas páginas de alguns livros em diagonal e conversem sobre as expectativas levantadas pelos trechos lidos nessa leitura rápida. Mostre aos professores que essa reunião está simulando uma das formas pelas quais livros e leituras circulam fora da escola. A troca de opiniões e de expectativas sobre livros, a atenção à capa, ao titulo e ao autor do livro, o intercâmbio de informações relativas a esses aspectos são maneiras de selecionarmos obras para a leitura e de trazermos as leituras que fazemos para a nossa vida. Não encerre a reunião sem incentivar professores, orientadores,
bibliote-
cários, coordenadores - enfim, todos os profissionais envolvidos com o
3
Se quiser ampliar e variar o repertório de textos a partir dos quais se fará a discussão, recorra à bibliografía
final: em qualquer dos livros la indicados, você encontrará textos instigantes e acessíveis para sobre leitura.
uma
discussão
dia-a-dia do ensino — a ler alguns livros do acervo e a trocar impressões de leitura, assim como se faz com capítulos de novela e com filmes. Será ótimo que essas discussões motivem outros colegas a também ler e trazer suas opiniões. com tais atividades, a
comunidade
escolar estará se familiarizando coletiva-
mente com o material em cuja leitura deverá iniciar os alunos. comemore! com uma reunião como esta, sua escola está tomando posse efetiva dos livros que recebeu!
Trazendo o acervo para o dia-a-dia da escola Os livros precisam ficar em algum lugar da escola ao qual toda a comunidade escolar tenha fácil acesso, segundo as regras que para isso forem estabelecidas pela
própria
comunidade.
O Manual Básico Ja Biblioteca Ja Escola, do MEC, contém as informações necessárias para a organização adequada de um espaço dedicado aos livros e á leitura. Na medida do possível, envolva os alunos na organização do espaço para os livros, nos cuidados com eles, na dinâmica do empréstimo e da devolução. uma vez que os livros Já estejam alojados em sua escola e que já tenha sido estabelecida a maneira pela qual se organizará o acesso a eles, è preciso manter viva, ao longo do ano letivo, a atenção de toda a
comunidade
escolar para a
importância que a leitura precisa ter no projeto da escola. Essa importância manifesta-se, por exemplo, na previsão de atividades especificas de leitura em todas as classes, ao longo de todo o ano. Tais atividades precisam fazer parte do planejamento escolar, isto é, precisam ser agendadas com antecedência para cada classe, para que todos se preparem e os livros do acervo possam circular de forma harmoniosa nas diferentes turmas.
A importância da lettura no projeto da escola, entretanto, traduz-se ainda na previsão de atividades que, em diferentes momentos do ano letivo, reúnam todos os professores da escola, criando situações e espaços para que a escola leia, troque experiências de leitura, intercambie diferentes maneiras de levar os livros para as aulas, avalie os resultados e reorganize os projetos. Organize eventos nos quais professores, orientadores, bibliotecários, coordenadores e demais profissionais do ensino dividam com a (mas não só escolar) suas histórias de leitura.
como
comunidade
escolar
fazer isso?
De muitos e diferentes jeitos, alguns dos quais são descritos nas propostas seguintes. •
Organize um Dia da Leitura ao longo do qual diferentes membros da comunidade escolar contem suas histórias de leitura.
Veja como a professora paulista Sydnéa Meyer e o francés João Paulo contam o inicio de suas histórias de leitura. Em
comum,
em ambas as histórias, encon-
tram-se a simplicidade do começo e a presença de adultos solidários nos esforços de leitura da criança, ou fornecedores de modelos de leitura: Conta Sydnéa:
Conta João Paulo:
Meu pai tinha uma Bíblia que ga-
comecei minha vida como hei de
nhou na igreja. Todo dia, bem cedinho,
acabá-la, sem dúvida: em meio aos li-
acordava a gente, abria a Bíblia ao aca-
vros. No escritório de meu avô, havia-
so e lia pra gente o pedaço em que caia.
os por toda parte; era proibido espaná-
Dizia pra gente decorar, porque o que
los, exceto uma vez por ano antes do
estava escrito ali ajudava a gente a vi-
reinicio das aulas em outubro. (...) meu
ver aquele dia. Eu queria muito apren-
avô
der a ler para poder ler aquele livrão
que minha mãe lhe abotoava as luvas
que ensinava a viver. Meu pai morreu
—
-
tão
manejava
canhestro,
habitualmente,
esses objetos culturais
antes de eu ir para a escola. Mas quan-
com destreza de oficiante. Eu o vi mi-
do a prendi a ler, fui pegar a Bíblia que
lhares de vezes levantar-se com um ar
ninguém mais lia
ausente,
e
tentei ler como
contornara mesa, atravessar
meu pai. Era superdificiI. Meus irmãos
o aposento com duas pernadas, apa-
riam de mim. Eu não entendia, tinha
nhar um volume sem hesitar, sem se
um monte de palavras difíceis. Mas eu
dar o tempo de escolher, folheá-lo, en-
ia lendo. Ai uma vizinha me mostrou
quanto
o Livro dos Provérbios e os Evangelhos.
movimento
Ai a leitura foi ficando mais fácil. Os
indice, e depois, tão logo sentado, abrilo
provérbios eram mais curtos, e os Evan-
com um golpe seco "na página certa",
gelhos tinham histórias do tempo de
fazendo-o estalar como um sapato. (...)
Jesus. Eu já conhecia algumas dessas
No quarto de minha avó, os livros fica-
histórias. Depois parei de ler a Bíblia.
vam deitados; tomava-os de emprés-
Mas foi ela que me ensinou a ler.
timo a uma biblioteca circulante e nun-
voltava à poltrona combinado
com
um
do polegar e do
ca cheguei a ver mais do que dois ao mesmo tempo.
(...) após escolher um
deles, instalava-se perto da janela, sua bergère de orelheiras, punha os óculos, suspirava de ventura e lassitude, baixava as pálpebras com um fino sorriso voluptuoso que vim a encontrar depois nos lábios da Gioconda (...).
Crie condições para registrar as histórias contadas: dê um jeito de gravar a atividade para poder posteriormente recuperar as histórias.
Transcre-
vendo-as, sua escola dispora de um material precioso para iniciara escrita da história de leitura da escola.
• Organize em outro momento (talvez um mes depois do Dia da Leitura) um Dia Ja História de Nossas Leituras, no qual professores e outros profissionais de educação da escola alternem, com pessoas da comunidade, o relato de suas experiências de leitura em torno de um ou de alguns livros do acervo (alguns trechos das cartas de Abrindo, lendo e escrevendo os liaros do acervo podem animar a atividade.
Podem, por exemplo,
ser reproduzidos em
cartazes de divulgação do evento ou em convites para ele). • como foi sugerido a propósito do Dia da Leitura, crie condições, no Dia da História de Nossas Leituras, para registrar os depoimentos. Grave a atividade para depois recuperar por escrito todas as falas. Trechos dos depoimentos podem ser transcritos em um livro tipo "livro de ata ", que se transformará num Diário de leitura do acervo. Alunos, professores, pais, funcionários - todos devem ter acesso a ele, para nele registrarem suas impressões de leitura. Se for possível, vale a pena alternar as opiniões dos leitores de sua escola com trechos das cartas de Abrindo, lendo e escrevendo os livros do acervo e dos fragmentos das resenhas lá reproduzidos. • Outra maneira de aproveitar esses depoimentos seria transformá-los em orelhas dos livros do acervo. Depois de ler e discutir os livros, os alunos, nas aulas de Arte, podem produzir capas para eles, incluindo nelas as orelhas criadas.
Essas orelhas podem conter, por exemplo, depoimentos de leitu-
ra: depoimentos de professores, de alunos, dos pareceres transcritos nas cartas e das cartas. Essa atividade permite discutir com os alunos a necessidade de respeito e de preservação da coisa pública, no caso, um acervo de livros. • O conjunto
dessas atividades pode
desembocar numa
última atividade
(atividade de final de ano?), na qual se apresente um Memorial de leitura da escola, a ser orgulhosamente acrescentado ao acervo da biblioteca/sala de leitura da escola. Essa atividade pode ser combinada com a abertura de
uma feira de livros, com a palestra de algum escritor convidado, com a discussão de um filme que tematize leitura4 e com a exposição dos trabalhos que os alunos fizeram a propósito da leitura dos livros do acervo.
Ativando a leitura na sala de aula A leitura precisa estar muito presente na sala de aula para que ela possa desempenhar papel cada vez mais importante na vida dos seus alunos. Não só na vida escolar deles, mas também na vida fora da escola. Para que isso ocorra, é importante que você goste de ler e que acredite na leitura: afinal, você é responsável pela iniciação de seus alunos nos caminhos da leitura. como a mãe, o pai e a professora nas histórias de Flávia, de Francisca e de Paulo, como o pai e a vizinha de Sydnéa ou os avós de João Paulo, você será uma figura inesquecível na história de leitura de seus alunos. Inesquecível porque essencial. Essencialissima, aliás, como foram essenciais os adultos com os quais você aprendeu a falar. O desenvolvimento da fala na criança — sabe-se hoje — ocorre quando ela interage com outras pessoas que, falando com ela, lhe permitem desenvolver sue capacidade de fala, aprendendo sua lingua materna. Todos nós aprendemos a falar. E quase todos já tivemos oportunidade de observar crianças aprendendo a falar. Aprender a falar é a primeira,
mais
funda-
mental e talvez mais bela aprendizagem social do ser humano.
4
História sem fim e Central do Brasil são filmes disponiveis em video que podem arrematar de forma muito bonita um ano de projeto de leitura em sua escola.
Aprendemos a falar ouvindo e falando. Aprendemos a falar ouvindo, deduzindo regras muito sofisticadas a partir da fala que nos cerca, levantando hipóteses, reajustando-as de acordo com o feedback recebido dos falantes com quem interagimos, consolidando hipóteses.
com
o aprendizado da leitura ocorre mais
ou menos a mesma coisa. Só se aprende a ler — a ler de verdade, não meramente a decifrar letras, silabas e palavras — em ambientes nos quais se lê. Ou seja, o desenvolvimento da leitura só ocorre se a criança interagir com leitores maduros que, lendo com ela e para ela, lhe permitem familiarízar-se com a atividade de leitura, envolver-se e desenvolver-se nela. A escola pode e precisa ser este ambiente de leitura. Você pode e precisa ser este leitor maduro. Lendo com e para seus alunos, você vai fazer com que eles aprendam a ler com desenvoltura.
Você vai possibilitar que se familiarizem com diferentes modos de
ler: eles vão aprender a se envolver nas emoções e sentimentos que a leitura de uma boa história libera; vão posicionar-se em relação aos valores éticos que os textos apresentam. E eles vão gostar de ler, porque vão conseguir entender os diferentes textos, que lhes fornecem as informações necessárias para que aprendam o que quiserem aprender e entendam melhor o mundo em que vivem. Seus alunos vão aprender a ler bem. E vão saber usar a leitura para várias coisas: por exemplo, para entender o movimento das galáxias, para saber o que se passa em diferentes cantos do planeta Terra ou para descobrir formas de viver de uma maneira mais saudável, para aprender a fazer um bolo cremoso de fubá, para reclamar com mais eficiência de um serviço que não funciona, para escrever versos para uma pessoa muito amada, para utilizar um novo tipo de telefone ou para seguir as instruções de instalação de um eletrodoméstico.
Em suma, seus alunos precisam aprender que é necessário ler — ler bem e ler muito — para entender e melhorar o mundo. E eles vão aprender isso com você! como? De diferentes jeitos, alguns dos quais são sugeridos a seguir. As propostas a partir daqui apresentadas pretendem ser ferramentas úteis para o desenvolvimento de um ambicioso projeto de leitura possibilitado pelo acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola. • As propostas começam pela auto-observação: pense nos diferentes modos pelos quais você lê. Recorde diferentes situações de leitura pelas quais você já passou. Veja-se nessas situações. • Observe-se lendo; observe como você lê; observe-se lendo diferentes tipos de texto, lendo em diferentes situações, lendo para diferentes finalidades. Isto ê, leia sua leitura, • Observe como você lê de maneira diferente diferentes textos: um catálogo de editora, um livro didático, um ofício da direção da escola. Observe como você lê um jornal diário, um jornal de uma associação de professores, uma revista semanal. • Observe como, no interior de um jornal, você lê de maneira diferente o editorial, a seção de esportes, os classificados ou a indicação de filmes e de programas de TV. Observe como você lê um romance, um livro de autoajuda, a biografia de alguma pessoa que você admira, um manual de instalação de uma antena de televisão. Observe como você lê a prova de um aluno, o bilhete da mãe de um outro aluno. Observe como você lê uma receita de comida, uma letra de música, uma bula de remédio, um verbete de dicionário. Ou seja, tome consciência, a partir de sua própria experiência de leitura, que ninguém lê tudo do mesmo jeito.
• Nessa reflexão sobre sua leitura, você vai perceber a variedade de modos de leitura. Há leituras que podem se fazer por alio; outras que pedem muita atenção; alguns textos são compreensíveis já numa primeira leitura, enquanto outros pedem mais esforço e repetidas leituras; certos textos são organizados em linhas tão curtas que quase podem ser lidos na vertical; outros são escritos com letra muito pequena, outros ainda são acompanhados de imagens; alguns textos são escritos de forma muito original, e outros seguem um padrão preestabelecido de linguagem e mesmo de disposição sobre o papel. • como leitores, aprendemos (quase sempre de forma não consciente) essas diferenças dos textos que lemos e, numa dada situação de leitura, ao reconhecermos um determinado tipo de texto, ajustamos a ele nossa leitura. • Mas esse reconhecimento e esse ajuste, que como leitores fazemos sem tomar consciência, precisa ser conscientemente trabalhado por você com seus alunos. como professor na sala de aula você é muito mais que um leitor você é um professor-leitor, um leitor professor de leitura, que inicia outras pessoas na leitura. • Por isso, tomando consciência de como, em sua vida diária, você lida com diferentes textos em diferentes situações,
você poderá monitorar melhor a
forma pela qual seus alunos vão lidar com diferentes tipos de textos, para os quais a escola precisa simular situações verossímeis. • Encontre um tempo para familiarizarse com o acervo que está em sua escola. È preciso que você construa essa familiaridade. comece inteirandose dos títulos e dos autores, folheando alguns dos livros, prestando atenção ás capas e ás ilustrações. Lendo alguns trechos de alguns livros, você começará a estabelecer com o acervo uma relação de intimidade. Quem
sabe você já leu alguns desses livros, ou outros livros dos mesmos autores? Esse conhecimento prévio cria quais expectativas? Que títulos você acha mais instigantes? Que livros você tem vontade de começar a ler imediatamente
?
Leia e releia o maior número possível de livros do acervo. • A familiaridade com o acervo é fundamental para você ter segurança na proposta e no desenvolvimento das atividades que vai organizar para seus alunos. • Estabeleça, com a regularidade que você achar adequada — entre duas e cinco vezes por semana, por exemplo — um tempo de leitura em sua classe. Nunca menos de quarenta minutos. E nesse tempo que você desenvolverá as atividades de leitura aqui propostas e mais todas as outras que você planejar. • E recomendável que o horário destinado a esse tempo Je leitura não seja nem imediatamente antes do recreio, nem a última atividade do dia. • Estabeleça, da forma que achar mais adequada, o uso do espaço da sala de aula (ou da sala de leitura/biblioteca) para essa atividade.
Decida se
todos ficam nas carteiras e estas em seus respectivos lugares, ou se as carteiras serão arrumadas em um círculo, ou se todos se sentarão no chão... O importante é que a organização do espaço favoreça o clima de informalidade e afetividade necessário ao desenvolvimento da leitura. • Independentemente das atividades que você vai sugerir a propósito dos livros, é preciso que estes sejam lidos. As atividades ocorrem a partir e em função da leitura, e não vice-versa. E preciso, pois, que os textos e as ilustrações dos livros sejam lidos. E que sejam lidos bem.
Lembre-se de que recortar papel, contar histórias, desenhar, fazer teatrinho e atividades similares são apenas atividades-meio para o desenvolvimento do gosto e da competência na leitura, que é a atividade-fim. • Para aprender a ler, para gostar de ler, para ler bem, é preciso que os alunos sejam expostos a situações de leitura. É preciso que ouçam alguém lendo. E que eles mesmos leiam para que outros os ouçam e entendam a leitura que fazem. E preciso que comentem o que ouviram e o que leram: o comentário força a leitura a ter sentido e a não ser mera sucessão de sons provocados pela correta decodificação dos sinais sobre a página. Por isso, leia muito para a sua classe. • Crianças de até dez anos de idade mais ou menos gostam muito de ouvir histórias. Escolha no acervo um livro que você ache que vai agradar a elas. Anuncie o livro, mostre a capa, lidere a discussão das expectativas sobre um livro com tal titulo e com tal capa. Nessa atividade, tenha por objetivo despertar e manter o interesse dos alunos por meio do envolvimento na história lida. Ao mesmo tempo, você estará fornecendo a eles modelos de leitura bem realizada. • Para que sua leitura seja modelar, o texto tem de ser bem escolhido e bem lido. Se achar necessário, ensaie a leitura. Mantenha durante a leitura um ritmo que permita aos alunos acompanhar o sentido do texto que está sendo lido. Não corra demais, não engula palavras nem leia mecanicamente. Prosa ou poesia, capriche na entonação: pontos-de-interrogação, pontos-de-exclamação e reticências são recursos para cativar leitores e ouvintes. • Quando lemos um texto em voz alta para um grupo de pessoas — uma classe, por exemplo —, somos mediadores da interlocução que cada um dos ouvintes está mantendo com o texto que está sendo lido. Num certo
sentido, conduzimos a interlocução, orquestrando as respostas dos ouvintes ao texto que está sendo lido. • Lendo com e para seus alunos, você estará oferecendo a eles um modelo de leitura oral que vai marcá-los para o resto da vida. Saber ler em público, mantendo a atenção dos ouvintes e tomando-os receptivos ao que estão ouvindo, pode fazer muita diferença. • Se houver condições e se você achar interessante, grave algumas de suas leituras. A gravação tanto servirá para você aprimorar sua leitura quanto para iniciar um banco de histórias lidas para sua classe e escola. • Depois de várias sessões de leitura nas quais você foi leitor para a classe, proponha que diferentes alunos leiam os livros para a classe. • Os alunos precisam familiarizar-se com situações nas quais se exija bom desempenho oral. Simultaneamente, a classe aprende a ouvir, e, liberada/ o da tarefa de leitura,
você pode gerenciar melhor as necessárias atitudes
de disciplina e de respeito em situações de leitura em voz alta. • Pelo menos no começo, marque com antecedência quem vai ler no dia seguinte. Não se esqueça de incentivar a classe para que todos, numa ocasião ou em outra, leiam. • Sugira que os alunos que forem ler para a classe leiam uma ou duas vezes o texto, antes da apresentação. Lembre-se de que só um leitor maduro consegue ler com desenvoltura, à primeira trista, um texto qualquer. • Alterne a leitura em voz alta, para a classe toda, com a leitura para grupos de alunos (cinco ou seis alunos) e com a leitura individual silenciosa. • Lembre-se de que a leitura individual silenciosa, ao mesmo tempo que permite que cada um vá interagindo com o texto na sua velocidade, favorece às vezes distração e abandono de leitura. • Ao longo do ano letivo, para classes de alunos
mais
velhos, já bem
familiarizados com feitura e com escrita e já desenvoltos na escrita, planeje
atividades nas quais os alunos sejam solicitados a tomar notas dos pontos principais de um texto que esteja sendo lido em voz alta para a classe. • Proponha, por exemplo, que eles comuniquem a alguém que não ouviu a leitura as informações contidas no texto, sendo as notas essenciais para a fidelidade do relato: é preciso não esquecer nenhum item, é preciso manter a seqüência dos itens. A atividade torna-se verossímil se metade da classe sair da sala e, ao retornar, contar exclusivamente com as informações dos colegas para se inteirar do que foi lido. Essa atividade pode ser feita em duplas de alunos, ou em grupos, e é muito eficiente para que os alunos aprendam a lidar simultaneamente com a leitura e com a escrita. • Aprendera tomar notas do que se ouve é muito útil em diversas situações comuns na vida fora da escola ou mesmo na escola, quando o aluno precisa ter disponível o que foi dito em aulas, conferências, debates, etc. • Ao longo de todo o ano, oiganize junto com os alunos murais/quadros de aviso e jornaizinhos que tornem visível a centralidade que a leitura ocupa em sua classe. • Essa mídia —jornaizinhos, murais, quadros de aviso — pode ser elemento de ligação entre a sua classe, as outras classes e a escola como um todo. ' Esses meios de comunicação são muito úteis para a divulgação dos eventos sugeridos, mas neles também cabem — e isso pode ser sistematizado — opiniões de leitores sobre os livros lidos, reprodução de trechos dos livros considerados significativos pelos alunos, cartas enviadas pelos alunos a escritores e eventuais respostas, etc. • Jornaizinhos, fotografias de murais, varais com opiniões de leitores podem, ao final do ano, constituir um Memorial de leitura da classe. • Um Memorial de leitura da classe documentando o trabalho de leitura desenvolvido ao longo do ano escolar é muito importante para a programação do ano seguinte. Materializando o trabalho realizado, um Memorial torna visivel, para a escola e para a comunidade, o ponto de chegada dos alunos.
Permite avaliação do que já foi feito e planejamento realista da continuidade do traballìo.
Abrindo, lendo e escrevendo os livros do acervo A partir daqui, e por ordem alfabética de titulo, você encontrará sugestões de atividades para serem desenvolvidas com os livros do acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola. Você vai ver que as atividades são apresentadas por meio de cartas. Por que cartas? Por várias razões. A primeira delas é que cartas constituem um gênero muito adequado para a comunicação escrita a distância, que é exatamente o tipo de interlocução que esse material estabelece entre nós, que o escrevemos, e você, que o tem em mãos agora. Também achamos que uma outra grande vantagem de escrevermos cartas era atenuar, pela escolha de um gênero intimista, os riscos da impessoalidade que muitas vezes tornam muito normativos e estéreis textos como este que você está lendo agora. Outra razão ainda è que nós - isto é, a equipe que produziu este material — também trabalhamos, por assim dizer, a distância: Curitiba, Brasilia, Maringá, Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, Marília, Campinas, Recife, Santos.... Vêm de todos esses lugares as propostas de atividades de leitura e sua fundamentação critica. Essa nossa dispersão geográfica fez com que a discussão de todo o trabalho fosse desenvolvida por meio de cartas: usamos e abusamos de e-mail, isto é, de correspondência eletrônica via Internet Pareceu-nos, então, que a forma epistolar resgataria essa dimensão andarilha de um material produzido por muitas mãos, discutido por muitos olhos, feito, refeito, discutido e rediscutido coletivamente, e, sobretudo, voltado para muitas outras mãos e olhos como os seus.
Estabelecido, então, que o formato seria epistolar, o resto ficou por conta de sermos todos leitores apaixonados por histórias. Não custou inventarmos um enredo, no qual éramos todos professores, trocando nossas experiências com outros colegas professores, o que, aliás, não é enredo coisa alguma: somos mesmo professores e professoras, e o que estamos fazendo é trocar experiências com colegas professores. Por outro lado, ao lermos e discutirmos os livros, fomos ler o que já se disse sobre cada um deles, isto é, fomos buscar sua história de leitura. como dispunhamos também de resenhas recentes deles, feitas por especialistas brasileiros em leitura e em literatura infantil, incorporamos fragmentos das leituras desses especialistas às atividades propostas. com isso, este Guia do usuário inclui você, sua escola e as atividades que nela você vai desenvolver no grande coro de vozes que tece, hoje, a leitura no Brasil. Temos certeza de que os parecerístas citados não se incomodam com a liberdade que tomamos de inventar situações nas quais dizemos ter tido contato com os textos deles: afinal, todos somos — eles, você e nós leitores de carteirinha... Se acertamos ou não, você nos dirá. E claro, por meio de uma cartinha, na qual você nos contará como está trabalhando os livros do acervo e o que poderiamos fazer para continuara conversa. Sua carta alcançar-nos-á por intermédio da Secretaria de Educação Fundamental, no seguinte endereço: Ministério da Educação — Secretaria de Educação Fundamental Esplanada dos Ministérios — Bloco L — 5º andar — Sala 500 — Gabinete CEP: 70.047-901 - BRASILIA-DF E-mail:
gabinete@sef.mec.gov.br Marisa Lajolo (coord.) Adriana Silene Vieira Bárbara Heller Carlos Minechillo
Célia Regina Delácio CiIza Caria Bignotto Cristina Mantovani Bassi Fernando Cerisara Gil Luis Camargo Milena Ribeiro Martins Miriam H. Y. Zappone
BIBLIOGRAFIA CUNHA, M. A. Antunes. Literatura infantil: teoría e pràtica. São Paulo: Ática, 1999. LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1998. . Literatura infantil brasileira: história e histórias. São Paulo:Ática, 1999. PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infancia e leitura. São Paulo: Summus, s/d. RESENDE, Vânia. Literatura infantil e juvenil: vivências de leituras e expressão criadora. São Paulo: Saraiva, s/d. SERRA, Elizabete d'Angelo. 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
Querida
Cristiane!
Puxa, há tanto tempo a gente não se vê, heim? Hoje eu senti vontade de lhe escrever para falar do livro Alice no país das maravilhas, escrito pelo autor inglês Lewis Carroll, e sobre a lembrança que ele me trouxe. Eu me lembro de uma bela tarde em que eu, você e outras amigas fomos pegar jabuticabas na casa do meu avô, perto da Biblioteca Municipal.
Depois de empanturradas, passamos na biblioteca,
onde vocês fizeram a maior bagunça, derrubando vários livros no chão. Pois é... foi nesse dia que eu vi o livro Alice no país das maravilhas e quis levá-lo para ler em casa. Porém não foi possível, porque os livros infantis não podiam ser retirados de lá. Voltei depois à mesma biblioteca,
mas não consegui encontrá-lo,
ficando
com mais vontade ainda de lê-lo, até que encontrei um exemplar na nossa escola e pude satisfazer o meu desejo. Sua leitura me marcou muito e ainda me lembro de várias passagens da história. Depois daquela ocasião, tive oportunidade de ler outras traduções. Essa que tenho agora foi feita pela Ana Maria Machado. Li um artigo da Margareth Matos que comenta esta nova tradução, afirmando que "busca correspondências para os jogos de linguagem no português do Brasil, oferecendo um texto integral e criativo que faz refefências a cantigas populares, acalantos, poemas de Vinícius de Moraes e Gonçalves Dias, parodíando-os, como fizera Carroll com os textos ingleses". Concordo com ela sobre isso e acho que a história ficou bem mais interessante com a aproximação. Eu recebi o livro na escola onde dou aula para a 4ã série. Em primeiro lugar,
fiz uma brincadeira de
"contar os sonhos". Contei alguns dos meus, deixei os
alunos livres para contarem os deles, discutimos um pouco sobre a lógica absurda dos sonhos.
comentei
também sobre quadros, filmes e desenhos animados que
apresentam coisas fantásticas e até trouxe algumas ilustrações surrealistas.
Per-
guntei depois se conheciam Alice no país Jas maravilhas e se achavam a história parecida com um sonho. Grande parte dos alunos conhecia a história da televisão ou dos vídeos, ou de alguma adaptação. Então, apresentei a eles esse livro que trazia a história completa da Alice, em texto integral. Falei um pouco sobre o seu autor, Lewis Carroll, antes da leitura.
Depois fizemos algumas brincadeiras com
os trocadilhos da história. Alguns alunos representaram cenas cômicas, como, por exemplo, o capitulo chamado "Um chá muito louco", do qual expliquei alguns detalhes que fazem parte da cultura inglesa, como o fato de eles terem o chamado "chá das cinco". Falei sobre o sentido ou o não-sentido (nonsense) do trecho apresentado, cheio de trocadilhos e de coisas absurdas, das quais demos boas gargalhadas.
No final,
compreendê-la com
melhor.
saudades,
Raquel.
as crianças,
que já gostavam da
história, passaram a
(Seleção de L i s b e t h Zwerger.
Tradução de Tomás Rosa Bueno)
Oi Elaine! Adorei o livro que você me mandou. Contos de Andersen. O livro me fez lembrar da minha infância, quando um exemplar semelhante circulava na escola e eu levei um tempão para poder tê-Io nas mãos. Puxa, o prazer era muito grande e eu me lembro que a leitura me levava para o mundo da fantasia. E por isso que hoje gosto tanto de dar livros infantis para meus alunos.
O meu encanto pelas históri-
as e pelas ilustrações de Contos de Andersen foi compartilhado por eles, que leram o livro com prazer. Eu estou trabalhando com as crianças do grupo de teatro da prefeitura. Nós criamos um teatro de bonecos para contaras histórias e fizemos a representação de um dos contos na escola da minha filha. Depois da peça, apresentei aos alunos da escola o livro de onde haviam sido tiradas as histórias. O resultado foi que ficaram muito curiosos para tê-Io, chegando a discutir sobre quem seria o próximo a pegar o livro, do qual a escola possuia um exemplar igual ao meu. Eu li uma resenha sobre essa edição de Contos de Andersen que achei bastante interessante. O resenhista comenta que o autor, Hans Christian Andersen, "começou sua trajetória pesquisando narrativas do folclore de sua terra e (...) aos poucos adquiriu voz própria e, em estilo dinâmico e com enredos criativos, passou a produzir histórias provenientes de sua imaginação.
Redigiu mais de
150 narrativas,
que foram publicadas anualmente e eram lançadas sempre por ocasião do Natal".
Ele comenta também sobre a seleção e a ilustração dos textos feitas por Lisbeth Zwerger, que "selecionou os onze contos entre os seus preferidos de Andersen". Diz também que "o texto de sua coletânea (...) parte dos originais de Andersen, mantendo-se fiel,
sem incorporações,
transformações ou simplificações".
A atividade com esse livro se deu da seguinte forma: como possui onze histórias, fizemos uma seleção conforme o gosto das crianças. Depois de muita discussão, acabamos escolhendo um dos contos,
"A roupa nova do imperador",
para apresentar como história de teatro. A segunda etapa foi a transformação do conto em peça teatral. A terceira foi a criação de bonecos que representassem as personagens, os quais foram criados de maneira bem simples, seguindo as sugestões dadas por um amigo meu: foram feitos desenhos colados em papel cartão, podendo ser manipulados por palitos do
tipo que se usa para churrasquinho.
A movimentação é limitada, mas permite que os alunos exercitem duas linguagens expressivas: o desenho e a expressão oral. Isso tem algo a ver com o teatro de sombras, gênero que, parece, era apreciado por Andersen. Eu já trabalho há um ano com o grupo infantil de teatro, e sempre temos uma história nova para apresentar, mas essa técnica de teatro de bonecos é muito simples e pode ser feita nas escolas, com os alunos do ensino fundamental. Assim, já que você me deu o livro, que tal testar a minha sugestão de trabalho? Um abraço de sua amiga Tânia.
Oi Tânia! hoje quero te contar sobre a minha experiência com o livro 0 bordado encantado, do Edmir Perrotti.
Eu fiquei fascinada pelo tema da mulher bordadeira, que
tem poderes de transformar a realidade. Levei o livro para a classe e seu visual logo chamou a atenção, pois as ilustrações da Helena Alexandrino são maravilhosas! Eu li uma resenha de Elizabeth Vasconcelos que as define muito bem ao dizer: "Em cores suaves, dialogam em perfeita harmonia com o texto e conduzem o leitor a atmosfera feérica dos contos de fadas. Pode-se dizer que cada ilustração constitui a mágica representação de um bordado encantado". Esse livro retoma situações típicas dos contos de fadas, trazendo a história de uma bordadeira que um dia deparou com um trabalho de grande perfeição e desejou criar outro igual.
Então esforçou-se muito para consegui-lo, chegando até
mesmo a derramar gotas de lágrimas e de sangue que se juntaram à linha e se transformaram, magicamente, em uma obra tão perfeita que acabou sendo raptada pelas fadas. uma professora amiga minha, Fátima Miguez, sonagem
uma
comentou:
"Tendo como per-
viúva muito pobre e tés filhos, esse maravilhoso conto tece os
riscos do grande bordado da vida. (...) Situado entre o real e o imaginário, o bordado adquire autonomia e, tocado pela varinha mágica da arte, surpreende esteticamente a todos".
43
Eu li a história para os alunos, que a adoraram! Depois fizemos uma espécie de dramatização: enquanto um aluno lia um pedaço em voz alta, os demais realizavam expressões corporais, representando o que era narrado. uma aluna. Juliana, contou-nos que sua mãe fazia bordados para vender, e todos ficamos curiosos para conhecer seus trabalhos. No dia seguinte, ela trouxe uma toalha bordada em várias cores. Era muito linda! Sua mãe havia levado um mes para concluir o trabalho. Pudemos observar e refletir sobre a beleza estética daquele bordado, feito com demora e capricho. Lembrei então aos alunos o capricho do escritor de O bordado encantado, que levou três anos para elaborara história. Assim pude levá-los a refletir sobre a importância de um trabalho único nessa nossa época de produções em série. como as crianças adoram figuras e desenhos, aquele bordado real serviu para dar asas à sua imaginação. Então voltamos a trabalhar o texto com a mímica, utilizando o bordado da mãe da Juliana. A representação ficou uma beleza e foi mostrada para outras classes. Desse modo, a minha leitura e as leituras das crianças bordaram uma outra história além daquela e gostaria muito de agradecerão Edmir Perrotti por ter-nos dado esse texto! O tema do bordado, porém, não ficou esgotado, está presente em outras obras, como em contos do livro uma idéia ioda azul, com o qual pretendo trabalhar no próximo bimestre. Um abraço da Patrícia.
Oi André! Estou morrendo de saudades, mas feliz por poder um pouco do meu cotidiano. detetives,
compartilhar
com
você
Lembrando o quanto você gosta de histórias de
hoje estou escrevendo para contar minha experiência
com
o livro
O gênio do crime, do João Carlos Marinho. E uma história de detetives para crianças... que os adultos adoram! Sem, na verdade, é uma paródia às histórias tradicionais de detetives. Eu visitei uma escola de São Paulo onde o autor estava dando autógrafos e assisti a uma palestra da Fátima Miguez sobre o livro. Ela dizia que: "Os paradigmas tradicionais da história policial são dessacralizados com vistas a uma nova representação critica dos elementos caracterizadores dessa literatura de suspense. A própria natureza do crime que será investigado na trama narrativa e os personagens detetives encarregados da ação criminosa (...) já promovem uma quebra dos clichês policiais da série literária
do passado".
Os investigadores são crianças da alta burguesia paulistana, e o crime a ser desvendado é a descoberta dos falsificadores de figurinhas de jogadores de futebol. Essas crianças desvendam o mistério, dividindo (ou disputando) o trabalho com um detetive inglês bastante estereotipado, chamado Mister John Smith Peter Tony, detetive invicto (que deixou de sê-lo por causa dos meninos...). A história tem lances hilariantes, como uma cena em que o Mister espanta o soluço do Gordo
pedindo
que
coloque
na
cabeça
um
copo
d'água,
no
qual dá
um
tiro.
O soluço passa, mas o Gordo quase morre de susto. Talvez do jeito que eu conto não dê para mostrar o quanto o livro é legal. Só mesmo você lendo... Antes de apresentar o livro, perguntei aos alunos quais eram as histórias de detetives que eles conheciam. Lembraram-se, então, da figura de Sherlock Holmes e também de desenhos e filmes, com mistérios a serem desvendados e detetives. Falei sobre o livro O gênio do crime, li alguns trechos, e os alunos ficaram muito curiosos em saber o que aconteceria depois. Deixei o livro com um grupo que leu a história, apresentando-a à classe. Os demais ficaram muito interessados em ler o livro, e então eu apresentei outros livros do autor, pois existe uma unidade e continuidade na saga da turma do Gordo, que começou com essa história, em 1969, mas há novas publicações até hoje.
Um dos últimos que li foi Cascata de cuspe.
Me escreva... Beijos da Lu.
Vou terminando por aqui.
Oi Neiva! Já se passou muito tempo desde que estudamos juntas. Lembro-me do seu talento teatral quando apresentávamos trabalhos de Educação Artística e também de suas estrepolias no tempo do magistério.
Eu gostaria muito de ter esse
seu talento nato para fazer teatro e comédia com as situações mais simples da vida. Sabe, Neiva, é lembrando de você que eu me inspiro em muitas das minhas aulas. Eu agora estou lecionando na periferia de Guarulhos e tento estimular nas crianças o gosto pela leitura. O último livro que dei para elas lerem foi uma idéia ioda azul, da Marina Colasanti. O livro possui contos fantásticos, que recuperam o encanto dos contos de fadas, com ilustrações feitas também pela autora, que "cria a partir do conhecido,
transfonna
com
as palavras um mundo que parecia nada
mais poder oferecer de insólito", como bem define Laura Sandroni em uma resenha que eu li. Assisti também a uma palestra da Ninfa Parreiras sobre esse livro, em que ela
comentava:
"Os contos revelam os misarios da alma humana, colhi-
dos na realidade interna que carregamos, trazendo muitas vezes a linguagem do inconsciente, dos sonhos,
da fantasia - que habita o território do imaginário,
daquilo que nos distingue dos outros animais. E essa capacidade de fantasiar, de criar, que pode ser explorada a partir da leitura de uma idéia tôda azul". Antes de entrar no texto, comentei com os alunos sobre as épocas passadas,
em que, em vez de assistir a novelas, as pessoas se reuniam para ouvir histórias. Falei também da correspondência entre contar histórias e fazer trabalhos manuais, pois as antigas contadoras eram também fiandeiras ou bordadeiras. Escolhi os contos "Além do bastidor" e
"Fio após fio", por tematizarem o
bordado, e foi então que "dei uma de Neiva". Eu cheguei na aula seguinte toda vestida de fada e com um bordado na mão. Então, enquanto tentava bordar uma florzinha em ponto de cruz,
contei as duas histórias e as crianças adoraram!
Propus, a seguir, que formassem grupos, ficando cada qual com um conto. Um aluno de cada grupo contou a história para a classe, recebendo ajuda dos colegas de grupo. A experiência permitiu que discutíssemos sobre as histórias narradas e despertou nos alunos a curiosidade de lerem os outros contos do livro. Por serem histórias curtas, foi possível trabalhá-las em um só dia. Um abraço da Cristiane.
Oi
Mariana! Quero
compartilhar
com
você minha experiência com um livro muito bom
que dei aos meus alunos. O livro chama-se A terra dos meninos pelados e trata de um menino chamado Raimundo, que é hostilizado pelas outras crianças por ser careca e ter um olho de cada con Sentindo-se infeliz no mundo real, Raimundo refugia-se em uma terra ideal, chamada Tatipirum, onde todas as crianças são iguais a ele. Gostei muito da definição de Nilma Gonçalves Lacerda ao afirmar, em uma aula sobre o livro, que,
"afligido pela zombaria dos outros meninos, que atacam
nele aquilo que é diferente, Raimundo se põe, como demiurgo, a fazer o mundo". As ilustrações de Roger Mello são demais, você precisa ver! Parece que tem algo de mágico nelas! Nilma Lacerda também
comenta
sobre elas, dizendo: "Os
traços dançarinos e instigantes dão corpo à fantasia, prendem à página os olhos do leitor, para soltá-los em seguida mais livres, plásticos e inquietos". Propus a leitura desse livro aos meus alunos e depois fizemos um debate sobre a história. Fiz perguntas como, por exemplo,
"qual a personagem de quem
gostariam de ser amigos". A maioria dos alunos afirmou sentir pena de Raimundo e desejar ser amigo dele. Foi ai que uma aluna teve a idéia de escrever um bilhete para ele, a qual foi aprovada pela classe. Lembrei aos alunos que, meninos,
mesmo em
Tatipirum, havia diferença entre os
havendo um sardento que desejava que todos tivessem pintas assim
como ele.
comentei
também sobre a volta de Raimundo para o mundo real como
uma prova de coragem, lembrando que sempre seria possível à personagem viver o
imaginário. Aproveitei então o tema da fantasia e lancei uma proposta de redação. Pedi
aos alunos que escrevessem como seria o seu "mundo ideal" e depois nós compusemos pequenos livros ilustrados por eles próprios.
com
simples folhas sulfite,
algumas idéias e lápis de cor eles fizeram lindos livros. Depois foi só encadernar. Alguns foram costurados à mão, outros na máquina de costura e outros encadernados com espiral. Fizemos depois uma exposição com os livros, que foi visitada por todos os alunos da escola. Foi muito bom ver as crianças inventando! Um abraço da Regina.
Oi Caria! Tenho saudades do tempo em que estudávamos juntas e da forma como você lia as histórias, dando vida a eias. A sua leitura era mágica, transformadora. O tempo de estudante passou, agora virei professora, e estou gostando muito de meu trabalho de incentivadora da leitura. Faço o possível para seguir as idéias de Monteiro Lobato,
que procurava criar livros "onde as crianças pudessem morar".
S falando em leitura e bibliotecas, gostaria de lhe contar sobre o livro Atrás da poria, da Ruth Rocha, já ouviu ralar? Esse livro trata de um menino chamado Carlinhos, que mora em um casarão, cuja metade fora doada para uma escola quando sua avó morreu. Um dia, entrando no quarto que fora de sua avó, Carlinhos descobre uma entrada secreta para uma biblioteca e acaba descobrindo a leitura como um prazer secreto, depois
compartilhado
com
outras crianças, que saem
escondidas de suas casas para lerá noite na biblioteca secreta, sem saber que era a mesma da escola, a qual ninguém conhecia. Assisti a uma palestra de Graça Monteiro de Castro na qual ela fez comentários sobre essa obra, dizendo que "é uma verdadeira apologia ao livro, á biblioteca e à leitura como fonte de prazer e entretenimento". Apresentei o livro aos meus alunos e contei um trecho da história a eles, fazendo suspense justamente na hora em que Carlinhos descobre o que há atrás da porta.
Depois os alunos leram e nós discutimos a história. Sugeri a eles que
visitassem mais a biblioteca da nossa escola e fossem escolher livremente o que quisessem ler. Então planejei com a bibliotecária de fazermos uma brincadeira igual à do final do livro: montar uma festa na biblioteca. Nós enfeitamos a biblioteca e levamos as crianças para visitá-la. Escolhemos alguns dos livros mais bonitos e os expusemos (assim como se faz com os chocolates nos supermercados) para que fossem "gincana da leitura ",
fácilmente
encontrados. Fizemos uma
trazendo alguns convidados para contar histórias, e tudo
isso deixou a meninada na maior excitação. Até mesmo alguns pais de alunos participaram contando as histórias preferidas de seus filhos, enquanto outros,
que
não tinham o costume, puderam ouvir e, quem sabe um dia, até venham a contar seus casos Eu fiquei muito feliz com a experiência e gostaria que você também viesse aqui um dia para ler suas histórias preferidas para meus alunos. Um abraço, Valéria.
Oi Luzia! Por esses dias eu li Os rios morrem de sede, de Wander Pirolli, que me fez lembrar da nossa infância, quando a gente ia brincar nos córregos de Rinópolis, que já estavam morrendo de sede... Descobri o livro na biblioteca da escola e achei interessante utilizá-lo em uma atividade com meus alunos da 4ª série da zona rural. Em uma conversa informal sobre o que eles mais gostavam de fazer nas horas de lazer, apareceram em suas respostas atividades como pescar e nadar. Um aluno contou que o rio que passava no fundo de seu sitio estava muito raso e poluído, que não dava mais para nadar e não tinha peixe, embora já tivesse sido muito bom.
Outros alunos contaram histórias semelhantes e conversamos um
pouco sobre tal mudança. Então eu comentei sobre Os rios morrem de sede, que depois li para eles. O livro conta as preparações para uma pescaria que não acontece. Um menino chamado Bumba e seu pai saem da cidade grande para uma pescaria no Rio das Velhas e o pai tenta repetir com o filho o mesmo ritual que viveu em sua infância. Porém, quando chegam ao rio, constatam que esse havia se transformado em um areai e, cheios de decepção, deixam as varas e voltam para casa. O pai solta um palavrão, que é repetido pelo filho. Meus alunos ficaram muito tocados pela história, que, como afirmou Lucilia
Garcez em uma palestra a que assisti, é "uma das mais sensíveis e emocionantes narratívas
acerca de um tema tão explorado nos dias de hoje — a ecologia ". Su
gostei desse livro porque foi possível aproximar seu tema de um problema da vida dos alunos, que se identificaram com a personagem Bumba, e também lembrar da minha própria relação com a natureza. Nós conversamos sobre o tema e sobre a linguagem realista e emotiva usada na obra. Na aula seguinte, levei o professor de Ciências para falar sobre a poluição ambiental, a destruição das matas ciliares e o conseqüente assoreamento dos rios.
Os alunos ficaram muito interessados pelas questões ambientais e discuti-
ram o assunto acaloradamente. O professor de Ciências explicou um pouco do que podia ser feito pelos próprios alunos para evitar esse assoreamento, alguns panfletos explicativos,
com
entregando
informações muito úteis para os donos das
terras vizinhas aos rios. Eu tenho uma amiga que dá aulas em uma cidade grande e levou jornais e revistas sobre o tema quando leu esse livro com sua classe. Mas eu gostaria de saber o que você — ai no Mato Grosso, cercada por rios enormes — acha do livro, que estou mandando de presente. Gostaria também de saber como você o utilizaria em suas aulas de Ciências, tendo em vista a sua realidade. Espero sua carta. Sua amiga de sempre, Adriana.
Querida Lu! Você se lembra de quando trocávamos livros e contávamos nossas experiências de leitura? Você achava engraçado eu olhar para a capa do livro durante a leitura, para não me esquecer do rosto das personagens. Mas eu achava ainda mais interessante o fato de você "mergulhar" na história, imaginando-se no lugar do
protagonista. Eu me lembrei dessas minhas leituras quando preparei uma aula sobre o
livro História de Trancoso, que tem um enredo curto, com bastante imagem e pouco texto, o que facilitou o meu trabalho com a 3ª série, sendo possível que todos os alunos lessem. O texto trata de dois andarilhos, um fazendeiro e um padre, que hostilizam um terceiro, o Trancoso, que é pobre e feio. No final da história, esse último revelase mais esperto, comendo o único pedaço de queijo que os três haviam ganhado. Nesse texto,
"os adversários, que hostilizam o roceiro, sintetizam as camadas
mais elevadas, no plano social (o fazendeiro) e politico (o padre); sentem-se superiores ao matuto,
mas acabam sendo vencidos por ele",
conforme eu li numa
resenha da Regina Zilbemian. Ela afirma também que o texto "mostra que não se deve subestimar os pequenos, sejam pobres, homens do campo ou crianças, figura que o roceiro igualmente metaforiza. Além disso, ele valoriza o folclore nacional,
apresentado numa linguagem em que predominam: a sintese vocabular, a rapidez com que a ação se desenvolve, a valorização e primazia do diálogo". Lembrando minha mania por fotos e ilustrações, resolvi fazer uma atividade com a idéia que as pessoas fazem das outras a partir das imagens. Assim, primeiramente, peguei fotos de revistas e pedi aos alunos que dissessem como achavam que eias seriam, qual sua profissão, etc. Muitas vezes eles se equivocaram nessa primeira impressão. Depois mostrei a capa do livro História de Trancoso e perguntei como achavam que seria cada personagem e como seria a história. As respostas foram as mais diversas. Nós fizemos a seguir uma leitura coletiva do livro: um aluno fez a fala do narrador e os outros as das três personagens. O fato de lerem as falas das personagens permitia aos leitores colocarem-se no lugar das personagens cuja fala iam lendo, fantasiando assim como você fazia. Lembrei então a eles que essa história era originária da tradição popular e
também tratei da importância da cultura
popular para o enriquecimento de nossa sociedade. Um grande abraço da Fabiana.
Oi Luciano! Estou lhe escrevendo para lembrar nossas leituras da adolescência, quando você me deu de presente um livro seu que eu tinha lido e do qual tinha gostado. Acho que aquele e outros livros da época foram os responsáveis pela minha escolha profissional, pois hoje trabalho
com
literatura, dando um destaque especial
para os livros infantis. como você sabe, estou dando aula para crianças da 4ã série e hoje resolvi compartilhar com você minha experiência com o livro Memórias de um cabo Je vassoura, de Orígenes Lessa. Eu me interessei pelo livro depois de ter lido um artigo da Fátima Miguez sobre ele que dizia: "A revisão da humanidade é feita por um cabo de vassoura experiente que introduz o seu relato memorialistico buscando as suas origens florestais e delatando sua trágica incursão no mundo dos homens na condição de utilidade doméstica ".
Descobri depois, por meio de
uma
dica da
Laura Sandroni, que essa história é um "apólogo, ou seja, uma história na qual um objeto ganha
vida e pensamentos próprios".
O livro tem dois pontos interessantes que podem ser discutidos: o primeiro é o processo industrial pelo qual passam os objetos que chegam até nós.
O outro
é uma análise do tipo de narrador e o estranhamento causado pelo seu ponto de vista. Antes de dar o livro aos alunos, fizemos uma atividade que consistia em
observar "de onde vinham " os objetos utilizados por nós.
Em seguida, comentei
sobre o livro e pedi que a classe o lesse para depois fazermos uma discussão. Sugeri que imaginassem a nossa vida naquela sala de aula sob outros ângulos, como, por exemplo, "o que a lousa comentaria sobre nosso quotidiano". Depois brincamos de trocar de papéis, de modo que cada aluno fingia ser outra pessoa que
comentava
sobre ele próprio. Eu mesma troquei de lugar com um
aluno e tentei assumir sua fala. A seguir, perguntei qual seria nossa reação caso um morcego, um cachorro ou qualquer outro animal entrasse na sala.
Pedi então que imaginassem como
esse animal nos veria e o que pensaria. Para finalizar, voltando ao autor, lembrei que ele escreveu também um livro chamado Se meu fusca falasse (aquele do filme, lembra?),
e lancei um tema de redação
com
o titulo
"Se meu...
falasse".
O resultado foi muito bom. Guardei as redações com todo carinho e, se você quiser, eu lhe mostro. Um abraço, Ana.
Edna,
minha amiga!
Acabei de trabalhar com meus alunos a obra Se ss coisas fossem mães, de Sylvia Orthof. Que livro bonito e criativo. Não tenho como discordar da Regina Zilberman, nossa ex-professora de literatura na faculdade, que publicou
uma
crítica deste
livro na seção "Livros", num importante jornal de São Paulo: "A proposta original parte de uma noção aparentemente absurda, o fato de "as coisas", como a lua, a casa, a terra ou uma chaleira poderem ser mães; a seguir, [a autora] explora a situação, elaborando (...) um tipo de lógica: a lua somente poderia ter estrelas como filhas, assim como a casa, as janelas, ou a chaleira, a água fervida ". A criançada não resistiu: assim que terminamos a leitura, uma aluna começou a dizer que a fechadura é a filha da porta; já um menino disse que a meia é a mãe do pé. Todos nós rimos gostoso. Então, tive uma idéia, que já pus em prática e que talvez lhe agrade também, já que temos alunos da mesma faixa etária: pesquisar, principalmente em revistas (pois é possivei recortá-las) e também em livros, representações de mães humanas. num grande painel.
Depois,
colamos todas essas figuras
O resultado estético foi muito bonito, mas o ideológico nem
tanto... Já dá pra imaginar que as mães continuaram sendo representadas como meio santas. Essas mães podem até ser executivas, mas estão sempre com um pé no ambiente familiar e doméstico. São jovens, sorridentes (os dentes são impecavelmente brancos e alinhados), satisfeitas e normalmente de pele clara.
Quando me dei conta disso, pedi aos alunos que fizessem a mesma coisa com a figura paterna. O resultado não foi muito diferente, exceto pelo fato de não haver tanto apelo ao ambiente familiar. Muitas vezes o pai é representado em seu ambiente de trabalho (sempre um escritório muito chique) e na mesa há portaretratos com fotos dos filhos e da esposa. Achando que o tema ainda não se tinha esgotado, propus aos alunos que pesquisassem como os animais aparecem quando estão em "família ". Em alguns casos ficou difícil identificar macho e fêmea, mas o esforço não foi em vão. As imagens coletadas assemelharam-se muito às das famílias humanas: o ambiente é harmonioso, os filhotes são fofinhos e os animais adultos oferecem segurança e proteção.
Em outras palavras: humanizamos a família dos bichos!
Pois é, amiga: estamos vivendo um periodo de tanta turbulência e transformações, inclusive no âmbito familiar, e continuamos insistindo no estereótipo da mãe amantissima e do pai provedor. Este livro da Sylvia
Orthof também pode ser explorado unicamente como
poesia, como um texto carregado de sons e sentidos, pois, como disse tão bem a mesma Regina Zilberman, ele é formado "por estrofes de dois, três e quatro versos e utiliza rima emparelhada ". As ilustrações que acompanham o texto são muito bonitas e não restringem a criatividade dos alunos. Ao contrário, ajudam-nos a divagar... Não vou estender-me mais. Só queria comentar como essa obra é feliz, pois rompe a noção de que "ser mãe é padecer no paraíso", estereótipo reforçado diariamente até pelas propagandas de sabão empo, que mostram uma mãe tôda feliz pondo quilos de roupa imunda de seus filhos pra lavar (felizmente, na máquina). Beijos da sua colega,
Sueli.
Oi, Ricardo! Há alguns dias tive uma idéia muito engraçada, depois de ouvir que meus alunos, durante um recreio, viram um sapo no banheiro das meninas.
como
al-
guns disseram ter sentido nojo do pobre sapo, lembrei-me da história de Samir Meserani, Confusão maior no Reino de Tinger Menor, e da análise de nossa ex-professora de faculdade, Fátima Miguez, ao me apresentar este livro, quando eu ainda era estudante:
'Verificamos [nessa obra] a transposição do argumento da metamor-
fose homem-animal do famoso Prfncipe-ri ou Henrique de ferro, dos Irmãos Grimm, para o espaço da ficção moderna do Reino de Tânger Menor. O príncipe Carlos Filipe é transformado pela ambiciosa bruxa Urraca num sapo, e sua amada M ulti bel é quem desfaz o feitiço bei/ando-o na boca. Só que seu beijo foi parcial, conseguindo somente uma meia transformação, pois o príncipe continuava com a lingua, o gosto e o apetite de SAPO". Coitada da Multibel! Ficar ao lado de alguém que se
comporta
como
sapo
não deve ser moleza! Quando me peguei pensando nisso, tive a idéia que passo a explicar, primeiro lemos a narrativa em sala e depois pedi aos alunos que enumerassem os animais que mais nos causam nojo: aranhas, baratas, ratos, sapos, lagartixas, ete. Depois, pedi que imitassem corporalmente esses bichinhos repugnantes. (Foi engraçadíssimo observar como as crianças se viraram para reproduzir o movimento da barata.
Eias adoraram essa atividade!)
Num
outro dia,
tentamos localizar outras histórias, principalmente
contos
de fadas, que faziam refeéncia a essa bicharada e às mais diversas metamorfoses: gente em bicho, bicho em gente, abóbora em carruagem, ratos em cavalos, ete. Lembramos de A bela e a fera, de Cinder ela, de Branca de Neve. (Impossível não pensar em Macunaíma, cujos personagens viram estrelas, telefone, formigas, ete!) Pra incrementar ainda
mais,
estou pensando em pedir a colaboração do
professor de Ciências para a realização de uma atividade interdisciplinar: pesquisar em livros didáticos as principais caracteristicas desses bichos e classifícá-los. Acho que assim podemos extrapolar um pouco o conteúdo da história. Talvez você possa aproveitar algumas dessas idéias, já que temos alunos com faixas etárias bem parecidas. Um grande abraço, Regina.
Prezada Seth, Estou tão entusiasmada com uma idéia que tive hoje de manhã enquanto ouvia rádio que resolvi escrever para você na primeira oportunidade. Acabei de chegarem casa, e, apesar das 10 horas/aulajá nas costas, minha idéia ainda não saiu da cabeça. Vou começar pelo começo: o noticiário da Rádio Jovem Pan contou sobre uma môça que chegou a São Paulo não faz mais de dois meses. Depois de três dias sem dar notícias, sua tia, que a estava hospedando, resolveu pedir ajuda da policia para localizar o paradeiro da menina. Acontece que essa tal tia não tinha nenhum documento da sobrinha: nem RG,
nem certidão de nascimento,
nem foto. Nada, nada. Então, a polícia perguntou para essa tia: "como é que a senhora imagina que a gente vai encontrar sua sobrinha se ela não tem nenhum documento,
nenhum papel?"
A tia, que ficou desconsolada com a reação da polícia, disse que, se era isso o que impedia a ação da policia, ela ia providenciar os tais documentos. Foi na primeira papelaria que encontrou,
comprou
um bloco de recibos e preencheu um
monte, escrevendo números e palavras soltas.
Depois, munida de tantos papéis,
voltou para a mesma delegacia e exigiu que tomassem providências, alegando: "Os papéis estão aqui. Agora, quero minha sobrinha de volta". Não sei
como
a história terminou, mas me lembrei, na hora,
do livro
0 fantástico mistério de Fe ¡urinhá, de Pedro Bandeira. Você se lembra dessa história? A
Lucilia Garcez, nossa ex-colega de faculdade, foi quem nos mostrou esse texto pela primeira vez. Nunca vou esquecer os comentários dela: "[trata-se] de um escritor de textos infantis que se vê envolvido pelas personagens dos contos de fadas (Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel, Branca de Neve, Rosa Encantada Delia Moura Torta), agora já maduras, gordas e cheias de filhos, numa trama de mistério e suspense em tomo de uma personagem que não possuia até então nenhuma história escrita — a Feiurinha — e que, por isso, corria o risco de desaparecer completamente da memória de todos". Então, Seth, pensei: que tal pedir para nossos alunos lerem esta história e depois trabalhar com a história de vida de cada um deles? Foi o que fiz. Num primeiro momento, eles contaram suas biografias. Depois, escreveram suas memórias. E, na última etapa, confeccionaram seus próprios documentos, contando com a ajuda do professor de Educação Artística. Assim, ficou claro para eles que a oralidade é importante, mas que registrar por escrito sua história dá certas garantias de sobrevivência — pelo menos nas grandes cidades, onde centenas de sobrinhas chegam e desaparecem diariamente sem deixar rastro. Um grande abraço, Eliana.
Queridíssima
Lenice,
Você se lembra do Ronaldo, aquele colega de turma que logo depois de formado foi trabalhar com os indios do Amazonas? A gente jurava que ele jamais iria suportar morar num clima tão quente e chuvoso. È, nós duas nos enganamos/Já faz mais de quinze anos que ele se foi. Pois é, depois de tantos anos em silêncio, ele deu noticias três semanas atrás, enviando uma carta anexada a um livro belissi-mo, O livro das árvores, dos indios Ticuna. Ble reproduziu na carta essa explicação de Rosa Cuba Riche, uma especialista em livros para crianças: "O livro faz parte do projeto A Natureza Segundo os Ticuna, iniciado em 1987. Após o levantamento de dados e a elaboração de desenhos, as infomiações pesquisadas e registradas pelo povo serviriam, inicialmente, de material pedagógico para apoiar as aulas nas aldeias. No entanto, o projeto cresceu e hoje inclui atividades de educação ambiental, atingindo setecentos alunos das noventa escolas Ticunas, no Amazonas". Fiquei tão encantada com este livro que fui mostrá-lo a outra colega minha, a Maria Antonieta Cunha, que adora artes. como nos desencontramos, ela deixou o livro em meu armário com o seguinte bilhete: "Seu belo projeto gráfico, em papel cuché e ilustrações em quatro cores, é um dos raros exemplos de material sobre os indígenas brasileiros em que eles próprios trabalham, estabelecendo o seu ponto de vista e a sua cultura ". Resolvi ler este livro com os alunos da 8ã série, que acham que indios brasileiros só existem em livros de História. Todos ficaram curiosissimos: observaram
as ilustrações, leram os textos, entenderam os mitos e a multiplicidade de tipos de árvores que compõem a floresta. Quando vi o interesse que este texto gerou, tive uma idéia: propor á sala que produzisse pelo menos dois capítulos de um livro didático que contassem as origens da turma, suas histórias, lendas, costumes, tradições, ambiente em que vive, ete. Ficamos trabalhando essa atividade durante umas quatro aulas, e o resultado foi bem diferente do dos índios Ticuna: ninguém sabia explicar direito sua origem. Alguns alunos comentaram latos isolados das suas respectivas famílias, mas não sabiam Juntar o passado com o presente (mais ou menos como o Bentinho, de Dom Casmurro, do nosso querido Machado de Assis). Lendas, costumes e tradições, então, os alunos achavam que nem tinham. Mesmo assim, conseguimos produzir um material escrito, que revelou nosso desapego ao passado e nossa desinformação sobre nossos costumes. Estou escrevendo tudo isso a você por dois motivos: o primeiro, porque você conheceu o Ronaldo tão bem quanto eu e achei que gostaria de saber dele; o segundo, mais interesseiro de minha parte, para convidá-la a vir à nossa escola e conhecer nosso material "didático". como você trabalha numa editora que publica livros escolares, achei que sua visita poderia render uma explicação aos alunos sobre edições de livros, sobre a necessidade de pesquisa para escrever qualquer texto informativo. Você topa agendar uma data e fazer essa visita? Não há pró-labore, pois a escola, mesmo com a APM, não dispõe de recursos. Fico aguardando uma resposta sua! Beijos, Bárbara. RS.: Evidentemente comentei com o professor de História as dificuldades dos alunos em resgatar sua própria história e estamos combinando atividades conjuntas para começar a sanar essa grave lacuna.
Querida
Marli,
Que saudades de você, de nossas conversas nos intervalos das aulas! Os dois meses de sua licença parecem quase um ano. Afinal, formávamos uma dupla e tanto: você, com suas aulas de História, e eu, com as de Lingua Portuguesa. Bem, chega de lamentações. O que quero contar é que finalmente pus em prática uma idéia que nasceu em nossas intermináveis conversas: propor aos alunos da 8- série a leitura de Mamãe trouxe um lobo para casa!, de Rosa Amanda Strauz, autora bastante elogiada por Vânia Resende, nossa coordenadora, lembra dela? No começo, fiquei meio receosa... Lembrei-me do comentário da própria Vânia: "a autora não poupa a criança do drama causado pelo convivio com aquele que passa a ocupar o lugar do pai dentro de casa ". No entanto, observando bem a história, lembrei-me de outro
comentário
dela, de que nesta obra "os sentimentos
sào densos, mas eles evoluem na medida em que vai ocorrendo elaboração e amadurecimento
da percepção
infantil".
Munida de coragem, já que a maior parte das famílias de nossos alunos é desestruturada, fizemos a leitura do texto. No começo, cada criança lia um parágrafo. Em pouco tempo, perceberam que o lobo era a figura do novo companheiro da mãe! Concluida a história, aqueles que ainda não tinham lido nada se encarregaram de
"ler" as ilustrações.
Qual não foi a minha surpresa quando um deles
observou que os momentos de
"maior tensão sào visualizados em preto-e-bran-
co". Meu queixo caiu! Foi tão boa essa experiência que fiz a mesma coisa com crianças da 5* série. E, ai, a leitura foi literaf: o lobo era o lobo mesmo, desses que a gente vê no zoológico e nos contos de fadas. Então, pensei que, para os alunos da 5â série, uma atividade que pode ser bastante interessante é pedir que representem — tanto por meio da escrita como de desenhos — os animais que mais temem. Depois, que expliquem aos colegas o porquê de tal bicho causar tanto medo. com os alunos
mais
velhos, pode-se trabalhar a simbologia das cores, já que, neste
livro, as ilustrações em preto-e-branco têm sentidos diferentes das coloridas. Infelizmente não contamos com livros de arte em nossa biblioteca, mas fiquei imaginando, caso existissem, a boa oportunidade que seria manipular com os alunos livros sobre o Impressionismo, movimento que tanto se preocupou com a reprodução das cores do mundo real. E, amiga, acho que estou entrando numa utopia... Quem sabe, um dia, será possível realizar esse tipo de trabalho com nossos alunos. Enquanto esse dia não vem, continuo na luta,
torcendo pra não encontrar nenhum lobo pelo meu cami-
nho! Beijinhos em seu filhote. Estou com saudades! Beijos, Carol.
H§t§
¿Attintici Paula
Saldanha
Prezada Ana Lúcia, Você se lembra do Rui, aquêle professor carioca, lindo e maravilhoso, que nós conhecemos numa assembléia por melhores salários no ano passado? Pois é, ele me mandou uma carta contando uma experiência de leitura que e/e realizou com os alunos dele. Achei tão interessante o relato, que vou reproduzir alguns trechos: "(...) Mo dia marcado, fui com os alunos para a Floresta da Tijuca. Quando chegamos, procuramos um lugar afastado e nos sentamos.
Pedi que todos fizessem
silêncio e fechassem os olhos para que pudéssemos escutar apenas os barulhos da mata. Que delicia! Ouvíamos o farfalhar das folhas, o canto de alguns pássaros, os estalidos de insetos no chão. Depois, abrimos bem os olhos para que pudéssemos observara vegetação em volta. Ninguém se preocupou em identificar plantas e flores, mas apenas em apreciá-las.
Tamanho, con textura e espessura
eram algumas das características das plantas que os alunos mais comentavam. Ninguém colheu nada, nem do chão. Depois, cada um desenhou em seu caderno aquilo que mais chamou a atenção no passeio. Na seqüência, fizemos uma caminhada de quarenta minutos aproximadamente e voltamos à escola.
Reinstalados
novamente na sala de aula, contei que essa floresta não é nativa, pois no inicio do século foi destruida para o plantio do café, mas que, graças a um cuidadoso trabalho de reflorestamento misto naquela época,
foi possível reconstitui-la.
Perguntei
aos alunos possíveis causas que levam os homens a destruir as matas. Muitos
disseram que o homém precisa plantar e por isso derruba a mata; outros disseram tratar-se de puro vandalismo.
comentei
que as respostas estavam corretas.
Para finalizar, os alunos foram à biblioteca e em grupos leram o livro Mata Atlântica, de Paula Saldanha, livro que me inspirou esse passeio". Não é interessante? Fiquei tão curiosa em conhecer este livro que fui imediatamente à biblioteca da escola, e lá estava ele. Que obra bonita! Fiquei tão entusiasmada com o que li que mandei um exemplar para a Elizabeth Vasconcellos, crítica literária, que sempre nos ajuda na escolha de livros na escola. sempre faz, escreveu o seguinte
comentário:
como
ela
"[o texto parece nos enviar a] uma
breve viagem pela Mata Atlântica, [na qual] a autora recupera os diferentes elementos [que]
compõem
a referida região: as montanhas cobertas de vegetação,
as cachoeiras, a variada flora e a curiosa fauna. Ese, por um lado, ainda épossível reconhecer essa exuberância em alguns pontos da paisagem, por outro lado a autora ressalta a devastação de que a Mata foi sendo vitima, em nome da expansão das cidades, da formação dos pastos e da produção de carvão". Evidentemente, sendo moradora do interior do Estado de São Paulo, não posso sugerir um passeio in loco, mas posso trabalhar com as imagens do livro, pedindo aos alunos que observem as figuras de Regina Yolanda. São belíssimas aquarelas, algumas levando a uma interpretação da beleza da fauna e da flora da Mata Atlântica: outras, bem menos exuberantes, mostrando sua devastação. alunos podem desenhar o ambiente em que vivem e
comentar
Os
se o resultado de
seu trabalho se aproxima do sentimento de exuberância ou de desolação: podem fazer colagens tentando reproduzir a beleza da Mata Atlântica; podem pesquisar em outros livros e revistas noticias sobre desmatamento e/ou reflorestamento. Também pensei que, por você morar no litoral,
valeria a pena promover um
passeio com os alunos à serra, para que observassem como é essa vegetação que ainda sobrevive na beira das estradas e como ela vai desaparecendo à medida que se chega â cidade e à praia propriamente dita.
70
O Rui nem tem idéia de como a carta dele me inspirou. (Pena que ele não incluiu nenhum
convite para
visitá-lo!)
Mande notícias sobre seu trabalho. Um grande abraço, Lidia.
MeDÎDO brines de fcoDeci>? Marcos
Ribeiro
Querida Lurdes, Escrevo esta carta com angústia. È que hoje fiquei sabendo que a irmã de quinze anos de um aluno de minha sala está grávida e tem sofrido o diabo nas mãos da familia e do suposto namorado, que não quer saber de assumir nada (também, como poderia, se o menino só tem dezesseis anos?). O que me chocou, na verdade, não foi esse episódio isolado, mas a reação de um grupo de alunos que ouvia o relato do futuro (e precoce) tio. As meninas, de treze anos, começaram a dizer que essa futura mãe adolescente não prestava, pois
"quem mandou ela se entregar pro primeiro que apare-
ceu?" Já os meninos, achando-se muito machos com seus treze/catorze anos, disseram que
"o azar é da mulher. Homem que é homem não tá nem aí se
engravida ou não a namorada ". Fiquei impressionada com os
comentários
desse grupo. Afinal, eles são tão
jovens e tão reacionários... O que você faria no meu lugar? Caso tenha uma idéia, escreva pra mim, pois estou me sentindo despreparada pra lidar com essa situação tão delicada. Um abraço, Beatriz.
São Paulo,
IO de setembro de 1999.
Querida Lurdes: Obrigada pela resposta tão rápida e eficiente. Assim que recebi sua carta, fui atrás do livro que você recomendou. Felizmente havia um exemplar dele na biblioteca da escola. Até a bibliotecária, dona Nilma Gonçalves Lacerda, comentou sobre a boa qualidade dessa obra. com que interesse li Menino brines de boneca?, de Marcos Ribeiro/ Acho que a felicidade do questionamento dos estereótipos sexuais se deve ao fato de o autor ser consultor em educação sexual. Só assim para explicar com tanta pertinência que "os vários tipos de
comportamento
estão nas diferenças individuais e não nas
sexuais". Acho ótimo que o autor alimente a discussão sobre os papéis masculinos e femininos "chamando o leitora uma participação ativa na leitura, cobrando dele um posicionamento que deve manifestar-se em respostas, preenchimento de colunas de certo e errado, pode e não pode, acho e não acho". Na primeira oportunidade que tive, sugeri aos alunos que lessem o livro e respondessem às atividades. Depois,
comentamos
oralmente as respostas. No
geral, eias não diferiram muito das daquele grupo sobre o qual comentei na carta anterior. Infelizmente, os estereótipos foram reforçados na maior parte das vezes. Então, tive uma idéia: a partir da construção dos papéis que cabem ao homem e à mulher, desenhamos, em escala natural, a figura de um homem e a de uma mulher, não esquecendo, inclusive, de mostrar as diferenças fisiológicas dos dois sexos. Grudamos as figuras na lousa e, aos poucos, começamos a agregar a eias, em forma de desenhos, as respostas dadas anteriormente pelos alunos.
Resumin-
do: a mulher terminou vestida de blusa e saia, ambas côr-de-rosa. O homem, de calça e camisa azuis. A mulher trabalha em casa, e o homem, fora dela. Os filhos passam a maior parte do tempo sob os cuidados da mãe, e assim por diante.
Depois, lemos todos os comentarios e, para meu alivio, urna menina começou a questionar esse monte de preconceitos. Houve uma boa discussão. Não sei se consegui mudar a mentalidade dos alunos,
mas pelo menos evidenciamos, por
meio dessa atividade, que ainda "somos os mesmos que os nossos pais", como cantava Elis Regina. E claro que no dia seguinte trouxe a letra dessa música e a analisamos em aula... Um abração e obrigada pela força, Beatriz.
Rubens
Matuck
Olá, Eliana, Você já teve dias em que tudo parece dar errado, mas de repente um fato novo muda tudo? Foi o que me aconteceu h q/e com a leitura desta carta, recebida agora à tarde: "Prezada professora
Edna:
Venho por meio desta contar a mudança que venho notando em meu filho Marcelo. Ele, que nunca dava importância ás plantas e aos animais, começou a valorizar as plantinhas de casa e as duas únicas árvores da rua onde moramos. como ele é muito fechadào, não me respondeu quando lhe perguntei o porquê de sua mudança. Por acaso, achei no criado-mudo dele o livro Plantando urna amizade, de Rubens Matuck, que ele tomou emprestado da biblioteca da escola. Fiquei curiosa e tentei ler. Confesso que não entendi muito bem o que o livro quer dizer, até que pedi a uma prima minha, a Wanda Medrado Abrantes, que também ê professora e especialista em literatura, para ler e me explicar esse livro. Ela gostou tanto dele que me mandou esta resposta por escrito: "Plantando uma amizade é um livro que emociona o leitor pela beleza das ilustrações, pela composição das figuras, pela delicadeza do texto e pela profundidade do sentido ecológico: não se limita somente a mostrar a necessidade de defender o verde, mas evidencia, também, a
relação que há entre as plantas e a própria natureza humana'. Acho que agora entendi direitinho o conteúdo de Plantando uma árvore. Por isso pergunto: a senhora acha que esse livro tem mesmo a ver com o jeito diferente do Marcelo? Um abraço da Catarina". "E claro que sim!", é a resposta que vou dar pessoalmente a essa mãe dedicada. Pretendo contar que a partir da leitura desse livro começamos a observar as plantas que existem na rua da escola (que são pouquíssimas) e a coletar folhas dos locais por onde passamos.
Embora ainda não possamos classificá-las
(para isso é necessário contar com a ajuda do professor de Ciências), já estão organizadas e coladas num
"caderno de plantas". Além disso, estamos montando
uma exposição dos alunos com textos e ilustrações sobre árvores e plantas. Um grande abraço, Edna.
Fernanda
querida!
Ah, Fernanda, se todos os dias fossem como cinco dias atrás, acho que não sobreviveria a mais uma semana! Que barra pesada! Estava saindo da escola com mais dois colegas quando um grupo de meninos de rua nos cercou. Fiquei apavorada. Levaram meu relógio, minha carteira, carteiras e relógios de meus colegas. Fiquei tremendo,
chorando,
senti-me péssima.
No dia seguinte, ganhei do professor de História (lembra do Lauro, aquele que nunca foi de falar muito, mas que prestava a maior atenção a tudo?) o livro Praça das Dores, de José Louzeiro. Tinha uma dedicatória, na verdade a reprodução de um parecer critico de Francisco Aurélio Ribeiro, publicado na Folha de S. Paulo, quando o livro foi lançado: "Obra realista, corajosa, de denúncia, que necessita de ser lida, para se discutir uma realidade tão próxima do brasileiro e que não pode ser ocultada, se se quiser modificá-la".
comecei
a ler o livro: afinal, o Lauro tinha sido tão assaltado quanto
eu, mas não parecia estar com raiva dos assaltantes; parecia, ao contrário, empenhado em modificar minha opinião sobre os menores de rua. Eleonora Cretton Abílio, minha amiga que veio me dar uma força na saida da escola no dia seguinte, já conhecia o livro e comentou que a maior qualidade desta obra de José Louzeiro está em "conseguir renovar nossas esperanças e expectativas ao vincular seu texto a um problema nacional".
Resolvi ler o livro com os alunos. Depois da leitura pedi que pesquisassem em jomais, revistas e livros histórias sobre menores de rua. Montamos juntos um grande mural que ficou exposto no pátio, na parte coberta. Foi incrível: as noticias retiradas da imprensa pareciam copiar a ficção de Praça Jas Dores. como percebi que os alunos estavam muito motivados, propus a leitura da coluna de Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo, jornal que chega diariamente a nossa escola (e acho que a todas do Brasil), e de alguns livros que ele publicou sobre a infância desassistida: Meninas da noite, Aprendiz do futuro, O cidadão de papel. Fernanda querida, precisava desabafar.
Desculpe. Nem perguntei de você.
Tudo legal? Espero que você esteja bem, apesar do mundo difícil que nos cerca. Um grande abraço, Erica.
Querida professora
Clarice,
Há quanto tempo! Acho que a senhora não se lembra mais de mim: fui sua aluna há muito tempo, pra ser mais precisa, há dezoito anos! Naquela época, eu tinha nove, era magrela e roía muito as unhas. Felizmente consegui localizar seu endereço residencial para poder mandarlhe esta carta, que deveria ter sido escrita há muito tempo. Só pra dizer como ter sido sua aluna foi uma das melhores coisas que aconteceram em minha vida escolar. Afinal, nas suas aulas aprendi o valor da leitura, o gosto do texto, o prazer de manipular um livro. Todas essas sensações voltaram numa fração de segundo, após a conclusão da leitura com meus alunos de 5- série da obra De surpresa em surpresa, de Fanny Abramovich. Sabe por quê? Porque nesta história a autora narra a experiência de Camila, uma meninota, que "vai pela primeira vez ao teatro, com um ingresso ofertado pelo pai de uma amiga ". A Ninfa Parreiras (lembra dela? Aquela colega que dividia a carteira comigo, que hoje é critica literária) também leu esse livro da Fanny e comentou em uma carta endereçada à escola que "tôda a emoção [da personagem] é contada e detalhada no interior da história ". Concordei imediatamente com ela. A senhora lembra-se de quando levou nossa tunna ao teatro para assistirão Pinóquío? Nunca vou me esquecer da expressão de encantamento da Margareth Mattos, que dividia a carteira com o Paulinho, e que hoje é diretora da escola em que leciono. Segundo ela, nós duas ficamos maravilhadas com aquele espetáculo, exatamente como acontece na história de Fanny com a Camila, que "se
deslumbra com o Teatro Municipal, as escadarias, o palco, a platéia, os bastidores, com o espetáculo em si". como não podia deixar de ser, tentei agendar uma ida a um teatro infantil com meus alunos, mas não deu muito certo. O problema foi o de sempre: o financeiro. Resolvi, então, propor aos alunos que lessem textos de teatro para saber como são. Fomos à biblioteca da escola e localizamos o livro Teatro I, de Maria Clara Machado. Escolhemos a peça Plu ft, o fantasmi nhá. Não representamos a peça, apenas demos vozes a seus personagens. Na seqüência, em parceria com o professor de Educação Artística, construimos em m assi nhá as personagens citadas na peça que Camila assiste, já que tanto a capa como as ilustrações internas do livro aliam "diferentes técnicas. O alto-relevo de algumas ilustrações faz saltar aos nossos olhos figuras, como se fossem bonecos moldados". (Estou reproduzindo as palavras de Margareth Mattos, que explicam superbem o que estou querendo dizer!) O resultado foi tão bom que amarramos barbantes nesses bonecos de massinha, como se fossem marionetes. Embora sem articulação e sem flexibilidade, ficaram bem parecidos com marionetes de verdade. Depois, inventamos a história do espetáculo que Camila assistiu. Todo o mundo envolveu-se nessa atividade. Tanta inspiração se deve às suas aulas, de tanto tempo atrás. minha grande professora! Vou parando por aqui, porque estou a carta vai ficar melada demais!
começando
Você foi a
a ficar muito emocionada e
Um grande abraço de sua ex-aluna, Roseli. RS.: Quando assisti ao filme Sociedade dos poetas mortos, com Robin Williams no papel do professor John Keating, pensei muito em você.
Guilherme, Você tem a impressão de que dar aulas é sempre uma aventura? Quando tudo parece ir bem, acontece algo que nos surpreende. No começo desta semana, uma aluna estava superchateada porque eu nâo deixei que ela chupasse bala enquanto escrevia. Mãos meladas, papeizinhosgrudentos embaixo da carteira, aquela cara entre o choro e o zango: "Mas eu estava com vontade!" Você já tentou explicar para alguém de oito anos que simplesmente não pode, porque não é hora do lanche e, além do mais, que a fôlha fíca uma sujeira ? Alguns colegas da in justiçada engrossaram a reclamação, criou-se um pequeno motim na sala.
comentei
o qui-
proquo com a Tereza, minha colega, também professora de Portugués. Ela me recomendou o livro Barulho demais. Alada mais apropriado à situação: dois vizinhos — um jaca ré e um elefante — brigam porque o violino de um atrapalhava o trómpete do outro e vice-versa. Cada um era apaixonado pela sua música, mas não conseguia perceber que incomodava o outro, até que decidiram formar um dueto.
Con-
cordo com o que Laura Sandroni escreveu em um texto que acompanhava o exemplar da nossa biblioteca: "Certamente, uma bela mensagem que a criança leitora compreenderá perfeitamente e a ajudará a fixar valores que devem ser preservados". Os alunos riram muito com as caras atormentadas do jacaré e do elefante. Achei que a melhor maneira de aproveitar a leitura era pemiitir que a diversão continuasse.
Então pedi que imaginassem que todos nós éramos músicos e que
tínhamos nos mudado para o quarteirão em que moravam o jacaré e o elefante. Cada criança representava um bicho e trouxe um
"instrumento"para tocar. Na
verdade, podia tudo: sininho, martelo de cozinha, lata cheia de pregos, qualquer coisa que fizesse barulho. Primeiro, cada um teve o prazer de apresentar o nome (inventado) e o som do próprio instrumento; depois, barulhei ra dos infernos.
todos tocaram simultaneamente e fizemos uma
Você bem pode imaginar. Guilherme, que eles adoraram
essa bagunça tôda. Mas concordavam que não dava para todo mundo tocar do jeito que queria, sem saber quando
começar
e quando parar. Lembramos como
acabava a história do jacaré e do elefante e eu pedi que os alunos dessem sugestões de como organizar a nossa "música ", para que a gente pudesse tocar sem criar tanta confusão. Uns sugeriram que cada músico ficasse separado dos outros, mas ai vários acharam que perdia a graça.
Outro achou que podia separar os
instrumentos por tipo de som, alguns disseram que deveríamos fazer uma roda, cada um tocava um pouquinho e dava lugar para o colega do lado.
Tentamos
várias dessas possibilidades e não posso dizer que chegamos a soar como uma orquestra, mas ao menos as crianças estavam tentando estabelecer um acordo. Para completar (e chegar onde eu mais queria!), discutimos como seria bom poder fazer tudo do jeito e na hora que quiséssemos. Escrevemos na lousa uma lista enorme de coisas de que gostamos e que podem atrapalhar alguém: comer pipoca fazendo barulho no cinema, assistir à televisão na frente dos outros, furar fila, demorar muito no banho,
comer
sozinho o último pedaço de torta. Então
inventamos soluções fantásticas para os problemas.
Teve até a idéia de um chu-
veiro que molhava, ao mesmo tempo, quem tomava banho e quem estava parado, esperando, na porta do banheiro! Ainda bem que ninguém inventou uma bala que não suja o papel e engana o professor. Já pensou que argumento eu usaria na próxima vez que alguém comesse bala na sala de aula? Juliana.
Irene, Quero fazer uma confissão: quando estou pesquisando livros para adotar nas minhas aulas, encontro alguns que me deixam na maior dúvida, não sei bem qual a melhor forma de lê-los com os alunos. Isso aconteceu de novo, com Contos de assombração. Decidi pedir ajuda para uma colega dos tempos da faculdade, Jane Paiva, que resumiu maravilhosamente o que o livro apresenta: onze histórias do folclore latino-americano, que abordam "os perigos da noite, do escuro, do desconhecido, dos mistérios que encobrem,
tolhendo e refreando exemplarmente os
ousados aventureiros que queiram, na vida, ousar ou comer riscos". Su não queria desperdiçar esse lado fantasioso e simbólico da obra, mas achei uma pena perder a oportunidade de abordara riqueza cultural de uma coletânea de textos provenientes de onze diferentes países de nosso continente. Pensei na seguinte estratégia e queria sua opinião. como cada conto traz uma breve explicação sobre o pais de origem, o tema e o protagonista, pensei em ampliar essas tais fichinhas,
com
maiores informa-
ções sobre o pais de cada um dos contos. Trouxe um mapa da América e, inicialmente, localizamos os onze paises. Passamos para a sessão de pesquisas, na qual cada grupo ficou responsável por um pais e consultou enciclopédias para: I) fazer um desenho da bandeira do pais; 2) escrever uma pequena ficha informativa (nome da capital, moeda, lingua oficial, população, área); 3) escrever um texto de
cerca de trinta linhas em que se explicava brevemente a história do país (data de fundação, independência, etc.). Na elaboração desse texto, os alunos tendem a copiar as frases dos livros, sem
compreendê-las.
Por isso, eu pedi que primeiro
eles de fato transcrevessem dados e trechos e,já na classe, eles consultaram essas anotações e produziram o próprio texto (com isso, pude interferir melhor nas tais cópias e sugerir alterações). Em folhas de cartolina, colamos onze envelopes, cada um recebeu o desenho de uma bandeira e a fichinha de informações (capital, moeda, etc.) de um dos onze países. Cada grupo apresentou os resultados de sua pesquisa e depositou, no envelope correspondente,
a sintese histórica do país.
Discutimos um pouco a
"coincidência" de que aqueles paises tinham todos sido colonizados por europeus e de que conquistaram com batalhas a própria independência. E claro que chamou a atenção dos meninos o fato de só no Brasil se falar português. Na etapa seguinte, cada grupo leu o conto referente ao "seu"pais e redigiu uma síntese para colocar no respectivo envelope, de modo que todos pudessem conhecer rapidamente o enredo dos onze contos. Na semana seguinte, fizemos a parte
mais
engraçada do projeto. A proposta foi: o que aconteceu quando a
personagem do conto tal encontrou a personagem de um outro conto? Os alunos teriam de redigir uma outra história de assombração, agora tradições latino-americanas. façanha! Fernanda.
Acho que nem Simon
"unindo " diferentes
Bolívar conseguiu
tamanha
Leonor, As vêzes, a gente leva horas preparando uma atividade
"magnífica" e nem
sempre dá muito certo. Outras vezes, uma idéia que parecia desinteressante pega fogo e motiva a meninada. Essa boa surpresa foi o que aconteceu comigo na semana
passada.
como eu não gosto muito de insetos, não achei muita graça quando o professor de Ciências, Francisco Aurélio Ribeiro, me sugeriu a leitura de um livro com as crianças, que estavam há algumas semanas empolgadíssimas com a coleta de bichinhos para o viveiro da escola. Ele me indicou O dilema do bicho-psu, elogiando muito o autor, Angelo Machado, ecologista que
"consegue transmitir ás crianças o
seu amor pela natureza, atra\és de histórias que conta, sempre a partir de dados concretos da realidade,
mas buscando a liberação do imaginário infantil, pela
fantasia". Dá para apostar que o meu entusiasmo veio justamente daí, da fantasia. A história é mesmo encantadora: o personagem enfrenta
uma
"crise de iden-
tidade", não sabe se é bicho ou se è pau e vai, aos poucos, experimentando as vantagens e as desvantagens de ser uma coisa e outra. Eu, que havia começado o livro sem grandes expectativas, logo tive uma idéia para trabalhar com as crianças: inventar bichos que seriam,
como
o bicho-pau,
uma mistura de animal e coisa. Claro que tive receio de não estar ajudando muito o professor de Ciências, que inicialmente queria que os alunos estudassem, tam-
bém nas aulas de Portugués, o conteúdo sobre os insetos. Mas foi o próprio Francisco quem
"consertou"minha idéia e acabou contemplando a necessidade cien-
tifica dele e a minha vontade de sair imaginando mundos que não existem. Ele sugeriu que os bichos inventados utilizassem sua metade
"coisa "para se defender
de outros bichos, continuando assim a idéia do mimetismo como defesa, apresentada no livro. Os alunos adoraram a história do bicho-pau e bolaram outros bichos muito engraçados.
como
um de/es quis fazer o desenho de sua formiga-despertador, que
quase matava do coração os passarinhos que a queriam para o jantar, todo mundo acabou desenhando os animais que tinham inventado. No próximo ano, acho que vou fazer uma alteração: antes de cada um explicar seu bicho inventado, vou pedir que os outros adivinhem para que serve, por exemplo, ser a primeira a dar um palpite, Kiko, o homem-enve/ope.
Leonor?
uma
taturana-gilete. Quer
Hélio, Você tem às vezes a impressão de que agente dá aula para resgatar a própria infância ? Pois reencontrar, depois de adulta, A form i gui nhá e s neve só me fez relembrar o fascínio e o terror que sentía ao ouvir essa história, quando era pequena. Impressionava-me a narrativa, mas eu não sabia bem por quê, até que li um texto de Ninfa Parreiras que explicava: "Vida e morte são trabalhadas lado a lado, numa tentativa de se estabelecer um contato da criança com a perda, o abandono e, conseqüentemente, a morte". No exemplar que existe na biblioteca da escola, ¡lustrado por Rogério Borges,
"o artista cria imagens líricas e poderosas que vão
sublinhara emoção da criançajunto à angústia da formiguinha"(desta
vez,
quem
me ajudou a entender isso foi a professora Nílma Gonçalves Lacerda, em um artigo que tive a sorte de ler). Ai alguém poderia perguntar: mas para que indicar aos afunos a leitura de algo tão triste? Pois é, parece que continuo achando que é melhor experimentar essas situações desesperadoras por meio da literatura.
Na
literatura a tristeza dói, mas é meio de mentirínha, não é assim? Li para meus alunos só o início da narrativa, até o momento em que a formiguinha, presa na neve, pede auxilio para o Sol, que afirma que nada pode fazer contra o muro de pedras que é mais forte e que lhe barra os raios. Ao repetir o pedido para o muro, a formiguinha ouve a lengalenga: "Mais forte que eu é... ". Neste momento, em que os alunos já perceberam que a mesma idéia vai se repe-
tir, interrompi a leitura e propus uma brincadeira de adivinhação: quem seria mais forte que o muro? Cada aluno registrou sua primeira resposta no caderno. Então repetimos mais duas vezes a brincadeira, insistindo, como a formiguinha, na mesma pergunta e obtendo a mesma resposta: "Mais forte que eu é... ". Desse modo, cada aluno foi optando por uma solução, dando à história um rumo individualizado. Por fim, pedi que inventassem um desfecho para a própria história: quem, afinal de contas, seria forte o suficiente para ajudar a formiguinha? Depois da leitura das narrativas criadas pelos alunos,
finalizamos a leitura
da história original de A formiguinha a a neva. As ilustrações foram analisadas segundo dois criüríos: o das cores (que só ganham tons mais alegres — avermelhados, róseos, amarelados — ao final, quando chega a primavera) e o das proporções (que sublinham a pequenez da formiga e a grandeza das demais personagens). Mas o livro rendeu, ainda,
mais
uma
alunos localizassem nas vidas deles as
atividade. Achei importante que os
"pedras de neve", as barreiras grandes
demais, contra as quais precisassem apelar para a ajuda de outros. Hélio, como disse no inicio, me revi nesse trabalho de leitura. Creio que eu teria gostado, quando pequena, de ter percebido que não era a única a me identificar com a pobre formiga desamparada. Cica Al. Lessa.
Plana/tino do Sui, setembro de Adriana
1999.
Borges,
Aqui em Pía na Iti no do Sul começaram a construir um monumento gigantesco, para "enfeitar" a entrada da cidade.
Tem gente que até está achando bonito,
mas a maioria nao aceita: o dinheiro gasto poderia ser mais bem aplicado, dizem. Nos joma i s têm saido muitas noticias sobre o novo "portal da cidade ", críticas ao prefeito, listas de outras obras mais necessárias. Os alunos chegaram a comentar o fato em aula. Então me lembrei da narrativa sobre o rei Gilgamesh, antiga lenda dos povos da Mesopotamia. Na história, o rei insensível decide construir um muro em volta de sua cidade, mas é só para fazer o povo trabalhar e para provar o quanto é poderoso. Achei que a leitura do livro seria um bom jeito de os alunos (que têm na maioria nove, dez anos) refletirem e poderem opinar sobre o que estava acontecendo bem perto de nós, na nossa cidade. Propus uma discussão assim: e se o rei Gilgamesh governasse Planaltino e mandasse construir
uma
muralha altíssima?
Servia ? Não servia ? Depois, pedi que os alunos escrevessem uma carta para o rei, sugerindo que trocasse a muralha por outra obra, mais útil para a cidade. O que cada um pediria? Perguntara opinião dos mais velhos — pais, mães, tios, avós — também
valia.
como os alunos ficaram muito impressionados com a história da construção da gigantesca mura/ha de Gi/gamesh, achei que seria uma boa hora para contar outras histórias fabulosas de grandes obras. Essa idéia me veio ao lembrar o que ouvira em uma palestra da professora Maria José Nóbrega: "Quanto maior for a nossa leitura dos mitos, maiores serão também as possibilidades de estabelecermos relações entre as muitas histórias que os citam". Lembrei do episódio da Torre de Babel, com aquela confusão de linguas como castigo de Deus contra a pretensão humana de chegar ao céu. Nem sabia direito os detalhes, mas peguei uma Bíblia que minha mãe guarda como jóia e encontrei no Gênesis a história da Torre. Os alunos, entre outras tantas perguntas, queriam saber "quando tinham acontecido aquelas histórias". Então, tirei partido dessa curiosidade sobre o passado para comentaras ilustrações de O rei Gilyamesh, que reproduzem a arte assíria. Eles fogo repararam como as roupas, os enfeites corporais, a paisagem, tudo era bastante diferente dos nossos costumes. O professor de História, que tinha uma au/a vaga e veio ouvir a leitura dos textos dos garotos, teve a idéia de fã/ar um pouco da Mesopotamia e parece que esse assunto rendeu! Acho que só de os a/unos saberem que existiu um lugar tão longe e com um nome tão esquisito já foi o suficiente para eles acharem aquele distante pedaço de terra entre dois rios bem mais interessante que Plana/tino do Sul e seu novo portal. Eu, particularmente, também adoro pensar que o mundo não acaba aqui, nem foi criado nesses últimos anos. Carlos.
Marilu, Na sala dos professôres, outro dia se comentava que ler jomaI é uma monotonia, porque são sempre as mesmas desgraças,
os problemas econômicos se
repetem, a violência está sempre nas manchetes. Alguém brincou que seria divertido escrever o jornal de "outro mundo", um jornal de pura fantasia. Eu estava justamente pensando em começar c trabalho de produção de jornal na 8* série e fiquei com aquela idéia na cabeça. Então ouvi em um programa de ràdio a professora Lucília Garcez comentar o Jornal da Grécia, cuja proposta é "fazer um jornal nos moldes modernos que poderia representar o que seria um jornal da Antigüidade". Imaginei que, mesmo inventando o jornal de um mundo fantasioso, as seções deveriam ser as mesmas: economia, politica, catástrofes, cultura e diversão, entrevistas com personalidades.
Portanto, em termos de gênero de texto,
nada se alteraria com o fato de as noticias serem pura ficção. Para dizer a verdade, estava me sentido insegura. Será que a idéia era arrojada demais? Tentei estruturar direitinho as etapas e o objetivo do trabalho e comecei a sentir maior firmeza. com a leitura do Jornal da Grécia, os alunos reconheceram e relacionaram as seções de um jornal, já que, no livro, "como se fosse um tablòide, todos os elementos
comuns
aos jomais estão presentes: manchetes,
notícias, artigos de opinião, notinhas, entrevistas, realistas imitando fotos, propagandas,
classificados, ilustrações hiper-
cartuns... " (conforme disse Lucília Garcez
naquele programa de que lhe falei). Depois,
comparamos
essas seções com aque-
las de alguns jomais atuais, só para que os alunos comprovassem que o gènero "jornal" tem
caracteristicas
bastante
definidas.
Por fim,
estávamos preparados
para começar a redigir nosso tabloide. A idéia era fazer um jornal que contasse a história de
uma
"nova" civilização.
Partimos da seguinte situação: somos um povo que vive em uma certa região do planeta Scorpios, no ano de 3099. Fomos colonizados pelos terráqueos, que fundaram nossa nação em 2020. A partir desses "dados", seria a
teríamos de pensar como
vida dessa nação e registrá-la no formato jornal. Algumas referências
presentes no Jornal da Grécia serviram de base para as perguntas a que deveríamos responden como é o lazer? O que se produz em Scorpios? como são negociadas as mercadorias? Quais os anúncios que aparecem? Quem dirige a nação? como é a religião, o que se faz nas artes? Quais os meios de comunicação e de transporte? Há guerras? Contra quem e por quais motivos? Dividimos as equipes de redatores: politica, economia, cultura, esportes, cotidiano e publicidade. Dois alunos ficaram responsáveis pela criação de cartuns, mapas e demais ilustrações.
Para treinar concisão, estabeleci que cada artigo,
com as respectivas ilustrações, deveria ocupar no máximo
uma
folha.
Quando
tudo estava pronto, reunimos os trabalhos das diversas equipes e nos divertimos, lendo um jornal que era bem mais surpreendente que aqueles que costumamos folhear
diariamente.
Maria
Ondina.
Helena, Você me contou que nem sempre lhe agrada traba/har com textos do fole/ore nacional. Você disse que tem a impressão de que muitas vezes a beleza da história fíca apagada por uma linguagem sem graça, não é? Mas tenho uma boa dica para você, que me chegou pelas mãos da professora Lucilia Garcez: Terezinha Éboli, em A lenda da ilitória-régia, "demonstra um cuidado especial com a qualidade literária de seu texto, o que nem sempre se pode observar em grande parte dos textos recolhidos nas pesquisas folclóricas". A poeti cidade com que narra a triste história da india Naia
combina
perfeitamente com as ilustrações. A nossa colega. Graça
Monteiro de Castro, até mesmo
comenta:
"O projeto gràfico do livro foi concebido
considerando a atmosfera e o tema abordado pelo conto, todo em negro, lembrando a escuridão das noites, e o ilustrador nos remete à magia noturna com imagens densas e fortes". Fiquei tão encantado com o livro, que o levei para a sala de aula. Sempre acho que, se eu mostrar meu entusiasmo pelas leituras, meus alunos também
vão acabar gostando.
como a morte costuma ser um acontecimento difícil para as crianças (e para mim também!), pensei que poderia trazer outras histórias que, assim como a lenda da vitória-régia, abordassem o tema de modo poético. Lembrei-me da história de Eco e Narciso, que também trata de uma paixão irrealizada e do surgimento de elementos da natureza a partir da morte dos protagonistas: os
ossos de Eco se transformam em rochedos. Narciso se transforma em flor. Depois percebi outro ponto de contato entre o mito grego e a lenda indigena: o reflexo na água, que atrai tanto a india Naia quanto Narciso. Planejei o trabalho assim: uma metade da classe Iena a lenda da vüóría-régia e a outra Iena o mito de Eco e Narciso, que eu mesmo (será que foi muita presunção?) resumi em
umas
três
páginas, tentando imitar o estilo de Terezinha Éboli. Depois, em pequenos grupos, os leitores de uma das histórias apresentariam aos demais o enredo e vice-versa. Então, eles teriam de encontraras semelhanças entre essas narrativas e apresentálas para a classe. No conjunto, os alunos perceberam os elementos principais e, no final, propus a produção de uma lenda que explicasse, por meio de uma história de amor, como tinha surgido algum ser ou objeto que eles conhecessem. Cada aluno pôde escolher livremente e, veja você,
"como surgiu a televisão" foi a história que mais
apareceu. Pois é. Helena, tecnologia e poesia não são necessariamente inimigas mortais! Leo.
Bernardo, Mes passado, houve um dia que deixou os alunos em polvorosa: sexta-feira 13..., de agosto/ Isso rendeu um breve projeto de leitura e artes. Já uma semana antes,
havia aluno prevendo o fim do mundo,
lembrando que seria dia de
assombração, em que lobisomem sai da toca. Para dar uma equilibrada no clima apocalíptico que se estava formando, pedi que eles trouxessem de casa os objetos que na familia se usavam para ter sorte, evitar mau-olhado, afastar azar. No dia seguinte, fizemos mural de
"proteção contra a sexta-feira
13 ", pendurando uma
coleção de amuletos: pé de coelho, folha de arruda, alho... Naquela mesma tarde, fui até a biblioteca da escola, na tentativa de encontrar um
livro que pudesse
sobrenatural,
de algum modo estar relacionado
das simpatias e
com
esse mundo
benzeduras. Acabei encontrando algo
belíssimo:
uma história em versos de uma carranca do rio São Francisco. Escrito e ilustrado por Roger Mello, a narrativa poética de Maria Teresa recupera a tradição artística de se colocar na proa dos barcos aquelas belas e aterrorizantes cabeças esculpidas. "A
voz que assume a narração,
em primeira pessoa, personifica a carranca
observadora, dotada de emoções, medos, desejos, curiosidades, afetividade. A linguagem incorpora ritmo, sonoridade e rimas", confbmie
comentou
a professora
Lucília Garcez em resposta a uma carta que eu enviei, pedindo ajuda para o trabalho.
Fiz o exemplar do livro circular pela classe e os alunos se encantaram com a "explosão de cores e tons que embelezam a obra, sugerindo a viagem pelo rio Sào Francisco, e a diversidade de culturas que é possível perceber nessa viagem". Essa interpretação foi a dica que me deu Eleonora Cretton Abílio — para quem eu também me atrevi a escrever (deu para perceber que eu estava mesmo precisando de ajuda, não é?). Bastou a ilustração da capa para provocar dúvidas: seria a história de um animal que tinha corpo de barco? Seria um barco com cabeça de animal? Lemos então a primeira estrofe do texto e os meninos queriam saber o que era "carranca". Expus o objetivo daquelas esculturas e pedi aos alunos que identificassem nas ilustrações do livro quais seriam os monstros que estariam lutando com a carranca Maria Teresa. Continuamos a ler a história naquela mesma aula e mos as nossas próprias carrancas,
combinamos
que nos protegeriam dos
que faria-
"monstros" que nos
quisessem atacar na sexta-feira de mau agouro. Cada um ficou de trazer de casa um copo ou garrafa de plástico. Analisamos os tons das ilustrações de Roger Mello e selecionamos as sete cores que mais apareciam: vermelho, azul escuro, azul claro, laranja, verde, roxo e amarelo. com algumas tintas, chegamos aos tons que havíamos escolhido e os alunos pintaram nas embalagens plásticas suas carrancas. Cada um queria
compor
uma
cara mais assustadora! A idéia dos chifres
feitos de canudinhos e palitos suqiiu mais ao final, quando alguns achavam que "faltava alguma coisa". Veio a sexta-feira 13 e nada de mau aconteceu na escola. Teria sido a proteção de nossas carrancas? Se funcionaram nesse sentido, não sei dizer, mas talvez os alunos tenham entendido como às vezes a gente recorre à arte para espantar nossas
assombrações.
Bruno Ca IH.
Ramalho, Esta carta começa em tom confessional: tenho dificuldade com os chamados textos não-verbais, como o Noite de céo, de Graça uma. Afinal, nós, da velha guarda, só viemos conhecer essa modalidade já "marmanjões" e sem muito conhecimento da linguagem visual. Por isso, fui tateando a ilustração e usando os elementos da narrativa verbal: personagem, espaço, tempo... O resto, deixei mesmo como uma experiência a ser vivida com as crianças. Juntos, descobrimos as páginas ora duplas, ora divididas; as margens brancas, as cores azuis, que dão um tom poético às imagens. Foi uma colega, Regina Yolanda Werneck, quem primeiro percebeu que "o projeto gráfico é bem espaçoso, concentrando a atenção para as expressões do cão". Para mim, esse é o segredo do livro. O cão é um personagem muito bem caracterizado, cheio de emoções.
Tinhoso, determinado, chega até a
Lua e tanto a cutuca, que acaba por explodi-la como se ela fosse um grande balão. Aí o bichinho entristece, chora baldes de lágrimas. Mas como é mesmo determinado, conserta o furo e faz mil gracinhas para ser perdoado. Mas a Lua, muito ofendida, nada de perdoar. Esgotadas as tentativas, o cãozinho, que tem mesmo cabelinho nas ventas, devolve a Lua ao céu com um chute e continua seu canto solitário.
E claro: um desenho tão afetivo, um cão tão cheio de personalidade,
cativou todo mundo. Tinhamos, portanto, um belíssimo personagem. Propor uma história visual
trazia o perigo de frustrar o aluno que desejasse fazer um desenho igual ao do ilustrador. Ficamos, portanto, no texto verbal. principal.
O cãozinho seria o personagem
Os alunos deveriam inventar uma situação para o nosso amigo resolver.
Para ajudá-los a estruturar o texto, relacionamos, na lousa, vários conflitos: o càozinho achava um osso, cujo dono era um doberman; visitou o Sol e não conseguia enxergar nada por causa da intensa luz; perdeu-se na Floresta Amazônica. Também se apaixonou por uma cadelinha de pelúcia, que latia como se fosse de verdade. A redação teve duas etapas. U as primeiras versões para verif/carse havia uma situação-problema e uma solução aceitável. Dei sugestões para que enriquecessem as reações do personagem.
Os alunos faziam apenas as alterações que
achassem válidas. Só depois passaram a limpo. As crianças pediram que eu xerocasse algumas imagens do cãozinho para colar em suas redações. Fiquei indecisa com essa cópia de imagens, mas achei que poderia salvara situação se ensinasse os alunos a indicara fonte bibliográfica. Entendi que eles queriam aquêle cãozinho pelo qual haviam se apaixonado e que tinha sido o ponto de partida de muitos textos interessantes. Um abraço! Tânia.
Fabiana, Acho que acontece em qualquer sala de aula, mas parece que é só nas nossas. Há sempre aqueles amigos inseparáveis, que fazem o que for preciso pelo outro (até mesmo o que não deveriam fazer); há também os "inimigos profissionais",
que aparentemente só pensam em meios de atormentar alguns dos cole-
gas. Enfim, os eternos problemas de relacionamento, que às vezes esquentam o clima da turma.
Tendo passado por uma semana infernal, aplacando desavenças,
achei que as Histórias da velha Tofônia teriam alguma coisa a dizer para as crianças de minha 4ª série. De fato, as quatro histórias da tradição oral, recontadas por José Lins do Rego, "falam simbolicamente de problemas comuns ao homem em todos os tempos". Essa idéia não é exatamente minha, mas de Laura Sandroni, minha professora de anos atrás, quando eu cursava Letras. Hoje, acrescento: especialmente as relações de amizade e de inimizade acabam representadas na narrativa por meio dos personagens que auxiliam os heróis ou que a eles se opõem. Imaginei que podia ser uma boa idéia usar narrativas fantásticas para reorganizar os laços de afetos e desafetos que se haviam criado entre os alunos. Depois de lermos as histórias que
compõem
o livro, identificamos as estratégias
(quase sempre mágicas) que os personagens secundários usam para ajudar ou atrapalhar o herói: eles se transformam em outros seres,
usam de qualidades
próprias de certos animais, detêm algum objeto ou atributo especial.
A
brincadeira
foi assim:
formamos pequenos grupos,
misturando
bastante
as "panelinhas". Cada grupo entrava em acordo a respeito de um desejo, algo que quisessem muito, valendo qualquer fantasia. Os outros grupos tinham de criar um jeito de ajudar, e um outro de atrapalhar a realização do desejo proposto. Sugeri algumas frases que poderiam ser
completadas
("Se eu tivesse..., eu poderia... ",
"Se eu me transformasse em..., eu... ", "Se eu soubesse..., eu conseguiria... "), mas os alunos igualmente criaram outras.
Cada
grupo
anotou as táticas sugeridas
pelos demais e, na seqüência, os alunos de cada grupo
compuseram
te uma história, na qual contavam como o herói realizava venceu os obstáculos que haviam
surgido,
coletivamen-
"seu" desejo, como
que personagens o haviam ajudado.
Claro que nem mesmo as fábulas podem resolver para sempre os problemas de relacionamento, mas ao menos naquele momento, em cada história que os alunos criaram, tinha um pouco dos sonhos, da maldade e da generosidade dos colegas de classe — amigos e adversários. José Carlos.
Caro Lincoln, Aquela palestra da Vânia Resende, em Natal, sobre a educação do olhar, mexeu bastante comigo. Fiquei pensando no que a Vânia disse, ao mostrar o livro Pe dois em dois: um passeio pelas Bienais, ou seja, que ele "cumpre muito bem a sua função: a de despertar o interesse do olhar para a fruição da beleza das artes plásticas,
situando o espectador
com
informações fundamentais".
Eu não sou nenhum Ronaldinho da leitura de obras de arte para
"driblar" a
resistência dos alunos à arte que se afasta da "imitação "mais ou menos "fotográfica "da realidade. Parece que não existe uma fórmula capaz de vencer essa resistência: como diz a nossa coordenadora Liliana, o ensino é feito com os alunos, não para os alunos. Ninguém ensina sozinho. A arte de ensinar está justamente em prestar atenção e perceber os alunos e em desenvolver "táticas"para
"driblar"as
dificuldades.
Procuro trabalhar com obras que sejam significativas para mim. Faço algumas anotações sobre a obra: o descreve algum objeto, se narra uma cena, se expressa sentimentos, etc Lembra daquelas aulas sobre contraste de linhas,
"ritmo visual"? A repetição, a alternância ou o
formas e cores? Eu procuro anotar todas essas coisas e
transfonná-las em perguntas, para incentivar os alunos a lugar de
"explicar" as obras para eles.
"aprendera olhar",
em
Se tenho sucesso sempre? As vezes dá certo, outras não. Quando se tem bem claro o que se pretende e se está aberto ás percepções dos alunos, é possível ir criando "táticas"cada vez mais eficientes. Mas nunca
"infalíveis".
Um abraço do André Luiz. RS.: Ouvi dizer que colocaram camelos (ou dromedários) para as pessoas passearem nas dunas de Natal. É verdade? Você já foi dar um passeio?
María
Helena, O que é, o que é um
livro?
Gosto de usar perguntas como essa com meus alunos. De pergunta em pergunta, a gente vai lembrando coisas que a gente sabe, mas nem percebia que sabia, aprendendo outras e descobrindo coisas novas, que a gente nunca havia pensado. Outro dia eu perguntei "o que é que o vento faz?" e um aluno respondeu "o vento faz os pés de mato balangar". Isso levou a uma conversa sobre pés, pemas e patas e sobre quem é que tinha o que: pessoas, cadeiras, mosquitos, ete. Essa conversa tôda sobre pés me levou a um livro com pegadas na capa. Um livro bastante diferente, um "livro sem texto ", como está indicado na capa, aliás, "o melhor livro sem texto", que é um prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNUJ). O livro Ida e volta conta uma história apenas com imagens, ou melhor, quase apenas com imagens. Há umas poucas palavras e uma letra sozinha. Mas o que conta mesmo são as imagens. Ou melhor, quem conta a história são as imagens: como diz Rosa Cuba Riche,
"o fio da narrativa é construido pelas pegadas deixa-
das pelo personagem no trajeto de ida e volta. A sua presença é percebida pelas marcas dos pés impressas no caminho percorrido, pois não há a descrição física (através de desenho), o que toma mais interessante a narrativa, abrindo espaço
para a imaginação do leitor". como exercicio, procurei linguagem escrita.
"traduzir" a história contada pelas imagens para a
Depois, procurei transformar essa história escrita em pergun-
tas. Por fim, eu usei essas perguntas como ponto de partida para incentivar os alunos a
"lerem"as imagens e contarem a história.
Percebi que quanto mais gerais são as perguntas, melhor: surgem respostas diversificadas e os alunos se esforçam para "resolver a charada ". Procurei evitar perguntas
como
"quantas maçãs há na árvore?". E melhor deixar que os alunos
identifiquem o desenho como árvore e ofereçam hipóteses sobre qual é a fruta. Fiquei surpreso pelo modo como os alunos percebem detalhes que eu não tinha percebido. Eles
comentaram
que o livro é "mudo "porque não tem palavras,
mas tem música: não tem gramofone? E barulho disso e daquilo? Pois eles resolveram transfomiar a história em cinema mudo, quer dizer, em teatro mudo, mas com música, sons e ruídos. Ficou trilegal! Conheces outros livros Um abraço do Paulo.
"mudos"?
Adriana, Você sabia que "há ainda, segundo estimativas, cerca de 50 povos indígenas isolados na Amazônia brasileira, sem contato com os brancos"? Fiquei sabendo disso no livro Juntos na aldeia, de Luis Donisete Benzi Grupioni. como bem sintetizou Ninfa Parreiras, o livro "reúne quatro histórias sobre o cotidiano, os costumes, os rituais e a sabedoria dos índios brasileiros, povos
mais
especificamente de quatro
indígenas". Você se lembra de um soneto de Olavo Bilac sobre a música brasileira que
aparecia em um livro de portugués? Nesse soneto, Bilac afinnava que a música brasileira era uma "flor amorosa de três raças tristes". Lindo, não é mesmo? Esse é o perigo da poesia: a gente acha bonito e acaba tomando o bonito como verdadeiro. Nossa relação com os índios, por exemplo, é bastante problemática. 6 comum, em creches e escolas de o "Dia do Indio ", maquiando as crianças como se fossem figurantes de faroeste norte-americano. Nas aulas de história, os indios viram assunto do passado, geralmente transformando povos massa
com
culturas e linguas muito diferentes em uma
indiferenciada.
Por todos esses motivos foi que gostei demais de Juntos na aldeia. como na escola só tem um exemplar, li o livro para os alunos. Tem gente que
acha que depois que se inicia o processo de alfabetização, ler para as crianças toma-as "preguiçosas"para a leitura. Minha experiência como criança, como professor e como adulto ouvinte de histórias desmente esse "achismo". CJ as historias saneadamente, começando pela última,
"A criação da huma-
nidade ", que contrapõe diferentes visões: a científica, a cristã e a do povo Waiãpi, tematizando a diferença e o respeito.
O fato de as histórias sempre incluírem
crianças como personagens contribuiu bastante para o interesse dos alunos. Depois dessas leituras, orientei os alunos na biblioteca como procurar outras histórias de temática indígena. Eles começaram a ficar mais atentos a notícias e, assim, iniciamos uma hemeroteca, isto é, uma coleção de recortes de jomais e revistas, tendo sempre o cuidado de registrar onde e quando a notícia ou reportagem tinha sido publicada.
Esses recortes serviram também como material de leitura e
discussão. A experiência foi tão rica, que passamos a montar coleções de recortes sobre outros assuntos. Agora já temos coleções de imagens: reproduções de desenhos, gravuras, pinturas,
fotografias, ete.
E também coleções de poemas organizadas
por assunto. A professora Cíntia, de Arte, foi quem teve a idéia de organizar as coleções de imagens. E ela vem trabalhando com os alunos o que ela chama de "leitura da imagem". No fim, a leitura de Juntos na aldeia teve desdobramentos que eu nem podia imaginar. Um abraço do Alexandre.
María Helena, Obrigado pela dica do Leonardo, história e desenhos de Nelson Cmz. Concordo contigo que, na verdade, não há história e desenhos, mas, sim,
uma
história
contada por meio de desenhos. como tu sabes, a Fundarte,
Fundação Municipal de Artes de Montenegro,
organiza todos os anos um encontro de arte-educadores. Já faz algum tempo, esteve aqui a professora Ana Mae Barbosa, falando sobre a importância da "alfabetização visual" e da "leitura da obra de arte". Desde então, os professores de Arte não se contentam mais em incentivar os alunos a criar, mas procuram também ensinar a ver e a "ler" imagens. Mostrei o Leonardo para o Adriano, que é professor de Arte, e ele ficou entusiasmado com a possibilidade de ralar sobre Leonardo da Vinci a partir do livro
"mudo".
A partir da cena em que Leonardo está olhando a "Mona Lisa ", o Adriano propôs aos guris recriarem outras pinturas de Leonardo,
como
o próprio Nelson
Cruz faz, brincando com o retrato, colocando bigode e cavanhaque, fazendo a caveira, colocando chifres ou fazendo um desenho geométrico semelhante às pinturas de Picasso. O que me chamou mais a atenção foi a maneira como a história é contada, não apenas pelas imagens, mas o ângulo e o enquadramento das cenas, o que, aliás, motivou o comentário de Ni Ima Gonçalves Lacerda de que "a perspectiva um
tanto enviesada (...) situa o observador em um ponto de referência que não é habitual".
Os desenhos fazem o Ieitor-espectador voar sobre a cidade, aterrizar,
ver as cenas sob diversos angu ios: de baixo para cima, de costas, bem pertinho, como se a gente estivesse dentro do cenário, ete. Upara os alunos a crônica "Se eu fosse pintor", da Cecilia Meireles, em que ela descreve uma paisagem como se fosse vista no cinema, do plano mais próximo ao Ieitor-espectador, até o plano mais afastado.
Depois, propus que os alunos
procurassem escrevera história do livro Leonardo, sugerindo aqueles diferentes pontos de vista que aparecem nos desenhos. Eu sabia que não era fácil. De fato, poucos conseguiram. Mas não faz mal. O que valeu foi que eles começaram a prestar atenção não só no (jue as imagens mostram, mas também como eias mostram. sugerir imagens na mente do leitor. Um abraço do Paulo.
E, ainda,
como
as palavras podem
Mirian, Você já reparou que, às vêzes, a gente vai a um lugar e o que desperta nossa emoção pode ser uma coisa
completamente
inesperada? Quando eu fui a Mariana,
em Minas Gerais, fiz questão de conhecera casa do poeta Alphonsus de Guimaraens, autor daquele belo poema,
"Ismália":
"Quando Ismália enlouqueceu..." — lembra?
Na casa-museu, porém, o que me tocou foram uns Iagartozinhos verdes correndo entre os vãos de um muro de pedra... Eque eu me lembrei de um poema de Cecilia Meireles, "O lagarto medroso", do livro Ou isto ou aquilo. Essas lembranças foram despertadas pelo livro Maria Marfins: mistério das formas, em que Kátia Canton escreveu um poema inspirado em três obras da escultora pertencentes ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC). Na semana passada, propus aos alunos escreverem sobre algo que tivesse despertado neles um sentimento de beleza.
Depois, dei oportunidade aos alunos
que quisessem de ler seus textos em voz alta, para a classe. Em seguida, em grupos de quatro alunos, pedi que cada um lesse o texto dos outros e respondesse a uma pergunta: o que è beleza? Essa proposta resultou em um debate bastante animado em sala de aula e em redações extremamente pessoais,
reveladoras de ricos mundos interiores.
Depois da conversa sobre beleza, os alunos estavam com todos os sentidos
abertos para apreciar o poema de Kátia Canton e a obra de María Martins. Assim, eles puderam ampliar o entendimento sobre beleza e sobre arte, deixando de lado a idéia de arte
como
"cópia"ou "imitação"da realidade (como uma fotografia) e
a idéia de arte como "enfeite". O livro realmente contribuiu "para a aceitação e compreensão da arte abstrata que, passados tantos anos depois de seu aparecimento e expansão, continua despertando sentimentos de pasmo, rejeição ou até censura ", incentivando os alunos "para modos de percepção que excedem o figurativo e o mimètico,
tomando-o[s] apto[s] para as conquistas da
vanguarda do
século XX". As aspas indicam que eu estou me apropriando e assinando embaixo de
um
comentário
de Regina Zilberman que encontrei na livraria Menino
Maluquinho. (Infelizmente, esqueci de anotar onde foi publicado. minha!) Beijos da Lina.
Que cabeça, a
Henríqueta
Lisboa
Paranavaí, 12 de outubro de 1999. Prezada Professora Nilma Gonçalves Lacerda, Estou aproveitando o feriado para lhe contar como foi importante seu curso aqui em Paranavaí. Sempre achei que poesia era a expressão mais sincera de urna pessoa. Separar a pessoa que escreve da
"voz que se manifesta no poema"não foi nada fácil
para mim. Não era uma questão de entender, é que isso mexia com as minhas crenças, entende?
com
o tempo, percebi que não por isso os poetas iam virar
"uns fingidos que ficam brincando com os sentimentos dos outros". Resolvi ler o livro 0 menino poeta, de Henríqueta Lisboa, incentivado pelo seu comentário de que "voz de qualidade na produção poética brasileira da segunda e terceira fase do Modernismo, Henríqueta Lisboa faz cruzar neste volume vários discursos,
colocando-os por vezes em francas direções contrárias: admoestação
em 'Nauta', rendição da voz adulta em 'Tempestade', espelhamento em 'O aquário', a brava caça ao tempo em 'O tempo é um fio', obediência e santidade em 'Oração', vontade própria e autonomia em
'Consciência'".
Foi a leitura de 0 menino poeta que me esclareceu de vez essa história de voz poética. Um dos primeiros poemas do livro, "Consciência", começa com o verso "Hoje
completei
sete anos". Mais para frente, o poema
"Esperança" representa
lII
esse sentimento como uma "menina travessa " que "foi minha
companheira
de
infância". como alguém pode completar sete anos e, ao mesmo tempo, lembrarse de alguém que foi
uma
companheira
de infância, ou seja, sugerindo que a
infância jâ passou? E claro que a autora colocou-se na pele de diferentes "vozes poéticas". como eu imagino que deve fazer um autor de telenovela. (como é que eu nâo havia pensado nisso antes?) Depois dessa descoberta — que nâo foi propriamente uma descoberta, mas o momento em que "caiu a ficha " — comecei a prestar mais atenção a essas diferentes vozes. E até resolvi trabalhar isso com meus alunos. Peguei o poema 'Tempestade", que sugere uma conversa entre mãe e filho, fiz cópia para cada dupla de alunos, pedi que eles lessem em silêncio e depois em voz alta. Eu lia até um sinal de pontuação e eles até o seguinte e assim sucessivamente. Depois conversamos sobre o poema, sobre a cena. Sugeri que eles fizessem uma história em quadrinhos a partir do poema. AB-SUR-DO misturar gibi com literatura.
Teve colega minha que achou UM
Eu nem ligo.
Na vida as coisas não
estão todas misturadas? Hoje à noite não vai passar na televisão Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, logo depois da novela? Então... Ah! como os alunos têm vergonha de recitar para os outros, fiz leituras do poema com os alunos nos próprios lugares, cada aluno "representando" uma voz: a mãe, o menino, o narrador... Agora, até os alunos já perceberam que "o poeta é um fingidor". Beijos, Elmüa.
Ana
Maria, Estou lendo poemas para os alunos no início das aulas. No começo era só eu
mesma que lia e procurava incentivar comentários dos meninos. Agora eles já começam a trazer poemas, alguns já querem ler eles mesmos e também estão mais
soltos para
comentar.
Os poemas engraçados e que brincam com versos populares fazem o maior sucesso. Mas como preparar os alunos para poemas de uma beleza mais delicada, mais sutil, como os de Ou isto ou aquilo, de Cecilia Meireles? como diz Maria Antonieta Antunes Cunha, este livro introduz "na poesia brasileira para crianças a leveza, o claro (e simples) jogo de palavras, idéias e situação, o cotidiano, o humor. Tudo, obviamente, encharcado de qualidade literária. Por outro lado, não estará ausente o lirismo mais delicado, a metáfora mais cuidada e, nas entrelinhas, a reflexão/ sentimento em tomo da vida e da morte". Ao planejar
como
trabalhar
com
"Colar de Carolina ", primeiro poema do
livro Ou isto ou aquilo, procurei fazer uma leitura atenta do texto, com o objetivo de estudara
composição
do poema. Notei que:
1. as palavras COLAR e CORAL têm as mesmas letras, só que em ordem diferente, sugerindo uma relação entre o objeto (colar) e o material (coral) de que ele é feito; 2. várias palavras que aparecem no poema são
combinações
de letras que
formam o nome da menina, CAROLINA: COLAR, CORAL, COLINA, COLO, CAL, ete.
Depois da leitura atenta do poema e do estudo da sua construção, o desafio: como sensibilizar os alunos para
essas minhas
"sacadas",
sem
virar uma
"explicaça o "? Matutei um bocado sobre isso até que,
vendo uns meninos brincando com
palavras cruzadas (aquele jogo de tabuleiro e pecinhas de madeira),
tive uma
idéia, que realizei em seguida: 1. Propus aos alunos escreverem palavras utilizando as consoantes C, L, Al e R, apenas essas consoantes (podendo repeti-las), e apenas a vogai A (também com direito a repetições). 2. Escrever palavras com — e apenas com — as consoantes C, L, Al e R, a vogai A e a vogai O. 3. O mesmo que o anterior, mas acrescentando a vogai I. 4. Para incentivar os alunos a escreverem mais palavras, fiz perguntas do tipo: quem conseguiu escrever palavras com uma silaba, com duas, com três? Quem conseguiu escrever o nome de um objeto, de um enfeite, de um enfeite feminino, de uma substância branca, de uma parte do corpo, de um nome de menina,
ete?
5. Pedi que os a/unos juntassem aquelas palavras formando uma ou mais orações que sugerissem uma cena, como as que aparecem nos trava-línguas "um prato de trigo para três tigres tristes", "Pedro Pinto Pereira, pobre pintor português, pinta portas, paredes, painéis, com seus pincéis" (e um aluno
completou:
"por
parco preço, patrão" — essa eu não conhecia!). 6. Os alunos leram os seus trava-línguas e, em seguida, eu apresentei: vamos ver agora como a escritora Cecilia Meireles juntou algumas dessas palavras para compor um poema,
"Colar de Carolina ".
Os alunos se sentiram como "escritores". Foi ótimo. O desafio é que cada poema é diferente do outro: cada poema é um desafio para o leitor. Ainda bem! Beijos da Una.
Luis, Este é só um bifhetínho para contar do livro Pinturas: jogos e experiências, da ilustradora sueca Ann Forslind, que apresenta diversos materiais artísticos, como lápis, carvão, lápis de cor, giz colorido, nanquim, tintas solúveis em água (guache e aquarela); várias sugestões de como explorar seus potenciais expressivos; técnicas como impressão e colagem; dicas de como preparar a própria tinta; uma curiosa "pintura animada com iogurte", além de um glossário. como sublinhou Regina Yolanda Werneck, na oficina Arte e Ciência no Ensino Fundamental, o livro Pinturas oferece a "oportunidade de lidar com arte e ciência juntas, visto que cada atividade mostrada no livro representa a utilização de materiais diferentes que oferecem as dúvidas e os porquês científicos dos materiais . Esse livro foi "uma mão na roda "! E que mão! como destaca Eleonora Cretton Abílio, em resenha publicada na Bibliografia brasileira de literatura infantil e juvenil, "os desenhos e pinturas que ilustram a obra espalham-se por todas as páginas, incluindo-se trabalhos feitos por crianças, numa demonstração visual e plástica das diferentes técnicas dadas a conhecer ao leitor, de forma que o livro ganha mais qualidade estética". Um abraço do Antenor. P.S.: Gostei muito da sua idéia de os alunos recriarem pinturas,
transformando-as
em maquetes. Realmente a pintura da Tarsila do Amaral cativa os alunos, e a geometrização das formas facilita a sua recriação. O trabalho foi divertido e os alunos ficaram totalmente absorvidos.
Obrigado pe/a dica!
Vozinha, Na reunião do mês passado, a coordenadora pedagógica sugeriu que os professores iniciassem um trabalho de sensibilização para a leitura do texto poético. O objetivo do trabalho não era aprender sôbre poesia, mas aprender com a poesia. Ela sugeriu iniciar o dia lendo um poema, abrindo espaço para
comentários
dos
alunos. Escolhi o livro Poesia fore Ja estante, uma antologia de poesia brasileira para crianças que reúne poemas cujos autores "estão tanto entre aqueles que produziram deliberadamente para crianças como entre aqueles que, tendo produzido literatura para adultos, podem ser lidos pelas crianças com prazer e encantamento, seja pela temática, seja pela estruturação linguistica ", como bem escreveu Graça Monteiro de Castro no jornal Proleitura. Resolvi ler os poemas salteadamente. comecei pelo "Era uma vez", do Sérgio Capparelli: Era uma vez um gato coto: fez cocô procê só. (...) como você pode imaginar, o ritmo, acentuado pelos versos curtos e as rimas, a brincadeira com os versos da "Vaca amarela"'e, naturalmente, o "assunto"cati-
varam as crianças. Animada do Capparelli,
com
o resultado, saltei para outro divertido poema
"Minha cama":
Um hipopótamo na
banheira
molha sempre a casa inteira.
C) O poema é composto por estrofes de dois versos, com rimas emparelhadas. A distribuição dos versos e as rimas chamam a atenção para a sonoridade, o ritmo, a música das palavras.
Quando a gente fala em música das palavras é
porque se pensa nas palavras faladas, não nas palavras escritas. No livro, as palavras são "mudas". Para que os alunos começassem a perceber a música das palavras, fiz uma leitura em voz alta: eu lia um verso, os alunos o seguinte, e assim sucessivamente. (Para isso foi necessário preparar cópias do poema para cada dupla de alunos.) Depois brincamos (brincamos,
mesmo!) de recitar trechos do poema como
se fosse anúncio, bronca, pedido, súplica, jogo de futebol, noticia policial, ete. Foi muito divertido! E adio que os alunos aprenderam perceber,
bastante
também (e sem
brincando...).
O livro Poesia fora da estante está organizado em blocos, construidos a partir de um denominador
comum,
seja relativo aos recursos utilizados, seja em relação
aos temas. Para cada um desses blocos há uma breve introdução, que merece ser lida e discutida com os alunos. Beijos da Una.
Caro Celso, Quero lhe presentear com um pensamento do mestre pernambucano Paulo Freire, que a coordenadora pedagógica Susana utilizou como mote, em nossa última reunião: "Estudar não é um ato de consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las". Quero lhe contar também sobre o livro O rei is fome, de Marilda Castanha, pelo qual fiquei extremamente cativado e,
como
você verá, está estreitamente
relacionado com aquele pensamento de Paulo Freire. Apreciei a história de um rei que devorava
"tôda e qualquer espécie de livro"; apreciei as ilustrações bem-
humoradas, cheias de detalhes, com desenhos que pedem para ser "saboreados", com calma, em todas as suas linhas, formas e cores; apreciei o projeto gráfico do livro: o bom gosto na escolha do tipo de letra, o tamanho confortável para leitura, a entrelinha e as amplas margens que contribuem para a leitura fluente; a distribuição das ilustrações: de página inteira, alternando com páginas de texto, ora avançando um pouco na página de texto, ora ocupando o centro de duas páginas abertas (no meio do livro) e deixando o texto nas margens, ou, ao contrário, indo para as margens e emoldurando o texto; repetindo detalhes das ilustrações nas páginas de texto. Em um curso na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, Maria Antonieta Cunha comentou que "O rei da fome é uma narrativa simples e direta, mas montada
numa metáfora
que provavelmente
o pequeno leitor ainda
não
captará: um rei que tinha a estranha mania de comer livros (...) pois não sabia ler, nem escrever. Mas, ainda que perceba apenas o sentido literal do enredo, a criança lerá/ouvirá com prazer a história do rei que devorava livros. Mais tarde a história voltará às suas mãos, ou à sua memória, com novos significados". Fátima Miguez, em uma resenha publicada pela revista da Biblioteca, Releitura, afirma que leitora muito
"a alegoria de um nei que devora livros (...) denuncia uma prática comum
(...): o consumo indiscriminado de livros. Aquele que orienta
sua leitura nessa voracidade imediatista é considerado um consumidor de livros e não um leitor verdadeiro. E o rei-glutão (...) é porta-voz dessa categoria de leitor passivo que mecanicamente come uma biblioteca de livros sem degustar o sentido de cada leitura ". E uma delicia percorrer as ilustrações, observando os vários tipos de letras que passam a funcionar como desenhos: letras de imprensa, cursivas, desenhadas à pena ou a lápis, de maneira elegante ou desajeitada, conforme a ocasião. A capa funciona como embalagem, atraindo a atenção do leitor. Anos atrás, uma professora de Arte me contou sobre a sua experiência de levar os alunos a uma exposição de design (no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo) e incentivar os alunos a projetarem objetos. Infelizmente não vi os resultados desse trabalho, mas aquilo mexeu comigo. Fiquei pensando: não podemos só prestar atenção na arte dos museus...
E preciso estar atento também à arte que
está no nosso cotidiano: o design de objetos, o projeto gráfico de cartazes, outdoors, busdoors, o design têxtil, ou seja, o projeto de estampados para tecidos, além, é claro, do projeto gráfico de livros, jomais e revistas. O livro O rei da fome reúne três artes: a literatura, o projeto gráfico e a ilustração. Não só O rei da fome, claro! Assim, trouxe para a safa de aula alguns livros do acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola para que os alunos, em grupos de seis, observassem e depois
comentassem
o projeto gráfico dos livros. uma professora
sugeriu fazer o mesmo com capas de revista.
Um professor, que gosta de ler,
debater e propor redações a partir de jomais, sugeriu que um trabalho semelhante poderia ser feito com a primeira página de jomais. E, assim, professores e alunos começamos a nos familiarizar com uma arte que está no nosso dia-a-dia, pertinho de nós: o projeto gráfico de livros, revistas, jomais, embalagens, ete. Um abraço do Adriano.
Juca,
meu bumba-meu-boi, O balão vai subindo, vai caindo a garoa... Agora, é assim: cantoria. Culpa da
Coleção Arco-Iris, de Geruza Helena Boques, que segundo Maria Antonieta Antunes Cunha,
"é uma recuperação e um registro, um meq^ulho no imaginário coletivo
brasileiro e na cultura milenar, universal e espontânea ".
começamos
com
o volu-
me Î, fazendo roda de canto no inicio da aula, o que aproximou muito o grupo. Depois, as crianças pesquisaram outras músicas com os adultos e surgiu a necessidade de anotar, para que os outros pudessem ler, para que não ficassem perdidas... Fui ao conservatório e descobri que muitas das músicas trazidas estavam já escritas em partituras.
uma
professora de lá topou colocaras melodias que falta-
vam. Desta coletânea nasceu a nossa Coleção Cantoria. De um lado da página, a letra da música: de outro, a partitura. O volume foi entregue em sessão solene à diretora da escola, na biblioteca, com direito a discurso e pipoca. Foi bom. A questão da cultura popular, da transmissão oral do conhecimento, da necessidade do registro escrito para perpetuar esse conhecimento não somente foi discutida, mas também
ti-vi-da.
Este trabalho foi feito, simultaneamente, de f* a 4* seríes. Encerramos com a semana de folguedos. Ma hora do nzcreio, uma classe começava a cantar e, em fila, parava na porta da classe seguinte, que já estava esperando, em fila também. Quando se dava o encontro, a nova classe mudava de música: a procissão seguia
até a classe seguinte, e assim por diante... Quando chegávamos lá embaixo, o pátio já estava dividido em vários espaços: amarelinha, roda pião, corre-cotia. A criançada escolhia a brincadeira que desejava. Fizemos um rodízio para monitorar os grupos e, é claro, estendemos um pouco o recreio, porque cafezinho não é luxo, é tática de sobreviência. E como não somos bobos nem nada, já engatamos o trabalho com a festa junina, pois a escola está precisando muito de uma geladeira nova. compra uma
rifa? Ana.
Oi, Maria Rita, Conheci o Meu livro de folclore, de Ricardo Azevedo, naqueie curso sobre literatura e folclore em que você, boba, não se inscreveu. Para fazer inveja, mando duas anotações que fiz sobre o livro durante o curso: "E uma antologia que forma um painel introdutório da cultura popular. Antigamente, as gerações
mais
velhas pas-
savam adiante os casos, as quadrinhas, as cantigas. Infelizmente, hoje isso é quase que essencialmente papel da escola" (Maria José Nóbrega). material folclórico autêntico e em estado praticamente
'puro'
"O livro traz
(frases feitas, dita-
dos populares, adivinhas), mas com aquele estilo inconfundível do Ricardo — divertido, enxuto, avesso a lições" (Regina Zilbennan). Levei o livro para a classe e sentamos em roda. Eu lia uma adivinha e rodava o livro, porque há dicas nas ilustrações. Algumas, eles acertaram. Muitas ficaram sem resposta. O livro ficou uma semana na classe. Quem acabava a lição mais cedo ou queria ficar na classe na hora do recreio podia ver a resposta no fim do livro e apreciar o projeto gráfico. Parlendas e trovas, explorei devagar. Quem não conhecia copiava no caderno e a gente cantava no inicio e no fim da aula. Os ditados populares, li de uma enfiada. E combinamos que quem me trouxesse um ditado ou uma trova de casa entraria para o livro de folclore que eu estava escrevendo. Quase todo dia vinha uma contribuição, que era registrada com o nome do aluno e do adulto que ensi-
nara. No final, editei um pequeno livro chamado... Nosso livro de folclore. Fiz uma dedicatória para cada aluno, embrulhei os volumes com papel de seda e deixei de presente sobre a carteira de cada um. Li em voz alta as tés histórias. Fizemos um esquema na lousa com os conflitos da narrativa, porque são histórias nas quais acontecem muitos fatos. Por fim, eles escolheram uma figura do bestiario e fizeram uma narração do dia em que se encontraram com ela.
como
todas as figuras são maléficas, o
conflito já ficava garantido na história, e eles tinham de se safar, criando um conto de susto, de riso, ou de esperteza, como os tiés ilustrados no livro. Bacana, né? Beijos em todo pessoal, principalmente na pequena Alice, Marcela.
Querida
Marília,
Vocé se lembra da discordia sobre o Adivinha o quanto te amo? Você acha que é um livro para as crianças pequenas,
pela
linguagem simples e pelas ilustrações
bem infantis. Eu acho que é um livro sem ¡dade, pelo entemecimento que provoca. A Lúcia, da 5â série, também se derreteu, e o aplicamos ao mesmo tempo em nossas classes, com as mesmas atividades. Há dois temas fundamentais no texto: o amore o crescimento. Enquanto pai e filho falam o quanto se amam,
"o coe/hinho dá-se conta de que o próprio corpo
é muito pequeno para mensurar seu amor pelo pai" (justiça seja feita, esta sacada não é minha, é de Rosa Cuba Riche, em uma resenha que li). Assim, criamos três tipos de atividades: medir o que é mensurável, medir o que não é mensurável e observar o crescimento. começamos experimentando o maior número de medidas possível: metro, para saber a altura deles; contagem, para saber o número de alunos da escola; litro, para saber a quantidade de suco da lancheira; balança, para saber nosso peso (nosso, virgula, que eu nunca vou contar uma coisa dessas). uma verdadeira febre de medição. Os da 5â série usaram estatística para montar o perfil do aluno da nossa escola: número de pessoas em cada família, média de idade, grau de escolaridade, ete. Partimos, então, para outro problema: como medir algo incomensurável como
o amor? Não nos restringimos ao amor paterno, porque nem todos têm país. Fizemos um questionário com perguntas bem abrangentes: a) escreva o nome de alguém que você ama; b) conte como essa pessoa é; c) conte quando você se sente amado por ela; d) conte como você mostra seu amor por ela. Os alunos trocaram oralmente os resultados. Percebemos que muitos gestos amorosos se repetiam,
outros eram bem particulares.
Finalmente, nós,
da 3ã
série, trocamos os questionários com a 5á série da Lúcia. Foi ótimo. Os mais velhos lembraram de passagens de quando eram menores, tos amorosos permaneceram, apesar de terem crescido.
viram que vários gesOs pequenos adoraram
saber das intimidados dos grandes. Para terminar, entramos na linguagem poética para dizero indizi vei, medir o imensurável. Garimpamos nos livros da biblioteca poesias que falassem de amor. Cada um copiou o poema que achou mais bonito e deu para uma pessoa que ama. Adivinhe se eu não ganhei uns poemas lindos? Que tal tentar? Faz um bem para o coração... Um beijo amorosíssimo, da amiga, Silvia.
Célia, Não fosse você me abriros olhos, eu não teria percebido que Guilherme Augusto Araújo Fernandes é um desses livros abençoados, que não é escrito só para criança, mas para leitor. Sua entusiástica carta me fez ir conferir e também me emocionei. Primeiro, com a cumplicidade entre Guilherme Augusto Araújo Fernandes e dona Antônia Maria Diniz Cordeiro, que mora em um asilo vizinho. Depois, com o esforço do menino para ajudar a amiga a conseguir recuperar suas memórias. "O que é uma memória?" com esta peqgunta singela, o garoto "investiga, dialoga,
vai construindo sua forma de se posicionar diante do universo do adulto"
(viu como eu li direitinho o artigo de Ninfa Parreiras que você mandou com o livro?). E você tem tôda razão: a linguagem poética usada na resposta de cada adulto é a grande chave do texto. A memória é algo quente, algo antigo, algo que faz rir ou chorar, algo que vale ouro. O menino seleciona objetos que simbolizam cada descrição: um ovo, por ser quente; conchas antigas: a medalha do avô morto, que lhe causa tristeza: a marionete engraçada: a bola de futebol, que vale ouro. Propor às crianças que escrevessem memórias quentes, antigas, tristes, engraçadas, como você fez, é quase uma continuação da leitura do texto. Eu apenas acrescentaria (que digo? acrescentarei, porque vou copiar descaradamente a atividade) outras palavras: uma lembrança branca, doce, macia... E por que não pedir
para trazerem objetos queridos e fazer um relato oral das memórias? Gostou? Isso se chama plágio criativo. Meus pequenos ainda não conseguem, como os seus, fazer entrevistas sobre "memórias que valem ouro", mas posso convidar parentes dos alunos para virem contar suas memórias, ou então, nossa merendeira, dona Edna, que já passou dos sessenta, e pode proporcionar esta viiência infância/velhice tão bem explorada no livro. A senhora está de parabéns pela criatividade. Obrigada pela ajuda,
Marga.
Luciana, Na biblioteca, os alunos trouxeram, animadíssimos, O homem que calculava. "Vamos ler, professora?". Gelei, por um motivo muito simples: eu sou a mulher que NÃO CALCULA. Meu constrangimento foi tão visível que a Célia, da biblioteca, me deu alguns textos que havia coletado sobre o livro, para verse eu me orientava. Vou até me socorrer de um trecho do artigo de Vânia Rezende para você entender do que se trata: "E a viagem até Bagdá feita pelo narrador-personagem", que, no caminho, encontra Beremiz Samir, o homem que calculava, e toma-o como companheiro de viagem.
"As narrativas vão sendo contadas durante a caminhada e
também durante a permanência dos dois em Bagdá.
Cada
lição de Matemática
Mecânica ou Astronomia)
(Aritmética, Algebra,
Geometria,
uma
encerra uma
que constitui a resolução de um problema-conflüo, ora vivenciado por viajantes, ora apresentado por membros da corte do xeque. " Pensei em explorar o clima oriental do livro, pois o autor, Júlio de Mello e Souza, um carioca, escolheu Malba Tahan como pseudônimo. Pois bem, comecei pelo clima oriental. Mostrei a ilustração da capa, copiei, na lousa, a dedicatória e o início da primeira narrativa. Em que universo estacamos? Que dicas davam as ilustrações? E os nomes na dedicatória: Allah, Maomé, Pascal, Alcorão, Descartes? E os lugares citados: Bagdá, Samana? Oividimo-nos em grupos, fomos procurar esses nomes na enciclopédia.
Eles não podiam copiar
o verbete,
tinham de manter a concisão própria à
"linguagem enciclopédica ".
como só havia um volume, usamos o glossário do livro apenas para checar se a linguagem deles estava compatível. Escrevemos os verbetes em cartazes e penduramos onde todos pudessem infomiações sobre alimentação,
ver.
E ainda incrementamos nosso glossário com
costumes, geografia,
fotos de reportagem,
dese-
nhos das crianças. Definido o universo narrativo em que iamos entrar, li dois problemas apresentados no livro para a classe tôda resolver. Não conseguiram. Se continuasse assim, iam desistir. Optei por ir dando cada etapa das dicas das resoluções que acompanham os problemas. Isso lhes deu uma linha de raciocinio para seguir e, em muitos casos, mataram a questão. Depois pedi que criassem um problema e o escrevessem no estilo do autor. Podiam até copiar trechos do livro.
com
eles, fizemos um pequeno torneio. Baca-
na, para quem ainda tem medo de matemática, h ein? Que Alá tenha compaixão de nós, infiéis! Patricia Salan Torralba.
Gláucia, amiga do peito, Sidreu Nuncios. O mensageiro das estrelas. Este foi o nome que, em 1610, o físico, cientista, filósofo e astrônomo Galileu Galilei deu a seu livro e o cientista e tradutor Peter Sis manteve para contar a busca de conhecimento de Galileu (nâo, eu não me tomei uma estudiosa, esta informação quem dá é Elizabeth Vasconcellos em seu artigo sobre o livro). A diagramação é fantástica.
"O texto, em sua plasticidade descontínua (em
círculos, em linhas verticais, em linhas sinuosas ou serpentina, ou ainda semicírculos) cria uma atmosfera mais próxima da memória e do sonho do que da aparência visive! do mundo" (não, eu não fiquei esperta assim de repente, a afirmação é de Vânia Rezende). O conteúdo informativo toma-se poètico, e o poético, que há na biografia deste homem, emociona (sim, esta frase é minha!). Por isso, a primeira etapa de leitura foi ver e reven ma-ra-vi-lha-men-to. A trajetória de Galileu mostra que o conhecimento nâo nasce pronto. Quantos homens inteligentes pensaram antes dele,
quantas teorias e...
quantos enganos!
Nós, educadores, falamos muito no erro como etapa de aprendizagem. Mas errar dói, para as crianças e para nós. Ver um filósofo como Ptolomeu colocando a terra imóvel no centro do universo dá um certo alento de pensar que o erro está incluido sempre, até no pensamento dos gênios. Para que as crianças percebessem quantas
etapas forarn necessárias para se chegar a um conhecimento que temos hoje do universo como aigo muito simples, listamos as várias hipóteses colocadas. Depois, levantamos, oralmente, nossos enganos sobre coisas que pensávamos ser de um jeito e eram de outro. Rimos muito. André, por exemplo, tinha pena dos atores de comercial de TV porque achava que ficavam sentados o dia todo na emissora, esperando para entrar tôda vez que chamassem... Essas "confissões" foram
ótimas para
humanizar todo mundo.
Por fim, cada aluno mostrou para a classe alguma coisa que sabia fazer: jogo, desenho, sanduíche, assobio. Depois escreveu as instruções, em forma de manual. Unimos todas em um livro que recebeu o enorme e pomposo título Livro dos conhecimentos e das sabedorias. E digo mais, só não escrevemos em latim porque ninguém
sabia.
Leda.
Rose, Rosi nhá, Genial esta coleção que conta a infância de músicos e pintores famosos. Escolhi o volume sôbre Portinari. Achei que, antes de conhecer a infância do pintor, Portinari tinha de ser alguém que, de alguma forma, já tivesse entrado na vida das crianças, porque o encanto das biografias vem do elo afetivo entre o leitor e a pessoa biografada. Encontrei um volume dos Mestres de pintura, da Editora Abril, todo dedicado ao pintor e explorei estas pinturas de maneira bem informal.
Fo-
mos observando cores, traços, nomes de cada quadro. Quando já estavam familiarizados
com
o pintor, li o livro em
voz alta.
E fomos vendo como a aptidão para a pintura teve um caminho de evolução, que começou lá na infância, e como coisas que estavam lá na infância, os brinquedos, o circo, a cidade, apareciam na pintura dele. Mas, para mim, ainda havia uma dificuldade: o que minhas crianças tinham a ver com um gênio
como
Portinari? A professora Ninfa Parreiras ajudou-me
muito, porque fez um raciocinio justa mente oposto a esse. Para ela, o livro mostra como "o homem
comum
pode ser um artista e que o artista é um ser humano
com aptidões e dificuldades para construir
uma
carreira profissional".
Cheguei à
conclusão de que devia trabalhar com a potencialidade dos alunos. Lancei então uma proposta de redação. Eles deviam imaginar que já eram adultos e tinham se tomado famosos e reconhecidos como Portinari. Retomei a
história, para que apontassem o caminho trilhado pelo menino Candinho até se tornar o grande Portinari. A redação
começava
com
a primeira frase do livro:
"Desde muito cedo o menino(a) (nome da criança) gostava de... " As redações mostraram quantos sonhos as crianças têm guardados dentro delas. Em seus textos, tomaram-se grandes médicos, atores, cientistas, jogadores de futebol. Acho que o Candinho acabou fazendo mais uma arte aqui com agente. Um beijo, Graça.
Salve, Carola! Lembra da minha colega Clara? Ela fez
uma
atividade bem interessante
(sem cenas de ciúme, por favor). Parece que a técnica é antiga, mas, como eu desconhecia, pode ser que seja novidade para você também. O mais belo íim das pirâmides é um livro informativo, muito bem ilustrado, que descreve a construção das pirâmides de várias civilizações. como o livro tem cinco capítulos, Clara dividiu a sala, por cinco semanas, em "cantos", onde ficavam as lições semanais de cada conteúdo: canto de portugués, de matemática, de ciências... A criança passava por todos eles no decorrer da semana. No canto da biblioteca, a tarefa era ler, em grupo, um capítulo do livro e responder a um pequeno questionário com perguntas bem referenciais (qual é o povo estudado, que material usavam,
como
eram as caracteristicas da pirâmide,
etc.). Mais tarde, esse grupo contava para o resto da classe as informações do texto. Eles precisaram de muita orientação, mas o resultado foi ótimo. A leitura em conjunto fez os alunos discutirem e
completarem
suas leituras. A apresentação
gerou cooperação, porque cada elemento do grupo ajudava o outro a dar as informações. A classe também precisou educar-se para ouvir os colegas. Para as crianças refletirem sobre nossa sociedade, Clara sugeriu
uma
"mo-
dernização" da obra. Propôs que descrevessem, coletivamente, uma grande cons-
truçào moderna.
Os alunos escolheram um shopping e seguiram os passos do
livro para elaborar um texto descritivo. Diz que está com água na boca, diz... Vamos tentar essa atividade? Hein?, H ein, Hein? Insistentemente, Izeti.
da amiga,
Oi,
tchurma! Dona Célia tinha razào: o curso está sendo jóia. Mas o máximo mesmo foi
vocês mandarem um e-mail para mim aos cuidados da coordenação, falando da grana que pintou de repente para a biblioteca e pedindo para eu mandar sugestões para a compra de livros. Tenho um monte de sugestões, mas vou falar de um livro que não conhecia, li aqui e achei demais: 0 povo Pataxó e sus história. Assistimos a um seminano do qual participou
uma
das professoras indíge-
nas que escreveu o livro, e também uma professora carioca, Ninfa Parreiras. Na apostila da aula. Ninfa dizia: "Próximos a
comemorar
os 500 anos do Descobri-
mento do Brasil, tomar contato com nossas origens e nossa história é fundamental para a leitura das crianças. E mais, conhecer quem eram os habitantes da terra que até hoje vivem disseminados em territòrio nacional é mergulhar nas raízes culturais
brasileiras".
Li duas vezes o livro e ele fez minha cabeça. O livro é muito bonito, cheio de desenhos coloridos, e me deu vontade de mostrar pros nossos alunos a história e o dia-a-dia dos Pataxós contados por eles mesmos: como eles namoram e casam, como eles conseguem alimentos, como é ser criança Pataxó, como eles tiveram de lutar para ter um territòrio seu, por ai... Depois de ler o livro, fiquei um tempão pensando em nós como "os outros", os "nâo-Pataxós". Pensei e achei gozado. Pensar assim é pensar ao contrário do que
a gente pensa quando pensa nos Pataxós, nos Nhambiquaras, nos Kranhacacores como sendo "eles", "os outros". com este livro em nossa escola, podemos, junto
com
os alunos, montar
cartazes ou livros que ponham lado a lado modos de vida dos Pataxós e dos "nãoPataxós", isto é, nós... como é namoro e casamento entre nós e entre eles? como è o calendário anual dos Pataxós e como é o nosso? No final do seminário,
uma
das professoras leu alguns poemas muito boni-
tos de Gonçalves Dias. Num deles, "Canto do Piaga ", Gonçalves Dias imagina a chegada dos portugueses na América, narrada pela voz de um índio.
Vou conse-
guir uma cópia do poema e, se agente conseguir ter em nosso acervo O povo Pataxó e sua história, tenho certeza de que vai ser muito legal. Beijo para todos, Sia.
Márcia, Gostou do cartão-postal que acompanha a carta? Foi feito por um de meus alunos, durante uma atividade que realizamos após a leitura de Cartão-postal, de Luiz Raul Machado.
Você conhece esse livro? E muito bonito. Dividido em doze
pequenas partes, conta "a história de uma fada e de um menino cuja relação se constrói a partir do cartão-postal, pois nele habita a fada e ao menino ele pertence" - como descreveu Margareth Mattos em uma resenha sobre a obra. Entre os breves capítulos, há ilustrações de Anna Gõbel, que usou cores vivas e formas exuberantes para dialogar com o texto, em um trabalho que Ninfa Parreiras definiu como "imagens latentes de um sonho sem fim, de uma criança que transita entre o real e o imaginário" — porque a fada mora dentro do postal do menino, mas não pode sair dele; e o menino também não pode entrar no cartão. A transição do menino entre a realidade e a fantasia é narrada com muita delicadeza pelo autor, que utiliza belas metáforas. Peguei-me lembrando do encantamento provocado pelos contos de fadas ouvidos na infância. como temos apenas um exemplar da obra na biblioteca da escola, utilizei-o para ler a história para as crianças. Lia um capitulo — e os capítulos do livro são bem curtos — e pedia para que eles
comentassem
o que haviam imaginado: como
seria o cartão-postal do menino? Já tinham visto cartão-postal? E a fada, como seria? Os alunos então
comentavam
o capitulo lido, diziam o que achavam que
¡ría acontecer, faziam mil perguntas. E houve até uma discussão sobre "como é a fada"; alguns alunos descreveram fadas de filmes,
outros falaram de fadas de
desenhos animados, e vários citaram contos de fadas que conheciam. Aproveitei para explicara eles que esses contos são muito antigos, e que não nasceram em livros, mas em rodinhas em que se contavam histórias, há muitos e muitos anos, quando não havia rádio nem televisão;justamente como eu estava fazendo com eles. E então eles perguntavam: "Mas e ai? O que aconteceu com o menino?" E eu fazia como a Sherazade, aquela môça das MH e uma noites, e dizia: "Amanhã eu conto... " No dia seguinte, eles esperavam ansiosos pelo "próximo capítulo"; quando li o último, houve grande inquietação na classe: mas, afinal, por que o menino se transformou em um boneco? E por que no quarto dele apareceu um livro com a história do Pinóquio? Cada um tinha uma resposta diferente, e pedi que fizessem um texto explicando o final da história, como lição de casa. O resultado foi uma delicia de ler e de comentar com eles. E ficou decidido que a próxima história a ser lida seria justamente Pinóquio. Ah, depois trabalhamos com cartões-postais, verdadeiros ou feitos com fotos de revistas; mas essa é outra história... Um abraço,
Ângela.
Fernando, como se conversa com crianças sobre a dor? E sobre a violência? E sobre os "problemas de gente grande"?
como
conversar com eias sobre o sofrimento?
Quem convive com crianças sabe que é necessário conversar sobre dor. Sabe também o quanto é difícil. A escritora Graziela Bozano Hetzel, autora de A crista le i ra, consegue vencerás dificuldades e,
utilizando
"prosa poética e metáforas adequadas à sensibilidade
infantil", como mostra Francisco Aurélio Ribeiro em fina resenha, tece uma bela história sobre a dor da separação, que aflige uma menina, Marina. Vigo "tece" porque achei muito bom o
comentário
de Ribeiro, ao afirmar que "a narrativa
prossegue como os fios de um bordado, e esta é outra metáfora do texto". A avó de Marina borda, e é com a avó e seus bordados, suas histórias, seus cálices e bibelôs que a menina constrói um refúgio para proteger-se da dor da separação dos pais. Nilma Lacerda, em outra ótima resenha, escreve que "perpassada de tristeza fina, mas com pautas de alegria onde colocar outras notas, essa história de cumplicidade entre avó e neta coloca-se como outro viés para o tema da separação dos pais e a repercussão sobre os filhos.
Em linguagem delicada, com refinamento
doce-amargo, o leitor entra num universo de condensação poética que a ilustração de Roger Mello capta bastante bem".
Em uma tarde muito fria, começamos a leitura em classe de A crista leira. Os alunos haviam lido em casa a história, e a relemos juntos, comentando trechos, interpretando passagens, ilustrações, metáforas. Expliquei aos alunos o que é uma cristaleira, falei que era um móvel muito usado antigamente, por isso a avó de Marina tem uma. Também expliquei por que os copos se chamam cálices no livro e o que é um
"peitoriI laqJo de mármore". Os alunos pareciam ficar ainda mais
encantados com a história e o ambiente mágico da casa da avó ao conversarmos sobre os objetos, a poesia da linguagem, os sentidos ocultos nas entrelinhas. Fomos
explorando
a
casa,
os sonhos
da
menina,
o
texto.
Entào,
espontaneamente, falamos sobre a dor. Os vários tipos de dor. E resolvemos escrever cartas,
bilhetes,
fazer desenhos para Marina. Ajudá-la a fazer sua passagem.
Disse aos alunos que eles poderiam fazer de conta que eram amigos dela de escola, vizinhos, ou mesmo os objetos mágicos da casa da avó, que de repente poderiam comunicar-se com ela. Na aula seguinte, surpreendi-me ao ver que todos os alunos tinham escrito mensagens para Marina. Mesmo aqueles que ficam no fundo da classe e parecem — parecem - não dar atenção á aula. Alguns escreveram sobre seus próprios sofrimentos; outros contaram piadas para que ela se alegrasse. Houve desenhos, muitos, de corações, canetas coloridas.
flores e brinquedos; cartinhas caprichadas, redigidas com
uma
aluna falou, enquanto eu guardava as cartas: "A gente
sempre deve ajudar os outros,
né professora?" Respondi que devemos sempre
tentar. E que achava que eles haviam conseguido ajudar Marina. Um abraço, Ruth.
Oi, Bruno! Adorei sua última carta. Esta troca de experiências está sendo muito produtiva, realmente. E falando em produção, vou lhe contar como a leitura de Faca afiada, de Bartolomeu Campos de Queiroz, terminou rendendo até a produção de uma "trilha sonora"de dar inveja a muito diretor de filme de suspense. E que a história, como bem observou a resenhista Vânia Rezende, "destacase no conjunto da obra do autor pelo cunho de suspense que se cria, decorrente da ambigüidade gerada pela interpretação do menino mais velho, de uma familia de hábitos simples, interioranos, sobre a conversa dos pais".
O menino, antes de
dormir, "escuta que o pai está preparando e combinando com a mãe uma morte como se fosse um assassinato. Todo o diálogo leva-o, e também o leitor, a acreditar que o pai quer se ver livre da velhinha viúva (avó) que vive com eles e tem dado muito trabalho e preocupação, além de despesas". Esse é um trecho de outra resenha que muito me ajudou a preparar a aula, escrita por Lucília Garcez. Você pode bem imaginar que não era da avó que os pais falavam; mas até que se esclareça a conversa, o menino sofre; como descreve Vânia, ele "angustiase, mergulhado no drama que cresce, imaginando o assassinato da avó pelo pai, homem tão amável até com os bichos". A atmosfera de mistério provocada pela narrativa levou-me a escolher o livro para apresentar aos alunos o gênero suspense. Segundo Luciilia Garcez: "como a obra de Lygia Bqjunga Nunes, este livro situa-se
na vertente de literatura psicològica para crianças, pois está centrado em emoções, medos, inquietações, ansiedades e tormentos que assolam a alma humana ".
Tôdas essas emoções sào tratadas de maneira extremamente poética pelo
autor, que faz uso de belas metáforas ao longo da narrativa. Resolvi fazer a leitura para meus alunos caprichando na entonação, procurando modular a voz de acordo com as diferentes atmosferas criadas pelo autor. ao nanar uma história que a avó conta para os meninos, por exemplo, usei um tom bem suave, bem pausado. Já o capitulo em que o protagonista ouve os pais conversando sobre o
"assassinato", narrei de maneira a tentar passar um tom de
angústia para as reflexões da criança amedrontada. Acho que fui feliz na tentativa (ensaiei bastante), porque os alunos ficaram quietinhos, acompanhando com muita atenção a história. No auge do suspense, parei a leitura e perguntei aos meninos: "O que vocês acham? O pai matou a avó?" Houve um longo silêncio.
Parecia que eles se colocavam no lugar do
protagonista e imaginavam como seria... até que
começaram
a falar, a discutir...
reli a conversa dos pais do menino, para que eles pudessem analisá-la melhon a inquietação foi tomando conta da classe, as opiniões divergiam, até que uma aluna pediu para que eu
"lesse logo" o final. Sorri interiormente, pensando em
minha própria ansiedade de leitora de livros de suspense, que mal pode esperar para saber como termina a história. E o final trouxe alivio, risadas, mil comentários. Eles gostaram tanto do livro que nós o relemos várias vezes, só que dessa vez os narradores eram eles. Foi então que sugeri a produção de uma "trilha sonora "para a h istória,já que os alunos estão aprendendo a tocar flauta doce na aula de Educação Artistica. Eles criaram um tema para cada personagem e também sons para os passarinhos, para os sustos do menino, para a velha galinha, que afinal era a "vitima "do pai. E a música do pai, alegre no começo, toma-se triste e assustadora, conforme o menino o imagina como um assassino, um diabo... O uso da flauta doce ajudou-
nos a perceber as caracteristicas mais marcantes de cada personagem,
o modo
como o suspense vai crescendo, a diferença entre o que o menino está sentindo medo, angustia — e o que sentem os seus colegas de escola, que nada sabem de seus conflitos interiores.
Enfim, para criar os temas musicais fomos fazendo lei-
turas cada vez mais ricas do texto, que nortearam a escolha de sons e melodias para a inquietadora e poética narrativa de Bartolomeu Campos de Queiroz. Um abraço, Lidia.
Cara Bàrbara, Lembra daquela conversa que tivemos sobre a importância da música na formação
das
crianças? Recordamos
com
saudade
nossas participações
em
fan farras e corais escolares e percebemos como aquelas experiências foram importantes, nos
mais
diversos sentidos.
Estou tendo a chance, agora, de comprovar que "a música é uma das linguagens indispensáveis à formação escolar",
como
li em texto de Regina Yolanda
Werneck. E que a professora de Educação Artistica està usando o livro Flauta doce: método de ensino para crianças, de Alereide Schilaro Santa Rosa, em suas aulas, e o resultado está sendo melhor do que o esperado. Concordo com Ni Ima Lacerda, que afirmou em resenha da obra:
"uma das atividades que costuma dar maior
prazer aos alunos, tanto os do primeiro grau como os do segundo, é tocar flauta doce. (...) Instrumento de poesia, a flauta é extremamente acessível, seja pelo baixo custo do instrumento, seja pela facilidade do manejo. O prazer que proporciona a quem toca, e a quem ouve, se inscreve no rol das coisas simples que trazem colorido ao ambiente escolar, à vida". Acompanhei algumas das aulas de minha colega, porque tinha em mente atividades para realizar com as músicas aprendidas pelos alunos. E como eles se envolvem com a aula! Lembrei-me, ao ié-los, de uma observação de Regina, em seu texto sobre o livro: "As aulas de flauta doce são oportunas ainda pelo potencial
terapèutico que oferecem . Senti a participação, o entusiasmo, a alegria em aprender novas melodias e notei como estavam relaxados ao final da aula. A professora, Helena, aproveitou um cartaz que vem com o livro e ilustra as notas musicais e as posições na flauta e o afixou na parede, para que todos pudessem lé-lo. Há fotos no interior do livro que mostram detalhadamente as posturas corretas para tocar além de gráficos que ilustram a posição da flauta na boca e dos dedos no corpo do instrumento. como as músicas que fazem parte do livro abrangem desde canções folclóricas até Corcovado, de Tom Jobim, e Imagine, de John Lennon, o repertorio dos alunos tomou-se rico o suficiente para que passassem a ser convidados para tocar em festinhas, eventos da escola e aulas de portugués — as minhas! E que utilizamos músicas aprendidas por eles para fazer a
"trilha sonora " de
uma
montagem
de O rapio das cebo Un has, peça que taz parte do livro Teatro I - María Clara Machado. Foi muito bacana porque os alunos refletiram sobre as características de cada personagem — é engraçado? triste? malvado? - para escolher a
"música-tema".
Gostei tanto do resultado que nao consigo mais pensar nas personagens da peça sem me lembrar dos
"fundos musicais", acredita? 6 não conte para nin-
guém, mas estou aprendendo a tocar flauta doce; vá se preparando, que quero lhe apresentar TODO o meu repertório! Carina.
Querida
Adriana,
Há alguns dias realizamos uma atividade que me fez pensar tanto em você! E que você tem paixão por lendas e mitos, e eu e meus alunos nos deliciamos com Sete contos russos, de Tatiana Belinky. É muito bom, você vai adorar. comecei a me interessar pelo livro quando li um artigo de Francisco Aurélio Ribeiro.
Ele informa
que "a fiteratuia russa é de tradição tão antiga quanto qualquer outra da Europa, como os contos franceses, inglêses, alemães e dinamarqueses mais conhecidos pelo leitor brasileiro". Fiquei sabendo que grandes autores russos,
como
utilizaram em suas obras o conto popular de seu país, que engloba
Tolstoi,
"contos de
fadas, histórias maravilhosas, fábulas, parábolas, mitos e lendas". Tatiana Belinky,
"extraordinária escritora brasileira de origem russa", autora
de tantos livros lindos, fez a tradução de sete dessas histórias. E ao ler, em resenha de Laura Sandroni, que "por meio de Sete contos russos as crianças brasileiras poderão entrarem contato com o mundo fantástico da literatura infantil da Rússia ", empolguei-me, li o livro com prazer e resolvi utilizá-lo em sala para que os alunos conhecessem um pouco do folclore de outro povo. Conversei com os professores de História e Geografía e eles fizeram uma "participação especial" na aula, contando um pouco da história da Rússia e mostrando onde o país se localiza. Claro que a complexa história russa não pode ser resumida em
15 minutos, mas o professor salientou alguns fatos que permitiram
aos alunos conhecer um pouco do país e até
comentar
noticias sobre eie que viram
na televisão. Em seguida,
começamos
a leitura dos contos. Eu havia separado os alunos
em sete equipes, cada uma com a cópia de um conto. Eles — bem, pelo menos a maioria deles - haviam lido em casa os textos, e no dia da aula pedi que comentassem em grupo o que tinham achado das histórias. Muitos encontraram semelhanças entre os contos russos e outros contos de fadas; também perceberam que os conflitos de amor ou poder, presentes nas histórias, são muito parecidos com os que encontramos no folclore brasileiro, na literatura, nos filmes, nas novelas... Pedi que anotassem essas observações e, em seguida, cada equipe contou ao restante da classe a "sua história". Fizemos uma roda com as cadeiras, e ao final de cada história os a/unos dicutiram suas observações com os colegas, enquanto eu mediava as discussões. Acabamos discutindo a universalidade de alguns temas, como o conflito entre ricos e pobres. Então, apesar dos nomes difíceis das personagens russas, da história do país, tão diferente da nossa, do clima também tão diverso, com invernos congelantes, percebemos que eias têm muito em
comum
com
as persona-
gens de histórias brasileiras. E que amor, ódio, inveja, ciúme, dinheiro, poder são temas que aparecem sempre em histórias, sejam eias antigas ou modernas, contos de fadas ou novelas. "Por que será?", provoquei, sabendo que é uma pergunta para a vida inteira... Um abraço Suzana.
dramaticamente russo,
Oi, Carlos! Ando com uma saudade do seu macarrão! Está bem, não fique zangado, é saudade de você, não só do macarrão. Mas escrevo esta carta depois de uma divertida aula de leitura e atividades com o livro Strega Nona - a avó feiticeira, de Tommie de Paola, em que o macarrão tem importante papel; além do mais, é hora do almoço... Mas deixe-me contar sobre o livro; como afirmou Laura Sandroni em uma resenha,
"trata-se de uma história antiga, passada numa cidade medie-
val italiana, recontada com talento e beleza pictórica. Strega Nona era conhecida de todos no vi Ia rejo da Calábria e com sua mágica poderosa fazia o bem à população. Um dia, ela contrata um ajudante com apenas uma recomendação: nunca mexer no caldeirão". O que você acha que acontece, Carlos? Claro que ele mexe, e a cidade quase desaparece sob um rio de macarrão mágico, que o caldeirão não pára de cozinhar! Adorei a narrativa e as belas ilustrações, que são organizadas de forma que lembra as histórias em quadrinhos, e decidi fazer a leitura do livro com meus alunos da segunda série. Sentamos, eu e as crianças, em um circulo, para que eu pudesse mostrar a eias as imagens. E comecei a contar, lendo de maneira bem dramatizada, simpática),
fazendo Tonhão
vozes diferentes para Strega Nona (uma velhinha muito (o
ajudante
trapalhão) e
outras personagens secundárias.
E na hora de contar o truque mágico de fazer o caldeirão cozinhar sozinho, eu imitei os gestos da feiticeira,
o que provocou muitas gargalhadas.
Também imitei
o desespero do pobre Tonhão, mergulhado no macarrão, rodopiando no meio do circulo, com os braços para cima; as crianças entraram no clima e começaram a fazer de conta que eram os aldeões, nadando em f/os de macarrão. Foi muito divertido! Depois da leitura, eles olharam melhoras imagens, enquanto iamos comentando a história. Aproveitei as dicas de atividades que Vêm no final do livro e recordei com os alunos o começo, o meio e o final da narrativa. Depois, perguntei qual é a principal mensagem da história, e a partir das respostas deles conversamos sobre a curiosidade, a mentira, a desobediência, o arrependimento, o castigo. Discutimos se o castigo é uma coisa boa, importante, ou não; e sea mentira tem mesmo "perna curta". Pedi que
comentassem
pre se dá mal e que contassem histórias que
se é verdade que o mentiroso semcomprovassem
o que diziam. Ai a
classe pegou fogo, como você pode imaginar. Foram tantos os comentários que o tempo voou, e não pude mostrara eles o desenho animado que vem em uma fita de video junto com o livro. Prometi que na próxima semana assistiremos ao desenho, e estou pensando em levar uma cópia de Fantasia, da Disney, que tenho em casa, e que em determinado momento mostra o Mickey em uma situação muito parecida à de Tonhão, em um episódio chamado O aprendiz de feiticeiro. Acho que eles vão gostar. Já estão disputando o livro Strega Nona para ler em casa. E nem mostrei um fantoche que vem junto, representando a velhinha; é que a professora de Educação Artistica está pensando em usar o livro para ensinar as crianças a criar fantoches. Parece que vem ai um teatrinho. Você não quer fornecer o macarrão para o cenário? E para os alunos? E para as professoras? Precisamos de rios de macarrão... sabe que você daria um ótimo produtor
teatral?
Saudade, Cilza.
Querida
Cristina,
Ontem assisti à aula de uma amiga para a 1a série realmente encantadora. Ela usou um livro muito bonito — Tanto, tanto, de Trish Cooke — em uma atividade com os alunos, que, como estamos no final do ano, já conseguem ler livros como este — de texto curto, letras grandes e palavras simples. como escreveu a resenhista Lucilia Garcez, o vocabulário da obra "faz parte do repertório de crianças pequenas". Há enormes e belas ilustrações para a história que, como resumiu Maria José Nóbrega, "narra um dia especial na vida de uma família composta por um casal e um bebê. Trata-se de uma festa surpresa para a comemoração do aniversário do pai. Um a um, os parentes vão chegando e dirigem-se ao bebê com uma brincadeira que se encerra com a exclamação de quanto gostariam de apertar, beijar,
comer...
'essa coisinha tanto, tanto!' Dai o titulo do livro".
Os textos dessas resenhistas ajudaram na preparação da aula; achei muito legais os comentários delas. Maria José comenta, por exemplo, que "o texto oqpniza-se em torno da repetição de estruturas que tanto agradam às crianças, retratando a delicadeza de sentimentos que unem os elementos da
família:
todos
diferentes, mas podendo expressar o afeto a seu modo". Há um aspecto do qual gostei especialmente e que foi muito bem observado por Lucilia Garcez: "pela ilustração é que sabemos que se trata de uma familia de
negros. E todos os detalhes (roupas, adereços, penteados) reforçam a caracterização definida pela cor da pele". O livro é realmente um achado. Mas vou contara atividade que minha amiga Flávia realizou com as crianças. Ela trouxe uma grande colcha de cama de casal e estendeu no chão para os a/unos sentarem.
Todos formamos uma roda, sentados com as pernas cruzadas. Então,
ela explicou que iríamos ler um livro INTEIRINHO, todos juntos, o que deixou as crianças acesas. Ao mostrar a capa do livro e pedir que lessem o título, elas prontamente atenderam. Não é adorável ver crianças que acabaram de aprendera ler com os olhinhos brilhando ao decifrar palavras? LIdo o titulo - que todas repetiram várias vezes —, minha amiga passou a comentar a capa, que mostra o pai segurando o bebê nos braços. como o livro é bem grande, as crianças podiam enxergar bem figura e título, e ela passou a perguntar: "Será que o homem é parente do nenê? O que eles estão fazendo?" Depois de ouvir todas as opiniões, muito variadas, Flávia, fazendo ares de mistério, anunciou: "Vamos deixar o livro nos contar!" E passou o livro para a aluna que estava a seu lado, pedindo para que lesse a primeira página. No começo, a leitura foi balbucíante; algumas palavras enroscavam as linguas, era preciso ajudar os pequenos leitores. Mas que alegria quando liam todo o trecho pedido! Relíam, agora com mais segurança, e passavam o livro para outro colega, por sua vez ansioso para ler o seu pedaço e saber mais da história. E a história desenrola-se de pequenos em pequenos acontecimentos: a chegada de parentes da mãe e do bebê, que o enchem de carinho, sempre repetindo que querem beijar, apertar ou brincar com ele tanto, tanto! Então chega o pai, que todos esperavam para a festa surpresa de aniversário; final que surpreendeu e divertiu as crianças. Flávia recordou com eias o começo, o meio e o final da história e, a pedido dos meninos, releu o livro, dramatizando cada cena e explorando o ritmo e a sonoridade das frases. Depois da leitura, conversamos
sobre as diferentes formas de expressar carinho, e as crianças contaram de avós que as apertam muito, de pais que brincam com eias de cavalinho, de tios que as erguem no ar, de mães que as carregam... e de tias chatas que dão beijos melados em suas bochechas quando eias não estão a fim. Gravei o recado. Cris. Um abraço como os de Tanto, tanto!, Laura.
Querida Célia, Escrevo para contar sobre a gratificante experiência de trabalhar com o livro Teatro I - Maria Clara Machado. Incrível como esta autora parece representar, "para o gênero teatral, o que Lobato representou para a narrativa ficcional",
como
diz
Maria José Nóbrega em uma resenha que li do livro. Realmente, creio que há muita semelhança entre os dois. A resenhista acertou na mosca quando escreveu que as personagens de Maria Clara Machado, assim como as de Monteiro Lobato, "têm consistência e coeiência " e
"as tramas são originais, divertidas e trazem
sempre um ponto de vista critico". Lembro que quando era criança assisti à Plu ft o fantasmi nhá (peça que faz parte do livro) e me diverti muito, principalmente porque quem interpretou o Pluft foi a minha tia, e eu havia ajudado — ou melhor, atrapalhado — minha avó a fazer a roupa de fantasma, além de ter brincado muito no baú velho do meu avô que depois fez parte do cenário. As boas lembranças de infância e a qualidade das peças animaram-me a fazer a montagem de algumas delas
com
meus alunos. Mas não possuíamos
recursos para a confecção das fantasias e dos cenários. Espaço para improvisar um palco até tinhamos, mas e as roupas? E a maquiagem, os objetos necessários para
compor
os cenários? Nem os alunos nem a escola tinham condições de
obtê-los. Quando estava quase desistindo, tive uma idéia — idéias temos aqui aos montes! — que, no final, trouxe resultados surpreendentes.
Resolvi transformar Fluff, o fanfasminha e A bruxinha que era boa em novelas de rádio. No começo fiquei preocupada com a reação dos alunos, que cresceram vendo televisão; mas sabe que eles adoraram? Foi assim: primeiro, lemos em classe as peças.
como
dou aula para duas classes, cada turma trabalhou com uma das
peças, sem saber qual era a "novela " que os colegas da outra classe estavam preparando. Disse a eles que uma classe apresentaria o trabalho para a outra, e isso os animou a caprichar na
"produção"para impressionar os companheiros.
Ea "produção" foi muito divertida. Para começar, foi preciso criar um narrador para contar ao público determinadas cenas,
e aproveitei para dar breves explica-
ções sobre os vários tipos de narrador. Dividi a classe em grupos e cada um adaptou um ato da peça, que depois foi comentado e modificado pela turma tôda. Em seguida,
cada grupo criou propagandas,
que seriam apresentadas nos intervalos
dos atos. Enquanto acompanhava e auxiliava a produção dos textos deles, aproveitei para esclarecer dúvidas de redação. Críamos também "chamadas"de apresentação para a peça-novela. com isso,
a c/asse tôda pôde participar da encenação: parte dos alunos
interpretou as personagens, parte fez as propagandas, outros fizeram as chamadas. E houve os que cuidaram dos "efeitos sonoros": com a ajuda da professora de Educação Artística, conseguiram imitar som de vento, de motor a jato para vassoura de bruxa (um secador de cabelos pode ter utilidades incríveis!), de passos, de porta fechando, entre muitos outros. Em uma classe, os alunos usaram as músicas aprendidas com o livro Flauta doce, de Alereíde Schílaro Santa Rosa, e criaram um tema para cada personagem, além de aproveitarem as partituras que acompanham as peças. Na outra, um grupo escolheu trechos de músicas para serem cantados durante a apresentação. E afinal chegou o grande dia. Sei que você está curiosa para saber como montamos as novelas; você deve
ter pensado em gravadores, não é? Pois bem, na verdade não foi assim. Foi muito simples: o público sentou-se de costas para o palco.
Então, os
alunos da classe C entravam quíetinhos e apresentavam a novela Plu ft, o fantasmi nhá. Depois, foi a vez de a classe D deixar a platéia e apresentar A bruxinha que era boa, enquanto os colegas se acomodavam nas cadeiras. Foi um sucesso! Nas aulas seguintes,
comentamos
troca de informações, desde
as apresentações e houve uma incrível
"como produzir som de bolha " até elogios para al-
guns alunos que interpretaram muito bem, para outros que criaram propagandas divertidas... Enfim, Célia, tenho agora alunos querendo ser roteiristas, alunos querendo criar efeitos para o Steven Spielberg, alunos querendo ser atores...
mas
tenho, principalmente, alunos juntando esforços para um festival de teatro no final do ano; desta vez — vamos dar um jeito de conseguir — com cenários, fantasias e tudo o mais que dá coforido aos textos incríveis de Maria Clara Machado. Um grande Regina.
abraço,
Prezado Ut is, Escrevo para sugerir um ótimo livro de "trava-línguas", que sei que você adora: Trava trovas, de Ciça. comecei a me interessar pelo livro ao ler uma resenha sobre ele feita por Lucilia Garcez. Vou transcre\é-la para que você tenha uma idéia melhor da obra: "O livro apresenta onze composições originais em versos. Todas eias são baseadas na tradição dos 'trava-linguas', ou seja, daquelas brincadeiras orais que pertencem à cultura popular e que constituem um desafio à habilidade de pmnunciar ràpida e corretamente um texto em que há dificuldades fonéticas consideráveis
".
O livro de Ciça faz-nos lembrar de trava-linguas da nossa tradição que tanto nos divertiam e divertem. E como aprendi ao ler outra resenha, de Graça Monteiro Castro: "As travatrovas, assim como as parlendas e as adivinhas, são extremamente pertinentes para crianças em fase inicial de leitura pelo ritmo e pela sonoridade propostos pela estrutura textual dos gêneros, além de auxiliar na valorização da leitura como fonte de fruição estética e entretenimento". Seja estava inclinada a usar o livro em sala, por causa do resgate que a autora faz de jogos da cultura oral brasileira, a possibilidade de trabalhar com as crianças ritmos e sons e de valorizara leitura me convenceram; criei uma atividade que já começou na porta da classe, com a primeira "travatrova " de Ciça. Pedi que uma inspetora fechasse a porta da classe e avisasse aos alunos que eu tinha
um "importante aviso" a fazer. Do iado de fora, percebi pelos cochichos que estavam muito curiosos; então abri a porta muito teatralmente — se é que você me entende — e "declamei": Quem se atreve, pode e prova; trina o trinco, troca e tranca: é hora, é hora do travatrova! Consegue imaginar a reação da classe? Aposto que sim... anunciada a "aula de travatrova ", expliquei para as crianças o que são trava-línguas e dei exemplos de alguns que me divertiam na infância, como "a aranha arranha a jarra e a jarra arranha a aranha ". As crianças foram lembrando de outros, como o do "ninho de marfagafos", do
"prato de trigo para tés tristes tigres... " Então
começamos
a
trabalhar com o livro de Ciça. Lemos e rimos com as travatrovas; depois, separei os alunos em grupos e pedi que criassem
uma
"apresentação" de determinadas
travatrovas para a classe. Poderiam usar mímica, fazerjogral, criar música com as palavras. Acompanhei o trabalho de cada grupo, chamando a atenção deles para as rimas, a rica sonoridade, o ritmo. O resultado foi delicioso; houve, por exemplo, a criação de um rap para "briga ", travatrova que consiste na enumeração de palavras que
"compõem" uma briga,
como "pirapóte, peteleco, um coque, um teco, um tostão". Enquanto um aluno ia dizendo, em ritmo de rap, as palavras, os outros mostravam com gestos do que se tratava.
Outro aluno fazia sons com a boca imitando batidas eletrônicas e, no
final, todos acrescentaram um grito:
"Violência, não!" Acho que a Ciça perdoaria
essa "licençapoética "(aliás, rimou muito bem com o último verso), que representa bem
sentimentos que
estamos experimentando
atualmente.
Um abraço rimado com... (você preenche, mestre dos trava-línguas!), Marina.
Querida
Míriam,
Lembra de uma conversa que tivemos sobre a fascinação das enancas por imagens de micróbios que, ampliados milhões de vezes, parecem monstros? Ou de insetos, flores, grãos de areia que, filmados com potentes lentes de aumento, revelam texturas, reentrâncias, cores maravilhosas? Quantas vezes vi crianças de olhos fixos em frente da televisão, assistindo a documentários que mostram o "microcosmo" invisível aos nossos
olhos.
Pois bem, descobri um livro sensacional — Zoom, de Istvam Banyai — que me permitiu discutir com meus alunos, entre outras coisas, como o foco pelo qual enxergamos determinado objeto,
animal ou pessoa
determina
diferentes manei-
ras de percebê-los. O nome do livro, como você deve ter percebido, refere-se àquelas lentes de máquinas fotográficas e de filmadoras que permitem aproximar ou afastar o foco, de modo que possamos enxergar algo muito distante de nós ou olhar os detalhes de algo que esteja muito próximo ou que seja muito pequeno. O livro é muito bem bolado; trata-se de uma seqüência de imagens, sem texto, que podem ser vistas de frente para trás ou de trás para frente. Sabe por quê? Se você começa a ler de frente para trás, o foco vai se afastando; assim, a imagem indefinida que aparece na primeira página mostra ser, na página seguinte, a crista de um galo. É como se o autor tivesse "afastado o foco" um pouco, para que pudéssemos ver o galo inteiro. Afasta um pouco mais, e vemos que o galo está
sendo observado por duas crianças; mais um zoom, e vemos as enancas dentro do quarto de uma fazenda; e essa fazenda é o brinquedo de uma menina; e essa menina está dentro de urna revista; e essa revista... não é muito legal? E se lemos de trás para frente, parece que nos estamos aproximando cada vez mais das cenas. Você precisa ver! Adorei o livro, mas fiquei em dúvida se deveria usá-lo em classe. Agora percebo que foi preconceito de minha parte, professora acostumada a livros com textos, que nunca pensou ser possível a leitura de imagens. Não só é possível como è uma experiência incrível, Miriam. Porém, confesso que fiquei insegura; mas li um artigo de Nilma Lacerda e outro de Regina Werneck sobre Zoom que me "abriram os olhos" (tá, o trocadilho é horrível, mas não resisti...) Nilma afirma que o autor "articula imagens numa narrativa visual cuja direção de leitura pode dar-se em dois sentidos, acirrando ao máximo o deslocamento das posições fixas. Justo quando você pensa que sabe onde está, recebe uma nova informação que vai colocá-lo em outro lugar, para ser novamente informado de que não está onde pensa que está". E acrescenta:
"Machado de Assis gostava
desse jogo, Fernando Pessoa também. (...) A obra desses escritores fundamentase na relativização, na tênue fronteira do ser e do parecer, questões que são o eixo estruturador de alguns dos melhores contos de Andersen: O patinho feio, A princesa e a ervilha, A sombra. Lembrei-me dos contos e achei essa observação muito pertinente; comecei a ter idéias para a aula com Zoom. Então li o texto de Regina, que afirma: "E um livro todo de imagens, favorecendo imensamente a relação de grandeza e de posição no foco de ilustração. Além disso, um leitor de imagens que não tenha sido deformado ainda pelas ilustrações lineares poderá observar detalhes bem ricos, tais como: a seleção, na página 20, da figura que, estando na amurada superior do navio, reaparece dentro do 'o'de Zoom". Bem, nessa altura, já estava apaixonada pelo livro e pelas ricas possibílida-
des de lettura que ele oferece. S/m, /e/tura; nós não "lemos" fotografías? Você não tem livros que reproduzem obras de grandes pintores, de quadros que tantas vezes "íeu"para
mim?
Pois eu e meus alunos lemosjuntos Zoom, e a leitura foi surpreendente. Diria que foi até filosófica, como sugere a contracapa do livro. Eu mostrava a eles as figuras e perguntava: "O que voces vêem?"A crista de galo, por exemplo, pareceu aos meninos uma montanha, a parte de cima de um peixe exótico, as pétalas de uma flor, a barra de um vestido, um "pedaço"do Sol. Quando viram que era um galo, riram, divertiram-se, ficaram cunosissimos para saber o que o próximo zoom mostraria.
E assim fui mostrando o livro todo, e fomos fazendo leituras das ima-
gens, conversando sobre o lato de nada do livro ser o que parece — e dai brotaram as discussões filosóficas. Terminamos falando de várías situações em que alguém parecia ser o que não era. Ou então de monstros noturnos que haviam provocado medo no meio da noite e que, na manhã seguinte, provocavam risos, ao se perceber que eram a sombra de uma árvore, o bicho de pelúcia do irmãozinho, uma vassoura depontacabeça esquecida no corredor. E das muitas diferenças entre o ser e o parecer. Estou pensando, agora,
em usar os contos de Andersen para discutirmos
como essa questão é tratada de modo diferente em textos literários. Ou então, para descobrinnos como os escritores fazem para aproximar algo dos olhos do leitor; de que modo utilizam as palavras, as descrições, para criar o efeito zoom em seus textos. Não acha que será bacana? Um abraço, Lúcia.
P.S.: O professor de ciĂŞncias aproveitou o entusiasmo dos alunos com a lente imaginĂĄria de Istvam Banyai para mostrar a eles como funcionam um telescĂłpio e
uma
luneta. Nem preciso dizer que, ultimamente,
modo muito atento e curioso aqui na escola...
tudo tem sido olhado de
Salve grande Édson! Na última carta, você me perguntava se meus a/unos tinham mais dificuldade em Matemática do que em outras matérias, mas responder isso eu não sei. No entanto, posso dizer que encontrei um livro muito legal para começar a falar dos números com eles. Chama-se Brincando com os números e foi escrito por um autor francês chamado Massím. O livro é massa até mesmo no nome dos seus ilustradores:
"Os gatos pelados!" E o tom da obra quem descreveu bem foi minha
orientadora da especialização, Elisabeth Vasconcelos: "Revelar, portanto, a beleza dos números para as crianças é a proposta da obra. Apresentando a viagem de dois amigos — FU e Pipo — pelo 'Pais dos números', o autor propõe um breve passeio pela história da humanidade no que diz respeito ao uso dos números". Tive alguns resultados legais depois de lê-lo com minha 2* série. como o livro mostra os sistemas que os povos antigos usavam para contar, eu bolei o seguinte jogo: montei algumas "continhas" usando os sistemas dos a steca s (bandeiras, bolsa) e dos egipcios (girino, haste). Eias foram entregues aos alunos como formas de enigmas que eles deveriam resolver. Para isso, lemos o texto de Massi m. Depois, coloquei no quadro os valores que correspondiam a cada um dos sinais usados nos enigmas.
Então, os alunos puderam resolver as
"continhas" e
saber que nem sempre as pessoas contavam, somavam ou diminuíam as coisas
da mesma maneira como fazemos hoje. E claro que teve pèrnio para o primeiro a desvendar os enigmas! Em seguida,
comentamos
alguns outros fatos interessan-
tes, como a maneira de contar dos sumérios (de seis em seis, o que influencia até hoje a contagem de horas, frutas ou ovos), o fato de os hindus terem começado a utilizar notações com dez algarismos, ete. Também fizemos uma coisa de que os alunos gostaram bastante. Depois de chamar atenção para o fato de FU e Pipo estarem passeando pelas histórias do livro, pedi aos alunos que os localizassem nas ilustrações do texto e observassem como "Os gatos pelados" usaram os desenhos para mostrar
como
os números
são utilizados e, às vezes, de forma bem brincalhona. No ft nai da aula, seguimos a sugestão do autor e fomos brincar com os números mesmo! Você precisa ver quantos desenhos legais a rapaziadinha fez com os numerais, a começar com a sugestão de Massi m de fazer-se um rosto humano com os algarismos 6, 4 e 2. Foi um barato! Que tal brincar com os números na sua sala? Espero que se divirtam como nós. Um abraço, Nestor.
OI Solange! Estou te escrevendo pra contar coisas muito boas da aula de leitura da Ia B em que usei as Histórias Ja Coleção Gato e Rato, escritas por Mary França e ilustradas por Eliardo França. Quando as li pela primeira vez, foi impossível não me lembrar de imediato da Coleção de História Natural, que minha mãe guardava na velha estante de livros de professora de Biologia. dinossauros pré-históricos.
Eu curtia pra
Eram livros cheios de animais e
caramba imaginar o mundo no qual
aqueles seres tão estranhos viviam. Pena que aqueles livros fossem tão secos de fantasia. Eles não tinham a graça da vida como têm os bichos inventados por Mary França. como disse Vânia Rezende, uma professora aqui da escola que também leu esses textos, "a natureza é parte ativa das histórias,
que quase sempre trazem animais-personagens em
movimento pleno de impulsos de vida.
Definem-se por caracteristicas corporais e
fisionômicas vibrantes, feitas de traços travessos, gestos ágeis e ares infantis — expressão perfeitamente identificada à ludicidade infantil". Agora entendi por que meus alunos gostaram
tanto desses textos!
Outra diferença é que as experiências desses bichinhos (sapo, bode, tatu, ete.) ajudam a criança a pensar sobre sua própria situação no mundo. Assim, fiz com minha
Ia- série algumas atividades que exploraram os movimentos e a histó-
ria dos bichos que desempenham papel principal. Primeiro li a história com bas-
tante entonação e chamei atenção para as ilustrações, perguntando quem eram os personagens. Depois propus algumas questões. Por exemplo, em O rabo do gato, o que aconteceu com o sapo? Por que e/e se confunde com um gato? O sapo achava que era aquilo que outros bichos (gato e tatu) lhe diziam, mas eles estava m certos? Será que um detalhe extemo (rabo de gato) pode mudar aquilo que temos de mais próprio e característico em nós? Dessejeito, eu trabalhei, digamos assim, a idéia central da história. como esta, as demais histórias podem ser lidas de /orma que as crianças pensem sobre questões centrais da vida da gente que estão tematizadas nessa coleção: a importância da união para alcançar um objetivo em O pega-pega, a falsa apaéncia dos fatos em Surprêsas!, a conscientização ecológica em fogo no céu! Sabe, Solange, ás vezes a experiência de outras pessoas pode nos ajudar muito, e no caso da leitura, acho que é muito legal
compartilhar
nossas maneiras
de ler. E por isso que não deixo de te escrever. Espero resposta e sugestões de leitura. Um abração, Rosa Maria.
Querida
Elzinha,
Vinte e cinco anos e ainda continuamos a tecionar! Amor e labor! Aliás, estou te escrevendo pra contar algumas peripécias da aula de leitura de uma 3sèrie que peguei este ano. Fãs de carteírinha, eu e eles, dos contos de fadas, escolhemos ler os Contos Je Grimm. A escolha nâo foi sem motivo, pois, como dizia Francisco Auélio Ribeiro, nosso mestre do magistério: duzentos anos encantam crianças, jovens e adultos
"Esses contos há quase
com
suas histórias menos
moralistas que as fábulas, mas que cativam pelo imaginário de um mundo em que os fracos vencem, os bons são premiados e os maus castigados. Se na realidade isso não ocorre, não são as histórias que estão erradas, mas o mundo em que vivemos". Sabe, Elza, acho que o grande segredo do sucesso dos contos de fadas é exatamente esse lado de apresentar um mundo mágico, no qual, felizmente, as coisas dão certo.
Vou te contar como li algumas das histórias deste livro.
Selecionei O pobre e o rico, Os músicos de Bremen e Pequeno Polegar. Iniciei uma jornada de leituras que durou três dias (um dia pra cada história). Reservava um tempo da aula pra leitura oral dos textos, feita por mim, daquelejeito que a gente aprendeu no Curso Normal, com bastante entonação e emoção! No meio da leitura, ia fazendo pequenas paradas e perguntava o que estava acontecendo nos momentos
importantes
das
histórias.
Depois pedi a eles que separassem a história em très momentos — inicio,
meio, fim — e verificassem como os heróis da história ficavam em cada um deles. com um pouco de ajuda, logo eles percebiam um primeiro momento positivo, no qual tudo estava bem; logo depois, um momento negativo, no qual as coisas se tomavam complicadas para o herói e, no final, um momento ainda melhor que o primeiro, no qual o herói terminava, de alguma forma, premiado.
como
sempre,
fui à lousa e esquematizei tudo isso pra eles. Terminados os tés dias, pedi, no 4Q dia, que os alunos relembrassem as três histórias e então questionei a razão de os personagens terem superado suas dificuldades no final da história. Não foi difícil que eles chegassem à conclusão de que isso tinha acontecido por causa das qualidades desses personagens (inteligência, astucia, bondade). Além disso, ficou bem claro pra eles a diferença entre esses personagens e seus opositores. Foi muito legal essa experiência e acho que as histórias falaram às crianças sobre sentimentos que estão muito em falta hq/e em dia. Li esses contos com eles como leio as histórias que escolho pra eu len vendo sempre o que podemos aprender com eias. Assim, as aulas de leitura são um bom caminho pra gente cumprir nossa missão de professoras, você não acha? Um abraço com muita saudade, Francisca.
Oi, Lilian! E muito bom agente ter uma companheira pra confabular de vez em quando sobre o que fazemos em sala de aula. Outro dia, li um livro tão legal que precisava te falar dele. Aliás, não fui só eu que o achei legal. Jane Paiva, uma professora de literatura da faculdade daqui, ao comentar sua leitura de A mãe da mãe da minha mãe, texto escrito por Terezinha Alvarenga, diz ser este um texto e
quase
se
configura
como
um
clássico
na
área
"extremamente atual da
literatura
infantil.
A temática que aborda — a relação de uma bisneta com sua bisavó —, vista pelo olhar pequenino da criança e sua geração, configura assunto sempre renovado no conjunto
da
literatura
infantil".
Percebi que muitos textos que havia lido com meus alunos falavam de situações semelhantes às da protagonista (Chapeuzinho Vermelho, dosGrimm, e Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque). Lembrando dessas histórias, fiquei pensando como ler este texto.
Pulularam algumas idéias e não pisquei duas vezes para pô-las em
prática. Os alunos, em círculo, escutaram a leitura que fiz. Depois de ler a narrativa, pedi que descrevessem as ilustrações. Não é que eles observaram o tamanho das passagens que têm as portas da casa? No começo eias são largas e, a cada página, tornam-se estreitas. Eles logo perceberam que o caminho da menina estava ficando cada vez mais estreito, mais difícil, assim como estava sendo difícil en-
contrar uma pessoa estranha, como a Bivó. Nesse ponto, perguntei a eles seja tinham tido medo de alguma coisa que não conheciam. Choveram respostas (o tio do Mato Grosso, o irmão que ia nascer, ete). Ao chegar às páginas 10 e 11, eles notaram que a menina tinha chegado ao fim do grande túnel que se fomiara com a superposição das portas. Era o momento mais forte do medo e da história, mas, pra alegria de todos, nada de grave aconteceu, só o encontro bisneta/bisavó. Nas duas páginas seguintes, suqiiu o lance mais legal da aula: nas páginas 12 e 13 pedi que prestassem atenção ao diálogo entre bisavó e neta. Imediatamente, lembraram do diálogo do Lobo com a Chapeuzinho e,
assim, puderam entender melhor os sentimentos da menina na-
quela situação. As leituras que as crianças já fizeram no passado sempre ajudam a
entender melhor as leituras do presente! Por fim, a classe percebeu que as imagens que a menina tinha construido da
Bivó não eram verdadeiras. Depois de encarar o medo de frente (bivó desconhecida), só sobrou mesmo foi afeto pra todo lado. história! Abraço, Soraya.
como
nós, vocês vão amar essa
Olá, Vitória, Lembra daquele livro que você me deu, A moeda de ouro que o pato engoliu, da
Cora Coralina? Utilizei-o com minha turminha da 4* série, pensando num comentário da professora que disse: forma estética aos falares que caracterizam o Brasil. A riqueza metafórica da linguagem popular, sua sonoridade e plasticidade (...) o conto é
uma
excelente
entrada no universo da autora, apontando excelentes caminhos para o tratamento da variação lingüistica". Quando li este livro, falando da gente de Ferreiro, lembrei na hora de um livrinho que eu tinha lido lá na cidade de Umuarama. Era um livro feito para contar a história da cidade, de onde tinha vindo o seu nome, as pessoas que tinham chegado lá primeiro, ete. Foi dai que eu pensei em fazer algumas atividades na minha sala de aula. Primeiro disse aos alunos que a gente ia ler uma história sobre uma região diferente daqui do Paraná. Juntei todo mundo ao redor de mim e fui lendo a história. Chamei atenção dos alunos para quatro momentos importantes:
1) a festa em
Ferreiro; 2) o desejo de fazer um almoço gostoso para o padre; 3) a moeda encontrada no pato que seria servido ao padre (quem seria o dono da moeda); 4) a explicação de como a moeda foi parar na moela do pato. comentados esses momentos do livro, pedi para o Marcelo ler a página
12,
na qual está a faia de dona Maria do Morro. Eles não entenderam algumas palavras como vassuncêis, turneando, descome, morre na espremedeira. Expliquei o significado delas e trabalhamos as diferenças de falas que existem não só entre as regiões, mas também entre as pessoas de uma mesma região. Pensando nisso, pedi que eles escrevessem uma carta para uma amigo como se estivessem conversando com ele.
comparamos
algumas cartas com uma carta oficial que a escola tinha
recebido do núcleo. Todos perceberam que cada situação exige um tipo de linguagem
diferente. Outra atividade legal foi baseada na página 5 do livro, na qual o menino
conta sobre a festa de Ferreiro. Pedi que as crianças fizessem uma pesquisa com seus pais ou parentes sobre as festas populares da nossa cidade e depois as descrevessem. alunos.
Eias são mesmo animadas,
Você precisa conhecê-las!
Abraço, Márcia
Auélia.
como
contam muitas redações dos
Cara Nice, A escola vai bem e acabamos de receber um acervo muito legal de livros. A propósito deles, li com minha classe O Rei de Quase Tudo, escrito e ilustrado por Eliardo França. Este livro, corn seu personagem Rei, fez-me recordar das histórias de fadas e reinos encantados nas quais os reis quase nunca tinham outro papel a não ser o de ser rei, o dono do reinado a quem todos respeitavam.
Lembra?
Cinderela, Branca de Neve... Pensando nesses reis, achei o Rei de Quase Tudo muito diferente. Ele é um rei, mas pensa como uma pessoa comum, ou melhor, como uma criança, e daquelas egoístas que gostam de ter tudo para si. Engraçado é que não é só criança que é assim não... Partindo desse lado da história, observei um aspecto do livro com os meus alunos da 2- série: o motivo da tristeza do rei. Fui interrogando a classe e discutindo com eles algumas perguntas que levaram ao tema do autoritarismo do rei: ora, se ele tinha quase tudo, por que não era feliz? como o rei pensou que ficaria feliz? Depois de aprisionar as estrelas, o Sol, as flores, ele conseguiu ser feliz? A partir desses e de outros aspectos, tentei traçar um paralelo entre a vida do rei, sua forma de ser e a das crianças. Foi uma ótima maneira de introduzir uma reflexão sobre a felicidade! Só como dicas, aqui vão algumas perguntas que ajudaram na aula: é possível a alguém possuir todas as coisas? Há coisas que não se podem
comprar?
Que
coisas sào essas? Então, como podemos fazer para ter essas coisas? uma atividade legal foi "a minha vida de rei". Foi quando pedi aos alunos que contassem uma situação da vida deles em que tinham agido como o rei da história, de forma bem egoista e mandona. Acho que eles conseguiram entender, como o rei, que "em liberdade, cada coisa pode ser em plenitude e, assim, estender sua plenitude a todos", como bem minha
comentou
Elisabeth Vasconcellos, professora da
especialização.
Este texto fez-me lembrar uma outra história que talvez você também conheça, O Reizinho Mandão, de Ruth Rocha. como o Reizinho Mandão, o Rei de Quase Tudo utiliza seus poderes de forma muito autoritária, o que faz o texto recair também na temática do poder. A esse propósito, procurei trabalhar as relações de poder que circulam no universo mais próximo de meus alunos (familia, escola, cidade), associando tal discussão à questão da liberdade x autoritarismo evocada no texto de Eliardo França. autoritarismo! Acho Um abração! Vera
Puxa,
bom a gente
você nem sabe
tomar cuidado...
como
eles percebem o
Cara
Sulamita, Quando a gente se viu pela ùltima vez naquele curso de aperfeiçoamento do
Nùcleo, falava-se sôbre inserir a criança na realidade social, sôbre escola/sociedade, lembra? Semana passada, li com meus alunos um livro e com ele vimos algumas coisas desse tipo. Escrito por t/és autores, Jô Azevedo, Iolanda Huzak e Cristina Porto, Serafina e a criança que trabalha deu o que falar na classe! Pra você ter uma idéia do texto, repito as palavras da nossa coordenadora. Graça Monteiro e Castro, que o considerou "um livro informativo, escrito especialmente para informar as próprias crianças sobre o grave problema do trabalho infantil, não só no Brasil como em diversas partes do mundo". O que eu achei superlegal no livro é que ele tem a ver com meu passado de leitora. Quando criança, quase nunca ou nunca li um livro que falasse de algo de nossa realidade de uma forma tão interessante! O livro tem fotos, histórias verdadeiras e, o mais legal, mostra como podemos ajudar na defesa dos di mitos das crianças, bem diferente de A pequena vendedora de fósforos, uma história que lia na minha infância e que falava de tema parecido. Só que a menina vendedora de fósforos morria de fome e de frio bem na noite de Natal, sem sequer sonhar com direitos da criança e do adolescente! Novos tempos, novas leituras! Depois de
ler
o livro, classe dividida em
sete grupos, cada um deles ficou responsável por bolar a história de uma das sete
crianças apresentadas no livro. Só que eles não só contaram como era o trabalho das crianças
como
também criaram uma personalidade pra cada
uma
delas;
imaginaram como seriam a sua vida, seus sonhos, suas tristezas, etc. No final, um grupo de alunos apresentou, com base no livro, as organizações que se preocupam em acabar com o trabalho infantil, mostrando como é importante as pessoas se conscientizarem disso. uma outra atividade que deu certo e que os fez crescer muito foi localizar crianças que trabalhavam, entrevistá-las e discutir isso com a família.
como
até
aqui em Iporã há crianças que vendem coisas pelas ruas e pedem pra cuidar dos carros, eles viram, por si próprios, como a realidade apresentada no livro Serafina e a criança que trabalha era muito mais próxima do que imaginavam. Sabe, Su fa, acho muito bom que os livros enfoquem essas questões. Se você tiver oportunidade, leia este livro com seus alunos. Tenho certeza de que todos vão gostar. Um abraço e até o próximo curso do Núcleo! Cilene.
Oi Celina! Quando a gente estava na faculdade de Letras, lá em Umuarama, a matéria que mais me encantava era a poesia. Há versos que não nos saem da memória. Logo, concordo plenamente com uma professora de literatura aqui da cidade, a Laura Sandroni, quando diz que Televisão Ja bicharada, livro de poemas que acabei de ler, "é indispensável ao trabalho com crianças de 1* a 4ã séries, pois proporciona a aproximação com o sentido mágico das palavras, que se tocam, que se ligam, pela rima, pelo ritmo, pelo som que Sidónio Muralha imprime a cada urna delas". Já que as rimas e o ritmo do poema são os principais elos que nos fazem lembrá-los, quando li esse texto com meus alunos dei ênfase a esses aspectos. Lia, no máximo, dois ou t/ês poemas a cada dia. Algumas brincadeiras despertaram as crianças para as
rimas
e para o ritmo.
Veja, por exemplo, o que fiz com o poema "Historieta ". Pedi aos alunos que copiassem o texto em um caderno e utilizassem sinais (circulo, quadrado, etc.) para cada tipo de rima que acontecesse no poema. Depois, eles leram cada conjunto de rimas encontrado (só as palavras dos sinais de circulo, por exemplo). também uma lista
com
rimas
Fizeram
criadas por eles. Imagine as palhaçadas que saí-
ram! Depois disso, fizemos uma leitura
"musical" do poema. Escrevi o texto no
quadro e pedi para as crianças sentarem-se em forma de circulo.
Expliquei que
todos leriam o poema, acentuando as silabas fortes (tônicas) com palmas: ira uma vez/uma cabrinha/ montés/ que tinha/ tinha/ um rabinho/ curtinho. Mo começo, fizemos mais devagar, e depois, um pouco mais rápido, percebendo o ritmo binário (1,21,2).
Eles simplesmente amaram! Depois de
sentido(s) do poema.
trabalhar o ritmo,
Para isso discuti algumas perguntas: por que
trabalhei o(s) "Historieta"?
Sobre quem é a história? O que tinha a cabrinha de diferente ou engraçado? Nesse momento,
fiz
uma
ligação com o ritmo, pois as palmas (ritmo binário)
mostram que o movimento do rabinho estava sendo imitado no poema. como "Historieta", li com eles outros poemas do livro de Sidónio Muralha e assim não foi difícil que, juntos, as enancas e eu, percebêssemos que as rimas, o ritmo e as palavras são elementos que se interligam para que a gente possa dar sentido a um poema.
Tomara que sua classe possa descobrir que a poesia está
mesmo na vida, basta saber enxergá-la, como o fez Sidónio Muralha ao olhar de forma tão brinca fhona pro mundo da bicharada! Abração, Natalina.
Oi Eliane! Escrevo pra falar sobre um livro muito legal que li recentemente. Chama-se A última flor amarela, escrito por Caulos. A predominância do cinza incomodou-me, ainda mais por ser um livro pra crianças. No entanto, compreendi que as imagens e as cores diziam tanto quanto as suas palavras. O texto também faz pensar em termos de humanidade, como propôs a resenha de jornal feita por Francisco Aurélio Ribeiro: "A última flor amarela pode ser um excelente ponto de partida para a discussão da realidade em que vivemos, a relação do homem com o meio amblente . Nesse momento, lembrei-me de outros livros que lia, principalmente em minha adolescência, tais como Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, Diário de Anne Frank ou a Revolução dos bichos, de George Orwel. Acho que essas memórias de leitura me ajudaram a pensar a leitura de A última flor amarela na sala de aula. Primeiro, li o livro com tôda a classe. Pedi que os alunos se colocassem da melhor maneira para que pudessem ver as ilustrações. Depois pedi a alguns alunos que lessem o texto em voz alta. No final dessa segunda leitura, o livro circulou entre todos. Então, eu pedi que eles dividissem a história em partes. Eles sugeriram seis partes. Então, dividi a sala em seis equipes, que explicaram cada divisão proposta. uma das partes sugeridas foi do início até a chegada ao parque. Nesse trecho, eles perceberam que a idéia central era representada pela caracterização
do homém que, de temo e gravata, seria um advogado de mal com a vida, preocupado só em ganhar suas ações. Trabalhadas as idéias de cada divisão proposta, fizemos uma leitura das ilustrações e de suas cores. Eles falaram sobre o que o cinza significava para eles, e ainda notaram que o homem era cinza. Puxa, eles viram coisas que nem eu tinha visto! O colorido do parque foi visto como o colorido da vida; a natureza, as coisas boas que curtimos. O amarelo eles interpretaram como a flor que renasceu, simbolo da teimosia daqueles que insistem em acreditar que ainda há uma saida para o homem. No final da aula, colocamos no quadro as várias idéias que os tiés personagens da história (homem, parque,
flor) tinham significado pra nós.
Quantas idéias...
Então, percebi que ler em grupo é tão interessante quanto ler sozinho. Tomara que essas atividades também ajudem seus alunos a se descobrirem
como
leitores e
que, com este livro, entendam melhor nossa relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Um bei/ão, Lívia.
Oi
Amalia! Hoje, arrumando uns livros lá na escola, lembrei-me dos meus cinco ou seis
anos, ¡dade em que ainda não sabia ler. Segundo as regras do alfabeto, é claro, porque
"adivinhava " todos os significados dos cartazes,
faixas ou propagandas
que via à minha frente. Lembrei-me ainda que, nas viagens de carro, minha mãe brincava comigo e com meus irmãos, criando uma competição para ver quem acertava o que estava escrito nas placas, propagandas e marcas de sinalização com que cruzávamos. Acho que essa atividade de
"adivinhar ou inventar" é uma
curtição para a garotada e que poderíamos aproveitá-la muito bem em nossas aulas de leitura.
Semana passada, por exemplo,
li um livro muito interessante,
Victor e o jacaré, de Mariana Massarani, que trabalha exclusivamente com imagens. como disse Maria José Nóbrega, minha colega aqui da escola, livro delicado que permite ao leitor realizar,
com
"trata-se de um
bastante clareza, a leitura da
seqüência narrativa e inferir a temática do conflito". como o texto é construido com imagens, desenvolvi com minha classe atividades que estimularam a criação de uma linha narrativa para o livro. Pedi aos alunos que se sentassem em círculo, de maneira que todos pudessem ver o livro. Ainda sem folheá-lo, fiz algumas peqiuntas sobre seu conteúdo, sobre os personagens, quem eram eles, ete. Num segundo momento, mostrei a eles a primeira página e disse-lhes o
nome da historia.
Em seguida, iniciei a leitura pedindo que todos prestassem
atenção às ilustrações e que tentassem falar o que estaua acontecendo em cada seqüência de imagem. Puxa, é um barato quando eles pegam um detalhe que você nem tinha notado e falam um montão de coisas sobre ele. O Pedro, da 1*C, criou uma história inteira sobre a página 10, quando Victor vai à natação com o jacaré. Foi demais! Ao chegar à página
11, pedi às crianças, sempre de forma coletiva,
para falarem sobre a amizade entre Victor e o jaca ré. Nas páginas 12 e 13, dei um pouco
mais
de tempo para que os alunos pudessem perceber a introdução do
conflito. No restante do texto, eles continuaram a
"inventar" verbalmente a histó-
ria a partir das ilustrações. No final, conversamos um pouco sobre a preservação dos animais selvagens em seu habitât natural. A esse propósito, pedi que as crianças conversassem com seus pais, recontassem pra eles a história que tinham lido na esco/a e fizessem uma pesquisa com os pais para saber o que eles pensam sobre a relação deles com a natureza. Estou curiosa pra ver as respostas.... Escreva pra contar as novidades de sua escola! Beijos, Cláudia.
Professor
Carlos,
OH Meu nome é Karina e tenho dez anos. O senhor nâo me conhece, mas a minha professora, a D. Caria, foi sua aluna no curso de Letras. Ela fala muito do senhor, dizendo que foi o melhor professor dela e que ela ensina um montão de coisas que o senhor ensinou pra ela. Na outra semana, ela apareceu na classe com um livro. Um livro só de imagens, sabe? O nome era A bruxinha atrapalhada, de Eva Furnari, e tinha um monte de histórias de bruxinha. Superbonito! Depois que a gente olhou as imagens, D. Caria pediu pra gente escrever a história, inventando nomes para as personagens, mudando o nome da história, se quisesse. A gente até podia entrar também na história. Foi superlegal. Ai, ela disse pra gente escolher um pedacinho da história que escreveu e mandar para o senhor. Aqui vai o pedacinho da minha história. Eu dei o nome A tartaruga que virou banquinho Je alcançar maçã. Espero que o senhor goste. Se o senhor gostar, depois eu mando o resto, combinado? Um belo dia, eu estava passeando tranqüila, mas o sol estava muito forte. comecei a procurar uma árvore para me refrescar do calor. Quando estava chegando perto da árvore, percebi que uma linda bruxinha, tôda sorridente e fa ladeira, acompanhada de seu gatinho, vinha na mesma direção. Fiquei escondida atrás da árvore. Observei. Ela ficava pulando, tentando alcançar uma maçã, mas não conseguia. O gatinho morria de dar risadas: "Aumenta o salto da bota, Transformilda!"
Xiii! Eia me viu. -- Tenho uma idéia muito melhor. Olhou pra mim. Ai! Que idéia? — Salamim, pim pimr
transformim
tartaruguim em banquim...
Da aluna Karína — 4* série 3. RS.: Mestre,
esta atividade aconteceu graças à coletânea sobre literatura
infantil, organizada por você, onde se encontra o ensaio de Eleonora Cretton Abi/io a respeito de Eva Furnari: "Suas histórias são mudas e breves, mas nunca deixam de significan mostram seqüências ricas, intercaladas de espaços vazios, para que o leitor complete seu sentido". Um abraço!
Rosana, Li com grande alegria Berimbau e outros poemas, de Manuel Bandeira. Concordo com o texto de Vânia Resende, que você enviou com o livro: "A seleção de Elias José foi criteriosa ao recolher textos que têm o traço definidor do poeta — o lirismo — que perpassa a poetízaçào do cotidiano, de matérias folclóricas, de flagrantes humorísticos, da infância (brincadeiras de rua, acalantos, bichos de estimação), como também o senso fantástico que preside a concepção da verdadeira poesia". E foi pensando em tudo isso que resolvi poetizar o cotidiano da minha 3série. Criei o projeto "Todo dia é dia de poesia". Apresentei o livro para as crianças, contei que foi escrito por Manuel Bandeira e ilustrado por Marie Louise Nery.
Todo
dia, iniciava a aula escrevendo uma poesia do livro no quadro-negro para eias copiarem. Depois de a classe ler oralmente várias vezes, até se familiarizar com as palavras e com o ritmo do poema, cada aluno desenhava a poesia da maneira como imaginava o lugar retratado pelo poeta.
Em seguida, mostrava e explicava
seu lugar imaginário. Eu só exibia as ilustrações do livro depois de concluida a atividade. Explorávamos o ritmo e os sons do poema no próprio corpo (boca, mãos, braços, pernas, pés, ete) e nos objetos da sala (cadeira, lápis, estojo, régua, etc.).
A garotada descobna baruihos e movimentos incríveis que reproduz/am os ruídos de vários animais, crianças, camelôs, trem de ferro, etc., presentes nos poemas. O terceiro momento era o de conversar sobre o tema do poema. Incentivava as crianças a expressarem suas emoções por escrito. A aula ia se colorindo, ganhando vida. O projeto foi ampliado para todas as séries de nossa escola. Depois de Manuel Bandeira, lemos Cecilia Meireles, Vinícius de Moraes, Sidónío Muralha e outros. A presença da poesia na aula contribuiu para uma visão mais sensivel e imaginativa das crianças. Confesso a você e a mim também: fã/tava a magia da poesia em minhas aulas. Um superobrigado pela dica. Leda.
Waldir, Essa é uma carta escrita a seis mãos, todas femininas. E para relatar nossa extraordinária experiência com Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. O livro nos atraiu de imediato pelo titulo, pela capa e pelas ilustrações em preto e branco, de Regina Yolanda, que retratam objetos, mobiliário e vestuário de um outro tempo. O artigo de Rosa Cuba Riche, que veio com a obra, contribuiu para nos convencer da aventura que teríamos pela frente: "Um olhar feminino investiga seu tempo, recuperando fatos, antecipando sonhos, unindo os fios da existência aos fios da História, questionando os papéis sociais do homem e da mulher, o lugar da escola,
'ainda amarrada ao passado', passando a limpo hábitos, costumes e valo-
res". Lemos o livro conjuntamente em duas reuniões de HTP (Hora de Trabalho Pedagógico).
O texto nos fez pensar sobre a história de nossos antepassados,
nossa história e a história que queremos para nossos filhos e netos. As atividades flu i ra m da própria leitura do texto e da nossa troca de idéias. Durante oko dias, resgatando o antigo hábito de contar histórias de nossas bisavós, sentávamos em circulo e liamos um capitulo do livro com os alunos das 4a* séries; logo em seguida, eles
comentavam
o que tinham entendido da história.
Propusemos aos alunos que fizessem dois trabalhos de pesquisa. Primeiro,
entrevistar t/és gerações diferentes: mãe/pai,
avó/avô,
bisavó/bisavô (quem não
tivesse, podia ser com outras pessoas mais velhas da família ou da vizinhança), resgatando suas histórías de vida e ouvindo suas opiniões e conselhos sobre vários assuntos (namoro, casamento,
comportamento,
ete). Segundo, trazer fotografias
e objetos dos entrevistados para uma exposição que faríamos, no final das atividades, aberta a toda a comunidade. Os roteiros das entrevistas foram elaborados pelos próprios alunos, com nossa orientação.
Feitas as entrevistas, pedimos que os alunos escrevessem suas
próprias opiniões sobre os assuntos que
foram perguntados aos entrevistados.
Todas as entrevistas e as opiniões foram lidas e discutidas em sala.
O passo
seguinte foi selecionar algumas falas dos entrevistados para transcrever nos cartazes que seriam expostos na escola, a fim de preparar o público para a exposição. comparados passado e presente,
faltava ainda falar do futuro. Solicitamos
aos alunos que pensassem como seria o mundo de seus netos e o de seus bisnetos. No começo, assim como a personagem Bel, eles se assustaram em conversar com o futuro, mas depois divertiram-se, inventando coisas do futuro, percebendo, como os alunos do livro, que "o mundo pode melhorar um pouquinho com cada um". A exposição "Resgatando nossa história" foi o belo fecho de todo o trabalho. Convidamos os entrevistados para ajudarem na montagem e nas legendas das fotografias e dos objetos que haviam emprestado. A escola ficou parecendo um museu, no qual o passado dialogava com o presente. O projeto foi um sucesso. Além de possibilitar aos alunos recuperar o passado, redimensionar o futuro e conviver consigo mesmos no presente, envolveu e trouxe tôda a nossa
comunidade
desejar? Mari lice, Irísneíde e Tânia.
para dentro da escola. Que mais poderíamos
Querida Eide, Sm nome da escola, agradeço a remessa de A casa da madrinha, de Lygia Boj unga Nunes, e da resenha da professora Regina Zilberman, que diz: "Tratase de urna 'narradva de viagem', em que o tema da busca està presente, pois Alexandre, o protagonista, procura chegar à 'casa da madrinha', sintese de seu ideal e de sua visão de uma sociedade perfeita ". A obra não foi somente incorporada ao acervo de nossa biblioteca,
como
também à nossa
"maleta" de trabalho, enriquecendo
toda a comunidade escolar. A autora possibilita discutir, por meio da criação de personagens e de situações que misturam o universo da fantasia com o da realidade, muitos problemas da infância e da adolescência: a criança trabalhadora e a evasão escolar, as relações familiares, as relações escolares, a amizade, o amor, o medo, a auto-afirmação, as desigualdades sociais. Ah! e a descoberta da sexualidade. Após a leitura, propus aos a/unos discutirem duas questões: "O que Alexandre busca quando deixa a vida de vendedor na praia e a favela, para ir à 'casa da madrinha'?" e "O que os
companheiros
encontrados na viagem representam na
história e para cada um de nós?" Os alunos finalizaram a atividade relatando as dificuldades encontradas para pluralidade
concretizar
uma
busca pessoal.
Foi incrível a
de significados suscitada pelo texto!
Houve certa unanimidade sobre o sign ifrea do de duas personagens: a pro fes-
sora da maleta e o Pavão. Os alunos observaram que a professora foi demitida porque, com seus pacotes coloridos, incentivava seus alunos a aprender com alegria e inventividade. Já o Pavão não conseguia pensar direito. A escola que freqüentou, a OSARTA, atrasou o seu pensamento: os cursos Papo, Linha e Filtro deixaram o Pavão com o pensamento
"pingado", apesar das suas resistências.
Durante as discussões, alguns alunos fizeram relações entre a personagem professora e algumas/alguns professoras(es) que passaram por suas vidas. Lembrei-me das sugestivas palavras de Jane Paiva, nossa coordenadora, ao terminar de ler a obra: "Que excelente oportunidade para os alunos e professores refletirem sobre as relações escolares a autora nos proporciona!". Não resisti. Resolvi aprofundar o problema e ampliara discussão na escola.
Em outro momento,
a partir do que foi percebido na leitura dos alunos sobre a professora da maleta, em contraposição à experiência do Pavão, pedi que cada aluno produzisse um texto de memória escolar, relatando as experiências de duas/dois professoras(es), com nomes ficticios, que marcaram a sua vida: uma experiência boa e uma rúim. Essas redações foram lidas e discutidas primeiro com os alunos, depois com todo o corpo docente e com a coordenação da escola. A experiência foi estendida para outras séries da escola e fomeceu-nos muitos elementos para refletir e repensara nossa prática no processo de ensino-aprendizagem.
Foi uma experiência muito
rica. Abração da Célia. P.S.: Um aluno perspicaz quis saberá que galo o texto se referia no trecho "operação que fizeram num certo galo de briga: costuraram o pensamento dele" (p. 26). Expliquei que era Terrível, personagem de A bolsa amarela, da mesma autora, e aproveitei para sugerir esse livro como leitura extraclasse.
Cara La i Ida, Quem disse que as idéias não movem o mundo? Só mesmo uma obra como A fada que fi nhá idéias para fazer-m e percebero quanto sou "careta". Nas palavras da comentarista, Fátima Miguez,
"o livro de Fernanda Lopes de Almeida tematiza
(...) o famoso conflito de gerações a promover a discórdia entre o velho e o novo. O próprio gênero, conto de fada, oriundo dos tempos arcaicos, é transformado pela proposta intertextual da contemporaneidade.
Esse tema sugere para o leitor uma
reflexão em tomo do poder transformador das invenções e da importância de cada um ser sujeito de suas opiniões". Identifíquei-me de ¡mediato com a Rainha das Fadas;
comparei
o ensino
recusado pela protagonista Clara Luz no "Livro das Fadas " com a utilização que venho fazendo dos manuais didáticos em sala de aula. Muitos alunos não conseguiam ir adiante nas lições e eu achava que eles tinham problemas de aprendizagem e de disciplina. Agora descobri que esses alunos, assim como Clara Luz, queriam abrir horizontes e eu os impedia, mostrando um horizonte único. Percebi que, paralelamente ao livro didático, posso usar outros materiais e inovar as minha aulas. Puxa, é difícil admitir e confessar tudo isso! Mas cheguei ao final da narrativa com vontade de rever minhas práticas, ou melhor, acho que já estou diferente: mais alegre e menos ranzinza. Incorporei em minhas aulas várias maneiras de
Clara Luz aprender brincando e experimentando: subvertí as tradicionais receitas dos livros didáticos, abri espaço para as invenções dos alunos,
comecei
a ouvir
suas opiniões sobre os assuntos discutidos e agendei excursões a vários lugares diferentes para mostrar as coisas. Adotei a teoria de Clara Luz para explicar o mundo em que vivemos: "Quando alguém inventa alguma coisa, o mundo anda. Quando ninguém inventa nada, o mundo fíca parado". E os meus alunos, identificados com a protagonista da história, que foi lida e discutida com muito interesse pela turma, começaram a inventar coisas novas para continuar fazendo o mundo andar, sempre para melhor, è claro! Transformamos a história em teatro de bonecos, que foram confeccionados pelos alunos com a ajuda da Irani, professora de Educação Artística. Discutimos também as diferenças entre Clara Luz e as outras fadas dessa narrativa e de narrativas tradicionais.
Outra professora começou a
perceber as diferenças na minha postura e me indicou o filme Sociedade dos poetas mortos, a que assisti e de que gostei muito. Estou com uma sede enorme de outras obras literárias e filmes que tematizem a relação entre a escola, o professor e o ensino.
Você poderia me ajudar?
Aguardo ansiosa suas indicações. Cidinha.
Raquel, Você sabe que sou apaixonada por todos os meninos inventados pelo Ziraldo: o maluquinho, o mais bonito do mundo, o marrom, o quadradinho e tantos outros. Mas este ùltimo, que voce me enviou, superou todos. Mostrei o livro para tôda a nossa equipe escolar. No dizerda coordenadora Rosa Cuba Riche: "Menino do rio doce é um mergulho no imaginário coletivo brasileiro. O menino nasce junto com o rio de sua aldeia, nele habita e dele todos retiram o próprio sustento ". Li e refi o livro várias vezes. Queria muito utilizá-lo em sala de aula, mas só conseguia contemplar emudecida as palavras e as imagens bordadas.
Ve repente,
tive uma idéia: ler a história para os alunos do magistério e sugerir que elaborassem um plano de aula, propondo atividades de Ia a 4ã séries baseadas na obra e nos Parâmetros Curriculares A/acionais. Precisei ler o livro várias vezes, não porque eles não tivessem entendido, mas porque pediam bis: queriam navegar no fluir e nas profundidades do rio de Ziraldo. As ilustrações,
delicadamente bordadas pelas mulheres da família Dumont sobre
desenhos de Demóstenes, foram muito disputadas pelas mãos e olhares curiosos. Também comentei a percepção de Nilma Gonçalves Lacerda, diretora da escola, segundo a qual "as brincadeiras infantis, a observação do que o rio leva e traz, o espetáculo de contemplação que oferece, os monstros que podem habitá-lo, tudo
isso cria o elo inquebrantável entre homem e natureza, construindo o respeito do homem para com o rio". Os resultados foram surpreendentes. A maior parte dos planos de aula procurou relacionar a temática da identidade com o tema transversal "Meio Ambiente".
Vou mencionar, resumidamente,
algumas atividades propostas e discutidas
pelos futuros educadores: comparar a vida do menino com a vida do rio; discutir o que o rio representa na vida de cada um; produzir um texto a partir da frase "Se eu fosse rio, eu... "; relatar lembranças da presença de algum rio na história de cada um; inventar uma conversa cheia de segredos com o rio; comparar o movimento do rio com o percurso de nossa existência: de onde vim?para onde vou? quais os meus mistérios?; desenhar o rio imaginado;
comparar
o rio doce do
menino com a poluição do rio da nossa cidade; escrever uma história a partir das ilustrações do texto; pesquisar as atividades humanas ligadas ao rio; resgatar os mitos da água doce (Iara, Cobra-Grande, Vitória-Régia, Boto, ete.) e as histórias de pescadores; descobrir todas as coisas que existem no rio; levantar dados sobre o rio que existe na cidade; construir uma maquete do rio que temos e outra do rio que queremos, utilizando material de sucata... Aprendemos todos juntos que as dificuldades da vida são resolvidas melhor de maneira coletiva, adotando posturas de respeito ao meio ambiente e desenvolvendo a afetividade do homem para com a natureza; que precisamos enfrentaros obstáculos em nossa trajetória, pois "a curva é a vitória do rio", conforme nos ensina o livro de Ziraldo. Um abraço bem apertado da Laura.
Célia, Já conhecia Noções de coisas, de Darcy Ribeiro, mas é sempre bom contar com mais um exemplar em nossa biblioteca. Gostei muito dos
comentários
que você
anexou ao livro. O primeiro, de Nilma Gonçalves Lacerda, diz que o autor "parte de um livro que teria sido escrito por Rui Barbosa, um grosso tratado intitulado Lições de coisas, para desconstruir os saberes acabados, fechados em si mesmos, que alguns indivíduos céem poder ensinar aos incautos".
E digo
mais:
Darcy fala de
coisas extremamente sérias em tom de brincadeira para nos fazer pensar melhor. O segundo
comentário,
de Ninfas Parreiras, é tão filosófico quanto o livro:
"Tanto texto como imagem deixam espaços em aberto para o leitor construir suas noções, como um observador e um coadjuvante do processo de aquisição do conhecimento. A leitura, tanto do texto como da imagem, conduz o leitor às perguntas que Kant formulou para sua filosofia:
'O que posso conhecer? O que devo
fazer? O que me é permitido esperar?'— questões que são básicas para a compreensão da vida e para a construção do lugar de cada sujeito na sociedade". Alguns professores dizem que este livro é para jovens,
não para crianças,
mas eu acho isso uma grande bobagem. Já o utilizei com alunos de sete a onze anos e também com adultos. Colegas minhas usam-no no ensino médio e no magistério. Quer saber como eu fazia? Geralmente eu lia para os alunos os textos do
Darcy e agente conversava sobre o assunto. Nunca segui o livro todo. Lia a "noção " que combinava com o assunto que agente estava discutindo: Brasil, meio ambiente, higiene,
alfabeto,
comparava a
indios,
civilizados,
números,
doenças,
ete.
Depois, a gente
"noção " dada pelo escritor e pelo ilustrador com a "lição " dada por
outros textos didáticos. Na época o Darcy Ribeiro ainda era vivo e eles achavam legal ver o "cara " do livro na TV. Sobre as ilustrações de Ziraldo, explicava as várias técnicas utilizadas: pintura, desenho, cartum, colagem e as letras do inicio de cada capitulo (as capitulares, que desempenham a função de pontuar o texto). Por meio de alguns exemplos, mostrava que, assim como o texto, a ilustração exprime valores culturais. Também pedia para os alunos observarem todos os detalhes da ilustração a fim de perceber a ludicidade presente na maneira de Ziraldo representar os seres e as coisas. Eles moniam de rir com os desenhos. Imitavam a careta do Einstein. Ficavam intrigados com o
"Conselho"sem ilustração, depois descobriram que é porque o
autor não quer dar nenhum conselho, só o de não ser levado a sério, nem se tomar
exemplo. Gostaria muito de achar um exemplar do livro de Rui Barbosa, Lições Je coisas.
Sei que foi um manual de leitura muito usado no fim do século XIX e no começo do XX. Se você souber onde posso conseguir, por favor, me responda o mais rápido possível. Beijos da Flávia.
Vitória,
minha amiga,
A leitura do livro 0 que fazer? Falando de convivência, de Liliana e Michele lacocca, me fez lembrar da época em que comecei a ler, vendo as imagens das histórias em quadrinhos que meu pai comprava numa banca de revistas usadas na feira onde trabalhava. Adorava olhar aquelas imagens coloridas e inventar a fala das personagens. Mas também gostei do livro por outros motivos.
Por exemplo, pelas qualida-
des apontadas por duas resenhas que li no jornal. A de Fátima Guedez enfatiza: "Desenvolve senso crítico,
bom-humor e ¡nteligência" e a de Nilma Gonçalves
Lacerda observa: "Não vem recheado de respostas. Objetiva provocar uma reflexão que leve o leitor à elaboração das próprias respostas e atitudes". Experimentei tiês atividades
com
os alunos.
Inicialmente leram a primeira
parte do texto "O que você faria... ". Depois de se deliciarem com a linguagem dos quadrinhos e se reconhecerem em muitas das situações retratadas, procuraram responder, individualmente, também
os alunos
às questões levantadas pelo texto.
formularam para os colegas de
classe outras perguntas,
Eles
a partir de
situações conflituosas que enfrentam no dia-a-dia. Concluída a primeira fase do trabalho, fiz um debate com a participação de tôda a classe, no qual cada um expôs e defendeu a sua opinião sobre o que fazer com os problemas da conviséncia humana.
"O que é certo e errado? como ser?
como agir? O que éjusto e injusto? O que é bom e mau?" Seguindo o percurso do texto, que vai dos tempos das cavernas até o século XX, discutimos também a opinião dos filósofos,
dos lideres religiosos,
dos cientistas e das comunidades
sobre os problemas da humanidade em vários tempos e lugares. Só entào foi lida a terceira parte do livro, que trata das possíveis respostas das crianças para os problemas. Em outro momento, fizemos um levantamento dos problemas de convivência humana no cotidiano da safa de aula.
E, para finalizar e procurar resolver
alguns deles, cada aluno fez o seu desenho, escrevendo no balão os seus gostos e prefeéncias, para que todos os colegas e professores respeitassem as diferenças individuais. Que achado! O livro era exatamente o material que faltava para eu discutir com meus alunos a ética na convivência social! Bei/oca, Jessica.
Prezado Sr. Martinez, Escrevo para lhe dizer que gostei muito do livro Uni Dum e Tè, de Angela Lago, e para lhe contar como lidei com ele. Fiquei sabendo, pe/o crítico Francisco Aué/io Ribeiro, que se tratava de "uma narrativa de mistério criada a partir das pariendas infantis
e
das
cantigas
de
roda".
Foi exatamente
isso
que
me
cativou.
O /ívro trouxe reminiscencias da minha infância, quando tôda a turma do bairro se reunia para brincar de roda. Na sala de aula foi a maior festa. Dividi a turma em grupos de cinco pessoas e pedi que identificassem no texto as cantigas de roda e os versos qu e já conheciam das brincadeiras. As crianças interrompiam a leitura para cantar e/ou recitar os versos conhecidos: "Atirei o pau no gato-to...; O cravo brigou com a rosa...; com quem você pretende se casar...; Terezinha de Jesus...; Samba Lelé tá doente... " Tratando-se de uma narrativa policial que envolve um mistério em torno dos roubos de salames e sorvetes coloridos, solicitei que os alunos relessem a história, procurando perceber e anotar as pistas corretas e as falsas dadas pelo narrador no texto e na ilustração, a fim de descobrir o criminoso. Pedi também que observassem o
comportamento
das vitimas e dos suspeitos e verificassem a importância
dos espaços no texto verbal e visual. Por fim, discutimos as semelhanças e as diferenças de percepções encontradas nas leituras dos grupos. Imagine que perceberam mais detalhes do que eu
mesma havia notado! Um dos grupos observou que o narrador procurou enganar o leitor, fazendo-o acreditar que o ladrão era o gato, mas, pe/as ilustrações, deduziu que o culpado era mesmo Samba Lelé, o delegado, por causa do monte de ratinhos que havia em sua roupa e na delegacia. Outro percebeu que o rato simboliza o ladrão e, ainda em outra ilustração, a da frente da casa do delegado, notou mais uma prova: um pacote escrito
"contrabando confiança"de cabeça para bai-
xo. Alguns acharam que a inocência dogato não foi comprovada porque ele caiu na armadilha e bebeu os seis copos de veneno. Então, também tinha culpa no cartório. Um outro grupo discordou e entendeu que o mistério não foi resolvido porque o Zé do Cravo sumiu no final.
Você precisava ver os pequenos leitores defendendo
as suas posições e argumentando para convencer a classe. Ainda tem mais: alguns alunos começo de
uma
compreenderam
que o final da história é o
outra e pediram que cada grupo inventasse a continuação da
história, conforme sugere o próprio texto: "Contam que o quartel pegou fogo. Mas isto já é uma outra história... ". Foi bom demais! Catarina.
Querida
prima,
Lembra-se do nosso medo e fascínio pela noite lá do sítio em que passávamos as nossas férias? Pois é, 0 velho que trazia a noite, de Sérgio Cappa rei li, me fez recordar aquelas histórias fantásticas contadas pela nossa avó Maria após o jantar: o pirata da perna de pau, o homem do saco, o lobisomem... figuras assustadoras, que faziam a meninada ir cedo para a cama. Que livro encantador! Foi a professora Vânia Resende quem me instigou a levá-lo para a sala de aula, ao dizen "Ao mesmo tempo que o livro vale pela poesia em si, que está no texto e nas imagens de Cecilia iwashita, ele contém o jogo de oposições pelas quais o menino é tragado inevitavelmente como ser no mundo, envolvido na
complexidade
nascimento/morte, porte
simbólica da vida com dubiedades: realidade/fantasia,
sombras/luz,
existencial da
dia/noite; mediando os opostos fica a màe, su-
criança".
Antes de ler, provoquei uma grande expectativa, um clima de misério. uma semana antes, disse aos alunos que faríamos uma viagem imaginária para tentar descobrir, com a personagem do livro, o mistério da noite. Todos os dias lançava uma interrogação do texto: "Mãe, porque o velho só desce de tarde?"; "Era, então, o velho de roupa preta que acabava com o dia?"; "Esse velho tinha ea manga com o demo?"; "Atraia o escuro? o medonho?"; "Era ete o velho do saco, que roubava os meninos, do qual falava mamàe?"
No dia
combinado,
todos ansiosos pela historia, apaguei as luzes, acendi
uma vela (expliquei que era para lembrar as fogueiras, à volta das quais os povos antigos se reuniam para trocar conhecimentos) e proferi umas palavras mágicas: Sim-Salabim-Bim-Bim, agora vocês estão no mundo do faz-de-conta, assim, Pliml Antes de lermos a prosa poética de Capparelfi, contei o mito da criação do dia e da noite na Biblia, na mitologia grega e na lenda indigena brasileira. Depois da leitura, conversamos sobre as emoções e as sensações despertadas pelo texto e pelas ilustrações. Falamos também sobre os medos de cada um, as imagens enigmáticas da noite, os sonhos e as surpresas trazidas pelo dia de sol. No outro dia, o professor de Ciências aproveitou o nosso assunto para falar da explicação cientifica do dia e da noite (movimento de rotação da Terra) e do eclipse solar e lunar. Para não quebrara visão poética com a racionalidade cientifica, voltei ao assunto e sugeri que eles transformassem o dia e a noite em personagens de uma história fantástica inventada por eles. Há uma passagem no texto que me fez contar para os alunos sobre o dia em que o Sol foi coberto pela Lua,
"um galo adoidado cantava nas sombras", todos
pensaram que o mundo fosse terminan "A Lua escondeu o Sol, e eclipsou-se o dia ". Você lembra ? Um abraço cheio de saudades, Gerosina.
Fabio, Tudo bem contigo? Não deixo de dará mâo à palmatória e reconhecer que tu tens lá a tua razão ao dizer na carta que me escreveste, que a poesia pode estar em todos os lugares. Que, além das palavras, ela pode estar em todos os nossos sentidos. Concordo contigo, e digo mais: os aspectos sonoros e melódicos das palavras são mais fáceis de serem percebidos em poemas do que em texto de prosa. As linhas curtas dos versos, e como muitas vezes acontece, o número de silabas poéticas que se repete em cada um deles são recursos de que os poetas se valem para explorar o caráter musical, melódico e rítmico das pala- vras. Fábio, eu também conheço o livro O sabiá e a girafa, de que me fá/aste, pois trabalhei com ele na minha turma do ano passado. E um livro escrito em prosa poética, o que comprova novamente a tua idéia de que a poesia ou a beleza podem estar em muitos lugares. Mas eu recomendaria que lesses A arca de Noé, de Vinícius de Moraes. O poetinha mesmo, aquêle que fez belas canções com o Tom Jobim. como notou uma aluna minha, a Maria José Nóbrega, a maioria dos textos é sobre animais, e "os poemas mais longos tratam de temas bíblicos e religiosos", embora sem nenhuma carolice, acrescento eu. Essa aluna notou que os textos eram escritos em versos, ou seja, na forma de poema. O mais interessante é que os alunos logo quiseram criar um poema para um bichinho qualquer. Ratos, pulgas, tigres e outros transitaram pela nossa sala, como numa selva.
Ah! E tôdas essas questões sôbre poesia, ritmo, rima, melodia ficaram ainda mais interessantes quando os alunos escutaram os poemas musicados, pois parte deles foi (...) gravada em disco com o mesmo titulo",
como
"boa
também me
informou a Maria. Esta não é uma boa idéia para de fato demonstrar que as palavras têm som, cheiro e gosto ? Calorosos abraços do teu amigo Pedro.
Querida Luciana, Sabe, estive pensando, nestes últimos dias, na obsessão que nós duas temos pelas palavras.
Lembro-me de quando a gente estava no magistério e fazíamos
pegada, uma para a outra, para saber o sinônimo de uma palavra ou o seu sentido contrário, lembras? Acho que nisso tu eras melhor do que eu. E agora essa nossa mania de nos corresponder quase que semanalmente, estando tu ai no norte do pais e eu cã no sui, em Porto Alegre. Faz três anos que a gente não se \é, mas a idéia que tenho é a de que conversamos todos os dias. Acho que falo muito contigo dentro da minha cabeça, sobre o que leio, sobre o que faço ou gostaria de fazer em aula com os meus alunos. Dai eu fíco me perguntando se nós nos reencontrássemos, e não tiiéssemos muito do que falar, será que isso nos aborreceria? Será que a falta de palavras ou o silêncio da paisagem, dos prédios, do rio Guai ba, dos gestos das pessoas pela rua — será que isso nos incomodaria? Eu fiquei pensando nisso, Luciana, porque tive contato com um livro que se chama A bela e a fera. Acho que conheces a história. Tratase de um conto de fadas no qual a Bela, uma menina sensível e, como sugere o titulo do conto, bonita, está condenada a ser devorada pela Fera, pois o pai de Bela havia retirado uma rosa do jardim do castelo da Fera para dará filha. Entretanto, Fera, um ser bravo e repugnante, se apaixona por Bela, e o mesmo acontece com a menina. Mas nota,
Luciana, tudo isso que te contei é dito sem palavras nesse livro, pois, como disse a professora de artes plásticas da escola, a Regina Yolanda, tratase de "leitura visual", pois é história composta com gravuras, ilustrada apenas. São as cores, as linhas, as formas e a seqüência disso tudo que contam a história. Mas não adianta, como obsessiva professora apegada à palavra, não estou agüentando o silêncio das personagens e das imagens. Por isso, ao trabalhar o livro com os meus alunos, estou pensando em fazer com que eles ponham palavras na boca das personagens, criando diálogos, e também um narrador que conte a história tintim por tintim. O que tu achas disso, minha cara colega? Beijos da tua amiga, Ana.
Júlia
querida, Gostou desse papel de carta todo decorado? São desenhos que os alunos
fizeram a partir da leitura de A lends do guaraná, livro escrito e lindamente ilustrado por Cica
FittipaIdi.
Fizemos recentemente várias atividades com o livro, que gosta-
ria de compartilhar com você. Ciça conta o mito dos indios sateié-maué, que vivem no Amazonas, sobre o surgimento
do guaraná. A história, linda, é muito bem narrada pela autora. Fiquei
sabendo, por texto de Nilma Gonçalves Lacerda, que ela
"optou por viver uma
temporada entre os nambiquara, a fim de se aparelhar de maneira adequada para seu projeto de transcrição de mitos indígenas".
Ela viajou muito, pesquisando o
cotidiano e os mitos de várias tribos, ouvindo histórias contadas à roda do fogo, desenhando objetos e práticas culturais. Por ter realizado experiência tão singular, Ciça propõe, segundo Laura Sandroni, culturais indígenas, proporcionando um
"novas abordagens da riqueza dos universos riquíssimo
material que se contrapõe às
precárias informações existentes no nivel da criança".
O resultado é uma série
primorosa de livros que você precisa conhecer. com as crianças sentadas em circulo, em volta de uma linda fogueira de papel celofane, fiz a leitura de A lends do guaraná. Tomei emprestados de meu filho uma cobrinha de pano e vários animaizinhos de plástico, e da minha cunhada uns passarinhos de madeira pintada, para
"enfeitar" a narração.
Consegui arranjar
também um galhinho de guaraná, objetos relacionados à narrativa.
castanhas e contas,
entre outras plantas e
Conforme ia contando a história, pegava um
bichinho, mostrava as ilustrações, fazia os passarinhos "voarem"... bom, as crianças adoraram. Não é
uma
delicia quando a gente consegue dar vida a um
macaquinho de plástico e té váríos olhinhos brilhantes fixos em nossos gestos? Depois, conversamos sobre a história e contei a eles onde os índios sateré-maué moram, como eles vivem, e muitas outras informações que vêm no final do livro. Agora vamos fazer um teatrinho baseado no livro para Indio. Aguarde mais novidades indígenas! Um abraço dessa sua amiga de coração maué,
Ligia.
comemorar
o Dia do
Bruno, Seu sumido! como anda você? Estamos sentindo sua fatta! Todos aqui da escota the mandam beijos. Você teria gostado de participar da atividade que fiz com as crianças na semana passada; foi com o livro A mulher que matou os feixes, da sua idolatrada Clarice Lispector. Eu não conhecia sua obra para crianças, mas vi na televisão um especial sobre ela em que vários críticos
comentaram
seus livros infantis, e fiquei
bastante interessada. Vânia Rezende falou sobre A mulher que matou os peixes; explicou que Clarice, "em tom descontraído, confidencial, busca a aproximação de seus leitores e os cativa, na certa, pela total sinceridade do afeto que lhes declara. Ela não quer magoá-los, preocupa-se
com
a delicadeza dos sentimentos infantis".
como também tenho essa preocupação, gostei muito. Elizabeth Vasconcellos comentou o mesmo livro, dizend o motivo condutor desta narrativa ". tão "tabu",
Segundo Elizabeth, para abordar assuntos
"a narradora assume a primeira pessoa e, a partir da experiência com
animais de estimação, apresenta diversos relatos de convivência amorosa e de dolorosa
separação".
Bem, fiquei encantada com o livro, e comecei a bolar uma atividade para usá-lo com meus alunos. Clarice cria muito suspense até revelar por que os peixes morreram; então,
fui contando a história aos pouquinhos,
deixando o pessoal
cheio de curiosidade. Contava a cada dia uma das histórias de bichos que fazem parte da narrativa, aproveitando o estilo próximo da oralidade que ela usa para tomar minha leitura o mais parecida possível com uma conversa. Depois da minha leitura, as crianças e eu conversávamos sobre o que acontecera a cada animal, e em seguida elas faziam um desenho para
"ilustrar" a história. A partir dos
acontecimentos vividos pelos bichos, acabamos falando sobre morte, perda, separação — temas tão difíceis, como você bem sabe. Mas, como escreve Clarice no livro, é bom conversar com alguém sobre o que nos faz sofrer.
compartilhar
os sentimentos, como eu e as crianças fizemos,
ajuda a enfrentar melhor as tristezas da vida. Viu como aprendi, com Clarice e meus
alunos? Beijos saudosos de sua amiga Estela, e até breve!
Anselmo, meu velho, Tudo bem contigo? Sabe, andei me lembrando, esses dias, do tempo em que jogávamos futebol em frente ao nosso prédio esperando a kombi passar para nos levar a escola. Ou dos momentos que ficávamos batendo figurinha nas escadas do corredor do edifício, enquanto não iamos atormentar a vida dos vizinhos apertando campainhas e rolando escada abaixo para não sermos pegos. 0 meu sentimento não é um
"Oh! que saudades que tenho/da aurora da
minha vida/da minha infância querida", de Abreu.
como
dizia o poeta romântico Casimiro
Vá que quando a gente começa a chegar aos quarenta isso é meio
inevitável. Mas meu problema é bem outro. Diria até que é bem o contrário. Pois lendo o livro de poemas A senha do mundo, do grande Carlos Drummond de Andrade (sempre ele!), percebi o quanto minhas lembranças pareceram a mim pequenas, insignificantes, 6 que,
desbotadas. "de cunho memorialista, quase todos curtos e com o humor refinado
que caracteriza o autor, os poemas nos levam à Itabira da infância do poeta ", como bem notou a critica Maria Antonieta Cunha. E nas palavras do poeta mineiro as pequenas coisas, os pequenos detalhes, os gestos simples, o sentimento e os pensamentos miúdos e corriqueiros do passado são redimensionados.
Tomam-se
expressivos na sua aparente pequenez, significativos na sua banalidade. seja isso que alguns críticos de literatura chamam de
Talvez
"a magia da palavra", não?
213
Senti-me mais insignificante ainda quando, depois de ter lido em sala para os alunos alguns dos poemas de Drummond, a gurizada começou a contar experiências que foram significativas para ela. Teve aquela do aluno que colocou uma lagartixa morta no bolso do padrasto, pois este vivia a lhe dar croques na cabeça. Depois pedi para os alunos tentarem escrever, na forma de poema, aquilo que eles haviam narrado em aula. Ainda não recebi os trabalhos.
Vamos ver no que dá.
Mas eu ainda fico me perguntando, Anselmo, porque a nossa cabeça funciona sempre como um taxímetro, a nos medir, a medir os outros e o mundo com relação a nós, por qué? Abraços do teu amigo Erico.
Carolina
querida,
Participei de uma atividade tão interessante com o Gustavo, professor de História aqui da escola, e nossos alunos, que resolvi compartilhar com você. Sabe a Epopéia de Gilgamesh, que estudiosos acreditam sera obra literária mais antiga da humanidade? Pois ela
foi adaptada para
crianças por Ludmila Zeman,
ótima
escritora tcheca que também fez a ilustração dos três livros que recontam a saga do herói da Mesopotamia. O Gustavo está ensinando História Antiga para as turmas de 5ã série, e soube por mim dessa coleção, intitulada Rei Gilgamesh, que temos aqui na biblioteca. Gostou tanto dos livros que me convidou para fazermosjuntos uma atividade com nossos alunos. Foi assim: nas aulas de História, ele explicou onde fíca a Mesopotamia, que povos a habitaram no passado e como essa terra, que hoje é quase tôda um deserto, já foi coberta por campos, que eram cultivados, e por florestas, sendo constituida por poderosas cidades. A aula dele foi interessantíssima, principalmente porque eu e os alunos já havíamos lido os livros e fomos entendendo ainda melhora epopéia.
como
a leitura e o conhecimento trazido por
outras fontes nos ajudam a perceber melhor a riqueza das obras de ficção! Na minha aula, de Portugués, expliquei a eles o que são epopéia, lenda, m ito, e como são importantes para a literatura, como bem escreveu a crítica Maria José Nóbrega.
Ela também afirmou que
"quanto maior for nossa leitura dos mitos,
maiores serão
também as possibilidades de estabelecermos relações entre as
muitas histórias que os citam ". Essa reflexão me levou a mostrar aos alunos como alguns mitos, como o dilúvio que aparece em A última busca de Gilgamesh, fazem parte da cultura de outros povos; eles logo se lembraram da Arca de Noé, e acharam-na muito parecida
com
o barco de Utnapishtim, personagem do livro. De-
pois, comentei com eles que a critica Regina Zilberman a firma que Gilgamesh "sintetiza anseios que o tempo não apagou: o temor da morte, a importância da amizade, o valor da ação construtiva civilizatória". Eles concordaram que os sentimentos e as preocupações das personagens, que têm mais de 5 mil anos, são muito parecidos com os nossos; aliás, ficaram tão entusiasmados, que compararam a busca de Gilgamesh pela eterna juventude e pela imortalidade com a busca dos cientistas do Projeto Genoma! Por essa nem eu, nem o Gustavo, esperávamos. Beijos mesopotâmicos para Luisa.
você,
Caro professor Mauricio, Gostaria de agradecer os artigos que me enviou sobre o iivro A vingança Je Ishtar, de Ludmila Zeman, traduzido por Sérgio Caparelli. Forarn de grande auxilio no planejamento da atividade que fiz com meus alunos a partir da história. Gostei muito da análise de Regina Zilbemian. Segundo ela,
"a narração é enxuta, evitan-
do comentar ou julgar as personagens, tarefa delegada ao feitor. com isso, os eventos sucedem-se com grande rapidez, suscitando interesse e atenção". Já o artigo de Maria José da Nóbrega me chamou a atenção para o fato de que "a leitura dos mitos e lendas é fundamental para a formação do leitor. Inicialmente pelo conteúdo simbólico que explora, permitindo que a criança possa elaborar seus sentimentos e construir
uma
representação de si mesma.
Em segundo lugar,
porque a mitologia é uma das fontes da literatura e das artes em geral". Fiquei sabendo, por meio de um apêndice do livro, que a história de Gilgamesh, protagonista de A vingança Je Ishtar, é uma das mais antigas do mundo. Tem mais de 5 mil anos! Foi escrita em tábuas de argila na Mesopotamia.
E incrível que
uma história tão antiga nos possa sensibilizar — mas foi o que aconteceu, com meus alunos e comigo. Eles leram a história em casa e, em sala, nós a comentamos. Expliquei, com a ajuda de um mapa, que a Mesopotamia ficava onde hoje estão a Siria e o Iraque. Usei uma série de informações para contextualizar a narrativa, como a de que a floresta que Gilgamesh e seu amigo percorrem na
história foi identificada como sendo urna floresta que realmente existe. Èm seguida, debatemos varios aspectos da historia, explorando os símbolos, as refeéncias ao cotidiano da época, as crenças religiosas e, principalmente, os sentimentos das personagens, que os alunos acharam "supermodemos". A vingança de Ishtar, por exemplo, decorre da rejeição que ela sofre de Gilgamesh. Acredita que os alunos chegaram a compará-la com a "vingança" de uma ex-primei ra dama famosa que fez denúncias terríveis contra o marido? Realmente, a mitologia é fonte de sabedoria para entendermos nossos antepassados, mesmos... obrigada pela indicação, professor. Um abraço, Gisela.
nossos contemporâneos e a nós
Oi, Verínha, como vão as coisas? Por aqui, tenho tido algumas boas experiências.
Você
sabe que eu leciono em duas escolas de realidades sociais muito diferentes, não é? Continuo querendo desenvolver a hipótese de que é possível dar o mesmo tipo de aula apesar das diferenças sociais e estruturais. Neste bimestre, dei o primeiro passo: consegui adotar o mesmo livro de leitura nas duas escolas: Coisas de menino, de Eliane Ganem. A verba da festajunina ajudou a fornecer o livro pra todos os que não poderiam
comprá-lo.
O interesse surgiu da leitura de uma resenha deste livro, em que a autora, Elizabeth Vasconcellos, conta que "a narrativa desenvolve-se em dois planos: o espaço da classe média, protagonizado por Clarisse; e o espaço da favela e da marginalidade, protagonizado por Olho-de-Boi.
Os dois planos cruzam-se por in-
termédio de Ivonete, empregada da casa dos pais de Clarisse e irmã de Olho-de-
Boi". Confesso que, apesar do interesse, não sabia bem o que fazer, e então pedi socorro ao professor de história — eu temia esbarrar em preconceitos, ser parcial demais, ou ficar nos lugares-comuns. Conversamos muito, e ele concordou em dar uma "palestra informal" sobre meninos de rua na escola particular. Foi um sucesso. Usou muitas fotos, reportagens, trechos de filmes, slides. Não se recusou a irá outra escola, para onde, no entanto, não pôde levar tantos recursos. Também não
era necessario. As criancas contaram casos, ilustraram a aula com imagens vivas, resgatadas da memória. Preparado o terreno, levei o livro pra classe. A leitura e as atividades duraram várias aulas, o livro serviu de estímulo para debates, produção de textos, desenhos... Organizei, então, nas duas escolas, um grande painel para exposição: fotos, desenhos e textos produzidos por eles sobre a infância na sua
comunidade.
Apa-
receram algumas Clarisses e muitos Ofhos-de-Boi da vida real. Houve crianças que foram em busca de informações pelas ruas: reportagens e fotos compuseram seu painel. Outras trouxeram informações de casa, recortes de revistas, fotos de sua própria infância... Quando a exposição acabou, fiz uma montagem misturando as diferentes contribuições, produzindo um só painel com os trabalhos das duas escolas. E fiz o painel circular. O objetivo era integraras duas perspectivas e as duas realidades. Ao tomar conhecimento do meu projeto, a professora Rosa Cuba Riche escreveu-me, dizendo que
"a história (...) destina-se a um leitor mais experiente
capaz de 'costurar' os vários fios de histórias que se cruzam, formando um grande painel, no qual tipos diferentes habitam o mesmo espaço, mas em planos distintos: o de baixo e o de cima". Ufa! Recebi isso como um grande incentivo. O que eu quero agora é fazer essa mistura em carne e osso, levando as crianças de uma escola pra outra, pra conviverem com a realidade do outro lado. O espirito aventureiro das crianças, que se reconhecem em personagens do livro, está me entusiasmando.
Vão tentar convencer os pais contando a história do
Olho-de-Boi e da Clarisse. Vai ser uma experiência e tanto. Dois dias de integração, alguns debates e jogos, que outros professores ajudarão a promover. Se der certo, eu te conto na próxima carta. Um forte abraço da Beth.
Minha cara amiga Flávia, Lembra do tio Januário, que contava histórias para a molecada do nosso baino, naquela época em que acreditávamos em bruxas e fadas? Tenho pensado tanto nele ultimamente! E que estou realizando atividades com meus alunos a partir da leitura dos Contos de Perrault, traduzidos por Regina Régis Junqueira, e o reencontro com Cinderefa, Barba-Azul e Chapeuzinho Vermelho me fez recordar com saudade a nossa infancia. Confesso que desprezava os velhos contos de fadas por achar que eram antiquados, ou que as enancas não teriam interesse por e/es. Mas comecei a perder o preconceito — essa é a palavra! - ao ler um artigo de Wanda Medrado Abrantes. Ela afirma, sobre Perrault, que "é o caráter simbólico de suas histórias que tanto agrada o leitor, na medida em que aborda os sentimentos e os conflitos das crianças (rejeição, injustiça, vaidade, inveja), transfigurando essas situações reais para o imaginário". Outro artigo, de Rosa Cuba Riche, terminou por me convencer de vez a adotar o livro. Rosa informa que "as nanativas em prosa, graças à estrutura do enredo, aos temas e à linguagem clara e direta, conquistaram adultos e crianças de todo o mundo e circularam na França rotuladas de Contos de Fadas, nome que os franceses usam para indicar Contos Maravilhosos". Percebi que, se essas histórias de origem popular têm conquistado as pessoas há tantos anos, é porque são realmente especiais.
E seu caráter simbólico as toma sempre atuais.
Pude comprovar o quanto isso é verdade, ao ler os Contos de Perrault para meus alunos. Ia lendo aos poucos, fazendo suspense, deixando o final para o dia seguinte...
acredita que,
mesmo quando a história era superconhecida, como
Cinderela, eles ficavam ansiosos para ouvir o final? Foi uma delícia. Partiu deles a comparação dos contos de Perrault com versões mais atuais, como as da Disney. Aproveitei o ensaio sobre a vida e a obra do autor, que vem no livro, para explicara eias a origem dos contos de fadas. Depois fizemos um exercicio em que as crianças, em grupos, criavam continuações para as histórias. O resultado foi tão surpreendente que só posso lhe dizer uma coisa: pelo visto, o velho Perrault vai estar muito presente nesse século XXI. Beijos, Márcia.
Dona Ci da, Quería muito fàlar com a senhora... Na falta de tempo, o bilhete substitui o encontro. Lembra que eu tinha dito que não sabia muito bem o que fazer com o livro sugerido no planejamento (E isso alí, de José Paulo Paes)? Andei experimentando umas idéias que tive. É que a Dora faltou, e eu precisei substitui-la. Ninguém avisou a senhora porque não deu tempo, mas estagiária é pra isso mesmo. Usei alguns poemas do livro na 4a- série. Levei para a classe cópias do poema "Quatro historinhas de horror". Lemos o poema, falamos sobre ele, sobre as ilustrações e também sobre o que eles sabiam dos personagens — Frankenstein, Drácula, monstro que fíca embaixo da cama e fantasma de castelo. Teve história pra caramba. Depois, peguei aquelas sucatas que estavam guardadas no almoxarifado, levei para a sala e começamos a construir monstros de sucata. Amanhã a professora vai ter de faltar de novo, então vamos apresentar os bonecos, contara história deles e lazer uma redação sobre os monstrinhos.
como
nem todos terminaram
os bonecos, iremos concluir essa atividade antes. A Clarita, por exemplo, terminou rapidinho. Sugeri a ela, então, que começasse a escrever algo, uma redação, uma carta, um bilhete, desde que envolvesse o boneco feito por ela. Na saida, ela me entregou uma cartinha, que transcrevo para a senhora. "Querido Frank, a estagiária que ficou na minha classe hoje me falou que
você não tem mãe. Mão fíca triste, eu também não tenho mãe, e sinto uma falta danada dela. Não sei como ela era, só de foto, e fico imaginando, igual você. Agora você não precisa mais chorar, porque eu fiz uma mãe pra você. Não pode apertar muito forte que ela quebra. Eu fiz a mãe, a Camila fez o pai, o Beto fez uma irmã, o Marcelo fez a namorada. Sua família ficou linda, porque a gente fez com carinho. Espero que você goste dessa sua família. Um abraço não muito apertado, da Cia rua (4* B)." O que a senhora acha da carta? E de montarmos um horário a mais, com atividades
"lúdicas" (como a senhora gosta de dizer), a partir de leituras como
essa? O objetivo não é só brincar, não, embora tudo possa partir de brincadeiras ou atividades simples. Num dos textos que a senhora me mandou ler, o da Maria Antonieta Cunha,
descobri que o autor considera suas poesias
"uma brincadeira
com as palavras", o que ela rebate, afirmando tratar-se de "conceituação excessivamente modesta, desmentida pelos próprios livros de José Paulo Paes, que revelam como a poesia vai muito além da mera brincadeira". Peço que a senhora pense na minha proposta e me diga depois. Desculpe me oferecer, nem sei se a senhora vai gostar, mas é que a Clarita acabou me mostrando que há muito mais a ser visto nessa história. Gislaine.
Marina, Lembra que eu te pedi umas idéias a respeito do livro Eu e minha luneta, de C/áudio Martins? Até me interessei quando você disse que construiu lunetas com seus a tunos, mas, como eu não sabia o que fazer com eias, e como suas "explicações adicionais" estão demorando pra chegar, resolvi agir sozinha. A idéia que eu tive surgiu das lembranças da época em que costumáramos ficar olhando as pessoas no ônibus, na volta da escola. Era a nossa ficção diária: um olhar assustado, uma ruga na testa, uma maleta suspeita na mão, qualquer traço era suficiente para inventarmos personalidades,
afazeres e preferências pras
pessoas que víamos por tão poucos minutos. Lembra? Não é o que o garoto faz no livro? uma professora com quem também me correspondo, Eleonora Cretton Abílio, disse que "esta é, aliás, a chave da obra: o desejo de exploração do cotidiano de homens e mulheres — pessoas
comuns
com
quem cruzamos no anonimato das
calçadas e de quem nada sabemos, até que um visor mais aguçado nos permite vê-las no espaço doméstico, tentando compreendê-las e compará-las, por meio de movimentos, gestos e atitudes". Feliz com as minhas lembranças, levei o livro pra sala de aula. Formamos pequenos grupos, lemos e relemos a história várias vezes - desenhos e palavras, sobretudo desenhos. Isso porque as crianças queriam observar os menores detalhes (e pra isso o livro é um prato cheio). Iam e voltavam, acompanhando cada
janela, depois juntando uma à outra.
Trabalhando em grupo, um cutucava o outro
pra algum detalhe... Eu, só observando. Você vai me chamar de louca, mas, depois, eu contei pra eles a história do "Feliz aniversário", de Clarice Lispector. E distribui um trecho do conto, em xerox, pra eles lerem os pensamentos da avó-aniversariante. Não vou dizer que eles saíram dali experts em Clarice, nem era essa a minha intenção. O que eu tentei mostrar pra eles foi que as pessoas faziam uma idéia da velha, e ela outras idéias das pessoas, e que juntando tudo, podíamos ter uma visão mais completa
daquelas pessoas.
Sugeri a eles, então, que aproveitassem o recreio pra observar uma pessoa, discretamente, como detetives. Achando que aquilo era uma molecagem, saíram ao trabalho.
Um observou a merendeira (seus movimentos, expressões faciais,
palavras), outro a faxineira (ela estava limpando uma classe, e ele ficou olhando pelo buraco da fechadura, pode?), outro a inspetora... Depois, com lápis, papel, observação e muita imaginação, começaram a construir personagens a partir das pessoas
observadas.
Ainda não terminei de corrigir as redações, mas, pelo que ouvi na classe, posso dizer que a capacidade de descrição deles aumentou junto com a de observação. Agora é a sua vez de me contar uma das suas. Milena.
Jorge, Tudo bem contigo? Por aqui muito trabalho como sempre. Depois de tempo em silêncio volto a te escrever. não, desta vez não vou chorar as pitangas pra ti sobre
como
está difícil segurar a barra ganhando o que estamos ganhando como
professora de escola pública. Queria te falar das leituras que ando fazendo. Andei lendo, por esses dias, as Fábulas de La Fontaine. Achei supimpas as historinhas. Até então eu não sabia que a fábula é uma forma de narrativa que — como explica Elizabeth Vasconcellos, autora de um dicionário de termos literários —
"obedece a um esquema temário (situação pragmática inicial, decisão da situa-
ção e resolução da mesma) e tem como objetivo conduzir o leitor (ou ouvinte) a um único caminho possível: a obediênda a determinadas regras que orientam a conduta de um grupo social". As histórias de La Fontaine, um escritor francês do século XVII, têm como personagens animais ou seres humanos e são escritas na forma de verso. E nelas há sempre a moral da história. Eu li em aula algumas dessas fábulas. Claro que a gurizada ficou mais ligada na historinha que estava sendo contada do que propriamente na moral" que o escritor quer transmitir.
"mensagem
Entretanto, a idéia central foi discutir mes-
mo "a moral da história ". Qual o sentido da moral das várias histórias? Todas as narrativas têm uma moral, mesmo aquelas em que essa mensagem moral não é tão explicita? Dai
comparamos
alguns outros textos que lemos durante o ano,
como ?Pé pilão, de Mário Quintana, A velhinha que dava nome às coisas, de Cynthia Rílart,
para vermos de que forma se dá a mensagem moral, se é que ela existe
nessas outras histórias. Interessante foi a observação de um aluno quando discutíamos a
fábula
"A
Cigarra e a Formiga ". Ele disse que o seu pai trabalhava que nem formiga (na verdade, ele usou a expressão burro) e o que ganhava mal dava pra pagar o aluguel e pôr o que comer na mesa. Para ele, certo mesmo estava a cigarra, que passava a vida flauteando. O que tu achas dessa "moral"? Um abraço da Daniela.
Cara Teresa, Espero que esteja tudo bem contigo. Ea tua gurizada, o Pedro ea Ana, cada vez maiores, mais espertos? Faz tempo que a gente não se escreve nem se fala, né? Quanto tempo? Dois ou três anos? Eu acho que foi justamente a sensação do que o tempo anda fazendo sobre mim que me deu a comichão de escrever pra ti. Não sei por que, Teresa, tenho tido a clara impressão de que tudo está passando mais rápido na minha vida. Claro que tenho pistas para isso que estou sentindo: vejo meus filhos se tomando gente grande; os alunos para quem já dei aula na escola, que mal consigo reconhecer de tão crescidos; as saudades que sinto de nossas conversas na época de magistério, na hora do recreio, quando falávamos dos nossos professores e de como faríamos as coisas no lugar deles, lembras? Tudo isso, junto, se misturou ainda à leitura de um livrinho chamado A velhinha que Java nome às coisas. Um livro triste de chorar, pois conta a história de uma velhinha que dava nome a todos os objetos que a cercavam: a casa se chamava Glória; sua cama, Belinha; sua poltrona, Frida, e Beto é como ela chamava o seu carro. Mas é de uma tristeza bonita, comovente. A velhinha tinha perdido todos os seus amigos, que já estavam mortos. Ela não queria perder mais nada e por isso só dava nome aos objetos que iriam durar além dela. com isso, na sua cabeça, acredito que ela queria transformar os objetos em pessoas, embora os objetos continuassem a ser apenas objetos.
Não vou te contar tôda a história, pois gostaria que lesses o livro, assim como quero que os meus alunos o leiam também. Ü no jornal um comentário, da crítica literária Fátima Miguez, sobre esse livro, que dizia que "a velhice é simbolo de experiência, de virtude, um acúmulo de viiência e reflexão, mas, também, está ligada à idéia de solidão, de abandono, de perda". Acho que essa é uma idéia legal de se discutir com os alunos por meio dessa bela história. E como a velhinha que sonhava em receber uma carta, mas só recebia as contas que tinha para pagar, imaginei que os alunos pudessem escrever uma carta para ela. Ou então, quem sabe, a um avô, a uma avó, enfim, a algum parente ou pessoa mais velha querida por eles. O que tu achas da idéia, professora? Vou parando por aqui, Teresa, mas começo a entender, agora, o que me fez escrever pra th foi o fato de, além de gostar muito de ti, não querer começar a dar nome degente às coisas da minha casa. Beijos da tua sempre amiga,
Julia.
Oi, Caca, Aqui vai o livro de que lhe falei outro dia, Lucas, de Luis Augusto Gouveia. O livro é ótimo, muito bem escrito e ilustrado. Lucas é o protagonista da história; ele tem "quase dez anos", adora brincar, jogar bola e fazer amigos. Mas vai logo avisando que possui uma "diferença": "sou mudo, ainda não sei falar". Bem, a partir dessa apresentação, vamos conhecendo melhor a vida da personagem, seus pais, seus amigos, seus professores. Entre os coleguinhas da escola, estão um menino cego, Rafael, e uma garotinha su nda, Mirella. Lucas mostra, com graça e simpatia, como as crianças "diferentes" não são tão diferentes assim, já que também brincam, sonham, ficam felizes, choram. A maneira bemhumorada com que o autor aborda tema tão difícil me conquistou; e sabe que conquistou também meus alunos? Fomos lendo juntos a história, conhecendo aos poucos os amiguinhos de Lucas e suas particularidades. Eu perguntava o que eles tinham achado da Livia, do Martin, do Mateus, todas eias crianças com "diferenças". Os alunos comentavam o jeito de ser das personagens e acabavam concluindo que as tais diferenças... não faziam diferença! Acho que a simpatia das personagens realmente cativou o meu grupinho. Mas teve uma hora em que todos ficaram muito calados e pensativos; foi no final, quando li o seguinte trecho, que por ser muito bonito vou copiar para você:
"O que me deixa triste é quando gente grande nos trata mal por causa das diferenças que temos, ou ficam cheios de dedos, com uma pena boba porque não somos iguais a qualquer um. Aliás, não conheço ninguém
completamente
igual a
ninguém. Se a diferença não está no corpo, pode apostar que está na cabeça das pessoas. Você... é igual a todo mundo?" Você não imagina como essas palavras motivaram as crianças a conversar sobre o assunto, de uma maneira que me deixou muito orgulhosa delas. Aposto como o Lucas vai te conquistar também! Um beijo, Nina.
Querido
Ricardo,
como vai você? E o novo emprego? Espero que esteja tudo ótimo. Escrevo porque sua ausência tem sido sentida no nosso grupo lá da escola, principalmente em nossas reuniões de planejamento de aula. Ainda ontem
comentei
com
os
colegas o uso em classe de um livro que conheci por seu intermédio, Mandiok e Douradinho, de Apolônio Abadio de Castro. Você havia comentado que o autor trata desse assunto tão delicado que é a aceitação do outro que é "diferente " de uma maneira sensível e emocionante. Depois de ter lido a obra com meus alunos, posso afirmar que você tem tôda razão! Não sei se você lembra da história; é a dos dois peixinhos que nascem diferentes dos demais.
O Mandiola tem nadadeiras pequenas e pernas iguais às dos
sapos. E o Vouradinho tem uma "cor mais forte " do que a dos outros peixes — e por meio dele o autor liricamente aborda a questão do preconceito de cor. Eles são rejeitados pelos
companheiros
caracteristicas físicas,
e sofrem muito. Mas chega o dia em que suas
tão desprezadas pelos peixes
zes de salvar o grupo todo de um grande perigo.
"normais", os tornam capaE então eles são finalmente
aceitos e respeitados. As crianças ficaram muito emocionadas com o sofrimento e a coragem dos dois peixinhos.
Lemosjuntos a história e eias entenderam perfeitamente a analo-
gia entre peixes e pessoas.
Falaram de parentes, amiguinhos,
conhecidos que
também são diferentes. comentamos como essas pessoas são rejeitadas tantas vêzes por causa do preconceito de outras pessoas, que podem ser tão cruéis como os peixes da história. Um menino chegou a dizer que ele mesmo havia deixado de brincar com uma criança surda por achar que ela era "doente" e que a surdez poderia "pegar". Foi a deixa para eu explicar o sentido da palavra preconceito. Precisava ver como eles ficaram pensativos, sensibilizados! Bem, depois dessa atividade, não ouvi mais apelidos como "Gaguinho" ou Tição"nos corredores. Agora, somos um "aquário"bem mais amoroso e tolerante! Achei que gostaria de saber. Venha nos ver logo, as crianças estão com saudades, e nós também. Fátima.
Oi, Sonia, tudo jóia? Este livro (O escaravelho do diabo, de Lúcia Machado de Almeida) épra você, pra sua biblioteca. Não está lá muito apresentável, porque já passou por várias mãos. Eu o utilizei no semestre passado e, como a escola tinha poucos exemplares, fiz circular o meu. Se bem me lembro, você estava procurando livros que seus alunos não quisessem largar desde as primeiras páginas. Ai está um deles. Sem adiantar o enredo nem revelar quem matou quem, posso dizer que a ação começa sem rodeios. Tenho uma porção de alunos fascinados por filmes de suspense. Foi entre esse grupo que o livro fez mais sucesso. Você não sabe o que aprontamos! Primeiro, um deslize: pedi aos alunos que lessem apenas até o capitulo 22, quando ocorre o último crime da série, mas quando ainda não se revelou o culpado. Meu desejo era que, sem saber o desfecho, eles construíssem cada um o seu final. Minha doce frustração foi perceber, pela gargalhada geral, que a maioria tinha lido até o fim! Eles adoram contrariar. Dessa vez, eu os aplaudi. Claro, o erro foi meu. Onde já se viu pedir a eles pra interromper o suspense, a poucas páginas do final, da solução do misuri o? Mesmo assim, a atividade que eu tinha bolado deu certo. Embora soubessem o final, os alunos construíram outras possibilidades de desfecho, com
outros assassinos, às vezes outras vitimas e outros motivos. E eles mesmos ajudaram a avaliar, opinando e criticando a proposta dos colegas. Ninguém aceitou, por exemplo, que um personagem novo fosse o culpado da história. verossimilhança! "Assim não tem graça!
como
Tudo pela
é que eu ia adivinhar?"— diziam.
Foi muito divertido \é-los defender e atacar personagens como se fossem velhos conhecidos.
Foram levantando as pistas dadas pelo narrador.
falas e silêncios dos personagens foram interpretados
como
Olhares, atitudes, indices de culpa.
E claro que isso só foi possível porque o livro o permite: nenhum personagem é completamente inocente. Assim como naqueles enigmas de telenovelas — "quem matou Odete Roitman" ou
"quem matou Juca Pirama"(de que eles não se lem-
bravam e pelo que aproveitaram pra enfatizar que eu sou "uns anos" mais velha) — em que as soluções finais poderiam ser muitas. Espero que você também se divirta com os seus, e depois me conte o que fez de novo. Um abraço da Marina.
Carol, Depoimentos de velhos professores? Conte comigo. Aí vai um dos capítulos da minha vida. Era uma vez um grupo de professores que dentro e fora da escola se amarrava em um bom papo.
Trocávamos experiências, riamos, discutíamos. Na hora de
reclamar, era sempre o mesmo assunto: queríamos trabalhar a leitura, mas dispunhamos de poucos recursos materiais. Um professor disse,
então,
que estáva-
mos nos esquecendo de que não tinhamos livros mas tinhamos histórias para contar. Mas queríamos trabalhar a leitura/ — insistiu uma outra. Então, dizia o professor, não podemos começar pelo hábito tão antigo de contar histórias? Na reunião seguinte, ele trouxe o livro Histórias de Tia Nastácia, e começou a ler uma delas... (Você já leu Monteiro Lobato? Esse grupo de professores, do qual eu faço parte, tinha se formado na
companhia
da Emilia, Narizinho, Pedrinho, Visconde,
Tia Nastácia, Dona Senta...) O mote dos encontros passou a ser Lobato. Cada dia um lia uma história, ou contava um episódio do Sitio que tivesse marcado a sua infância. Reliamos Lobato, recuperando o prazer das nossas leituras infantis.
E resolvemos levar leitura e
Lobato para as reuniões pedagógicas e de planejamento... com isso, na escola,
conseguimos fazer um planejamento integrado: cada
classe, num determinado bimestre, leria um livro do Lobato, à escolha do professor. Isso foi resolvido num mês de dezembro, e em janeiro aproveitamos para ler
(ou reler) alguns livros da coleçào. No inicio das aulas, com Lobato fresquinho na memória, levamos o Sitio para as classes, lemos cada um a sua história e fizemos trabalhos diversos
com
os alunos: teatro, painel,
leitura dramatizada,
música,
como se faz com tantos dos nossos infantojuvenis hoje. Mas o que mais me interessou nisso tudo é que os alunos apresentaram seus trabalhos para a escola tôda, e, como os personagens se repetem, quem leu Reinações de Narizinho se interessou também pelo Caçadas de Pedrinho ou por outros volumes da coleção. No bimestre seguinte, não lemos Lobato, e foi de propósito — mas a bibliotecária atestou que a procura pelos livros do escritor continuou acesa! Esse ano, introduzimos uma novidade nesse ciclo: o livro Minhas memórias de Lobato, de Luciana Sandroni. Os alunos da 4ª série, que já tinham lido bastante coisa de Lobato nos três anos anteriores, leram essa biografia do escritor contada (veja só, Carol!) pela Emilia e pelo Visconde. Surpresa maior o professor de Históna assistiu às apresentações e resolveu participar. No ano que vem, vai partir das Minhas memórias de Lobato para construira memória da cidade e daí trabalhar outros aspectos da sua disciplina. O livro da Luciana Sandroni é ótimo para esse tipo de integração, porque serve a diferentes públicos. Não sou só eu quem diz isso não. A professora Ninfa Parreiras já havia dito, num congresso sobre Lobato, que o livro "é um convite aos já leitores de Lobato para conhecerem uma história gostosa de ser lida. Para as crianças que ainda não o conhecem, ou só conhecem o seriado da televisão, este é um livro obrigatório, de entrada no universo imaginário, povoado de criações e recriações que nos deixou Lobato". Integração e planejamento na prática. pela
Existem! E se pode chegar até eles
leitura. Tenho mais histórias para contar, mas acho que por hoje já está de bom
tamanho.
Serve?
Helena.
Cara Maria, Sspero que esteja tudo bem contigo. Estou te escrevendo para falar de uma sensação um tanto estranha que tive depois de ver um filme chamado 0 conde Drácula. Claro que tu deves ter ouvido falar nessa personagem, que surge apenas à noite, pois não suporta nem a luz do dia nem o cheiro de alho, e somente se alimenta do sangue de pessoas vivas. Pois é, vi esse filme ontem à noite, num desses Corujões da Madrugada. Perdi o sono e lá fui pra frente da televisão, ainda que tivesse de dar aula cedo pela manhã. Depois de assistira esse filme, fiquei rolando na cama e pensando cá com os meus botões: por que gostamos, nos divertimos e nos assustamos com coisas que não existem?
fíquei
me perguntando mais: por que acreditamos, porque cultuamos
e cremos em coisas, em entes, em divindades, como se elas morassem conosco ou ali na esquina, como se nos acompanhassem no que fazemos diariamente? E tudo parece mais estranho se considerarmos que essas criaturínhas que habitam a nossa mente muitas vezes pouco têm da nossa maneira de ser, mesmo fisicamente, E isso me saltou ainda mais à vista, hoje, trabalhando com a garotada da escola o livro Mitos: o folclore do mestre André, de Marcelo Xavier. "Ütilizando-se da estratégia de veicular conceitos e informações por meio de um texto ficcional, o autor faz mestre A n d r é (um contador de histórias) dialogar sobre os mitos folcló-
ricos com as crianças que o procuram, fazendo os diálogos entabulados verdadeiros textos informativos sobre personagens mais do que fantásticas: o saci-pereé, o boítatá, o lobisomem, o curupira, a mula-sem-cabeça e o boto. "Quem me havia dado essas informações foi a Margareth Mattos, professora de geografia da escola. Depois de ler o livro, os alunos foram consultar na biblioteca da escola e procurar em casa outras lendas,
outras histórias folclóricas,
que poderiam ser
brasileiras ou não. Individualmente ou em dupla, eles narraram para a turma a história encontrada.
Teve grupo que contou a história meio que a encenando,
representando-a para a
turma.
Nota, Maria, que desde piá somos habitados por essas entidades incríveis, ou sobretudo quando guri. Acho que depois de grande a gente somente muda a cara e os trejeitos de nossas fantasias, não? Abraço do Rodrigo.
Cara Rosane, "Só podia ser neguinho pra fazer isso" — foi reclamando por assim ser tratado e chorando em prantos que o Francisco, um aluno meu, entrou na sala, apôs o recreio. Havia discutido e brigado com um colega de outra turma, ao jogar futebol durante o intervalo. Francisco, que é mais preto do que a asa da graúna — como dizia aquele escritor -, queixou-se ainda que não era a primeira vez que tinha sido xingado em razão da sua cor. Bem, notei que a turma não só prestava atenção na história que Francisco contava como também mais ou menos se solidarizou com a dor do colega. Outros dois alunos,
também pretos, contaram experiências pessoais um tanto trau-
máticas em razão de preconceitos raciais que sofreram. E olha. Rosane, que é tudo gurizada de 11, 12 anos. Para continuarmos a conversa, sugeri que os alunos lessem o livro Né na garganta, de Mirna Pinsky, uma obra na qual "mudança, adaptação, submissão e preconceito racial são algumas das questões vividas pela protagonista, que descobre no convivio com os colegas a amargura de ser negra e de ser trateda como inferior", segundo me informou uma outra professora da escola, a Ninfa Parreiras. ' A partir do relato das experiências dos alunos e da história da personagem Tânia, começamos a discutir o que é preconceito racial, por que ele existe, se é possiyel combatê-lo e de que modo. E o mais interessante é que, quando o profes-
sor de história soube pe/os alunos que estávamos discutindo esse tema em aula, ele conversou comigo para também participar das aulas, porque achou interessante mostrar para os alunos e discutir com eles como o preconceito racial no Brasil está ligado à escravidão do negro e ao tipo de trabalho que estes faziam. E, para não dizer que a coisa deu mais pano pra manga, o próprio professor de história sugeriu que os alunos observassem nos programas de televisão, sobretudo nas novelas, como os negros são apresentados e que papéis são atribuidos a eles. Mas a conversa sobre isso ficou pra semana que vem. Depois te conto como foi a discussão. Beijos, Ana.
Ói, Ana Maria Machado, Que beleza de livro este jardim secreto que você traduziu! A gente fíca pensando na sorte das crianças inglesas que já podiam lera história de O jardim secreto há tanto tempo! Sabe, fiquei encantada com a história de Mary e de Colin que, com a amizade de Dickon, conseguiram dar sentido a suas vidas, até então desperdiçadas! Acabei emprestando o livro para uma prima, a Marínete, que dá aulas numa escola. Ela também gostou da história. Gostou tanto que começou a lê-la para os alunos, mas achava que talvez eles não fossem gostar, que eram situações muito diferentes das que eles viviam. O livro fala de crianças de familias muito ricas, morando em um castelo no interior da Inglaterra... Mas que nada: as crianças da classe da Marínete adoraram a história. E sabe o que mais? A Marínete acabou organizando duas atividades depois da leitura do livro: uma foi pedir que as crianças inventassem um diário de Dickon (os meninos) e um de Mary (as meninas), onde eles escreveram "como foi o dia seguinte da última cena do livro, a conversa de Mary, Colin e Dickon com o Sr. Craven ". A outra atividade nasceu da surpresa dos alunos com tanto nome de flor que aparece no livro: minha prima pediu que os alunos lembrassem dos nomes de flores que conheciam, depois pediu que encontrassem imagens dessas flores em revistas e que escrevessem uma história na qual as flores conversassem umas com as outras e todas com o/ a autor/a da história. Ilustraram a história com os recortes e juntaram todas as
histórias num volume que chamaram O jardim secreto da 4ª C. A Marínete me pede para perguntar se a gente pode lhe enviar uma cópia do fívrv. Pode? Maria Júlia.
Caro Pedro, como vão as coisas contigo? E as aulas com a piazada, estão legais? Estou te escrevendo para te falar daquela conversa que tivemos nas anas passadas, a respeito de linguagem, de sons, de ritmos, lembras? Aquele papo me deixou com a pulga atrás da orelha alé hoje. Ainda não sei se concordo contigo quando dizes que a linguagem, quer dizer, a lingua na qual nós falamos e pensamos, é algo como a mãe que nos dá a luz para nosso contato com o mundo e com nós mesmos. Digamos, a forma base e primeira de nossa expressão e relação com o mundo. Será que estou sendo claro? É que essa conversa está meio filosófica, e eu sou apenas simples professor de ensino fundamental,
como
tu. Pedro. Mas eu
queria te dizer o seguinte: eu acredito que há outras coisas que influenciam também nossa maneira de nos relacionar com o mundo. As formas de percepção, como a visão, o tato, a audição, são recursos que temos e que nos fazem mergulhar na realidade de modo mais direto e imediato. Nota estas frases. Pedro: "Sabia que o sabiá sabia assobiar? Dizia o meu avô. Sabia que o sabiá sabia avoar? Avoa, vô, avoa". Elas pertencem ao livro O sabiá e a girafa, que os meus alunos estão lendo. Não te parece que o efeito sonoro que essas frases transmitem seja mais importante do que aquilo que eias dizem, do que o seu sentido? Essas repetições de esses e de bes, combinadas com a repetição tam-
bém de ás e és, chamam a nossa atenção muito mais para o efeito sonoro do que para qualquer outra coisa. Esse livro do Leo Cunha, como observou a Rosa Riche, uma colega minha, está cheio desses jogos de palavras. S eles refletem bem que mesmo dentro da palavra nossos sentidos todos são remexidos por ela. A minha idéia, por sinal, é fazer com que os meus alunos, a partir da leitura desse livro, e depois de a gente entender um pouco mais como o autor trabalha a sonoridade das palavras, inventem textos em que a semelhança de sons, a combinação deles, das formas mais variadas e diversas, esteja no centro da criação desses textos. Dai te envio alguns trabalhos para tentar mostrar que o sentido e a beleza das coisas podem estar em várias partes,
certo?
Abraços fraternos do Fábio.
Sami, Estou lhe escrevendo por dois motivos: o primeiro, claro, para agradecer a dica da última carta. De fato, o livro O último dia de brincar me ajudou muito na discussão sobre preconceito. Levei o conto (o que dá titulo ao livro) para a classe, li com os alunos e dai passei à discussão. Do preconceito sofrido pela Maninha ("filha de mãe largada") e até pela Poi ¡dora (por ser "tão pretinha"), partimos para outros tipos de preconceito: classe social, raça, religião, nacionalidade, time de futebol, tamanho do pé... Até a questão dos preconceitos lingüísticos pôde ser trabalhada. uma amiga me indicou um artigo da Laura Sandroni, em que se lê: "A linguagem (...) resgata o falar regional cheio de graça em sua simplicidade, o que poderá ser observado em salas de aula ao recuperar vocábulos em desuso e demonstrar a riqueza da expressão popular". Não pedi a eles que fizessem pesquisa, porque o tema já é velho conhecido deles. Cada um tem um exemplo mais impressionante de discriminação. E um aprende com o outro, sem necessariamente ter vivido a situação. Não vou dizer que achei a fórmula para acabar com o preconceito, seria pedir demais, mas o respeito entre eles aumentou nitidamente. O outro assunto ainda é sobre o mesmo livro, sobre o conto "Feitiço ". Mas dessa vez discordo de você. A Dorinha não é louca só porque é afeiçoada a seu pacote de terra! Ou pelo menos não necessariamente. Você se lembra daquele
conto "A terceira margem do rio", do Guimarães Rosa? Lembra-se da aula que tivemos sôbre ele no cursinho? Confesso que não entendi tudo, mas aquele conto não me saiu mais da cabeça! A imagem do filho gritando para o pai e depois fugindo; o pai que vai sabe-se lá para onde: a linguagem meio mágica.., Fiquei impressionada com a história! Ela é desconcertante, como a fixação da menina pela terra. Quer uma sugestão? Leia o conto "Feitiço"para os seus alunos e deixe que eles o interpretem,
que expliquem a loucura-obsessão-feitiço-paixão da Dorínha
pela terra. Sem querer produzir uma grande atividade, pode ensiná-los a interpretar, a produzir significados e a verificar que tipos de interpretação são possíveis para um texto. E isso o que eu vou fazer. Na próxima carta eu lhe conto o que houve por aqui. Seria muito bom saber o que houve por ai também. Desculpe essa amiga discordante, e diga lá o que você acha de tudo isso. Um beijo, Débora.
Cara
Marilda, Será possível estabelecermos relação entre a vida do escritor e a sua obra?
Será que o que viveu um poeta, um escritor, é fielmente transportado para a história criada? Eu sei que tem gente que não acredita nisso, principalmente os chamados críticos literários.
Eu, pessoalmente,
também tenho dúvidas quanto a
isso. Quando fiz meu curso de Letras, lembro-me de que, nos textos que lia, os críticos e os teóricos de literatura diziam que literatura é linguagem. Isso quer dizer transfiguração da realidade concreta e sensível por meio da linguagem. Essas questões correm na minha cabeça sempre que leio os poemas de Mário Quintana, e mais agora, quando li com a minha turma o livro Pé de pilão, do poeta gaúcho. Quando morava em Porto Alegre, volta e meia via o Quintana sentado na Praça da Alfândega ou se dirigindo para o Majestic, um dos vários hotéis onde morou o poeta. Ele, sempre com aquela cara de guri velho, olhando pras coisas e pros outros como quem vai pregar uma peça, uma travessura em nós, pobres
leitores.
Dai é que me ocorre que os textos de Mário Quintana, e também Pé de pilão, têm a cara do poeta, pois, como comenta a critica de literatura Vânia Resende, "a forma e a visão são inconfundivelmente de poesia, contando a mágica história do encantamento/desencantamento do menino Matias e da avó, recheada de peripécias e transformações fabulosas que incluem o confronto do Bem e do Mal(...)".
O pròprio Erico Verissimo, outro escritor gaúcho e muito amigo de Quintana, dizia que o autor de Pé de pilão era o sujeito "mais diferente"que eie havia conhecido. E diferente também acharam os alunos a história com gente se transformando em bicho e bicho agindo como gente. Tudo soou estranho, meio fantastico pra piazada. A idéia, então, foi a de que a turma criasse coletiva e oralmente uma história também fantástica, sobrenatural. Cada aluno criava uma parte que era continuada por outro.
Depois,
eles passaram pro papel a história oral, mantendo
a original ou modificando-a, recriando-a, conforme o gosto do fregués. O que fez com que a nossa história também tivesse várias caras. Abraço saudoso do Roberto.
Laura, Tudo bem? Estou lhe enviando o livro Pé de poesia, de Wilson Pereira, como combinamos ao telefone. Acho que você vai adorar, o Wilson é ótimo poeta. E a ilustradora, Marilda Castanha, criou aquarelas que
complementam
de maneira
muito feliz a atmosfera de sonho sugerida pelo texto. Estou sempre pesquisando poemas para fazer atividades
com
meus alunos,
e ao ler o artigo de Elizabeth Vasconcellos sobre Pé de poesia, fiquei bastante animado. Segundo ela, o autor nos apresenta um menino "perguntador", que "reoiganiza, em sua cabeça, um espaço ideal em que a familia — mãe, pai, avô, tios —, os amigos e ele próprio teriam seus desejos satisfeitos.
Esse pequeno mundo seria
como uma reedição do jardim do Paraíso". Ele imagina árvores que dão frutos como brinquedos, doces e até toalhas. Achei muito interessante e li o livro, que me surpreendeu por sua beleza. Concordo com Graça Monteiro de Castro, quando ela afirma, em outro artigo, que a obra "resgata não só o imaginário fantasioso do universo da criança, como propõe um jogo lúdico de invencionices". As atividades lúdicas que o texto propõe são inúmeras, como pude comprovar com meus alunos. Pedi a cada um que lesse um trechinho do poema. No começo, como você sabe, eles se sentem um pouco envergonhados e tropeçam nas palavras; mas aos poucos fomos
"esquentando".
Eu os ajudava,
enfatizando em minha leitura a
musicalidade dos versos, e eles me ajudavam, propondo ritmos que iam surgindo
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ao sabor de cada tentativa; no final, estávamos afiadissimos. Depois de um bom tempo explorando a beleza do poema, propus a eles críannos novas árvores para o jardim imaginário. Cada aluno desenhou então uma árvore, com os frutos mais malucos que você possa imaginar. Em seguida fizeram versinhos para dar continuidade ao poema de Wilson, acrescentando muitos sonhos mais ao jardim do menino. Foi uma tarde proveitosa e divertida. Tenho certeza de que você e seus alunos vá o gostar do livro. Um abraço, Pedro.
Cara Virgínia, Resolvi te escrever para desabafar um pouco.
Estava um tanto preocupada
nestas últimas semanas, porque meus alunos estavam reclamando para mim que eu só os faço ler e escrever e escrever e ler. como qualquer professora, devo confessar que de vez em quando os alunos até têm razão e que me minha criatividade entra em crise. Mas nada como uma boa conversa
com
os colegas de trabalho para abrir caminhos e perspectivas.
Falando com os professores de Arte da escola, eles me recomendaram que desse uma olhada no livro Picote, o menino de papel. Foi um achado. O livro tem uma historiazinha bem simples, como os alunos gostam. A história do personagem Picote, que qual,
como
"morava num lugar encantado ", o
o próprio Picote, era todo feito de papel. O personagem sofre um
acidente com fogo, mas é socorrido pelos seus melhores amigos, a Tesoura e a Cola. A Fátima Miguez e o Ande Muniz de Moura, os professores de Arte de quem te falei, me disseram: "Faz os teus alunos lerem o livro, e depois, em vez de escrevera história, faz com que eles utilizem recortes, colagens e dobraduras para contar a história de um personagem feito de colagens, recortes e dobraduras, como nas ilustrações do Picote ". com muitas cores,
formas e dimensões diferentes,
foram contadas belas
historias. Num segundo momento, sugeri que quem quisesse escrevera história do seu personagem também poderia fazê-lo. foi uma saída interessante? Beijos da tua amiga Joana.
Praticamente todos a escreveram. Não
Marcela
querida,
Desculpe, mas não sei se posso ajudá-la nesse seminàrio.
Suja não me
lembro mais do Simbolismo. Ve qualquer forma, li as poesias que você mandou e senti dificuldades também.
Mas a leitura é divertida!
Sei que meus aluninhos são muito diferentes dos seus colegas de classe, mas sugiro que dê uma olhada no livro que deixei pra você — Quem lê com pressa tropece, de Elias José. Trata-se de uma série de poemas de trava-língua, isto é, uma "brincadeira verbal, um jogo lingüístico, envolvendo palavras parecidas e que, ditas rapidamente, provocam dificuldade na sua enunciação", segundo o professor Francisco Auélio Ribeiro. Funciona, de inicio, como brincadeira, mas estimula a percepção de sons e da musicalidade das palavras, essenciais na leitura de poesia — e das suas poesias simbolistas também. Quando usei esses livros com eles, fizemos bastante leitura oral. Cada aluno lia um poema. Cada vez que um "travasse a lingua", "tropeçasse nas letras", outro leria o poema do amigo. No meio dessa brincadeira sonora, eles lembravam de outros trava-linguas famosos e desafiavam os amigos.
Eles se divertiram rindo
muito dos tropeços dos amigos. Em geral, o riso não era maldoso, quem errava a pronúncia também ria de si mesmo, porque às vezes produzia palavras novas, engraçadas. Lembro-me de que eu e sua mãe fãziamos o mesmo, quando crianças, num
trava-lingua em que o significado das palavras pouco nos importava. "Num ninho de márfagafos tinha seis marfagafinhos. bom desmarfagafizador será".
Sra assim:
Quem os desmarfagafar
Teve um momento em que pronunciar já não era
difícil, e ai o desafio passou a ser pronunciar o mais rápido possível. Não acho que a poesia seja só som, mas não dá pra esquecer que é som também (e aqui você percebe que eu não me esqueci do assunto do seu seminário). Senão, como ler, por exemplo o "Trem de ferro", de Manuel Bandeira? Ou ainda o
"Sino de Belém", de Bandeira também? A primeira você deve conhecer,
porque tem naquele ed do assim:
Tom Jobim, lembra? A segunda tem um trechinho
"Sino de Belém, pelos que inda xêml / Sino de Belém bate bem-bem-
bem. / Sino da paixão, pelos que lá vão! Sino da paixão bate bão-bâo-bão". Leia em voz alta e diga-me o que achou! E, talvez eu possa ajudá-la no seu seminário. Venha fazer uma visita a essa sua tia tagarela. Um beijão, Mary.
Dora, amiga, Ai está a receita que você me pediu. E um livro de presente. E de receitas... Tenho de lhe agradecer por me fazer lembrar das receitas da minha avó. E que esse papo-de-anjo só ela sabia fazer. No meio dos meus cadernos antigos, procurando a receita pra você, voltei a ser criança: lá estavam as minhas lembranças da cozinha quente da minha vô, eu e meu caderninho pardo, manchado... Fiquei esquisita depois de rever aqueles livros, depois dessas lembranças todas. Saí pra espairecer e fui parar, veja só, na estante de receitas de uma livraria. Pois foi lá que eu encontrei um livro de receitas nada convencionais: Receitas de olhar, de Roseana Murray. Dê uma olhada [...tempopra você ler. Leu?]. Sabe o que eu fiz? Resolvi não aposentar essas lembranças. Levei tudo pra minha classe: livro de poemas, receitas e até minha avó, na lembrança. Pedi aos alunos que trouxessem de casa, cada um, uma receita. Teve café, bolo, pão doce, pão salgado, bolo de chocolate... Até que apareceu papo-de-anjo.
Você acredita?
Também, se não tivesse aparecido eu estava com essa carta na manga que não sou besta.
Depois de tantos ingredientes, a pergunta que eu esperava: quantas
colheres de anjo são necessárias pra se E baba-de-moça? E nojenta? De
fazer papo-de-anjo? Anjo
tem papo?
quantas moças precisaríamos?
Foi engraçado. Depois dessas brincadeiras com as palavras, as crianças leram o livro. Alguns dos poemas, lemos na classe mesmo, pra superar a dificulda-
de com as abstrações. Então, com papei, guache e tubos de caneta vazios na mão, começamos a produzir desenhos abstratos.
Muito sopro nas canetas e muitos
dedos nas tintas. Dos desenhos, começaram a brotar imagens, como das nuvens. imagens e sensações, abrindo a imaginação e o coração. Diz uma das receitas: "O coração é iabirinto viagem". Depois de apreciarmos e mos outras receitas,
comentarmos
as imagens produzidas por eles, le-
"Abrindo os olhos para o que é invisivei",
"Desamarrando o
olhar". O Luis, para ver melhor, tirou os óculos. A Débora pôs os óculos do Luis pra ver como ele veria se ela fosse ele. A Dani pôs celofane na cara: o Pedro preferiu ver de olhos fechados.
"O mundo é sempre novo", diz um dos poemas.
Tarefa para o dia seguinte: trazer novas receitas escritas por eles. Essa idéia foi do Francisco Auélio Ribeiro, que escreveu um artigo sobre o livro dizendo que a autora
"instiga o olhar diferente,
utilizando as formas tradicionais da
com isso, o jovem leitor poderá criaras suas próprias
'receita'.
'receitas', diferentes manei-
ras de ver o mundo e de escre\é-lo ". Foi o que eles fizeram. Teve receita de dormir com os anjos, de ir pros diabos, de dobrar a esquina... Teve até receita de matar saudades de vô que já se foi. Um grande beijo, cheio de boas lembranças, Anna Luiza.
Alexandre, Olá, meu amigo!
como
vão as coisas ai em Salvador? Aqui estamos todos
bem, e com muita saudade. Queria agradecer sua dica de utilizar o livro Rosalina, a pesquisadora de homens, de Bia Hetzel, em minhas aulas de Ecologia. Ontem fiz algumas atividades com meus alunos da 4* série a partir da história da simpática baleia, e foi muito legal. Estou enviando para você dois artigos sobre o livro que me ajudaram a aprofundar a leitura da obra de Bia.
Em um deles, Margareth Mattos chama a
atenção para "as informações importantes sobre a espécie a que pertence Rosalina" e também sobre "os riscos que corre pela ação predatória do homem e como esta ação pode ser revertida". Ela salienta que essas informações são "veiculadas de forma lúdica e atraente". Já Vânia Rezende destaca a "notávelafinidade entre a autora e a sua personagem, a baleia, a quem ela passa o fio da na nação, o que assegura a utilização de um ponto de vista
'de dentro' (a baleia abre seu interior
ao leitor, revelando peculiaridades da espécie jubarte,
inclusive a sua natureza
dócil)". Os alunos divertiram-se com as observações e as "pesquisas" da baleia sobre os homens. Eles leram em casa a história e, na aula, debatemos as questões ecológicas, éticas e até políticas abordadas pela autora. Eu levei vários recortes de jornal, inclusive a noticia sobre o encalhe de uma baleia jubarte no Rio de Janeiro, em 1991, que Sia incorporou ao livro. Também mostrei fotos e comentei o traba-
Iho de pesquisadores,
como
vida de animais marinhos.
a própria Sia, e ativistas que procuram preservar a Os meninos ficaram muito interessados, principal-
mente pelas características da espécie de Rosalina. Agora, com a ajuda da professora de português, eles estão escrevendo textos em que outros animais ameaçados de extinção os homens.
"contam"suas experiências com
Rosalina não imagina o quanto sensibilizou minha turminha para as
questões ambientais! Mais uma vez, obrigada pela preciosa dica. Muitos beijos, para você e os seus! Luana.
Querida Sílvia, Oi amiga, tudo bem? Saudade de você! Espero que nos possamos ver em breve e colocar a vida em dia. Enquanto isso, vou dando trabalho aos correios. Você me pediu sugestão de livro com atividades para trabalhar o tema da inclusão de crianças deficientes com sua turminha na creche; mando o ótimo Somos todos iguais, de Itamar Marcondes Farah e Nancy Pagnanelli, que tem sido uma grande fonte de inspiração para minhas aulas. O livro suq^íu do trabalho das autoras, que são psicólogas,
com
crianças de cinco a sete anos em creches
paulistanas. Você vai ver como eias conhecem bem as dificuldades e as alegrias do nosso
trabalho.
O livro apresenta a professora T'ita e seus alunos; alguns deles têm deficiências físicas, mentais ou Sensoriais. A cada página há a proposta de uma atividade, com espaços para os alunos interagirem, por meio de desenhos, por exemplo. Nós fizemos, outro dia, atividade sobre deficiência sugerida pelo livro. comecei com um "aquecimento", pedindo que cada criança escolhesse uma das várías bexigas que eu já tinha deixado cheias para a brincadeira. Ao som de música, eias brincaram com as bexigas em duplas, trios, sozinhas, e finalmente todas juntas. Essa brincadeira é ótima para deixá-las bem enturmadas. Em seguida, peguei todas as cadeiras de rodas, cadeirões e andadores que há aqui para vivenciar com eias como deve ser o cotidiano de uma pessoa com
deficiência física. Separei as crianças em dois grupos: as do pnmeiro usavam os aparelhos, e as do segundo ajudavam. Depois trocamos. No final, conversamos sobre como eias se sentiram; foi muito enriquecedor! Para terminar, eias fizeram um desenho livre. Você pode imaginar que muletas, cadeiras de rodas e andadores acabaram aparecendo de forma veemente em todos os trabalhos. Naquela semana, fizemos mais atividades desse tipo. Para vivenciar deficiências Sensoriais, as crianças usaram venda nos olhos ou tentaram se comunicar apenas por meio de sinais. Ao final de cada atividade, conversávamos muito, e depois eias desenhavam. Foram experiências bastante positivas que, tenho certeza, se repetirão com seu grupinho. Beijos, Rita.
Querida Cláudia, Oi, amiga! Quanto tempo! Estou
com
saudade.
Ontem lembrei muito de
você, porque fiz uma atividade com meus alunos usando o livro Um amigo diferente?, de Cláudia Werneck Além de ser sua xará, a autora tem uma sensibilidade para falar das pessoas consideradas deficientes que me fez pensar imediatamente em suas aulas com crianças "especiais" — "especialmente legais", como você sempre fala. ü com minha turminha de 2a- série a história do menino que se apresenta assim ao leitor:
"Oi! Sou seu amigo diferente!" A partir dessa apresentação,
pequeno personagem vai fazendo reflexões,
em
uma
o
linguagem muito poética,
que nos levam a questionar as dificuldades de integração de uma criança com deficiência, assunto que você sabe melhor do que ninguém como é tabu. Veja que bonito esse trecho: 'Você imagina que eu só ando de cadeira de rodas e que minhas pernas não obedecem à vontade que eu tenho de sair correndo por ai. Ese eu fosse assim? Nem por isso meus pensamentos seriam menos velozes que os seus". A autora faz suspense até o final; o menino convida o leitor a imaginar de que tipo seria a "diferença"dele, e assim vai
comentando,
de modo muito delica-
do, deficiências físicas, mentais e Sensoriais. No final do texto, há sugestão de atividades muito bacanas, que fizemos com prazer.
começamos
conversando so-
bre as pessoas diferentes que conhecemos; um deles falou do avô que não escuta quase nada, outra contou da irmãzinha que usa aparelhos nas pernas...
todos
conheciam alguém, adulto ou criança, com diferenças. Então comentamos como essa gente diferente brinca, sente, è amiga, tem medo, tem sonhos, igualzinho à gente. As crianças gostaram muito do
"amigo diferente"; propus que desenhas-
sem como ele deve ser e que depois escrevessem uma cartínha para ele. Mão imagina que graça de textos fizeram, muito amorosos! Gostaria de mostrá-los a você; quando vem me visitar? MH beijos dessa sua amiga diferente, Cintia.
Roberto, Você se lembra daqueles artigos que me enviou, sobre o livro Um fotógrafo diferente chamado Debret de Mércia M. Leitão e Neide Duarte? Mão imagina como me ajudaram; gostei tanto dos
comentários
dos autores, Francisco Aurélio Ribeiro
e Graça Monteiro de Castro, que acabei lendo o livro e adotando-o em sala. O texto de Ribeiro me instigou, porque ele afirma que a obra "tanto ensina quanto diverte, por isso deve ser utilizada por crianças e jovens para ampliação de seu conhecimento da realidade histórica e sociológica brasileira".
Era justamente
um livro
assim que estava procurando para tomar mais dinâmicas minhas aulas de História para a 5Ü série. As autoras criaram a história de um menino que, por intermédio do pai, conhece as obras do artista francés Debret, que esteve aqui no começo do século XIX e pintou cenas do cotidiano brasileiro.
O pai do protagonista é fotógrafo e
incentiva a criança a comparar as fotos que tira com as pinturas. Diz ao filho que "quando nosso olhar vai do desenho de Debret para a foto, parece que estamos viajando no tempo". O menino fíca tão encantado com essas "viagens"que resolve construir o
"Debretmóvef",
uma
máquina que mistura traços de transportes
que Debret retratou, veículos da nossa época e mais "ares futuristas". As autoras convidam então o leitor a imaginar e a desenhar seu próprio "Debretmóvel", identificando as partes que lembram o passado e o presente e
aqueias que sugerem o futuro. Foi um exercicio incrível, porque os alunos ficaram interessados em conhecer o modo como as pessoas se locomoviam naquele periodo em que o país deixava de ser colônia e tomava-se independente. O interesse passou dos transportes para outros aspectos do cotidiano daquela época, o que tomou a atividade muito rica. Enfím, como comentou Graça Monteiro de Castro, "o acesso a livros desta natureza é importante na formação dos jovens e das crianças brasileiras, que precisam ser estimulados para a apreensão de conhecimentos e o despertar do interesse pela arte e pela produção cultural no Brasil". Eu acrescentaria que esse livro possibilita um modo diferente de aprender História. dica! Um abração, Ua.
Obrigada pela grande
Oi, Lu, Infelizmente ainda não estou escrevendo para programar aquela viagem, mas para lhe pedir o favor de nos enviar noticias da festa do Boi-Bumbá: fotos, postais e vídeo serão bem-vindos. O pedido é das minhas crianças, que já imaginam como é colorida a sua Parintins em junho. Vou lhe contar o que fizemos. Depois de termos lido o Viva o Boi-Bumbá, de Rogério Andrade Barbosa, que você nos recomendou, fizemos diversas atividades visitando o folclore local — sem sair dos limites da
comunidade.
Usando a frase do garoto da história ("Mãe,
repete a história do Boi-Bumbá"), os alunos buscaram o folclore dentro de casa, na vizinhança, na memória dos seus parentes e amigos mais velhos, pedindo para ouvir de novo aquela história que lhes haviam contado há tanto tempo. Apareceram o Saci, o Curupira, várias Brancas de Neve... O problema foi quando as versões de uma mesma história não batiam: um deles quis saber quem estava com a história verdadeira, se ele ou o amigo. Queria saber se o seu pai ou o do outro tinha mentido. Aí eu interferi explicando que as narrativas de tradição oral possuem mesmo várias versões, por sofrerem variações na constante retransmissão, e que todas eias são verdadeiras! Resolvida a questão das versões, sugeri a eles que buscassem, dessa vez, a história do Boi-Bumbá (ou Bumba-Meu-Boi,
como
é conhecida por aqui). Nem
sempre a familia a conhecia, mas ai a enciclopédia os ajudou.
Trouxeram para a
classe varios "bois", cada um apresentando um novo detalhe, reformulando as histórias ouvidas ou lidas,
compondo
outras para dar prosseguimento à tradição,
Então desenhamos os bois. Um colorido só. No envelope pardo que vai junto dessa carta, há alguns deles. Um dia, quem sabe, eles visitarão deperto a versão dejunho, dai de Parintins. Ficaram curiosos e se recusaram a interromper as pesquisas sobre o folclore. Faremos, agora, meses temáticos: em abril, será a vez do Saci, depois do Curupira, da Iara... Os clássicos (Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, etc.) também os encantaram, mas sobre estes eles sabem mais. Querem conhecer os outros. Daquele recorte de artigo que você me mandou, da Eleonora Cretton Abílio, gostei muito do trecho que diz:
"O folclore brasileiro possui manifestações das
mais ricas e variadas. Quando a literatura se ocupa dessas manifestações, tomando-as como pano de fundo, possibilita-nos o conhecimento e a análise mais profunda da própria expressão folclórica". Mande outras dicas de leituras quando puder.
Esta foi aprovadissima!
Diana.