Espiritualidade nos Negócios an Revista Comunicação Empresarial 90

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ANO 24

2014

VIDA DE EXPATRIADO: OS PROFISSIONAIS BRASILEIROS E ESTRANGEIROS COM CARREIRAS MOBILE

BIG DATA NA COMUNICAÇÃO: INSIGHTS E OPORTUNIDADES

REPUTAÇÃO, IMAGEM E OPINIÃO A TRÍADE SAGRADA DO RELACIONAMENTO DAS EMPRESAS COM SEUS PÚBLICOS

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COMUNICACÃO


A ideia de espiritualidade entre profissionais e na cultura corporativa se revela a partir da

TRAZIDA AO NOSSO país no começo dos anos 2000, essa ideia englo-

demanda por transcendência

ba várias noções que hoje são uma busca das empresas e estarão cada

nos negócios

vez mais presentes no ambiente corporativo. “Aqui no Brasil (essa noção) surgiu porque existia uma casa referência de negócios, que era a representação no Brasil da World Business Academy (WBA), um grupo de empresários que trabalha novas formas de gestão e negócios. Esse grupo acabou criando o ELOS – Espiritualidade e Liderança para Organizações Saudáveis”, afirma Augusto Cuginotti, um dos fundadores da instituição e especialista em treinamento de lideranças. A ideia era injetar uma percepção de espiritualidade nos negócios entre os líderes interessados, para criar uma nova cultura de gestão e relacionamento interno e externo: “Fizemos grupos de treinamento, de processo; as pessoas que participavam eram muito diversas. Tinha ex-presidentes de empresas, consultores de negócios. Era a nata da nata do desenvolvimento organizacional”, afirma Cuginotti. MAS QUAL É A essência desse conceito? O que significa levar a espiritualidade ao mundo dos negócios? Em primeiro lugar, talvez seja necessário entender o que esse termo não é. “A espiritualidade geralmente é associada ao misticismo, ao sobrenatural, a coisas que estão além da compreensão humana”, define Luiz Fernando de Araújo Brandão, membro do Conselho Deliberativo da Aberje e é diplomado pelo Yoga Institute de Bombaim. Alexandre Caldini Neto, CEO do Valor Econômico,

AUGUSTO CUGINOTTI, DA ELOS

explica: “O que não é: não é religião. Tem empresas que têm uma prática religiosa, mas não é disso que se trata aqui”. Mario E. René Schweriner, líder da área de humanidades e direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), detalha a distinção entre religião e espiritualidade: “É importante ressaltar que esse termo é mal-empregado. As organizações muitas vezes confundem trabalho em grupo, orações pela manhã, com alguma atividade espiritual”. O central, continua Caldini, é levar valores para o ambiente da empresa: “É trazer para a organização uma postura mais humana, mais moral, mas ética, na relação com pares, chefes e subordinados. Isso é a espiritualidade numa organização”.

“ISSO É CUIDAR DAS RELAÇÕES E DE SI MESMO. AS PESSOAS ESTÃO ENTENDENDO MAIS AS FERRAMENTAS DO SABER SE RELACIONAR” AUGUSTO CUGINOTTI, FUNDADOR DA ELOS

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CULTURA

“ACHO QUE A ESPIRITUALIDADE TEM A VER COM A RAZÃO SOCIAL DA EMPRESA, NO SENTIDO ESTRITO, QUE FOI ESQUECIDO AO LONGO DO TEMPO. O QUE IMPORTA AFINAL, É O PAPEL QUE A EMPRESA PRESTA PARA A SOCIEDADE” LUIZ FERNANDO DE ARAÚJO BRANDÃO, MEMBRO DO CONSELHO DELIBERATIVO DA ABERJE

“A riqueza deveria gerar educação, emprego, oportunidades, bem-estar para todo mundo. A riqueza de um deveria ser usada para o bem de todos. Não tem problema ganhar dinheiro, mas como você usa esse dinheiro?”, completa ele. EM OUTRAS palavras, as prioridades devem ser revistas, como mostra Schweriner: “Muitas vezes as empresas demitem funcionários para satisfazer aos acionistas, ao conselho, porque o lucro caiu de 12.4 para 9.5. Não é razão para demitir. Essa empresa está colocando o material como prioridade única.” E como fazer isso? Como identificar os valores e compromissos que uma organização deve ter com a sociedade de maneira a transformar seus processos? Esses valores devem ser encontrados através de um processo de autoconhecimento a ser operado internamente, para que se encontre um senso de propósito mais profundo: “O que a gente trazia era muito autodesenvolvimento, de perceber a si mesmo, e a relação com o outro. Tinham várias práticas dialógicas, trabalhos com diálogo, autopercepção e ferramentas, formas de estruturar conversas, rotinas de gestão de pessoas”, relata Cuginotti. E parece que a busca única pelo valor financeiro está fadada à obsolescência nos tempos atuais. “Acho que a espiritualidade tem a ver com a razão social da empresa, no sentido estrito, que foi esquecido ao longo do tempo. O que importa afinal, é o papel que a empresa presta para a sociedade. Muitas empresas ainda estão naquele velho paradigma de que o que importa mesmo é gerar valor para o acionista, o que é ultrapassado, avalia Brandão. Os motivos disso são vários, mas vêm se apresentando claramente ao longo dos anos. “As pessoas não estão aguentando mais um ambiente muito duro e muito pesado. Tem uma expressão da qual

LUIZ FERNANDO BRANDÃO

eu desgosto bastante, que se usava antigamente: ‘sangue nos olhos,

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“AS EMPRESAS VÃO PRECISAR SE REIVENTAR PARA PODER ATENDER A ESSA DEMANDA, QUE AINDA É MUITO DIFUSA” ALEXANDRE CALDINI NETO, CEO DO VALOR ECONÔMICO

faca nos dentes’. É o oposto disso. Tem empresa que é assim? Tem. E tem gente que gosta de trabalhar nessa empresa? Tem. Cada empresa é um ambiente distinto e a liderança tem muito a ver com isso e dá, em grande medida, o tom; as pessoas se adaptam aos perfis das organizações”, diz Caldini. E MUITO DISSO tem a ver com a mudança de perfil das pessoas e da sociedade, de uma maneira geral. O tipo de gestão da Revolução Industrial não era mais adequado ao século XX, por isso uma série de mudanças aconteceram para dar mais direitos ao trabalhador. E o século XXI se vê às voltas com uma nova mudança, onde a simples busca pelo resultado e o crescimento não pode mais ser a única baliza. “Há 30, 40 anos, você era regido pelo lema ‘time is money’. Ele é exatamente o oposto de qualquer conduta espiritual”, diagnostica Schweriner.

ALEXANDRE CALDINI NETO, DO VALOR ECONÔMICO

Brandão vê atualmente um cenário cheio de incertezas que ajuda a colocar em xeque as ideias antigas e a abrir novas possibilidades. Para ele, “ameaças concretas no ar com relação ao nosso futuro no planeta, a questão ambiental, a questão social, o terrorismo, a insegurança da sociedade em relação à capacidade das empresas de cumprirem o que elas prometem” são o pano de fundo para um desejo de mudança. Esses elementos “vêm gerando um questionamento maior do porquê de estarmos fazendo o que fazemos e isso se transfere para as empresas”, avalia ele. Caldini também vê uma mudança de perfil em quem trabalha nas empresas. As mulheres têm um papel importante nessa virada: “A chegada delas ao poder muda muito (o ambiente). Elas têm um jeito diferente de enxergar o mundo. São mais comunicativas, mais holísticas, mais compreensivas, então acabam tendo um olhar diferente sobre o que é a gestão, o que é liderança”.

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CULTURA

MARIO SCHWERINER, DA ESPM

presas que têm propostas mais bacanas do ponto de vista social são mais procuradas”, Brandão observa. Chegam a fim de trabalhar, mas não apenas. Caldini identifica as aspirações dos jovens profissionais: “(Eles dizem) ‘Vou trabalhar, mas não sou que nem meu pai e meu avô, não quero me acabar aqui dentro’. ‘Como é que é o ambiente aí? É legal, é gostoso, tem uma prática bacana?’. É o cara que chega de bicicleta no trabalho. Esse cara tem uma outra visão e ele também está mudando a empresa”, diz o CEO do Valor. Em suma, uma empresa espiritualizada procura entender seu lugar na sociedade e se relacionar com ela de acordo com valores éticos e morais que ajudam a orientar sua atividade, e não limitam sua busca somente a números melhores a cada três meses. Para alcançar esse estado, é necessário olhar primeiro para dentro: gestão, estrutura e funcionários, e depois entender melhor sua razão de ser frente à sociedade. No papel, tudo soa muito bonito, mas será que essa ideia é possível num ambiente cada vez mais competitivo e que cobra por MUITO SE FALA sobre a geração Y e o im-

melhores resultados a todo instante?

pacto de sua entrada no mercado de traba-

Schweriner acredita que sim. “Vários autores defendem que es-

lho, muitas vezes de forma negativa. Mas a

piritualidade e uma empresa com fins lucrativos são incompatí-

ideia de uma empresa espiritualizada agrada

veis. Eu acho que é possível para empresas cuja uma das linhas de

muito a essa geração, mais ciosa dos prin-

sua missão seja colocar o não material como prioridade”, especi-

cípios na vida de trabalho, e corresponde

fica. Cuginotti não tem dúvidas: “Uma empresa que tem essa ca-

aos seus interesses. “Essa geração mais nova

racterística toma decisões melhores, eu vejo isso muito claro”. E

procura não só um bom emprego, mas ela

isso pode ser medido, avisa Caldini. “Quando você cruza o ran-

procura um emprego que tenha um pro-

king (das melhores empresas), vê as mais bem-pontuadas como

pósito ideal, que seja mais parecido com os

melhores empresas em termos de gestão, rentabilidade e tudo

ideais dela. Acho que as empresas já perce-

mais, e compara com as melhores empresas para se trabalhar na

beram isso em todos os escalões. Desde os

rentabilidade das duas, as melhores empresas para se trabalhar

mais operacionais até a alta gestão, as em-

são muito mais rentáveis”.

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“VÁRIOS AUTORES DEFENDEM QUE ESPIRITUALIDADE E UMA EMPRESA COM FINS LUCRATIVOS SÃO INCOMPATÍVEIS” MARIO SCHWERINER, LÍDER DA ÁREA DE HUMANIDADES E DIREITO DA ESPM

NUMA ESCALA menor, a das relações interpessoais no dia a dia do trabalho também há grandes vantagens, conforme relata Cuginotti: “Eu estava num treinamento numa grande empresa e uma menina disse que a ferramenta que ela usou para tomar a melhor decisão dela foi yoga. Ela disse que tomava decisão muito estabanada, aprendeu a estruturar dados, mas o que tinha ajudado mesmo era a yoga, porque ela dava uma respirada e os trinta segundos faziam toda a diferença para saber se respondia na hora ou depois, se estava correta ou não. Isso é cuidar das relações e de si mesmo.” É bom deixar claro também que a busca por uma espiritualidade corporativa não significa impor nenhum método específico ligado a alguma religião em particular. A religiosidade individual pode, aliás, ser uma vantagem, se usada em prol do grupo. Espírita, Caldini crê que sua fé seja mais uma aliada na condução dos negócios. Quando questionado em que momentos o espiritismo o ajuda a espiritualizar sua gestão, respondeu: “Cem por cento a todo momento. Até para evitar um conflito de mim comigo mesmo, não dá para ser duas pessoas. Tento ter uma coerência, um fio condutor. Tento trazer um traço do espiritismo, dessa espiritualidade, dessa honestidade de princípios também para as relações comerciais”, afirma Caldini que acaba de lançar o livro A Morte na Visão do Espiritismo. Ele faz também um alerta sobre sua conduta. Afirma que está sempre “tomando cuidado para não fazer proselitismo”.

nenhuma, só no processo de autoconhe-

Essa parece ser uma tendência irreversível, de alcance global. Ape-

cimento, de estar com o outro e receber

sar de a maioria das organizações ainda estar longe desse ideal, o ca-

dicas, ideia, feedbacks”, analisa Cuginotti.

minho em direção à espiritualidade está sendo trilhado aos poucos

“O que falta? Ninguém sabe muito bem. É

e de maneira firme. “As pessoas estão entendendo mais as ferramen-

isso o que nós estamos tentando desenhar

tas do saber se relacionar melhor consigo mesmo, perceber-se ner-

agora. As empresas vão precisar se reiven-

voso, com raiva. A gente sempre vai ter raiva, medo, somos assim.

tar para poder atender a essa demanda, que

Mas perceber-se com medo ou raiva é uma exploração. Sem mística

ainda é muito difusa”, diz Caldini.

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