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CATÁLOGO DE EXPOSIÇÃO

ERA A HORA EM QUE OS OLIVAIS BRILHAVAM. * FILIPE SOUSA RICARDO DESIRAT AGOSTO 2021


CATÁLOGO DE EXPOSIÇÃO ERA A HORA EM QUE OS OLIVAIS BRILHAVAM.

FICHA TÉCNICA

EXPOSIÇÃO IDEIA E SELECÇÃO DE TEXTOS : FILIPE SOUSA FOTOGRAFIA, DESIGN GRÁFICO E MONTAGEM : RICARDO DESIRAT

CATÁLOGO IDEIA, TEXTO INICIAL, SELECÇÃO DE TEXTOS, FOTOGRAFIA* E DESIGN GRÁFICO ** : FILIPE SOUSA *EXCEPTO FOTOGRAFIA DA PÁGINA 35, DA AUTORIA DE CLARA LOURENÇO ** COM CANVA.COM

ADCMOURA | MOURA | AGOSTO 2021

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ERA A HORA EM QUE OS OLIVAIS BRILHAVAM. * FILIPE SOUSA RICARDO DESIRAT

*

TÍTULO TOMADO DE EMPRÉSTIMO A URBANO TAVARES RODRIGUES

«

[

»

O GRIFO

, A PORTA DOS LIMITES, 1952 ]

3


Moura

é terra de fino azeite e

oliveiras longevas. O clima e os calcários lacustres hão-de ter a sua quota-parte de influência nesse estatuto. O contributo de gerações de agricultores também. Os romanos deram um impulso decisivo ao trazerem os conhecimentos de apuramento de variedades a partir dos zambujeiros locais. Aos árabes deve-se o desenvolvimento do cultivo da oliveira, em maior escala. Assim surgiram as primeiras oliveiras produtoras de azeite da região, a que muitos agricultores de hoje continuam a dispensar cuidados.

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Algumas dessas árvores monumentais, de troncos amplos e retorcidos - que assistiram às guerras da Reconquista, acolheram Duarte D’Armas em busca das melhores perspectivas para desenhar o castelo e a vila de Moura no início do século XVI ou foram testemunhas da passagem do rei D. Sebastião e da sua comitiva por Moura nos dias 7 e 8 de Fevereiro de 1573, em vésperas da campanha de Alcácer-Quibir, de triste memória -, resistem ainda no termo da cidade, nos chamados coutos de Moura, embora com o futuro ensombrado pelo previsível avanço do olival intensivo e superintensivo.

5


Sem protecção pública (compare-se com o Código Visigótico, que punia com multa de cinco soldos quem ousasse abater uma oliveira!), muitas dessas árvores acabarão, na melhor das hipóteses, por ser transferidas para locais distantes, perdendo-se assim um património incalculável: natural, cultural, simbólico, agrícola, paisagístico, genético, biodiverso, multifuncional, agroecológico. Na pior das hipóteses, servirão para alimentar fogões e lareiras. O que é incompreensível, inaceitável e

«dá

que pensar quando se compara com a indignação que (naturalmente) provoca na sociedade a degradação de um qualquer imóvel com interesse histórico ou arquitectónico.

» 6


Com o acentuar da crise ambiental e climática e de outros riscos globais (incluindo os associados a pandemias!), a defesa do olival tradicional e das oliveiras centenárias que o suportam ganha renovada acuidade. Mais do que nunca, do seu melhoramento e conservação dependerá a produção de alimentos de qualidade (limpos, justos e seguros), a manutenção da paisagem rural, a prestação de serviços ecossistémicos e ambientais, a riqueza da diversidade social dos territórios (aumento do seu capital social), a defesa da saúde pública e o bem-estar das populações.

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Urge, por isso, a construção de uma estratégia de valorização dos bens específicos do olival tradicional. Como lembra Francisco Ataíde Pavão, presidente da Direcção da Associação dos Produtores em Protecção Integrada de Trás-osMontes e Alto Douro:

«Oitenta

por

cento dos prémios do Concurso Nacional de Azeite de Portugal de 2018 nasceram em olivais tradicionais. Repetimos: 80%. Isso deveria fazer pensar empresários agrícolas, políticos, donos de restaurantes e consumidores. O país precisa, com urgência, de uma estratégia para a defesa do olival tradicional.

»

Ainda vamos a tempo? Até quando brilharão os olivais em Moura? 8


A presente publicação constitui o catálogo da exposição concebida expressamente para a XV edição da

ERA A HORA Olivomoura, em 2018, com o título «Era

a hora em que os olivais

», tomado de empréstimo a EM QUE OSbrilhavam. OLIVAIS Urbano Tavares Rodrigues, escritor

maior de Moura, de projecção além-

BRILHAVAM. * cuja obra reflecte, em fronteiras,

muitas passagens, as vivências desse

FILIPE SOUSA

universo cultural e ecológico marcado

RICARDO DESIRAT

pela presença da oliveira. Pretende ser, acima de tudo, um manifesto em defesa das oliveiras centenárias, que, nas palavras do autor mourense, esculturas

»,

tradicional.

9

«são

autênticas

e da valorização do olival


Uma viagem entre os caminhos da tradição e do futuro, tendo bem presente a importância estratégica deste tipo de sistema agro-ecológico para a sustentabilidade económica, social, paisagística e ambiental do território. Integram a exposição, que esteve patente no Parque de Exposições de Moura entre 9 e 12 de Maio de 2018, vinte e cinco fotografias de oliveiras localizadas no termo de Moura e outros tantos textos alusivos à cultura do olival e do azeite na região de Moura e em todo o Mundo Mediterrânico. Textos clássicos e modernos, académicos e literários, em prosa e poesia, de autores portugueses e estrangeiros.

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Neste catálogo, incluem-se novas fotografias de oliveiras dos coutos de Moura e juntam-se outros textos aos apresentados originalmente, o que o torna um acervo documental em constante renovação e ampliação. Tal qual a oliveira.

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CATÁLOGO DE EXPOSIÇÃO

ERA A HORA EM QUE OS OLIVAIS BRILHAVAM.

A EXPOSIÇÃO 12






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CATÁLOGO DE EXPOSIÇÃO

ERA A HORA EM QUE OS OLIVAIS BRILHAVAM.

TEXTOS&IMAGENS

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Oliveira, a do meu avô, figueira, a do meu pai, vinha, a que eu puser.

Provérbio popular

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Nome vulgar – Oliveira. Nome Botânico – Olea europaea var. europaea. Distribuição – Todo o país, excepto nas zonas alpinas. Características – Árvore de folha persistente, resistente à secura e ao calcário.

Francisco Caldeira Cabral; Gonçalo Ribeiro Telles, A árvore em Portugal, 1999.

28



De entre as espécies arbóreas actualmente cultivadas, a oliveira é talvez o único testemunho vivo que nos liga ao Mundo Antigo.

Pedro Castro Henriques, Percursos – Paisagens & Habitats de Portugal, 2000.

30



«Olea

prima inter arbores est

árvores.

»]

». [«A

oliveira é a primeira de entre as

O que os romanos diziam da oliveira (citação Orlando Ribeiro, Mediterrâneo – ambiente e tradição, 1962).

32



A construção de uma estratégia de valorização dos bens específicos do olival tradicional é uma tarefa urgente e necessária para a criação de condições da respectiva sustentabilidade económica, social e ambiental.

Inocêncio Seita Coelho, multifuncionalidade

»

«Olival

tradicional – da protocultura à

in Olival tradicional – contextos, realidades e

sustentabilidade, 2016.

34



A oliveira conta-se entre as poucas plantas cultivadas de origem mediterrânea e a sua difusão é muito antiga. Era conhecida, no Ocidente da Ibéria, antes da conquista romana. Estrabão fala de olivais no Ribatejo, mas não os haveria muito para o norte, porque os lusitanos em vez de azeite serviam-se de manteiga. Entre os visigodos, a multa em que incorria quem cortasse uma oliveira mostra que esta era a mais apreciada das árvores de fruto. Apesar do que a cultura deve aos árabes, a propagação dela, feita do sul para o norte, não se generalizara ainda às margens do Mondego no começo do século XII. […] Parece que nos séculos seguintes se cultivariam em larga escala apenas no Sul, Estremadura e Alentejo, regiões onde os mouros demoraram por mais tempo.

Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, 1945. 36



A oliveira é uma árvore triste, cinzentona. Mas mais triste é o que lhe andam a fazer. […] Arrancam-se exemplares de grande beleza, pela raiz, para utilização como árvore ornamental. Muitas vão para o estrangeiro. Mais incompreensível e inaceitável é o derrube de verdadeiros monumentos naturais para alimentar fogões e lareiras.

Miguel Dantas da Gama,

«Pelo

olival tradicional

38

»,

wilder.pt, 2016.



A oliveira de Atena na Acrópole

Quanto à oliveira, nada mais têm a dizer, senão que é o testemunho da luta da deusa pela posse da região. Contam ainda que esta oliveira foi queimada, quando os Medos incendiaram a cidade dos Atenienses, mas, no mesmo dia em que ardeu, produziu um rebento de dois côvados.

Pausânias, Descrição da Grécia, I, 26, 6, séc. II (trad. Maria Helena da Rocha Pereira).

40



9 A uma oliveira

Muito antes de Os Lusíadas diz-se que já aqui estavas. Pré-camoniana, sazão a sazão,

foste varejada séculos a fio. O pinho viajou. Tu ficaste.

Ao som bárbaro de um rádio de pilhas, desdobram toalhas

na tua sombra rala.

Alexandre O’Neill, A saca de orelhas, 1979.

42



As actividades agrícolas associadas ao olival tradicional geram vários benefícios ambientais, designadamente ao nível da biodiversidade, da redução de riscos de erosão, da preservação do património oleícola e da manutenção do valor paisagístico.

Pedro Reis,

«Olival

tradicional: sistemas de produção e território

»

in

Olival tradicional – contextos, realidades e sustentabilidade, 2016.

44



É lamentável a forma como se tratam em Portugal oliveiras com séculos de história, um património natural tão valioso e singular. Uma atitude que dá que pensar quando se compara com a indignação que (naturalmente) provoca na sociedade a degradação de um qualquer imóvel com interesse histórico ou arquitectónico.

Miguel Dantas da Gama,

«Pelo

olival tradicional

46

»,

wilder.pt, 2016.



Depois eram as terras de Moura, que a distância guardava preciosamente: olivais densos, terra rica, de branda feição.

Urbano Tavares Rodrigues,

«Jornada

1956.

48

sem regresso

»,

A noite roxa,



As oliveiras centenárias são autênticas esculturas.

Urbano Tavares Rodrigues, A hora da incerteza, 1995.

50



Por toda a parte, com o tronco contorcido e às vezes roído da cárie, com a folha miúda e prateada à luz do entardecer, na sombra protectora dos seus ramos simbólicos, a oliveira exprime, como nos tempos bíblicos, a rústica paz das almas e a fecundidade sagrada da terra.

Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, 1945.

52



Na vinda, o vulgar pastor que levava uma ovelha sanguinolenta atravessada ao ombro passou rés a uma oliveira velha que já havia assistido, ainda juvenil e débil, à passagem duma coorte de Décimo Júnio Bruto por ali perdida e sofrera na sua dilatada existência muitas contingências. A que mais chocou foi o aproveitamento dos possantes ramos para forca de doze liberais capturados por um bando de frades assassinos a mando do Senhor Rei D. Miguel.

Mário de Carvalho, Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina, 2003.

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Serão tristes as oliveiras? Aquela senhora que conheci no comboio, olhando pela janela, disse-me a certa altura que a oliveira é uma árvore triste. Olhei também e estive quase a concordar. Agora felicito-me, porque não foi preciso. Lembro-me que a senhora ia vestida de preto. Talvez lhe tivesse morrido alguém. Às oliveiras daquele olival que passava lá fora é que eu tenho a certeza de que não faltava nada: nem sol, nem uma leve brisa, nem um fruto grado, prometedor. E perguntei para mim, ao descer do comboio: - Porque maltratamos as oliveiras?

Ruy Belo, Obra poética, 1984.

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Mas era ainda o tempo dos trilhos e das charruas e dos velhos arados e como eu gostava de me misturar com os grandes ranchos da apanha da azeitona e das ceifas e de ouvir as histórias dos mais velhos e até de medir forças, a varejar ou no rabisco, com os moços e as moças que faziam por obrigação o que para mim era desporto. E, vendo bem, não era só desporto, não, era a minha forma de os respirar, de os descobrir, de lhes sentir a humanidade.

Urbano Tavares Rodrigues, A hora da incerteza, 1995.

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Aqui cresce uma planta, como jamais ouvi dizer que a Ásia tivesse ou a vasta ilha dórica de Pélops, indomável rebento que a si mesmo se refaz, das lanças inimigas o terror: nesta região floresce com pujança a oliveira de glauca folhagem, que a nossos filhos dá o sustento.

Ε

não há jovem nem homem marcado pela velhice que a

destrua com a fúria do seu braço. Pois o olhar sempre atento de Zeus das Oliveiras a vigia, e Atena de olhos garços.

Sófocles, Édipo em Colono [780-790], séc. V a.C. (trad. Maria do Céu Fialho).

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Metemos pela estrada velha, entre olivais. Já não se via gente, mas pelo meio da arramada soavam coros distantes e vozes soltas, que subiam e se arrastavam, queixando-se: a minha terra chorava as canções da tardinha…

Urbano Tavares Rodrigues,

«Tomada

limites, 1952.

62

da Primavera

»,

A porta dos



Quem é que desafiávamos, no começo do Outono, quando saltávamos no vácuo, do alto da Atalaia, que media bem cinco metros, sobre a margem da ribeira, onde, a toque de verdasca, metíamos a nadar os mulos mais foutos, aquando das enxurradas?! Foi então que fiquei uma vez pendurado, senão pelos cabelos, como Absalão, ao menos pelas franças do cachecol, nos esgalhos de uma oliveira que me aparou o choque com a santa terra amolgada e desnuada pela lavra.

Urbano Tavares Rodrigues,

«A

Prova dos Nove

Madrugada, 1959.

64

»,

As Aves da



O Mediterrâneo é o mar dos olivais e das vinhas. […] ...o clima mediterrânico enquadra-se entre o limite da oliveira e o dos grandes palmares.

Fernand Braudel, O Mediterrâneo

e o mundo mediterrânico na

época de Filipe II, (La Méditerranée et le monde méditerranéen à l ´époque de Philippe II, 1966), vol. I, 1983.

66



Sobre o desejo

Hei-de levar este esplendor para um poema, dizia eu, sempre que me estendia à sombra branca e miúda de uma oliveira. Mas fosse onde fosse, em terras de Corfu ou de Maiorca, nos campos de Siena ou no chão da minha infância, sempre adormeci sobre o desejo. Hoje, que a violência do estio me levou a escarvar a própria pedra, queria apenas uma dessas árvores de bruma, por mais exígua, e adormecer à sua sombra.

Eugénio de Andrade, Memória Doutro Rio, 1976-1977.

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O Mediterrâneo estende-se até à orla da cintura desértica, e a oliveira é a sua árvore: a árvore desta zona de luminosidade solar que separa a melancolia do equador da melancolia do Norte. Ela é o símbolo do classicismo entre dois romantismos.

Aldous Huxley, A Oliveira (The Olive Tree), 1973.

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O Mediterrâneo inteiro – esculturas, palmeiras, joias de ouro, heróis barbudos, vinho, ideias, navios, luar, górgonas aladas, figuras de bronze, filósofos -, todo ele, parece despontar no gosto áspero e acre da azeitona preta entre os nossos dentes. Esse gosto é mais antigo que o da carne e o do vinho tinto. Antigo como a água fresca.

Lawrence Durrell, Paisagem com oliveiras (Landscape with olive trees), 1976.

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A resistência da oliveira é grande. Em não poucos lugares cresce ao acaso, rodeada de rebentos, de tronco nodoso, contorcido, mutilado; nuns anos produz mais, noutros menos, mas dá sempre ao homem, sem outro esforço que a apanha do fruto, a sua ração de azeite.

Orlando Ribeiro, Mediterrâneo – ambiente e tradição, 1962.

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Oitenta por cento dos prémios do Concurso Nacional de Azeite de Portugal de 2018 nasceram em olivais tradicionais. Repetimos: 80%. Isso deveria fazer pensar empresários agrícolas, políticos, donos de restaurantes e consumidores. O país precisa, com urgência, de uma estratégia para a defesa do olival tradicional.

«Azeite de qualidade produz-se no tradicional » , Azeites de Portugal - guia 2019.

Francisco Ataíde Pavão, ameaçado olival

76



As oliveiras são plantas estranhas; parecem-se com salgueiros, também ficam ocas, a casca estala e salta. Mas têm um aspecto mais sólido. Vê-se que a madeira cresce lentamente e a sua estrutura é extremamente fina. A folha é do tipo da do salgueiro, mas com menos folhas por ramo. […] Vi hoje, num terreno muito pedregoso, as árvores maiores e mais antigas.

Johann W. Goethe, Viagem a Itália (Italienische Reise, 1786-1787), 2001.

78



Na carta agrícola elaborada em 1884-86, os coutos de Moura constituem uma área perfeitamente definida que se estende a Oeste e Sudoeste da cidade, quatro quilómetros de Norte a Sul e dois de Este a Oeste. É ocupada exclusivamente por oliveiras. Desde que a carta foi feita, não se verificaram alterações notáveis.

Albert Silbert, Le Portugal Méditerranéen à la fin de l'Ancien Régime, Vol. III, 2

ª

ed., 1978.

80



Ignoramos certos lugares porque nada nos instou alguma vez a têlos por dignos de apreciação, ou porque nos predispôs em seu detrimento qualquer infeliz associação devida ao acaso. A nossa relação com as oliveiras melhorará se prestarmos um pouco de atenção ao tom de prata das suas folhas ou ao modo como se dispõem os seus ramos.

Alain de Botton, A Arte de Viajar (The Arte of Travel, 2002), 2004.

82



A cultura da oliveira estabeleceu denominações próximas das da filosofia e da religião: aquele que cultivava as azeitonas era o elaiologos, e o elaioparokhos era quem as vendia, sob a vigilância do elaikhristes, enquanto a elaioturgia, a produção do azeite, se realizava sobre uma fiscalização chamada elaiokhristia. A palavra getshemani designa em hebraico um jardim (gath) equipado com um lagar (shemanim, espécie de prensa ou moinho de azeite). A azeitona, tal como a oliveira, ocupa um lugar privilegiado nas Escrituras: o seu óleo é uma honra para

«os

deuses e os homens

»

(Jz 9:9). Masehiah (o Messias) é traduzido em grego pela palavra khristos, que significa: aquele que está ungido.

84


Lemos no Alcorão que a oliveira

«não

é do Oriente nem do

Ocidente e o seu azeite está aceso sem que o fogo lhe toque. É luz sobre luz

»

(Sura XXIV, 35). O Livro muçulmano jura sobre a oliveira

(al-zeitun) e sobre o figo:

«Pela

figueira e pela oliveira, e pelo

monte Sinai e por esta terra sagrada título de

«Sura

da Figueira

»).

»,

diz a Sura XCV (que tem o

Estas instituições e preceitos, e não

apenas a sua posição e o seu clima, desempenharam o papel de alicerce da civilização do Mediterrâneo.

Pedrag Matvejevitch, Breviário Mediterrânico (Mediteranski Brevijar, 1987), 2019.

85




E eu apercebia-me agora de uma angulosidade que não soubera ver: as árvores pareciam tridentes que tivessem caído de muito alto no chão. Do mesmo modo, os ramos das oliveiras respiravam ferocidade, com os seus braços que se flectiam prontos para o ataque. E ao passo que há muitas folhas de árvores que nos fazem pensar em flácidas folhas de alface avulsamente espalhadas pelo emaranhado dos ramos despidos, as rijas folhas prateadas da oliveira sugerem-nos uma impressão de alerta e energia contida.

Alain de Botton, A Arte de Viajar (The Arte of Travel, 2002), 2004.

88



Finalmente em todos lugares de Portugal e do Algarve se dá azeite contra o que Teofrasto escreveu, que diz não se darem oliveiras afastadas do mar quarenta milhas, que são dez léguas, do que vemos ser o contrário nas cidades de Évora, Beja, Elvas, e na vila de Moura, em que há mais cópia que em nenhum lugar do reino […].

Duarte Nunes de Leão, Descrição do Reino de Portugal, 1610.

90



Uma estratégia de valorização dos olivais tradicionais deve assentar na valorização da azeitona, de outros bens agrícolas e dos serviços do ecossistema, via mercado, e deve ter também um suporte adicional através das políticas públicas. O valor patrimonial do olival tradicional, a sua dimensão territorial, os benefícios ambientais e sociais, justifica a vertente política da sua manutenção.

Pedro Reis,

«Olival

tradicional: sistemas de produção e território

»

Olival tradicional – contextos, realidades e sustentabilidade, 2016

92

in



Ignoro em que altura se terá introduzido na região o cultivo extensivo da oliveira, mas não duvido, porque assim o afirmava a tradição pela boca dos velhos, de que por cima dos mais antigos daqueles olivais já teriam passado, pelo menos, dois ou três séculos. Não passarão outros. Hectares e hectares de terra plantados de oliveiras foram impiedosamente rasoirados há alguns anos, cortaram-se centenas de milhares de árvores, extirparam-se do solo profundo, ou ali se deixaram a apodrecer, as velhas raízes que, durante gerações e gerações, haviam dado luz às candeias e sabor ao caldo.

94


[…] hoje, em lugar dos misteriosos e vagamente inquietantes olivais do meu tempo de criança e adolescente, em lugar dos troncos retorcidos, cobertos de musgo e líquenes, esburacados de locas onde se acoitavam os lagartos, em lugar dos dosséis de ramos carregados de azeitonas negras e de pássaros, o que se nos apresenta aos olhos é um enorme, um monótono, um interminável campo de milho híbrido […] Contam-me agora que se está voltando a plantar oliveiras, mas daquelas que, por muitos anos que vivam, , serão sempre pequenas. Crescem mais depressa e as azeitonas colhem-se mais fcilmente. O que não sei é onde se irão meter os lagartos.

José Saramago, As Pequenas Memórias, 2006.

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