Corpo espaco e interatividade

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CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO

ADRIANA AMARAL DOS SANTOS

CORPO, ESPAÇO E INTERATIVIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA EXPOSIÇÃO DE ANISH KAPOOR

TRABALHO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA APRESENTADO AO CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO

SÃO PAULO 2007


ADRIANA AMARAL DOS SANTOS

CORPO, ESPAÇO E INTERATIVIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA EXPOSIÇÃO DE ANISH KAPOOR

TRABALHO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA APRESENTADO AO CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO CURSO: BACHARELADO EM ARTES VISUAIS

Orientador: Prof. Dr. Carlos Tadeu Siepierski

SÃO PAULO 2007 ii


Santos, Adriana Amaral dos Corpo, Espaço e Interatividade: uma análise a partir da exposição de Anish Kapoor / Adriana Amaral dos Santos -- São Paulo, 2007. 26p. / Corpo, Espaço e Interatividade: uma análise a partir da exposição de Anish Kapoor / Adriana Amaral dos Santos -- São Paulo, 2008. 25p. (Revisado). Trabalho de Iniciação Científica orientado pela Prof. Dr. Carlos Tadeu Siepierski. 1. Anish Kapoor – Exposição 2. Corpo e Espaço - Artes 3. Interatividade – Artes 4. Instalação – Artes. I. Siepierski, Carlos Tadeu II. Título.

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AGRADECIMENTOS Aos meus pais. Ao professor Dr. Carlos Tadeu Siepierski pela paciência e pelo seu acreditar na pertinência da nossa pesquisa. À FEBASP, pelo incentivo a pesquisa.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................... 1 2. JUSTIFICATIVA ........................................................ 2 3. OBJETIVOS ............................................................... 3 4. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................ 4 5. RESULTADOS ............................................................ 5 5.1 CORPO, A PRESENÇA DO ESTRANHO .......................... 9 5.2 ESPAÇO, DA PROVOCAÇÃO AO RECONHECIMENTO ... 11 5.3 INTERATIVIDADE, DO ATO AO ACONTECIMENTO ..... 14

6. PRINCIPAIS CONCLUSÕES ...................................... 16 7. BIBLIOGRAFIA ........................................................18 8. APÊNDICES ............................................................ 19

v


RESUMO O estudo da recepção da obra de arte contemporânea apontou a

interatividade

corpo/espectador e

como

principal

agente

da

relação

entre

espaço/obra. As novas mídias tecnológicas

serviram como ponto de partida para lançar inquietações a respeito do conceito de interatividade. Porém, este será aqui abordado como

possibilidades de

abertura da obra, sendo pensado como um ato contemporâneo de troca de relações subjetivas. A exposição A s c e n s i o n (SP, 2007) de Anish Kapoor funcionou como objeto de estudo que permitiu pensar a interatividade como fenômeno dessas relações. Os graus de abertura, os quais compreendem o universo da apresentação da obra e da recepção ativa por parte do espectador, são possíveis estratégias de diálogo que se constroem entre espectador e obra.

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ABSTRACT The study of the contemporary art work reception has pointed out interaction as a major agent in the relations between body/viewer and space/art work. The new media technology served as a launching point for concerns regarding the concept of interactivity. However, this will be discussed here as the potential opening of the work being thought of as an act of contemporary exchange of subjective relations. The exhibition A s c e n s i o n (SP, 2007) of the Anish Kapoor worked as an object of study that allowed us to envisage the interactivity as a phenomenon of these relationships. The degrees of openness, which comprise the universe of the presentation of the work and active reception by the viewer, are possible strategies that build dialogue between viewer and work.

vii


1.

INTRODUÇÃO

Investigar a recepção da obra de arte na contemporaneidade possibilitou uma melhor compreensão da relação entre espectador e obra, a qual parece ser muito explorada nos processos de construção das linguagens poéticas contemporâneas. Construção de linguagens que colocam em questão o próprio termo interatividade, que é compreendido distintamente por diversos autores, dos quais alguns, inclusive, atrelam a interatividade exclusivamente às novas mídias tecnológicas. Entre as linguagens contemporâneas: a instalação, por apontar as relações entre corpo e espaço fundamentais para sua construção, é colocada aqui como ponto de partida para o estudo do conceito de interatividade. A exposição A s c e n s i o n (SP, 2007) de Anish Kapoor (artista indiano radicado em Londres), por apresentar trabalhos diretamente relacionados à presença do corpo/espectador em um determinado espaço/ambiente, tornou-se referencial para a discussão dessas questões por configurar diferentes situações de instalação. Quais

as

estratégias

de

construção

dessa

linguagem,

que

contemporaneamente trabalhada, coloca o espectador em interação com a obra? Como se comporta o espectador dentro de um determinado espaço, que faz com que esse indivíduo responda a estímulos e provocações resultando em uma troca corpórea: física ou mental?

O

que

acontece

para

que

haja

essa

mudança

de

comportamento? O que faz a instalação convergir para essas questões? Ou, até mesmo, o que faz com que pensemos a interatividade

como

um

comportamento

essencialmente

contemporâneo?

1


2.

JUSTIFICATIVA

Por

perceber

a

constante

solicitação

da

participação

do

espectador nas diferentes linguagens artísticas contemporâneas, pareceu relevante procurar entender como se dá esse processo de interação entre o público e a obra. Entender como determinados autores trabalham a partir dessa perspectiva e como isso tem influenciado o comportamento na produção contemporânea das artes visuais.

2


3.

OBJETIVOS

Entender como se dá o processo de recepção da obra de arte pelo

espectador

na contemporaneidade

e

suas estratégias de

construção. Apontar o grau de abertura na relação corpo/espaço, que leva

o

público

especificamente,

a as

uma questões

possível já

interação.

apontadas

a

Compreender, partir

de

uma

linguagem: a instalação. Mostrar suas articulações entre corpo, espaço e interatividade e apontar os aspectos relevantes que são pertinentes à discussão.

3


4.

MATERIAIS E MÉTODOS

O parâmetro de investigação foi à exposição A s c e n s i o n de Anish Kapoor no Centro Cultural Banco do Brasil, que ficou exposta no período de 27 de janeiro a 1º de abril de 2007, em São Paulo. Trabalhos que se encontravam dispostos e estrategicamente pensados em relação à recepção e reação do público, que, de pronto, se encontrava em interação com a obra. Os trabalhos são: “Quando estou grávido” e “Ascension”, que é o próprio tema/título da exposição. A escolha dessas obras foi feita por, a princípio, se configurarem como instalações, abordando as questões de construção de um determinado espaço junto à presença do espectador. Por isso, a experiência vivenciada tornou-se fundamental para a pesquisa, em que me coloco como o próprio agente dessa experiência, usando as minhas próprias impressões de espectador como ponto de partida para essa análise. Autores como Júlio Plaza, Umberto Eco, Stéphane Huchet e Didi-Huberman são os interlocutores dessa discussão, que a meu ver, em suas particularidades, apontam para o conceito

de

intersubjetividade

como

elemento

essencial

na

participação ativa do espectador contemporâneo.

4


5.

RESULTADOS

Ao lançar essas questões, se fez necessário um melhor entendimento das possíveis relações entre os termos espectador, espaço/obra e interatividade. As novas mídias tecnológicas serviram de

parâmetro

para

se

entender

o

uso

específico

do

termo

interatividade relacionado, contemporaneamente, a elas. Mas ao aprofundar na compreensão dessa possível termologia foi possível perceber que ela pode estar atribuída não especificamente às novas mídias tecnológicas, mas a um processo contínuo de relações que se estabelecem entre o espectador, que passa a participar ativamente, e a própria obra. Essa relação pode ser vista como resultado de aberturas,

sendo

estas

entendidas

aqui

como

estratégias

e

mecanismos, sejam signicos ou simbólicos, que permitem estabelecer o elo entre ambos, espectador e obra, buscando uma interação. Júlio Plaza em “Arte e Interatividade: Autor-Obra- Recepção” utiliza o conceito de abertura presentes em “Obra aberta” de Umberto Eco para categorizar em níveis, ou melhor, em graus de abertura essa relação e atribui à interatividade um caráter contemporâneo relacionado às novas mídias tecnológicas de comunicação. Seguindo essa categorização ele apropria-se dos níveis de abertura e os coloca da seguinte forma: primeiro, segundo e terceiro graus. Na abertura de primeiro grau coloca como fator o inacabamento da obra e seu caráter

dialógico,

a

partir

do

conceito

bakthiniano

de

intertextualidade, estendendo essa compreensão à literatura e as demais artes (intervisualidade, intermusicalidade, intersemioticidade) até

chegar

ao

conceito

de

hipertexto,

ressaltando

o

caráter

polissêmico e a riqueza de sentidos. A abertura de segundo grau seria a definição das obras que possibilitam uma participação do espectador em relação a um ambiente, como os trabalhos poéticos que despontam a partir da 5


década de 60. A arte passa a trabalhar a percepção

como

possibilidade de re-criação. Ambientes “pluriartísticos”, que segundo Frank Popper (1980 ) vê a responsabilidade criativa da obra dividida com o público. Distintos campos das artes iniciam essa abertura como a dança, a dramaturgia, a poesia, o cinema, a música, as artes plásticas, etc. No Brasil, artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica (que

fizeram

parte

do

movimento

neo-concreto)

tornaram-se

referência desse momento da arte participativa, e termos como passivo e ativo estão frequentemente presentes nas artes. Cria-se um enfrentamento entre ambiente e espectador, o que já aponta para os elementos construtivos da instalação, enquanto possibilidade de linguagem. Mas é na abertura de terceiro grau, que Plaza usa o termo interatividade e o coloca como característica da era tecnológica da comunicação. Para ele o que está em questão na interatividade tecnológica é a relação entre homem e máquina e suas interfaces, as quais possibilitam uma comunicação como resultado de uma possível arte que coloque o espectador em um estado de participação ativa. Um nível de contato direto com os mecanismos tecnológicos propiciando

uma

interatividade,

a

partir

da

transformação

no

espaço/ambiente ao trabalhar com a percepção das dimensões temporais e espaciais. Ações recíprocas entre usuário e máquina, em que o resultado é a criação da obra compartilhada. Apesar das afirmações a favor das artes tecnológicas que as colocam como inovadoras na produção de uma arte interativa Júlio Plaza nos faz pensar o porquê das inovações atribuídas a esta categoria. Ele ainda coloca que: “Uma obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível de todos os prolongamentos sonoros, visuais e textuais. O cenário programado pode se modificar em tempo real ou em função da resposta dos operadores. A interatividade não é somente uma comodidade técnica e funcional, ela implica física, psicológica e sensivelmente o espectador em uma prática de transformação”.

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Partir desse raciocínio me faz questionar se a interatividade se comporta apenas dentro das chamadas novas mídias. Começo a pensar sobre ela como um momento de troca de relações subjetivas, em que o sujeito se torna parte da obra e a obra se presentifica. A interação

pode

ser

um

estado

latente

de

troca

de

relações

possibilitando uma interatividade, e esta se torna um envolvimento de diferentes níveis e aberturas em um momento de encontro, de acontecimento. A relação perceptiva e sinestésica do espaço em relação à construção da obra a partir da presença do espectador a tempos já vem sendo explorada no campo das artes. A década de 60 no Brasil e também, no campo internacional com artistas como Richard Serra, Walter de Maria, Gordon Matta-Clark, que apesar de suas diferentes poéticas

compartilham

transformação

do

uma

preocupação

espaço/ambiente,

com

a

envolvendo

habitação os

e

aspectos

perceptivos do espectador. É nesse ponto que a pesquisa buscou investigar a interatividade a partir de uma linguagem que não necessariamente

estivesse

computacionais,

eletrônicos

diretamente ou

digitais,

ligada mas

aos

processos

trabalhos

que

estabelecesse uma relação entre corpo/espectador e espaço/obra. Assim, pareceu-me mais apropriado estudar a recepção a partir de uma perspectiva que pudesse compreender a interatividade não como termo apenas, ou especificidade de uma linguagem, mas usar uma determinada linguagem para apontar os possíveis mecanismos e processos de recepção utilizados que levam a uma interação. O quanto a interatividade pode ser entendida como um estado, um comportamento contemporâneo do espectador em relação à obra. Ao falar de relação, diálogos e processos de construção a interatividade parece não depender só de dispositivos e mecanismos de construção, mas também de uma abertura receptiva por parte do espectador. Por isso estudar como o corpo se coloca dentro de um espaço estrategicamente construído, podendo construí-lo ao mesmo 7


tempo, desdobrou em um interesse pelo estudo da instalação. A instalação pareceu-me uma possibilidade para buscar algumas dessas respostas, sendo para isso necessário pensá-la não como gênero ou categoria, mas como linguagem das relações entre corpo e espaço. A exposição Ascension de Anish Kapoor (SP, 2007) serviu como base de pesquisa por apresentar trabalhos que se encontravam em situação de instalação. Trabalhos que abordavam as relações de construção da obra a partir da troca subjetiva, ou seja, aspectos intersubjetivos que propiciavam uma possível interatividade. Ao vivenciar essa experiência física e mental parti para uma análise de como se manifestava a interação dentro desse espaço, uma análise dividida em três momentos: “Corpo, a presença do estranho”, “Espaço, da provocação ao reconhecimento” e “Interatividade, do ato ao acontecimento”. Esses momentos são colocados a seguir como resultado dessa análise, que objetivava entender como se dá o processo

de

recepção

da

obra

de

arte

pelo

espectador

na

contemporaneidade e suas estratégias de construção.

8


5.1

CORPO, A PRESENÇA DO ESTRANHO “... um estímulo apresenta-se à atenção do fruidor como ambíguo, inconcluso, e produz uma tendência a obter satisfação: em suma, provoca uma crise, de maneira a obrigar o ouvinte a procurar um ponto firme que o ajude a resolver a ambigüidade.” (Leonard Meyer) Umberto Eco, ao citar Leonard Meyer em Obra Aberta,

apropria-se do conceito de “crise” para abordar a abertura da obra a partir de uma perspectiva que vê a arte como provocação de experiências

propositadamente

incompletas,

interrompidas,

que

suscita por meio da expectativa frustrada nossa tendência natural a vontade de completude. Meyer fala da crise a partir do campo das artes musicais, mas que engloba todo o sentido de recepção e percepção artística. Coloca a crise como um momento de frustração necessária para que o espectador em sua impossibilidade de coerência, em seu estado de estranhamento a algo, inicie a busca de seu reconhecimento. É nesse ponto que chamo tal processo de possível criação de estratégias para levar o espectador a um estado latente

de

interação:

o

corpo

e

o

estranho,

que

pedem

reconhecimento. O não revelar algo em estado imediato permite que o espectador avance para um estado possível de re-criação da obra, a partir de sua própria experiência. É essa a abertura que pode ser entendida como um leque de dispositivos e chaves estratégicas que propõe uma comunicação entre o espectador e a obra. Ambos tomam lugar de sujeito e objeto, comportam-se como criadores, pois lançam ações e condições e ao mesmo tempo sofrem a ação transformadora de um modificar o outro. O indivíduo transforma a obra, ao criar suas relações, e a obra transforma o espectador em ativo ao revelar-lhe algo, o objeto 9


coincide com o sujeito. Foi essa a sensação ao entrar na obra de Anish Kapoor: “Quando estou grávido”. Ao entrar, a minha inquietação tornou-se inevitável à procura de algo reconhecível. O não encontrar de imediato possibilitou que eu reconhecesse o meu próprio estado de estranheza diante de algo que não estava compreendendo. Uma sala branca, de luz branca quase fria, a princípio não me dizia nada. Esse nada me fez percorrer o espaço e me deparar com a esfera côncava e a saliente, mas as esferas não eram na verdade a obra. A obra era eu, as esferas, aquele espaço e o acontecimento que se deu ao deparar-me com algo de estranho a reconhecível. É claro que essa reflexão não se fez de imediato no instante da obra, mas ao propor estudar a recepção da obra de arte contemporânea comecei a perceber as questões que esse trabalho provocava. O quanto isso poderia ser significativo para o entendimento de uma ação interativa, que se dá a partir da construção da percepção e do deslocamento do corpo a procura de um espaço reconhecível. Uma obra que ainda mantém seu caráter de sublime, mas que em nenhum momento trabalha com a passividade do espectador. O estranhamento aqui proposto pode ser entendido como a crise necessária que Eco vai se apropriar para discutir a abertura da obra. É na verdade um jogo conflituoso que envolve a ação diante de uma imprevisibilidade, o que se apresenta aparentemente estável é na verdade uma provocação para descobrir algo. O corpo, entendido aqui como o próprio espectador, transforma-se em obra, e a obra como

um

todo

se

torna

um

corpo

estranho

com

múltiplas

possibilidades e aberturas que não estão expostas a uma tradução, mas a espera de um encontro com seus possíveis interlocutores, o público, o espectador.

10


5.2

ESPAÇO, DA PROVOCAÇÃO AO RECONHECIMENTO “O espaço é agora considerado como um ingrediente ativo, a ser não apenas representado, mas conformado (shaped) e tornado característico pelo artista, capaz de envolver e mergulhar o observador e a arte numa situação de maior porte (of greater scope) e escala. De fato o espectador agora entra no espaço interior da obra de arte... e se lhe é apresentado um conjunto de condições em vez de um objeto acabado. (...). A presença humana e a percepção do contexto espacial tornaram-se materiais da arte.” (Jennifer Licht) Ao pensar no espaço e na presença do corpo como materiais da

arte, fica evidente que as relações perceptivas e de comportamento mudaram. Se a arte moderna apontava o objeto independente em relação ao lugar em que se inscrevia, a contemporaneidade inverte e transforma em significativo o espaço em relação ao objeto, em que ambos se transformam em um só. O realizar-se da obra. Esse dar-se conta da percepção do espaço como matéria da arte pode ser observada nas instalações de Anish Kapoor, tanto em “Quando estou grávido” quanto em “Ascension”, a construção desses espaços parece ser pensada para que haja essa relação com o espectador. Se a percepção espacial é elemento fundamental para o efetivo acontecimento da obra, logo se faz necessário compreender a dinâmica

de

apropriação

do

espaço

pelo

espectador,

o

reconhecimento, enquanto obra. Ao abordar a construção desses espaços a partir da organização de objetos e da presença humana, podemos falar a princípio de uma instalação. Não instalação enquanto termo, ou simples denominação para um arranjo de coisas e objetos, mas

instalação

enquanto

linguagem

que

estuda

as

questões 11


relacionadas à construção de um determinado espaço, ou seja, como o espaço se relaciona com os dispositivos criados e leva o espectador a uma interação, configurando o objeto artístico. Stéphane Huchet ao discutir

a

pertinência

da

instalação

enquanto

linguagem

contemporânea aponta elementos importantes de sua construção, e entre esses elementos destaca-se aqui o arranjo. O arranjo, que está longe de um simples organizar-se no espaço, procura estratégias que permite com que tal espaço não seja apenas integrante, mas a própria obra. Ao citar Ange Lecci, coloca que: “(...) o arranjo é um pouco como se marcássemos um ponto no meio das estrelas para encontrarmos nosso caminho (...) Arranjar é achar a relação, o ponto justo. Uma vez descoberto o lugar (emplacement), o encontro com os objetos, os elementos, torna-se uma outra coisa (a obra de arte).”

Logo,

esse

arranjar

pede

uma

organização

pensada

estratégicamente e poeticamente, que permite ao espectador abrir diferentes abordagens interpretativas, se relacionar com o espaço, provoca uma interação que é na verdade o momento de encontro, o ponto no meio das estrelas como coloca Ange Lecci. Na obra “Ascension” é possível perceber algumas estratégias de construção do artista a partir da relação que se estabelece entre o espectador e o espaço de acontecimento da obra. O espaço construído é na verdade tudo, desde o momento em que você caminha pelos corredores de formato em espiral até o ponto de encontro e revelação para o espectador, que se dá ao centro da obra. Entre o não se dar conta da grandiosidade monumental do trabalho que fica em suspensão e só se revela quando o espectador se vê dentro da própria obra, e se torna o elemento que estava faltando. O espaço

torna-se

ambiente,

oscila

entre

o

inacabado

e

as

transformações sucessivas dessa mobilidade constante. O artista utiliza um mecanismo que ao entrar no centro da instalação, o público se depara com uma espiral construída de vapor que se 12


mantém em movimento de acordo com a oscilação da presença do público. Mas, o mais interessante disso é que na verdade a interação não está na oscilação do vapor em formas diferentes, mas na criação de um ambiente que só é possível pela presença ativa do espectador. Essa abordagem caminha para um possível entendimento de que o espaço é na verdade uma construção provocativa. Não existe um espaço antes de sua configuração, que como já mencionado não é apenas uma organização de objetos, mas o reconhecer e identificar das coisas organizadas a partir de trocas que estão dentro de um campo de incertezas estabelecidas ao espectador. São estímulos que nos leva a uma possível descoberta, que dá abertura para uma individualidade colaborando na criação de um todo. O espaço que se torna ambiente, lugar, construção.

13


5.3

INTERATIVIDADE, DO ATO AO ACONTECIMENTO “Notar-se-á que, na descrição de Rosalind Krauss, o vocabulário da especificidade de certo modo se deslocou do objeto para a relação (Specific relation): trata-se aqui da relação entre o objeto e seu lugar, mas, como o lugar abriga o encontro de objetos e sujeitos, essa relação pode igualmente caracterizar uma dialética intersubjetiva.” (Didi-Huberman) Instalar

dispositivos

comunicativos,

ou

organizar

estrategicamente objetos em um determinado espaço, não é o que leva à interação entre espectador e obra. A interatividade, aqui, pode ser entendida como o resultado da receptividade por parte de ambos no momento em que se tornam sujeitos dessa ação. Ao insistir no conceito de que interatividade é um comportamento contemporâneo, penso nessa relação de troca que se estabelece como um processo de recíprocas aberturas, que são levadas a um nível intersubjetivo transformando a interação em um acontecimento, em um fenômeno intersubjetivo. Quando Didi-Huberman, em “O que vemos, o que nos olha”, coloca em discussão a produção dos artistas minimalistas dos anos 60 e o valor de experiência de uma obra, ele aponta que os elementos que a constituem agem uns sobre os outros e sobre o próprio espectador. E posso acrescentar que o próprio espectador nessa condição é visto como elemento constituinte da obra, portanto falamos realmente de uma relação instaurada, entre corpo e espaço. Ao apropriar-me desse pensamento, coloco que a interatividade não se

necessariamente

apenas

como

um

termo

que

melhor

caracterizar os aspectos de uma obra multimídia. Mas que ela possa ser vista como um fenômeno contemporâneo das relações que se estabelecem entre o espectador e a obra. Ela pertence à ordem do 14


acontecimento a partir de uma construção elaborada pelo artista que decide lançá-la ao outro e dar lhe autonomia para inúmeras ressignificações. Quando falo do valor de ato a acontecimento da interatividade, coloco que tais elementos são lançados, mas que sua realização enquanto obra pertence a um tempo e espaço que não podem ser controlados. Podem ser arranjados, organizados estrategicamente, mas não controlado enquanto acontecimento, pois cada indivíduo irá apropriar-se ao invadir esse arranjo de forma singular, são de múltiplas singularidades que a obra irá se alimentar enquanto algo que comunica. Algo que está passível de construção constante. A interatividade enquanto ato de acontecimento revela-se como um jogo inacabado em constante transformação.

15


6.

PRINCIPAIS CONCLUSÕES

A compreensão do fenômeno interatividade está ligada a uma possível mudança significativa no entendimento e na postura em relação à arte contemporânea. Se pensarmos, como exemplo, na produção clássica podemos perceber que por mais que os artistas não propusessem trabalhos a partir de uma relação ativa com o espectador, o próprio pensamento e entendimento que se tinha sobre arte talvez não permitisse uma relação interativa com as obras. Se fosse possível voltar alguns séculos e levar uma obra contemporânea, será que as pessoas interagiriam como entendemos interatividade hoje? Da mesma forma que contemporaneamente a obra por si só não pode garantir uma interação, é provável que o contexto dessa época inibisse uma participação mais ativa do público. Talvez não fosse possível imaginar e até mesmo questionar se um quadro na parede era simplesmente um quadro, uma pintura ou se poderia ser outra coisa. Como imaginar tocar, transformar, se ver como participante da obra? O que parece é que foi necessário ocorrer uma série de transformações nos diferentes setores social e cultural, principalmente

nas

artes,

que

permitiu

uma

mudança

de

comportamento do indivíduo em relação às coisas e ao mundo. Propor ao espectador se ver como agente e possível criador de uma obra é um pensamento totalmente contemporâneo. A arte tornou-se mais próxima da vida, das pessoas e das relações com o mundo. Quando falo que a interatividade é uma relação de possíveis aberturas entre espectador e obra, falo dessa troca intersubjetiva como um ato de comunicação transformador. Essa transformação não está necessária e unicamente ligada a uma mudança física, espacial e imediata, mas a uma mudança da postura do espectador em relação à obra. Ele já não se coloca mais diante, mas dentro dela, torna-se a 16


figura do quadro, acontece um deslocamento de tempo e espaço, em que olhar e pensar já não podem mais serem considerados contemplativos

e

sim

transformadores,

a

transformação

da

percepção. Os trabalhos de Anish Kapoor criam essa relação com o espectador, que ao colocar-se na obra é provocado a encontrar algo nesse tempo e espaço e acaba encontrando a si mesmo como integrante. Isso se dá no momento em que o espectador percebe a impotência e insuficiência do olhar passivo, e sente a necessidade de um deslocamento a procura de algo que lhe seja reconhecível. Vai além de um aspecto físico e espacial, propõe um pensar a partir de sua própria construção que se torna revelador. Por isso, a interatividade pode ser considerada um fenômeno que se dá entre espectador

e

obra

pela

ordem

do

acontecimento,

do

revelar

subjetividades. A

instalação,

ao

ser

entendida

não

apenas

como

uma

organização de dispositivo e objetos em um determinado espaço, possibilitou a compreensão da interatividade a partir das relações intersubjetivas em que coloca corpo/espectador e espaço como matéria constituinte da obra de arte contemporânea.

17


7.

BIBLIOGRAFIA

DIDI – HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998. ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. HUCHET, Stéphane. A instalação em situação. In: NAZARIO, Luiz e FRANÇA, Patrícia (orgs.). Concepções contemporâneas da arte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. KAPOOR, Anish. Abertura do Ciclo de Debates: Palestra com Anish Kapoor. Disponível em: <http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.event_pres/si mp_sem/ciclo-de-debates-arte-publica/palestra-com-anish-kapoor>. Acesso em: 20 de julho de 2007. PLAZA, Julio. Arte e interatividade: Autor, obra, recepção, 2000. Disponível em: <http://www.cap.eca.usp.br/ars2/arteeinteratividade. pdf>. Acesso em: 20 de setembro de 2007.

18


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