Imagens imersivas

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

ADRIANA AMARAL DOS SANTOS

IMAGENS IMERSIVAS Tempo, Espaço e Deslocamento: do faz-de-conta à imersão

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade de São Paulo, como requisito de avaliação da disciplina Questões da Imagem ministrada pela Profa. Dra. Silvia Laurentiz.

SÃO PAULO 2011


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ADRIANA AMARAL DOS SANTOS

IMAGENS IMERSIVAS Tempo, Espaço e Deslocamento: do faz-de-conta à imersão

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade de São Paulo, como requisito de avaliação da disciplina Questões da Imagem ministrada pela Profa. Dra. Silvia Laurentiz.

SÃO PAULO 2011


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“As imagens – as coisas visuais – são sempre já lugares: elas só aparecem como paradoxos em ato, nos quais as coordenadas espaciais se rompem, se abrem a nós e acabam por se abrir em nós, para nos abrir e com isso nos incorporar.” Didi-Huberman


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RESUMO

Este trabalho apresenta uma análise sobre o conceito de imersão, por meio de uma abordagem que considera as relações de tempo, espaço e deslocamento como processos fundamentais nos diferentes estados de imersão que se pode encontrar o espectador/interator ao relacionar-se com imagens em suas diferentes naturezas. Os critérios e parâmetros para esta análise nascem do diálogo com as questões apresentadas pelo teórico Oliver grau em sua obra Arte Virtual – da ilusão à imersão. O autor analisa este conceito a partir dos afrescos da arquitetura de Pompéia – Roma, produzidos na Antiguidade Clássica até as instalações que envolvem as novas mídias dentro da produção de arte contemporânea. Suas abordagens apontam dois momentos o da ilusão lúdica, que se mantém apenas na ordem da simulação, ou do faz-de-conta e da imersão total, enquanto característica das imagens que criam espaços de 360º, seja na arquitetura física ou virtual, em relação à presença do espectador. Com isso, a análise aqui proposta irá considerar imersão como uma configuração da ordem do “estar”, enfatizando seu caráter temporal/permanência, espacial e até mesmo instantâneo das relações intersubjetivas na construção de imagens imersivas. Sendo necessário, indagar o próprio conceito de imagem e suas diferentes naturezas, sejam elas da ordem do sensório ao imaginário, ou das meras coisas em suas superfícies bidimensionais a construção de tridimensionalidades, ou seja, estados de deslocamentos.

Palavras-chave: tempo, espaço, deslocamento, imagem, imersão.


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ABSTRACT

This paper presents an analysis of the concept of imersion, using an approach that considers the relations of time, space and speed as key processes in the different states of imersion of the viewer / interactor with the images in their different natures. The criteria and parameters for this analysis arise from the dialogue with the theoretical issues presented by Oliver in his degree Virtual Art - the illusion of imersion. The author examines this concept from the architecture of the pictures of Pompeii - Rome, produced in antiquity to the installations involving new media in the production of contemporary art. Their approaches point to two times the illusion playful, which remains only in the order of the simulation, or make-believe and total imersion, as a feature of the images that create spaces of 360°, in the physical architecture or virtual, a relation the presence of the viewer. The analysis proposed here will consider immersion as a configuration of the order of "being", emphasizing its character temporary / permanent, space and even instant of interpersonal relations in the construction of imersive images. It’s necessary, ask the very concept of image and their different natures, they are of the order of sensory imagery, or mere things in their twodimensional

surfaces

and

three-dimensional

construction,

Keywords: time, space, displacement, image, imersion.

states

of

displacement.


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 6 2. IMAGENS IMERSIVAS .................................................................................................... 8 2.1 IMAGEM: das possibilidades, impossibilidades e contradições .............................................. 8 2.2 ROMPENDO SUPERFÍCIES: tempo, espaço e deslocamento ............................................................................... 9 2.3 DO FAZ-DE-CONTA À IMERSÃO: o corpo, o lúdico e o virtual ................................................................................. 12 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 15 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 16


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1. INTRODUÇÃO

O mundo enquanto imagem, esta afirmação pode nos levar a inúmeras reflexões a cerca de como nos relacionamos com as coisas que nos cercam. Coisas, pelo fato de não ser tão fácil defini-las, a não ser nomeá-las momentaneamente. Conseguimos dizer para o que servem as coisas, como usá-las, do que são feitas, nomeamos as coisas, mas defini-las exige outra relação, não momentânea e sim de permanência. Como definir coisas, se sua constituição se faz justamente na transformação, na passagem de um estado a outro? Quando olhamos uma coisa, inevitavelmente fazemos associações no tempo, o que podemos chamar de memória. Associamos como essa coisa era, com o como ela se apresenta. Então, nomeio esta coisa pelo quanto essa passagem de associação me envolve. Estamos sempre cirando as coisas que estão ao nosso redor, logo, se as criamos, significa que elas mudam, porque são da natureza do “estar” temporariamente. Mudam porque as coisas não se fazem apenas pelo seu aspecto físico, material ou biológico, as coisas se fazem e se tornam por meio de relações. Existimos porque nos relacionamos e com isso mudamos o tempo todo, o mundo existe e se faz pela transformação, pela impermanência das coisas, seu estado momentâneo de vir a ser. Mas o que vem a ser o mundo enquanto imagem? No que coisas e imagens se assemelham? Se pensarmos que imagens existem e se fazem no mundo, então podemos dizer que imagens são coisas. Não as definimos, mas podemos nomeá-las, dizer do que são feitas, ou o que elas têm, elas nos mostram ou nos dizem coisas, mas não conseguimos definitivamente dizer uma imagem é... Porque assim como as coisas, uma imagem também se configura pelo seu caráter momentâneo. Uma imagem é momentaneamente uma coisa e infinitamente outras. Mas, por que dizemos que certas coisas são imagens? E como chegamos ao entendimento de que o mundo se faz enquanto imagem? Será que está no seu caráter físico, material, relacional (intersubjetivo)? Por exemplo, tomemos uma coisa que determinamos nomeá-la de fotografia, ao olharmos dizemos que estamos diante de uma imagem de um lugar, de uma paisagem, de uma pessoa... e se você se reconhece na fotografia, você diz estar na imagem, ou de ser sua imagem, ou até mesmo de ser você. Então, você também é uma imagem, ou tornou-se imagem. Mas tornou-se imagem por estar na fotografia, ou por se reconhecer nela? Assim como reconhecemos uma coisa quando criamos associações instantâneas no tempo, recorremos à memória e nos deslocamos para dentro dela e de tudo que ela pode nos dizer, ou até representar.


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Sem a pretensão de definir, mas criar questionamentos, esta análise é um ensaio sobre as coisas que momentaneamente nomeamos de imagem e o como nos colocamos enquanto imagem, uma vez que o menor entendimento do que chamamos de imersivo nos diz que é um estado de imersão, de estar não diante, mas submerso, dentro da superfície. Porém, se pensarmos o mundo enquanto imagem, será que inevitavelmente já não estamos o tempo todo em estado de imersão? E que talvez, imersão, seja aquele momento de reconhecimento em que nos deparamos dentro da imagem? Ou será que podemos entender que as imagens romperam a superfície para o mundo, ou o mundo adentrou nas imagens? Talvez, seja a anulação da dicotomia entre real x virtual, que Platão formulou em suas teorias: o mundo das imagens se confrontando com o ideal, com a busca de uma verdade, de uma origem, ou seja, o adentrar na essência das coisas, e que por sua vez, só era possível acessá-lo enquanto imagem. Talvez, podemos dizer que vivemos em um jogo de imagens, o qual não sabemos os limites, as fronteiras de estar dentro ou fora delas. Se para Platão, o mundo das imagens é o que tomávamos enquanto real, podemos dizer então que vivíamos na superfície entre a realidade e a verdade das coisas. Mas o que acontece quando tais superfícies se rompem? São inquietações que prolongam o pensar sobre as definições momentâneas e até contraditórias que envolvem as relações existentes entre o que nomeamos ser uma imagem e o que é uma imagem. Com certeza, não será possível responder estas questões de tão amplo aspecto, mas será possível partir de uma abordagem mais direcionada para a natureza das imagens, sejam elas, sensórias, imaginárias, ou de meras coisas em suas superfícies bidimensionais à construção de suas tridimensionalidades. Evidenciar seus diferentes estados de imersão, da ilusão lúdica à perda total de parâmetros entre estar dentro e fora. É neste viés contraditório que o desenvolvimento desta análise sobre imagens imersivas, tendo como referência as abordagens de Oliver Grau em sua obra Imagens Imersivas – da ilusão à imersão, será posto a partir de três momentos: 1- Imagem: das possibilidades, impossibilidades e contradições. 2- Rompendo Superfícies: tempo, espaço e deslocamento. 3- Do faz-de-conta à imersão: o corpo, o lúdico e o virtual.


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2. IMAGENS IMERSIVAS

2.1 IMAGEM : das possibilidades, impossibilidades e contradições O que é uma imagem? A complexidade da pergunta não permite uma resposta de imediato, mas podemos partir para uma reflexão sobre o como a entendemos. Então, parece muito mais viável abordar suas possibilidades, impossibilidades e contradições de existência, partindo de um entendimento delas enquanto superfícies (Flusser, 1983). Abordar superfícies não apenas pelo seu caráter de abstração das duas dimensões do como irá se apresentar aos nossos olhos, mas, também, como processos físicos e subjetivos passivos de troca, relações, traduções e interpretações agentes de um estado de imersão entre sujeito e objeto na recuperação das dimensões perdidas, o se perceber dentro, enquanto constituinte da imagem. Podemos entender e reconhecer que os desenhos e as pinturas rupestres feito nas cavernas, no período que denominamos pré-história, são imagens, assim, como as pinturas e os desenhos “realistas”, a fotografia e até o que sonhamos. E mesmo em suas naturezas distintas de tomar existência, as consideramos imagens por “representarem” algo, pela sua existência se dar pelo reconhecimento de um referente (Peirce, 1994) e ao que elas remetem. Isso parece apontar para um processo de deslocamento de um estado a outro da imagem, envolvendo tempo e espaço. No momento em que há o retorno ao seu referente recupera-se as dimensões perdidas no processo de abstração, de constituí-las enquanto superfície. Este deslocamento é que faz significar o que estamos vendo, passando por nossas inferências (Gombrich, 1982) na construção da imagem que se presentifica. Portanto, se inferimos neste processo de deslocamento o que fazemos é criar novas imagens, novos signos, novos significados, passando necessariamente por relações de experiências vividas, memórias, sensações, ou seja, superfícies não palpáveis, imateriais. Mas será que existe a possibilidade de olharmos algo e não conseguirmos estabelecer esta relação de reconhecimento, inferência e construção? Quando na busca de um referente não somos ativados pelos diferentes níveis de subjetividade, mesmo assim, será que é possível produzir e reconhecer imagens? As pinturas abstratas, por exemplo, não buscam em sua essência uma representação, não se apóiam em referentes. Porém, reconhecemos cores, linhas, formas e estas, também, podem nos remeter à criação de sentidos e atribuições de significados. Podemos construir


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imagens referentes por meio destas, ou seja, criamos relações, existe um possível processo de significação. Para Oliver Sacks (Janela da Alma, 2001) todas as nossas percepções, sensações, e experiências são carregadas de emoções pessoais, que ficam codificadas na imagem. Conhecemos e reconhecemos imagens, também, pelas relações emotivas que estabelecemos com elas, mas curiosamente às vezes a emoção pode se separar da imagem, isso acontece com as pessoas com Síndrome de Capgras que deixam de reconhecer a mulher, o marido e os filhos. Elas passam a acreditar que estão sendo enganadas por imitações, que estas estão simulando ser alguém familiar. O que acontece é que o sentimento de ternura e familiaridade desaparece, o reconhecimento visual existe, mas não o emocional, acontece uma ruptura entre esses dois elementos. A pessoa entra em contradição, como no conceito de passagem de George Miller (1979) em que as imagens oscilam entre ser uma coisa e outra simultaneamente. Podemos pensar então que as imagens existem o tempo todo enquanto potência e que se revelam quando conseguimos estabelecer algum tipo de relação com elas. O que podemos chamar de trocas intersubjetivas, pois ao mesmo tempo em que as olhamos, também estamos sendo olhamos e ao mesmo tempo em que as construímos, também estamos sendo construídos por elas. A distância entre olhar e ser olhado é o espaço que permite o acontecimento das relações, criando uma relação com a idéia de anteparo (Hal Foster, 1996) o que se constrói neste espaço entre sujeito e objeto, que irá determinar o que vemos enquanto imagem. Ao pensar imagens imersivas, Oliver Grau (2001) não questiona a natureza do conceito de imagem, mas ao analisar o caráter imersivo dos afrescos da Villa Dei Misteri – Pompéia c. 60 a.C, algumas dessas relações propostas podem ser evidenciadas e serão desenvolvidas nas abordagens seguintes.

2.2 ROMPENDO SUPERFÍCIES: tempo, espaço e deslocamento Se entendermos imagem enquanto uma construção possível a partir de uma troca de relações e experiências subjetivas, que podem ser ativadas pelos diferentes sentidos perceptivos e emocionais, então as imagens em suas diferentes naturezas sejam a priori imersivas, pois provocam estados de deslocamentos em relação ao tempo e espaço da obra e do espectador/interator.


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Oliver Grau irá partir de suas análises para propor uma reflexão em torno do conceito de imersão, enfatizando este enquanto caráter das imagens postas em 360º, as pedem uma presença, propondo um habitar neste espaço. A relação espacial é vista como elemento fundamental neste processo. Suas análises partem das imagens feitas em afrescos na Villa Dei Misteri, como possibilidade de pensar imersão enquanto relações espaciais que também são construídas, não apenas pelo o que entendemos enquanto presença física, mas pelas possibilidades de deslocamentos que estas imagens criam em sua configuração no espaço, colocando o espectador não apenas como participante da obra, mas, também, responsável pela sua construção. A imersão se faz pelo reconhecimento do espaço enquanto lugar, sendo que a presença significa trocar e propor relações, o meu corpo torna-se parte desse espaço que me convida a estar nele, a criar ele. O grau de realismo e ilusão está na possibilidade de deslocarse para o tempo e espaço dessas superfícies, ou seja, o quanto rompemos e adentramos o espaço-tempo das imagens, ou o quanto neste rompimento construímos o nosso próprio espaço-tempo. Grau coloca a imersão como um invólucro em que o espectador se sente totalmente tomado, contaminado.

Spherical Field of vision. Desenho de John Boone. Em: WONDERS, K. Habitat Dioramas: Illusions of wilderness in Museums of Natural History. Uppsala: Almqvist and Wiksell, 1993. p. 207.

Nas observações de Grau, podemos entender que o espaço construído dessas imagens é na verdade tudo que se presentifica, não são apenas as imagens compondo a arquitetura, mas o caminhar por elas é um disparo para o ponto de encontro e revelação com o espectador, que se encontra imerso, ele é o elemento que estava faltando para a ativação do espaço. O espaço torna-se ambiente, oscila entre superfícies bidimensionais e tridimensionais, permanece o inacabado, as transformações sucessivas dessa mobilidade constante. Ao entrar nesses


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espaços o público se depara diante de um duplo, ao mesmo tempo em que observa, também, está sendo observado pelas imagens, existe uma troca entre sujeito e objeto e ambos se tornam os mesmos ao mesmo tempo.

Afresco - Sala 5 da Villa dei Misteri c. 60 a.C. - Pompéia

O espaço é na verdade uma construção provocativa. Não existe um espaço antes de sua configuração, ele não é apenas uma organização de imagens, mas uma evocação de estados individuais e coletivos de subjetividades é isto que provoca o rompimento de suas superfícies criando outras dimensões. Estados de deslocamentos parte do reconhecimento individual e coletivo das imagens para construção e reconstrução das dimensões espaciais, sejam físicas ou mentais, ou apenas estados, assumindo um caráter momentâneo. Eu me vejo na imagem, logo eu me torno, também, imagem. A identificação e o reconhecer no espaço acontecem por este me propor situações de experiências. Aspectos cognitivos e sensoriais se misturam na busca do referente provocando um deslocamento que leva ao encontro das dimensões não presentes fisicamente, mas que nos colocam num estado de ilusão e simulação (Baudrillard, 1981 ). O deslocamento para outras dimensões pode não acontecer efetivamente em sua natureza física, mas as reações e sensações que provocam são reais, torna-se presença.

Detalhe Afresco - Villa dei Misteri c. 60 a.C. - Pompéia


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Romper a superfície das imagens está além do jogo do visível e invisível, seu rompimento está no distanciamento entre os sujeitos desta construção, é no distanciamento entre um e outro, espaços de aberturas, que as relações se tornam possíveis e impossíveis. Não vemos apenas ou diretamente as imagens, vemos tudo que está entre os espaços que se presentificam entre nós, é este espaço que faz parar o olhar e ativa os outros sentidos. Espaço e tempo criam unidade e tornam-se interfaces de possibilidade e impossibilidades de se fazer e presenciar imagens.

Afresco - Sala da Paisagem na Villa Livia c. 20 a. C. - Roma

2.3 DO FAZ-DE-CONTA À IMERSÃO: o corpo, o lúdico e o virtual O deslocamento do corpo no espaço físico se mostrou fundamental na análise do caráter imersivo dos afrescos da antiguidade clássica. Oliver Grau chama a atenção para o caráter de faz-de-conta que este envolvimento propõem e, talvez, este seja um dos caminhos para abordarmos os deslocamentos de espaço-tempo presentes nestas obras. Em contraste com a simulação, que não precisa ser imersiva e refere-se essencialmente ao factual ou ao possível sob as leis da natureza, a estratégia de realidade virtual de imersão formula que ‘é dado em essência’, um ‘faz-de-conta’ plausível, que pode instaurar espaços utópicos e fantásticos. Realidades virtuais – tanto atuais como antigas – são, em essência, imersivas. Oliver Grau


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Sala delle Prospettive. Afresco de Baldassare, 1516. Villa Farnesina - Roma

Imagens imersivas e realidade virtual parecem estreitar relações. Se por um lado o caráter imersivo das imagens se apresenta por meio das diferentes relações e experiências que estabelecemos com elas e dessa relação construímos espaços de imersão, por outro entender realidade virtual pode partir, também, dessa proximidade de pensarmos em realidade, ou realidades. Na introdução coloquei que as coisas que existem no mundo não são possíveis de serem definidas a rigor, mas nomeadas momentaneamente, pois o mundo e as coisas, também, são construídos pelas relações que estabelecemos com eles, pelas convenções e os códigos. Então podemos partir deste ponto para pensarmos em realidades. O real enquanto construção de relações possíveis, o virtual enquanto construção de relações possíveis e impossíveis que estabelecemos nos espaços imersivos que criamos. Tomemos como exemplo a obra “Alice no pais das maravilhas”. Alice, personagem principal da história se vê imersa dentro de um mundo fantástico onde, ela mesma, se questiona o tempo todo das impossibilidades possíveis daquele faz-de-conta. Porém, quando lemos sabemos que se trata de uma história, mas Alice enquanto personagem e em sua realidade vivenciou tais situais, logo suas experiências foram reais. Na análise de Grau, este faz-de-conta é posto enquanto um estado de ilusão lúdica, ou seja, conseguimos perceber o distanciamento, o espaço entre os sujeitos. A imersão se configura justamente pelo não dar-se conta desses espaços, de não percebermos as fronteiras entre esses dois mundos, entre essas duas realidades.


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Ambiente Second Life

O corpo construído arquiteturas de experiências. O corpo posto diante, dentro e como parte da obra. Talvez, podemos pensar estes enquanto possíveis níveis de imersão pelo qual passamos ao estabelecermos relações de diferentes naturezas com as propostas contemporâneas, que propõem a construção de espaços imersivos, da pintura às instalações multimídias e os espaços virtuais de interação como o Secund Life, que solicitam a presença do corpo. O que necessariamente não deve ser entendido apenas enquanto presença física, mas uma presença que se dá por um envolvimento espacial, que reverbera em experiências e sensações que corresponde à realidade momentânea do espectador/interator.


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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando o espaço já não consiste mais em uma arquitetura sólida e a presença física do corpo já não se faz mais necessária, por onde pensamos a imersão?

Estudar as abordagens de Oliver Grau por meio dos afrescos de Pompéia possibilitou uma compreensão mais aberta e expandida para o entendimento de imersão. Perceber algumas questões que muitas vezes se colocam como contemporâneas, mas na verdade já trazem em si uma recorrência histórica. Retornar ao pictórico foi fundamental para pontuar as relações subjetivas que envolvem tanto o conceito de imagem, quanto o de imersão. Pensar na natureza da pintura enquanto discussão que envolve a questão do olhar, da ilusão e do realismo. Suas possibilidades e impossibilidades de transposição de espaços, de superfícies bidimensionais na construção de tridimensionalidades, de propor janelas para a entrada do espectador. Não entramos fisicamente em uma pintura, mas ela pode nos propor outras dimensões além da superfície da tela. Se podemos compreender a pintura e os espaços pictóricos imersivos apresentados aqui como imagens imersivas, podemos compreender que deslocar um mouse na tela do monitor, não é apenas uma sucessão de movimentos repetitivos e aleatórios. Este gesto provoca reações, sensações, acontecimentos, ou seja, reverbera na criação de realidades. Nos colocamos em uma relação de troca de experiências com uma superfície que, também, não entramos fisicamente em sua arquitetura, mas que ao mesmo tempo esta pode nos propor deslocamentos para outras possíveis e impossíveis dimensões.


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