A pedra de ouro / A pedra do caminho

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EDITeRA U~G

PRó-REITORIA DE EXTENSÃO

COLEÇÃO

EDUCAÇAO

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A·PEDA

DE ORO

Tinha um viúvo que tinha treis rapaz e o pai já era bastante avançado na idade, já num trabaiava

A

PEDRA DE OURO Era uma vez um vi úvo já bastante velho e sem

forças para trabalhar, que tinha três filhos jovens e

mais. Os treis rapaz dentro de casa era muito

muito obed ientes que faziam todo o trabalho da

obidiente do pai. lntão fazia lavora e tudo ...

família, inclusive a lavoura.

Um dia os rapaz tá lá trabaiano na roça e passô um home. Chegô ·'sim, oiô ês:

roça, quando apareceu um homem desconhecido ,

-

Bom dia!

-

Bom d ia!

Um d ia os rapazes estavam trabalhando na olhou - os e disse : -

Bom dia!

-Uai!

-

Bom dia!

-

Tá trabaiano, né, ôs minino?

-

Os meninos estão trabalhando?

-

É, nós tá trabaiano aqui, mas nosso pai tá

-

É, a gente tá trabalhando, porque nosso pai

bastante avançado na idade, coitado, num pode fazê rriais nada. Agora nós é que trata dele. Nó~ faz tudo pa meu pai. O home assuntô 'sim. Falô:

-

Ó, ocês é besta, moço! Cês tá pa saí po

mundo, pocês trabaiá, arrumá suas vida. Se ocês ficá mais seu pai toda vida, cês num 'ru ma nada. Cês tem que largá ele. Dipois que ocês largá ele, ele dá o jeito dele, uai! Ocês ficá só dento de casa trabaiano pa seu pai, cês num ruma nada procês não. E dispidiu dês e saiu. O rapaz suntô aquilo.

tá bastante avançado na idade, coitado , não pode fazer mais nada. Agora a gente é que cuida dele. O homem pensou um pouco e disse: -

Vocês são uns trouxas! Saiam pelo mundo ,

procu r em outro trabal ho. Se ficarem junto de seu pai a vida toda, não vão consegu ir nada. D epo is que vocês o deixar em , ele dá um jei t o. -

Os r apazes refletiram sobre aquilo: -

Ô r apaz, aquele homem é que tá certo. A

gente não vai consegu ir nada se ficar aqu i só trabalhando pra tratar de nosso pai. Vamos em bora. É

- Ô, moço, aquel'home é que tá certo. Se nós ficá aqui só trabaiano, tratano de nosso pai , nós num ruma nada não. Nós vamo saí. É mesmo como ele falô. Dipois que nós saí, de num achá

nos·so pai dá um jeito .

nós, ele dá o jeito dele.

velho sozinho. Depois de muito viajarem , passando

Antão saiu os treis rapaz, dexô o véio. Viajano, viajano, viajano ... Chegô numa artura,

como o homem falou: depois que a gente sumir, E então os três jo vens parti ram, deixando o por uma mata, lá do fundo ouviram um gr ito. -

Ôooo! Venham cá, ôooo! Se vocês querem

ver o laço do capeta, venham aqui!

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E despediu - se

deles e saiu.



- Q uando ês chegá cum a cach aça aqui , deito fogo nês todos dois e m ato ês, bebo a cachaça e p ego a peda pa mim sozin .. A ntão saiu os dois. Quan d o tava pa chegá no

-

Já, mo ço , fu i lá, já comp r ei e já t ô de vo lta.

Toma aqu i um po uco . E deu a garrafa ao irmão , qu e, co m vont ade , a virou garganta abaixo , cai ndo mort o no mesm o

buteco , um deu vontade d 'entrá no m ato , entrô

inst ant e. O out r o im ed iatamente apa nhou a gar rafa ,

no mato, e o o t o foi dipressa lá na ve nda, co mpô a cachaça e com pô um veneno e pôs dento da

pôs a tampa, guardou-a no embornal e segu iu, planejando :

cachaça e v ei o vor t ano . Top ô cum o t o i nhante de chegá lá no buteco. Falô:

e , quando ele cair, fico com a pedra.

-

Uai, moço , ocê já foi lá?

-

Chegando lá, dou a cachaça ao o utro m ano

Enquanto isso , o rapaz que fi co u vigiando a

- Já, moço, fu i lá, já comprei , já lá vô vortan o . Toma aqui um poco.

pedra pe nsava a m esma co isa:

D eu ele a garrafa. Ele virô na boca assi m . Quando ele vk ô na boca assim , el e caiu cum a gar rafa e t udo. Pulô pa garrafa e bat eu a t ampa,

neles , beb o a cachaça e f ico com a pedra pra m im .

pôs dento do im bornale e sigu iu. Fal ô assim:

-

Logo que eles chegarem aqui, deito fogo

Ent ão, quand o o jovem fo i chegando com a cachaça, o irmão ateou-lhe fogo , m atando- o . Em seguida lançou-se so bre o embo rnal , apa nhou a gar rafa e sorveu de um só gol e a cac haça

- C hega lá, eu clô a cachaça. A hor a quele caí eu vô f icá cuessa peda.

envenen ada, caind o duro e t es o com a garrafa na

l ntão lá vai , lá vai , lá vai. E o oto lá no mem o sintido:

per maneceu no meio da m at a.

-

Logo quês chegá aq ui, eu deito fogo nês

aqui e bebo a cachaça e eu pego a peda pra mim

mão. A ssi m , m o r rer am os três , e o laço do capet a

Estes dois textos fo r am pub licado s no livro de Vera Lúcia Felíc io Per eir a, O artesão da memória no Vole do jequitinhonha. (Edito ra U FMG , PUC Minas , 1996) .

só. Aí, qu ando o o t o foi chegano , dei t ô fogo no oto, pôs o oto no chão. Deu um pulo no imbornal dipr essa e pegô a garrafa e virô na boca e ass im caiu cu m garrafa e tudo. Morreu todos treis e a peda de oro ficô lá.

O t exto da col una da esq uerda é uma transcrição da narrati va ora l co ntada por Joaquim Soares Ramos , de Mi nas Novas, em português ru ral, t ambém chamado dialeto caipira. A par t ir da transcrição , Adriana Melo escreveu o text o da direita, ut ilizando o po rtuguês padrão, t ambém chamado português escrito culto.

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Em "Jovens Irmãos se Matam no Buraco

Em "A pedra do caminho", Adriana Melo

Fundo", Ana Elisa Ribeiro narrou a morte dos três

contou a história da morte dos filhos de um

irmãos como um fato de interesse para a página

velho solitário, escolhendo as palavras pela

policial dos jornais; o compromisso com a

sonoridade, pelo ritmo, de modo a tocar

atualidade (o jornal publica as notícias do d ia),

nossos sentidos , nossa emoção.

transformou a pedra de ouro em pedra de crack.

A

PEDRA DO CAMINHO Nem era ainda noite e eu todo já me escu r ecia

e me esquecia quedado no sem fim das minhas

festas do arraial, punha-se a ouvir as histórias que, ouvidas de meu pai, eu lhe dava a conhecer. Ele,

lembranças, os cotovelos fincados na madeira ro ída

então , sem anunciar palavra , fazia aqueles olhos,

da janela azul. Ali me deixava roer também,

mesmo que eu visse ali o menino, nem tinha mais os

remoendo o tempo como a madeira, tornada pó ,

calos nas mãos, vestia-se todo de uma roupa de

consumida de guardar sem fim aquela mesma

veludo verde e chapéu de lindo penacho , era o

paisagem . O milharal, esturricado de seco , v igiado

príncipe de um reino distante com seu cavalo

pela tortuosa cerca, já nem desconfiava mais das

encantado , anunciando mesa farta e amor de

espigas . Açoitado pelo vento era um bando de

princesa. Nastácio já moleque era assim , calado,

homens altos, magros e medonhos, cuja origem não

trabalhava duro , direi t o, mas com aqueles olhos

há gente que dê conta , homens de gestos elegantes

cravados no sem fim . Firm ino , o p r imeiro, veio a esse

e discretos, como se costu ma falar na cidade ,

mundo antes do tempo , nasceu franzino e doent e do

acenando co nvincentes a segui - los. Para onde? Onde

pulmão. Quem falava que ia virar esse baita d e cara

os m e us filhos?

zangada, enfezado feito galo de briga? Muito traba-

Eu , de erado que estou, não enxergo mais

lhado r, é certo, mas se lhe tirassem a razão ... Antô-

caminho ao redor da casa e aqu i na janela me

nio, o fi lho do meio .. . Esse era só risada. Trabalhava

estendo e me fito , à me r cê das idéias, pois que não

com sol ardendo nas costas e riso largo na face .

tenho mais como me mover de outro fe ito .

Tirava graça até de desgraça própria, das alheias ,

Nastácio era homem trabalhador, filho mais moço,

então, e ra um Deus nos acuda. Firmino, muito

quase nunca sa ía, dava duro na lavoura até findar o

sisudo , vivia atracado a ele , desgostoso das

sol. À noit inha, enquanto Fi r mi no e Antônio iam às

brincadeiras e dos risos de deboche que se 17


estendiam compridos, sempre que alguém

aqui nessa janela esfarelada. Lá por detrás do morro

escorregava ou se machucava. Eram todos fortes a seu tempo e modo e nenhum conheceu mãe que lhe

as nuvens fazem sempre o mesmo movimento, uma se en rosca na outra em aci rrada luta para em

fizesse afago, pois a dona não r esistiu à nascença do

segu id a ambas se partirem em um punhado de ·

último fi l ho, dizimada pela dor do parto.

nuvens m iúdas. Tem cabença esse tempo e tudo que

Junto, com os dedos, o pó da madeira que se esfarela da janela, quem era aquele hom em alto de capa escura que apareceu naquela tarde no meio da

da vila: os três rapazes haviam sido encontrados

roça? Eu daqui dessa mesma janela - já nesse tempo não tinha mais braço que sustentasse enxada punha sentido na fala muda que se desenvolvia entre e le e os meninos, sem distinguir palavra. De onde veio e para onde foi nem desconfio, só sei que pegou os meninos de concentrada atenção e do mesmo jeito inesperado que apareceu sumiu na tarde sem deixar rastro. Fechei os olhos por um segundo, escondendo-os do sol que cegava e quando tornei a abri-los não vi mais nem o homem nem os meus filhos, só o milharal esturricando no sol. T inham ido ensinar algum caminho ao desconheci do, adivinhei. Mas por que carecia dos três, todas as enxadas arriadas na terra? Esperei. O sol foi baixando, baixando e não aparecia al i alma v iva. Chegou a noite e com ela mais indagação e incerteza, tinham reso lvido ficar em alguma festa no arraial? Não ensinei a eles desobediência e vagabu ndagem, ainda moleques aprenderam a não largar enxada com céu claro e a não sair sem ante~

mortos num município vizinho . Corria na boca do povo que um irmão tinha matado o outro por ganância, cada qual querendo tomar para si uma tal pedra de ouro de dimensões gigantescas descoberta no meio da mata. Um fo r asteiro teria encaminhado os três rapazes até o local da pedra. Nas imediações já haviam sido encontrados outros corpos, mas ouro nenhum podia ser visto. A polícia estava investigando as mortes misteriosas. Com a razão desses fatos não atino até hoje, pois de obediência e respeito dotei meus filhos. Ensinei fé e amor. De que carece um homem nessa vida? Não tenho mais força que me sustente as pernas e de resto .fico aqui esperando vencer meu tem po, e tenho como não acabar a minha história? Ol ho as andanças da lua no céu claro, ainda é dia. É a lua? O que é isso, que num instante de todo se move o céu, muda lua, nuvem, cor? Apronta-se um temporal, pesadas nuvens escuras cobrem lá por detrás o milharal como uma espessa capa. Fito mais · uma vez a paisagem: milhos o u homens? Eles me

tomar a bênção. E naquele d ia nenhum sinal , um

respondem com um firme aceno: "Vem! Vais ficar aí

aceno, nada. V ieram outros d ias , outras noites e

sozinho?" Eu quase não enxergo mais o lá fora , q uase não grito, nem me dói mais esse fiapo de

nen huma notícia. Eu nessa vida nada tive com sobr a, mas nunca me faltou o teto de uma tapera e alime nto na boca dos meus f il hos. Quiseram luxo, ri queza? Já não faço mais idéia de quanto tempo estou 1 8

nele se move? A notícia chegou quando já beirava um mês do sumiço, as letras engrandecidas no jornal

madei ra que me espeta matreiro o cotovelo direito . Fogem as nuvens? Cessa o vento? Conspiram os homens? Ouço apenas o si no e aqui me deixo, me deito e f ico, fie l. E árvore velha muda de prumo?


As

histórias publicadas nesta cartilha são resultado de um trabalho de registro da literatura oral do Vale do Jequitinhonha MG, desenvolvido pelo projeto de extensão Quem Conta um Conto Aumenta um Ponto, coordenado pela Profa. Sônia Queiroz, da Faculdade de Letras da UFMG . Publicamos aqui uma transcrição (escrita que se pretende fiel à fala do contador) e várias recriações (escritas em que se busca o comp romisso com a poesia, com os aspectos da criação, presentes no texto oral).

Os textos escrito~ foram elaborados por jovens escritores, alunos da Faculdade de Let ras da UFMG , a partir de uma narrativa oral contada po r Joaquim Soares Ramos , de Minas Novas. Esperamos que a leitura desses contos desperte os professores, os alunos e seus amigos e parentes para_a beleza das histórias contadas po r nosso povo à beira da fogueira ou do fogão de lenha e também para a capacidade de criar novas histórias que existe em cada um de nós . Por isso, apresentamos também nesta cartilha uma série de sugestões de atividades de recriação q ue podem ser desenvol_v idas pela escola, a partir da literatura oral.

Pedidos à Editora UFMG · Av. Antônio Carlos, 6627 - Biblioteca Central · 4' andar - Campus Pampulha - 31270-901 • BH · MG • Telefax: (031) 499-4 768


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