Adriana Martins | TGI I 2014

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A CIDADE COMO LUGAR

da realização social da vida



UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

A CIDADE COMO LUGAR

da realização social da vida TRABALHO DE GRADUAÇÃO INTEGRADO I ADRIANA MARTINS RESPONSÁVEL CAP

LUCIA ZANIN SHIMBO COORDENADOR GT

PAULO YASSUHIDE FUJIOKA SÃO CARLOS | 2014


“O lugar abre a perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de apropriação do espaço. Ao mesmo tempo, posto que preenchido por múltiplas coações, expõe as pressões que se exercem em todos os níveis.” (CARLOS 2007, O lugar no/do mundo, p14)


ÍNDICE

CIDADE E COTIDIANO INQUIETAÇÕES UNIVERSO PROJETUAL HIPÓTESE CONFORMAÇÃO DO TERRITÓRIO ESTUDO DE CASO: A METRÓPOLE SÃO PAULO ÁREA RECORTE DE PROJETO INSERÇÃO URBANA LEITURAS LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO INTENÇÕES PROJETUAIS REFERÊNCIAS IMAGENS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CIDADE E COTIDIANO

O presente trabalho pretende se inserir no debate das questões relativas à produção urbana e aos modos de vida na metrópole contemporânea. Pretende, também, estabelecer um diálogo da realidade experienciada hoje com ideias e possibilidades que sinalizam alternativas para o futuro da vida cotidiana nas grandes cidades, com o objetivo de contribuir à necessária reflexão coletiva sobre a qualidade das experiências e relações sociais dentro do ambiente urbano, além de incentivar a atitude questionadora, que transforma e faz surgir o novo. Enquanto processo investigativo, este trabalho tem a intenção de, por meio de um projeto, tensionar os limites e as limitações impostas à arquitetura e ao desenho do espaço urbano. Através da exploração de diferentes escalas, suportes e locais para sua implantação dentro do ambiente da cidade, deseja-se recuperar a função socialdo tecido urbano, fortemente negada na configuração urbana atual, este entendido enquanto disparador de relações sociais, de trocas pessoais e de transformações.


imagem 1 7

“Todo dia ela faz tudo sempre igual Me sacode às seis horas da manhã Me sorri um sorriso pontual E me beija com a boca de hortelã Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar E essas coisas que diz toda mulher Diz que está me esperando pro jantar E me beija com a boca de café Todo dia eu só penso em poder parar Meio dia eu só penso em dizer não Depois penso na vida pra levar E me calo com a boca de feijão” (trecho da música Cotidiano, de Chico Buarque de Holanda,1971)


ARQUITETURA

INQUIETAÇÕES

SOCIEDADE

TERRITÓRIO

CIDADE


METRÓPOLE

A ideia para este trabalho surge de uma série de reflexões a cerca das interações - consolidadas ou em potencial - entre arquitetura e sociedade, os complexos processos de influência mútua entre essas duas esferas e os desdobramentos decorrentes dessa relação ao longo da história. Daí, surgiram novas inquietações, as quais direcionaram o desenvolvimento de uma investigação mais aprofundada a cerca dos processos de conformação territorial das cidades e de seus espaços¹ assim como os conhecemos hoje. Para a realização desse estudo, estabeleceu-se alguns parâmetros e conceituações iniciais que serviram como norteadores do processo de pesquisa. Entre eles, a adoção da perspectiva de se pensar a arquitetura e a cidade enquanto materialização da relação do homem com a natureza; arquitetura e desenho urbano enquanto mediadores da relação do homem com o lugar que ele habita; e o estabelecimento da metrópole - entendida enquanto expressão amplificada de cidade e enquanto lugar onde as contradições da vida são mais evidentes (CARLOS, 2011) - como objeto principal de estudo, tendo o espaço urbano como recorte e foco específico de análise.

ESPAÇO URBANO ¹o termo espaço é aqui utilizado segundo a definição de Milton Santos que estabelece espaço enquanto conceito ou noção que engloba a paisagem mais a sociedade, ou ainda, o conjunto de formas que exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza - ou seja, a paisagem - mais a vida que as anima - os processos sociais, a realização da vida.

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Na primeira etapa de desenvolvimento deste trabalho, a investigação focouse em reconhecer e esboçar um panorama geral referente aos aspectos social, político e espacial das grandes cidades brasileiras por meio da seleção dos fatos e eventos recentes que melhor caracterizassem, ainda que de maneira superficial e generalizante, um cenário inicial da realidade urbana atual no nosso país e que pudesse levantar quais os aspectos mais importantes da discussão contamporânea nos quais uma posterior análise de caso puderia se aprofundar. O resultado encontrado foi um intenso conflito generalizado, representado pelo imagem ao lado, envolvendo os três aspectos analisados, além de um alto índice de insatisfação por parte da população com o espaço e as condições da vida pública urbana. Ficou claro nesse momento que as pessoas, em especial as com menor renda, precisam enfrentar diariamente uma série de dificuldades e carências que vem promovendo um progressivo afastamento delas com a cidade e seus espaços. Foi possível constatar também que o ambiente urbano, da maneira como se configura hoje, desestimula e impõem inúmeras barreiras ao uso e ao acesso livre, democrático e espontâneo dos espaços da cidade. O ambiente urbano hoje mostra-se, de maneira geral, pouco amigável, pouco caminhável, e muito pouco convidativo à apropriação diária, cotidiana.

MANIFESTAÇÕES POPULARES direito à cidade melhorias na dimensão pública e coletiva


VIOLÊNCIA URBANA E DESIGUALDADE SOCIAL defesa irrestrita da propriedade privada gentrificação e especulação imobiliária desenfreadas

“Estou convencido de que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o stress e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e incorporadores” (trecho transcrito do filme Medianeras, 2011)

DÉFICIT HABITACIONAL ocupações irregulares luta por moradia e inclusão sócio-espacial

E o arquiteto e urbanista? Como ele entra e atua dentro desse cenário? Qual seu papel? O que ele faz para contribuir, reproduzir ou resistir a esse desenfreado processo de alienção social e espacial que assistimos hoje?

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ORGANIZAÇÃO ESPACIAL

ORGANIZAÇÃO SOCIAL

ESPAÇO como uma criação da SOCIEDADE e, ao mesmo tempo, como responsável, ele mesmo, por moldar o estilo de vida e o comportamento dessa sociedade

[MARK GOTTDIENER]

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO

produção do espaço como CONDIÇÃO, MEIO e PRODUTO

UNIVERSO PROJETUAL


os AGENTES da produção social, tanto do espaço quanto da vida, são

CAPITAL | ESTADO | SUJEITOS SOCIAIS

da

REPRODUÇÃO SOCIAL DA VIDA [ANA FANI ALESSANDRI CARLOS]

A reprodução da vida se dá em duas dimensões

os SUJEITOS produzem socialmente a VIDA, em suas diversas

dimensões, através de suas ações no COTIDIANO, ou seja, da APROPRIAÇÃO do mundo

PRIVADA [HABITAR] COLETIVA [PÚBLICA]

ESPAÇO PÚBLICO


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imagens 3 e 4 imagens da apropriação espotânea dos corredores do Centro Cultural São Paulo, através de um uso não previsto em projeto

cobertura-jardim do Centro Cultural São Paulo .imagem 2

A partir do estudo de diferentes autores e de diversas análises sobre o ambiente urbano, ligadas a diferentes áreas do conhecimento, chegou-se a algumas diretrizes e intenções projetuais. A vontade de se trabalhar com as dimensões pública e cotidiana no espaço das cidades, levou à escolha das RUAS e das CALÇADAS como os grandes alvos do projeto. Tanto a vivência e a experimentação da cidade, quanto os usos relacionados ao dia-a-dia, tudo isso acontece nesses espaços, que estão necessariamente presentes em nosso cotidiano, sendo assim muito mais importantes para uma boa relação com a cidade do que os grandes equipamentos e espaços públicos de lazer, como os parques, por exemplo, em geral, só são amplamente utilizados aos finais de semana. Assim como já dizia Jane Jacobs na década de 1960, em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades, as ruas e calçadas tem grande influência para a qualidade da vida urbana. Suas ideias sobre esses espaços, os quais, em sua opinião, são os principais lugares públicos da cidade e também os grandes responsáveis pela vitalidade e animação da vida em comunidade, mostram-se ainda bastante válidas perante o panorama urbano atual. Sua hipótese de que “Ruas impessoais geram pessoas anônimas” (JACOBS, 1961, p61) pode ser facilmente comprovada em diversos lugares e até em regiões inteiras de muitas das metrópoles contemporâneas. A natureza coletiva e a diversidade funcional desses espaços vêm sendo sucessivamente sufocadas pela impessoalidade imposta ao espaço urbano através do projeto de cidade neoliberal, fortemente caracterizado pelo pensamento funcional e estéril. Essa mudança significativa na concepção e gestão dos espaços públicos urbanos, que data da segunda metade do século XX, pode ser apontada como um dos fatores principais da alienação social e espacial que domina a sociedade contemporânea, uma vez que as características físicas dos espaços públicos possuem influência direta no modo como esses e outros espaços são apropriados pelos usuários. Desde o surgimento dessa nova concepção de cidade, cada vez mais as ruas e calçadas - e, por consequência direta, também a cidade - passam a se configurar como não-lugares, não-estares, ou seja, como um grande não, uma grande negação do que poderia vir a ser.


Em uma linha de pensamento bastante próxima a essa adotada por Jacobs, encontrava-se o arquiteto Luiz Telles, um dos responsáveis pelo projeto do Centro Cultural São Paulo, localizado no bairro Paraíso, próximo à estação Vergueiro do metrô, na cidade de São Paulo. Ambos atribuíam a devida carga de responsabilidade social aos atributos físicos do espaço, este entendido enquanto suporte para atividades e, também, como mediador da experiência do usuário sobre a cidade. Telles atribuia, além deste, também outros dois papéis fundamentais ao espaço público: a importante função de manutenção da noção de coletivo, de comunidade; e da função de possibilitar o conhecimento e a aceitação do outro, do diverso. Segundo ele, depende da existência e da qualidade desses espaços a boa “saúde”, ou ainda, a boa qualidade da vida coletiva. “o espaço público é pra se ENCONTRAR, esse é que é o grande lance dele. O espaço é público não porque ele é de propriedade pública, é porque ele abriga SERES PÚBLICOS, SERES POLÍTICOS, que pensam no outro, que querem DESCOBRIR. Não querem impor suas próprias ideias, querem TROCAR para ver até onde vão, mesmo que seja sem consciência, um ato ESPONTÂNEO” (trecho transcrito de entrevista do arquiteto, 2012, grifos meus)

Ainda de acordo com o arquiteto, apenas se passarmos a enxergar o mundo como POSSIBILIDADE, é que seremos capazes de vencer o cotidiano, o “modo automático’, e, dessa maneira, abrir espaço para o novo, para novas percepções, novas relações. Dessa maneira, seríamos capazes de ir além, de superar o habitual e o estritamente necessários, criando verdadeiros presentes para a cidade e sua população. O jardim na cobertura do CCSP teria surgido a partir dessa ideia. Nas palavras de Telles,“Estavam prevendo que haveria uma verticalização na área do entorno.

As pessoas que lá iriam morar, ao invés de serem obrigadas a ver no dia-a-dia mais um telhado horroroso, vão ver um jardim e vão ter vontade, provavelmente, de usar o jardim. De repente vão entrar naquele espaço e acabar usando a biblioteca, o teatro e se apropriar daquele espaço que também é para ela. Por que não?” (trecho transcrito de entrevista do arquiteto, 2012)

Numa análise da pós-ocupação do edifício do CCSP, surge a teoria de que o sentimento de LIBERDADE e a sensação de que o uso e a apropriação são ali permitidos - tudo isso informado pelo próprio espaço e pela maneira como ele se articula com a cidade -, são fatores determinantes para o sucesso de público e o grande núemro e diversidade de usuários que frequentam o local todos os dias. Entendendo que “ou se vive a liberdade ou mal se entende dela”, reafirma-se aqui que a ordem e o funcionalismo impostos pelos espaços da cidade do capital restringe e homogeiniza os modos de vida e de uso da cidade.

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Com certeza não existe uma regra única ou cartilha universal que determine as características capazes de garantir um bom espaço público. No entanto, estudos realizados nas últimas décadas, e publicados no livro New City Life (2006), sobre as novas relações que a sociedade contemporânea estabelece com os espaços da cidade e, também, sobre quais seriam os interesses ou atrativos que elas buscam nesses lugares, revelam que existem sim alguns parâmetros básicos que podem nortear a avaliação de projetos para os espaços públicos. Os três princípios básicos, segundo o livro, são protecion, comfort and enjoyment, ou seja, promover proteção, conforto e prazeres através do convite ou do fornecimento de atrativos ao[s] uso[s] e à ocupação. A esses pontos, eu acrescentaria ainda mais um, que, sob o meu ponto de vista, também se configura como base para um bom espaço público hoje, que é a conexão com a realidade e a especificidade da região na qual está inserido, assim como com o tempo em que vivemos. Essa vinculação social com o contexto imediato, para além da inserção dentro da lógica metropolitana, é muito importante na hora de se projetar um espaço que pretende desempenhar alguma função ou estabelecer alguma conexão com seus usuários. Como em todo tipo de transformação, de qualquer natureza, existem aspectos bons e aspectos ruins relacionados ao processo de intervenção e modificação do ambiente urbano, ou seja, sempre se ganha de um lado ao mesmo tempo em que se perde de outro. Entendo isso, a grande preocupação deste trabalho é com a naturalização do processo de importantes perdas sociais que vem transformando de maneira significativa nossas vidas. A implantação de um massivo processo de encolhimento dos direitos dos cidadãos, do acesso à cidade, da existência de espaços públicos democráticos, de espaços de socialização, de troca que vem ocorrendo progressivamente nas últimas décadas parece, cada vez mais, ser “necessário” ao desenvolvimento da cidade, intrínseco à ela. Aliado a essa passividade estão a perda da força de articulação coletiva, e também aos poucos da capacidade de questionar, do senso crítico, dos nossos parâmetros, e valores.


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma. (trecho extraído do livro Eu sei, mas não devia, de Marina Colasanti)

Parque do Anhangabaú em um fim de tarde de um dia ede semana, vazio e pouco ocupado

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.


A geógrafa Ana Fani Carlos discute em seu texto O lugar no/do mundo (2007) as novas relações espaço/tempo na sociedade contemporânea. Segundo ela, o espaço vem sendo reafirmado, e não passando por um processo de desaparecimento como muitos afirmam. O que indica esse fato é a crescente dependência que as estratégias de reprodução atuais estabelecem com o espaço, uma vez que se realizam no e através dele. Já o tempo, por sua vez, vem se compactando cada vez mais e se comprimindo numa tendência (impossível) a sua eliminação, desencadeada pelos rápidos avanços na tecnologia aplicada à produção e à comunicação. Diante desse panorama, os espaços públicos, mais especificamente os relacionados à escala do bairro, aparecem como os últimos responsáveis, dentro das cidades, pelo estabelecimento de laços profundos de identidade, habitante-habitante, habitante-lugar. Ou seja, “lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem

respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida onde se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é pelas formas através das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso. Trata-se de um espaço palpável — a extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio do qual nos deslocamos. Nada também de espaços infinitos. São a rua, a praça, o bairro, — espaços do vivido, apropriados através do corpo — espaço públicos, divididos entre zonas de veículos e a calçada de pedestres dizem respeito ao passo e a um ritmo que é humano e que pode fugir aquele do tempo da técnica (ou que pode revelá-la em sua amplitude).” (CARLOS, 2007) 18

Ainda de acordo com esse texto, “Os percursos realizados pelos habitantes ligam o lugar de domicílio aos lugares de lazer, de comunicação, mas o importante é que essas mediações espaciais são ordenadas segundo as propriedades do tempo vivido. Um mesmo trajeto convoca o privado e o público, o individual e o coletivo, o necessário e o gratuito. Enfim o ato de caminhar é intermediário e parece banal — é uma prática preciosa porque pouco ocultada pelas representações abstratas; ela deixa ver como a vida do habitante é petrificada de sensações muito imediatas e de ações interrompidas.” (CARLOS, 2007)

De acordo com a geógrafa, são as RELAÇÕES que criam o sentido dos lugares, da metrópole. A produção do construído privilegia uma certa manipulação do espaço fundado segundo uma lógica repetitiva e que age sob um princípio fundamental: produzir inicialmente um habitat urbano, para em seguida, liberá-lo para uso. Tal prática vem promovendo um processo de sucateamento da vidá pública e de consequente INTERNALIZAÇÃO DA VIDA, que cada vez mais se encerra dentro de espaços privados, artificializados, que são verdadeiros simulacros de uma realidade bem mais ampla de relações e possibilidades. Cada vez mais se vive”dentro”, seja da casa, do trabalho, da escola, ou mesmo do carro, instrumento que também tem sua contribuição para o processo de alienação social e espacial. Por tudo isso, elegem-se os CAMINHOS e os PERCURSOS diários como grandes estratégias de projeto. Pretende-se aproveitar essa necessidade diária para promover, num mesmo espaço, um suporte não só para os deslocamentos mas também para os usos diários, relacionados às necessidades imediatas do cotidiano. Dessa maneira, espera-se transformar a rua - e, em última instância, as cidades -, enquanto espaço púbilco, em um LUGAR de, em uma referência, algo mais do que somente uma passagem, igual a tantas outras. Pretende-se trabalhar, portanto, a ideia de que a rua é um momento importante do dia-a-dia, o qual guarda o potencial de disparar novas RELAÇÕES e PERCEPÇÕES, assim como de promover o CONTATO com a cidade e com o outro.


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projeto Escadaria Interativa, no Cambuci - São Paulo, de autoria do coletivo nomas, questiona, através da elaboração de um projeto em conjunto com a população local, a subutilização de uma estrutura urbana e de um espaço público. No projeto, prevê-se a ocupação compartilhada entre passagem de pedestres e alguns pequenos - porém importantes à comunidade - novos usos como cinema ao livre, sala de aula, playground para as crianças .imagem 5


HIPÓTESE


A questão formulada para pautar a investigação do projeto aqui apresentado, foi como expressar no espaço – este, entendido enquanto produto final da arquitetura – uma visão sobre a sociedade contemporânea e, mais do que isso, como conseguir que esse espaço desempenhe um papel atuante – legível e efetivo – dentro do campo de intenso conflito social que caracteriza o ambiente urbano das cidades de hoje? A partir daí, estabeleceu-se como hipótese de trabalho a perspectiva de, através de um projeto e de seu desenho, [re]pensar qualitativamente a cidade de hoje sob o ponto de vista do dia-a-dia de seus habitantes, do cotidiano deles, e, mais especificamente, propor uma reconfiguração desse espaço urbano que promova a transformação de suas dimensões pública, social e coletiva. Objetivamente, pretende-se, através do redesenho de uma área já consolidada, apresentar um novo panorama de cidade à população, uma possibilidade do que a cidade pode ser, e assim fornecer novos elementos e ideias para o repertório coletivo dela. Através do estabelecimento de novas prioridades dentro do espaço urbano, espera-se configurar uma nova concepção de cidade, diferentes da que vivemos hoje. A grande intenção é incentivar as pessoas, a partir do disparar de novas percepções e relações urbanas e sociais com o tecido urbano, promovidas pelo projeto, a refletirem sobre a questão urbana e incentiválas a traçar, elas mesmas, uma ideia do que seria a cidade que elas querem para si e para seus filhos no futuro. É apenas a partir do conhecimento do que se quer, que é possível iniciar a luta para consegui-lo.

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Mostrou-se necessária ao desenvolvimento do trabalho, a realização de uma pesquisa relacionada à produção histórica das grandes cidades brasileiras. Interessava descobrir quais os princípios urbanos e os modelos de cidade aplicados em nosso país. Percebeu-se que o modelo atualmente vigente no cenário nacional começou a se difundir no Brasil por volta das décadas de 1950 e 1960, impulsionado pela difusão das ideias neoliberais em nosso país. Sua adoção esteve diretamente relacionada ao momento econômico do período, o qual ficou conhecido como “milagre brasileiro”, que se refere ao período de forte incentivo à industrialização no país, nos moldes do modelo fordista, e que teve a indústria automobilística como ponta de lança e como grande símbolo do “desenvolvimento” pelo qual passávamos. Por tais motivos, e por influência de experiências internacionais, especialmente as realizadas nos Estados Unidos, o modelo utilizado na expansão das cidades brasileiras, desde então, tem como base o rodoviarismo e a expansão territorial horizontal da ocupação, favorecida a partir de então pela nova tecnologia que permitia agora vencer mais facilmente distâncias maiores (ROLNIK, 2013). O principal obbjetivo desse modelo de cidade era o “fazer circular”, e, mais especificamente, fazer circular “sobre quatro rodas”. Assim, a partir daí e até hoje, o meio de transporte base para o planejamento urbano passou a ser o carro, no caso do transporte individual, o o ônibus em lugar dos bondes, no caso do transporte coletivo, e os caminhões em lugar das ferrovias, no caso do transporte da produção. Essa máxima do fazer circular surgiu muito mais preocupada com às necessidades de escoamento da indústria, que crescia vertiginosamente no período, do que relacionada às necessidades de transporte diário da massa trabalhadora. que também crescia vertiginosamente nos grandes centros urbanos, sem nunca parecer despertar preocupações efetivas por parte do poder público. O engavetamento de projetos mais eficientes de transporte em massa, como o metrô, por exemplo, é prova desse descaso com as necessidades da população. Já era previsto, desde a primeira metade do século XX, que a partir das aceleradas taxas de crescimento populacional urbano da época, cedo ou tarde seria necessário enfrentar a questão do transporte público de maneira mais abrangente e mais eficiente do ponto de vista da quantidade e velocidade do transporte. Apesar disso, a primeira linha de metrô só veio a ser construída no país na década de 1960, na cidade de São Paulo, enquanto que em outros países, como Inglaterra, França e Estados Unidos, por exemplo, a implantação desse modal data de meados da virada do século XIX para XX. A grande justificativa para a realização dessas grandes obras infraestruturais no período era a promoção do desenvolvimento econômico, em conssonância com a política de âmbito nacional que ambicionava o crescimento da economia do país e sua consequente ascensão dentro do cenário econômico internacional. A partir do surgimento dessa pressão, passou-se a questionar os limites ambientais e geográficos que historicamente limitavam a expansão territorial das cidades. Nesse momento, o caminho encontrado para a expansão rápida e relativamente fácil e barata - se comparada aos altos custos com desapropriações necessários em áreas já ocupadas -, foi a utilização dos fundos de vale como vetor de crescimento. Essa alternativa, que previa a canalização das águas, a construção de avenidas de escoamento sobre ou às margens do leito e ainda a drenagem das várzeas para posterior ocupação e recuperação do investimento depreendido, tornou-se, já na década de 1970, alvo de política pública nacional instituicionalizando esses instrumentos como os grandes marcos estruturadores das cidades brasileiras até os dias de hoje.


CONFORMAÇÃO DO TERRITÓRIO


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Enquanto, por um lado, este modelo se mostrou - pelo menos inicialmente - eficiente do ponto de vista econômico, por outro, não se mostrou nunca adequado às questões sociais e ambientais, nem da época, nem futuras. Mesmo quando começaram a surgir as primeiras preocupações com os aspectos sociais do desenvolvimento urbano, ainda assim, a perspectiva elas se limitavam ao ponto de vista infra-estrutural (ZMITROWICZ, 2009). A preocupação com o planejamento da ocupação do solo pelo crescente contingente de população urbana, ou seja, preocupações com as questões ambientais de poluição e de preservação de áreas verdes, por exemplo, e ainda questões sociais como garantia de fornecimento e acesso à equipamentos e serviços públicos e do acesso democrático à terra urbana, ainda estavam longe de existir. Segundo Ana Fani Carlos (2007), muito pelo contrário, a lógica tanto da ação pública quanto da privada e imobiliária sempre foi construir primeiro, da maneira como fosse possível, para apenas num momento posterior promover serviços e condições adequadas de ocupação, momento este que muitas vezes nunca chegou... Apesar de serem peça essencial ao funcionamento e ao crescimento da cidade, e, em última instância, da própria existência dela, as PESSOAS, nunca foram integradas de fato à cidade até os dias de hoje, nem em seu desenho, que foge e muito à escala humana; nem em seu planejamento, em cujos processos decisórios se dificulta e muito a ampla, democrática e efetiva participação da sociedade civil; nem em sua expansão, deixando nas mãos da iniciativa privada e ao sabor da especulação imobiliária a oferta de moradia e serviços básicos; nem em seu desenvolvimento, que reforça, através da segregação sócio-espacial, o sucateamento das condições da vida cotidiana dos trabalhadores. Tudo isso, somado aos efeitos do processo de globalização e mundialização (CARLOS, 2007), homogeneização da cultura e de internalização e individualização da vida, além do aumento das desigualdades sociais, vem promovendo um claro processo de alienação espacial em nossas cidades e em nossa população, juntamente com uma queda significativa da qualidade de vida urbana, que vem tornando, de maneira geral, o cotidiano das pessoas dentro da cidade em algo cada vez menos saudável, menos agradável e mais insustentável. Para contribuir com o agravamento dessa situação, as principais metrópoles brasileiras estão acabando de sair de um importante momento de preparação para a realização da Copa do Mundo no país, processo que escancarou, mais do que nunca, a maneira antidemocrática e elitista em que se dá o processo de decisão do planejamento territorial e da política urbana em nosso país, além de explicitar quais as lógicas e os interesses priorizados nas ações públicas desse tipo (exemplo: parcerias público-privadas para revitalizações de áreas urbanas degradadas). Se normalmente as forças dialéticas atuantes no cenário urbano estão em grande evidência e em conflito diário, hoje, mais do que nunca, elas se encontram em verdadeiro estado de guerra, em crise e em disputa diária por cada precioso pedaço de cidade. “esta sequência de construções e destruições deve continuar? A cidade atual é realmente nova, ou é o resultado distorcido de um desenvolvimento ditado pela especulação dos lotes para edificações? [...] Assim, a cidade torna-se maior e mais rica, mas cada vez menos habitável” (TOLEDO, 2007, p7-8)


Escolhi São Paulo, dentre todas as cidades que também passaram pelos mesmos processos, por dois motivos em especial. Primeiro, por que sua população apresenta uma cultura [ou necessidade] muito cara a este trabalho, que é o hábito de se apropriar e de ocupar, em busca de espaço para as atividades de lazer e sociabilidade, praticamente todo e qualquer tipo de lugar, por mais inóspito que ele possa ser. Um grande exemplo disso, ao meu ver, é a ocupação do Minhocão aos domingos, quando o tráfego de veículos é proibido e as ruas ficam reservadas ao livre uso dos pedestres. O segundo motivo refere-se ao surgimento, ainda que incipiente, de uma cultura de organização e mobilização popular, a partir de diversas entidades e organizações civis, em torno da luta por direitos básicos, que perpassam pelo direito à cidade e aos seus espaços. Mesmo que com pouco tempo de existência, muitas dessas organizações vem, bravamente e já com alguns sucessos conquistados - como no caso do projeto Nova Luz, por exemplo -, resistindo à lógica capitalista racionalizante e desumana que se impõe à cidade. Por todos esses motivos, acredita-se que um projeto nessa cidade possa, para além de atender a uma demanda e necessidade social iminente, encontrar campo fértil para florescer e estabelecer uma necessária afinidade com a população, sendo assim possível realizar-se a grande intenção inicial de modificar o cotidiano das pessoas, de promover a reflexão e, de alguma maneira, dar força e concretude aos anseios de uma nova sociedade que demonstra interesse crescente em se comunicar, se conectar e se relacionar.

imagens da cidade de detroit, nos EUA, que decretou oficialmente falência e que acabou, como retratado nas imagens, abandonada pelas pessoas. É nesse mesmo cenário de devastação e de demonstração do grande perigo que a aplicação de modelos unilaterais - tanto no campo econômico, como no social, quanto no desenho de cidade ou no planejamento do transporte - , que começa a se configurar um dos maiores exemplos de mudança de paradigma de ocupação territorial e produção de espaços no ambiente urbano, promovida em grande parte por iniciativa da populção. exemplos: movimento LQC (lighter, quickly, cheaper); tendência de placemaking .imagens 6 e 7

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“A história de uma cidade não é somente uma contribuição ao conhecimento do passado, que vai aumentar o patrimônio das lembranças históricas, mas permite também considerar o presente numa perspectiva correta, e ajuda a projetar melhor - com maior consciência e responsabilidade - o futuro do ambiente urbano. [...] Os estudos históricos tornam-se, então, duplamente necessários, para que não se deixem cair no esquecimento os cenários da vida passada, e para restituir profundidade à experiência do ambiente urbano.” (TOLEDO, 2007, p7)


ESTUDO DE CASO: A METRÓPOLE SÃO PAULO


mapa hidrografia da cidade de são paulo .imagem 8 28

Como pode ser observado no mapa da hidrografia da cidade, São Paulo é fartamente banhada por cursos d’água. Tal característica foi, nos primórdios do surgimento da cidade, o grande motivador para a ocupação da colina histórica que, exatamente por essa situação geográfica, fornecia segurança, abastecimento e convergência de diversas rotas de tropeiros (TOLEDO, 2007). Através da análise cartográfica da história da cidade, percebe-se que a ocupação dos fundos de vale dos principais rios e córregos não era considerada até meados da segunda metade do século XIX. Durante grande parte da história da cidade, portanto, a mancha urbana da cidade foi marcada pelos limites do rio Tietê, ao norte, do vale do Anhangabaú, a oeste, e do rio Tamanduateí, a leste.


A morfologia da ocupação no século XIX na cidade era majoritariamente de pequenos sítios e chácaras ao longo dos caminhos de tropeiros, com edificações construídas em taipa de pilão. Muitas dessas propriedades chegaram até o século XX, representando uma verdadeira opção de vida de seus moradores por “viver de maneira desafogada e cercada por pomares e denso arvoredo, numa forma conciliadora entre ambiente urbano e rural que durou até o surgimento da ferrovia” (TOLEDO, 2007). Para além das barreiras físicas, a expansão territorial foi acontecendo, impulsionada pela chegada dos trilhos à cidade. Aos poucos, ela foi expandido os horizontes da ocupação da cidade, contribuindo para o aumento de sua importância no cenário nacional. No começo do século XX, o município de São Paulo deu início a um importante processo de melhoramentos públicos em sua região urbana, como o início da iluminação pública a gás e do saneamento básico (ZMITROWICZ, 2009). Esse fato atraiu os ricos fazendeiros de café a estabelecerem residência na capital, que já demonstrava sinais de crescimento vertiginoso. Tal fato foi fator determinante para as transformações urbanas dos anos seguintes, promovidas em grande parte pelas mãos da iniciativa privada como, por exemplo, a fundação da Companhia Cantareira, responsável pela implantação de um novo sistema de abastecimento de água e esgoto no ano de 1877.

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Data das duas primeiras décadas do século XX a implantação do Plano Bouvard, responsável pela criação de dois grandes parques para “embelezar” a cidade: o Parque Anhangabaú, no Vale do córrego de mesmo nome, e o Parque Dom Pedro II, nas várzeas do Rio Tamanduateí. “Por essa época, houve tanto por parte de cidadãos como dos poderes públicos uma preocupação com estética urbana e com qualidade de vida. Até a Segunda Grande Guerra a cidade conservou sua imagem de metrópole do café.” (TOLEDO, 2007, p181)

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Ainda nesse início de século, começaram a surgir - para nunca mais parar - grandes anseios pela expansão da área urbanizada da cidade. Foi, então, que adotou-se a ideia, que já era tendência internacional na época, de aproveitar os vales dos cursos d’água como veios de expansão da ocupação. O grande marco dessa fase da cidade foi o Plano de Avenidas de Prestes Maia, que começou a ser implementado na década de 1930, e que previa larga ocupação dos fundos de vale para obras rodoviárias, marcadas por grandes avenidas e viadutos toda a cique cruzavam toda a cidade. Um segundo momento que se destaca na evolução histórica de São Paulo foram as grandes obras de construção das marginais Pinheiros e Tietê, nos anos de 1960. A essa época, no cenário internacional, atravessava-se a crise do petróleo que vinha provocando um encolhimento no interesse e na oferta de financiamento para esse tipo de intervenção urbana de cunho rodoviarista. Apesar disso, ainda havia disponibilidade de investimento para obras de saneamento, abastecimento e geração de energia. Essa foi, então, a justificativa e o mote utilizados para a construção desses dois grandes eixos rodoviários que rapidamente se tornaram as mais importantes vias estruturadoras do fluxo da cidade. A partir desse momento, as taxas de expansão da ocupação sofreram grande salto, atingindo, já na década de 1970, taxas de impermeabilização do solo tão altas que provocaram uma crise de inúmeros alagamentos em diversos pontos da região urbana, fato que acabou por se configurar como um evento periódico que hoje já faz parte do cotidiano da cidade.

implantação do Plano de Avenidas Prestes Maia .imag


gem 8

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Com todos esses incentivos, São Paulo, ao longo de sua história, cresceu tão rápida e desordenadamente que o poder público pouco conseguiu controlar efetivamente as transformações que a cidade foi sofrendo. O resultado disso foi o esfacelamento da dimensão local dentro da área urbana da cidade. A continuidade e a história do tecido urbano foram atravessados e, literalmente, rasgados por planos e ações na escala metropolitana; contraditoriamente, o desejo de conectar ao longe ignorava o contexto local e social imediato, promovendo uma forte fragmentação urbana. Da mesma maneira, foram ignorados os interesses ambientais da cidade como um todo em favor da solução imediata para o problema de infraestrutura. Em resumo, a história da cidade de São Paulo pode ser descrita por uma cultura de se construir “em cima”, ao invés de ao lado; por uma ânsia desmedida em se construir, em ser grande, em crescer custe o que custar; uma postura que hoje cobra seu preço, e alto. Será que não é hora de parar um pouco, recuperar o fôlego e repensar? Será que não é esse o caminho que devemos seguir para conseguir, de fato, mudar a realidade e o futuro das cidades?


vale c贸rrego saracura [avenida 9 de julho]


Apesar de todos os avanços nas discussões em âmbito mundial e nacional sobre as questões urbanas, ambientais e também sociais, estando todas elas em grande destaque nos dias de hoje nos noticiários e revistas especializadas, acredita-se que ainda há muito para evoluir no campo das ações. Apesar das importantes conquistas do Ministério das Cidades e dos Planos Diretores Municipais, por exemplo, as transformações reais ainda estão longe da realidade física do espaço das cidades, elas permanecem contidas apenas na parte teórica que consta nos planos de ação pública e nas propagandas das grandes operações urbanas. Da mesma maneira, apesar do crescente número de projetos que levantam essas preocupações sociais e ambientais, a maior parte deles ainda aborda as questões de maneira muito fragmentária, superficial e pouco efetiva na realidade (SCHUTZER, 2012). Poucas propostas realizam uma verdadeira mudança de paradigma ou estabelecem metas reais de transformação e mudança progressiva, porém efetiva, a nível da metrópole como um todo. Muitas vezes parece faltar aos projetos uma provocação para a reflexão a cerca do modelo de ocupação territorial das cidades hoje, além de se considerar como necessária a mudança dos espaços já consolidados, e não só dos que ainda serão construídos, readequando-os à sociedade atual. Foi com isso em mente que se escolheu a região do Vale do Córrego Saracura, inserido na Bacia do Córrego do Anhangabaú e localizado na área central da cidade de São Paulo [bairro da República Subprefeitura Sé], o qual, atualmente, encontra-se ocupado pela Avenida 9 de Julho construída sobre a as galerias de canalização do curso da água.

ÁREA

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bacia hidrográfica do córrego saracura

rio tietê

rio tamanduateí

rio pinheiros 34

córrego do anhangabaú córrego saracura

rio tamanduateí

afluentes


r alegre

r de santa ephigenia

r de são joão córrego anhangabaú

rd

o

o

de

ita

pe

tin

in

ga

ponte do acu

r da consolação

ponte do lorena

or

largo da memória

mo

sa

r são luiz

r nova de são josé [r libero badaró]

r do dr falcão filho r direita

largo do riachuelo

córrego saracura

córrego do itororó

r de santo antonio

carta da cidade de são paulo no ano de 1881. em destaque, em amarelo, o triângulo histórico; em preto as principais vias que limitavam a ocupação às margens do vale; em tracejado as vias que seriam estendidas sobre o vale em momento posterior .imagem 9

ba

rf

A região do vale do Anhangabaú, região à qual pertence o vale do córrego saracura, é um grande exemplo da desgastante relação histórica entre natureza e sociedade, estando a sua ocupação territorial diretamente relacionada com os principais problemas ambientais que a cidade enfrenta hoje: a questão das águas urbanas - enchentes, poluição, crise de abastecimento -, o déficit de áreas verdes e vegetação na área central e a poluição do ar. A área de intervenção representa o resultado de uma tentativa de minimizar problemas de natureza infraestrutural que acabou aprofundando outros tipos de problemas, sobretudo os de caráter socioambiental. Desde a ocupação dos indígenas, essa região era considerada insalubre e as águas do córrego consideradas “águas ruins”, suspeitas de trazer doenças. Em exames realizados no final do século XVIII, confirmou-se tal desconfiança com a comprovação de que as águas eram salobras. Até o século XIX, a região era ocupada apenas por quintais de chácaras e por plantações de chá, sendo os únicos pontos de travessia do vale a chamada Ponte da Acu, na região da avenida São João, e a Ponte do Lorena, na região do Largo da Memória, que configurava uma extensão da rua do Ouvidor com a José Bonifácio (TOLEDO, 2007). Essa última conexão era bastante importante por estabelecer a ligação entre o centro da cidade e a estrada para Pinheiros e Sorocaba.

córrego do bexiga


r santa ifigênia r brigadeiro r são joão

córrego anhangabaú

rb

ar

ão

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ita

pe

tin

r libero badaró

in

ga

lg da memória

r da consolação

rf

or

r são luiz

mo sa

pça da república

viaduto do chá

r dr martinho prado lg do riachuelo

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córrego saracura

r santo antonio

córrego do bexiga

córrego itororó

av paulista


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av 9 de julho [ainda em projeto]

imagens 10, 11 e 12 cartas da cidade de são paulo dos anos 1895, 1924 e 1930. em destaque, em amarelo, o triângulo histórico; em preto as principais vias da às margens do vale em cada época. pela análise dessa série de mapas é possível perceber o acelerado avanço da ocupação em direção aos cursos d’água que foram, progressivamente, desaparecendo dos mapas e das vistas das pessoas através das canalizações


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imagem 13 vista do parque anhangabaú olhando para o sudoeste, no ano 1937. o grande edifício ao centro é o atual prédio do shopping light, de frente para a praça ramos de azevedo. do lado esquerdo da foto, pode-se ver o vale do saracura ainda não ocupado, como que protegido por construções que encerram os limites do parque anhangabaú na altura do Largo da Mamória. o destaque em amarelo é o traçado aproximado da futura avenida 9 de julho.


Apesar do desinteresse inicial na ocupação das áreas do fundo do vale e das várzeas do Anhangabaú, a região a oeste do centro histórico, ou “a planície para além do morro do Chá”, por sua vez, sempre despertaou grande interesse. Tanto, que acabou se configurando como o primeiro vetor de expansão da cidade, onde se instalou o chamado “centro novo”. A conexão entre o centro histórico e essa nova área só veio a se consolidar de fato com a construção do Viaduto do Chá, que teve sua primeira versão construída em 1892 e, algumas décadas depois, uma segunda, mais larga e agora em estrutura de concreto armado, construída em 1938 e existente até hoje. A partir dessa expansão da mancha urbana na direção do vale, este passou a representar cada vez mais uma área de interesse de melhoramentos e embelezamento, uma vez que se situava bem no centro, no “coração” da cidade. Sendo assim, no início do século XX foi lançado um polêmico concurso de projetos para a área. Após muitas discussões, venceu e foi implantado o projeto do arquiteto Joseph Antoine Bouvard que aliava, de um lado, os anseios pela criação de um parque na região e, de outro, o desejo de aproveitar a área para a construção de edificações de destaque e importância para a cidade. Assim configurou-se a primeira versão do Parque Anhangabaú, que qualificou ambientalmente e esteticamente a região, transformando-a no que foi durante muitos anos a “sala de visitas” da cidade, o grande chamariz da então metrópole do café, uma verdadeira vitrine que, por muitos anos, foi o principal cartão postal da cidade (ZMITROWICZ, 2009). O processo de consolidação da ocupação do vale do Anhangabaú até a década de 1920 se limitou a uma área que tinha como limite à sul a região do Largo da Memória, na altura do largo do Riachuelo. Esta região, conhecida antigamente como Largo dos Piques, sempre se apresentou como uma importante área para a cidade, desde a época imperial quando ainda se caracterizava como o caminho de tropas de mulas em direção a Sorocaba, sendo, portanto, constante alvo de intervenções ao longo da evolução da cidade.

parque anhangabaú na segunda metade da década de 1920 .imagem 14

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imagens de 15 a 19. transformações na região do largo da memória (1860, 1920, 1970, 2014, 2007)


A região do Largo da Memória foi sofrendo inúmeras transformações relacionados aos mais diversos momentos pelos quais a cidade passou ao longo de história. Seu importante marco, o Obelisco da Memória, foi construído no ano de 1814, no momento da abertura da chamada estrada dos Piques. Primeiro monumento da cidade e existente até hoje, sua construção se por homenagem ao triunvirato que governava a cidade no período. Logo depois, foi construído na área o Chafariz do Piques, pelas mãos do famoso mestre Vicentinho, em estilo neoclássico e com a intenção de fornecer águas para tropas de mulas. Em 1876, a obra simplesmente desapareceu. Entre os anos de 1919 e 1922, o Largo foi recebeu projeto de Victor Dubugras, que, após concluído, foi itegrado ao projeto para o Parque Anhangabaú. Em linhas gerais, seu projeto sobrevive até os dias de hoje. “O seu sentido escultural, a sua hábil articulação com o espaço urbano, entre outros fatores, fazem do Largo da Memória a praça mais bem projetada da cidade” (TOLEDO, 2007, p133)


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Data do ano de 1910 as primeiras intenções de criação da Avenida 9 de julho - antiga Avenida Anhangabaú -, a qual é alvo principal da ação deste trabalho. Sendo objeto de lei municipal no ano de 1922, a avenida teve suas obras iniciadas em meados da década de 1930, a partir da execução do Plano de Avenidas Prestes Maia. A maior parte das características atuais da avenida data desse período. No Plano, ela era prevista para integrar a primeira diametral do plano radio-concêntrico de Prestes Maia. Junto com as avenidas 23 de maio e Anhangabaú, ela formaria um sistema em “Y” responsável pela conexão e distribuição do tráfego no sentido norte-sul da cidade. Através dela, também seria consolidada a principal conexão com o município de Santana, recém incorporado ao município de São Paulo. Com data de concepção coincidente com a Avenida 23 de Maio, as duas avenidas foram projetadas para apresentar características bem distintas. A Avenida 23 de Maio fora projetada para ser uma via de trânsito rápido, livre e com papel de escoamento do fluxo da área central, prevista, portanto, para ter uma seção transversal bem generosa e livre de lotes lindeiros. Já a Avenida 9 de Julho foi projetada com seção transversal mais exígua e com clara regulamentação para as edificações lindeiras, de acordo com a altura da avenida na qual a edificação se localizava. “Foram fixados, além do uso, os recuos de frente, de fundo e laterais, gabaritos de altura, tratamento de fachadas, muros de fecho, e paisagismo das áreas internas aos lotes. Pretendia-se dar à via características de avenidaparque, de inspiração europeia, com adensamento populacional previsto nos trechos mais próximos à zona central e uso residencial rarefeito e elitista nas vizinhanças dos Jardins Europa e América.” (ZMITROWICZ, 2009, p65)


foto da construção da avenida 9 de julho, no ano de 1939, vista a partir do MASP .imagem 20

projeto de construção da avenida anhangabaú, atual avenida 9 de julho .imagem 21


cartografia da cidade de são paulo no ano de 1952 .imagem 22

A esquerda, mais uma carta da cidade de São Paulo, agora no ano de 1952. Em comparação com a estrutura viária atual, representada na imagem a direita, percebe-se que de lá pra cá pouca coisa mudou em temos de traçado das vias. Entretanto, importantes mudanças na região como a implantação do Terminal de Ônibus Bandeira [na antiga região do Largo do Riachuelo] e da Estação Anhangabaú do Metrô [ao lado do Largo da Memória], cada um de um lado da avenida 9 de julho, acabaram por adicionar nela outras novas camadas, tanto históricas quanto de novos usos. Essas camadas se apresentam na paisagem atual de maneira bastante destacada, através da sensível intensificação da circulação de pessoas na região e da construção de novas vias de circulação, uma embaixo da terra, no caso do metrô, e outra sobre o nível da rua, no caso do terminal de ônibus que acrescentou duas passarelas elevadas de pedestres sobre a avenida numa clara tentativa de não agravar os problemas de congestionamento que nela ocorriam.


sistema viário estrutural da cidade de são paulo

estação república

estação anhangabaú

terminal bandeira

linha amarela do metrô corredor de ônibus linha vermelha do metrô faixa exclusiva de ônibus sistema viário estrutural

avenida 9 de julho av 23 de maio

terminal de ônibus


imagem 23 vista do terminal bandeira no ano 1977, que na época configurave-se apenas como uma parada para os ônibus e não propriamente como um terminal. o edifício amarelo em destaque é o conhecido edifício joelma [atual edifício praça da bandeira] e, ao lado direito dele, observa-se a via elevada implantada pelo plano de avenidas de prestes maia para compor o “y” de conexão com as avenidas 23 de maio e anhangabaú e realizar o escoamento do fluxo no sentido norte-sul

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no horizonte, duas das passarelas que dão acesso de pedestres ao terminal de ônibus bandeira


passarelas que conectam a estação anhangabaú do metrô ao terminal praça da bandeira. foto tirada de cima de uma dessas passarelas, olhando para na direção do parque do anhangabaú. abaixo delas, o tráfego da avenida 9 de julho

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RECORTE DE PROJETO

“[...] fiquei convencida de como o zoneamento de São Paulo, praticamente nossa única regulação urbanística, não dá conta de gerar uma cidade inclusiva, agradável, democrática. O zoneamento define o que cada um pode construir em seu terreno. Só que a cidade não é uma soma de construções em terrenos privados. Faz falta definir como serão construídos – e transformados – nossos espaços públicos, pensar como conjuntos inteiros podem sobreviver renovados e preservados, entre tantas outras questões mal resolvidas.” (ROLNIK, 2014)


recorte de projeto

av 9 de julho esquema do recorte da av 9 de julho que ser´alvo de projeto


INSERÇÃO URBANA

esquema de ruas importantes à experiência urbana da região. em laranja, as ruas com grande atração e circulação de pessoas. em marrom, ruas que marcam a paisagem por serem vias elevadas ou viadutos


r do arouche

av ipiranga

praça da república r barão de itapetininga

viaduto do chá

r maria antônia r coronel xavier de toledo

r consolação r avanhandava

r martinho prado

r augusta avenida 9 de julho [recorte de projeto] ruas de grande animação urbana

r frei caneca

av radial leste-oeste

r santo antônio

ruas de transposição do vale


imagem 24 mapa de uso do solo predominante na região da subprefeitura da sé, ano 2008. acima, uma aproximação na região da área de intervenção onde se pode notar o predomínio na região central de atividades de serviços e comércio e, conforme se afasta do centro no sentido sul [em direção ao recorte de projeto], primeiramente surge uma faixa com predominância de uso misto entre residencial e comércio mais serviços e, em seguida, uma faixa de uso residencial vertical de mádio/alto padrão

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esquema que destaca, em laranja, as ofertas de lazer e cultura e, em verde, as áreas livres - não construídas existentes na região

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avenida 9 de julho [recorte de projeto] cultura e lazer áreas livres


esquema das curvas de nível que configuram a topografia da região. em vermelho as curvas a cada 5 metros e, em cinza, as curvas a cada 1 metro de desnível. por essa imagem, é facilmente reconhecível os fundos de vale por onde corriam os cursos d’água hoje canalizados. em destaque, em amarelo, o recorte de projeto

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equema de sobreposição das curvas de nível a cada 5 metros, em vermelho, sobre a trama da malha urbana e a configuração dos lotes, em relação à ela, e das edificações, em relação ao lotes onde estão inseridas, ambos em cinza. em tracejado preto, destaque para o número de vias elevadas e viadutos na região. em amarelo, o recorte de projeto


LEITURAS

esquema inicial de leitura da área de projeto, realizado durante a primeira visita de levantamento. nele se destacam os marcos ao longo do percurso da avenida, as conexões estabelecidas atualmente entre a avenida e o tecido urbano ao seu redor, já direferenciando-as das conexões com a cota das travessias que é realizada hoje através do dispositivo das escadas. aparecem também aqui as áreas que despertaram o interesse em, possivelmente, receberem um projeto mais detalhado


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1. rua augusta _trecho conhecido como “baixa augusta” _uso misto residencial com comércio+serviços. _rua de mão dupla, bem servida de pontos de ônibus _grande agitação tanto de dia quanto de noite, grande número de lojas, restaurantes, serviços em geral e também muitos bares e casas noturnas _rua caracterizada pela diversidade de pessoas, culturas e “tribos” que a frequentam _vem passando por processo de especulação imobiliária forte nos últimos anos _número de habitações vem crescendo e transformando a configuração da rua e contribuindo ainda mais com sua vitalidade _importantes marcos urbanos ao longo da via: largo da memória, praça roosevelt, parque augusta, avenida paulista

3 1

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2. rua frei caneca _uso misto residencial com comércio+serviços _rua de mão única, não possui paradas de ônibus _a rua termina na esquina com a rua caio prado que atravessa a rua augusta, na altura do parque augusta _ao final da rua, estabele conexão de pedestres entre a parte “superior” da cidade - na cota mais elevada, da planície - com a parte “baixa” do fundo do vale - cota mais baixa com relação ao entorno. aí se estabelece uma frágil conexão entre a parte elevada da cidade com a rua avanhandava e com a avenida 9 de julho por meio de uma escadaria

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3. rua avanhandava _rua se destaca por seu caráter peculiar, tanto físico - pela conformação dos seus espaços de calçada e da relação desta com as edificações, além das restrições ao tráfego de veículos -, quanto do uso que se especializou na área da gastronomia _a implantação de estratégias de priorização do pedestre e de diminuição da velocidade no trânsito da via de mão única foi uma das pioneiras na cidade e acabou por configurar à rua um caráter de ambiência único, inspirado nas cidades europeias _os restaurantes e cafés possuem mesas nas calçadas, nas quais tanto o pedestre quanto os clientes se sentem seguros e confortáveis _o percurso pela via se inicia na cota elevada da cidade - onde possui conexão direta com a rua augusta, e em nível com a parte do viaduto martinho prado que se eleva sobre a avenida 9 de julho - terminando no encontro com a avenida 9 de julho, exatamente na altura da escadaria que desce da rua frei caneca/caio prado _marcos ao longo da via: gastronomia logo no seu início, saindo da rua augusta; museu judaíco de são paulo em construção na altura da rua martinho prado; passagem por baixo da radial leste-oeste, onde se encontram, sob o viaduto, um mercado de frutas de um lado e um mercado de flores do outro; praça+escadaria da frei caneca/caio prado 4. rua santo antônio _rua que faz parte da história da cidade, tem seu nome e sua origem devidos à Igreja de Santo Antônio, uma das primeiras da cidade de São Paulo _via de mão dupla, é a via por onde saem os ônibus do terminal bandeira na direção sul da cidade _possui alguns pontos de parada de ônibus e conexão em nível com os viadutos martinho prado, major quedinho e 9 de julho _uso predominante residencial com comércio+serviços _marcos ao longo da via: passagem por baixo do viaduto da radial leste-oeste, debaixo do qual existe uma área residual desocupada de um lado e, do outro, o CREAS que tem abertura também para a avenida 9 de julho; centro de referência de saúde da mulher e instituto de saúde SUDS; praça general craveiro lopes; praça/jardim da divina providência; terminal bandeira

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A. radial leste-oeste _principal eixo metropolitano de conexão leste-oeste; último viaduto a ser construído sobre a avenida 9 de julho dentro da área de projeto _atravessa e se sobrepõem sobre as ruas avanhandava, avenida 9 de julho e rua santo antônio no recorte de projeto, e ainda várias outras ao longo de seu percurso _exatamente por isso, configura-se como grande marco na paisagem e na estruturação da cidade, promovendo uma série de espaços residuais por onde passa, que ou são ilhas abandonadas e sem uso, ou são estacionamentos para carros _sob ela, encontram-se um sacolão, entre as ruas augusta e avanhandava; um mercado de flores, entre a rua avanhandava e a avenida 9 de julho; um CREAS (centro de referência especializado de assistência social), entre a avenida de julho e a rua santo antônio e um espaço residual entre a rua santo antônio e joão passalaqua

B. rua martinho prado _construção no ano 1935, permanece a mesma desde então _não possui edificações sob a via _promove um grande estreitamento na calçada devido a seus grossos pilares _possui apenas uma escada, do lado sul da avenida nove de julho, que faz a conexão entre as cotas da avenida e da transposição

B A C


C. rua major quedinho _construção na década de 1930 _um dos viadutos de menor fluxo do centro, enquanto seu vizinho, o 9 de julho, encontra-se sempre congestionado nos horários de pico _praticamente a maior parte da via se encontra no viaduto _exemplo da arquitetura art-dèco dos anos 1930

D

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D. viaduto 9 de julho _construção 1947, extensão da avenida são luís até a rua dona maria paula _desafogar o trânsito na região central, conectando a região com a avenida 23 de maio _teve desenho realizado por Prestes Maia que previa uma passagem do metrô por dentro dele, por isso as medias avantajadas dele. não houve interesse, portanto, esses espaços foram convertidos para outros usos públicos _apresenta congestionamentos constantes _sob ele, funcionam, de um lado, um centro de desenvolivmento social e produtivo e, de outro, a fundação casa do pequeno trabalhador


imagem 25 foto do viaduto mrtinho prado, no ano de 1936, quando sua obra foi concluída. como pode-se perceber na foto, sua construção data de antes mesmo da construção da avenida 9 de julho

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imagem 26 foto do viaduto mrtinho prado com a sinagoga Bethel, em meados da década de 1940. Em primeiro plano, uma cena inesperada para quem só conhece a realidade da avenida hoje: crianças brincando tranquilas na rua. Outra coisa que chama a atenção na foto são os terrenos, todos vazios, ao longo da avenida que acabava de ser construída. ao fundo, debaixo do viaduto martinho prado, pode-se observar o viaduto major quedinho que também foi construído na década de 1930


imagem 27 foto atual do viaduto major quedinho. ao fundo, a direita, a escadaria que faz a conexão com o nível da travessia, em concreto armado “pesado” e com traçado que hoje favorece o sentimento de insegurança para quem ali passa

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imagem 28 foto do viaduto major quedinho na década de 1940. com ângulo muito próximo entre as duas fotografia, pode-se perceber que nada foi mexido no viaduto, assim como os demais viadutos da avenida também se mantém da mesma maneira como construídos. apenas o que mudou foram os grafites que agora tomam conta dos pilares e das laterais das escadas e a configuração da própria avenida e de seus terrenos, que na foto estavam vazios e hoje são densamente ocupados


imagem 29 foto da construção do viaduto nove de julho no ano de 1947.nela, pode se ver o viaduto major quedinho logo ao lado do novo viaduto em construção. essa foto é bastante interessantes pois mostra o padrão de ocupação original do vale antes da avenida, por casas térreas que tinham seus fundos de quintal voltados para o leito das águas.

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imagem 30 desenho de prestes maia de projeto para o viaduto 9 de julho. Através dele pode-se entender o por duplo que o viaduto possui. tratava-se da ideia, empregada também na construção dos viadutos ja quatro vias em seu nível superior, além de futuras linhas de metrô da cidade. como se sabe, apesar não são utilizadas hoje para essa finalidade, mas sim outras que vieram a ocupar o espaço.


rque da configuração em tabuleiro acareí e dona paulina, de abrigar r de já construídas, essas aberturas

imagem 31 foto superior do viaduto 9 de julho de dia, fora do horário de pico. nela, observa-se as amplas escadarias projetadas em ambos os lados do viaduto e ainda o grande talude murado ao seu lado que possui um estacionamento nos fundos

imagem 32 foto superior do viaduto 9 de julho, agora tirada a noite, em pleno horário de pico, mostrando um grande congestionamento sobre ele

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imagem 33 foto aérea da avenida nove de julho, em direção ao parque anhangabaú. nela, destacam-se os viadutos e passarelas elevadas que cruzam o horizonte da avenida estabelecendo conexões para além dela e não com ela, instrumentos contraditórios que, ao mesmo tempo, promovem ligação e fragmentação. através da foto também pode-se ter uma noção da verticalização da região, assim como do nível médio/alto padrão que a maioria dos edifícios da área apresenta por meio da piscina na cobertura do prédio na parte inferior direita da foto


esquema de uso predominante nas quadras mais próximas à área de projeto. nota-se o predomínio de uso misto residencial com comércio/ serviços juntamente com uso residencial vertical de médio/ alto padrão

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áreas sem predominância parques residencial+comércio/serviços residencial vertical de médio/alto padrão equipamentos públicos comércio e serviços garagem


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rápido

trânsito típico pela manhã ao longo da avenida 9 de julho

lento


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rápido

lento

trânsito típico no início da noite ao longo da avenida 9 de julho


3 70

1 2 lotes com acesso apenas pela av 9 de julho lotes com acesso dois acessos

esquema de leitura da área que a divide em 3 zonas com características distintas entre si, agrupando conjuntos de edificações com características similares a partir do cruzamentode das informações de uso, gabarito e ocupação do lote.


1. zona 1 _uso predominante residencial vertical de médio/alto padrão _gabarito médio 12 pavimentos _estabelecem uma aproximação maior com as características predominantes nas quadras que não fazem limite com a avenida 9 de julho [caráter de bairro residencial] 2. zona 2 _uso predominante misto residencial+comércio/serviços _gabarito médio 20 pavimentos _zona onde a maioria dos lotes possuem acesso apenas pela 9 de julho, configurando-se, portanto, como a zona de maior interesse e integração com o que acontece na rua; lotes responsáveis por caracterizar a avenida, configurar seus pontos de atração e, portanto, a experiência que se tem dela 3. zona 3 _não possui uso predominante _gabarito médio 18 pavimentos _área em atual fase de transformação, lotes em construção que vão abrigar novos empreendimentos de moradia e uma edificação que será convertida em habitação de interesse social _zona onde o maior interesse é estabelecer a conexão para pessoas ao nível do solo e, aproveitando-se dessa necessidade de passagem, inserir novas possibilidades de uso que despertem quem passa pela área a permanecer e a utiliza-la de outra maneira que não apenas como passagem

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รกreas livres impermeรกveis รกreas ocupadas de interesse do projeto รกreas livres permeรกveis


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esquema de sobreposição das áreas livres sobre a topografia da região com o intuito de perceber quais delas tem localização de interesse para aplicação de instrumentos de drenagem das águas superficiais


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conexões em nível da avenida com o entorno - pontos de CONTATO conexões horizontais com o nível das travessias limite da ocupação dos lotes com relação à calçada novas conexões pretendidas com o entorno - pontos de INFILTRAÇÃO massa de ocupação dos lotes nas quadras


esquema da experiência do percurso pela avenida 9 de julho. em vermelho, o limite contínuo que a ocupação dos lotes promove para quem caminha pelas calçadas, uma verdadeira sensação de “muro” ou de “barreira”. as edificações não possuem, na maior parte dos casos, recuos laterias entre si, e, além disso, possuem um gabarito médio entre 15 e 20 pavimento, fatores que acabam impedindo a visualização tanto da topografia do vale, quanto das ruas do entorno em praticamente todos os momentos. os círculos tracejados destacam os pontos entendidos aqui enquanto CONEXÕES. Dentre essas conexões, aparecem dois tipos: os chamados pontos de CONTATO, ou seja, de conexão entre as cotas da avenida e do seu entorno através do nível real do solo; e pontos de conexão vertical, entre as cotas da avenida e de suas transposições, promovida por dispositivos, no caso, as escadarias isolodas. Em marrom, encontram-se destacados os novos pontos de contato que o projeto pretende promover.

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corte tranversal ao vale na altura da passagem da radial leste-oeste. à esquerda, a rua avanhandava e, à direita, a rua santo antônio, ambas também debaixo da via

cota +12 cota +7

cota 0


LEVANTAMENTO FOTOGRテ:ICO


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“É aí que as pessoas não ficam, mas atravessam no ritmo dos semáforos seguindo as ordens impostas pelo tempo da circulação rodoviária.”(CARLOS, 2007)


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INTENÇÕES PROJETUAIS

diagrama de sobreposição das intenções projetuais


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3 1 2


Diante da realidade urbana traçada a partir das análises e leituras, surge como maior intenção projetual a vontade de CONECTAR a área, de fato, com o tecido urbano da cidade, com sua própria história e com seus moradores, promovendo assim alguma profundidade e significado à experiência desse LUGAR. Espera-se conseguir isso através das seguintes AÇÕES:

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_Recuperar a escala humana nos espaços ao longo da avenida através da inserção de mobiliário, iluminação, sinalização, além de usos e serviços voltados para pessoas, e não para carros _Recuperar áreas de permeabilidade e propor medidas de dreanagem urbana que gerenciem a questão das enchentes _Transformar a avenida em um corredor verde COMPARTILHADO como uma iniciativa que pudesse, no futuro, ser replicada nas demais avenidas e eixo estruturais da cidade numa verdadeira mudança de paradigma no nosso modo de vida _Criar espaços de uso público em lugares estratégicos - pontos de INFILTRAÇÃO - despertando o interesse das pessoas que frequentarem esses espaços para utilizar os espaços da avenida que fica “escondida” e ignorada dentro do vale _Inserir a bicicleta no planejamento da circulação da área considerando tanto sua utilização como uma atividade de lazer quanto como um meio de transporte de uso diário _Convidar os moradores da área a reinventarem esse espaço através do uso e da apropriação espontânea que fizerem dele, propondo um desenho mais livre de cidade, menos ordenado e funcionalizado; um desenho que não imponha às pessoas qual é o lugar ou a hora certa para se realizar determinada atividade; um desenho que não diga para as pessoas que é proibido pisar na grama ou que elas não tem a prioridade no uso daquele espaço _Trazer o elemento água de volta ao cotidiano da área como forma de recuperar a memória de que ali é um fundo de vale e de provar que é possível desenvolver uma relação positiva com esse recurso natural [não se trata de renaturalizar o córrego, mas sim de trabalhar esse elemento construindo uma narrativa ao longo do diversos espaços da avenida] _Estabelecer 2 eixos de transposição da avenida pelo fundo do vale, como contraponto aos viadutos e passarelas que cortam sua paisagem, para que, junto com as pessoas, a animação e o interesse urbano presente no entorno chegue até a área


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imagem 34 medidas de compartilhamento das vias são uma boa opção para o problema da falta de espaço

imagem 35 na busca por espaço, a pressão deve ser exercida sobre o espaços dos carros e não das pessoas


zona 1

_estabelecer a relação entre a rua avanhandava e a santo antônio, passando pela avenida 9 de julho. realocando o mercado de flores e o CREAS do atual espaço que ocupam debaixo da radial leste-oeste, libera-se uma faixa contínua e dierta de ligação entre as 3 ruas. é uma possibilidade de reverter a lógica de segregação característica dos viadutos, propondo um eixo de conexão social debaixo dele _propor novos usos nesses espaços que estejam relacionados com o uso residencial predominante na zona 1. uma possibilidade bem atual e versátil são os truck foods, recém legalizados na cidade

zona 2 90

_propomover incentivos para a ocupação da grande oferta já existente de salas comerciais nos térreos das edificações ao longo desse trecho da avenida por usos voltados tanto para funcionamento diurno quanto noturno, como restaurantes, livrarias, bares etc. _previsão do uso compartilhado da calçada entre pedestres e esses locais, de modo a trazer a animação desses usos para a vida pública, para a cidade, para fora das edificações _zona que deverá abrigar ações lineares, que favoreçam o percurso na via, a caminhada, o pedestre, o ciclista. pontos de interesse distribuídos de maneira a fazer as pessoas percorrerem a avenida e experienciarem a vivência dela

zona 3

_a área está diretamente relacionada à necessidade de circula especialmente dos que circulam entre o terminal de ônibus e aqui, a ideia é promover uma alternativa segura às duas pass então ser removidas aliviando a sensação de excesso de estru promovendo uma requalificação da paisagem urbana _junto com essa conexão para pedestres, pretende-se estabe uma conexão entre os espaços livres já existentes na área, pr importância e reconhecimento urbano a eles


imagem 36 medidas de afastamento do pedestre com relação ao tráfego de veículos

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ação de pedestres, e a estação de metrô. sarelas, que poderiam uturas na região e

elecer também romovendo maior design de escada que integra a função de passagem com estares .imagem 37


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imagem 38 casa implantada em terreno com forte desnível que toma partido disso e organiza os espaços da casa em torno da uma escada


imagem 39 cascata de água integrada ao desenho de piso e à topografia do terreno

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imagem 40 relação com córrego proposta por Lina Bo Bardi no projeto para o Sesc Pompéia se dá através de um deck de sol que praticamente se configura como uma praia urbana


REFERÊNCIAS IMAGENS img 1, 6, 7,13,14,23,33, 34, 35 e 40 > fonte: pesquisa eletrônica google imagens img2 > fonte: montagem sobre fotogrfia de autoria própria img3 e 4 > fonte: fotos retiradas do livro Centro Cultural São Paulo: espaço e vida de Fernando Serapião. São Paulo: Monolito, 2012. img 5 > fonte: site do grupo nomas, disponível em: http://www.nomas.com.br/#!esc-camb/c183n img 8 > fonte: site do portal vitruvius, disponível em http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259 img 9,10,11,12 e 22 > fonte: cartografia histórica da cidade de são paulo, dados-sp img 15,16,17,18,19 > fonte: fotos da reguão do largo da memória, disponíveis em mimnha são paulo img 20 e 21 > fonte: retiradas do livro ZMITROWICZ, Witold. Avenidas 1950-2000: 50 Anos de Planejamento da Cidade de São Paulo São Paulo: EDUSP, 2009. img 24 >fonte: mapa de uso predominante do solo, disponível em site da subprefeitura da Sé img 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31,32, 39 e 40 > fonte: pesquisa eletrônica google imagens img 36 > fonte: revista topos, edição de número 73 img 37 > fonte: disponível em: http://www.dearchitect.nl/nieuws/2012/08/09/strandtrappen-door-jan-konings.html img 38 > fonte: disponível no portal archidaily brasil


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