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Associação dos Docentes da UFF

SUPLEMENTO Setembro de 2016 Seção Sindical do Andes-SN Filiado à CSP/Conlutas

241, a PEC que pode retroceder tudo Não é apenas mais um dos muitos projetos que prejudicam o setor público e a população. É um divisor de águas que pode colocar em risco não apenas a expansão como o funcionamento de todos os serviços públicos prestados à população no Brasil. É o que alertam professores que expõem suas opiniões neste caderno especial sobre a Proposta de Emenda Constitucional 241/2016, que, associada a projetos como o PLP 257, pode reduzir drasticamente os recursos públicos destinados às políticas sociais. Seriam 20 anos de orçamento congelado para gastos primários, sem quaisquer travas para as despesas financeiras com juros das contestadas dívidas públicas brasileiras. Não por acaso, observam, a PEC 241 vem acompanhada de projetos, reformas ou cam-

panhas na mídia comercial que preconizam a redução de direitos previdenciários – já há quem fale no governo até em aposentadoria somente aos 70 anos –, a redução do valor de benefícios sociais e mesmo das aposentadorias com a desvinculação deles do salário mínimo, o fim do acesso universal e gratuito ao sistema de saúde e a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Este caderno especial do Jornal da Aduff é um convite da Seção Sindical do Andes-SN na Universidade Federal Fluminense tanto à reflexão do que significa esse conjunto de projetos, quanto à mobilização para impedir que eles virem lei. O que pressupõe, na avaliação da Aduff-SSind, um amplo movimento de resistência que reúna todos os que defendem os serviços públicos, as políticas sociais e a educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.


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PLP 257 prevê mesmos limites da PEC 241 para estados e tem ‘armadilha’ na LRF Governo teve que ceder para aprovar projeto na Câmara, mas manteve congelamento do orçamento e introduziu alteração pontual na Lei Fiscal que pode fomentar demissões

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ara conseguir aprovar o texto-base do Projeto de Lei Complementar 257/2016 no Plenário da Câmara dos Deputados, o governo teve que alterar a proposta. Com isso, a maior parte dos itens que modificavam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) caiu. Da mesma forma, foi excluída a parte explícita que proibia aumentos salariais para servidores estaduais e contratações por dois anos. Em tese, o projeto foi constituído para atender aos governadores que reclamavam

da impossibilidade de pagamento das dívidas dos estados com a União. Enviado ainda pela presidente Dilma Rousseff, em março, a proposta continha, entretanto, uma série de chamadas contrapartidas fiscais por parte dos estados. Tornava a LRF também mais restrita, atingindo assim as esferas municipal, estadual e federal. A versão cujo texto-base foi aprovado na Câmara continua engessando os orçamentos estaduais por dois anos: com a determinação de que

as previsões de despesas não podem ser superiores à executada no ano anterior, apenas corrigida pela inflação medida pelo IPCA. É, enfim, uma repetição da PEC 241 no campo estadual, mas sem força constitucional e, a princípio, por período menor. Não diz que reajustes e concursos estão proibidos, mas, na prática, os inviabiliza-os ao congelar o orçamento. O governo, no entanto, manteve uma sutil alteração na LRF que pode ter consequências profundas: na defi-

nição dos limites de despesas de municípios, estados e da União, trocou ‘funcionalismo’ por ‘despesas com pessoal’. A mudança pode levar à interpretação de que contratações de serviços terceirizados também estão incluídas nesse limite e fazer com que o teto de despesas com pessoal seja estourado em muitos lugares. Essa redefinição das despesas com pessoal, aliás, estava escrita com todas as letras na versão inicial do projeto, mas foi removida, ficando a ‘armadilha’.

Caso vigore a interpretação de que despesas com terceirizados também se inserem nos limites orçamentários de pessoal, não só reajustes salariais e concursos públicos ficam inviabilizados, como se abre caminho para processos de demissões nos serviços públicos. O PLP 257, que ainda terá que ser apreciado no Senado Federal, teve a sua votação na Câmara concluída no último dia de agosto, quando quatro destaques foram rejeitados.

O QUE REPRESENTA A PEC 241 Orçamento Impede o crescimento das despesas primárias da União. A partir de 2017, a previsão de despesas não-financeiras da União fica restrita à do ano anterior, corrigida pela inflação medida pelo IPCA. Projeção mostra que a saúde perderia R$ 654 bi em 20 anos.

Juros livres

Desvinculação

Apenas as despesas primárias ficam submetidas ao teto. Isto é, gastos com pessoal, políticas sociais, investimentos e manutenção da máquina pública. As despesas com juros e amortizações das dívidas públicas não são congeladas: ao contrário, recursos da saúde e educação podem ir para essas áreas.

Por 20 anos, os gastos com saúde e educação, hoje percentuais fixos das receitas definidos na Constituição, podem ficar congelados e passam a ter assegurados apenas a correção da inflação. Estudo mostra que se isso vigorasse de 2002 a 2015, a educação teria perdido R$ 268,8 bilhões.

Estados e municípios

Mercado

A PEC 241 atinge diretamente, no texto original, os serviços públicos federais. Mas o governo interino atua para estender as medidas aos estados e municípios.

Ao engessar o crescimento dos recursos destinados aos serviços públicos, a PEC 241 tende a fomentar não só a privatização, como o fim da prestação de serviços gratuitos à população.

Servidores A PEC 241, na prática, inviabiliza reajustes salariais no setor público. Mas quando o teto não for cumprido, o governo deverá congelar os gastos com os servidores, inclusive a revisão anual prevista na Constituição. Também seriam suspensos os concursos públicos e as contratações.

Previdência A ideia de congelar os gastos públicos primários é indissociável da reforma da Previdência, admite o próprio governo. Proposta divulgada pela Casa Civil informalmente: aposentadoria com idade mínima de 65 anos para todos, homens e mulheres, das esferas privadas e públicas, podendo ser ampliada até 70 anos sem necessidade de nova reforma.


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Neoliberais agora dizem que saúde e educação são os elefantes

Hélcio Lourenço Filho Da Redação da Aduff

Cena 1

O locutor está na sala da casa de uma família, sentada à mesa ao fundo. Ele diz: “Já foi importante uma forte presença do estado na economia...” – a campainha toca. Cena 2: o locutor abre a porta, entra o elefante. O homem que fala pelo governo prossegue, sempre com a família e, agora, o enorme animal ao fundo: “Só que o Estado engordou muito em áreas não prioritárias para você cidadão. Ficou pesado. Com a desestatização, o Estado vai investir pesado em saúde, educação, habitação, saneamento e segurança”. Antes do término do comercial do programa de desestatização do então governo Fernando Collor, ouve-se o refrão da campanha, parodiando canção popular: “Um Estado pesado incomoda muita gente”. O comercial descrito acima foi ao ar nas TVs e rádios abertas do país no início dos anos 1990. Buscava dar sustentação ao Programa Nacional de Desestatização lança-

astro on C : Gils Arte

Duas décadas e meia após acomeçarem a privatizar quase todas as grandes estatais, alegando que o Estado precisava cuidar da saúde e da educação, os mesmos grupos políticos dizem que a saúde e a educação não cabem no PIB do Brasil

Reprodução de fragmentos do comercial do governo a favor da venda de estatais no início da década de 1990

do por Collor. Apresentava duas características marcantes: associar as empresas a serem vendidas a ‘elefantes brancos’; e mostrar que os recursos obtidos e a atenção do Estado seriam voltados para áreas como saúde e educação.

Os novos ‘elefantes’ Cerca de duas décadas e meia depois, os grupos políticos que defendem o programa neoliberal – que propaga a redução do Estado no que se refere às políticas sociais – fazem discursos nos quais, na prática, os ‘elefantes brancos’ agora são a educação, a saúde e a previdência públicas. Esse discurso está sintetizado em um projeto, que pode ser tratado como ‘mãe’ de todos os outros: a Proposta de Emenda Constitucional 241/2016, enviada ao Legislativo pelo vice Michel Temer (PMDB), quando ainda presidente interino,e de certo modo reafirmado no breve pronunciamento de posse do já presidente efetivo, no dia 31 de agosto de 2016, quando de-

fendeu as reformas trabalhista e previdenciária para ‘assegurar’ direitos e modernizar o país.

Dívidas públicas

A essência da proposta, reconhecida pelo próprio governo, é ‘congelar’ os orçamentos públicos nos chamados gastos primários, para que sobrem recursos para pagar juros e amortizações das dívidas públicas e, quem sabe, ‘controlá-la’. O termo ‘gastos primários’ engloba praticamente tudo que não seja despesas financeiras, que, de modo global, por Poder da República, teriam, por 20 anos, previsões orçamen-

tárias restritas aos orçamentos executados no ano anterior, acrescidos, no máximo, da correção monetária, medida pelo IPCA. Receitas ‘carimbadas’ de áreas sociais, como saúde e educação, deixam de ser obrigatórias. A PEC 241 é restrita à esfera federal. Mas é nítida a intenção do governo de estendê-la a estados e municípios. Algo que já consta, no âmbito estadual, no Projeto de Lei Complementar 257/2016, este enviado ao Legislativo em março pelas mãos da então presidente Dilma. Para aprová-lo na Câmara, o ainda interino governo Temer fez concessões. Mas assegurou o mesmo teor da PEC 241 no que se refere ao congela-

mento, por dois anos, embora sem força constitucional. Incluiu ainda um item na Lei de Responsabilidade Fiscal que permite agregar terceirizados à despesa de pessoal, o que pode engessar os serviços públicos. Ao aprovar a prorrogação da DRU (Desvinculação das Receitas da União), agora em 30% das receitas, estendeu a estados e municípios, parcialmente, o mecanismo que libera recursos para o governo gastar como quiser, algo inédito. A intenção, como se vê, é ‘congelar’ todo o serviço público. O desafio dos movimentos sindicais e sociais é impedir que isso aconteça.


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PEC 241 E PLP 257

O que representam esses projetos Depoimentos de professores da UFF sobre como veem os projetos que podem ‘congelar’ o orçamento dos serviços públicos e as consequências disso para a universidade e a sociedade.

Fotos: Luiz Fernando Nabuco

‘Democracia real pressupõe acesso universal a serviços essenciais’

“ Ta nt o o PLP 257 como a PEC 241 responsabilizam os servidores públicos e usuários dos serviços públicos pela crise econômica no país. Eles propõem o congelamento e a redução dos investimentos sociais em saúde e educação e em outras áreas carentes de recurso, como a habitação pública. A PEC 241 propõe o congelamento dos salários dos servidores e a privatização das empresas públicas estaduais por até 20 anos. Ou seja, torna ainda mais precária a execução dos serviços públicos que são essenciais para uma população cada vez mais carente de recursos e desempregada. Uma democracia real pressupõe a existência de acesso universal, gratuito e de qualidade a serviços essenciais, como saúde e educação. Por isso precisamos lutar contra a PEC 241 e para reverter o PLP 257!” Gustavo Gomes, professor da Escola de Serviço Social da UFF-Niterói e presidente da Aduff-SSind

‘Versão mais feroz de política já implantada na Grécia, Espanha e Portugal’

‘É uma briga para manter a universidade e os serviços públicos como um todo’

“No dia 1º d e a go s to fez exatamente três anos que comecei a trabalhar na UFF como docente. Nunca imaginei que em tão pouco tempo depois do meu ingresso estaríamos numa briga desse porte para manter não apenas a universidade pública, mas também os serviços públicos como um todo. Com o PLP 257 e a PEC 241, a educação poderá receber cada vez menos recursos, o que se traduzirá em redução da assistência estudantil, falta de material, ausência de manutenção, obsolescência de equipamentos e instalações. Sem contar o risco real de congelamento de concursos, salários e das progressões. Como pensar em uma universidade de qualidade e democrática assim?” Nina Tedesco, professora do curso de Cinema da UFF Niterói

“O Estado brasileiro é um estado que hoje passa por u ma cr ise, reflexo do subsídio ao capital para os megaeventos como as Olimpíadas e Copa do Mundo e da isenção fiscal a determinados setores produtivos e do capital financeiro, a serviço da dívida. A estratégia do capital internacional é que essa conta tem que ser paga pelo serviço público. O estado brasileiro, já no governo Dilma, mas sobretudo no governo Temer, faz com que recursos sejam deslocados das áreas sociais como um todo, mas principalmente da saúde e da educação, para esses setores estratégicos do capital internacional. Não é à toa que a gente vê a retirada de serviços públicos da saúde com a entrada da Ebserh nas universidades, a contratação de organizações sociais tanto no nível estadual como federal. Essa política é uma política que vinha sendo implementada em vários países da Europa, como na Grécia, Espanha, Portugal; agora sua versão mais feroz vem sendo implementada no Brasil junto ao Congresso Nacional”. Edson Teixeira, professor do curso de Serviço Social da UFF Rio das Ostras e diretor da Aduff-SSind


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‘Abrirá espaço para terceirização dos docentes na universidade’

“O PLP 257 impõe aumento da cota previdenciá r ia de 11% para 14% e instituição da prev idência privada nos e stados, além da proibição de qualquer alteração na estrutura de carreira dos servidores públicos das três esferas, da suspensão de concursos públicos e da redução em até 30% dos gastos com servidores públicos decorrentes de parcelas indenizatórias e vantagens de natureza transitória (gratificações; diárias e benefícios). Traduzindo para o caso específico dos docentes das universidades: teremos consequências gravíssimas, pois o PLP prevê suspensão das promoções e progressões na carreira, além de redução em até 30% nas gratificações e benefícios. Nós, docentes, recebemos a Retribuição por Titulação em forma de gratificação e isto poderá ser reduzido em até 30%, além da redução em até 30% nos valores dos nossos benefícios. Tudo isso aliado à suspensão de concursos públicos e redução no orçamento da educação e da universidade, que já esta sofrendo, por anos, o processo de precarização. Esses ataques à nossa carreira abrirão espaço para terceirização dos docentes nas universidades”. Marinalva Oliveira, professora do curso de Psicologia da UFF-Volta Redonda e ex-presidente do Andes-SN

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A natureza do desequilíbrio está nas despesas financeiras’

“A m b o s os projetos assumem a ocorrência de um desequilíbrio fiscal causado por despesas primárias (não-f inanceiras), quando 82% do déficit fiscal de 2015 foi causado pela despesa com juros (em 2014, foram 91%). Eles sequer mencionam a natureza financeira desse desequilíbrio, e impõem o ajuste sobre as despesas não-financeiras. Impõem uma trava no gasto não-financeiro quando a natureza do desequilíbrio está na despesa com juros. Essa é a despesa que eles deveriam controlar. A PEC 241, que reajusta o gasto não-financeiro segundo a inflação, terá como resultado congelar a estrutura do Estado brasileiro de hoje. Isso porque quando você somente reajusta os gastos pela inflação, você não poderá ter expansão real. No máximo, será possível recompor essa estrutura: para um tipo de gasto se expandir acima da inflação (ou seja, crescer em termos reais), outro tipo de gasto terá que se expandir abaixo da inflação (ou seja, encolher em termos reais). Ora, a estrutura estatal hoje já é reconhecidamente insuficiente para oferecer serviços de qualidade para a população. Ocorre que ao longo dos próximos 20 anos (tempo previsto pela PEC 241), a população vai crescer, outras necessidades surgirão. Como elas serão atendidas? Sobrará a saída privada, pela mercantilização desses serviços”. Victor Leonardo de Araújo, professor da Faculdade de Economia da UFF – Niterói

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‘Com projetos e obras parados, a tendência é piorar a precarização com o congelamento’

“Os possíveis efeitos da apro v aç ão do PLP 257 e da PEC 241 para a educação pública brasileira em todos os níveis e modalidades são preocupantes. Quando pensamos na formação superior fruto do projeto de extensão universitária (Reuni), que já apresentava problemas graves de planejamento e execução, a questão torna-se ainda mais alarmante. Nos campi de expansão da UFF, como o Instituto de Saúde de Nova Friburgo, por exemplo, a situação é precária para os três cursos oferecidos (Biomedicina, Fonoaudiologia e Odontologia). Faltam condições materiais (espaço físico, equipamentos e insumos) e recursos humanos (tanto de professores quanto de técnicos-administrativos) para a realização das atividades básicas do processo de formação profissional. Os projetos arquitetônicos e obras imprescindíveis para o funcionamento dos cursos de graduação e pós-graduação encontram-se parados e outros sequer iniciaram. Essa situação dificulta o desenvolvimento e a permanência dos estudantes nos campi de expansão. A expectativa é que com o congelamento dos investimentos na educação, assim como de todos os outros serviços públicos propostos por esses projetos, a precarização do trabalho docente e dos servidores de modo geral será ainda maior neste contexto, com a possibilidade de total inviabilização do funcionamento dos cursos, declínio da qualidade do ensino e aumento de medidas privatistas.” Priscila Starosky, professora do curso de Fonoaudiologia da UFF-Nova Friburgo


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PEC 241 também mira fim da gratuidade no ensino superior Campanha conservadora diz que só elite estuda na universidade pública, mas pesquisa derruba argumento

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ara combater uma crise nunca vista, necessita-se de ideias nunca aplicadas. Neste sentido, por que não aproveitar para acabar com o ensino superior gratuito, também um mecanismo de injustiça social? Pagará quem puder, receberá bolsa quem não tiver condições para tal. Funciona assim, e bem, no ensino privado. Até porque é entre os mecanismos do Estado concentradores de renda que está a universidade pública gratuita. Pois ela favorece apenas os ricos”. O trecho acima foi retirado do editorial de “O Globo” de 24 de julho deste ano. Três dias depois, a revista “Veja” publicou artigo de Claudio de Moura Castro, presidente do Conselho Consultivo da rede Pitágoras de ensino privado, com o retó-

rico título “Professor ganha mal?”. No texto, sobram ataques à classe docente, e, por extensão, ao direito do acesso à educação pública e gratuita. O súbito interesse da mídia empresarial pelo tema não é mera coincidência. No dia 4 de agosto, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelece limite para as despesas primárias do governo e permite o desvio de recursos da saúde e educação, era aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. A ideia do projeto é clara: equilibrar as contas públicas cortando nos serviços pú-

blicos e nas políticas sociais. Mas seria o ensino gratuito o grande responsável pelo déficit fiscal no país? Em âmbito federal, os recursos que o Estado receberia acabando com a gratuidade das universidades públicas (com altíssimo custo social) parecem irrisórios se comparados ao que poderia ser arrecadado taxando as grandes fortunas, acabando com as isenções fiscais de setores produtivos

e financeiros e realizando a auditoria da dívida pública. Pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) também desmente a afirmação que só os filhos da elite estudam na universidade pública. O trabalho indica que do total de estudantes das universidades federais, dois terços dos alunos (66,19%) vêm de famílias cuja renda

não ultrapassa 1,5 salário mínimo per capita (R$ 1.320). Quando se analisa os dados brutos de renda, a tendência se repete. O porcentual de estudantes com renda familiar bruta de até três salários mínimos (R$ 2.640) saltou de 40,66% para 51,43% entre 2010 e 2014. Já a participação de estudantes de famílias cuja renda bruta está entre nove e dez salários mínimos (R$ 7.920 a R$ 8.800) é de 2,96%. Os alunos de famílias com renda bruta acima de dez salários mínimos não passam de 10,6%.

tas, mas 30%; e estendido a estados e municípios – sendo que, nesse caso, com a proibição de uso de recursos vinculados à saúde e à educação. Retroativa a janeiro, a previsão é de que o governo federal tenha R$ 116 bilhões para gastar livremente – a maior parte extraída da seguridade social e educação.

nos obrigações, para desafogar a rede pública. É visível a intenção de reduzir o SUS e pôr fim à universalidade que assegura, ao menos na lei, o atendimento e a gratuidade a todos. Em 2015, outras medidas do ‘ajuste fiscal’ restringiram o acesso ao seguro-desemprego em meio ao pleno crescimento das demissões. Agora, a ideia de achatar o SUS ganha força quando muita gente abandona os planos privados e recorre à saúde pública. Pesquisa da CNI indica que, desde o início da crise, 34% dos brasileiros perderam o plano de saúde. E recorrem ao sistema público que o governo Temer quer privatizar e encolher.

Luiz Fernando Nabuco - ato Ocupa SUS 20/2016

Lara Abib Da Redação da Aduff

Governo quer SUS menor e restrito Temer prepara terreno para retrocesso histórico no SUS, que deixaria de ser gratuito e para todos Hélcio Lourenço Filho Da Redação da Aduff

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SUS tem que ser do tamanho do povo brasileiro”, gritou um manifestante no ato que marcou o encerramento do movimento que por 20 dias de junho acampou nas dependências da coordenação do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, no centro da capital. O grito no chamado ‘Ocupa SUS’ sintetiza uma resposta e um desafio dos movimentos sindicais e sociais que atuam na área. Resposta ao ministro da Saúde, Ricardo Barros, que disse que o Sistema Único de Saúde não cabe no Produto Interno Bruto (PIB). O desafio é impe-

20 dias de Ocupa SUS-RJ: Por um SUS do tamanho e à altura do povo brasileiro

dir o fim de uma das maiores conquistas da Constituição de 1988: o acesso à saúde como direito de todos e dever do Estado.A desvinculação dos recursos orçamentários federais obrigatória para a saúde –15% da receita em 2016 – parece uma obcessão do governo e já pautava discursos de ministros da Fazenda anteriores a Henrique Meirelles, que assumiu o cargo logo após o afastamento da presidente Dilma Rouss­eff. O que não se via antes é o próprio titular da Saúde defendendo um SUS menor. Desvincular receitas da saúde e da educação é um dos objetivos da PEC 241. Projeções de conselhos na-

cionais de secretários de Saúde municipais e estaduais indicam que em 20 anos o setor perderá R$ 654 bilhões em relação às regras atuais. Essa desvinculação de receitas, em parte, também acaba de ser aprovado no Congresso com a emenda constitucional que reestabelece a DRU (Desvinculação das Receitas da União). O mecanismo foi criado, com outro nome, em 1994, ainda no governo de Itamar Franco (1992-1994). De lá para cá, vem sendo prorrogado. Expirou pela última vez no fim de 2015. Agora foi ressuscitado até 2023 e com duas novidades: não mais em 20% de todas as recei-

Privatização Em sintonia com a proposta de redimensionar o SUS e ampliar a fatia do mercado privado na área, o governo criou uma comissão para estudar mudanças nas regras dos planos de saúde. O objetivo, segundo o ministro da Saúde, é proporcionar planos mais baratos e com me-


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É uma escala de ajuste fiscal jamais vista, diz reitor da UFRJ Hélcio Lourenço Filho Da Redação da Aduff

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ajuste fiscal que o governo federal tenta aplicar é de dimensões inéditas e para ser combatido necessita de uma forte reação que una amplos setores progressistas em torno da defesa dos direitos dos trabalhadores. Quem afirma é o professor Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que abordou o tema no lançamento da frente nacional constituída para enfrentar os projetos que tentam cercear o debate nas escolas. O professor da Faculdade de Educação da UFRJ avalia que a magnitude do impacto das medidas ajuda a explicar o cenário político que o país vive, em meio ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Para viabilizar o tamanho do ajuste fiscal, o chamado congelamento dos gastos públicos por 20 anos, foi necessário desconstituir um governo que fazia e era adepto do ajuste fiscal. Só que agora nós estamos falando de uma escala de ajus-

Zulmair Rocha

Para Leher, é preciso ampla frente de unidade e resistência progressista para enfrentar pauta neoliberal, que se aliou a setores ultrarreacionários para tentar pôr fim a direitos históricos

Leher critica a PEC 241 e outros projetos de Temer. Estudo da seção do Dieese no Andes-SN mostra que, se vigorasse de 2002 a 2015, a regra da PEC 241 teria subtraído R$ 268,8 bilhões do orçamento da educação – corte de 47% te fiscal que nós não conhecemos”, disse. Ele observa que projetos como a proposta de emenda constitucional 241 pressupõem mudanças radicais na atuação social do Estado brasileiro. “Para congelar os gastos públicos, é preciso modificar a Constituição, acabando com a universalidade do SUS, com a gratuidade da educação pública, particularmente das universidades, com a desvinculação dos benefícios sociais em relação

ao salário-mínimo, atingindo as frações mais exploradas e expropriadas da classe trabalhadora, sobreposição do negociado sobre o legislado, implodindo os fragmentos que temos de legislação trabalhista. Em suma: uma completa liberdade do capital na ofensiva sobre o trabalho”, afirmou. O professor ressalta que está em curso um movimento que une setores liberais à ultradireita, numa aliança nem sempre necessária para

a burguesia, forjada com o intuito de aplicar tais projetos no país e assegurar os interesses de setores empresariais. “Nós percebemos que esse movimento está relacionado à saída para a crise, e qual é o elemento fundamental para saída da crise? É a retomada da taxa de lucro e isso significa uma ofensiva frontal contra os direitos dos trabalhadores”, disse. Para Leher, a esquerda brasileira e os setores progressistas precisam somar

forças para empreender um movimento que de fato seja capaz de enfrentar essa conjuntura – as mobilizações fragmentadas ou apenas corporativas não serão capazes de assegurar isso e dar conta da realidade econômica e política atual do país. “Nós temos que empreender lutas que tenham outra escala em relação às lutas que estamos fazendo no Brasil. Precisamos de uma frente única de ação, com pautas e agendas nacionais”, defendeu.

‘Desvalorização de docente é elo entre PEC 241 e Escola Sem Partido’ É o que avalia o professor Fernando Penna, que combate o movimento conservador que tenta ‘amordaçar’ a sala de aula

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política educacional que não valoriza a figura docente é o elo entre propostas como a emenda constitucional 241 – que fixa o limite de gastos com as despesas primárias e cortam o orçamento de áreas como Saúde e Educação públicas – e as outras matérias que tramitam no Legislativo e se afinam com os pressupostos do movimento “Escola Sem Partido”, cujo mentor é o advogado Miguel Nagib. Sob o argumento de que o professor não é um educador e sim um instrutor dos alunos, esse grupo conser-

vador que combate o pensamento crítico na escola – refutando e criminalizando o docente que discuta questões de gênero ou de orientação sexual – encontra amparo em medidas que visam desmantelar ainda mais a Educação no país, promovendo, consequentemente, a precarização das condições de trabalho e da carreira docente. Quem afirma é Fernando Penna, professor da Faculdade de Educação da UFF, e um dos primeiros docentes a se mobilizar contra o “Escola Sem Partido”, alertando que o movimento atropela dispositivos constitucionais, como o artigo 206 da Constituição

Federal de 1988 – que prevê “ liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e ainda “o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” – alegando ser possível promover a neutralidade do pensamento em sala de aula para combater as ‘doutrinações ideológicas’. Segundo Fernando, a princípio, esses movimentos não parecem ter conexões diretas entre si, mas em seu cerne articulam concepções que promovem a desqua-

lificação do professor. O ataque que o ‘Escola Sem Partido’ faz à docência pode favorecer a aplicação de medidas neoliberais. “Se o docente é um pr of i s s ion a l competente e capaz de de-

sempenhar a sua função, não precisamos de ‘Escola Sem Partido’, de apostilas, de vídeos ou de provas externas. Não precisamos de meritocracia – como temos no Rio de Janeiro com abono salarial para as escolas que tenham resultados melhores nessas avaliações externas”, diz.

Luiz Fernando Nabuco

Aline Pereira Da Redação da Aduff


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Menos Previdência integra pacote que engessa orçamento de serviços públicos por 20 anos Ministro diz que proposta que o governo quer enviar ao Congresso este ano deverá ter idade mínima de 65 anos para a aposentadoria nos setores privado e público

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Luiz Fernando Nabuco

ão está no texto da proposta de emenda constitucional, mas a associação entre a PEC 241 e a redução de direitos previdenciários não é apenas evidente. Ela é reconhecida pelo governo. “No caso da Previdência, as despesas têm crescido e haverá necessidade sim de outras reformas”, disse o ministro do Planejamento, Dyogo Henrique de Oliveira, ao defender em recente audiência pública no Senado a aprovação da PEC 241, ao lado do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Não há ainda documento oficial do governo sobre o assunto. Mas as linhas gerais da proposta previdenciária que deve ser enviada já foram traçadas e divulgadas informalmente por alguns ministros. A intenção é postergar a concessão do benefício previdenciário e encurtar o tempo que o segurado poderá usufruí-lo.

Idade mínima

O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, escreveu nas redes sociais que a intenção é fixar a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, para homens e mulheres, servidores e trabalhadores do setor privado. Cogita-se ainda um mecanismo que permita uma possível elevação dessa idade para até 70 anos no futuro, sem a necessidade de nova emenda à Constituição. Há versões desencontradas sobre o que vai ser proposto com relação às mulheres. Também é possível uma diferenciação de alguns anos na idade mínima exigida para as trabalhadoras com relação aos homens. Mas, ao mesmo tempo, ministros vêm reafirmando a intenção de unificar as normas para ambos os sexos.

Professor aposentado durante passeata em defesa da educação e dos direitos dos trabalhadores, em julho, no Rio A regra de transição sugerida pelo titular da Casa Civil seria aplicada a quem tiver 51 anos ou mais de idade. Neste caso, o trabalhador teria que contribuir 40% ou 50% além do tempo que restava para ele se aposentar pelas condições atuais.

Outro possível aspecto da reforma previdenciária, que o governo diz que apresentará ainda esse ano, é desvincular o benefício do salário mínimo. Isso significaria que, em futuro próximo, haveria aposentados e pensionistas recebendo quantias inferiores

ao menor valor permitido por lei para os salários.

Visibilidade

A PEC 241 não faz referências à Previdência, como ocorria com o Projeto de Lei Complementar 257, que buscava aumentar a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores para 14% – item que acabou excluído do texto-base aprovado na Câmara. Mas a ideia de congelar o orçamento por 20 anos fatalmente esbarra na inevitável expansão das despesas com o seguro social – cujo déficit apregoado pelo governo é contestado por entidades sindicais e por pesquisas acadêmicas. O governo trabalha com um pacote que tem como carro-chefe a PEC 241. Na avaliação do analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Estudos Parlamentares (Diap), Antonio Augusto Queiroz, a tendência é que haja mais dificuldade para aprovar as mudanças nos direitos previdenciários do que a PEC 241. “A pressão sobre os deputados e senadores será muito maior quando estiver em votação a reforma da Previdência”, disse. Isso decorre, acredita, do fato de a proposta que congela o orçamento ter menos evidências imediatas para a perda de direitos do que a redefinição das regras da aposentadoria. Por conta disso, considera importante dar visibilidade para esse e outros impactos que a aprovação da proposta que tramita na Câmara dos Deputados poderá ter na vida de todos os trabalhadores.

Negociado acima do legislado e terceirização: prioridades na reforma trabalhista O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse durante uma feira agropecuária em Porto Alegre, no dia 27 de agosto, que as prioridades do governo na reforma trabalhistas são tornar o que for negociado entre as partes acima do que está na lei e regulamentar a terceirização. A informação foi divulgada por diversos jornais.

A tentativa de fazer com que as negociações coletivas prevaleçam sobre o que já está assegurado por lei é antiga e chegou a ser defendido pelo governo tucano de Fernando Henrique Cardoso na segunda metade da década de 1990. O ministro tratou o assunto como modernização das leis trabalhistas – a mudança, no entanto, colocaria

em risco conquistas trabalhistas como a jornada de trabalho e as férias de 30 dias. Quanto à terceirização, Padilha teria dito que é prioridade e que utilizará o termo ‘especialização’ para designá-la. “Tem empresas que se especializam em alguma coisa e fazem mais barato do que numa linha que se tenha muita gente fa-

zendo muita coisa ao mesmo tempo”, justificou. O PL 4330/2014, que permite extensão da terceirização para todos os setores de uma empresa, foi aprovado na Câmara dos Deputados em abril de 2015 e se encontra no Senado. O projeto foi alvo de uma série de protestos e manifestações contrárias dos trabalhadores.


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