Revista conceitos ed 24

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ISSN 1519-7204 N. 24 (Dez. 2016) 168 páginas Ricardo de Figueiredo Lucena e Carlos Cartaxo (Orgs.)

João Pessoa - Paraíba - Brasil Dezembro de 2016


A revista Conceitos é uma publicação para divulgação de artigos científicos-pedagógicos, produzidos por docentes da Universidade Federal da Paraíba e colaboradores, promovida pela ADUFPB - Seção Sindical do ANDES-SN, com distribuição gratuita e dirigida aos filiados da Entidade.

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C744

Conceitos / Ricardo de Figueiredo Lucena e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.). – Vol. 2, n. 24 (Dez. 2016) - João Pessoa: ADUFPB-Seção Sindical do ANDES-SN, 2015. 168 p.

Semestral ISSN 1519-7204 1. Ensino superior - periódicos. 2. Política da educação periódicos. 3. Ensino público - periódicos. I. Lucena, Ricardo de Figueiredo. II. Araújo, Ricardo da Silva. III. ADUFPB. CDU: 378


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Sumário Revista Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016) PÁG. 11

motociclistas em João Pessoa

APRESENTAÇÃO

e Campina Grande - PB

O bom debate acadêmico

Edson Leite Ribeiro Gabriella Chaves Ribeiro

PÁG. 12 A arte de governar os corpos

PÁG. 98

e as almas dos educantos

Naturalização da violência contra mulher:

Luiz Pereira de Lima Junior

contextualizando contudas do Brasil colônia Marlene Helena de Oliveira França

PÁG. 21

Thayanne Guilherme Calixto

Sobre a Educação Erenildo João Carlos

PÁG. 111 Diversidade cultural: uma possível

PÁG. 36

multiculturalidade compartilhada

Ensino a distância na

Stella Maria Lima Gaspar de Oliveira

formação de professores Maria das Graças de Almeida Baptista

PÁG.125

Ercules Laurentino Diniz

Não se finaliza a experiência cultural compartilhada: o legado do Mestre

PÁG. 44

Abimael Fonseca acerca da construção

Ética e pesquisa educacional:

de fornos e da cocção cerâmica

desafios da realidade científica

Rosilda Maria Sá Gonçalves de Medeiros

Tânia Rodrigues Palhano Cinthya Raquel Pimentel da Mota

PÁG. 137 Novíssima poesia paraibana:

PÁG. 53

um quarteto que estreia nos anos 2000

Escola primária na província da Parahyba

Amador Ribeiro Neto 1

do Norte (1884-1886): civilidade e progresso social

PÁG. 148

Rose Mary de Souza Araújo

A transformação paisagística do município

Maria Selma Gomes da Silva

de Areia: elementos para um debate Maria Ivete Martins Correia

PÁG. 68 Elementos para pensar as crises

PÁG. 156

no capitalismo contemporâneo

Integridade de Profissionais da

Marcelo Sitcovsky Santos Pereira

Enfermagem e de Usuários na Estratégia Saúde da Família: Gestão de Riscos

PÁG. 83

Maria Bernadete Sousa Costa

A epidemia da violência na mobilidade

Stella Costa Valdevino2

urbana no Brasil: os casos dos


A revista Conceitos chega à 24ª edição com a mesma proposta que inspirou a Diretoria da ADUFPB, em outubro de 1996, a produzir uma publicação com padrão acadêmico, qualidade e multidisciplinaridade de temas destinados a estimular o debate na Universidade. Ao longo desses 20 anos, a revista vem cumprindo o papel de trazer assuntos que estão na urgência do dia, do social ao cotidiano. Do pensamento intempestivo de nomes como Focault às experiências práticas do ceramista Mestre Abimael Fonseca, a Conceitos 24 abre um leque de opções de leitura e aprofunda questões tão presentes em nosso cotidiano.

APRESENTAÇÃO

O bom debate acadêmico

Nesses vinte anos de publicação, a Conceitos passou por vários projetos gráficos visuais para possibilitar uma leitura fluente e agradável. A arquitetura visual buscou sempre se alinhar aos padrões exigidos para publicações científico-acadêmicas e, com o advento das mídias digitais, em 2016 a Conceitos passou a ser exclusivamente publicada em formato digital, acompanhando uma tendência de ampliar o número de leitores com um alcance universal na web. Nesta edição, a revista se renova e veste um novo formato gráfico, mais alinhado à leitura em dispositivos móveis e na internet. No âmbito político, a ano de 2016 se encerra com uma perspectiva sombria sobre o futuro dos direitos dos trabalhadores brasileiros. Após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, medidas encaminhadas pelo presidente Michel Temer (em discussão e votação no Congresso Nacional) podem restringir direitos conquistados pelos trabalhadores desde a Constituinte de 1988. Uma agenda restritiva de direitos e resultado do processo de apropriação privada do fundo público. Somente com organização e resistência a sociedade brasileira será capaz de impedir o avanço das medidas impostas pelo governo Temer. A Conceitos mais uma vez exerce seu papel de mediação do debate políticosocial vigente. Em suas páginas, podemos encontrar elementos para pensar as crises no capitalismo contemporâneo; o papel da ética e da pesquisa educacional; o ensino a distância na formação de professores e uma denúncia: a naturalização da violência contra a mulher, artigo que contextualiza as condutas do Brasil colônia, entre outros temas que fomentam o bom debate acadêmico. Boa leitura! Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Luiz Pereira de Lima Junior 1

A arte de governar os corpos e as almas dos educandos RESUMO O pensamento intempestivo, irreverente e inusitado do francês Michel Foucault, marcou diferentes faces da prática social e, entre elas, a da Educação e da escola moderna. Ele descreve acontecimentos que se referem às práticas pedagógicas e o modelo que eles propiciam para os diferentes campos disciplinares: calcado na disciplina e no controle dos comportamentos. Sob égide da analítica do poder, situam-se as práticas de governamentalidade que atingem os corpos e as almas dos educandos. São práticas que, por um lado, visam à contenção do prazer, do desejo, dos afetos. Por outro, os corpos assujeitados miram o erotismo, fazendo de suas vidas obras de arte. Palavras-chave: Educação. Educandos. Governo de corpos e almas.

ABSTRACT The untimely, irreverent and unusual thought of the French philosopher Michel Foucault, has marked the different faces of social practice, among them those of Education and modern school. He describes events that refer to the pedagogical practices, as well as to the model they favor in different subject fields, based upon the control of behaviors. Under the shelter of power analytics, lie the management practices that affect students’ bodies and souls. They are practices which, on the one hand, aim at restraining pleasure, desire and affections. On the other hand, the subjected bodies aim at eroticism, thus changing their lives into works of art. Keywords: Education. Students. Management of bodies and souls.

1. Doutor em Ciências Sociais e professor do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: lpljunior@hotmail.com.

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Nos vastos espaços da analítica do poder de Foucault (1987, p.125-152; 1988, p.44), encontram-se possibilidades para problematizar a Educação e a escola moderna.2 Firmando-se em espaços discursivos determinados os sistemas educativos objetivam, entre outros, à disciplina e ao controle dos comportamentos, para proceder às relações de poder – saber. Segundo Veiga Neto (2004, p.12), “[...] é difícil superestimar a contribuição que a perspectiva foucaultiana trouxe para o entendimento das relações entre a escola e a sociedade, entre a Pedagogia e a subjetivação moderna.”

AS MESTRAS NA ARTE DE GOVERNAR

A Educação e a escola, segundo Foucault (1979), sempre foram “mestras de disciplina” e “maquinaria de confinamento disciplinar”. A análise se destina a uma crítica da escola, não apenas com o intuito de compreensão das suas formas de funcionamento, mas, sobretudo, observando-se como suas práticas estão sendo alteradas, em função dos discursos morais que a perpassa. Tudo isso se aplica aos dias atuais, pois estas instituições ao produzirem novos poderes – saberes agem sobre os corpos e as almas. Comparando a escola a uma modalidade de “internamento adaptado”, Foucault (1997; 1999, p.120-122) questiona, ainda, o porquê de a escola necessitar da punição e da recompensa para efetivar o processo de ensino. Ele diz que estas “instituições de sequestro” exercitam modalidades de poderes – saberes, para atender às suas demandas: normalizar os comportamentos e perpetuar os processos de assujeitamento.3 Este acontecimento (exercício do poder institucional) conduz à reflexão que problematiza o papel da Educação e da escola, especialmente no que concerne às práticas de governamentalidade. Calcado nesses imperativos, Foucault, 1999, p.119) pergunta: “Por que nas escolas não se ensina somente a ler, mas se obrigam as pessoas a se lavar?” Ao demonstrar uma forma de “polimorfismo”, a escola denota seu interesse pelo controle da vida das pessoas. Sob a âncora desses acontecimentos que demarcam a Educação e a escola, percebe-se que ambas são mestras na arte de governar. Elas procedem ao disciplinamento dos corpos e das almas, para tornarem-se dóceis e perpetuar as práticas do medo e do castigo: cultura do rebanho. Uma das principais tarefas do Estado, segundo Deleuze e Guattari (1997b, p.59,11), é “[...] estriar o espaço sobe o qual reina, ou utilizar os espaços lisos como

2. Noguera-Ramírez (2011, p.20) afirma que “[...] a Modernidade, entendida como aquele conjunto de transformações culturais, econômicas, sociais e políticas que tiveram início nos séculos XVI e XVII na Europa, tem uma profunda marca educativa.” 3. Referendando Foucault, Branco (2000, p.326) diz que se refere a uma forma para realizar o “controle da subjetividade” passando pela “constituição mesma da individualidade”, isto é, da constituição de uma subjetividade “dobrada sobre si e cindida dos outros”.

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um meio de comunicação a serviço de um espaço estriado.” Ele utiliza os micropoderes para implementar seus projetos. Considerando-se que o Estado aparece no cenário da Educação como coadjuvante, vale lembrar que a “máquina de guerra” é sempre exterior ao Estado. Cabe realçar com Nietzsche (2000, p.51) que o Estado representa a “morte dos povos”. Um monstro frio; o maior de todos eles, pois é fundado na mentira. Na Educação, detecta-se a marca do poder disciplinar, assemelhando-se ao Panóptico de Jeremy Bentham, apresentado por Foucault (1987, p.181), no qual ocorre um “modelo generalizável de funcionamento”, definindo as relações do poder com as práticas sociais. O Panóptico, para Foucault (1999, p.86-88), refere-se a

[...] um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Na torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; [...] de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo.

Quanto aos reflexos dessa tecnologia, de acordo com Machado (1979, p.XVII), ela não fez parte unicamente da prisão, mas também de diferentes instituições, tais como, o hospital, o exército, a escola, a fábrica, anunciado pelo texto do Panóptico. No que tange à Educação, Foucault (1987, p.182) diz que o Panóptico exerce uma gama de funções e, entre elas, as de “controle”, de “vigilância” e, sobretudo, de “visibilidade”. Como efeito do Panóptico, percebe-se no campo educacional e escolar um estado consciente e permanente de visibilidade para assegurar o funcionamento automático de suas estratégias. O poder disciplinar, por um lado, é internalizado e os alunos são autoregulados, resultando isso na fixação de comportamentos, independentemente da presença da soberania escolar. Por outro lado, estes corpos disciplinados constroem saídas que lhes permitam realizar práticas fundadas nos instintos, até então adormecidos (LIMA JUNIOR, 2014). Cada pessoa poderá vir a se transformar numa “máquina de guerra”, como salienta Deleuze e Guattari (1997a, p.24), inclusive quando o Estado dela se apropria. Sob esse prisma, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)4 (BRASIL, 1997), visam à reordenação do espaço pedagógico e educacional, tendo como principal aliada, a organização curricular, que conferirá novos rumos à Educação escolar. Isso se apresenta como condição sine qua non para se inculcarem nos alunos os objetivos de uma Educação fundamentada em princípios democráticos. Embora os PCNs estejam atrelados, a princípio, ao Estado, percebe-se que a família também objetiva a governamentalização da vida, das práticas sociais, sexuais, da Educação e da escola. 4. São referenciais curriculares em vigor no Brasil, a partir da década de 1990.

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O GOVERNO DOS CORPOS E DAS ALMAS Esta nova gestão do poder, denominada por Foucault (1979, p.277-278) de governamentalidade, não é tomada como substituição nem a sociedade de soberania, nem a sociedade disciplinar; mas entendida como uma descontinuidade, na forma da gestão do poder. O vocábulo governamentalidade para Foucault (1979, p.291-293) significa três aspectos:

1 – o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança. 2 – a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre todos os outros – soberania, disciplina, etc. – e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes. 3 – o resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado.

Não ocorre, para Foucault (1979, p.291,293), uma substituição da sociedade de soberania por uma disciplinar e, consequentemente, por uma de governo. Ele diz que se forma um triângulo, ou seja, “soberania-disciplina-gestão governamental”, uma vez que a população é a meta básica, e os dispositivos de segurança, os mecanismos fundamentais. Dessa forma, “Pastoral, novas técnicas diplomático-militares e finalmente a polícia: eis os três pontos de apoio a partir de que se pôde produzir este fenômeno fundamental na história do Ocidente: a governamentalização do Estado.” Dentre as contribuições que Michel Foucault fez no âmbito do pensamento político, segundo Veiga-Neto (2000, p.180-181), destaca-se a discussão que ele efetivou sobre a “[...] invenção quase-moderna do ‘governo dos homens’.” Ele constatou que a partir do século XV ocorreu uma crise do poder pastoral, sobretudo como ele estava sendo entendido e utilizado no domínio judaico – cristão e na Idade Média. Constatada a crise, buscaram-se novas formas de “governar os outros e de se autogovernar”. A partir do referido deslocamento efetivado por Foucault, da ênfase da soberania sobre o território para a da soberania sobre a população, a arte de governar o Estado não mais se pautou em princípios tradicionais centrados no governante, isto é, virtudes e habilidades, que serviam de modelo para a boa conduta do soberano – senhor – pasConceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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tor, voltando-se para princípios centrados no Estado. São novos princípios que visam ao conhecimento do que é bom para a segurança e para o desenvolvimento do Estado. Este é que passa a ser problematizado e não tanto o governante, onde o Estado é mais compreendido em termos de sua população do que de seu território. A respeito da governamentalidade, Foucault (1990, p.77-78) diz que o estatuto que a razão ou a sua falta vem desempenhando nas estruturas políticas sempre foi posto em questionamento pelo pensamento ocidental moderno, a partir do século XIX. A Filosofia voltou-se, entre outros aspectos, a observar a exacerbação dos poderes da racionalidade política, preocupação que se fazia presente entre as pessoas que povoavam o referido século. Elas tinham em mente que a razão estava assumindo proporções demasiadas nas sociedades, pois o Iluminismo buscava reproduzir a razão. Essa preocupação era notória, pois as referidas pessoas percebiam as relações entre a sociedade calcada na racionalização e, simultaneamente, as ameaças que isto acarretava às pessoas e às suas liberdades, assim como, à espécie e à sua sobrevivência. Observa-se que Foucault não estava preocupado, como ocorreu aos teóricos da escola de Frankfurt, em estudar as formas de racionalismo que se fazem presentes à cultura ocidental moderna, cujas raízes localizam-se no Iluminismo. Ele se voltou, fundamentalmente, para a investigação das relações existentes entre racionalização e poder. Não buscou investigar os processos da racionalização da sociedade ou da cultura. Haja vista que se pautou numa análise deste processo a partir de diferentes campos, de forma específica, sempre observando uma experiência singular e de suma importância: a loucura, a doença, a morte, o crime, a sexualidade, por exemplo. A estas experiências fundamentais Foucault (1990, p.80-81) acrescenta as “diversas tecnologias de poder”. Com essa conferência proferida na Universidade de Stanford, em 1979, Foucault centrou-se no “problema da individualidade”, ou seja, da “identidade relacionada ao problema do ‘poder individualizante’”. Ele situa temáticas características do poder pastoral, pois elas se tornaram de suma importância para o pensamento e para as instituições cristãs. Assim,

1. O pastor exerce o poder sobre um rebanho, não sobre uma terra. 2. O pastor reúne, guia e conduz seu rebanho. 3. O papel do pastor é garantir a salvação de seu rebanho. 4. Há uma outra diferença embutida na idéia de que o exercício do poder é uma ‘dívida’. [...] O tema de velar é importante.

As referidas temáticas se referem aos textos hebraicos que são relacionados com metáforas do Deus – Pastor e com o rebanho de homens. Ressalta que estes são apenas temas e que não afirma que eles denotem que o poder político se exerceria desta for16

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ma no domínio hebraico, anteriormente à queda de Jerusalém. Ele diz que não afirma, ainda, que a referida concepção de poder político tenha sustentáculo. O fato é que o Cristianismo veria neles uma função de capital importância no contexto da Idade Média e na modernidade. Este acontecimento assume uma característica singular ao longo da História, pois a “tecnologia pastoral”, no que tange ao gerenciamento dos homens, marcou uma ruptura no seio da sociedade antiga. Os textos para Foucault (1990, p.84-85,87,92), que remontam a períodos antigos, mostram que os referidos problemas apareceram muito cedo. Marcam a História ocidental e são fundamentais para a sociedade atual. Mostram as relações entre o poder político no âmbito do Estado e que podemos designá-lo de poder pastoral, pois tem como função a preocupação com a vida das pessoas, “garantindo-lhes sustento e progresso”. A intenção, não era debruçar-se sobre a evolução do poder pastoral no transcurso do Cristianismo, mas examinar aspectos, no que tange à evolução do pastorado, com vistas à tecnologia de poder. As sociedades ocidentais procederam à combinação de dois jogos, ou seja, o “da cidade – cidadão” e o do “pastor – rebanho”, o que se designa comumente de Estados modernos. Observa-se que,

O objetivo dessa arte de governar é exatamente não reforçar o poder que um príncipe pode exercer sobre seu domínio. Seu objetivo é reforçar o próprio Estado. Esse é um dos traços mais característicos de todas as definições fornecidas pelos séculos XVI e XVII.

A arte de governar modernamente ou a racionalidade do Estado, para Foucault (1990, p.97,99), visa a moldar as pessoas no que lhe é singular, com vistas a propiciarlhe o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, o poder do Estado. Logo,

A racionalidade política cresceu e se impôs ao longo de toda a história das sociedades ocidentais. De início ela se instalou na idéia do poder pastoral, depois na razão de Estado. Seus efeitos inevitáveis são a individualização e a totalização. A libertação só pode ser alcançada através do ataque às próprias raízes da racionalidade política – e não a um ou outro de seus efeitos.

A governamentalidade, segundo Veiga-Neto (2000, p.181,186), assume novas formas, sobretudo nas duas últimas décadas. Observarei esta questão, particularmente, no domínio da Educação. A Educação escolarizada, atualmente, enfrenta alguns impasses, da mesma forma que o mundo atual. Procuro problematizar esses impasses e Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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comentar novas práticas educacionais que ocorrem na escola e fora dela. Atualmente ocorre um refinamento da arte de governar, onde o governo, com o intuito de ser mais econômico, transforma-se em mais delicado e mais sutil, pois, “[...] ‘para governar mais, é preciso governar menos’.” As análises que Foucault (1979; 1990) fez acerca da governamentalidade servem de referência para que eu possa pôr a nu, um pouco mais, a questão da Educação. As referidas análises além de guardarem suas especificidades acerca do espaço em que surgiu, podem ser aplicadas ou vislumbradas para compreender os referidos acontecimentos que envolvem a Educação, a escola e, singularmente, os PCNs. Atualmente ocorre um processo de ruptura nas tecnologias do poder. Oscila-se do poder do príncipe que regia as práticas do Estado, anteriormente, para uma nova forma de governo: a governamentalização não apenas restringida ao Estado, mas sobretudo às práticas cotidianas, pedagógicas, educativas e escolares. Emerge na atualidade, uma nova “tecnologia de poder”, a da governamentalização dos corpos e das almas dos educandos. A tática utilizada para este mister é a do Panóptico, pois ela propicia à visibilidade das práticas sociais, sexuais, pedagógicas e educacionais. A arte do governo (uma atividade dirigida à produção de tipos de sujeitos, a qual visa a moldá-los, a guiá-los, a constituir suas subjetividades), atinge as pessoas. Ela dificulta a criação e a formulação de projetos individuais, uma vez que lhe interessam aqueles que se voltem para a sua funcionalidade. O Estado operará em função de relações que envolvam a sexualidade, o corpo, a família, o conhecimento, a tecnologia. A referida arte propicia uma forma de governo individual e coletiva, individualizando e normalizando. O exercício do poder, no âmbito da disciplina, requer que existam condições, como a organização do espaço, do tempo e das capacidades das diferentes pessoas envolvidas no processo, aspectos que se fazem presentes aos PCNs. O governo não se restringe unicamente ao território, como ocorria com o Príncipe de Maquiavel, mas aos homens em geral e às relações por eles estabelecidas. Incluemse, ainda, a propriedade, a cultura, a Educação, a guerra, a fome, e a violência, significando isso uma nova forma de racionalidade do Estado. A governamentalidade assegura a distribuição das pessoas e das coisas em geral, para que possam ser governadas. O conhecimento exerce papel fundamental, assim como os investimentos na Educação, na saúde, que são concebidos como investimentos instrumentais no indivíduo. Esta governamentalidade do Estado, deste poder pastoral utiliza-se de estratégias veiculadas pela educação sexual (LIMA JUNIOR, 2008; 2012), através dos PCNs, e utiliza-se, ainda, de uma variedade de outras que surjam do interior da prática escolar, especialmente entre os professores e os demais profissionais envolvidos com os (des) caminhos que as pessoas trilharão, a partir do que lhe é ensinado. É preciso vigiar de outro modo!

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Erenildo João Carlos 1

Sobre a Educação

RESUMO Esse texto objetiva refletir sobre a questão da educação como uma prática social particular. A partir de um procedimento analítico-argumentativo, o texto explicita a perspectiva de que, não obstante a aparente obviedade do entendimento da educação, gerada pela vivência generalizada, por indivíduos e grupos sociais, em diferentes espaços sociais de aprendizagem, a educação não é devidamente entendida em sua particularidade. Em face da análise, conclui-se que o desconhecimento do que ela é em si, isto é, um acontecimento cultural singular, ocasiona o aparecimento da possibilidade de confundi-la, tanto no campo do discurso quanto da ação concreta, com outros fenômenos sociais. Dificultando, assim, no âmbito do pensamento, um melhor entendimento sobre ela, e no da experiência cotidiana, uma realização mais adequada e consequente. Palavras-chave: Educação. Conceito. Prática social particular.

ABSTRACT This paper aims to reflect on the issue of education as a particular social practice. From an analytical and argumentative procedure, the text makes it explicit the view that, notwithstanding the apparent obviousness of understanding education, caused by the widespread experience, by individuals and social groups, in different social spaces of learning, education is not properly understood in its particularity. Given the analysis, it is concluded that the lack of knowledge about

1. Pedagogo, Mestre e Doutor em Educação; Professor da Graduação e da Pós-graduação em Educação (PPGE), lotado no Departamento de Fundamentos da Educação da UFPB/CAMPUS I; Editor-chefe da Revista Temas em Educação, do PPGE, desde 2013, e da Revista Discurso & Imagem Visual em Educação, vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos – GEPEJA, do qual é líder. E-mail: erenildojc@hotmail.com

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what it is in itself, namely a singular cultural event, raises the possibility of confusing it, both in the field of discourse and in the concrete action with other social phenomena, thus hindering, in the context of thinking, a better understanding of education, and in the context of everyday experience, a more appropriate and consequent practice. Keywords: Education. Concept. Particular social practice.

1 INTRODUÇÃO

Parece-me que, à primeira vista, refletir sobre a educação, como uma questão específica, no contexto geral da sociedade e de suas práticas sociais, indicaria, em certo sentido, um exercício desnecessário, porquanto o acúmulo de saberes elaborados e de experiências vividas no cotidiano e na história sobre o assunto é tão volumoso que evidenciou o fato de que a educação seria um tema sobre o qual não teríamos algo de novo a dizer. Assim, bastaria acessar um dicionário especializado em Pedagogia, fazer uma busca na internet ou consultar um compêndio qualquer de algum autor ou organizador que tenha se ocupado em discutir e escrever sobre o assunto.2 De fato, são muitos os inscritos sobre a educação. Hoje são inúmeros os estudos, as pesquisas e os ensaios produzidos sobre ela. Este texto retoma a obviedade dessa questão e problematiza, a partir de um viés analítico-argumentativo, as dimensões ontológicas, sociais e históricas da educação, com o intuito de conferir visibilidade à educação como uma prática social particular, constituída por um complexo de aspectos peculiares, cujas articulações e modo de existência3 fazem dela o que ela é.

2 A EXISTÊNCIA SOB A TUTELA DA EXPERIÊNCIA Sabe-se que a existência ou não de algo pode ser aferida ou inferida por meio de

2. Um exemplo de estudo sobre a educação, encontra-se em: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1988. 3. Para aprofundar a discussão sobre a relação entre a noção de existência e a de saber científico, sugiro a leitura do livro: PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e Existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. 2. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

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diferentes vias. Uma delas é a experiência,4 entendida, aqui, como a vivência que se tem das coisas, das pessoas, dos lugares, dos tempos, das situações etc. A experiência seria, então, um meio de acessar informações e confirmações sobre a existência de algo e se apropriar delas. Em face desse pressuposto, conclui-se que experiência é saber. Esse entendimento emerge do fato de o indivíduo se encontrar efetivamente imerso em um contexto existencial, em circunstâncias determinadas, vivendo o cotidiano dos acontecimentos, in lócus, e presenciando empiricamente certa realidade. Essa imersão na imediaticidade do mundo e o contato direto e cotidiano com algumas dimensões da história fundamentariam a possibilidade de certas questões serem pensadas, comentadas e escritas sob o crivo da vivência. Por causa desse primado - o da experiência como fonte do saber - a evidência de que as coisas existem não se encontraria no ato criativo do indivíduo que, por meio de sua imaginação e fantasia, produziria subjetivamente a prova necessária da existência das coisas. Não estaria também no ato atencioso e cuidadoso de escuta do outro, da apreensão, da compreensão e da credibilidade atribuídos ao conteúdo codificado nas narrativas que profere. Também não se localizaria nas fontes documentais que, supostamente, registrariam, descreveriam, apresentariam, demonstrariam e argumentariam em defesa desta ou daquela coisa. Sua leitura, seu estudo, sua análise e sua investigação acurada e rigorosa proporcionariam o reconhecimento e o conhecimento não somente da existência das coisas, mas também das condições de seu aparecimento e funcionamento. Com efeito, o cotidiano e a história se tornaram um celeiro de experiências de todos os tipos. Graças à experiência, são erigidos saberes que retroalimentam o ressurgimento das vivências originárias e das emergentes, assim como os saberes resultantes delas. Nota-se que, nesse processo, saberes e vivências vinculados fazem referência uns aos outros (experiência-saber) e entre si (experiência-experiência, saber-saber) e se legitimam tornando-se visíveis, complementares, coerentes e evidentes. Esse processo cria um campo aparente de normalidade e naturaliza o par experiência e saber. Ao se naturalizar, o normal passa a ser tão óbvio para o senso comum que seria desnecessário pensá-lo, refleti-lo, analisá-lo, investigá-lo, problematizá-lo e discuti-lo, basta tão-somente interioriza-lo tal como se apresenta, aceitar sua obviedade e vivê-la intensamente sem nenhum questionamento. Algo semelhante ocorre com a educação. Ao ser tratada no âmbito da normalidade, o indivíduo, imerso na imediaticidade do cotidiano, contenta-se com seu saber de experiência e verifica a evidência de sua existência tão-somente pela via da vivência. Em outras palavras, por meio da experiência, ele sabe que a educação é um acontecimento

4. A concepção de experiência é um ponto central da perspectiva fenomenológica sobre o mundo. Considerando essa possibilidade de entendimento, sugiro ler: Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Mora. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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que se faz presente em diversos lugares sociais de aprendizagem, como o lar, a escola, o trabalho, as instituições religiosas e as organizações da sociedade civil, e constata, em tempos distintos do cotidiano, a presença efetiva da educação e sua existência factual e irrefutável. Pela vivência, relata, anuncia, comenta e demonstra o acontecimento de que somos, em grande parte, feitos por meio de nossas experiências educativas. Se o que se sabe sobre a educação resulta de um saber de experiência, adquirido por meio do critério da vivência que temos de algo, integrante do arquivo cultural do senso comum, poderíamos, certamente, cogitar que estaríamos convencidos pelas evidências originárias da experiência de que o exercício dialógico, reflexivo e investigativo sobre esse assunto não valeria a pena, o que seria considerado uma perda de tempo. Ocupar-se, portanto, com um tema, cuja obviedade está posta no âmbito da normalidade do senso comum, não teria sentido. Lamentavelmente, muitos pensam assim! Submetida ao crivo da razão, entendo que essa é uma hipótese razoável, inclusive que se encontra na origem da indiferença de muitos em relação à educação, no descaso com que a tratam, na ausência de valor que se imprime em certos comentários e discursos proferidos por autoridades governamentais e lideranças sociais, no desconhecimento da maioria da população sobre seus elementos constituintes e seus poderes imanentes e na ingenuidade e na inocência de certas formulações românticas e filantrópicas de homens e mulheres bem intencionados. De um certo modo, ter o mesmo ponto de vista sobre algo pode ser indicativo de que o saber que se tem represente um lugar comum, ocupado por indivíduos que participam de um mesmo agrupamento social, e cujas vivências seriam originárias de experiências situadas em tempos e lugares contemporâneos, cujos saberes possíveis e modos de apropriação seriam elaborados a partir de posições e sistemas de organização e distribuição semelhantes ou idênticas; de práticas cotidianas tradicionais, aprendidas e empregadas com naturalidade, forçosamente habituais e costumeiras. Por estar em um lugar comum, quem não teria algo a dizer sobre ela: uma opinião, um discurso, uma teoria, um relato, uma narrativa a ser proferida e contada? Quem não teria lido, ouvido ou vivenciado uma situação educativa particular ao longo de sua vida? Com efeito, não somente as coisas ditas, mas também os modos de dizer evidenciariam um saber comum, constituinte de uma suposta ‘consciência coletiva’ formadora de uma aparente ‘mentalidade’ e ‘espírito de época’, que subjugaria a todos e todas envolvidos na mesma ‘experiência histórico-cultural’, no mesmo ‘estado de coisas’, no mesmo ‘mundo da vida’, no mesmo ‘campo de normalidade’. Nesse patamar de sociabilidade, estariam instalados certos assuntos, cuja obviedade sequer seria cogitada, questionada, problematizada. Certamente, a via da experiência é um caminho possível de ser percorrido para se verificar existência ou não de algo, um ponto de partida de investigação do aparecimento de certos saberes ou, ainda, um lugar de refutação da pertinência ou não da 24

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validade, da eficácia e da legitimidade de certas proposições, proferimentos, anúncios, propostas, concepções, discursos e teorias tidos como certos no campo da educação. Nesse cenário, dentre tantas questões, o que, nesse momento, chama minha atenção é o perigo da acomodação, gerada pelo saber de experiência, quando acolhido, como certo e seguro, o pressuposto do senso-comum centrado na obviedade do normal e natural.

3 A EDUCAÇÃO SOB O CRIVO DA RAZÃO

Uma via de desconstrução da aparente obviedade acerca da questão da educação, gerada pela tomada de consciência da clareza de sua existência, cristalizada em nossos saberes e vivências comuns, efetiva-se através de uma reflexão e de uma análise que deslocam o eixo do âmbito da confirmação ou refutação de sua existência, como acontecimento presente no cotidiano e na história da atenção do reconhecimento de seus efeitos sobre a formação da subjetividade do indivíduo, ou sobre um tipo determinado de consciência coletiva, para o exame crítico das condições de seu aparecimento, ou seja, para a análise rigorosa dos constituintes que determinam sua particularidade como um acontecimento ou prática social singular. Desde o início deste texto, tenho feito esse exercício analítico-argumentativo. Aprofundo, agora, recorrendo ao uso de duas noções-chave: a de ‘concepção’ e a de ‘conceito’. Sinteticamente, entenda-se o termo ‘concepção’ como uma palavra que nos remeta a um conjunto recorrente de significados, sentidos, valores, assertivas e discursos que delimitam os elementos constituintes da educação a partir do crivo da escolha, da seleção, da organização e da utilidade, a priori, de aspectos culturais específicos, sejam eles de caráter político ou social, de natureza epistemológica ou pedagógica, feitas pelo educador, pelo pesquisador, gestor, profissional da educação e de outras áreas de conhecimento ou grupos, segmentos, instâncias da sociedade civil, do mercado ou do Estado. Entenda-se o termo ‘conceito’ como uma palavra utilizada com o intuito de identificar, denominar, classificar, descrever, analisar e explicar o modo de existir e de funcionar que é particular de certo evento, processo, relação, acontecimento ou prática que existem no seio da natureza ou da sociedade. O conceito é sempre a posteriori. Ao conferir primazia à coisa investigada, o conceito registra e codifica, em uma formulação determinada, o conhecimento produzido sobre algo. A palavra-concepção é constituída, predominantemente, pelo crivo da subjetividade, enquanto a palavra-conceito é elaborada com base no critério da objetividade do conhecimento da coisa investigada, regulado pelo domínio de cada área de conhecimento. Nesse sentido, a ‘concepção’ de algo indica o que ela deve ou deveria ser, e o ‘conceito’ visa mostrar e demonstrar o que ela é, foi ou está sendo. Aprofundemos. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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3.1 PERSPECTIVA CONCEPCIONAL

Na perspectiva concepcional, o sentido do termo educação é associado a modos específicos de significar o fenômeno particular da educação, em função de certos critérios erigidos como parâmetros reguladores da maneira de abordar, elaborar, descrever, definir, posicionar, utilizar e, enfim, de dizer algo sobre ela. Porém a primazia desse procedimento se encontra, predominantemente, naquilo que foi erigido como relevante pelos sujeitos responsáveis pela elaboração da ‘concepção’, por exemplo, o status conferido, em determinadas concepções, à ideia de realidade, conforme assinala Chizotti (2006, p. 25):

[...] Ainda que haja discrepâncias entre os autores, sobre as bases que sustentam uma concepção, e por isso não partem de uma questão ontológica, ao menos como foi posta por alguns filósofos; mas toda pesquisa explicita uma concepção e o pesquisador assume, manifesta ou latentemente, ingênua ou justificadamente, uma concepção de realidade [...]. (O grifo é nosso)

Nesse fragmento, Chizotti exemplifica a perspectiva concepcional de um modo peculiar, ao trazer à baila alguns aspectos gerais da noção e relacioná-los à problemática da pesquisa, os quais, de certo modo, são mencionados por nós em vários lugares desse texto. Por conseguinte, nessa linha de raciocínio, se a educação for concebida como uma realidade, ou melhor, um acontecimento constitutivo do mundo social e cultural, pode-se dizer que, tácita ou intencionalmente, o educador, o pedagogo, o gestor, tal como o pesquisador da área da educação, “[...] tem ou urde uma concepção do que é a realidade que investiga [...]” (Chizotti, 2006, p. 6). Em nosso caso, a educação como objeto de investigação. O fato é que a educação e o saber que se tem dela – sejam resultantes da experiência ou do conhecimento elaborado pelo rigor das disciplinas epistêmicas, como as teológicas, as filosóficas e as científicas - marcam presença no cotidiano e na história. Lembrar-se da educação e dos saberes postos sobre ela em circulação não significa tão-somente um gesto de memória, mas também e, sobretudo, de disputa, de negação e de afirmação de um aspecto em detrimento de outros. Por isso mesmo, a depender do status que tenham alcançado, certas experiências e saberes ganham forma e conteúdo, cristalizam-se e codificam-se em diferentes tipos específicos de concepções de educação.5 Atendo-me à pesquisa educacional, cuja ocupação primordial consiste em in-

5. Sobre as várias possibilidades de conceber a educação e, consequentemente, a escola e o currículo, valeria a pena ler: SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo horizonte: Autêntica, 1999.

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vestigar a realidade da educação. Lembro, aqui, algumas concepções de educação que foram elaboradas em lugares e tempos diferentes por indivíduos e formações sociais distintos ao longo da história da humanidade. Como exemplo das concepções formuladas por estudiosos internacionalmente conhecidos, temos Émile Durkheim, John Dewey, Karl Mannheim, Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Henry Giroux e Paulo Freire. No livro Educação e Sociologia, Durkheim (2011) registra seu estudo sobre a educação como um fato social.6 Depois de fazer um exame crítico do caráter abstrato, universal e único da educação, formulado por filósofos como Kant e economistas, como James e Stuart Mil, assim como dos métodos especulativos e subjetivistas empregados por eles, Durkheim, discordando de suas concepções e procedimentos, propôs o percurso metodológico da observação histórica como o caminho mais apropriado para formular uma concepção de educação mais próxima da realidade social, fundada na tradição da cultura nacional do país. Ao operar com essa ferramenta procedimental, ele concluiu que, embora a educação se faça presente em todas as sociedades humanas, e sua existência varie de acordo com o tempo e o lugar, em função do público e dos fins sociais estabelecidos por diferentes grupos e formações sociais, ela conserva traços comuns, identificadores de uma existência própria e particular de um fato social. Com base nesse pressuposto, concebeu a educação como uma ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações mais novas, visando despertar e incutir na criança a cultura exigida pela sociedade da qual ele faz parte. Portanto, cabe à educação, segundo Durkheim (2011, p. 50), “[...] desenvolver certos números de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que o indivíduo se destina [...]”. Diferentemente de Durkheim, que valorizou a tradição, a memória social e a organização vigente da sociedade, Dewey (1985) conferiu centralidade à noção de experiência e de reflexão, ao uso racional da inteligência e ao indivíduo como sujeito da aprendizagem. Por isso, Dewey concebeu a educação como uma experiência vivida inteligentemente. Esse caráter inteligente de vivência definiria a experiência como educativa. Se todos os seres vivos são passíveis de experiência, só os seres humanos podem ter consciência dela e transformá-la em educativa. Nesse sentido, Dewey (1985, p. 115) utiliza o termo educação como indicativo da “[...] soma de processos por meio dos quais uma comunidade ou um grupo social, pequeno ou grande, transmite seu poder adquirido e seus propósitos, com o objetivo de assegurar sua própria existência contínua e seu desenvolvimento [...]” (DEWEY, 1985, p. 116). Karl Mannheim (1974, p. 42), por sua vez, posicionou a educação a partir de um eixo diferente de Durkheim e Dewey. Para ele, o agente educativo, por excelência, não

6. Sobre essa noção, consultar Durkheim, O que é fato social? p. 1-14.

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seria o indivíduo concreto nem a sociedade geral e abstrata, mas a comunidade. Sua concepção ampliou as noções anteriores de educação, ao considerar como educativo o que era comum para um determinado grupo de pessoas, por exemplo, os objetos, os símbolos, os códigos, a língua, a música, os alimentos, os artefatos culturais e as conexões estabelecidas e compartilhadas entre os indivíduos e as coisas e entre eles próprios e a sociedade mais ampla. Para Mannheim, o alargamento da noção de educação se deveu aos processos de desenvolvimento da democracia e dos avanços científicos e tecnológicos experimentados pelo mundo, ao longo dos séculos, que potencializam mais domínio do meio social e natural. Assim, ao eleger a comunidade, como parâmetro da concepção da educação, Mannheim compartilhou o entendimento de que estaria “[...] implícito o reconhecimento de influências deliberadas e generalizadas produzidas pela sociedade […]”. Nota-se que as três concepções mencionadas identificam a educação como um dispositivo de socialização do indivíduo e de conservação da organização societária, assim como uma estratégia de ajustamento do indivíduo a grupos e sociedades determinados. Lourenço Filho (1960), Fernando de Azevedo (1964) e Anísio Teixeira (1977), signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), cada um a seu modo, foram herdeiros dessas concepções, por meio das quais eles afirmaram o caráter público, laico e gratuito da educação escolar brasileira. Lourenço Filho, por exemplo, em seu texto, ‘O problema da educação de adultos’, abordou a alfabetização e a luta contra o analfabetismo como uma questão crucial para o desenvolvimento civilizatório da sociedade brasileira. Iluminado pelo entendimento de uma concepção conservadora, para ele, o termo educação “[...] indica aquela comunicação cultural, de uma a outra geração, para continuidade da vida coletiva, por processo natural e espontâneo; mas pode significar ainda, de modo especial, a parte intencional e deliberada desse processo [...]” (FILHO, 1960, p. 117). A mesma concepção é encontrada em Azevedo, quando afirma: “[...] a língua, a moral, a religião, as ciências, tudo o que integra a cultura de um grupo, é produto social, obra coletiva, e o seu conjunto é que forma o ‘ser social’, constitui e organiza esse ser em cada um de nós [...]”. E mais, quando concebe a educação como uma “[...] ação exercida por uma geração já formada sobre uma geração em formação: o sujeito ativo e o sujeito passivo respectivamente [...]” (AZEVEDO, 1964, p. 75). Apesar do bom combate que empreendeu contra as concepções tradicionais de educação, de origem religiosa e teológica, defendida pela igreja católica, e do legado inovador que nos deixou acerca da gestão pública da educação, de sua articulação com a modernidade e a modernização do Brasil e o vínculo estabelecido entre a educação e o desenvolvimento do indivíduo e da nação, o que pode ser constatado em seus escritos, como os livros, ‘Educação no Brasil’ (1976) e ‘Educação e mundo moderno’ (1977), Anízio Teixeira assumiu uma concepção conservadora do capital, haja vista não questionar os 28

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limites da educação burguesa, sua natureza desigual, centrada na propriedade privada e orientada pelos interesses das elites dominantes. Na história brasileira, a partir da década de 1960, em função do golpe militar, outras concepções de educação passaram a disputar o gosto, as preferências, as visões e os posicionamentos políticos e pedagógicos de educadores, gestores, pesquisadores e militantes da educação brasileira.7 As concepções elaboradas pelos franceses Louis Althusser e Pierre Bourdieu, de Henry Giroux e do brasileiro Paulo Freire ganharam visibilidade no território nacional. No seio da sociedade civil, por exemplo, a perspectiva freireana ocupou espaços significativos. A partir dos anos de 1940, seus escritos8 passaram a ser divulgados e incorporados ao modo de entender e fazer educação. Em sua tese, ‘Educação e atualidade brasileira’, Freire (2003) elaborou um horizonte de reflexões e propostas válidas até hoje. Problematizou a relação entre a prática educativa e o desenvolvimento humano, a organização das classes populares e a transformação da sociedade, criticou a educação bancária e propôs uma educação libertadora. Sobre isso, afirmou (2003, p. 11):

[...] o homem não vive autenticamente enquanto não se achar integrado com a sua realidade. Criticamente integrado com ela. E que vive vida inautêntica enquanto se sente estrangeiro na sua realidade. Dolorosamente desintegrado dela. Alienado de sua cultura. A organicidade do processo educativo implica sua integração com as condições do tempo e do espaço a que se aplica para que possa alterar ou mudar essas mesmas condições. Sem essa integração o processo se faz inorgânico, superposto e inoperante [...].

Nos anos pós-ditadura, mais precisamente nas décadas de 70 e 80, a presença das concepções crítico-reprodutivistas teve grande aceitação no Brasil. Louis Althusser (1985), com a tese de que a escola seria um aparelho ideológico do Estado, e Pierre Bourdieu (1982), com seus estudos sobre a violência simbólica exercida pelo sistema de ensino, realizada através da ação e do trabalho pedagógico, foram dois estudiosos lidos na Academia. Seus escritos serviram de fundamento para se criticar a educação escolar brasileira autoritária, alinhada aos interesses do capital e ao domínio cultural dos grupos e das classes hegemônicas sobre os trabalhadores em geral, e de orientação para

7. Como exemplos de estudos nessa linha, ler: CUNHA, Luiz Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. 11. Ed. Rio de janeiro: Francisco Alves, 1989; FRIGORO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. São Paulo: cortes, Autores Associados, 1989; e NOSELA, Maria de Lourdes Chagas Deiró. As belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos didáticos. 4. ed. rev. e recomposta. São Paulo: Moraes, 1981. 8. Alguns escritos são: Educação como prática da liberdade (1967); A importância do ato de ler (1988); Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (2011) e Pedagogia do oprimido (2005).

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a realização de inúmeras pesquisas na área da educação, cuja linha principal buscara denunciar os mecanismos educativos escolares de reprodução da ideologia e da cultura burguesa por meio da escola, entranhados nas leis, nas políticas, nos programas, nos projetos, nos currículos, nos livros, nas práticas, nos métodos etc., que se tornaram objetos de análise e de crítica sistemáticas dos discursos e das pesquisas na educação. Dos anos de 1990 em diante, os estudos de Henry Giroux (1997), Michael W. Appel (1997) e Peter Mclaren (1997), por exemplo, passaram a influenciar o pensamento educativo brasileiro.9 As categorias de análise foram deslocadas da reprodução e da dominação para a contradição e a hegemonia, e isso desencadeou um processo de ressignificação e revalorização da escola. Com eles, a educação, em geral, e a escola, em particular, foram concebidas como espaços de conflitos, de lutas e de disputas. Seus pensamentos, escritos e pesquisas, ao invés de sugerir o afastamento e o desinteresse dos oprimidos e marginalizados pela escola, fizeram com que os grupos e as classes dominados fizessem valer seus direitos ao acesso e à apropriação do saber elaborado e ao reconhecimento de um elenco de valores, sentidos, significados, práticas e concepções de mundo próprios dos setores dominados, como os oriundos das experiências históricas dos negros, das mulheres, dos grupos de LGBTs, dos operários e dos campesinos. Nesse cenário, nos últimos anos do Século XX e início do atual, a organização da escola e sua função social se tornaram objetos e lugares de lutas e disputas. Os grupos marginalizados e a sociedade civil passaram a conceber a educação e a escola como direito social e esferas públicas; o educando, como sujeito de direitos; o educador, os profissionais e os pesquisadores da educação, como intelectuais transformadores. Novos temas emergiram nesse cenário, que vinculavam a educação aos direitos humanos, ao gênero, à etnia, à identidade, ao planeta, à ética, ao cuidado com a vida humana, à cultura afrodescendente, à globalização, entre outros.

3.2 PERSPECTIVA CONCEITUAL

Na linha de argumentação empreendida até aqui, pode-se dizer que, graças à atividade criativa e produtiva do ser humano, temos um acúmulo de saberes e conhecimentos sobre a educação, resultantes da experiência e das diferentes concepções elaboradas em nossa área. Não é demais lembrar Saviani (2005), quando discute sobre essa dimensão humana, em seu livro ‘Pedagogia histórico-crítica’. Segundo o autor, o ser humano se diferencia dos demais animais precisamente porque pode criar as condições de sua exis-

9. Consultar as coletâneas organizadas por Silva (1993), Silva; Moreira (1995) e Veiga-Neto (1995).

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tência, transformando a natureza, produzindo cultura, um conjunto de ideias, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades, saberes, conhecimentos, conceitos etc. Nota-se que há, nesse sentido, uma relação de construção recíproca: ao criar a cultura, elabora a própria humanidade. Nesse processo, Saviani (2005, p. 13) afirma que o “[...] trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens [...]”. Acompanhando Saviani, vimos que a educação pode ser concebida como uma prática eminentemente humana, voltada para o mundo social, cuja inteligibilidade se encontraria precisamente aí, e cuja finalidade seria a de desenvolver intencionalmente nos indivíduos determinados modos de pensar, de sentir e de agir sobre a realidade. Provavelmente, esse é o entendimento de Libâneo (1998, p. 65), ao dizer:

[...] quando as pessoas dizem ‘os pais educam os filhos’, ‘fulano não tem educação’, ‘a escola educa para a vida’, ‘a educação é a mola do progresso’, tem-se aí o sentido mais corrente de educação: uma série de ações visando à adaptação do comportamento dos indivíduos e grupos a determinadas exigências do contexto social. Esse contexto pode ser a família, a escola, a igreja, a fábrica e outros segmentos sociais. A ação educativa seria, pois, a transmissão a crianças, jovens e adultos, de princípios, valores, costumes, ideias, normas sociais, regras de vida, às quais precisam ser adaptados, ajustados. Educa-se para que os indivíduos repitam os comportamentos sociais esperados pelos adultos, de modo que se formem à imagem e semelhança da sociedade em que vivem e crescem [...].

Deslocando-se dos níveis do saber de experiência e das concepções interessadas para a perspectiva conceitual, Carlos (1996, p. 5) defende que o “[...] conceito de educação diz respeito ao conjunto de atividades sociais que visam inserir o indivíduo em determinado grupo ou organização societária, de modo a se tornar partícipe do seu padrão cultural vigente [...]”. Como se verifica, é possível vislumbrar, no entremeio do saber de experiência e dos saberes elaborados a partir do crivo criterioso da razão interessada, a presença de traços gerais, identificadores da educação para além da própria vivência imediata do indivíduo e do senso comum que compartilha e para além das concepções vinculadas ao vir a ser dos sujeitos, dos horizontes de luta e dos campos próprios de conhecimentos acionados. Como assevera Chizotti (2006, p. 24),

[...] na verdade, todo pesquisador adota ou inventa um caminho de explicitação da realidade que investiga ou da descoberta que realiza, Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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guiado por um modo de conhecer essa realidade e de explorá-la, porque tem ou urde uma concepção do que é a realidade que investiga. (O grifo é nosso)

Nesse entremeio, vemos o limiar da emergência da possibilidade de aparecer uma abordagem que adentra e captura o núcleo dos elementos constituintes de um evento como acontecimento particular. Isso porque faz parte da natureza de uma palavra-conceito, a um só tempo, abarcar em si as determinações do fenômeno a que se refere e, a depender do modo correto e adequado como é elaborado, possibilitar seu uso operatório, seja no nível do entendimento, seja no exercício efetivo do emprego do conceito na formulação abstrata e teórica do próprio acontecimento. A respeito desse traço geral do conceito, afirmam Cervo; Brvian e Da Silva (2007, p. 18):

[...] todo conceito para ter aceitação científica, precisa ser operacional, isto é, precisa permitir que diferentes cientistas reproduzam as experiências descritas, reforçando a comprovação de hipóteses e de teorias ou rejeitando-as.

Cumprem-se, então, com o uso da palavra-conceito, pelo menos, duas funções: uma que identifica o fenômeno e o nomeia como um acontecimento singular, distinto de outros. Aqui, ocorre um processo de reconhecimento social, de localização de sua presença no espaço e no tempo do cotidiano e da história. A outra, que explicita e explica suas condições de existência, representando seus aspectos constituintes, seu complexo de relações e funcionamentos. Com esse nível operatório da função, podem-se descrever o modo de ser do fenômeno investigado, a produção do conhecimento sobre suas múltiplas determinações e o uso consequente e competente da palavra-conceito em diferentes lugares, tempos, situações e experiências sociais de aprendizagem. Nessa perspectiva, que pode ser denominada de conceitual, a educação é elaborada como um conceito que confere, no plano do pensamento e da linguagem, o aparecimento de uma relação lógico-argumentativa entre o significante ‘educação’ e seu significado-conceito. Assim, pode-se pensar e dizer, efetiva e especificamente, algo singular sobre uma prática social determinada, identificada e denominada de educação. Nesse sentido, tenho cunhado uma formulação conceitual que descreve a educação como uma prática social particular, por ter um modo singular de existir, determinado por certas condições, a saber: relações intersubjetivas (estão excluídos todos os tipos de relações fora desse gênero, por exemplo, as que temos com as coisas e a natureza); relações intersubjetivas intencionais (estão fora as relações intersubjetivas 32

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casuais, frutos de circunstâncias e situações não estabelecidas previamente); relações intersubjetivas intencionais, que visam à aprendizagem de algo (estão fora outros tipos de relações motivadas por outras intenções); aprendizagens deliberadas (excluem-se as possíveis aprendizagens que não sejam previamente escolhidas); aprendizagens cuja intencionalidade é mediada por um processo sistemático (estão fora as aprendizagem espontâneas). Em outras palavras, nessa linha de argumentação, o termo educação se refere a um acontecimento considerado como uma prática social, simultaneamente intersubjetiva, intencional, deliberada e sistematizada, e cuja existência concreta, no seio do cotidiano e da história, da sociedade e da cultura, indica a presença de uma prática social determinada, diferente de outras, também particulares, como a ciência, a política, a religião, a medicina, o trabalho e a gestão pública e a privada etc. Devido a esse conceito, é possível identificar, localizar, categorizar, descrever e explicitar a presença da educação como um evento acontecendo de diferentes formas, em vários espaços sociais de aprendizagem, como o lar, o mundo do trabalho, as instituições religiosas, os sindicatos, os movimentos sociais, o bairro e os espaços artísticos, midiáticos e escolares. Como se verifica, fiz um percurso analítico-argumentativo que partiu do saber de experiência, passou pelo saber elaborado em concepções e chegou ao conceito, cuja objetividade ganha primazia. Portanto, a palavra educação pode estar associada a diferentes significados, cada um cumprindo uma função específica no contexto argumentativo em que é acionado. Devido ao exercício de reflexão empreendido, espero ter contribuído para o processo de problematização da aparente obviedade da educação, instaurada seja pela aceitação natural e normal do saber resultante da experiência seja pelas concepções consagradas em nossa cultura, na sociedade e na área da educação.

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Maria das Graças de Almeida Baptista1 Ercules Laurentino Diniz 2

Ensino a distância na formação de professores RESUMO A educação a distância tem se apresentado como uma nova e eficiente modalidade de ensino. Já não nos assustamos quando descobrimos que alguém faz um curso superior sem a necessidade de sair constantemente de sua casa ou mesmo de mudar da cidade onde nasceu e mora, para outra onde haja um curso do seu agrado. O presente trabalho apresenta um estudo sobre a educação a distância voltada para a formação de professores. Esta é uma iniciativa muito importante, principalmente, em um país onde os mesmos são desvalorizados. Inovação, atualização, aprendizado sobre novas metodologias para o ensino são algumas das conquistas que eles podem obter nesses espaços de formação. Sendo assim, conclui-se que a formação docente, seja ela inicial ou continuada, tem na educação a distância um campo amplo de possibilidades. Palavras-chave: Formação de professores. Ensino a distância. Tecnologias digitais.

ABSTRACT Distance education has emerged and remained a new and effective teaching method. We are no longer scared when we find out that someone graduates without the need to constantly leave his/her home, or even to move from the place where he/she was born and lives, to another, where there is a graduation course of his/her preference. This paper presents a study on distance education focusing on teachers’ training. This is a very important initiative, especially in a country where teachers are undervalued. Innovating, updating or learning about new teaching methodologies, are some of the achievements they can obtain in such training spaces. Therefore, we concluded that teacher training, whether initial or continuing, has in the distance education, a wide field of possibilities. Key words: Teacher training. Distance education. Digital Technologies.

1. Professora Doutora do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB - Centro de Educação. Campus João Pessoa. 2. Mestrando em Educação da UFPB – PPGE. Campus João Pessoa.

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INTRODUÇÃO

Podemos afirmar que existe, por parte de professores dos diferentes níveis de ensino da educação brasileira, uma busca por novas metodologias de ensino, um interesse em atingir os seus estudantes por meio de técnicas que tornem o processo de ensino-aprendizagem mais significativo. Porém, até os planos de aulas mais exequíveis esbarram nas faltas de recursos, de estrutura, e de motivação dos estudantes, entre tantos outros empecilhos. Ao pensarmos, porém, na prática docente, somos levados a refletir sobre a formação destes. Seja ela inicial ou continuada, influenciam significativamente na tomada de decisões destes profissionais. A primeira fornecendo as bases e a segunda, trazendo elementos novos para os professores em atividade. É neste quadro que o ensino a distância (EAD) abre um campo de possibilidades. Sabemos que a formação de professores continua sendo um dos graves problemas da educação brasileira, e ela surge como alternativa para formação de profissionais. Na formação inicial, possibilitando a formação de um número maior de professores em áreas onde os cursos presenciais não estão presentes; na formação continuada, proporcionando espaços de atualização de conhecimentos de uma forma mais flexível.

A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM BREVE HISTÓRICO

Alencar (2013) coloca que “os primeiros relatos sobre educação a distância surgiram na Europa e nos Estados Unidos, no final do século XIX”. Suécia, Reino Unido e Espanha destacam-se nessa época. Moore (2013) coloca a criação da Open University, em 1969, como sendo uma grande inovação para o contexto educacional da época. Moore e Kearsley (2007) apresentam cinco gerações nesse processo de desenvolvimento da educação a distância. A primeira geração é do século XIX, que usa a correspondência como ferramenta pedagógica, possibilitando aos estudantes estudar em casa recebendo os materiais pelo serviço postal, era uma maneira das Universidades estarem mais presentes na comunidade. Logo após, a segunda geração, surgindo no século XX, cuja transmissão por rádio e televisão viabilizava a aprendizagem. As transmissões permitiam acompanhar a programação veiculada e aprender sobre os mais diversos assuntos; a TV obteve mais sucesso nesse processo, a partir da criação dos telecursos na década de 80. A terceira geração, na década de 60, a partir da integração das tecnologias existentes cria as Universidades Abertas, instituições autônomas com a finalidade de conceConceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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der seus próprios diplomas. Em seguida, a quarta geração usa a teleconferência, nos anos 80. Podia-se assim, estabelecer-se uma comunicação síncrona, ou seja, emissor envia a mensagem e o receptor a acompanha de forma instantânea. Por último, aparece a quinta geração, em que surge a internet, permitindo a convergência do texto, áudio e vídeo em uma única plataforma de comunicação. Atualmente existem plataformas chamadas de ambientes virtuais de aprendizagem. Dentre elas, destaca-se o Moodle, desenvolvido por Martin Dougiamas em 1999 e hoje está disponibilizado em 90 idiomas e mais de 206 países, como apresenta Crivelaro (2010). No Brasil, Alves (2011) coloca o Instituto Monitor que surgiu em São Paulo em 1939, como primeira instituição brasileira a oferecer sistematicamente cursos profissionalizantes a distância por correspondência. O mesmo trabalho apresenta a Universidade de Brasília como pioneira no uso de educação a distância, no ensino superior no Brasil, em 1979. A própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996, em seu artigo 80, legisla sobre a obrigação do poder público em incentivar o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância. Pode-se colocar a educação a distância no Brasil como “possibilidade de se mesclar e mesmo substituir a oferta de disciplinas até então oferecidas apenas de forma presencial”, conforme afirma Kenski (2009, p. 6), mostrando-se como uma alternativa importante para a resolução do problema da falta de professores em diversas áreas.

A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR

O ensino a distância, de acordo com Moore (2013, p. 2), é o “aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente do ensino, o que requer comunicação por meio de tecnologias e uma organização institucional especial”. Entre essas tecnologias estão a carta, o rádio, a TV e, atualmente o computador, usado para fins educativos, segundo Valente (1999), desde meados da década de 50 quando apenas se armazenava informações e as transmitia ao aluno. Hoje, esse modelo é criticado por muitos autores, como Moore (2013), que afirma que um site que funciona como uma enciclopédia não constitui um curso de ensino a distância, é preciso um planejamento tão sério quanto o feito para um curso de ensino presencial. Há atualmente no Brasil, muitos cursos de Educação a Distância, tanto em instituições particulares quanto públicas. Na Universidade Federal da Paraíba, por exemplo, são oferecidos alguns cursos, como as licenciaturas em Ciências Biológicas, Ciências Naturais, Letras e Pedagogia. Porém, é preciso lembrar que existem poucas políticas de incentivo à expansão e apoio a essa modalidade. 38

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É fácil perceber, enquanto tutor ou professor, as dificuldades dos alunos da modalidade a distância, principalmente quando se encontram no primeiro período. Alguns não são familiarizados às tecnologias, de modo que o computador para estes é uma máquina que de certa maneira não fazia parte do seu cotidiano; outros concluíram o Ensino Médio há um bom tempo e, não estando acostumados a uma rotina de estudos mais intensa. A realização de tarefas e o acompanhamento da dinâmica de um curso superior tornam-se barreiras quase intransponíveis. Há ainda aqueles que se tornaram alunos a distância pela dificuldade encontrada em seu dia a dia, como no caso, por exemplo, das mulheres, que além de acumular papéis de mãe e estudante de um curso superior presencial, ainda trabalham em horário comercial. Neste caso, o tempo dedicado ao cumprimento dos compromissos com o curso é mínimo. Diversos cursos EAD apresentam-se como uma opção no que diz respeito à formação inicial de docentes, e muitos são os estudantes que concluem suas licenciaturas sem a necessidade de sair de suas casas todos os dias, indo aos polos de apoio presencial apenas em alguns momentos em que se faz necessário. Embora haja críticas ao uso dessa modalidade na formação de professores, como as feitas por Giolo (2008), ao afirmar que os educadores atuarão em salas de aula não como alunos virtuais, mas com estudantes vivos, sendo necessários saberes e habilidades adquiridas na prática da convivência. Por sua vez, Borges e Reali (2012) apresentam a EAD como uma aprendizagem que reflete positivamente na prática docente, tornando o ensino mais interessante, além de implicar em expansão territorial e facilidade temporal. As licenciaturas são muito procuradas por aqueles que já convivem com o cotidiano escolar, mas exercem suas funções sem a devida formação. Estes são adultos que já atuam no chão da escola e os cursos devem levar em consideração a necessidade de adequação para tais profissionais. Entre outros aspectos, é necessário pensar que o ensino para adultos apresenta muitas particularidades, como podemos observar em Knowles (1970), que usa o termo andragogia para especificar tais peculiaridades. Entre todas, o autor afirma que alunos adultos precisam saber o porquê de aprender algo novo, antes de passar a aprendê-lo; querem ver suas experiências como valiosas aos olhos de quem os ensina; e serem responsáveis pelo seu próprio aprendizado. Com tantas características próprias do processo de ensino-aprendizagem para adultos, podemos constatar as dificuldades enfrentadas ao se propor uma nova forma de ensiná-los, e não surpreende o fato de que muitos não se interessem por cursos na modalidade a distância e outros que já estão inseridos, optem por desistir. Deve-se lembrar também que as plataformas virtuais aproximam os alunos das novas tecnologias. De fato ser aluno EAD é familiarizar-se com a utilização de vídeos, preparação de aulas em powerpoint, leitura de textos digitais, trabalho com textos de escrita colaborativa, chamados de wikis, isto para falar de apenas algumas ferramentas. Desta maneira, tanto em formação inicial, quanto em formação continuada o professor Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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terá uma aproximação maior com ferramentas que poderão melhorar consideravelmente suas práticas pedagógicas. Portanto, tais desistências tornam-se alvos de preocupação quando se tratam das licenciaturas oferecidas na modalidade a distância, uma vez que, por um lado, podem promover prejuízos talvez irreversíveis para tais profissionais no que diz respeito às suas qualificações pedagógicas, como sua permanência no campo dos imigrantes digitais, de acordo com Prensky (2001), pois, estes não falarão a mesma língua dos seus alunos – os nativos digitais – que, entre outras características, aprendem por meio de modalidades diversas (como o hábito de estudar e ouvir música simultaneamente) e têm poucos hábitos de leitura. Os altos índices de evasão em todos os cursos de ensino a distância tem sido pesquisados por autores como Almeida (2007), este coloca pelo menos cinco fatores que podem levar às desistências: fatores situacionais, falta de apoio acadêmico, problemas com a tecnologia, falta de apoio administrativo e sobrecarga de trabalho. Entendemos problemas com a tecnologia como falta de computador, falta de acesso a internet ou mesmo falta de habilidade para o uso das tecnologias.

A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR

A afirmação de Prenski (2001) de que “nossos alunos mudaram radicalmente. Os alunos de hoje não são os mesmos para os quais o nosso sistema educacional foi criado”, traz uma necessidade de profunda compreensão de tais estudantes. É importante lembrar-se sempre de tal informação para que os professores tenham em mente a constante necessidade de se atualizar. Alves (2007) coloca a interatividade como a possibilidade do usuário participar ativamente do processo de ensino-aprendizagem, é assim que os alunos querem estudar hoje. Em salas de aula desmotivadoras, para os estudantes atuais, há muito incômodo em ficar ouvindo alguém falar enquanto se está sentado em uma cadeira, sem oportunidade de emitir opiniões. A tecnologia está em todos os lugares, a concepção de aprendizagem ubíqua, ou seja, que ocorre em qualquer local, é cada vez mais atual. Em nossas salas de aula, podemos observar que mesmo os de menos idade são muito bons quando o assunto é tecnologia: seus dedos deslizam em telas de tablets e celulares cada vez mais modernos e o facebook e, mais recentemente o whatsapp, fazem parte do seus cotidianos. Saindo das salas de aula para o mercado de trabalhos essa geração de nativos, também conhecida como geração y, já deixa suas marcas de impaciência, pressa em crescer rápido e não aceitar restrições, como afirma Almeida (2007). 40

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Sendo assim a atualização do professor é indispensável para o exercício da docência a partir do uso das TDIC (tecnologias digitais de informação e comunicação). A formação do professor para o uso das TDIC, segundo Almeida (2007, p. 7), “é referência para sua prática pedagógica e assim a concepção embasadora e as práticas desenvolvidas no processo de formação se constituem como inspiração para que ele possa incorporar as TDIC ao desenvolvimento do currículo”. Portanto, não importa o tempo de docência que cada professor possui, é preciso estar sempre se atualizando. Sendo uma modalidade de ensino que apresenta tantas vantagens, a educação a distância pode cumprir perfeitamente seu papel na formação continuada de professores. Para Mello (2000) é urgente investir na organização de um sistema nacional de credenciamento de cursos e certificação de competências docentes. Sempre é importante lembrar que tempo, constitui um grande problema para os professores. Os profissionais docentes quase sempre atuam em mais de uma escola, é uma prática bastante comum, uma vez que, somente assim, é possível obter um melhor retorno financeiro. Preparação de aulas, correção de provas, preenchimento de cadernetas, reuniões pedagógicas são atividades que somadas aos instantes em sala de aula, tornam o tempo dos professores bastante escasso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se a partir das reflexões expostas que o ensino a distância apresenta-se como uma alternativa para a formação de professores, seja ela inicial ou continuada. A atuação dos autores em Curso de EAD possibilita a compreensão das potencialidades que esta modalidade de ensino apresenta no que diz respeito à formação docente. Ao observamos um estudante de educação a distância atualmente, é muito provável enxergarmos alguém sentado a frente do computador, lendo uma apostila em um quarto de sua casa e enviando atividades pela internet para serem corrigidas por um professor que se encontra a quilômetros de distância. Porém, nem sempre foi assim. É fácil observar que há séculos a educação ocorre de outras maneiras e de acordo com os avanços na e da sociedade. Através de carta, rádio, TV e outros meios, foram se processando os avanços que nos trouxeram à realidade atual da educação a distância. Por fim, podemos afirmar que temos muito a avançar neste sentido, principalmente quando olhamos para outros países e seus modelos avançados de educação a distância. Alemanha, Reino Unido e EUA, por exemplo, dispõem de modelos consolidados, mas ao Brasil, ainda falta, entre outras coisas, enfrentar o preconceito daqueles que afirmam que não é possível formar com qualidade a partir de um curso a distância. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Renata Aquino Ribeiro. 3. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. MOORE, M. G; KEARSLEY, G. Educação a distância: uma visão integrada. Edição especial Associação Brasileira de Educação a Distância - ABED. São Paulo: Thomson Learning, 2007. Disponível em: <http://joaomattar.com/blog/2007/09/21/a-educacao-a-distancia-uma-visao-integrada/>. Acesso em: 30 jun. 2016. PRENSKY, M. Digital natives, digital immigrants. On the Horizon (MCB University Press), Vol.9 No.5, october 2001. Disponível em: <http://www.emeraldinsight.com/doi/ abs/10.1108/10748120110424816>. Acesso em: 18 nov. 2015. VALENTE, José Armando et al. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Unicamp/NIED, p. 1-27, 1999.

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Tânia Rodrigues Palhano1 Cinthya Raquel Pimentel da Mota2

Ética e pesquisa educacional: desafios da realidade científica RESUMO O presente ensaio tem por objetivo refletir sobre a importância da ética na pesquisa educacional, tecendo olhares para os desafios da realidade científica. Inicialmente, dialogamos sobre a pesquisa e ética no Ensino Superior em educação, nos cursos de Graduação e Pós-Graduação, considerando a postura do pesquisador e o compromisso com a integridade da pesquisa, valorizando e respeitando os sujeitos envolvidos. Sobre o uso das ferramentas tecnológicas na pesquisa, ressalta-se o uso dessas ferramentas de maneira pedagogicamente correta, em uma abordagem ética combatendo os casos de plágios. Concluímos que a ética apresenta-se como um caminho para o aprimoramento de conhecimentos científicos. Palavras-chave: Ética, Pesquisa educacional, Ciência.

ABSTRACT This essay aims to reflect on the importance of ethics in educational research, casting looks at the challenges of scientific reality. Initially, we discussed research and ethics in higher education, both in undergraduate and graduate courses, considering the researcher’s position and commitment to research integrity, appraising and respecting the subjects involved. About technological tools in research, we highlight their use in a pedagogically correct way, using them ethically, and combating cases of plagiarism. We conclude that ethics should permeate our life and educational research. It is presented as a way to improve scientific knowledge. Key words: Ethics, Educational Research, Science.

1. Professora doutora do departamento de fundamentação da educação-UFPB, taniarpalhano@gmail.com 2. Mestranda em educação-UFPB, cinthyapm@hotmail.com

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INTRODUÇÃO

Diante de uma sociedade capitalista, em que a tecnologia e a indústria se avançam de forma acelerada e o lucro é sempre requisitado, podemos perceber o estímulo muitas vezes simbólico, pelo crescimento de uma sociedade cada vez mais competitiva e intolerante. Direitos têm sido esquecidos em prol de uma qualificação mais técnica e mecânica, onde a força de trabalho é considerada superior à humanização e as necessidades inerentes ao trabalhador. O lucro no capitalismo é a parte primordial para os empresários que detém o poder, independente que a isso corresponda à deterioração do trabalho humano. O trabalhador é exposto a condições precárias, salários baixos, sendo visto apenas como mão de obra, sem direito a questionar, indagar, reivindicar, comparando-se a uma máquina, que deve concluir seus trabalhos com êxito. Ao tentar nos referirmos à ética na educação, é preciso recorrer a esses fatores da realidade contemporânea, pois a educação enquanto uma ação política é norteada pelas informações e os acontecimentos sociais, econômicos, culturais. Não se pode pensar a educação isolada dessas situações, mas refletir sobre seu papel nessa conjuntura social. Em Vázquez (1978, p.11), a ética é “teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral, considerando, porém, na sua totalidade e diversidade”. O seu caráter teórico generaliza normas gerais válidas, não só para a moral de um povo, mas, para a moral da humanidade, tomando a prática moral da humanidade como objeto de reflexão. Com base ao respeito e reconhecimento da importância do outro, a ética é universal ao ser humano, ao ser estabelecido um código de normas morais válidas para todos que vivem em sociedade. A universalidade da ética é pertinente ao ser histórico, é relativo ao homem e sua ação sobre o mundo, em especial, ao contexto em que são realizadas suas ações morais. Nossa sociedade caracteriza-se por uma diversidade cultural e uma pluralidade de ideias, pensamentos, ideologias. Os costumes são diversos, a depender da região, os sotaques, modos de vestir, as comidas típicas são especificidades encontradas no território brasileiro. Por ser democrática, busca-se respeitar essas identidades próprias de cada grupo, de cada comunidade, de cada região, de cada indivíduo. É comum, no entanto, percebermos pontos negativos. Ao tecermos olhares tanto no macro, nas regiões brasileiras, por exemplo, como também, nos diversos grupos encontrados, facilmente identificamos discursos, atitudes e posturas preconceituosas, de discriminação e antiéticas. Segundo Dewey (1985, p.195) “ética é a ciência que versa sobre a conduta, na medida em que se considera esta certa ou errada, boa ou má”. Quando um determinado indivíduo ou grupo faz um julgamento sem considerar a identidade do outro está agindo Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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contrária aos princípios de solidariedade e respeito. Ainda em Dewey (1985, p. 202), “não existe diferença fundamental entre a teoria da moral sistemática e a reflexão em que se empenha o indivíduo quando procura descobrir princípios gerais que orientem e justifiquem sua conduta”. Dewey (1985, p.224), inicialmente expõe sobre a tarefa da teoria moral que consiste, pois, em formar uma teoria do bem como fim ou objetivo do desejo e, também formar a do verdadeiro bem, distinto do especioso. Destaca o prazer (hedonismo) como uma qualidade comum que torna desejáveis todas as coisas diferentes, ou seja, é o prazer que torna bom qualquer objeto de desejo aquele que tem a experiência. Diante disso, como podemos agir eticamente durante uma pesquisa na educação, onde se tem por objetivo contribuir com a ciência, ao recolher, analisar e interpretar dados? Surge assim, o interesse por refletir sobre a importância da ética na pesquisa educacional enquanto investigador, educador e sujeito político, tecendo olhares para uma metodologia que contribua com uma pesquisa científica significativa para a sociedade.

PESQUISA E ÉTICA NO ENSINO SUPERIOR EM EDUCAÇÃO

Os cursos de graduação e pós-graduação, tanto na modalidade presencial, quanto na educação à distância, requerem uma monografia ou trabalho de conclusão de curso (TCC), como requisito para obtenção do certificado e/ou diploma. Ao iniciar uma graduação, temos o primeiro contato com a pesquisa propriamente dita, inicialmente através dos programas de pesquisa e extensão, e posteriormente com os trabalhos de conclusão. Porém, me arrisco a dizer que esse contato é um tanto superficial, muitas vezes sem compreender o significado, a importância e as regras de uma pesquisa. Ainda é comum os relatos de “copia e cola” nesse nível de ensino. O acesso a Pós-graduação é mais restrito e seletivo, no entanto isso não exclui os riscos de apropriação indevida de textos, dissertações e teses. No Mestrado, temos a possibilidade de compreender melhor as particularidades de uma pesquisa científica. É um novo ambiente, um local de aprimoramento de conhecimentos, de relações mais aprofundadas com teóricos e categorias, sabendo reconhecer sua posição, por exemplo, como marxista, pragmático, positivista. Mas que entendimento tem nesse nível de ensino da palavra Pesquisa? Segundo Pádua, (...) é toda atividade voltada para a solução de problemas; como atividade de busca, indagação, investigação, inquirição da realidade, é a atividade que vai nos permitir, no âmbito da ciência, elaborar um conhecimento, ou um conjunto de conhecimentos, que nos auxilie na compreensão desta realidade e nos oriente em nossas ações (1996, p. 29).

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O mundo da Pós-graduação é permeado de novos conceitos ao “autor-pesquisador”. Ao definir sua linha metodológica, deve ter consciência de sua escrita e ter conhecimentos embasados nas diversas maneiras de construir conhecimentos científicos, sejam estes a partir da abordagem fenomenológica, histórico-dialética, positivista. Nesse sentido, ao definirmos um objetivo, devemos considerar o objeto de nosso estudo. Se trabalharmos com pessoas, devemos sobretudo, ouvir, valorizar, respeitar e dá voz a esse sujeito através de nossa ação interpretativa, ressaltando nessa conjectura, a necessidade de uma postura ética diante de nossa investigação. É fundamental que enquanto pesquisador educacional, estejamos conscientes dos desafios e problemas que poderemos encontrar no início ou decorrer de nossa pesquisa. Não podemos utilizar ou interpretar dados em função de minha vontade, isto é, de modo que haja a comprovação do que foi posto como hipótese. A análise dos dados deve ser coerente com o discurso proferido pelos participantes da pesquisa, tendo cuidado para que durante a análise e divulgação nenhum indivíduo seja agredido moralmente. Algumas pesquisas necessitam de uma abordagem empírica, e nesse caso, é fundamental uma postura ética do pesquisador, ao manter-se neutro diante de seu objeto de estudo. Quanto mais fiel o pesquisador for a sua análise e interpretação dos dados, melhor será a contribuição de sua pesquisa para a ciência. Nos cursos de pós-graduação é combatido de forma mais rígida os casos de plágio. Tem-se intensificado as ações contra esse tipo de postura e podemos destacar a falta de ética de quem o pratica. Falta de ética contra si mesmo, contra a ciência e contra a sociedade, pois essa atitude viola os direitos do outro. Severino (2014, p. 201) afirma que essa postura “tem repercussão no plano ético, na medida em que traduz um relaxamento no compromisso do pesquisador com a fidedignidade de suas ações propriamente científicas”. É nesse sentido que os Comitês de ética atuam, buscando resguardar os sujeitos envolvidos na pesquisa, bem como orientar e penalizar os procedimentos e casos inadequados e antiéticos. O autor supracitado salienta que “todos os projetos de pesquisa envolvendo seres humanos, antes de serem executados, sejam examinados e aprovados por eles, sob essa perspectiva ética”. (p.202). Todo indivíduo é possuidor de direitos e deveres na sociedade. A Constituição Federal (1988) em seu artigo 5º assegura dentre outros pontos a inviolabilidade da intimidade, honra e imagem das pessoas, sujeito a punição, ou seja, é necessário que o pesquisador conheça suas limitações e mantenha uma postura íntegra diante da pesquisa. Ao pesquisador não compete o julgamento do que é certo ou errado; bom ou má; justo ou injusto. Não pode querer pressionar os envolvidos para que aceitem falar e/ ou fazer o que pretende em benefício do seu próprio interesse. Não podemos comparar um pesquisador científico com um ator de filmes e seriados. Este último pode agir de Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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acordo com sua intenção, criando e modificando papéis, recriando situações, conceitos e paradigmas, pelo contrário, ao ter o objetivo de manter a integridade de sua pesquisa, precisa considerar a voz dos sujeitos envolvidos, mesmo que não esteja de acordo com suas ideologias. A ética do conhecer tende, no pesquisador sério, a ganhar prioridade, a opor-se a qualquer outro valor, e esse conhecimento “desinteressado” desinteressa-se de todos os interesses político-econômicos que utilizam, de fato, esses conhecimentos. (MORIN, 2005, p. 121). Reconhecemos assim, que para uma pesquisa educacional que contribua com a ciência é necessário a indissociabilidade entre responsabilidade, compromisso, dedicação e seriedade do pesquisador, tendo uma postura íntegra e ética perante seu objeto de estudo.

É por esta ética inseparável da prática, jovens ou com adultos, que devemos lutar. E a melhor maneira de por ela lutar é vive-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles. Na maneira como lidamos com os conteúdos que ensinamos, no modo como citamos autores de cuja obra discordamos ou com cuja obra concordamos. (FREIRE, 1996, p.8).

Enquanto pesquisador, somos curiosos e questionadores por algo que nos inquieta e desperta nossa curiosidade, por isso, devemos estar sempre em busca de respostas para nossas indagações, recorrendo aos teóricos que abordam o assunto proposto. Não é possível sair da condição de objeto(massa de manobra), sem formar consciência crítica desta situação e contestá-la com iniciativa própria, fazendo deste questionamento o caminho de mudança. Aí surge o sujeito, que o será tanto mais se, pela vida afora, andar sempre de olhos abertos, reconstruindo-se permanentemente pelo questionamento. Nesse horizonte, pesquisa e educação coincidem, ainda que, no todo, uma não possa reduzir-se à outra (DEMO, 2007, p. 8).

O USO DAS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS NA PESQUISA EDUCACIONAL: UMA ABORDAGEM ÉTICA

A era tecnológica traz consigo a necessidade de mudanças no contexto escolar, pois implicam novos papéis, conhecimentos, comportamentos. Com o ritmo acelerado das tecnologias, os indivíduos são bombardeados diariamente por jogos, informações instantâneas, as redes sociais tornam-se um meio de comunicação cada vez mais corri-

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queiro, substituindo muitas a presença física, o contato, a interação pessoal. A tecnologia traz consigo a possibilidade de diminuir a diferença de idades, de sexo, pois ao conversar com alguém desconhecido por uma rede social, por exemplo, não se tem a certeza da veracidade das informações ditas. Kenski (2012, p. 47) afirma que, “as mudanças contemporâneas advindas do uso das redes transformaram as relações com o saber. As pessoas precisam atualizar seus conhecimentos e competências periodicamente, para que possam manter qualidade em seu desempenho profissional”l. As ferramentas tecnológicas têm sido bastante utilizadas em todos os espaços da sociedade, e na educação podem e devem ser utilizadas como um recurso pedagógico, que aliado ao processo de ensinar e aprender, contribuam para o desenvolvimento e/ ou aprimoramento de aprendizagens significativas. Essas ferramentas propiciam aos estudantes, professores, pesquisadores, um aparato substancial, pois ao pesquisar no google, por exemplo, temos uma infinidade de caminhos, opções, metodologias. O uso desses recursos tem influenciado cada vez mais a vida da população em geral, alterando comportamentos, despertando curiosidades, permeando culturas e ideologias.

A evolução tecnológica não se restringe apenas aos novos usos de determinados equipamentos e produtos. Ela altera comportamentos. A ampliação e a banalização do uso de determinada tecnologia impõemse à cultura existente e transformam não apenas o comportamento individual, mas o de todo o grupo social. (KENSKI, 2012, p. 21).

Muitas vezes o indivíduo faz o uso indiscriminado dessas ferramentas, podendo colocar a sua integridade e a de outras pessoas em risco. Por ser uma rede de fácil acesso em todo o mundo, a exposição exacerbada pode trazer muitos fatores negativos. É comum ouvirmos falar de casos de crianças, adolescentes e até pessoas adultas que se envolveram em relacionamentos e casos através das redes sociais. É o caso da violência cibernética, que atinge tantas pessoas, violando os direitos físicos e morais do sujeito cidadão. Diante disso, como usar eticamente as ferramentas tecnológicas na pesquisa educacional? Como utilizá-las de maneira pedagogicamente correta? É certo que encontrar algo pronto na mesma direção de pensamento que o nosso, nos causa alegria, viabilidade e muitas vezes, comodidade. Ao pesquisarmos e encontrarmos subsídios que nos oriente, somos abastecidos de ânimo e de bagagem, entretanto, isso requer certos cuidados. Não podemos fazer o uso de trechos de textos, usar parágrafos, copiar frases ou até mesmo traduzir textos de uma língua estrangeira atribuindo seu nome à autoria do trabalho. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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A essas situações, como já citamos anteriormente damos o nome de plágio. O pesquisador não atua de forma ética, sem seriedade, agindo de má fé, contra si mesmo, contra a Instituição de ensino que representa e contra a sociedade, a quem deveria dar um feedback adequado. Um documento da OAB, assinado pelo então Presidente da comissão de cultura da OAB/CE, Ricardo Bacelar Paiva, em 2010, traz reflexões e discussões sobre o plágio e como esse tem ganhado espaço com as ferramentas tecnológicas. Segundo o documento, essas ferramentas são importantes e auxiliam não só na educação, mas também na vida pública e privada da sociedade, mas que vem possibilitando o crescimento de plágios nas pesquisas dos cursos do Ensino Superior. Nesse contexto, salienta que essas atitudes fazem com que o aluno não leia, não escreva e consequentemente, não pense. Os casos de analfabetismo funcional nos cursos de nível superior são enormes. Muitos de nós, acostumados com o hábito de copiar e colar o que encontramos, acabamos não exercitando nossa mente, muito pelo contrário, esta parece estagnar diante o desafio de ler e escrever, funções tão inerentes e básicas ao ser humano. Acredito, enquanto pesquisadora que agir eticamente depende de cada indivíduo, pois posso me posicionar de modo a combater essas situações ou utilizá-las em meu benefício, sabendo que esta última escolha viola os direitos da veracidade e do compromisso com a integridade da pesquisa. É papel de cada um de nós, reconhecer nossa responsabilidade política, não só como pesquisadores, mas também, educadores, devendo, portanto respeitar e valorizar cada indivíduo. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH (2007) destaca que a educação contribui para

exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das diversidades (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de op- ção política, dentre outras) e a solidariedade entre povos e nações. (BRASIL, 2007, p. 25).

Assim, que possamos utilizar as ferramentas tecnológicas como recurso de ensino, pesquisar e aprender, aprimorando nossos conhecimentos e compartilhando nossas descobertas. Que esse uso seja consciente de nossas limitações e dos desafios e interferências que fazem parte de nosso cotidiano, dos nossos estudos, de nossa pesquisa, de nossa vida.

CONCLUSÕES Ao fim dessas discussões, podemos concluir que a ética permeia a vida social, cul-

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tural, econômica, tanto no público quanto no privado, desenvolvendo pensamentos, ideias, alterando comportamentos, modos de se relacionar, pesquisar e atuar na sociedade. Percebemos a necessidade de que as políticas públicas voltadas para a educação, e nesse contexto para as atividades de pesquisa, sejam revisadas e ampliadas. Que os cursos de graduação e pós-graduação busquem contribuir com a construção de pesquisas pautadas no compromisso, ética, responsabilidade e respeito ao indivíduo. É fundamental o desenvolvimento de ações que propiciem aos pesquisadores, metodologias adequadas quanto à sua pesquisa, combatendo a falta de integridade ao dar a sua interpretação conveniente em vez de voz aos sujeitos envolvidos. Ainda observamos que as ferramentas tecnológicas são características de nossa realidade contemporânea, perpassando todos os setores da sociedade. Assim, não pode ficar distante da educação, onde os envolvidos na sua elaboração saibam utilizá-las de maneira pedagogicamente correta, lendo, interpretando e refletindo sobre a ética nessa perspectiva, denunciando e punindo os possíveis casos de plágios. Desta feita, há ainda muitos desafios a serem enfrentados na relação entre pesquisa educacional e ética, mas ressaltamos a presença de ações voltadas a essa problemática e afirmamos a necessidade das finalidades da pesquisa, isto é, que tenha significado para autores, sujeitos pesquisados, bem como a sociedade, possibilitando, sobretudo o crescimento, aprimoramento de conhecimentos científicos, visando sempre uma educação e uma sociedade justa, igualitária, sustentável e democrática.

REFERÊNCIAS

Brasil. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos / Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. – Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. 76 p. CARVALHO, Isabel C. de M.; MACHADO, Frederico V. Regulação da pesquisa e o campo biomédico: considerações sobre um embate epistêmico desde o campo da educação. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/viewArticle/5993 Acesso em: 26/03/2016 DEMO, Pedro. Educar Pela Pesquisa. 8 ed. Campinas: Autores Associados, 2007. Documento da OAB - Combate ao plágio. Disponível em https://pt.scribd.com/ doc/50705989/OAB-Combate-Ao-Plagio Acesso em: 21/06/2016. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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DEWEY, J. Teoria da vida moral. São Paulo: Abril Cultural, 1985. (Os Pensadores). KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. – 8ª ed. Campinas-SP: Papirus, 2012. Orientações Capes – Combate ao plágio. Disponível em: http://capes.gov.br/images/stories/download/diversos/OrientacoesCapes_CombateAoPlagio.pdf Acesso em 21/06/2016. PÁDUA Elisabete Matallo Marchesini de. Metodologia da pesquisa Abordagem teóricoprática. Campinas: Papirus, 1996. SEVERINO, Antônio Joaquim. Dimensão ética da investigação científica. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/viewFile/5927/3809 Acesso em 22/06/2016. VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

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Rose

Mary de Souza Araújo1 Maria Selma Gomes da Silva2

Escola primária na província da Parahyba do Norte (1884-1886): civilidade e progresso social RESUMO O texto trata dos resultados de uma investigação histórica acerca da instrução pública e da formação de professores na Paraíba no século XIX. O objeto de estudo refere-se a instrução pública primária e sua articulação com a formação de professores, inscrito na temporalidade de 1837 a 1883. Neste período, caracterizado pela prática clientelística e patrimonialista, foi dada ênfase a instrução pública como força propulsora para a construção de uma sociedade civilizada, moderna. Desta forma, a instrução primária adquire centralidade nos discursos dos gestores públicos locais de época. Nesse processo algumas questões foram postas como necessárias a sua melhoria e modernização, tais como: a unificação do ensino e a formação de professores. Palavras-chave: Instrução primária. Formação de professores. Paraíba.

ABSTRACT The text deals with the results of a historical investigation about public instruction and teachers training in Paraiba, XIX century. The aim of the study is primary public instruction and its link to teachers’ formation, from 1837 to 1883. In that period, characterized by clientelism and patrimonialism practices, was given emphasis on public instruction as a driving force for the construction of a modern, civilized society. This way, primary instruction gains centrality in local public managers’ speeches. In this process, a few issues were considered to be necessarily improved and modernized. They were: teaching standardization and teachers’ formation. Key words: primary instruction; teachers’ formation; Paraíba. 1. Doutora em Educação, professora de História da Educação do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de Educação, Campus I da UFPB. Email: rosearaujo.ufpb@gmail.com. 2. Graduanda em Pedagogia, bolsista PIBIC/UFPB.

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Introdução A historiografia no âmbito educacional revela que após a Lei de Outubro de 1827 e do Ato Adicional de 1834, a educação escolar ganhou centralidade nos debates entre intelectuais e gestores públicos das províncias brasileiras. Todo o debate de época esteve ancorado nos princípios propugnados pelo ideário iluminista que dinamizou a chamada modernidade, ou seja, a escolarização surge como instrumento de construção de um novo homem e de progresso social. Mediante a precariedade e a deficiência na organização e no funcionamento da instrução pública, se fez necessário medidas que reorganizassem especificamente a instrução primária, baseadas nas exigências da modernidade, para que assim, então, se tornassem possíveis os novos rumos almejados pelas lideranças políticas para o Brasil, ou seja, a construção do Estado Nacional pelas vias da civilidade e progresso social. Este breve apanhado despertou o nosso interesse em investigar a educação primária que foi efetivada na Parahyba do Norte entre os anos de 1884 e 1886. O objetivo primordial foi apreender e compreender de que maneira as escolas primárias foram organizadas pelo poder público com vistas à civilidade e o progresso social da província. As sociedades ditas modernas, sob o ideário iluminista francês, tomaram a educação escolarizada como instrumento primordial para o alcance da civilidade e progresso social. Na verdade, a escolarização das pessoas foi colocada enquanto panaceia para os males sociais que atravessavam as sociedades de época. Sob esta perspectiva, a produção historiográfica acerca da educação brasileira revela que as mudanças organizacionais e institucionais através de leis e regulamentos foram realizadas na educação escolar pública na maioria das províncias do Brasil no percurso do século XIX. As medidas e propostas educacionais foram embaladas pelo ideário da utilidade da educação escolar no processo de formação do homem novo, bem como no desenvolvimento econômico, da cultura e na promoção de um novo convívio social. Quanto à produção historiográfica paraibana, mostra a existência de uma situação de atraso e de deficiência na organização escolar e nas práticas educativas inerentes à instrução pública primária. E, não diferente de outras províncias brasileiras, assumiu também o discurso de modernizar o ensino primário. Para tanto, foram realizadas reformas no sentido de reorganizar, reestruturar as escolas primárias de modo que possibilitassem os novos rumos almejados tanto pelas lideranças políticas locais como centrais. Localmente, não se perdeu de vista o debate em torno da necessidade de construção e consolidação do Estado Nação brasileiro através da formação do novo homem. Assim, consideramos importante para a preservação da memória da educação paraibana, investigar sobre a organização das escolas primárias prescrita pelo Regulamento de Nº 30 publicado no ano de 1884. Este regulamento tratou de realizar uma reforma profunda na instrução pública local nos diversos níveis de ensino e como também 54

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de criar a Escola Normal (ARAUJO, 2010). Encerramos nossa pesquisa em 1886, data em que a instrução primária foi novamente reformulada através do Regulamento de Nº 36 pelo novo presidente provincial, Antonio Herculano Bandeira Filho. Ressaltamos que os estudos sobre o processo de escolarização primária na Parahyba do Norte oitocentista têm grande relevância por tratar-se de um tema ainda um pouco explorado e pela possível contribuição no âmbito da história da educação escolar tanto local quanto nacional buscando, portanto, uma articulação das questões educacionais numa diversidade local, temporal e social. A sua realização esteve ancorada nas contribuições teóricas de Edward Thompson (1981), Antonio Gramsci (1989) e de Carlota Boto (1996). De Thompson, consideramos a importância do papel das evidências e dos fatos na compreensão do movimento histórico e dos elementos conceituais a partir do materialismo histórico. Os conceitos históricos são construídos a partir de materiais deixados pelos povos que viveram em cada período, possibilitando aos historiadores o privilégio de elucidar ou apenas trazer um leve esclarecimento de fatos dos quais não presenciaram. Gramsci por sua vez apresenta uma concepção de Estado enquanto instrumento que contribui para legitimar a dominação burguesa e manter certa ordem estabelecida. Entender forças sociais em jogo nos ajudou a captar as intenções dos gestores públicos de investir na educação. Enquanto das contribuições de Boto, tomamos os conceitos de acerca da educação, da escolarização e do modelo de homem novo pensado a partir do iluminismo francês. Em síntese, as informações encontradas nas leis, regulamentos, discursos, mensagens e relatórios elaborados pelos gestores públicos locais, apontaram que pouco ou quase nada foi efetivado para modernizar, para melhorar a qualidade do ensino primário com vistas ao alcance do ideal difundido.

PARA CIVILIZAR É PRECISO EDUCAR

Como já ressaltamos, as sociedades denominadas modernas, sob o ideário iluminista, viam nas pessoas a possibilidade de mudança, não só delas próprias de suas concepções, mas também da sociedade nas quais estas estavam inseridas. Isto porque, os grandes pensadores defendiam o homem como um ser tributário da educação escolarizada, capaz de armazenar no seu intelecto conteúdos e informações pertinentes à construção e consolidação do Estado Nação, haja vista à necessidade das sociedades firmarem sua identidade de forma hegemônica, mesmo tendo uma nação diversificada pela pluralidade étnica da população. Esses fatos nos remetem a Boto (1996, p. 21), ao tratar do pensamento de alguns filósofos e pensadores franceses: Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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O homem seria integralmente tributário no processo educativo a que se submetera. A educação adquire, sob tal enfoque, perspectiva totalizadora e profética, na medida em que, através dela, poderiam ocorrer as necessárias reformas sociais perante o signo do homem pedagogicamente reformado.

Estas considerações apontam para a necessidade de formação do homem novo através do processo de escolarização via instituição pública específica. Homem este que pudesse adquirir uma perspectiva homogênea de valores e de aceitação das reformas sociais e políticas que estavam acontecendo no Brasil e no mundo no percurso do século XIX haja vistas as exigências da época: a construção e consolidação de uma sociedade nova. Neste sentido, a produção historiográfica revela que existiram propostas de mudanças na organização, na estrutura física e pedagógica da educação escolar pública nas diversas províncias brasileiras. As mudanças foram iniciadas com a Lei Geral do Ensino datada de outubro de 1827 e com o Ato Adicional de 1834. É interessante recordar que a necessidade de organização na instrução pública para a população, possivelmente tenha tomado impulso através das seguintes investidas: Projeto de Paulino José Soares de Souza (1870), o de Antônio Cândido Cunha Leitão (1873), o de João Alfredo Corrêa de Oliveira (1874), o decreto de n° 7.247 de Leôncio de Carvalho (1879), os pareceres/ projeto de Rui Barbosa (1882-1883), o projeto de Almeida de Oliveira (1882), e o de Barão de Mamoré (1886) (MACHADO, 2011, p. 92). Em síntese a ordem do momento conjuntural, de um modo geral pode ser traduzida da seguinte forma: para civilizar é preciso educar o povo, para educar o povo é necessária uma escola moderna com uma nova estrutura pedagógica. Em um contexto de precariedade social e econômica, a instrução pública primária da Parahyba do Norte, passava por dificuldades e situações de todas as ordens, causando assim, nos grupos políticos e intelectuais a necessidade de organizá-la de forma que esta contribuísse na formação do novo tipo homem: amante da pátria, respeitoso, honrado, obediente e que conseguisse conviver harmoniosamente com as demais pessoas da sociedade. Desse modo possibilitava o alcance da civilidade e progresso social. Ressaltamos ainda que neste momento social, em parte das províncias brasileiras, estava sendo difundidos novos ideais, novos hábitos, novos valores, novas ideias, etc.

[...] o surgimento das cidades como centros ativos de produção econômica recria a escola e sua função. As cidades desde o século XII são também centro de intensa produção cultural. A cidade tem o mercado e a escola. A escola liga-se ao mercado para formar um novo tipo de conhecimento, um novo tipo de pensamento. (LOPES, GALVÃO, 2001, p.71-72)

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Entendemos que a partir desses aspectos conjunturais, a Parahyba do Norte resolveu dar prosseguimento as suas tentativas de forma legal de reorganizar a instrução primária. Em nossa investigação encontramos a Lei de Nº 761 de 7 de dezembro de 1883 que autorizava o Presidente da Província, José Ayres do Nascimento, a realizar uma reforma na instrução pública. Em seu artigo primeiro, preconizou: Fica o Presidente da província autorizado a reformar a instrução pública, primária e secundária sob as seguintes bases. (PINHEIRO; CURY, 2004, p. 57). Com base nas instruções indicadas na referida lei, foi organizado e publicado em 30 de julho de 1884 o Regulamento de Nº 303 reformando a instrução primária e secundária e ao mesmo tempo criando a Escola Normal. Esta última estava destinada a preparação específica de professores para as atividades instrucionais no âmbito da escola primária na perspectiva de melhorar a qualidade deste nível de ensino (ARAUJO, 2010).

EDUCAÇÃO QUE CIVILIZA É A QUE SE ORGANIZA

Sob a perspectiva de dar novos rumos à instrução pública primária com vistas o alcance da civilidade e do progresso social da Parahyba do Norte, no dia 30 de julho de 1884 o presidente provincial José Ayres do Nascimento sancionou o Regulamento Nº 30. Assim, a partir deste instrumento legal, colocaremos em evidência organização do ensino primário conforme sua prescrição.

1 MODALIDADES DO ENSINO PRIMÁRIO.

Diferentemente da Lei nº 178 de 1864, que estabelecia a divisão do ensino primário em duas classes (CURY, PINHEIRO, 2004), o Regulamento 30 de 1884 em seu Art. 12 determinou a divisão desse ensino em quatro classes e nas modalidades mistas e noturnas para atender as necessidades instrucionais da educação da província paraibana. A efetivação da nova divisão do ensino primário se daria em conformidade com a posição geográfica das diversas localidades. Segundo o § 1º, ainda do art. 12, a 1ª classe funcionaria nas escolas públicas da capital da província, enquanto que as de 2ª e 3ª funcionariam em outras cidades de acordo com a classificação que o presidente da província julgasse necessário; podendo ser alterado apenas através de dispositivos

3. Esse documento foi encontrado no Arquivo Histórico da Fundação Espaço Cultural – FUNESC e foi transcrito pelos componentes do Grupo de Estudos e Pesquisas História da Educação no Nordeste oitocentista – GHENO/UFPB.

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regidos pela lei. A denominada 3ª classe, em princípio deveria funcionar também nas vilas, assim como a 4ª, como determinado nos § 3º e 4º do mesmo artigo, conforme a classificação já referida anteriormente.

Art. 12 As escolas do ensino médio primário serão divididas em 1º, 2º, 3º e 4º classe. § 1º Serão da 1º classe as escolas da capital. § 2º De 2º ou 3º classe as das outras cidades, conforme a classificação que for feita pelo prezidente da província e que só poderia ser alterada por disposição legislativa. § 3º De 3º ou 4º classe as das vilas, segundo classificação feita nos termos do § antecedente. § 4º de 4º classe, mantidos, porém, os actuaes professores nas respectivas cadeiras. (Regulamento de Nº 30, de 1884) 4

Quanto às escolas noturnas, é interessante deixar registrado que a organização e efetivação prática das mesmas estavam na dependência do julgamento do presidente provincial. Não observamos na legislação em pauta nenhuma normatização quanto a sua criação. Na verdade, ficou explicitado no artigo 14 do Regulamento Nº 30 reproduzido abaixo, que as mesmas seriam organizadas, formalizadas, caso o presidente julgasse necessário.

Art. 14º Poderá o prezidente da província, quando julgar conveniente, crear no termo da capital e em outras quasquer da província, escolas nocturnas. § Único- Estas escolas serão regidas, mediante uma gratificação razoável, por algum dos professores públicos da localidade designado pelo prezidente da província sob indicação da directoria geral da instrução.

Cogitamos que as de 3ª e 4ª classe estariam destinadas as cidades de pequeno porte do ponto de vista econômico. Essa forma de organização nos remete a uma análise realizada em outro momento investigativo, no qual foi evidenciado que a instrução primária paraibana tanto em termos da expansão de escolas quanto da organização dos conteúdos a serem transmitidos, esteva distribuída conforme a importância social e econômica da localidade geográfica. Assim, as luzes da civilidade para a formação do

4. As citações apresentadas ao longo do texto estão em conformidade com a transcrição original do documento pesquisado, o Regulamento de Nº 30 de 1884.

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homem novo foram distribuídas desigualmente (ARAÚJO, 2010, p. 125-126). Observamos na fala do então presidente paraibano empossado em 1885, Antonio Herculano de Souza Bandeira, que a divisão do ensino primário em quatro classes, de fato não havia sido efetivada conforme determinado no Regulamento de Nº 30 de 1884. Assim se expressou:

Não ha escolas primarias do 2º grão ; [...]. Todas as escolas primarias são do 1º grão, e mesmo nellas deixam de ser ensinadas muitas materias indicadas pelo respectivo programa, como na maior parte succede, por falta de habilitação do professor. (PARAHYBA DO NORTE, Falla, 1886, p. 24)

Ainda encontramos informações na fala do mencionado presidente, que a prática da divisão das escolas conforme a situação geográfica e com base na economia local, não era especificidade da Parahyba do Norte, e sim, comum e disseminada em diversos países onde à educação pública era considerada avançada.

Nos paizes, onde a instrucção pública está desenvolvida de modo amplo, as escolas primarias são divididas em duas categorias, às quaes pois a se dar as denominações de escolas do 1º e do segundo grão. Nas primeiras, são ensinadas as noções rudimentares, chamadas primeiras letras; nas segundas, o ensino é mais extenso. Estas são situadas nas cidades ou nos grandes povoados, onde a expansão da vida faz progredir as industrias e exige maiores habilitações em grande numero de indivíduos. Aquellas, nos pequenos povoados ou nos districtos ruraes, onde a mesquinha população não comporta avultadas despezas, e a media das habilitações communs basta para a actividade local. (PARAHYBA DO NORTE, Falla, 1886, p. 24).

Portanto, de acordo com informações destacadas acima, o Brasil, mas precisamente a Parahyba do Norte não estava em condições de realizar, de efetivar a organização da instrução primária conforme estabelecida no Regulamento de Nº 30 de forma ampla e satisfatória. Nos relatórios dos gestores públicos existem fortes evidências de que as escolas de 2ª, 3ª e 4ª classes não foram efetivadas de fato, apenas a de 1ª. Ressaltamos que esta última funcionava precariamente devido à falta de professores preparados para o ensino de determinadas matérias, além de outros problemas tanto de ordem física quanto material que vinha impossibilitando o funcionamento satisfatório do ensino primário conforme prescrito e idealizado pelos gestores e lideranças políticas locais.

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Quanto ao ingresso nas escolas primárias, foram estabelecidas as seguintes exigências: Art. 7º A matricula será gratuita e feita pelo professor no livro competente contendo o dia, mês e anno em que tiver logar, o nome, idade, naturalidade e filiação do matriculado. Art. 8º Para admissão à matricula e freqüência das escolas publicas exige-se: ser livre, maior de 6 e menor de 15 annos, mas sendo, porém, admisiveis nas escolas mistas alumnos de sexo masculino maiores de 12 annos; estar vacinado; não soffrer moléstia contagioza, e que tudo deverá constar d’uma guia passada pelo pai, tutor ou protector do matriculando, na qual se declarará também a naturalidade e filiação deste.

Como podemos observar, a matrícula dos ingressantes era de responsabilidade única dos professores. Quanto a questão do ser livre que aparece no Artigo 8º, sugere que os filhos dos escravos, através da Lei do Ventre Livre datada de 1871, teriam acesso a escolarização primária. Deste modo, dado a falta de documentos, evidências históricas, será que o processo de civilidade via escola abarcava todas as crianças em idade escolar, conforme previsto no Regulamento de Nº 30? E os filhos dos escravos, tiveram acesso à escola primária?

2 ESTRUTURA PEDAGÓGICA

Para a realização da instrução primária a partir da nova perspectiva normatizada no Regulamento de Nº 30 de 1884, foi estabelecido o seguinte programa de ensino vislumbrando a formação do homem na perspectiva da civilidade e progresso social:

Art. 1º O ensino primário constará das seguintes matérias: Leitura e a escripta Elementos da gramática portuguesa Princípios de arithmetica, compreendendo .....legal de pezos e medidas Noções de historia e geographia do Brazil Noções de historia sagrada Trabalho de agulha e prendas domésticas nas escolas do sexo feminino.

No que se refere à organização das aulas, estas foram divididas em dois turnos:

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diurno e noturno. Para as escolas noturnas não foi estabelecido horário de funcionamento, apenas a exigência com relação a idade, ou seja, para o ingresso nessas escolas, o aluno deveria ter no mínimo 15 anos. Enquanto para as escolas diurnas, denominadas de mistas, o regulamento determinou dois horários e/ou seções de funcionamento conforme o sexo: das 09:00 às 14:00 para os meninos e das 08:00 às 15:00 especificamente para meninas. Certamente esta divisão tenha se pautado nos princípios e valores morais que dinamizavam a sociedade paraibana de época. Art. 2° O ensino será dado em um secção diaria das 9 horas da manhã às 2 da tarde; nas escolas mistas, porém, haverá duas secções: das 8 às 3 da tarde, para meninas. (Regulamento de Nº 30, de 1884). Com relação ao funcionamento das escolas primárias de caráter misto, observamos um dado que merece ser registrado. Vejamos, para os meninos foi estabelecido um tempo escolar de cinco horas diárias, enquanto para as meninas, sete horas. O que justificaria esta diferença no tempo escolar diário? Considerando o programa de ensino que foi prescrito, cogitamos que a matéria intitulada Trabalho de agulha e prendas domésticas destinada exclusivamente para as meninas, ocuparia às duas horas diárias. Prosseguindo nosso estudo no Regulamento 30 que reorganizou, além de outros níveis de ensino a escola primária da Parahyba do Norte, nos chamou atenção também o artigo que tratou das penalidades dos alunos.

Art. 9º Os alumnos estão sujeitos unicamente as seguintes penas: 1º Reprehensão não injurioza. 2º Tarefa de trabalho escolar n’aula fora das horas lectivas. 3º Privação de logares de distinção, e em geral tudo o que produza vexame moral, sem abater o brio. 4º Communicação circunstanciada das faltas commethidas e das penas que houverem soffrido, aos Paes, tutores ou protectores. 5º Excluzão §1º A ultima dessas penas será imposta pelo director qual, sob reprezentação do professor com informação do commissario ou do conselho parchial respectivas e por tempo que ao mesmo director parecer conveniente, e somente terá logar quando, esgotados todos outros meios de repressão, o lumno se mostra incorrigível, e sua prezença na escola for uma cauza de desordem. §2º Dessa pena não haverá recurso.

Como já visto, a escola primária tinha que ser reestruturada também pedagogicamente para cumprir com o seu papel de difusora de novos valores, novos princípios e comportamentos para a formação do homem novo que a sociedade paraibana de época necessitava. Assim, os gestores públicos creditaram nas penalidades expressas no Artigo Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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9º, como caminhos, possibilidades de alcance da propalada civilidade e progresso social da Província. A escola passa a ser vista como um dos instrumentos de viabilização dos ideais da modernidade, especificamente da formação do homem novo (BOTO, 1996).

3 PAPEL DOS PROFESSORES

No novo processo de organização do ensino primário, aos professores públicos foram delegadas várias responsabilidades de modo que a instrução fosse realizada satisfatoriamente. Todavia, analisando o artigo abaixo reproduzido, podemos observar que não foi previsto nenhum método de ensino ou ação pedagógica dita “moderna” para o avanço e melhoria da qualidade da instrução propriamente dita. As responsabilidades que foram estabelecidas revela um caráter mais administrativo do que pedagógico do trabalho docente. É bastante significativo a sua reprodução na íntegra

Art. 38 Aos professores além das demais das demais obrigações constantes do prezente Regulamento, imcumbe: § 1º Aprezenta-se com pontualidade e decentimento vistido n’aula ahi conservar-se durante todo o tempo da lição, e proceder nos exercícios escolares nos termos do programa e regimento respectivos. § 2º Manter n’aula silencio, respeito e conveniente disciplina. § 3º Não se ocupar durante as horas do ensino de objeto estranho ao alumno. § 4º Aplicar aos alumnos as penas constantes dos números 1 à 4 do art. 9º § 5º Tomar em cadernetas ou livros adaptados, notas relativas não só as faltas de prezença, de licções, e de sabbatinas, com os procedimentos e moralidade dos alumnos. § 6º Leccionar pelos compêndios e livros competentes entre os approvados. § 7º Inspirar e desenvolver nos alumnos o amor e a applicação no estudo, esforçar-se pelo adiantamento delles e incutir-lhes pela palavra e pelo exemplo o sentimento do bem e da virtude. § 8º Esgotar os meios decizorios antes da applicação das penas disciplinares, e usar destas com moderação e critério. § 9º Participar a autoridade proposta ao ensino da localidade, o começo do exercício de sua formações, assim como, no cazo exceder o prazo das licenças que lhe forem concedidas, a razão justificativa do excesso. § 10º Proceder a mesma autoridade o inventário do material escolar quando: 1º Assumir o exercício da cadeira 2º Nome da (...) 3º Lhe for novamente favorecido

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§ 11º Concervar o material escolar que lhe for confiado e por elle responder. § 12º Participar a autoridade proposta ao ensino da localidade, qualquer impedimento, que o inniba de funccionar no mesmo dia em que elle se der, § 13º Distribuir trimensalmente aos Paes, tutores ou protectores dos alumnos, boletins de freqüência, aproveitamento e conduct destes; fornecendo, para isso, a directoria geral da instrução publica os preciso exemplares impressos. § 14º Remeter trimensalmente à diretoria geral, por intermédio dos comissários, até cinco dias depois de findo o trimestre, o mappa do movimento escolar observando para isso o modelo annexo. § 15º O 1º trimestre contar-se-há de 16 de janeiro à 31 de março. § 16º Concervar a caza da escola sempre limpa e asseada e provel-a do mais a que é destinada a justa respectiva da tabella junta.5

Em síntese, é possível observar que as responsabilidades estabelecidas para os professores primários, ultrapassavam o seu papel de docente numa destinada a escolarização, às atividades instrucionais. As funções “subjacentes” ao exercício da docência conforme o artigo acima reproduzido, nos leva a pensar nas aventuras de um (a) professor (a) dentro de uma escola pública paraibana no século XIX, tendo que se desdobrar eficazmente para executar diversas funções em favor de uma educação que deveria proporcionar a civilidade e o progresso social. Desta forma, descaracterizava o papel pedagógico do professor no cotidiano da sala de aula, fato ainda presente nos dias atuais.

4. A NECESSIDADE DOS EXAMES

No Regulamento de Nº 30 de 1884, dispomos ainda de informações sobre o processo de avaliação de aprendizagem dos alunos das escolas públicas primárias da Parahyba do Norte. Esta se daria a través da aplicação de exames pontuais certamente para medir e controlar os conhecimentos adquiridos que foram oportunamente transmitidos pelos professores responsáveis por cada escola nas diversas localidades da província. Seria necessária a aplicação de exames pontuais para extrair do mesmo o quanto ele conseguiu absorver dos assuntos que foram transmitidos para seu armazenamento intelectual. Somente através dos bons resultados obtidos é que seria possível a saída exitosa do aluno da escola. Na mesma proporção, ao professor caberia também o recebimento de honrarias

5. Esta reprodução está conforme o documento transcrito utilizado neste trabalho.

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como premio e reconhecimento dos seus serviços instrucionais referentes a formação de alunos de acordo com as exigências da sociedade paraibana. Vejamos como a legislação em destaque normatizou a aplicação dos exames através dos artigos reproduzidos a seguir:

Art. 83 Os professores das cadeiras de 1ª classe iniciarão ao diretor geral, até 15 de novembro de cada anno, e daz demais cadeiras as autoridades prepostas ao ensino nas localidades, dentro dos 3 últimos dias do mez, listas dos alumno no cazo de serem submetidos a exame. Art. 84 Os exames terão logar de 1 a 7do mês de dezembro de cada anno nas mesmas cazas em que funcionarem as escolas, e serão prezididos, na capital, pelo diretor geral ou pessoa habilitada por e lhe designado, e nas outras localidades pela autoridade perposta ao ensino. Art 85 O prezidente do acto nomeará uma comissão de duas pessoas entendidos para o exame dos alumno contemplados na lista de que trata o artigo 83. Art. 86 Findo os exames, lavrar-se-há uma acta em que se declarará quais os alumno julgados forem aptos para deixar a escola; dentre estes as merecerem louvor pelas pessoas exibirem, assim como os professores que se tornarem dignos de menção. Art. 87 O prezidente do acto remetherá ao director geral a acta de que trata o artigo antecedente, sendo os exames fora da capital, e nisto quando não for por ele prezidido. Art. 88 Será no primeiro anno censurado por portaria do director geral o professor que não aprezentar a lista de que trata o art. 83 e em cazo de reincidência a censura será publicada na folha official.

Os artigos descritos nos revelam alguns passos para a execução dos exames inerentes ao ensino primário. O passo inicial refere-se ao envio das listas dos alunos que estariam em condições de realizar os exames. As referidas listas deveriam ser organizadas por cada professor responsável por uma unidade escolar e enviadas a uma autoridade local e ao Diretor Geral da Instrução Pública. Os referidos exames deveriam acontecer entre os dias 1 e 7 de Dezembro e, obrigatoriamente, realizados no mesmo espaço escolar onde foram ministradas as aulas durante o ano letivo e mediante uma comissão designada pela autoridade local ou pelo Diretor Geral da Instrução. Por fim, o presidente da comissão deveria registrar todo o processo em ata e enviaria ao responsável maior por aquela Diretoria. Apesar da obrigatoriedade de exames para validar, conferir a aprovação dos alunos no ensino primário, os critérios e a forma como estes deveriam ser realizados, não foram estabelecidos no Regulamento de Nº 30. 64

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Regulamento de Nº 30, publicado em 30 de julho de 1884, foi um esforço do poder público em dar um novo formato a instrução primária na Parahyba do Norte. Este esforço legal teve suas origens no debate de base iluminista que defendia a educação escolarizada enquanto instrumento que oportunizaria a formação do homem novo – novos hábitos, novos valores, novas posturas – frente a nova sociedade que ia se configurando sob os auspícios da modernidade. Assim sendo, a estrutura organizacional referente ao ensino primário estabelecida pelo Regulamento de Nº 30 de 1884, tinha como meta primordial a construção do homem novo que a sociedade paraibana necessitava para o seu desenvolvimento social no processo de consolidação do Estado nação brasileiro. Na verdade, o ideal a ser alcançado através da instrução era a civilidade e progresso social da província. Sabendo da existência do Regulamento de Nº 36 publicado em 1886 – no início da gestão de Antonio Herculano Bandeira Filho – que tratou de reformular especificamente o ensino primário, este nível de ensino normatizado pelo Regulamento 30 de 1884, teve vida efêmera. Tendo em vista o contexto da época, possivelmente a nova organização estabelecida para a instrução primária, esteve atrelada aos interesses políticos adversos da época. Uma dado que se observa na dinâmica social brasileira em sua historicidade é que a cada nova gestão pública empossada, novas medidas são tomadas em detrimentos das ações já existentes. Portanto, conforme Pinheiro (2002) na Parahyba do Norte,

foram os condicionantes políticos, muito mais que os econômicos, que influenciaram o processo de organização da instrução pública. Essa influência política se manifestou tanto pela ação de agentes da sociedade civil, por meio de suas “representações”, como, e principalmente, pela ação dos agentes integrantes da sociedade política organizada – os coronéis – com suas práticas clientelistas individuais. (p. 63, grifos do autor).

Finalmente, entendemos que o Regulamento de Nº 30 de 1884, objeto desse estudo, expressa de certo modo que os gestores públicos paraibanos tinham o anseio de legalizar e normatizar a instrução pública primária com vistas o alcance do proclamado ideal da civilidade e progresso social da Província paraibana. Acreditamos que a reestruturação, a reorganização do ensino primário tenha sido utilizada como estratégia política para a manutenção do poder local em consonância com o poder central. Desse modo, podemos indicar que escola primária paraibana de época foi organizada para atender os interesses e necessidades de uma estrutura social vigente, apesar dos princípios ditos Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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modernos impressos nos discursos dos gestores públicos locais. Olhando a nossa realidade contemporânea, especificamente os discursos e falas de políticos e intelectuais, é possível perceber que a educação escolar nos seus diversos níveis ainda é vista e difundida como meio de civilidade e progresso social. A questão que se coloca é: a educação escolarizada que temos hoje é capaz de nos manter no caminho da civilidade e do progresso social?

REFERÊNCIAS

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da provincia, o dr. João Capistrano Bandeira de Mello, na abertura da sessão ordinaria em 5 de maio de 1854. Parahyba, Typ. de José Rodrigues da Costa, 1854. Disponível em http://www.crl.edu/content/brazil/pari.htm. Acesso em 06/03/2012. ______. Falla com que o exm. sr. dr. Antonio Herculano de Souza Bandeira, presidente da provincia, abrio a primeira sessão da 26.a legislatura da Assembléa Provincial da Parahyba em 1 de agosto de 1886. Parahyba do Norte, Typ. Liberal, 1886. Disponível em: http://www.crl.edu/content/brazil/pari.htm. Acesso em 17/04/2014. PINHEIRO, Antonio Carlos F. Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba. Campinas, SP: Autores Associados, SP: Universidade de São Francisco, 2002. PINHEIRO, Antonio Carlos F.; FERRONATO Cristiano. Temas sobre a instrução no Brasil Imperial (1822-1889). João Pessoa: Editora Universitária/UFPB 2008. PINHEIRO, Antonio Carlos F.; CURY, Claudia Engler (Orgs). Leis e Regulamentos da Instrução da Paraíba no Período Imperial. Brasília: INEP, 2004. Disponível em http://www. inep.gov.br/estatisticas/cdeb_2004/PB.pdf. Acesso em 09/04/2007. THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Tradução Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

LEGISLAÇÃO

Regulamento da Instrução Pública Nº. 30 de 30 de julho de 1884. Caixa 65-B, 1883. Arquivo Público Waldemar Bispo Duarte situado na Fundação Espaço Cultural – FUNESC.

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Marcelo Sitcovsky Santos Pereira1

Elementos para pensar as crises no capitalismo contemporâneo RESUMO O presente artigo recupera, a partir do debate com alguns autores da tradição marxista, os elementos para analisar as crise no capitalismo contemporâneo. Nossa análise apresenta as mediações econômicas, políticas e sociais do movimento do capital, considerando as crises como elemento intrínseco ao modo de produção capitalista. De posse destes elementos apresentamos as condições históricas do último período de crise e os mecanismos acionados como tentativa de saída da crise. Por fim, apresentamos apontamentos para análise da crise capitalista no Brasil após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, particularmente as medidas adotadas pelo governo Temer, que se revelam como uma agenda restritivas de direitos e resultado do processo de apropriação privada do fundo público. Palavras-chave: Marxismo. Crise. Capitalismo contemporâneo. Financeirização. Fundo público.

ABSTRACT The present article retrieves, from the debate with some authors of the Marxist tradition, the elements to analyze the crisis in contemporary capitalism. Our analysis presents the economic, political and social mediations of the capital movement, considering crises as an intrinsic element to the capitalist mode of production. With these elements we present the historical conditions of the last period of crisis and the mechanisms triggered as an attempt to exit the crisis. Finally, we present notes to analyze the capitalist

1. Professor Adjunto no Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco.Pesquisador do Grupo de Pesquisas sobre o Trabalho. E-mail: sitcovsky@yahoo.com

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crisis in Brazil after the impeachment of President Dilma Rousseff, particularly the measures adopted by the Temer government, which are revealed as a restrictive agenda of rights and result of the process of private appropriation of the public fund. Key words: Marxism. Crisis. Contemporary capitalism. Financeirização. Public fund.

O mundo contemporâneo tem passado por imensas transformações que vão desde o processo produtivo até as formas de reprodução da sociedade capitalista. Desde o final da década de 60 do século 20, que o mundo capitalista revela indícios de um verdadeiro esgotamento de seu padrão de acumulação, mas este esgotamento é apenas a expressão fenomênica da crise, a qual tem sido desencadeada nas últimas décadas, configurando o que Mészáros chama de um continnum, com desdobramentos globais e societais, fala-se mesmo, numa crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2009). Inicialmente, cabe recuperar a tese marxiana de que o modo de produção de mercadorias, baseado na exploração do trabalho e na apropriação do excedente econômico por uma classe – a burguesia – é permeado, inexoravelmente, por crises cíclicas. No movimento de produção e reprodução social, o capital engendra contradições no processo de criação e realização do valor – portanto, fazem parte da dinâmica capitalista enfrentar, de tempos e tempos, suas próprias crises. Evidentemente, as crises econômicas não são privilégio do modo de produção capitalista; e a análise das sociedades pré-capitalistas revela que disfunções na produção promoveram miséria e empobrecimento. Importa destacar que as crises econômicas nas sociedades que antecederam o capitalismo estavam associadas a dois fatores, quais sejam, destruição dos meios de produção e/ou dos produtores diretos – o resultado é uma situação generalizada de carência. O sentido das crises na ordem do capital é diametralmente oposto, pois o que as particularizam é a superprodução de valores de uso. A diminuição da força de trabalho, resultado de guerras ou de epidemias, determina a redução na produção de valores de uso, de forma análoga um desastre natural pode ocasionar, dependendo de suas proporções, uma queda repentina na produção. Porém, as crises capitalistas não resultam da ausência, ou mesmo, insuficiência das condições materiais de produção, ao contrário é a redução da produção – estratégia para conter o excesso de mercadorias que encontram dificuldade de realização – que produzirá a economia de força de trabalho, incrementando desta forma o desemprego. Existem múltiplos elementos que determinam as crises no modo de produção de mercadorias, em se tratando de uma crise de superprodução, isso significa concreConceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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tamente: a existência de valores de uso que não encontram consumidores aptos a pagar o seu valor de troca. Ou seja, a crise de superprodução consiste numa dificuldade de realização das mercadorias. Neste sentido, a mais-valia, extraída na produção, fonte da acumulação capitalista não se realiza, portanto, o dinheiro adiantado pelo capitalista e investido na produção de mercadorias não retorna acrescido de mais dinheiro – a acumulação não pode prosseguir. Explicam Salama e Valier:

A crise é assim a expressão do caráter particularmente contraditório assumido pela acumulação do capital. Contraditório porque os interesses do capitalista entram em freqüente oposição, mais ou menos aguda, com seus interesses enquanto integrante da classe capitalista. Vejamos um exemplo: se o capitalista A vê cair sua taxa de lucro, ele pode inicialmente dispensar trabalhadores e aumentar a intensidade do trabalho, esperando assim diminuir os custos e reencontrar suas margens de ganho. Mas, se muitos capitalistas fizerem o mesmo – e o capitalista A não pode impedi-los de fazê-lo –, a meta buscada não é alcançada. Longe de se restabelecer, a taxa de lucro cai e a crise se generaliza. O capitalista A obtém o inverso do que busca, precisamente porque não domina as leis do mercado e essas se voltam contra ele. A criação do desemprego, resultante da sua ação e daquela de seus imitadores, não permite – embora diminua provisoriamente seus custos – que as mercadorias sejam vendidas pelo seu valor. A mais-valia não se realiza ou não realiza integralmente. O crescimento do desemprego significa menos dispêndio de salários e, portanto, menos possibilidades de escoar as mercadorias. A forma dinheiro é insuficiente em relação à forma mercadoria, impedindo que essa seja escoada pelo seu valor (1975, p. 115).

Para Mandel (1990), o descompasso entre oferta e procura constitui o mecanismo que produz a baixa dos preços das mercadorias – impõe os novos valores que resultam da ampliação da produtividade – provocando uma elevada perda dos lucros e uma excessiva desvalorização de capitais para os capitalistas. Alguns analistas ressaltam que as crises possuem múltiplas causas e função, elas são o resultado da dinâmica contraditória do capitalismo. Netto e Braz (2006) sinalizam que, a anarquia da produção, a queda da taxa de lucro e o subconsumo das massas trabalhadoras são as causas mais determinantes das crises. Explicam os autores,

[...] o conjunto da produção de todos os capitalistas escapa a qualquer controle racional; [...] assim, o mercado é inundado por mercadorias cuja destinação é incerta, uma vez que a sua produção é comandada 70

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exclusivamente por cada capitalista, tendo em vista apenas a obtenção do lucro. [...] na medida em que cada capitalista procura maximizar seus lucros, a taxa de lucro tende a cair. A concorrência obriga cada capitalista a tomar uma decisão (a de incorporar inovações que reduzam o tempo de trabalho necessário à produção da sua mercadoria) [...] ao cabo de algum tempo imitada pelos outros, tem como resultado uma queda da taxa de lucro para todos os capitalistas. [...] Enquanto os capitalistas inundam o mercado com suas mercadorias, a capacidade de consumir dos contingentes trabalhadores permanece limitada; esse descompasso entre a magnitude da produção de mercadorias e a possibilidade de sua realização deve-se ao fato de as massas trabalhadoras não disporem de meios para comprá-las. (2006, p. 160-161).

É preciso recordar que a dinâmica capitalista é permeada por ciclos de estagnação e expansão. O marxista belga Ernest Mandel em suas análises do capitalismo tardio nos oferece elementos para explicitar, do ponto de vista histórico, o comportamento destes ciclos. Esse movimento que combina expansão e estagnação possui, segundo Mandel (1982), múltiplas determinações. Afirma o autor: A contribuição específica de nossa própria análise para uma solução do problema das “ondas longas” consistiu em relacionar as diversas combinações de fatores que podem influenciar a taxa de lucros (tais como uma queda radical no custo de matérias-primas; uma súbita expansão do mercado mundial ou de novos campos para investimento pelo capital; um rápido declínio na taxa de mais-valia; guerras e revoluções) na lógica interna do processo de acumulação e valorização do capital a longo prazo, baseado em jatos de renovação radical ou reprodução da tecnologia produtiva fundamental. Tais movimentos são explicados pela lógica interna do processo de acumulação e da própria auto-expansão do capital. (1982, p. 101)

Concretamente, a análise de Mandel permite reconstruir os nexos causais das “ondas longas” na medida em que apresenta os elementos detonadores dos processos de estagnação e expansão ao longo da história do capital. De acordo com o autor de O capitalismo tardio, “[...] uma combinação diferente de fatores desencadeantes foi responsável pelos aumentos sucessivos e repentinos na taxa média de lucros após 1848, após 1893 e após 1940 (para os Estados Unidos) e 1948 (Europa ocidental e Japão)” (1982, p. 101). Recordemos que as crises são funcionais ao capital, pois constituem os mecanismos mediante os quais o capitalismo restaura, sempre em níveis mais complexos e instáveis, as contradições necessárias à sua continuidade, de modo que “[...] das crises Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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capitalistas só resulta o próprio capitalismo” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 163). Ou ainda, é através das crises que se realiza a queda tendencial da taxa de lucro, elas [as crises], ao mesmo tempo, constituem a reação do sistema [capitalista] contra essa queda. (SALAMA; VALIER, 1975, p. 121). Neste sentido, cabe explicitar quais as particularidades do atual estágio de desenvolvimento capitalista e os elementos que determinam a atual crise do capital.

FINANCERIZAÇÃO E CRISE DO CAPITAL

A análise das tendências da atual crise capitalista depende do entendimento a respeito das suas causas, extensão, dimensão, natureza e medidas de contenção. A atual crise tem causas estruturais, é de caráter mundial e de natureza sistêmica. Mas para compreender suas múltiplas dimensões é preciso problematizar as particularidades do capitalismo contemporâneo. François Chesnais oferece importantes considerações para problematizar a atual fase do capitalismo mundial. Em “A mundialização do capital” Chesnais (1996), nos permite a reconstrução intelectiva dos processos de mundialização financeira, decifrando a trama construída pelo capital como tentativa de restauração dos patamares de expansão, que possibilitem a recomposição da taxa de lucro. A hipertrofia da esfera financeira, as fusões (concentração de capital), a polarização (com a formação de “blocos”), a abertura dos mercados nacionais, os fluxos de capital, somados a outros elementos, que não cabem nos limites desta tese, conformam a complexa análise que Chesnais nos oferece para compreender a dinâmica capitalista contemporânea. A esse respeito é pertinente, no entanto, um pequeno parêntese para tratar da mundialização financeira, pois, neste aspecto em especial, muitos equívocos têm sido cometidos. Chesnais é contundente ao afirmar que uma parte elevadíssima das transações financeiras encontra-se num circuito fechado formado pelas relações financeiras especializadas. Mas é o próprio Chesnais quem adverte para o fato de existirem fortes vínculos de alcance econômico e social, entre as esferas da produção, circulação e a das finanças. “A esfera financeira nutre-se da riqueza criada pelo investimento e mobilização de uma força de trabalho de múltiplas qualificações” (1996, p. 246). Complementa Chesnais, hoje uma parte elevada dessa riqueza é captada e transferida para a esfera financeira, possibilitando processos de valorização que, em boa parte, são fictícios2. As conexões orgânicas das esferas da produção, da circulação e das finanças não são possíveis de serem apreendidas nos limites da aparência do fenômeno e acabam por

2. O capital que rende juros, afirma Chesnais na esteira de Marx, representa a forma mais alienada, mais feitichizada da relação capitalista.

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serem subtraídas das apreciações dos economistas de plantão. As análises econômicas, na maioria dos casos, realizam uma mistificação ideológica, que consiste numa cisão entre a aparência e a essência da dinâmica econômica. Fala-se, mesmo, numa crise financeira desconectada da crise básica de superprodução. Na maioria das vezes, a crise financeira paira no ar, descolada do espaço econômico e social (CARVALHO, 2003). Argumenta Carvalho:

A crise geral é duplamente mistificada: uma vez, ao ser compreendida e explicada como tendo um caráter puramente financeiro – podendo, portanto, ser supostamente resolvida mediante medidas de caráter meramente administrativo nas esferas financeira, fiscal, cambial, tributária, etc; outra vez, ao se ocultar o fato de que a financeirização da economia, seguida de toda ordem de problemas daí resultantes, não é mais do que reflexo da impossibilidade da volta do capital-dinheiro, nas condições de uma crise de superprodução, ao circuito produtivo depois de ter rotado no percurso do processo de circulação do capital – capital-dinheiro este que, não voltando, total ou parcialmente, ao processo de valorização do valor, vai abrigar-se no mundo do capital fictício, agora hiper-potenciado (2003, p. 56).

Para Carvalho (2003), a crise de superprodução dos anos 70 e a crise financeira formam um todo orgânico que desemboca numa crise sistêmica, universal e estrutural. A crise de superprodução, explicitada já por Marx em O Capital, sobre a qual, sumariamente poderíamos afirmar: trata-se de uma situação em que há um volume significativo de excesso de capital na economia, o qual não pode ser investido à taxa média de lucro normalmente esperada pelos donos do capital. Esta, por sua vez, é resultado da elevação da composição orgânica do capital, mediante a adoção de novas tecnologias no âmbito da produção. Acrescentemos a este quadro o esgotamento da ação das contra-tendências3, pela combinação da luta de classes e pelo processo de concentração e distribuição do produto social: temos, então, a precipitação da taxa de lucro para baixo, desencadeando uma crise de superacumulação. Atingida tal situação, diz Carvalho, “a massa de mais-trabalho, agora na forma de capital-dinheiro, que não pode ser convertida em capital produtivo (o único que cria valor e a valorização do valor), migra para a especulação – que vai dar numa crise financeira” (Ibid., p. 40).

3. Carvalho cita dois exemplos de ações de contra-tendência, divididos em dois tipos: “os mais clássicos (como o rebaixamento dos custos dos elementos do capital constante e dos salários)” e o que ele chama de “mais recentes (como os inusitados socorros políticos dos Estados às referidas economias com ondas sucessivas de incentivos e subsídios, doações e transferências, a vários títulos, de recursos e elementos de infra-estrutura a grupos capitalistas, a ‘flexibilização das relações de trabalho’, etc.)” (2003, p. 44).

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A resposta do capital desencadeou um processo de reorganização no âmbito da produção e de seu sistema ideológico, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo – com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas e o desmantelamento do setor produtivo estatal –, do qual a Era Thatcher-Reagan foi a expressão mais contundente. A isso se seguiu, também, um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho com vistas a dotar o capital do instrumento necessário para tentar recompor os patamares de expansão anteriores. A acumulação do capital enfrentou, nos anos 60 e começo dos anos 70, uma questão decisiva – havia escassez de força de trabalho, na Europa e nos EUA, e os trabalhadores estavam bem organizados. Harvey (2009) aponta que, a questão central era como o capital ter acesso a força de trabalho mais barata e mais dócil? Haviam várias respostas, uma delas foi estimular a imigração; outra foi investir em tecnologias para aumentar a composição orgânica do capital; outra possibilidade foi “quebrar” o movimento organizado dos trabalhadores; e finalmente, o capital se desloca para onde há força de trabalho excedente e, portanto, mais barata. Harvey (2009) nos remonta ao colapso da União Soviética e as transformações na China para afirmar que, estes processos permitiram o ingresso de dois bilhões de proletários, num espaço de tempo muito pequeno de 20 anos. Neste sentido, os problemas de escassez de trabalho foram superados, mas o próprio Harvey aponta que, quando há força de trabalho abundante, os salários tendem a baixar e, desta forma, os mercados passam por dificuldades. Ou seja, há diminuição do consumo de bens e serviços, portanto, dificuldades na realização das mercadorias, ou nos termos clássicos, de realização da mais-valia. Considerando que nos finais dos anos 60 e início dos anos 70 do séc. XX o capitalismo estava às portas de uma crise de superprodução, dois processos se desenvolveram como parte de um mesmo movimento que está na base da financeirização. O primeiro, responde pelo crescimento da diferença entre o poder de compra dos salários e o padrão de consumo dos trabalhadores. Neste caso, a solução foi oferecida pela “indústria” dos cartões de créditos e pelas instituições financeiras, em especial, o financiamento através de hipotecas. O segundo, em razão da enorme concentração de riqueza, desde 1980, houve uma corrida por ativos financeiros, ou seja, cresceram os investimentos nas bolsas de valores. Conforme assevera Harvey (2009), a hipertrofia financeira está relacionada com a dificuldade de absorção do excedente capitalista. A fórmula encontrada para absorver o excedente de capital tem sido cada vez mais problemática. O capitalismo enfrenta sérias limitações ambientais, assim como limitações de mercado e de rentabilidade. O giro no sentido da financeirização foi uma tentativa forçada pela necessidade de lidar com um problema de capital excedente, o qual não encontrava lugar para se valorizar. A questão central, afirma Harvey, é que este problema não pode ser enfrentado sem se 74

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expor a desvalorizações periódicas. A crise contemporânea possui particularidades históricas que a distingue das crises cíclicas anteriores, fazendo com que Mészáros (2002) a considere como estrutural. De acordo com o referido autor, esta se manifesta em quatro aspectos principais. Ao invés de restrita a uma esfera particular – financeira, comercial ou um ramo particular da produção – possui caráter universal. Seu alcance é de fato global - diferentemente das principais crises no passado, desta vez a crise capitalista não está restrita a um determinado conjunto de países. Difere das crises anteriores, pois, ao contrário de limitada e cíclica, é extensa, contínua e, como afirma Mészáros, permanente. Por último, o autor de Para além do capital afirma que o modo da crise se desdobrar poderia ser chamado de rastejante–pois os contornos mais dramáticos desta ainda não são conhecidos, ou melhor, não entraram em cena. O capital, afirma o filósofo húngaro, colocou toda sua complexa maquinaria na tentativa de administração da crise e no deslocamento mais ou menos temporário das suas crescentes contradições. Ao tempo que este esforço se esgota e perde energia, estará aberta a possibilidade em escala mundial do surgimento das mais variadas formas de contradições sociais, como em momentos de colapsos e convulsões anteriores. Certamente, a crise estrutural não se origina por si só em alguma região misteriosa, reside dentro e emana de três dimensões internas: produção, consumo e circulação. “Não obstante, as disfunções de cada uma, consideradas separadamente, devem ser distinguidas da crise fundamental do todo, que consiste no bloqueio sistemático das partes constituintes vitais” (MÉSZÁROS, 2002, p. 798-799). Todo este complexo gera desdobramentos políticos, econômicos e sociais, que colocam em xeque o complexo social em todas as suas relações. Realmente, a crise estrutural do capital se revela como uma legítima crise de dominação em geral (MÉSZÁROS, 2002). A crise estrutural do capital, desde julho-agosto de 2007 para cá, vem apresentando mais uma de suas facetas. Independente de como vem sendo nomeada – crise do subprime, crise especulativa, crise de confiança, crise bancária, crise global, crise financeira etc. – a crise do capital encontra-se no centro das análises. Diferentemente dos analistas de The Economist e Financial Times e de quaisquer outros apologistas de Wall Street, Mészáros afirma que: A imensa expansão especulativa do aventureirismo financeiro – sobretudo nas últimas três ou quatro décadas – é naturalmente inseparável do aprofundamento da crise dos ramos produtivos da indústria, assim como das resultantes perturbações que surgem com a absolutamente letárgica acumulação de capital (na verdade, acumulação fracassada) no campo produtivo da atividade econômica. Agora, inevitavelmente, também no domínio da produção industrial a crise está ficando muito pior. (2009, p. 25) Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Como resultado o que temos é o crescimento do desemprego se espraiando, numa escala assustadora por todas as latitudes, acompanhado do aumento da miséria humana. E complementa Mészáros, “Esperar uma solução feliz para esses problemas vinda das operações de resgate do Estado capitalista seria uma grande ilusão” (2009, p. 25). A Organização Internacional do Trabalho – OIT, em seu informe anual “Global employment trends: January 20104” afirmou que, o número de desempregados no mundo atingiu 212 milhões de pessoas em 2009, o que representa uma taxa de desemprego global de 6,6%5. Recordemos que no ano de 2008, apenas na Espanha foram três mil novos desempregados por dia em setembro, acrescente a está maré de desemprego, 140 mil nos últimos três meses de 2009 no Reino Unido e na França, apenas no mês de agosto do mesmo ano o desemprego atingiu 40 mil trabalhadores. O alerta da OIT (2010) que previu demissões em massa diante da desaceleração das principais economias do mundo adverte a classe dominante mundial para um incremento de mais de 216 milhões de novos miseráveis. Dos 633 milhões de trabalhadores pobres que ganham menos de US$ 1,25 ao dia passamos para 849 milhões, entre o início de 2008 e o fim de 2009. O contingente de trabalhadores que ganham até US$ 2 ao dia, foi ampliado em mais 183 milhões de pessoas, chegando a atingir 1,3 bilhões de pessoas. No total as estatísticas da OIT dão conta de mais de 1,4 bilhões de pessoas abaixo dessas duas faixas de renda6. Nos últimos anos, a produção de mercadorias sofreu profundas transformações, mas nada que alterasse a lógica da acumulação capitalista, subordinando a produção às necessidades de valorização do capital. No bojo destas transformações, podemos sinalizar a (des)verticalização das unidades produtivas, a desnacionalização, a reestruturação produtiva, mas o que nos interessa recuperar é a nova divisão internacional do trabalho. Referimos-nos aos novos espaços da produção capitalista, mais especificamente, ao lugar dos países asiáticos na produção de valor. Para Chesnais (2009), Estados Unidos e China são os protagonistas principais, da crise iniciada em meados de 2007. O autor de A mundialização do capital argumenta que a erosão da hegemonia econômica e financeira dos Estados Unidos se traduz pela queda regular do dólar desde 2003, mas o enfraquecimento dos EUA não é em comparação com a Europa, mas sim em relação à Ásia, mais especificamente em relação à China. Complementa Chesnais (2009), desde julho-agosto de 2007 são eles de novo o epicentro de uma gigantesca crise financeira “sistemática” mundial, cujo elemento crítico foi e continua sendo seu sistema bancário. A brutalidade da propagação mundial da crise em

4.Tendências Mundiais do Emprego: Janeiro 2010. 5. As projeções da OIT para 2010 indicam um crescimento no desemprego global que deverá atingir 7%, sendo os países da Europa e os EUA os mais afetados (OIT, 2010). 6. Dados extraídos da página 55, tabelas A12a e A12b, do documento da OIT, Global employment trends: January 2010 / International Labour Office. Geneva: ILO, 2010. Disponível em: <http://www.ilo.org> Acessado em: 21 de abril de 2010.

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sua dupla dimensão financeira e de superprodução resulta precisamente do fato de que sua sede são os Estados Unidos. O papel da Ásia e particularmente da China, segundo Chesnais, deve-se a dois processos: [...] em primeiro lugar, a transferência por grandes grupos norte-americanos do setor manufatureiro e da grande distribuição em direção à Ásia e à China, em particular, de uma parte da base industrial dos Estados Unidos. Em segundo, a concentração das despesas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em um pequeno número de setores, com uma perda da proeminência frente à Alemanha e ao Japão. (CHESNAIS, 2009, p.26) A Ásia oriental serve hoje de celeiro da produção de mercadorias mundial, o deslocamento das multinacionais norte-americanas em direção à China não se restringiu à produção de bens pouco sofisticados, pois foi na China que a partir de 2000, a Microsoft abriu seus novos centros de desenvolvimento tecnológicos (CHESNAIS, 2009). Neste sentido, o lugar da China na acumulação mundial supõe a criação de um novo sistema monetário, no qual o Renminbi/Yuan – a moeda chinesa – adquira uma posição central. Os analistas afirmam que as relações de dependência da economia dos EUA perante a China são muito profundas. Conforme atesta Peter Gowan (2009), o papel da China e de outros países exportadores da Ásia vão além dos respectivos grandes superávits de exportações de bens de consumo aos EUA. “[...] Esses superávits eram reciclados para o sistema financeiro norte-americano por meio da aquisição de ativos financeiros locais, barateando o custo do endividamento por meio de maciça expansão da ‘liquidez’” (GOWAN, 2009, p. 47). Peter Gowan (2009) defende que a existência de um novo sistema em Wall Street foi o responsável por redirecionar o capitalismo norte-americano, possibilitando assegurar um crescimento alimentado por dívidas. Neste sentido, explica Gowan, “[...] o “novo sistema de Wall Street” alimentou diretamente o surto econômico liderado pelos consumidores em 1995-2008, o qual assegurou que os Estados Unidos continuariam a ser o principal impulsionador da economia mundial” (Idem, p. 46) Porém, o referido surto econômico não passou de uma enorme falácia, pois era alimentado por um endividamento insustentável, como comprovam os acontecimentos com as grandes instituições financeiras com a crise de 2007. O resultado foi que a dívida agregada dos EUA em relação ao seu PIB subiu de 163% em 1980 para os atuais 346% em 2007. Segundo Gowan (2009), há dois setores responsáveis por essa elevação: a dívida interna do sistema financeiro e as dívidas das famílias. “[...] A dívida das famílias subiu de 50% em 1980 para 100% do PIB em 2007. Mas o crescimento realmente expressivo ocorreu dentro do próprio setor financeiro: de 21% em 1980 para 116% em 2007” (Idem, p. 47). Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Os efeitos das crises no países periféricos são devastadores, considerando não somente o crescimento de desemprego e da miséria. Cabe ressaltar que o receituário que rapidamente é colocado em prática, como justificativa para saída da crise, combina ajustes econômicos e adoção de reformas nas políticas sociais, que implicam na retirada de direitos duramente conquistados. O atual estágio de desenvolvimento capitalista envolve cada vez mais a participação do Estado como instrumento que garanta às condições de produção e reprodução do capital. Nos últimos anos, tem sido frequente o socorro dos Estados às empresas capitalistas, com políticas de incentivo e ou mesmo de aporte de recursos para salvar empresas em crise. Na recente crise, o Federal Reserve – FED (Banco Central Norte-americano) injetou bilhões de dólares nas empresas em dificuldades e ou em falência. Todavia, o principal mecanismo utilizado neste momento tem sido a disputa pela apropriação do fundo público.

CRISE E FUNDO PÚBLICO: APONTAMENTOS SOBRE O BRASIL DE MICHEL TEMER

O caso do Brasil, agravado pela crise política que possibilitou o golpe jurídico parlamentar que retirou presidente Dilma Rousseff7, nos permite ilustrar bem como, em tempos de crise, as classes dominantes articulam políticas restritivas que incidem sob os direitos da classe trabalhadora, como resultado da disputa pela apropriação do fundo público. O governo Temer não tem medido esforços nas medidas e propostas contra os direitos da classe trabalhadora, sempre sob a justificativa de que a crise exigem o esforço da população. Desde que assumiu a função de Presidente da República, Temer tem sistematicamente introduzido portarias, decretos e propostas de lei e de emenda à Constituição que atacam os direitos e as liberdades. A tese do golpe institucional arquitetado no seio do governo de colaboração de classe e que contou com a coparticipação dos poderes judiciário e legislativo é hoje algo incontestável. Os meandros da engenharia golpista estão sendo revelados aos poucos e as razões do golpe estão cada dia mais evidentes: retirar direitos da classe trabalhadora e ampliar a apropriação do fundo público pelo capital financeiro.

7. As classes dominantes que patrocinaram o golpe que retirou Dilma Rousseff da Presidência da República, contaram com a colaboração de expressivos setores dos poderes judiciário e legislativo, assim como da grande mídia do país. Os conspiradores tratam de revestir o golpe com aspectos de legalidade, quando a todo custo iniciaram e concluíram o processo de impeachment.

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Em tempos de crise capitalista, a tendência em todas as latitudes do globo tem sido a de investidas contra os direitos do trabalho e a ampliação do processo de apropriação do fundo público por parte do capital rentista. Em todo o mundo a hegemonia do capital financeiro tem produzido efeitos devastadores nas políticas sociais e nos direitos. O Estado nesta quadra histórica de crise tem assumido cada vez mais a função histórica de comitê executivo dos negócios da burguesia. Em 13 de dezembro de 2016, a aprovação da PEC 55 (Teto) decretou um dos maiores ataques aos direitos sociais da história do país, caçando o futuro de gerações da classe trabalhadora de ter acesso a serviços públicos. O Estado brasileiro ao aprovar a PEC do Teto dos gastos, congelando por 20 anos os investimentos nas despesas primárias deixou de fora as despesas do Estado com juros e serviços da dívida pública. Tal medida condenará gerações de trabalhadores que não serão mais atendidos ou serão atendidos de forma ainda mais precária nos serviços públicos. A adoção desta agenda regressiva atende única e exclusivamente às necessidades do mercado financeiro e, consequentemente, de um punhado de famílias que se beneficiará do esquema de apropriação privada do fundo público. Com a PEC do Teto o Estado brasileiro não irá economizar ou diminuir seus gastos, mas sim ampliar a fatia de recursos públicos que passará a ser destinada às despesas financeiras de pagamento da dívida pública. Ou seja, em tempos de crise capitalista, o Estado brasileiro sob argumentos falaciosos de que irá economizar pratica uma política de redução de investimentos nas políticas sociais, o que colocará em risco o atendimento de milhares de famílias do país. Nunca é demasiado lembrar que do orçamento federal brasileiro mais de 42%, tomando com referência o ano de 2015, foram gastos com amortização e juros da dívida pública, o que engorda as riquezas de um segmento muito seleto de pessoas no Brasil e, fundamentalmente, fora do país. Concretamente, trata-se da sangria do orçamento que deveria ser investido em políticas sociais de mais de R$ 1 trilhão, o que expressa o processo a apropriação privada do fundo público. O anúncio de medidas de ajustes nas contas do Estado brasileiro expressa mesmo de uma espécie de Cruzada contra os gastos excessivos e irresponsáveis dos governos federal, estaduais e municipais. A tese defendida pelo governo federal é de que o Estado gasta mais do arrecada. Entre os principais vilões, segundo especialistas de plantão sempre preocupados com o nervosismo dos mercados, estão as despesas com funcionalismo (salários e direitos previdenciários), políticas sociais com pouca eficiência e atividades não exclusivas (empresas estatais pouco produtivas ou em crise em razão da corrupção). Trata-se mesmo da disseminação de uma cultura de crise defendida por especialistas, a maioria deles vinculados a instituições financeiras ou consultores de agências de risco, que ao se espraiar na sociedade pode justificar a adoção de medidas de ajustes que atacam direitos históricos duramente conquistados. Não é a primeira vez que esses Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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argumentos se fazem presentes na conjuntura política do país. O funcionalismo público já foi outrora acusado de privilegiado, aposentados chamados de vagabundos, políticas sociais transformadas em prateleiras de mercado e empresas estatais leiloadas, depois de serem modernizadas mediante vultuosos investimentos para modernização das mesmas: eis o saldo da Era FHC. Neste momento, a cultura de crise está acompanhada por um caldo cultural moralista, que no fundo não tem nenhum compromisso com o combate a corrupção no país, basta observar quem são os paladinos da moral pública - corruptos e corruptores de longas datas e alguns com fichas criminais de dezenas de páginas. As empresas estatais estão sob fogo cruzado, de um lado investigadas em razão das denúncias de corrupção, e por outro lado, sofrendo investidas dirigidas por senhores da República que desejam entregá-las nas mãos do mercado internacional, os melhores exemplos certamente são o caso da Petrobras, do Pré-Sal e a internacionalização de terras para o agronegócio. Há uma onda privatizante que adquiriu maior força no cenário brasileiro após o processo de impeachment da presidente Dilma Roussef. Temer desde sua posse vem deixando bastante claro o seu projeto político privatista, criou o PPI (Programa de Parcerias de Investimento) para concessões e privatizações de áreas estratégicas. Mas a sanha privatizante não se restringe as empresas estatais e a setores estratégicos como portos, aeroportos e a exploração de recursos naturais. No campo da políticas sociais merece destaque as ações nas áreas da saúde e educação, que passam desde a nomeação de renomados empresários para cargos estratégicos nos postos ministeriais, além da transferência para o Ministério da Fazenda da parte financeira da previdência social. No conjunto dos servidores públicos há aqueles considerados os grandes responsáveis pelos gastos abusivos do governo federal, são os funcionários do poder executivo. A racionalidade empresarial sempre é acionada como aquela que poderá redimir os funcionários públicos de suas práticas ineficientes e ineficazes, pois sustentam os especialistas, que a relação custo X benefício necessita ser revista para que o Estado brasileiro se modernize. A solução apresentada são as modernas formas de contratação: terceirização, Organizações Sociais e ou fundações de direito privado. Mas isso é insuficiente, afirmam os defensores da política de ajuste fiscal no Brasil, pois há uma grande vilã dos gastos públicos: a perdulária Previdência Social. Desde o final de 2016 que a tese da crise previdenciária ocupa lugar de destaque e é sempre acompanhada de propostas que se adotadas representarão a redenção do Estado, pois salvará o Estado brasileiro da bancarrota. A economista e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Denise Lobato Gentil, em 2006 ao analisar a política fiscal entre os anos de 1990 e 2005 já denunciava a farsa da crise da Seguridade Social brasileira. De acordo com Denise Gentil, o cálculo do déficit previdenciário não está correto, porque não se baseia naquilo que a Constituição Federal 1988 estabelece como arcabouço jurídico do sistema de Seguridade Social. O cálculo do governo é falso, 80

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trata-se de uma fraude contábil, pois transforma em déficit aquilo que é o superávit do sistema previdenciário, que em 2006 atingiu a cifra de 1,2 bilhões. O caso da Seguridade Social é ainda mais grave, pois o superávit naquele ano foi significativamente maior: 72,2 bilhões. A Desvinculação de Receitas da União – DRU, mecanismo criado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, é responsável pelo desvio de vultuosos recursos do orçamento da Seguridade Social, que deveriam ser investidos nas políticas públicas de saúde, assistência e previdência social. A operação contábil que tenta justificar a tese da crise da previdência ignora este importante elemento. E o governo Temer pretende, como apresentado na PEC 287, realizar uma nova reforma da previdência, que entre outras coisas propõe a alteração da idade mínima para aposentadoria. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, expressa nitidamente as determinações do processo de financeirização do capital ao promover por um lado a ampliação da fatia do fundo público que será destinado ao pagamento da dívida pública e, por outro lado, por ampliar e potencializar o mercado de planos de previdência privados. Cabe recordar que um dos elementos da crise capitalista contemporânea é a supercapitalização, capital excedente que precisa encontrar outros espaços para se valorizar. Os mecanismos acionados como tentativa de saída da crise capitalista, que se arrasta desde os anos 70 do séc. XX, tem penalizado o conjunto da classe trabalhadora, o que fica claro ao analisar as investidas do capital contra os direitos e as políticas sociais. Neste momento de crise, fica evidenciado que há uma relação direta entre financeirização do capital, apropriação do fundo público e mercantilização de políticas sociais.

REFERÊNCIAS

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Edson Leite Ribeiro 1 Gabriella Chaves Ribeiro 2

A epidemia da violência na mobilidade urbana no Brasil: os casos dos motociclistas em João Pessoa e Campina Grande - PB RESUMO O artigo avalia a epidemia da violência na mobilidade no Brasil e o recente agravamento da sua letalidade com o aumento da frota e do uso da motocicleta. Nesse cenário, destaca também a análise do caso das cidades de João Pessoa e Campina Grande – Estado da Paraíba, no contexto regional e nacional, bem como, diante dos resultados, busca soluções interdisciplinares multifacetadas e adequadas para a fase preventiva e para a fase do atendimento ao acidentado. Palavras-chave: Mobilidade urbana; Violência no Trânsito; Segurança no trânsito; Modalidade motocicleta

ABSTRACT This article assesses mobility violence epidemic in Brazil and the recent raise of death tolls, caused by the fact that people are using more motorcycles. In this scenario, the article also highlights the case of João Pessoa and Campina Grande cities, both located in Paraíba state, in a national and regional context. Based on the results, the article aims to offer adequate, multifaceted and interdisciplinary solutions to urban mobility and structure, not only considering the conceptual aspect, but also in the precautionary and post-accident assistance stages. Key words: Urban mobility. Traffic violence. Mobility policies.Traffic safeness. Motorcycle modality. 1. Arquiteto, Doutor em Engenharia Urbana – Professor Aposentado – Departamento de Arquitetura – CT/ UFPB 2. Enfermeira, Especialista em Enfermagem do Trabalho

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1 INTRODUÇÃO Entre as causa-mortis mais significativas no Brasil, as causas-externas representam uma das mais importantes, ultrapassada atualmente apenas pelas doenças vasculares e respiratórias. Entre as classificadas como causas externas, temos a violência no trânsito como uma das mais importantes, superada apenas pela violência social, notadamente pelos homicídios. Na violência na mobilidade e transporte, os indicadores mostram claramente que os modos motorizados individuais de deslocamento contribuem muito mais para índices tão alarmantes, uma vez que sua disseminação quantitativa multiplicou os riscos. Inicialmente eram os automóveis os mais fatais e ainda representam o mais importante elemento agressivo no trânsito.. Em fases mais recentes, têm-se verificado um fenômeno de aumento significativo da frota de motocicletas e motonetas. Embora ainda representem a segunda causa de mortes entre os modos de transporte, a relação entre a frota atual e a sua letalidade tem sido bem mais intensa. Além disso, o número de mutilados e tornados incapacitados por acidentes de motocicletas é muito mais significativo que nos demais modos de transporte. Ainda que possamos considerar que um pequeno percentual da população opte pela motocicleta, apenas pelo fascínio pessoal por tal veículo, alguns fatores recentes a) O aumento significativo dos serviços que se utilizam da motocicleta, motivado por mudanças globais no sistema produtivo (just-in-time), na terceirização dos serviços nas empresas e, também devido à necessidade de se produzir o acesso físico-material de bens e serviços, de forma complementar às novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), leva ao uso da motocicleta, pela sua rapidez e baixo custo operacional, nos serviços de entrega-rápida. No caso específico de cidades do interior do nordeste, tem-se popularizado também o uso do serviço de “moto-taxi”.

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b) O aumento significativo do uso da motocicleta e motonetas nos deslocamentos urbanos, em função das poucas alternativas devido à atual baixa qualidade e flexibilidade tarifária e operacional do transporte público coletivo e também em função dos congestionamentos.

3. Conforme a Classificação Brasileira de Ocupações, registro nº 5191-10 (Motociclistas e ciclistas de entregas rápidas), os chamados “motoboys”, são os que coletam e entregam documentos, valores, mercadorias e encomendas. Realizam serviços de pagamento, recebimento e cobrança, entregas e coletas. Localizam e conferem destinatários e endereços, emitem e coletam recibos do material transportado e entregue. Preenchem protocolos, conduzem e consertam veículos e, não raras vezes, têm que socorrer colegas de trabalho, vítimas da violência do trânsito, uma vez que esta representa uma das atividades com maior risco e frequência de acidentes (Ministério do Trabalho e Emprego, 2006).. A velocidade exigida, não visualizada no registro da profissão é, entretanto, visualizada nas ruas, nos conflitos de trânsito e nos próprios depoimentos dos motoboys, que veem, na velocidade da entrega, o próprio “sentido do seu trabalho”. Os entregadores motociclistas assumem o dever de suprir a limitação dos atuais acessos permitidos pelas novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), que facilitam o acesso virtual de dados, informações e comunicações, mas não permitem o acesso físico. Tanto empregadores como clientes geram pressão sobre esses trabalhadores que, visando uma melhor produtividade exigem rapidez para cumprimento de metas, favorecendo os acidentes.

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No setor brasileiro de serviços, uma das profissões que mais tem se ampliado é a dos motociclistas profissionais de serviços e entregas rápidas (conhecidos como motoboys) devido a crescente busca por serviços com necessidades simultâneas de melhorar a instantaneidade, praticidade e baixo custo; em decorrência dos novos ritmos temporais e das grandes distâncias impostas pelo crescimento dos centros urbanos. (Silva; et al., 2007). c) Em municípios interioranos, com extensas áreas rurais, muitas vezes as motocicletas substituem os semoventes nos deslocamentos vicinais. 1.1 O AUMENTO DA FROTA E USO DA MOTOCICLETA NOS DESLOCAMENTOS, PARTICULARMENTE NOS DESLOCAMENTOS URBANOS. Além do caso específico do prestador de serviços de entrega rápida, outras formas de trabalho produtivo foram introduzidas pelas próprias alterações na divisão social do trabalho. O aumento da prestação de serviços técnicos especializados ou não, de forma terceirizada e contratada em detrimento do vínculo formal de emprego foi uma tendência verificada, também no sentido global. Esse fato introduz no funcionamento da cidade e da mobilidade intraurbana, necessidades de deslocamentos que vão além dos movimentos pendulares. Além disso, demandariam novas possibilidades modais e tarifárias, no sistema público e coletivo de transportes, hoje indisponíveis, para poder atender o grande espectro de necessidades específicas de deslocamentos. No caso brasileiro especificamente, o erro histórico na política urbana e de mobilidade, de apoiar os modos motorizados individuais (carro e motos) alimentou tal tendência. Tal escolha histórica permitiu e até mesmo estimulou a dispersão urbana, aumentando as distâncias internas entre as habitações e os locais de trabalho, estudo, comércio e lazer, aumentando também os tempos de viagem, inviabilizando o transporte coletivo de qualidade a custos adequados em função da baixa densidade das periferias, bem como tornando gradativamente inviável os deslocamentos não motorizados. Com tal política urbana, a qualidade e o custo do transporte público tornaram pouco viável seu uso para um segmento considerável da comunidade, forçando a busca de “soluções” alternativas de mobilidade, geralmente compreendida como passível de ser atendida pelas motocicletas, apesar de seus altos riscos. Sua agilidade no uso urbano, seu baixo consumo de combustível e sua versatilidade têm-na colocado como a preferência entre os entregadores rápidos e os que executam serviços terceirizados e em domicílio. No caso dos que a utilizam predominantemente para o movimento pendular, dois fatores foram determinantes no crescimento da frota: os intensos congestionamentos e as distâncias ampliadas pela Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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dispersão urbana. Essa tendência e preferência são perfeitamente verificadas no sensível aumento da frota de motocicletas e motonetas. Verificar o quadro e gráfico indicado a seguir.

Quadro 01 – Evolução da Frota veicular no Brasil, por tipo (1998-2015).

Fonte: DENATRAN (2016)

Também em João Pessoa – PB e Campina Grande – PB o quadro é bastante semelhante. Em João Pessoa se observou um crescimento vertiginoso e constante da frota dos veículos individuais motorizados, chegando em 2015 a 87.231 motocicletas e 5101 motonetas, em 2015, estes últimos chegando a 27,4% de toda a frota veicular, com um aumento de 93,21% da frota específica . No mesmo ano (2015) os ônibus chegaram a representar em 2015 apenas 0,70% da frota total. Ver figura 01, indicada a seguir. Figura 01 - Evolução da frota automotiva em João Pessoa – PB - 2009 -2015

Fonte: DETRAN – PB

No caso de Campina Grande – PB, a frota de automóveis cresceu 55,61%, enquanto a frota de motos e motonetas cresceram 57,34% e chegaram a representar 41,77% da frota total. Os ônibus, no mesmo período cresceram 25,11%, mas 86

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chegaram a representar apenas 0,52% da frota total, em 2015.

Figura 02 - Evolução da frota automotiva em Campina Grande – PB 2009 -2015

Fonte: DETRAN – PB

Resumidamente, conforme um grande número de pesquisas sobre o assunto, conclui-se que atualmente, no Brasil, bem como nas cidades objeto desse estudo, o conjunto de fatores abaixo descritos são os mais determinantes para explicar o aumento recente da frota e do uso da motocicleta no contexto urbano: a) Aumento da terceirização e pulverização de atividades e aumento da demanda sobre entregas físicas, complementares aos acessos eletrônicos, polarizando grande número de trabalhadores nessa área; b) Congestionamentos e baixa velocidade média de trânsito nos períodos de pico;

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c) Distâncias intraurbanas ampliadas pela dispersão urbana, aumentando os custos e dificultando a operação do sistema coletivo; d) Elevados custos dos deslocamentos (e estacionamento) no deslocamento por automóveis e a baixa qualidade do transporte coletivo, especialmente nas periferias dispersas; e) Falta de opções e flexibilidade operacional e tarifária nos sistemas para as pessoas que têm que se deslocar além do ritmo pendular, como prestadores de ser-

4. Neste aspecto, considera-se o suposto “direito” da motocicleta andar sobre a linha divisória das faixas, o que é incorreto, da mesma forma que os demais veículos, as motocicletas devem caminhar nas faixas.

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viços e representantes comerciais e, ainda as que se deslocam de forma transversal às linhas de transporte coletivo. f) No caso específico de Campina Grande – PB, bem como várias outras cidades do interior do Nordeste do Brasil, com muita população rural, o uso da motocicleta como taxi é bastante comum.

2.

A EPIDEMIA DA VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO NO BRASIL

Se o Brasil (e o mundo) historicamente conseguiu reduzir significativamente a mortalidade através de outras causas, tais como a diarreia e as doenças infecciosas, através do saneamento, educação ambiental, higiene pessoal e das terapias antibióticas, algumas outras doenças assumiram posições muito importantes entre as causasmortis, a maioria delas ligadas ao estilo de vida adotado e às condições ambientais: Doenças vasculares e diabetes ligadas ao estresse, sedentarismo e hábitos alimentares; Doenças respiratórias e pulmonares, ligadas à questão ambiental e hábitos como o tabagismo; Causas externas, especialmente a violência social e do trânsito e as neoplasias, também muito associadas ao estresse e às questões ambientais. Entre essas novas causas, a violência, particularmente a violência social e no trânsito, representam percentuais altos de causa de mortes no Brasil. Entre os jovens, essa categoria representa a principal causa mortes. A violência no trânsito, em 2001 chegou a representar a 9ª principal causa de óbitos e em 2011, atingiu a 8ª principal causa de óbito, com 46.311 vítimas. Se considerarmos junto com a violência social (50.306 vítimas/ano), as causas externas representariam a 3ª mais importante causa de mortes (96.617 vítimas/ano), superada apenas pelas doenças vasculares e respiratórias. No mundo, no ano 2011, a mortalidade no trânsito ultrapassou 1.300.000 vítimas, ou seja, maior que muitas guerras, a cada ano. Nesse contexto, o Brasil é o 5º. País com maior violência do trânsito (com base em dados DATASUS) e o 2º.país mais violento da América Latina. Se analisarmos o fenômeno da violência no trânsito, no Brasil e no mundo, poderíamos até considerar que chega a se assemelhar a uma “carnificina calculada”, agravada por atingir especialmente os mais jovens (faixa entre 15 e 29 anos).

2.2 A evolução do número de mortes na mobilidade urbana no Brasil1980 a 2011 O número de mortes no trânsito do Brasil tem uma tendência ascendente 88

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quase permanente. As poucas inflexões dizem respeito à adoção de medidas de segurança, campanhas públicas ou controle, tais como a fiscalização mais efetiva do consumo de álcool entre os motoristas; a campanha e exigência efetiva do cinto de segurança; o controle eletrônico de velocidades (por radares e câmeras); campanhas e ampliações do número de faixas de segurança, etc. Mas, em função do aumento da frota; de alguns incentivos à aquisição do automóvel (facilidades de financiamento e redução de impostos) e, ainda do não acompanhamento dos investimentos infraestruturais necessários em segurança, à tendência tem se mostrado cada vez mais grave. Como se observa, a motocicleta representa o veículo de maior risco relativo, demonstrada perfeitamente, seja pela característica operacional do próprio veículo, seja número de feridos gravemente detectado historicamente em pesquisas sobre acidentes, seja ainda pelo índice de fatalidade de cada acidente. Observando-se no quadro no. 02 a seguir, observa-se que a mortalidade entre os motociclistas teve uma progressão particularmente notável desde 1998, quando sua participação relativa entre os mortos era de 17,4 %, até o ano 2012, quando sua participação relativa atingiu 55,5%. Desde 2007, os motociclistas passaram a ser os usuários que mais morrem nos acidentes de trânsito e, desde 2010 as vítimas de acidentes de moto ultrapassam todas as demais modalidades de deslocamentos somadas. Ver figura 01. Quadro 02 - Participação relativa das diferentes modalidades e usuários do sistema de circulação, em relação ao total de vítimas fatais de trânsito – Brasil - (1998 – 2012) (%).

Fonte: SIM/SVS/SUS

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Figura 01- Quadro e gráfico da evolução das mortes no transito por modalidade de deslocamentos – Brasil – 1998 -2012

Fonte: SIM/SVS/SUS

2.3 A violência no trânsito e mobilidade em João Pessoa – PB e Campina Grande – PB No município de João Pessoa, segundo Waiselfilsz (2013), utilizando-se de dados do SIM/SVS/SUS, em 2013 foram registrados 202 óbitos em acidentes de trânsito, dos quais, 79 óbitos de motociclistas. Em números relativos, os óbitos de trânsito chegaram a 26,25 óbitos/100 mil habitantes.5 Destes números, os óbitos de motociclistas representam 39,11%. No município de Campina Grande, no mesmo ano, foram registrados 282 óbitos em acidentes de trânsito, dos quais 90 óbitos de motociclistas, representando, portanto, 31,91% do total. Em uma comparação com a média entre capitais e cidades de porte médio da região nordeste, verificou-se que tais índices estão abaixo das médias entre as mesmas: índice total de 39,47 óbitos/100 mil habitantes e, destes, 40,77% representam a participação dos motociclistas no total de óbitos de trânsito. Tal comparação é ainda menos desfavorável se compararmos com as capitais Aracajú e Teresina, aonde os índices chegaram respectivamente a 48,00 e 56,4 óbitos por 100 mil habitantes, e o percentual desse índice representado pela mortalidade de ciclistas representaram respectivamente, 56,61% e 51,27% (Ver Quadro 03). No entanto, apesar desse resultado

5. Como referência, a OMS/ONU recomenda não se ultrapassar o limiar de 6 óbitos/100 mil habitantes, resultado que praticamente não se observou em nenhuma capital brasileira, ocorrendo apenas em poucas cidades pequenas.

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comparativo, os índices são altos se comparados com o limiar máximo admissível estabelecido pela ONU-OMS, que é de 9 óbitos/100 mil habitantes e inadmissível se compararmos com o princípio da Visão Zero, adotado na União Européia, onde se busca eliminar mortes no trânsito. Quadro 03- Números absolutos e relativos de óbitos em trânsito em capitais e cidades de porte médio na região Nordeste - 2013

Nome do município

UF

População estimada 2013*

Óbitos

Óbitos pedestres

Óbitos motociclista s

Óbitos ciclistas

Óbitos carros

Óbitos ônibus

obitos/100mil hab

MACEIO

AL

996736

212

31 -

48

2-

NATAL

RN

853929

123

19

3

53

5

1

TERESINA

PI

836474

472

61

15

242

32

1

JOAO PESSOA

PB

769604

202

50

4

79

11

CAMPINA GRANDE ARACAJU

PB SE

400002 614577

282 295

57

4 9

90 167

43 -

264

44

7

113

19

Média

3 3

2

Obitos Percentual motociclistas óbitos /100 mil hab motociclistas

21,27 14,40 56,43 26,25

4,82 6,21 28,93 10,27

22,64 43,09 51,27 39,11

70,50 48,00 39,47

22,50 27,17 16,65

31,91 56,61 40,77

Fonte: Waiselfisz (2013)

Contudo, se comparado às capitais de grande porte, segundo Waiselfisz (2013) baseado em dados do SIM/SVS/SUS sobre o ano 2013, seus índices apenas se aproximaram aos de Recife e Fortaleza, ficando os indicadores de violência no trânsito acima das demais capitais metropolitanas brasileiras, cuja média foi de 17,12 óbitos/ 100 mil habitantes (Ver Quadro 04). Uma das prováveis causas da aparente “tropicalização” da mortalidade de motociclistas, (uma vez que os índices do Norte e Nordeste, com exceção de Belém-PA, apresentam-se maiores que a média nacional e as capitais de outras regiões), seria a possível maior resistência ao uso do capacete, em função do calor, ou mesmo, a utilização de roupas mais leves e, portanto, também menos protetoras. Outro aspecto também evidente, particularmente no interior da região Nordeste, de baixa pluviosidade, onde a motocicleta é bastante utilizada também como taxi (moto-taxi) e ainda, substitui os semoventes na área rural, onde é bastante utilizada e cuja infraestrutura é menos adequada a utilização segura e os atendimentos de urgência têm maiores dificuldades de serem prestados. Esses fatos explicam os resultados menos favoráveis nos municípios do interior. Conforme estudo de Waiselfisz (2013), sobre a mortalidade do trânsito nas cidades com mais de 20 mil habitantes, no período entre 2007 e 2011, observa-se que a taxa média de João Pessoa foi de 26,1 óbitos/100 mil habitantes (536º.lugar na violência de trânsito entre os municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes) enquanto a taxa média de Campina Grande – PB chegou a 46,7 óbitos /100 mil habitantes, chegando a ser o 143º.município de maior gravidade (entre os municípios com mais de 20 mil habitantes). Ver quadro 05. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Quadro 04 - Números absolutos e relativos de óbitos em trânsito em capitais de grande porte no Brasil - 2013

Fonte: Waiselfisz (2013)

Quadro 05 - Número de óbitos em transito, nas cidades de João Pessoa e Campina Grande – PB – (2007-2011), taxa de mortalidade específica e posição no ranking nacional.

Fonte: Waiselfisz (2013)

Comparando-se os dados de internações hospitalares por traumatismos em acidentes de trânsito, em João Pessoa e Campina Grande – PB, no ano 2014, observou-se que, na primeira foram atendidos 142 traumatizados por acidentes de trânsito, onde os motociclistas chegaram a 78 internações, representando 54,93 % do total de registros. No entanto, é importante também notar o grande número de pedestres traumatizados (48), representando 33,8% dos casos registrados, lembrando que a maior parte destes, recebeu o trauma através de veículos motorizados individuais (motos e carros).

No caso de Campina Grande, que apresentou 112

registros, verificou-se que os registros de motociclistas traumatizados nesse ano chegaram a 109(cento e nove), representando 97,3% dos registros verificados. Tais resultados demonstram a necessidade de providências urgentes que, além das campanhas, do rigor da legislação, da fiscalização e das aplicações penais, também remetem à intervenções estruturais e infraestruturais urbanas, no sistema de mobilidade (urbano e regional) e no sistema de sinalização. O fato de que os países em desenvolvimento (baixo e médio desenvolvimento) deterem apenas 50% da frota veicular e, ao mesmo tempo, quase 90% da fatalidade nos acidentes

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Quadro 06 – Registros de internações hospitalares por traumatismos em acidentes de trânsito – João Pessoa e Campina Grande - PB (2014)

Fonte: SIH – DATASUS (2014)

de trânsito, pode também indicar uma mudança de postura em relação às políticas urbanas e de mobilidade. Tal comparação é ainda mais desigual se comparamos países onde as cidades mais compactas, o transporte público e as mobilidades “doces” (não motorizadas) são muito mais utilizados.6

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

Diante da gravidade da violência do trânsito no Brasil, bem como nas realidades locais, como as cidades enfocadas, muito tem que ser feito no aspecto preventivo, especialmente porque as tendências estão projetando uma piora sensível, caso nada seja feito, no sentido de revertê-las. Portanto, além da mudança da postura atual para a postura da “Visão Zero”, adotada pela União Européia, onde se parte da inadmissibilidade de operações com mortes previsíveis, algumas ações transformadoras e mitigadoras dos fatores causais são necessárias e urgentes, devendo abranger mudanças particularmente na política urbana e de mobilidade; estrutura, infraestrutura e funcionamento das cidades, bem como medidas preventivas e a melhoria do sistema de atendimento aos acidentados. 3.1– Ações necessárias na Prevenção e Mitigação do problema (Proposições urbanísticas, de gestão da mobilidade e gestão de riscos) a) Controle da dispersão urbana, tornando mais viáveis os sistemas não motorizados e os sistemas coletivos de mobilidade urbana, reduzindo a frota circulante. b) Política urbana que valorize a integração entre os diferentes usos comple-

6. Em dados da OMS e do PNUD, referentes ao ano 2010, os únicos países que apresentavam índices de mortalidade no trânsito abaixo de 5,0 óbitos/100 mil habitantes eram países europeus, com ampla utilização da bicicleta no transporte público. Contrariando alguns censos comuns, onde o uso da bicicleta seria perigoso e apenas adequado em cidades pequenas, entre tais países, existem muitos países bem densos, com grandes e movimentadas cidades e intensa utilização da bicicleta com baixíssimos índices de fatalidade, como a Holanda (índice de 3,8 óbitos/100 mil habitantes).

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mentares do solo urbano e estimule o adensamento, reduzindo a dependência do transporte motorizado e o volume de veículos em circulação; c) Controle social sobre o planejamento urbano e sobre a gestão do transporte público; d) Política de mobilidade urbana mais favorável ao transporte coletivo e às formas não motorizadas de deslocamento; (Aplicação dos princípios do Plano Nacional. de Mobilidade) e) Adoção de infraestruturas adequadas para as mobilidades não motorizadas, tais como calçadas adequadas e seguras com todos os cruzamentos feitos em faixas de segurança em nível com controle semafórico ou prioridade absoluta para o pedestre; f) Ciclovias, ciclofaixas e bicicletários adequados e seguros; g) Vias carroçáveis adequadas e bem sinalizadas; com faixas próprias de transportes coletivo, garantindo a eficiência e a segurança operacional para o mesmo; h) Utilização de dispositivos “traffic calming” em vias urbanas e rígidas limitações de velocidade em áreas urbanas: 20 km/h (áreas próximas à escolas infantis, hospitais especiais e instituições de idosos e deficientes); 30 km/h (áreas próximas à escolas fundamentais e hospitais); 40 km/h (áreas próximas à escolas de ensino médio e áreas de comércio intenso) e o máximo de 50 km/h nas demais áreas; i) Estudo de ocorrências e definições de pontos críticos, com melhorias na sinalização e no sistema operacional, campanhas de conscientização geral e local e estruturação de sistema de atendimento de emergência mais estratégico em relação aos locais; j) Melhor controle e fiscalização de velocidade e melhor policiamento e controle de infrações legais; k) Campanhas permanentes de conscientização e reeducação multitemáticas, l) Inserção e ampliação do ensino de mobilidade segura e responsabilidade na circulação, desde o ensino fundamental e médio. m) Legislação trabalhista que impeça a exploração suicida do motociclista profissional, garantindo tarifa mínima por entrega que os permitam realizar menos viagens por dia para garantir seu sustento e, ao mesmo tempo, exigindo maior responsabilidade dos motociclistas e das empresas de entregas e as que se utilizam de tais serviços, em relação à segurança. 3.2– Melhoria no sistema de socorro e atendimento ao acidentado a) Fortalecimento dos transportes públicos coletivos e não motorizados, uma vez que a carência de uma política mais determinada em favor dos mesmos provoca impacto duplo: além da maior fatalidade do transporte motorizado individual, a sua 94

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operação obstaculiza mais fortemente o acesso ao local da ocorrência, dificultando os casos de necessidade de atendimento de urgência. b) Planejar melhor a distribuição espacial e acessibilidade do socorro, uma vez que no sistema de atendimento, há uma distribuição espacial desigual, mais concentrada nas cidades maiores e menos presente nas cidades menores; c) O serviço de resgate às vítimas de trânsito, prestado e regulamentado pela Corporação de Bombeiros, deveria ter participação maior dos profissionais de saúde nesse processo; d) No sistema de atendimento à saúde, há uma insuficiência na rede assistencial de média complexidade, o que faz sobrecarregar os equipamentos de alta complexidade, com atendimentos de gravidade menor; e) Sobrecarga atual na rede de saúde pública também dificulta o atendimento específico do traumatizado. f) Conscientização e treinamento da população para a prestação de socorros mais imediatos e urgentes, tais como estancamento de hemorragias, imobilizações preventivas, etc, enquanto se aguarda o socorro especializado.

REFERÊNCIAS

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Marlene Helena de Oliveira França 1 Thayanne Guilherme Calixto 2

Naturalização da violência contra mulher: contextualizando condutas do Brasil Colônia

RESUMO O presente trabalho intitulado “Naturalização da violência contra mulher: Contextualizando condutas do Brasil Colônia” tem como objetivo fazer uma abordagem sobre como as relações de poder e dominação masculina que influenciaram no processo de construção da violência direcionado à mulher, esculpidos principalmente, nos discursos de ódio e na culpabilização atribuídos às vítimas dentro de um sistema opressor que se enraizou na sociedade. Para isso, foi feito o levantamento bibliográfico acerca do papel da mulher, especificamente no século XVIII, assim como, “entrevista não estruturada”. A entrevista, feita com 10 estudantes e funcionárias da Universidade Federal da Paraíba, foi composta por questões, em que, privilegiou-se a abordagem qualitativa, em que foram apresentados dois casos de agressão contra a mulher; um deles envolvendo a exposição pessoal da mulher vítima da violência cometida pelo companheiro e o outro, envolveu o assassinato de uma mulher pelo companheiro. Para análise dos dados utilizou-se da análise do discurso de Michel Foucault. Durante as entrevistas, notou-se que, uma grande parcela desconhecia os direitos de proteção da Mulher proporcionado pela Lei Maria da Penha, limitando-se apenas a agressão física, bem como, mostraram, que ainda prevalece um pré-julgamento em torno da construção da imagem feminina, intitulada como “ideal”, “correta”, a qual deve ser seguida, mas que, muitas vezes, não corresponde a imagem que a própria mulher tem de si mesma. Os resultados mostraram que os processos discursivos contribuem na manutenção da naturalização da

1. Profa. Adjunta II do Departamento de Habilitações Pedagógicas do Centro de Educação (UFPB). Membro do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos. Coordenadora do Projeto de Pesquisa (PIBIC), intitulado: Um estudo sobre as mulheres encarceradas no Estado da Paraíba. Consultora do INEP/MEC e Consultora da UNESCO para assuntos penitenciários. marlenecel@hotmail.com; maraufpb2013@gmail.com. 2. Graduanda do 4º período do Curso de Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba. Bolsista do PROBEX (Projeto de Extensão), no projeto Economia Solidária e voluntária do Prolicen, no projeto Pedagogia Griô: práticas educativas interdisciplinares no combate ao preconceito racial. thatygc@hotmail.com.

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violência contra a mulher, visto que, evidenciou-se a reprodução de discursos carregados de valores sobre “o que é ser mulher” na sociedade atual, refletindo padrões criados e fundamentados nas Instituições sociais que tinham como finalidade a marginalização das mulheres. Palavras-chave: Naturalização da violência. Brasil colônia. Mulher. Relações de poder.

ABSTRACT This study aims to take an approach on how power relations and male domination influenced in the construction process of violence towards women, carved mainly in speeches, hate and blame assigned to victims, in an oppressive system that has taken root in society. For this purpose, a literary research about the role of women, especially in the eighteenth century, as well as an “unstructured interview” were conducted. The interview, involving 10 female students and employees at the Federal University of Paraíba, was composed of a set of questions, in which the qualitative approach was favored, addressing two cases of assault against women: one involving personal exposure of a woman victim of violence committed by her mate, and the other involving the murder of a woman by her mate,too. For data analysis we used Michel Foucault’s discourse analysis model. During the interviews, it was observed that a large portion was unaware of Women’s protection rights provided by Maria da Penha’s Law, limited only to physical aggression; it was also shown that a pre-trial around the construction of the female image, as “ideal”, “correct”, still prevails; it must be followed, but it often does not match the image the woman has of herself. The results showed that the discursive processes do contribute in maintaining the naturalization of violence against women, since it became clear the reproduction of speeches laden with values of “what means to be a woman” in modern society, thus reflecting patterns created and based on social institutions that aimed at women’s marginalization. Key words: Naturalization of violence. Brazil colony. Woman. Power relations.

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Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino (BEAVOUIR, 2009, p. 361).

INTRODUÇÃO

No cotidiano e no convívio diário, nós – mulheres – somos bombardeadas com discursos discriminatórios e preconceituosos e, frequentemente temos a nossa imagem exposta em telas de TV associada ao consumo de bebidas alcoólicas, cigarros, compra de automóveis, produtos de beleza, vestuários, estética, entre outros produtos ou serviços, porém, o que mais chama atenção é o fato de que praticamente todas as imagens elas, tem explícita ou não, uma mensagem de apelo sexual, envolvendo também na maioria das propagandas, mulheres lindas, jovens e louras, revelando uma seletividade com base em alguns critérios. Ou seja, nosso corpo é demarcado, com o objetivo principal de atender aos padrões de beleza impostos pela mídia, revistas e catálogos, os quais escancaradamente, enfatizam o envelhecimento como um problema e a busca pela juventude “quase” uma obrigação. Também somos “premiadas” (ou seria bombardeadas?) com milhares de sites, blogs e vídeos, que investem em “dicas” sobre como manter o corpo perfeito e saudável, os cabelos impecáveis e com aspecto natural, ainda que para atingir esses objetivos, seja necessário gastar uma verdadeira fortuna, quantia essa que muitas de nós, não dispomos. Mas, para algumas mulheres, vale a pena pagar esse tipo de investimento e de sacrifícios, ainda mais para àquelas que desejam fazer sucesso, alcançar o “topo da fama” e ser conhecida como uma “personalidade da mídia”. Claro que esse tipo de comportamento, se paga um preço alto e consequências danosas, dentre elas, milhares de mulheres reféns de padrões de beleza imprimidos pelo mercado consumidor e que visam atender, sobretudo, os interesses do capital e as indústrias de cosméticos, que tem conquistado grandes fortunas às “nossas custas”. Nesse sentido, perceber os espaços em que as mulheres ocupam socialmente tornou-se a motivação para realizar um estudo sobre a naturalização da violência contra a mulher, com o mesmo pré-conceito e preconceitos ligados a uma imagem existente séculos atrás. Além disso, pretende-se refletir como essa “imagem” influência ainda hoje nos papéis direcionados às mulheres nos âmbitos social, político e econômico. Face o exposto, ressalta-se que este estudo tem por objetivo propor uma abordagem sobre como as relações de poder e dominação masculina influenciaram no processo 100

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de construção da violência direcionado à mulher, esculpidos principalmente, nos discursos de ódio e na culpabilização atribuídos às vítimas dentro de um sistema opressor que se enraizou na sociedade. Com isso, busca-se promover um diálogo entre a organização familiar no período colonial, especificamente no século XVIII, com a atualidade, refletindo e discutindo sobre a força do patriarcado nas relações sociais. O caminho metodológico escolhido para a construção deste artigo, foi o levantamento bibliográfico, realizado sobretudo, a partir de uma cuidadosa revisão literária nos livros que tratam acerca da História das mulheres no Brasil, História das relações de gênero e Mulheres e desigualdade de gênero. Também foi feito uso de um instrumento de coleta de dados, denominado “entrevista não estruturada”, a qual segundo Prodanov (2013), consiste na autonomia do investigador de ampliar as questões, previamente elaboradas, em razão de serem perguntas abertas. Este recurso metodológico foi composto por questões, em que, privilegiou-se a abordagem qualitativa, em que foram apresentados dois casos de agressão contra a mulher; um deles envolvendo a exposição pessoal da mulher vítima da violência sofrida pelo companheiro e o outro, envolveu o assassinato de uma mulher pelo companheiro. Desta forma, para a análise das falas das entrevistadas, utilizou-se, como técnica principal, a análise de discurso numa perspectiva foucaultiana, que tenta identificar como se (re)produz o discurso historicamente e quais as regras implícitas na construção desse discurso. Após a devida autorização das participantes, as entrevistas com 10 mulheres estudantes e funcionárias da Universidade Federal da Paraíba, foram devidamente gravadas.

OS PRINCIPAIS ACHADOS DA PESQUISA

No processo de análise dos discursos notou-se, quase de forma geral, a falta de conhecimento das entrevistadas acerca dos direitos de proteção às mulheres com base na Lei Maria da Penha, cuja visa amparar as mulheres contra toda e qualquer tentativa de violência física, sexual, psicológica ou mental. Direitos esses, também já consagrados pela Constituição de 88. Diante disso, ficou evidente o pouco ou quase nenhum conhecimento acerca desse documento, vez que, as entrevistadas deixaram transparecer de que o conceito de violência de gênero se limitava apenas à agressão física. O primeiro caso apresentado às entrevistadas dizia respeito ao adultério feminino. Em relação ao mesmo, apesar de apresentar saídas através do “dialogo” - expressão predominante nas falas – e, repudiar a exposição que a mulher retratada no caso, sofreu, ainda assim, mostraram-se presas a concepções do que é aceito socialmente para o homem e para a mulher, chegando a atribuir valores morais construídos no Brasil durante Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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um período de mudanças que oprimiu as mulheres e padronizou um comportamento que passou a ser reproduzido histórico e inconscientemente. No segundo caso, em que retrata o assassinato de uma jovem percebeu-se no posicionamento das entrevistadas, um comportamento “típico” e quase “natural” em culpabilizar a mulher pela prática do crime cometido contra ela. Constatou-se ainda, posicionamentos sustentados em um conceito de moralidade, na qual repudia profissões em que a mulher faz uso do corpo para o seu próprio sustento. Será que é esse discurso preconceituoso, retrógrado e machista que estamos desejando e buscando construir? E do qual muitas mulheres, inclusive, àquelas mais intelectualizadas, tem feito uso? Certamente que não. Na verdade, é esse discurso medíocre, ainda que, usual, que tem dificultado sobremaneira, mudanças mais significativas em relação às mulheres e os espaços e papéis que elas devem (e merecem) ocupar na sociedade. Mas, o que tem sido feito para mudar essa realidade? Como é possível que mulheres que frequentam um ambiente acadêmico, onde prioriza-se o confronto de ideias e de opiniões, onde o contraditório tem vez e voz, onde as mulheres podem assumir uma postura de empoderamento e ressignificar o papel e o lugar que ocupa, ainda tem lugar de destaque? É, pois, em busca dessas respostas que esta proposta de investigação foi construída. Além disso, identificou-se nas falas das entrevistadas, uma ideia de “propriedade e de posse”, sobre quem detém o “mando de campo”, de quem tem o “controle da situação”, que faz com que as pessoas erroneamente, passem a enxergar qual é o padrão de mulher ideal na ótica masculina, logo, aceito pelos homens, em outras palavras, o que se espera numa mulher de respeito? Que qualidades uma mulher precisa ter para obter o devido respeito, dos homens e de outras mulheres? É lamentável ter que concordar, que é com base nesse juízo de valor que nossa sociedade foi construída e que nosso alicerce se firmou. Em outras palavras, o chão em que as mulheres pisam foi construído por uma sociedade machista em que os estereótipos, preconceitos e papéis de subordinação ocupam lugar de destaque. Nesse sentido, para muitas pessoas, a mulher tem que ser recatada, atender ao modelo idealizado e “enquadrado” pelos homens, visando preservar os bons costumes e os valores morais.

AMÉLIA, AMÉLIAS...

Para assegurar a adoção de valores, regras morais e costumes, segundo Soihet (1997), a medicina social assegurará como características naturais femininas o recato, a fragilidade, a delicadeza, a afetividade, o instinto maternal e a subordinação sexual. As atribuições à figura masculina partiam dos princípios morais destinados as mulheres. Para o homem eram reservados, o predomínio da força física, autoridade, 102

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liderança e instinto sexual desenfreado. Os homens pobres fugiam à regra como responsável pelo sustento da família, não ocupavam status de caráter dominante tão pouco assumiam papéis de poder na esfera pública, mas, para que o homem se mantivesse em lugar de dominação, foi assegurado ao homem da camada popular o poder privado – casa e família prevalecendo-se este modelo até a década de 90. Sabendo que as mulheres pobres possuíam características próprias, havia muito preconceito e discriminação ligados à sua imagem, o que acentuava ainda mais, o nível de violência. Esses papéis eram contestados nas classes populares em que mulheres chefiavam famílias, embora os valores moldados para a família burguesa refletissem também na conduta empreendidas por essas mulheres. Assim, os adjetivos designados à figura feminina estavam longe de compor um “modelo ideal”, tampouco davam conta das especificidades e do conjunto de elementos que traduz o termo “mulher”. No que se refere aos aspectos da submissão da sexualidade e do prazer feminino, de acordo com Soihet (1997), estes eram vistos como um problema para a sociedade conservadora que estava se formando, pois, a liberdade sexual das mulheres, sobretudo, as mais populares3 confrontava com a medicina social em que o instinto maternal inviabilizava o prazer sexual feminino. Nessa perspectiva, a ciência diferenciava homem e mulher não só por características corporais, mas, pela natureza e moralidade justificada sob os valores da Igreja Católica, e dessa forma, a ciência entendia as doenças do corpo, como símbolo dos pecados cometidos pelas mulheres. Ainda na visão da ciência ou da medicina social e eugênica, os médicos estimulavam as mulheres a se ocuparem com afazeres domésticos, evitando o ócio e reforçando o modelo de esposa dedicada aos cuidados da família (esposo e filhos) e do lar. A aceitação e consequente incorporação desse comportamento significava uma espécie de “salvação” para mulheres por carregarem a culpa do pecado cometido pela primeira fêmea. A preservação das características de submissão feminina era um aspecto que determinava a honra do marido, e caso a mulher cometesse adultério, de acordo com Priore (2014), seu esposo e na condição de “homem” perante a sociedade e sob o olhar da lei, tinha o direito de matar a esposa, com a finalidade de “lavar sua honra”. Contraditoriamente, no lado oposto, a poligamia masculina era tratada como algo intrínseco à natureza do homem e deveria ser algo desculpável. Desta feita, com a preocupação voltada à incorporação das características femininas, o medo do adultério aterrorizava os homens que, por sua vez, aprisionavam as esposas com afazeres domésticos e muitos filhos para cuidar, a fim de que não lhe restasse tempo, nem oportunidade para traição. Essa desconfiança à figura feminina, tem em grande parte fundamentação na Igreja Católica, em que a mulher, simplesmente pelo fato de ser mulher, estava condenada a carregar a culpa do pecado original, sendo privada de qualquer liberdade decorrente ao

3. Mulheres das camadas populares.

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ato de Eva4, por isso teria que ser controlada e sua sexualidade inibida. As entrevistas mostraram, que ainda prevalece um pré-julgamento em torno da construção da imagem feminina, intitulada como “ideal”, “correta”, a qual deve ser seguida, mas que, muitas vezes, não corresponde a imagem que a própria mulher tem de si mesma. Assim, a representação interna que faz de si mesma, promove uma espécie de transgressão, de ousadia e de sofrimento, mesclada por grupos multifacetados dirigidos por um fenômeno universal que atinge milhares de pessoas. Transgressões essas, de caráter político, ideológico, econômico, inerentes a um paradigma cultural até então estruturado, que fundamenta e justifica como fator preponderante, a evidente violência empregada pelos homens contra as mulheres. No entanto, é possível observar também, que as consequências dos atos violentos cometidos por homens, por “chefes de famílias”, não combinam com a representação social, ainda que estigmatizada, da família construída historicamente, em que devem prevalecer o amor, o ciclo afetivo, felicidade e segurança presentes nas relações familiares tradicionais da sociedade burguesa. Todavia, as distinções de gênero perpassam essas fronteiras no contexto contemporâneo, vez que percebe-se que há uma naturalização da violência não só proveniente das desigualdades de gênero, mas pelo fato de estar impregnado nas concepções de milhares de pessoas a retrógrada sistematização de uma cultura geradora, opressora e hostil. Conotações entre o contexto da cultura patriarcal e o discurso nas falas das mulheres acerca de nossa realidade dual e fragmentada, enquanto estrutura contemporânea, revelam que o comportamento feminino ainda recebe uma carga de valores religiosos, culturais e ideológicos, típicos do período colonial, mas sobre os quais, as mulheres precisam se libertar. Como se não bastasse, inúmeras instituições sociais da atualidade, entre elas, escolas, partidos, sindicatos, associações etc., ainda carregam discursos preconceituosos e discriminatórios em relação a mulher, inibindo sua autonomia e influenciando suas decisões, principalmente em relação à questão sexual, e a “necessidade” de “se guardar’’ para depois do casamento.

BELA, RECATADA E DO LAR

O desenvolvimento da organização familiar burguesa no alcance da intimidade de acordo com D’Incao (1997) ocorreu ao mesmo tempo em que esse padrão familiar tornou-se alvo de olhares populares, as mulheres da elite passaram a ser espelho para a camada popular, fortalecendo o empenho em transformar os comportamentos, con-

4. O nome Eva, trata-se de uma referência bíblica a história de Eva e Adão e, mais enfaticamente ao pecado cometido por Eva, ao cometer o fruto proibido.

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dutas e manifestação tradicionais em comportamentos considerados sofisticados aos olhos da sociedade. Durante esse período, a imprensa da época amparada pela lei, combatia as relações sociais que não seguissem o padrão imposto, respeitando normas e regras construídas à sombra de uma nova ordem social. Enquanto que na medicina “Nos tempos de colonização, o médico era um criador de conceitos, e cada conceito elaborado tinha uma função no interior de um sistema que ultrapassava o domínio da medicina propriamente dito” (PRIORE, 1997, p. 79). Nessa mesma direção, a influência da Igreja Católica sobre o corpo da mulher, transcendia a própria ciência, principalmente no que diz respeito ao conhecimento sobre o corpo e suas manifestações automaticamente associadas ao pecado. A ciência diferenciava homem e mulher não só por características corporais, mas, pela natureza e moralidade justificada sob os valores morais e religiosos, e dessa forma, a ciência entendia as doenças do corpo, como símbolo dos pecados cometidos pelas mulheres. Moldadas a comportamentos singulares, seguidos de dogmas religiosos, deveria aceitar seu lugar como mulher recatada, educada e pronta para casar, neste sentido o casamento e a maternidade serviriam como uma salvação, considerada somente honesta, a esposa mãe de família. Em relação a essa questão, D’incao (1997), refere-se ao ato de vigiar fazendo a seguinte afirmação:

O costume da vigilância e do controle exercido sobre as mulheres e o seu posterior afrouxamento no decorrer do século XIX, com a ascensão dos valores burgueses, estavam condicionados ao sistema de casamento por interesse. O afrouxamento da vigilância foi possível porque as próprias pessoas, especialmente as mulheres, passaram a se autovigiar. Aprenderam a se comportar (p. 236).

Assim, a preservação da virgindade feminina era tratada como um patrimônio familiar, limitada a qualquer tipo de erotismo sexual antes do casamento, controlada não só pelos olhos da família, mas, também pelas próprias mulheres que vigiavam o comportamento das moças, a fim de proteger a moral e os bons costumes. O pai como autoridade da família enquadrava quaisquer impulsos sentimentais (e ou sexuais) das filhas, mantendo longe ou numa distância segura, àqueles que se aproximassem das virgens e que representassem possíveis ameaças de “rapto”’. Já a mãe, essa assumia o papel de vigiar a(s) filha(s), sob o medo de cair sobre si, a culpa, caso a moça desviasse ou desonrasse a família. Os princípios morais da época impediam que as mulheres frequentassem espaços públicos desacompanhadas, uma vez considerada postura imoral, a mulher necessitaria estar acompanhada de uma figura masculina, do contrário, ofenderia os valores

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morais e patrióticos representados por essa imagem fragilizada. Imagens que envolviam a mãe piedosa da Igreja, educadora, provedora do lar, esposa proveniente de bons costumes morais e familiares, companheira do marido, de aparato médico-higienista, convergiam por isso, numa mesma vertente de pureza sexual e simbólica. Para Almeida (2004), do comportamento feminino, esperava-se a sua total aspiração ao espaço domiciliar, justificado pelo recato e submissão do desejo pela maternidade, sendo a virgindade e castidade da mulher vista como um “cristal”, pois

Finalmente, com prazer ou sem prazer, com paixão ou sem paixão, a menina tornava-se mãe, e mãe honrada, criada na casa dos pais, casada na igreja. Na visão da sociedade misógina, a maternidade teria de ser o ápice da vida da mulher (ARAÚJO, 1997, p. 52).

Nessa perspectiva, o namoro da época abominava quase que completamente, o contato físico entre os namorados, a fim de preservar a honra da moça e da família, que encontrava-se diretamente ligada a cultura patriarcal que estava se firmando. O pouco espaço destinado as jovens serviam como oportunidade para manifestação da sexualidade, como demonstra o autor ao descrever a paquera a seguir “Corre a missa. De repente, uma troca de olhares, um rápido desvio do rosto, o coração aflito, a respiração arfante, o desejo abrasa o corpo. Que fazer? Acompanhada dos pais, cercada de irmãos e criadas, nada podia fazer, exceto esperar” (ARAÚJO, 1997, p.45), momentos que tornavam-se aventuras românticas das mulheres sujeitas a forte vigilância a que eram submetidas.

Sexualidade feminina: vigilância e adestramento

A sexualidade era vista como “mau” à conduta moral e integridade das moças, tornando-se um tabu entre as famílias e como algo inquestionável. Como consequência, formou-se uma repressão e aversão ao conhecimento da sexualidade pelos jovens, sobretudo, pelas mulheres, de poder de gozar de sensações e desejos secretos. De acordo com Araújo (1997), a domesticação da sexualidade feminina era controlada pela figura do pai e depois do marido. Os comportamentos eram carregados de concepções impostas pela Igreja. A iniciação da sexualidade via-se presa aos preconceitos religiosos e sociais. O casal em seu leito conjugal, vivia também, sob a intervenção religiosa. De acordo com Priore (2014), a Igreja Católica proibia entre os casais, práticas vistas contra a natureza, condenando quaisquer tentativas de libertinagem, com o objetivo de garantir 106

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Moderação, freio de sentidos, controle da carne, era o que se esperava de ambos, pois o ato sexual não se destinava ao prazer, mas à procriação de filhos. Não que devesse ser evitado. Ao contrário, marido e mulher deviam empenhar-se no pagamento do ‘débito conjugal’, mas também aqui sob certas regras (ARAÚJO, 1997, p. 52).

A cobrança não se limitava apenas à concepção, mas ao adestramento dos desejos sexuais, sendo proibida práticas entre os casais como interrupção da liberação do sêmen ou posições que desperdiçassem o esperma. A condenação de determinadas posições, durante o ato sexual, era considerada também uma forma de respeito a esposa que, ao contrário da liberdade reservada para o homem, deveria apenas insinuar ou expor sinais envergonhados para que o marido os percebesse e cumprisse o pagamento do débito5. Esses valores morais eram destinados, especialmente, as mulheres das camadas elevadas da sociedade, no entanto aos homens era recomendado a iniciação das práticas sexuais na puberdade. O reflexo dessa ordem, recaia sobre as mulheres populares, mestiças, negras ou mesmo brancas, que estavam sujeitas à exploração sexual e, assim à iniciação sexual de garotos, garantindo-lhes a realização de todas as fantasias e práticas consideradas como pecado, pela Igreja Católica, pois havia o propósito de preservar a domesticação da sexualidade da mulher de família. Assim, para “a cultura patriarcal abalizada por paradigmas machistas ou abordagens de cunho religioso, étnico e racial ou político leva a sociedade a tolerar, aceitar e encorajar o preconceito e a discriminação contra as mulheres” (SOUZA, 2008, p.175). Neste período, particularmente, as que não se enquadravam no status de “casada” perante a igreja e viviam em condições subalternas, ligava a ideia de que tudo era permitido, inclusive, a violência.

MULHERES DAS CAMADAS POPULARES E A VIOLÊNCIA INSTITUCIONALIZADA

A vida familiar parecia pouco atraente para as mulheres provenientes das camadas populares, assumindo uma pluralidade de papéis, entre eles: mulher chefiando família. Essas concepções de organização familiar pelas mulheres pobres, eram vistas como uma ameaça à estabilidade social criada pela medicina, que assegurava características como fragilidade e delicadeza da mulher, contrariando a realidade social e econômica de mulheres pobres que além do trabalho doméstico não remunerado, trabalhava na casa

5. O débito conjugal referia-se na época a relação sexual que o casal deveria ter, com a finalidade, exclusivamente, de procriar.

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da família burguesa, sob risco de assédio sexual, por parte dos patrões e ameaças de caráter psicológico. Ao passo em que a urbanização acelerava, as mulheres foram as mais prejudicadas, uma vez que, “a rua simbolizava o espaço de desvio, das tentações, devendo as mães pobres, segundo os médicos e juristas, exercer vigilância constante sobre suas filhas, nesses novos tempos de preocupação com a moralidade, como indicação de progresso e civilização” (SOIHET, 1997, p. 365). Esse cenário, só faz reafirmar a discriminação e preconceito em relação às mulheres da camada popular, além de colocar sobre as mesmas, a responsabilidade da vigilância relativas ao seu comportamento, vistos como imorais por possuírem características próprias e padrões específicos, fugindo aos padrões ditados pela medicina social, especialmente no que diz respeito a liberdade sexual assumida. Apesar da diferente realidade, a mulher pobre pelo convívio estabelecido através do trabalho, embora subalterno, acabou por aderir algumas concepções sobre casamento, originários da organização familiar burguesa, acatando a ideia de que as atividades domésticas eram próprias das mulheres e que a chefia da família era responsabilidade do homem. As relações de dominação, embora recaíssem fortemente sobre as mulheres, rebaixava os homens da classe popular que estavam longe de assumir características como autoridade, dominação e influência no espaço público, gerando insegurança, que por sua vez, surgiu na face da violência pela incapacidade de exercer o poder que é destinado à sua figura, esclarecido a seguir

Essa explicação se completa pelo fato de que a tais homens, desprovidos de poder e de autoridade no espaço público - no trabalho e na política -, seria assegurado o exercício no espaço privado, ou seja, na casa e sobre a família (SOIHET, 1997, p. 370).

Dessa forma, aprisionado pela insegurança, o homem não podia sentir sua “autoridade” ameaçada no lar, único espaço em que ainda exercia poder. Ao contrário do que se esperava de uma dona de casa, as mulheres da camada popular rebelavam-se contra as agressões de seus companheiros, contestando mais uma vez a atitude de submissão característica de sua natureza, neste sentido, a violência doméstica era encarada sob uma perspectiva patriarcal, em que a mulher é culpabilizada pela agressão, pois de alguma forma contestou o poder do homem, ameaçando ou enfraquecendo, portanto, sua autoridade. O processo de organização familiar marcou a presença da violência física e simbólica, refletidas no cotidiano da mulher pobre nos espaços sociais destinados a ela. A desvalorização do trabalho doméstico, resultava em má remuneração, discriminação e 108

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até assédio sexual, produto da imagem que estava ligada à mulher negra ou mestiça e a mãe solteira ou divorciada. Imagem essa, fundada num contexto histórico de opressão, servidão e violência a que foram expostas durante séculos. Um cenário aterrorizante, no qual predominava cotidianamente o estupro, como forma de desmoralização ou apenas para satisfação sexual masculina. Pertencendo a contextos sociais diferenciados, as mulheres viam-se cercadas de normas e condutas que refletiam as várias faces da violência, expressas na ideia de propriedade, como mostra Souza (2008) e, considerando a violência familiar fundada na desigualdade de gênero e expressa na família e na sociedade, especialmente, na instituição religiosa, que tem como marca a submissão feminina construída ao longo dos séculos com auxílio da medicina, em que o corpo da mulher era visto como símbolo dos pecados cometidos, repudiando a menstruação que, sob a ótica religiosa, expressava a impureza feminina, e focalizando na procriação, considerada o ápice da vida da mulher. E, nesse contexto em que mulheres eram hostilizadas, estigmatizadas e discriminadas, a violência passa a ser símbolo de um ciclo aceitável e “natural”, em que as concepções sobre o que é admissível para o homem e para a mulher passam por julgamentos estereotipados, fundados nas relações de poder e dominação patriarcal. Mas, na contracorrente, cumpre ressaltar que, ao mesmo tempo em que perceberam os efeitos opressores desse processo de civilização, mulheres, mesmo que em pequeno número, se mobilizaram contra aquilo que consideravam inaceitável à sua dignidade como pessoa humana e como mulher.

PALAVRAS FINAIS

Com base no levantamento bibliográfico e na análise das entrevistas, sobre a Naturalização da violência contra a mulher, evidenciou-se a reprodução de discursos carregados de valores sobre “o que é ser mulher” na sociedade atual, refletindo padrões criados e fundamentados nas Instituições sociais que tinham como finalidade a marginalização das mulheres. Para melhor compreensão sobre como tornou-se natural essas agressões, buscou-se por meio da contextualização histórica retratar a organização familiar pensada para uma classe elevada, provocando uma desestruturação na vida das mulheres populares, em que os efeitos da violência fortaleceram-se mais na década de 90 por meio de padrões criados nos tempos da colonização (XVI - XIX) junto as tentativas de civilização, estabelecendo um regime opressor em que fez uso da crença religiosa e da medicina para sustentar a questão moral da mulher integrada ao seu biológico. Desse modo, priorizou-se aspectos equivalentes ao papel da mulher designada Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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à plena submissão ao homem como ser, por “natureza” dominador, autoritário e que representava o poder dentro do contexto familiar. Essa categorização instituída a partir do período colonial, de uma natureza intrínseca, influenciou (e ainda influencia) de maneira drástica sobre a imagem e a representação social que a mulher tem de si mesma, diante de tantos julgamentos, quanto ao uso do seu corpo e parte de si, compreendendo enquanto pessoa, um ser que possui emoções, sexualidade, autonomia e, principalmente princípios e valores morais. Portanto, dogmas vinculados à prática de princípios institucionalizados perduram, e continuam gerando como um dos fatores que contribuem para a propagação inconsciente nas pessoas de normas, comportamentos que se adequem a essas ideias defendidas e equivocadas.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na colônia. In: PRIORE, Mary Del. História das mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto. 1997. p. 46-77. D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: ______. História das mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto. 1997. p. 223-240. PRIORE, Mary Del. Magia e medicina na colônia: o corpo feminino. In: ______. História das mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto. 1997. p. 78-114. ________. Histórias Intimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil. 1. ed. São Paulo: Planeta. 2011. SOIHTE, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: PRIORE, Mary Del. História das mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto. 1997. p. 362-400. SOUZA, Valquíria Alencar. Violência contra mulheres: um fenômeno social. In: GENTLE, Ivanilda M; ZENAIDE, Maria N. T; GUIMARÃES, Valéria M. G. Gênero, diversidade sexual e educação: Conceituação e Práticas de Direito e Políticas Públicas. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB. 2008. p. 173-178. STEARNS, Peter N. Resultados da expansão européia, 1500-1900. In: STEARNS, Peter N. História das relações de gênero. São Paulo: Contexto. 2007. p. 101-123.

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Stella Maria Lima Gaspar de Oliveira 1

Diversidade cultural: uma possível multiculturalidade compartilhada RESUMO Este artigo se dirige para a busca e recriações de elementos que constituem o perfil do ser professor de uma classe de educação infantil multicultural. Escrevemos os encontros e encantamentos, com o trabalho desenvolvido no cotidiano pedagógico infantil, de uma educadora espanhola, que se lança, diante do desafio em trabalhar com crianças de diferentes culturas. Para isto, interessou-nos tecer fios mestres com a realidade observada, reconhecendo a Educação Infantil Multicultural, como uma prática profissional criativa e que encante tanto o professor quanto o aprendente criança. Pelo estudo investigativo aqui apresentado, confirma-se que adquirimos saberes no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional que está sempre ligada a diferentes situações de trabalho, na complexa e desafiadora atividade de ensinar. Resultando na descoberta de potencialidades inatas, que geram bem-estar em sua atuação docente, favorecendo a Multiculturalidade Compartilhada.. Palavras-chave: Classe multicultural. Prática pedagógica. Educação infantil. Afetividade. A condição humana.

ABSTRACT This article turns to the search and re-creations of elements that constitute a profile of being a teacher in a multicultural kindergarten class. We wrote about meetings and enchantments at the work in child pedagogical daily life of a Spanish teacher, who throws herself into the challenge of working with children from different cultures. In this regard, we were interested in weaving master wires by observing reality, recognizing the Early Child Multicultural Education , as a creative professional practice that thrills both the teacher and the child learner. By 1. Mestre em Educação. Doutora em Educação Pós-doutorado em Educação. Departamento de Fundamentação da Educação/Centro de Educação/UFPB-CampusI João Pessoa. stellagasparoliveira@gmail.com

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the investigative study presented here, it is confirmed that we acquire knowledge in the context of a life story, as well as a career that is always linked to different working situations, in the complex and challenging teaching activity, thus resulting in the discovery of innate potentialities that generate well-being in teaching practice, and therefore, favoring a Shared Multiculturalism. Key words: Multicultural class. Pedagogical practice. Childhood education. Affectivity. The human condition.

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresentamos parte de nosso Curso de Pós-doutorado, o qual tentamos reflexionar com a tutoria do Profº Dr. Bernardino Salinas Fernández, da Universitat de Valencia-Faculdad de Magisterio, os desafios multiculturais, em uma classe de educação infantil multicultural, com a colaboração da professora, Rosana Sanchis Bartual, em Torrent - València - Espanha. As observações, conversa informal, análises de documentos junto a professora espanhola, compuseram a tessitura de nossos olhares como pesquisadores surgindo daí, a questão problematizadora: “é possível vivenciar os processos da complexa condição humana de ser professora de uma classe multicultural, integrando os aspectos intelectual, sociais e afetivos?» O percurso metodológico, seguiu os pressupostos do método qualitativo utilizando: observações, fotografias, depoimentos, buscando compreender e analisar situações reais, para a compreensão do nosso foco de investigação. Utilizamos como instrumentos de análise: fotografias, produções escritas da professora em evidência. Tais recursos metodológicos nos permitiram com a utilização da técnica da análise de conteúdo, construir a “Cartografia de pensamentos da professora”, protagonista dessa investigação.

2 DESENVOLVIMENTO

O multiculturalismo pode ser entendido como prática social que contesta preconceitos, discriminações e exclusões de indivíduos, silenciando e reprimindo a sua condição de pertencimento , seja no espaço escolar ou no contexto social mais amplo. Pensar e viver no mundo atual, passa pelo reconhecimento da pluralidade e diversidade de 112

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sujeitos com diferenças culturais. Compreender a multiculturalidade no mundo globalizado se torna uma tarefa de ampla construção e reflexão, tanto do meio sócio-histórico, quanto de nossas próprias ações e atitudes diante da sociedade a qual fazemos parte. Moreira (2001), evidencia uma educação que se pretenda capaz de acelerar transformações sociais, deixando claro:

Não há, (...), maior contradição do que a busca por certeza em um mundo incerto, o que me leva a concluir que os problemas teóricos e práticos nos afligem, ainda que devam ser enfrentados, não podem nos imobilizar e nos eximir do engajamento com os outros em uma luta, em uma história comum. (p.93)

Nesse sentido, o multiculturalismo pode ter várias interpretações e seu entendimento não se esgota completamente, dependendo do seu uso pode ter um significado amplo. Observamos que o significado mais utilizado refere-se as mudanças de povos e culturas, abarca as diferenças relativas entre a raça, a etnia, gênero, sexualidade, cultura, religião, classe social, idade, necessidades especiais, entre outras. Na educação envolve a luta contra a opressão, a discriminação, estudos, pesquisas e ações politicamente comprometidas (MOREIRA & CANDAU, 2008). Salientamos que no universo pesquisado, as famílias das crianças sob a responsabilidade da Profª Rosana Sanchis, apresentam pouco interesse para as atividades culturais, teatro, museus... Basicamente se dedicam a ver televisão, alugam filmes e os assistem em suas casas. Em relação a leitura, reconhecem ler pouco. O idioma adotado na escola e em toda a comunidade é o castelhano, tanto a nível oral, quanto escrito. Existe um grande percentual de famílias com origens heterogêneas (árabes, romenos, ucranianos). Também culturalmente, economicamente e etnicamente. Muitas dessas famílias, habitam uma zona de periferia em uma área marginal de Torrent-Espanha. É observável comportamentos tanto dos pais como das crianças, como sendo agressivos. As reuniões promovidas pela escola, tem pouca participação das famílias, uma realidade próxima á brasileira. Nessa diversidade educativa e cultural, a professora colaboradora de nossa investigação, com sua forma de conduzir o processo de aprendizagem, intercalando doçuras, olhares e disciplina junto ás crianças, não se intimidou diante dos desafios, nos três anos na mesma classe. Foi capaz de manter transformações individuais e coletivas. Seu trabalho, como nos diria Boff (2000), proporcionou ao final do processo, a humanização das crianças vistas como seres humanos. A prática observada, coaduna-se com as ideias de Moraes (2010), quando ela afirma que precisamos buscar novos referenciais teóricos e novas teorias que nos ajuConceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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dem a ir além dos limites impostos pelo pensamento do paradigma tradicional. Neste sentido, as crianças trabalhadas pela professora protagonista do nosso estudo, não trabalhava com uma metodologia linear e sim eclética. A teoria implícita para o desenvolvimento das atividades apresentava um diálogo amoroso, criativo e competente, sem ser prepotente. Em um universo multicultural, o diálogo e o olhar sensível ajudam a estabelecer conexões e os vínculos possibilitando uma melhor dinâmica das diversidades de vida entre as crianças. Um diálogo cheio de significados e sabedorias, que liga, religa e sustenta os vínculos do indivíduo com o triângulo da vida. A realidade da professora Rosana Sanchis, em sua classe multicultural com vários desafios linguísticos e comportamentais, buscava na sua concepção de educar, construir novos sentidos nas vivencias da sala de aula. Era evidente sua luta pela transcendência da realidade presente, vivendo sua inteireza de forma segura e firme, gerando crescimentos nas dimensões do ser pessoa tanto em si, como nos alunos, que ao final do processo de três anos vivenciados com a mesma, conquistaram o idioma espanhol e o processo de leitura e escrita. Diante dessa perspectiva, a Instituição escolar precisa ir além da função de ensinar, devendo estar cada vez mais próxima da realidade multicultural das famílias e alunos. Verificamos na nossa experiência, que o processo formativo requer muita ousadia e criatividade. Implica recuperar a unidade entre teoria e prática, buscando a construção da autonomia e desenvolvimento da criticidade, como uma forma de pensar a ação educativa no trabalho pedagógico. Compreender como a professora em evidência nesse estudo, expressava seu jeito de aprender e de ensinar. Além disso, os significados produzidos nas atividades propostas, foram compreendidos por nós, como uma dinâmica dialógica e dialética, capazes de transformar a relação criança-criança com suas diversidades socioculturais em descobertas e respeitos pelas individualidades de cada um. Nesse sentido, a professora Rosana Sanchis, foi capaz de ensinar em favor da dignidade humana, das crianças. Essa constatação, nos faz ressaltar que precisamos promover as relações ecossistêmicas nos âmbitos familiar, social, cultural, histórica, abertas às interações psicológicas e etnológicas, entre outras. Freire (2007), nos lembra da importância em percebermos que somos indivíduos cognitivos com matrizes próprias, e que estas se constituem em oportunidades para o reconhecimento de nossa incompletude. O reconhecimento das nossas legitimidades e também a do outro. Significando aceitar a igualdade entre nós com nossas diferenças, lembrando aqui o conceito de alteridade. Em nossa pesquisa, com o olhar na docência de uma classe multicultural, percebemos e observamos a capacidade da profª Rosana Sanchis, em produzir seus próprios saberes, conforme constatamos no seu pensamento quando disse: “Encontrarmos muitos obstáculos em nosso trabalho, mas tentamos contorná-los, criando estratégias para facilitar nosso desempenho como responsável por essas crianças.” (Profa. Rozana Sanchis Bartual, 2014) 114

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III. CARTOGRAFIA DO CAMINHO METODOLÓGICO

3.1. Breve introdução metodológica Apresentamos nesse texto, recortes dos relatos da prática, registrados nos instrumentos de análise: registros escritos, fotos, falas da professora protagonista dessa pesquisa. A problemática, surge com os desafios da referida professora, em integrar crianças com diversidades culturais no processo de aprendizagem. Destaca-se a questão : O saber da condição humana favorece o encantamento e a persistência para a prática pedagógica significativa em uma sala de educação infantil, multicultural? Neste prenúncio, começamos a desenhar nossa metodologia. Priorizamos, a abordagem qualitativa por termos como foco, conteúdos e produções de autorias partindo de uma análise etnográfica. 3.3. Análise dos dados Buscamos, nos instrumentos, as unidades de significado dos conteúdos em relação ao fenômeno investigado, sua pertinência com as categorias priorizadas, estando estas adaptadas ao material de análise. As categorias de sentido subjetivo e de configuração subjetiva representaram o quadro teórico definido na pesquisa, no sentido de nos permitirem uma representação da realidade estudada. QUADRO 1- Atividades significativas

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Fonte: Fotos cedidas pela professora Rosana Sanchis- 2014

ANÁLISE INTERPRETATIVA

Para analisar e refletir sobre o conteúdo escrito pela professora acerca das atividades com as crianças é necessário pensar não só com a razão, mas com o olhar sensível, buscando compreender o contexto da realidade de uma classe multicultural. Suas palavras mostram o prazer, na busca do compartilhar com a classe momentos afetuosos nas relações interpessoais entre ela e as crianças. Nessas escritas observamos seus pensamentos cheios de emoções e sentimentos positivas. A professora aponta para uma prática pedagógica que valorize mais o saber ‘ser’. Podemos interpretar como o aprender a condição humana. Trata-se de, considerar as ligações, as articulações ressaltando aquilo que é tecido em conjunto, enfatizando ao mesmo tempo, a complexidade da organização dos espaços individuais e sociais, principalmente em se tratando de uma classe multicultural. Os registros escritos integram a vontade de produzir, fazer, envolver, ampliar histórias. Tais aspectos traduzem, para nós, o sentido das autorias pedagógicas, motivadas por essas atividades de reencantamentos, a partir da corporeidade viva, com necessidades e desejos. “La cara de felicidad de mis alumnos al ver como cambiaba el agua de color ( lo inocentes que son los niños porque sólo era un sobre de colorante y ellos estaban asombrados, se pensaban que era magia-Profº Rosana Sanchis)” Esse destaque são os movimentos autopoiéticos, que a professora cria na sua atuação pessoal e profissional.

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QUADRO 2- Desafios da profissão

Fonte: Registro e fotos-crianças da prof.º Rosana Sanchis-2014

ANÁLISE INTERPRETATIVA

Observamos que os obstáculos com o idioma e a cultura das crianças e suas famílias, não implicaram na não aprendizagem. Com determinação, organização e equilíbrio, a Profª Rosana Sanchis, conseguiu alcançar seus objetivos. “Hoy puedo decir que me siento muy orgullosa, puesto que se han graduado y han pasado cumpliendo los objetivos marcados, leyendo, sumando, restando..... superando mis espectativas establecidas. Percebemos na escrita da professora, um comportamento de resiliência e persistência para alcançar o possível e o impossível. “Mi principal objetivo: Aprender mucho y ser felices” Profº Rosana Sanchis . Podemos perceber, que existe uma saudável relação entre a aprendizagem e a felicidade. Sabemos que o aprender é viver de forma prazerosa e participativa. Nessa escrita, a autonomia profissional integrada à autoria pedagógica, está definindo a ação educativa como aquela que transcende o sentido puramente técnico da formação docente. Refletir a prática pedagógica não é pensá-la somente na sala de aula.

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QUADRO 3- Pensando a metodologia

Fonte: registro da Profº Rosana Sanchis. Foto do mural na classe, com um dos Projetos trabalhados. 2014

ANÁLISE INTERPRETATIVA

Observamos uma prática pedagógica em construção, na busca dos objetivos das atividades desenvolvidas. Não existindo uma preocupação com um método ou uma determinada teoria. A professora consegue controlar sem autoritarismo a atenção das crianças. Notamos que o espaço na classe é socializado, existindo interações entre professora e crianças. Sempre esteve presente uma dinâmica metodológica diversificada, uma vez que não existe uma linha metodológica única. Por ser uma classe de múltiplas culturas, a ação docente utilizada é adequada, de acordo com as aprendizagens satisfatórias do grupo. Conforme a fala da professora “yo no utilizo una concreta; cada grupo, cada niño es diferente, así que cojo muchas para llegar a los objetivos que me propongo.” Profº Rosana Sanchis (2014).. A disciplina era necessária, devido á diversidade das realidades familiares. Uma autoridade sem intimidações, o que era surpreendente e encantador. Ressaltamos nessa análise o pensamento da mesma quando escreve. “Desde la lectura tradicional a los proyectos más innovadores, siempre estoy renovando, e introduciendo cambios”. Profº rosana Sanchis.(2014). Compreendemos que seu pensar é dinâmico, com a analise suas palavras percebemos que a mesma valoriza muito sua criatividade, como era visível em nossas observações. O espaço respirava confiança e segurança.

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QUADRO 4- Concepção de Ensino

Fonte: Registro da Profº Rosana Sanchis-2014

ANÁLISE INTERPRETATIVA “Difícil, en la enseñanza es todo. Cada alumno es un pequeño mundo al que debes dedicar tiempo, como a su familia.” Nessa unidade de significado percebe-se o entendimento da professora, sobre o que é ensinar. Podemos refletir que para ela é como um ‘mapa do tesouro’ a ser explorado, no qual poderá ser encontrado ideias, imaginações, observações, descobertas, usando novas lentes para ver e interpretar a realidade, trabalhando de forma integrada com a família. Ressaltamos que as famílias, participavam sempre das atividades festivas. Sendo confirmado pela professora, a existência de um precário acompanhamento em casa, com relação as atividades extra- classe. Diante do que foi observado

urge portanto, saber conectar desejos e saberes

para que a aprendizagem das crianças se constituam de significados coloridos ou seja, dinâmicos com alegrias e vida. Seus escritos manifestam um clima de afetividade e de parceria em sua postura de ‘ser’ professora de uma classe com múltiplos desafios. Percebemos, sua capacidade de auto- aperfeiçoamento, de não ter medo de propor e de errar, para a busca da conquista de novos saberes. O reencantar a educação implicava numa formação humanitária, numa dinâmica de contentamento na dimensão emocional, das experiências de aprendizagens. Sendo assim, a atividade de ensino, não pode ser vista apenas como um processo de acumulação de conhecimentos de forma estática mas sim, com a contínua reconstrução da prática pedagógica. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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QUADRO 5- Cartografando subjetividades

Fonte: Oficina Cartografando subjetividades com a Profº RosanaSanchis-2014

ANÁLISE INTERPRETATIVA 1 - Se eu fosse um conto Podemos observar pela escolha e relato da professora, que a fantasia e os sonhos podem sustentar os desejos de uma realidade almejada, mas é o concreto que movimenta o cotidiano. Ela mostra que não adianta fugir dos problemas e que é importante termos a consciência da existência deles. Palavras da professora “y cuando se rompe el cántaro de leche, vuelves a la realidad educativa..... “ Profº Rosana Sanchis.( 2014). Nossa interpretação, diante do conteúdo analisado, detém-se na percepção de que esse conto, representa as dificuldades pedagógicas, e que não devem ser motivos para os desencantos, mas sim, fortalecedor de coragem para vencer os desafios. Pelas suas colocações a prática pedagógica é determinada pelo otimismo de possíveis mudanças. Para ela os sonhos existem e isso é um aspecto relevante. “Sueñas con una educación mejor” Profº Rosana Sanchis (2014). Podemos constatar que a mesma, busca 120

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conhecimentos que possam tornar os sonhos reais para um crescimento social e econômico, contemplando o bem coletivo das crianças e suas famílias. O trabalho da Prof.º Rosana Sanchis, sempre esteve voltado para essa integração família -escola-comunidade. 2 - Se eu fosse uma fada O prazer em criar ambientes promotores para o desenvolvimento da identidade pessoal, promoção de segurança e confiança, se faz presente no pensamento da protagonista desse estudo. Para ela, a questão do material e dos espaços educativos são muito importantes. Nessa escrita, vemos vínculos propiciados pelos sentimentos (dedicação, atenção, desejos de acertar, fazer o melhor), instaurando relações de aproximação entre o ser e o fazer para si e para o outro. 3 - O meu maior desejo Conceder todos los deseos que los niños/as quisieran. (Profº Rosana Sanchis, 2014). Analisando o desejo da professora, recordamos as palavras de Freire (1996) nos lembrando, que a prática pedagógica não é uma experiência fria, sem alma. Sob essa ótica, não somos professores vazios, no processo de ensino e aprendizagem. Ao adotarmos uma prática pedagógica humanizada, precisamos voltar à nossa percepção em relação ao aprendente, em sua totalidade, buscando dessa forma, trabalhar para o seu êxito e felicidade de seres humanos que estão sob nossa responsabilidade. 4 - Uma recordação No escrito observado, encontramos manifestações acerca de um clima afetuoso da professora, mostrando-se parceira das crianças, suas famílias e sua cultura. Ficando evidente para nós, sua sensibilidade. Suas palavras mostram segurança e equilíbrio. Existiu á principio a incerteza do novo. Mas também, um sonho possível para ela, conforme podemos observar quando escreve; “Cada día ha sido para mí una experiencia maravillosa, me han cambiado mi forma de ver la cultura árabe he intentado integrar a las familias.” Assim, com o amor pela profissão tão bem demonstrado segue seu trabalho e no nosso entendimento, colorindo a sua profissão docente.

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IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS… ABRINDO CAMINHOS! Entendemos que ser professor de uma classe multicultural, é estar em processo de buscas para a superação de seus limites. Nesse sentido, na análise dos achados desta pesquisa foi possível também identificar a necessidade que temos, na nossa condição humana de articular o pensamento com o diálogo, a partir de uma escuta sensível em movimentos subjetivos e transformadores. Daí, pensarmos que os professores ao aproximarem-se de suas criatividades, persistências e autorias de seus pensares pedagógicos, possam resgatar a importância da construção de uma prática educativa em que assumam um jeito diferente e próprio de ensinar, desvelando e desenvolvendo suas capacidades e seus saberes. Nessa direção, a autonomia é um eixo de grande relevância para a ação de uma prática inovadora e diferenciada. Portanto, está se faz no contexto de relações, de contradições, de crítica sobre nós mesmos, como docentes e com as relações que estabelecemos com nossas atuações, educativas. Esses destaques, têm relevância no contexto das classes multiculturais, pois tratam de aspectos possíveis para o desenvolvimento da autonomia, tanto do professor como do aluno, através das criações e resignificações, na teia do encontro de ser autor pensando em suas próprias teorias. A professora Rosama Sanchis, é concebida por nós, como uma profissional com autonomia, sendo pesquisadora da própria prática, criando com sua dinâmica de trabalho educativo, uma teia de fios que se entrelaçavam com os aspectos: afetivo, criativo, cognitivo, social e cultural dos alunos. Olhando, sentindo e lendo o caminho percorrido, constatamos que os fios teóricos criaram vínculos para tecer a rede necessária, ao revisitar e construir novos conhecimentos. Destacamos ser necessário estimular condições para a autonomia do pensamento, podendo ser uma possibilidade para o professor, ampliar suas ideias teóricas e pedagógicas. Acreditamos também, ser possível propiciar nos espaços de classes multiculturais ambientes estimuladores para o desenvolvimento da autopoiese, como demonstra a “Teoria da Autopoiese” pensada por (Maturana & Varela, 1995) no ser professor. Sob o nosso ponto de vista, isto pressupõe concebê-lo como construtor e reconstrutor de conhecimentos e autor de sua prática pedagógica. Diante do exposto, fica evidente, que no espaço de uma sala de aula de educação infantil multicultural compartilhada, possua o que Freire (2007), fala acerca da educabilidade. Está se refere à capacidade do ser humano em aprender sempre, crescer, desenvolver-se no contato com o outro. A educabilidade, no pensar Freireano, diz respeito não só a adaptação de uma nova realidade, mas para nela intervir, recriando-a e transformando-a. Faz-se necessário, criar espaços para instigar elaborações que levem os alunos ao seu crescimento pessoal. Acreditamos, ser imprescindível abrir portas e caminhos 122

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para uma ação pedagógica, que não comporte apenas matrizes técnicas e teóricas, mas o despertar para a questão de que o que está sendo ensinado pode ser referência para a construção de novas histórias educativas e profissionais, diferentes das vividas até então. As atividades e comportamentos tanto nas crianças como na professora, produziram encantamentos entrelaçados com suas singularidades e particularidades. Por isso, a autonomia e o saber da condição humana, torna-se autoral quando percebemos o docente sendo o próprio pensador de sua ação pedagógica na transformação dessa. Mas o que é ser professora de uma classe multicultural? A pesquisa comprovou que viver feliz com o que se faz, é estar num processo dinâmico e interativo de reencantamentos. Encontramos na realidade estudada uma professora que busca, no saber de sua condição humana o conhecer-se e ao mesmo tempo, se doa para as possibilidades de vivenciar experiências desejadas e compartilhadas. Ou seja, uma realidade que favoreça a prática de uma aprendizagem na educação infantil com realidade multicultural que seja global, integrada, contextualizada, sistêmica, capaz de enfrentar as questões e os problemas da realidade educacional, cultural e familiar. Nessa direção, pensamos que os professores de realidades similares precisam se constituir como uma pessoa de corpo, mente e emoções . O estar na profissão docente é também ter uma prática humanizada, tornandonos partícipes da construção de uma sociedade mais humana e justa, que respeite e aceite as diversidades humanas e contextuais. Nosso pressuposto básico é o de que, para tornar-se um professor com satisfatórios resultados na aprendizagem de nossos alunos, implica estarmos em contínuo movimento em torno da compreensão das ações desempenhadas no cotidiano educativo, sendo esse considerado por nós, como um espaço que tenha por objetivo a concretização das intenções pedagógicas. Talvez, este seja o aprendizado mais difícil, que é o de manter o movimento permanente na renovação constante de vida vivida e mudança, aprendendo a conhecer, ser, fazer, conviver e amar o que fazemos. O que se revelou foi que o saber da condição humana, pode se revestir de sonhos, imaginários, alegrias, subjetividades, objetividades, no desvelar de professoras com desafios multiculturais a serem superados, como a exitosa experiência observada. Isso significa, que temos a necessidade urgente de nos distanciarmos de práticas lineares, que nos impõe uma postura inflexível, não permitindo que o cognitivo se imbrique numa nova forma de construção do conhecimento. Trata-se, pois de tornar o professor em um profissional bem sucedido, com domínio de conhecimentos para atuar com resignificações na prática pedagógica, de modo criativo e adequado. Cada realidade docente, apresenta desafios particulares a serem transpostos, práticas pedagógicas a serem redefinidas, autorias a serem desveladas. Deixamos a partir de nossos olhares, na vivência apresentada nesse artigo e pesquisa, provocações para aqueles que fazem da profissão docente, a alegria de ser professor. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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REFERÊNCIAS

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Rosilda Maria Sá Gonçalves de Medeiros1

Não se finaliza a experiência cultural compartilhada: o legado do Mestre Abimael Fonseca acerca da construção de fornos e da cocção cerâmica RESUMO A partir da transmissão das experiências do ceramista Mestre Abimael Fonseca sobre a construção de fornos tradicionais, para a cocção da cerâmica artística, foram apresentados os desdobramentos acadêmicos de ensino, pesquisa e extensão na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que tiveram sua influência, demonstrando que não se finaliza a experiência cultural compartilhada, pois a transmissão de saberes – sobretudo os saberes populares – faz parte da própria tradição. Palavras-chave: Mestre Abimael. Fornos tradicionais. Cocção cerâmica.

ABSTRACT Since the ceramist Master Abimael Fonseca has started passing on his experiences about the building of traditional kilns for burning artistic ceramics, there were many academic results in the areas of teaching, research and extension at Universidade Federal da Paraíba (UFPB) under his influence. This has proved that shared cultural experience never ends because the transmission of knowledge – mainly folk knowledge – is part of tradition itself. Key words: Master Abimael. Traditional kilns. Burning ceramics.

1. Artista visual; Doutoranda em Psicologia Clínica pela UNICAP; Mestre em Artes Visuais pela EBA/UFBA e Professora do Departamento de Artes Visuais da UFPB. Blogfólio: www.rosildasa.blogspot.com / E-mail: rosildasa@gmail.com

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INTRODUÇÃO Ainda que todos os instrumentos e equipamentos sejam importantes e necessários no ateliê de um ceramista ou no laboratório de cerâmica de uma universidade ou de uma escola, o forno é considerado como o equipamento mais importante. A relação que o ceramista mantém com o forno é de familiaridade e intimidade. Geralmente isso ocorre quando ele próprio o construiu. Nas atividades de sala de aula, por exemplo, a compreensão dos alunos sobre a importância dessa etapa no processo cerâmico fica mais clara quando eles mesmos participam da construção do forno (SÁ, 2001). Esses ensinamentos sobre a construção de fornos são transmitidos por profissionais mais experientes, como o Mestre Abimael Soares da Fonseca (Campina Grande, 01/02/1934 - João Pessoa, 26/11/2016), (Figura 1), que foi proprietário de olaria em João Pessoa e funcionário do Laboratório de Cerâmica do Departamento de Artes Visuais (DAV/UFPB). Ele aprendeu com o pai a ser ceramista, por meio dos conhecimentos práticos transmitidos oralmente e passados de geração para geração – saberes ligados à produção de raiz. Os ceramistas com reconhecida experiência são chamados popularmente de “Mestres”, e embora esse seja um dos títulos conferidos pela Academia, no caso do Mestre Abimael, aplica-se a um profissional que aprendeu, na infância, através da sabedoria popular, e transmitiu seus ensinamentos aos filhos, a mim, que tive o privilégio de trabalhar com ele na UFPB, e aos nossos alunos da disciplina Cerâmica, da Licenciatura em Educação Artística (atualmente extinta) e Licenciatura em Artes Visuais.

FIGURA 1 – Mestre Abimael Fonseca demonstrando a modelagem em torno durante o 47º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2003, realizado em João Pessoa. Foto: divulgação 126

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Eu o conheci em 1983, quando iniciei o meu percurso artístico com a cerâmica. O Mestre Abimeal construiu o meu primeiro forno a lenha e me deu as primeiras instruções de manuseio. Quando ingressei como docente na Universidade Federal da Paraíba, ele já era funcionário da Instituição e conseguimos remanejá-lo para prestar serviço no Laboratório de Cerâmica que eu coordenava no extinto Departamento de Artes (D’Artes). Nessa ocasião, não tínhamos forno, e a primeira providência foi construir um pequeno forno a lenha (Figura 2), seguido de outras construções de fornos executadas também por ele, sobretudo depois da criação do Departamento de Artes Visuais, em consequência do desmembramento das áreas (artes plásticas, artes cênicas e música) congregadas no D’Artes e na extinta Licenciatura em Educação Artística. Mantivemos uma feliz parceria até sua aposentadoria compulsória, em 2004, aos 70 anos de idade. Nossos alunos e eu aprendemos muito com seus conhecimentos. Ele era um ceramista generoso e cuidadoso com os iniciantes, criativo, bem humorado, divertido e com larga experiência sobre o universo da cerâmica, especialmente a construção de fornos e a queima.

FIGURA 2 – Mestre Abimael construindo um pequeno forno a lenha no D’Artes/UFPB, 1990- Foto: Rosilda Sá Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Sabe-se que o processo cerâmico consiste de várias etapas, e a cocção é considerada a principal desse processo, em que a queima transforma irreversivelmente a argila crua em uma nova matéria – a cerâmica. Assim, a “partir da emissão de fogo/ calor durante um período determinado, operam-se reações físicas e químicas concretas, produzindo dureza e resistência ao corpo cerâmico, acompanhadas de variações, dentre outras, no peso, na coloração e nas dimensões” (SÁ, 2001, p.32). Quando crua, a argila pode ser dissolvida pela água e, depois da queima, transforma-se em um material duro, que já não amolece com a ação desse elemento, ao contrário, passa a retê-lo. A definição do verbete cerâmica foi especificada por Ferreira (1971) como “a arte de fabricar artefatos de argila cozida. Qualquer desses artefatos” (FERREIRA, 1971, s/p). Já Fernandes (1998) refere que a “cerâmica é uma palavra que vem do grego, ‘Keramikós’, e designa todo o grupo de produtos resultantes da cocção de argilas, agregadas ou não a outros componentes” (FERNANDES, 1998, p. 6). Portanto, qualquer artefato, para ser definido como cerâmica, tem que ter passado pelo processo de queima, embora esse conceito possa ser discutido (MEDEIROS, 2011). Existem vários tipos de queima e tipologias de fornos, diretamente ligados ao sistema de aquecimento, que podem ser classificados em: elétrico (forno elétrico) e a combustão (forno a lenha e forno a gás). Estes últimos são os mais usados nos ateliês dos ceramistas. Geralmente os ceramistas populares em todo o Brasil não trabalham com o forno elétrico ou o forno a gás, mas sim com o forno a lenha e isso não é uma questão apenas de tradição, mas de falta de acesso a outras tecnologias justificada por vários motivos. Moramos em uma cidade – João Pessoa – onde o acesso a insumos, a equipamentos e à tecnologia de ponta, voltados para o campo da cerâmica artística, é mais difícil e dispendioso por estarmos situados geograficamente distantes dos polos produtores e distribuidores. Isso tem dificultado a estruturação de espaços especializados e bem equipados na área da cerâmica, e tudo que poderia advir como experiências, como, por exemplo, o Laboratório de Cerâmica do DAV/UFPB que coordeno. Devido aos altos custos de aquisição, transporte, instalação e manutenção de determinados fornos, particularmente o forno elétrico, ele não existe nesse setor da instituição, que investe pouquíssimo em infraestrutura e em equipamentos na área das Artes Visuais e, muito menos, na da cerâmica, ao contrário de outros setores da UFPB que têm esse equipamento. Obviamente a justificativa da falta de dotação orçamentária é uma desculpa não convincente, devido à falta de engajamento político dos gestores nas instâncias superiores para efetivar os pleitos e os projetos dos professores de Artes Visuais que tentam viabilizar várias aquisições e estruturar os espaços de trabalho. Por conseguinte, conviver com essa situação há anos nos exigiu versatilidade e criatividade. Uma alternativa que encontramos para resolver esse problema no referido setor da UFPB foi a utilização de modos simplificados e economicamente acessíveis, com ênfase na tecnologia primitiva para obter a terracota, especialmente os fornos de estru128

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tura fixa e os alternativos, em que se utilizam combustíveis sólidos, com a chama natural direta – as labaredas trespassam as peças e imprimem variações tonais imprevisíveis. Observa-se que a imersão nesse contexto nos encaminhou inevitavelmente para optar pela tecnologia primitiva, e, por conseguinte, a nos familiarizarmos com o empirismo e com a sabedoria popular. Essa tem sido uma das nossas prazerosas experiências com a tradição cerâmica e nos constituído como ceramistas. Sobre a tradição, Bornheim (1987) escreveu:

A palavra tradição vem do latim: traditio. O verbo é tradire, e significa precipuamente entregar, designa o ato de passar algo para outra pessoa, ou de passar de uma geração a outra geração. Em segundo lugar, os dicionaristas referem a relação do verbo tradire com o conhecimento oral e escrito. Isso quer dizer que, através da tradição, algo é dito e o dito é entregue de geração a geração. De certa maneira, estamos, pois, instalados numa tradição, como que inseridos nela, a ponto de revelarse muito difícil desembaraçar-se de suas peias. Assim, através do elemento dito ou escrito algo é entregue, passa de geração em geração, e isso constitui a tradição – e nos constitui (BORNHEIM, 1987, p.18-19).

A tradição e sua transmissão transcendem a própria existência humana, e o legado de experiências e conhecimentos construídos por uma pessoa durante sua existência produtiva permanece como referência para outras pessoas, outras gerações, mesmo depois do seu falecimento, como é o caso do Mestre Abimael Fonseca.

1. PESQUISA SOBRE FORNOS, COCÇÃO CERÂMICA E O ENSINO DE ARTE

Depois de alguns anos lecionando a disciplina ‘Cerâmica’ e coordenando o antigo Laboratório de Cerâmica do D’Artes, no contexto descrito, sistematizei conteúdos teóricos a partir de pesquisa bibliográfica, do contato com os ensinamentos de Mestres ceramistas – dentre eles, o Mestre Abimael e a Professora Katsuko Nakano – e de minhas próprias experiências, que resultaram na monografia, Sistemas elementares de queima: uma alternativa para as aulas de cerâmica2 (SÁ, 2001). O ponto motivador do que foi abordado neste estudo considerou um dado revelado no relatório de pesquisa, A situação do ensino de arte: mapeamento da realidade nas escolas públicas da grande João Pessoa (PENNA et al., 2000)3 , com base nas declarações das direções de uma parcela das escolas públicas. Nenhu-

2. Redigida durante a Especialização em Fundamentos Metodológicos da Apreciação e Crítica no Ensino das Artes na UFPB, 2001. 3. A pesquisa abrangeu a totalidade das escolas estaduais de ensino fundamental, no município de João Pessoa, que atendiam do 5º ao 8º ano, com a inserção da disciplina Artes na grade curricular, perfazendo o total de cinquenta e oito unidades. A coleta dos dados ocorreu em 1999.

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ma informou ter fornos cerâmicos. Assim, qualquer atividade nas aulas de Arte dessas escolas que envolvesse o uso da argila não completaria o processo cerâmico por não haver a queima. Foram enfocados neste estudo modos simplificados e economicamente acessíveis com ênfase na tecnologia primitiva com a chama direta, denominados de queimas em baixa temperatura 4 – entre 600º e 900ºC, ideal para a produção de terracotas. Essas queimas foram classificadas como cocção em fogo aberto (a fogueira, o buraco ou fosso, a lata), cocção em forno de estrutura fixa (com e sem abóbada) e cocção em forno alternativo (forno de papel), que são alimentados por combustíveis sólidos – madeira, carvão, pó de serra, entre outros. Foram destacados também as aplicações, as limitações, as construções e os manuseios (SÁ, 2001). Os comentários seguintes se limitarão ao forno de estrutura fixa, exemplificado antes na construção realizada pelo Mestre Abimael na UFPB, bem como nos conteúdos dos tópicos seguintes. No que diz respeito à evolução das tipologias dos fornos, a tecnologia empregada nessas construções, desde os fornos mais simples, redondos ou quadrados (Figuras 3 e 4), até os com abóboda, chaminé e porta (Figura 5), possibilitou muitos avanços até a criação de fornos mais arrojados, com chamas invertidas e sequências de câmaras para queimas em alta temperatura, como, por exemplo, os coreanos e os japoneses. Os fornos mais simples e os com abóbada e chaminé têm dois pavimentos: a lareira é a parte mais baixa da estrutura, onde se introduz a lenha e é mantido o fogo, e a câmara de cocção, onde ficam as peças. Nos fornos simples, depois que as peças são arrumadas, podem-se usar telhas, cacos de terracotas, chapa de ferro etc. como proteção (cobertura) entre as peças e a parte externa, diferentemente dos fornos com abóbada e chaminé (SÁ, 2001).

FIGURAS 3, 4 e 5 – Fornos de estrutura fixa simples (redondos e quadrados) e com abóbada e chaminé (SÁ, 2001, pp. 42, 46, 52). Desenhos: Joelsio Gomes

4. No que concerne à temperatura, a cerâmica pode ser: de baixa temperatura, de média temperatura – entre 950º e 1150º C, e de alta temperatura – entre 1150º e 1300º C. Esses números são relativos, pois os autores divergem, e isso depende do tipo de massa cerâmica empregada (SÁ, 2001).

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Basicamente, a queima é feita em quatro etapas: 1) arrumação do forno, que consiste em colocar as peças menores sobre as maiores; 2) o esquente com o fogo mantido e alimentado fora da lareira; 3) o cardeamento, que tem início com a entrada das brasas e das lenhas na lareira e culmina com a saída das labaredas por cima (nos fornos simples) ou pela chaminé (nos fornos com abóbada), depois de todas as peças estarem incandescentes; e 4) o resfriamento, quando as peças vão atingindo a temperatura ambiente e podem ser retiradas do forno (SÁ, 2001). Rhodes (1987) afirmou que o forno é fascinante e temperamental. A tarefa de conduzi-lo requer prudência, experiência e conhecimento. Aprender a conviver com o fogo, deslumbrante e ameaçador, é o ponto principal da tecnologia primitiva. Os sistemas elementares de queima vêm sendo usados, desde a Pré-História, por ceramistas de distintas culturas, em várias partes do mundo, que incorporaram essa tecnologia em seus processos poéticos, portanto, em seus processos experimentais. Abrange as produções de ceramistas de várias camadas sociais, numa diversidade cultural, pois abarca das produções simples até as mais herméticas, que exigem reflexões teóricas complexas. Nesse caso, tradição e ruptura em parceria na criação e difusão de novas possibilidades artísticas e teóricas, que proporcionam novos conhecimentos e experiências (SÁ, 2001). Considerando o exposto, as idéias escritas nessa monografia enfatizaram dois aspectos: o primeiro foi o processo de democratização do acesso à Arte a partir do acesso à educação, pois a educação concretiza o contato do aluno com o universo inexorável da cultura. Penna (1995) explicou que

[...] o objetivo central e último da educação escolar é de dar acesso ao saber, às diversas formas de conhecimento. Em termos mais amplos, é dar acesso à cultura – entende-se cultura como a produção coletiva de uma sociedade, ou mais ainda, como patrimônio de toda a humanidade, construído ao longo de sua história (PENNA, 1995, p.17).

A democratização da Arte, no contexto escolar, contribuiu para que os alunos se familiarizassem com as linguagens artísticas, por meio da fruição de obras produzidas em vários contextos culturais, da sistematização de conhecimentos e da experimentação. Assim, reforça-se a fundamental importância do papel da escola nesse processo, porquanto é a partir dela, sobretudo, que se possibilita o acesso à Arte como conhecimento (SÁ, 2001). O segundo aspecto foi o contexto escolar centrado nas escolas, com suas infraestruturas, nos professores e seus programas, com enfoque metodológico na Abordagem Triangular, e nos alunos, com suas bagagens socioculturais. No caso particular do conConceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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texto detectado na pesquisa mencionada, realizada por Penna et al. (2000), soma-se outro dado importante revelado: apenas cinco, das cinquenta e oito escolas pesquisadas, tinham salas específicas para as aulas de Arte. A falta de infraestrutura adequada, inevitavelmente, limita a atuação do professor, que deverá, dentro dos inúmeros conteúdos oferecidos pelas Artes Visuais e pensando numa carga horária específica, escolher os que se adéquem a esse contexto. É importante considerar a abordagem da diversidade cultural, porque, por mais que se discuta sobre as inúmeras diferenças e aproximações entre as manifestações culturais, existe uma unanimidade: a Arte produzida por todas as culturas tem sua importância. Conviver com a falta de infraestrutura e oferecer ensino de boa qualidade exige que os professores sejam capacitados e sejam versáteis e criativos. Eles são agentes fundamentais na formação da competência artística dos alunos, para que eles possam ser consumidores críticos de Arte. Por conseguinte, espera-se que os docentes estejam aptos à prática pedagógica em Arte (SÁ, 2001). Sabe-se que, no Brasil, o acesso à Arte diverge socialmente. Penna (1995) pontuou que a facilidade de aproximação com a Arte que tem uma criança da classe alta não é a mesma “que tem uma criança pobre de periferia ou da zona rural, para quem a própria sobrevivência ainda é uma questão vital” (PENNA, 1995, p.20). No entanto, cada indivíduo traz uma bagagem pessoal identificada com seu meio social. Diante disso, o professor deve montar programas e estratégias de ensino para ampliar o universo estético e cultural dos alunos. O ponto de partida são suas próprias vivências (experiências), que são significativas no processo de ensino-aprendizagem (SÁ, 2001). Considerando que não há fornos cerâmicos nas escolas públicas de João Pessoa, sugeri que a tecnologia tradicional para a obtenção da cerâmica de baixa temperatura poderia ser uma alternativa inicial para, posteriormente, serem inseridas outras tecnologias. Em outras palavras, acredita-se que não basta sonhar com práticas educacionais idealizadas e nada fazer. É sensato trabalhar com o que se dispõe, pensando na democratização da Arte, na diversidade cultural, sobretudo a brasileira, e no contexto precário de infraestrutura para as atividades com as Artes Visuais, mais especificamente, com a cerâmica (SÁ, 2001). Finalmente, o intuito do texto monográfico foi o de considerar o fato de a cerâmica ser um dos legados históricos mais importantes do Brasil e sua importância para o processo histórico da humanidade, por isso ela não deveria ser suprimida das propostas pedagógicas das escolas (por falta de infraestrutura e de equipamentos), nem dos programas dos professores que lecionam Arte (por falta de conhecimentos específicos). Ao contrário, crianças e adolescentes poderiam fazer suas experiências artísticas com a linguagem da cerâmica, e quiçá, ser despertado o interesse de futuros artistas/ceramistas. A referida monografia democratizou conhecimentos específicos sobre a cerâmica, necessários para a sua produção e, consequentemente, para o ensino de Arte (SÁ, 2001). Um dos desdobramentos deste trabalho está exposto no terceiro tópico “O premiado ensino da cerâmica na escola pública”. 132

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2. PROJETO DE EXTENSÃO PARA A PRODUÇÃO DE VÍDEOS

A utilização das mídias contemporâneas – o DVD, o CD-Rom e a Internet – como recursos didáticos indispensáveis nas aulas de Arte, tem facilitado o acesso a informações, democratizado conhecimentos e familiarizado alunos com o universo artístico e cultural. Com a finalidade de registrar e divulgar as atividades de ensino realizadas por mim, com a participação do Mestre Abimael e dos alunos da disciplina ‘Cerâmica’ da UFPB, elaborei e coordenei o projeto de extensão A cerâmica artística em foco, em 2004. O projeto foi desenvolvido no Laboratório de Desenvolvimento de Material Instrucional (LDMI), ligado à Coordenação Institucional de Educação a Distância (CEAD/UFPB), e foram produzidos dois vídeos (documentários) sob a minha direção, que abordaram os fornos e a cocção cerâmica: Mestre Abimael e a queima cerâmica: compartilhando saberes tradicionais, de 2004 (Figura 6), produzido por Roberta Crispim, Yorster Queiroga e Daslei Ribeiro, e “Forno de papel”, de 2007, ambos lançados em DVD pela Editora Universitária/UFPB.

FIGURA 6 – Capa do documentário Mestre Abimael e a queima cerâmica: compartilhando saberes tradicionais - 2004 Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Considerando o recorte deste artigo, destaco o vídeo, Mestre Abimael e a queima cerâmica: compartilhando saberes tradicionais, com duração de 17’10, que apresentou a construção do forno de estrutura fixa do Laboratório de Cerâmica do DAV/UFPB, seguida da queima inaugural com a produção cerâmica dos alunos. Nele foram detalhadas as etapas do processo – construção, enfornamento, queima e desenfornamento – e destacada a participação coletiva, além da homenagem ao Mestre Abimael Fonseca em vida, no ano em que se aposentou. Com imagens poéticas mediadas especialmente pelo elemento fogo, acompanhadas da delicada trilha sonora original, composta por Paulino de Oliveira Neto, o vídeo registrou um dos processos milenares de queima cerâmica mantido pela tradição oral.

3 O PREMIADO ENSINO DA CERÂMICA NA ESCOLA PÚBLICA

Um dos vencedores do XVII Prêmio Arte na Escola Cidadã, em 2016, promovido pelo Instituto Arte na Escola, foi Emanuel Guedes Soares da Costa, professor de Artes do Colégio Municipal Professor Nivaldo Xavier de Araújo, na cidade de Itambé, em Pernambuco. Emanuel Costa foi nosso aluno na UFPB, participou de fornadas e realizou uma produção sistematizada com a cerâmica durante o curso. O projeto premiado Cerâmica: arte elementar, de sua autoria, desenvolvido com seus alunos do Ensino Fundamental, ressignificou o olhar dos discentes sobre o fazer tradicional da cerâmica. Mas isso só foi possível porque ele próprio fez essa experiência quando era nosso aluno na UFPB. Conforme afirmou Costa (2016), o desejo de propor práticas inovadoras com a cerâmica no colégio onde lecionava ocorreu desde que ele cursou nossas aulas de Cerâmica na UFPB, mas, na época, o colégio não dispunha de uma sala específica para as aulas de Artes (isso só foi viabilizado em 2013) nem um forno para a cocção cerâmica, que só foi construído durante a implantação do projeto vencedor. Essa construção do forno foi baseada em nosso trabalho monográfico, Sistemas elementares de queima: uma alternativa para as aulas de cerâmica (SÁ, 2011). Embora a situação da escola onde Emanuel Costa lecionava fosse localizada no estado de Pernambuco, não era diferente das que foram citadas nos dados da pesquisa de Penna et al. (2000) realizada em João Pessoa. O projeto Cerâmica: arte elementar foi pautado, metodologicamente, na Abordagem Triangular, no tripé proposto por Barbosa (1991) – apreciação, contextualização e produção. Costa (2016) resumiu assim o projeto: [...] a proposta visou conhecer e refletir saberes de caráter artístico, sociais, regionais e históricos atrelados à cerâmica, assim como alargar as possibilidades expressivas, experimental e estética entre os discentes. Para tal, fora construído um forno rudimentar, desenvolvida a

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pesquisa para aplicação do projeto e aplicados acordo didático e aulas teóricas. Foram contextualizadas imagens acerca do advento e história da terracota, apreciada a produção em algumas regiões do mundo e de artistas contemporâneos, assim como, vistas possibilidades de composição. Os modelados em argila foram desenvolvidos no laboratório em grupos ou individualmente, estimulando-os a experimentar a inserção de outros materiais, mas, respeitando a concepção estilística de cada autor/grupo. Toda a produção discente fora exposta em uma mostra de Arte, após um participativo processo de análise (COSTA, 2016, p.1).

Convém lembrar que esse projeto só foi viável porque teve o apoio de gestores escolares comprometidos com a qualidade do ensino de Arte, que providenciaram o que era necessário para a escola ter uma sala específica para as aulas de Arte e para a construção do forno a lenha. Confesso que me sinto feliz e orgulhosa de ver concretizada a prática docente competente em escola pública, sobretudo exercida por um dos nossos alunos, que soube compartilhar os conhecimentos aprendidos sobre a tradição cerâmica e as rupturas, para ressignificar o olhar dos seus jovens discentes. Vê-se a democratização da experiência cultural compartilhada no campo da cerâmica, realizada numa escola pública do Nordeste brasileiro, a qual, provavelmente, é uma das poucas no Brasil ou, talvez, a única que tem um forno a lenha para a cocção cerâmica. O documentário Cerâmica: arte elementar está disponibilizado na Internet para quem desejar assistira ele. Nesse rico projeto, foi possível identificar nossos ensinamentos em cada detalhe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em cada tópico apresentado neste artigo, estão refletidos os conteúdos da transmissão de saberes feita pelo Mestre Abimael Fonseca sobre a construção de fornos tradicionais para a cocção da cerâmica artística. Foram apresentados os desdobramentos acadêmicos de ensino, pesquisa e extensão na UFPB, no campo da cerâmica, que tiveram e continuarão tendo sua influência. Isso demonstra que a experiência cultural compartilhada não se finaliza. Assim, burla-se a morte e instaura-se a memória viva nas gerações seguintes, neste caso, as gerações de ceramistas. Portanto, nossos alunos da UFPB são, potencialmente, transmissores da tradição cerâmica e suas rupturas. Oportuno afirmar que o Mestre Abimael Fonseca se mantém vivo na memória de seus familiares, na minha memória e na dos nossos alunos ceramistas através do legado que deixou. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Amador Ribeiro Neto 1

Novíssima poesia paraibana: um quarteto que estreia nos anos 2000 RESUMO A novíssima poesia paraibana, aquela que estreia nos anos 2000, tem conseguido reconhecimento local e nacional. A partir desta observação, o artigo elege cinco poetas estreantes e comenta suas poesias, destacando a especificidade da dicção poética de cada um deles. Palavras-chave: Poesia. Poesia paraibana contemporânea. Novos poetas.

ABSTRACT The all-new Paraiban poetry, one that had its debut in 2000, has achieved local and national acknowledgement. From such an observation, the article elects five newcomer poets and comments on their poetry, highlighting the specificity of poetic diction in each of them. Key words: Poetry. Paraiban contemporary poetry. New poets.

1. Professor Doutor Titular do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Campus de João Pessoa. E-mail: amador.ribeiro@uol.com.br

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A poesia paraibana contemporânea, produzida na última década do século XXI, tem merecido o reconhecimento nacional de editores, leitores e críticos. Isto comprova o vigor de uma produção poética que vem dos cantadores populares, passa por Augusto dos Anjos e chega a Sérgio de Castro Pinto. Este, sem dúvida, grande nome da poesia brasileira contemporânea – e um dos mais expressivos de toda a história da poesia paraibana. Na rica cena da poesia paraibana dos últimos anos, vários nomes têm aparecido. Na impossibilidade de contemplar parte significativa deles, elegemos 5, com dicções distintas. E que têm muito a dizer-nos sobre esta poesia que reverbera na Internet, em saraus, em debates públicos, em salas de aulas. Vamos aos poetas.

1. DANILO PEIXOTO: ECONOMIA VERBAL E EMOÇÃO DA LINGUAGEM

Danilo Peixoto é um imantado na imagética da palavra, sem descuidar-se da camada sonora e do vasto universo das ideias. Tudo numa dança de sugestivos significados, significantes e significações. Em diálogo franco e aberto com a grande poesia de variados tempos e lugares. Oásis ou asas (São Paulo: Patuá, 2015) seu livro de estreia, abre-se com o poema Palavra, que se vale da metáfora da sede, associando água e boca. E projetando o leitor para os campos da fala, da língua, da palavra (boca) e do sertão (água que falta). Sem ser regionalista, o poeta fala de uma das múltiplas realidades nordestinas. Que são, também, universais. O livro mantém, em vários momentos, a sede, a seca, a água e a luz, como referentes que brilham estrelados nos poemas. O poema “Palavra” dialoga, diretamente, com “Espúrio”. Em ambos, dentre outros, veracidade e verossimilhança da representação são lançadas ao léu, num desprendimento pós-moderno – e até religioso, como veremos adiante. Já em “Corpoema”, outro poema correlacionado, o corpo se apresenta perene, mas a poesia continua “sem verso como parte / sem palavra como // leme”. Em “Um maduro jovial” ou “Do desejo de ser poema”, a velhice pede “um poema sem final”. Isto é: vida e arte fundem-se na incompletude e na brevidade de cada instante. A interação entre a coisa bruta e sua diafaneidade, num processo de reverberação da luz dentro do objeto, é outra característica de sua poesia. Há casos em que, neste vaivém, o ente fragmenta-se, rarefaz-e e, por fim, pulveriza-se, como em “Vozes”, “Absoluto abstrato”, “Fluidez, Inutensílio”, “Absoluto abstrato”, etc. Há um matiz religioso na poesia de Danilo Peixoto. Trata-se, via de regra, de uma religiosidade cristã mergulhada no conflito corpo/alma, que ora se debate com opos138

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tos irreconciliáveis, como “carne etérea”, ora proclama os princípios cristãos em “alma queimada” e “arrependimento aflito” de “Implosivo”, bem como em “eu / que rastejo no solo / temerário da heresia / sob a égide da fé”, de “Ofício”; em “Medo” o eu lírico pontua: “não a coragem / mas a esperança”, num par que substitui a ação heroica pela resignação da espera; “a saudade de alguém / de outra vida”, de “Fluidez”, remete à reencarnação, que vai para além do cristianismo; os olhos enquanto espelho da alma surgem em “o olhar / suprema concisão / da alma”, de “O olhar”, que ainda nos traz Platão, revivido, cristãmente, nas dualidades de realidade e sua representação: “até que a caverna / devore suas próprias / sombras”. Mesmo na saudade do amor renegado, a semântica é religiosa: “na alma não cabe o esquecer” e “a prece mal feita / seguida do grito descrente”, de “Ausência”. O inferno dantesco arde em “lume de satã / portal ígneo / de outra dimensão”, de “Consciência”; e por aí afora. A forte presença das imagens leva o poeta a subintitular “Metapoema do círculo como a partir de uma fotografia no escuro”. Em “Medo”, a imagem plástica reflete a aflição de um corpo metonimicamente apresentado pelas unhas: “labirinto de vidro / marcado por unhas em / desespero”. A mesma imagem do claro no escuro revela-se em “fotografia no breu”, de “Inutensílio”. E no título do poema “Fotografia”. No campo dos diálogos com a produção de outros poetas, Danilo Peixoto vale-se de intertextualidades com Augusto dos Anjos (“eu, escravo do oxigênio / e da luz / filho e prisioneiro do / planeta terra” de “Ofício”, ou em “a esperança, coitada, até que resistiu / até o último suspiro”, de “Palavras reescritas”; ou: “ah, caos carbônico / que muda / e se desnuda”, de “Ciclo”; ou “olhar que queima / as quimeras ínfimas / do infinito / claustrofóbico / do meu ser”, de “Queimadura”; Bandeira aparece em: “quero agora as coisas estranhas / arquiteturas estranhas”, de “Todas essas coisas”; Apollinaire surge no caligrama de “Instinto”; Mallarmé está presente desde o título do poema “Jardim mallarmaico” até os versos “perito em admirar a / face que não conheço / do meu jardim // poeta, trucido o / vazio das flores / ausentes”, do mesmo poema. “Ceia” nos traz Mário de Andrade com seu conto “O peru de natal” (“nos braços do natal / um perupoemaqualquer”; de Augusto de Campos, o poema cidade (“cidade unívora de augusto”), mas também a espacialização invertida de “Chuva”; bem como em “Majestade”: “cicatristeza de hiena / o leão carrega a cicatriz”; o poema “Encantação pelo riso”, de Khlébnikov, na célebre tradução de Haroldo de Campos, surge em “revolve risos / rerrisos, desrisos”; o poema “Inutensílio” é leminskiano desde o título, enquanto “Vozes” ressoa a dicção do poeta curitibano, particularmente nos versos finais: “viver é um grito / de susto”, e “Naufrágio” açambarca Leminski e Mallarmé no terceto final: “eu assino, lanço o dado / discuto com o acaso / cismo de abolir o destino”; Caetano Veloso reverbera em “sanções de sins / são sons”, de “Epidemia”; Chico Buarque na construção estrutural de “Efeitufão”; Já “Um corte no céu”, belo desde o título, é escrito ao modo do poeta Sérgio de Castro Pinto; Maiakóvski surge com seu poema “A extraordinária aventura vivida por Vladímir Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Maiakóvski no verão da datcha”, numa tradução de Augusto de Campos, em “Adorno”: “um sol conversador / num verão russo ou não”. Neste mesmo poema, Lau Siqueira é reverenciado : “voam, semilivres / de culpa ou poesia, / para dentro e distante / de mim / meus tigres / mortos e livres”. Drummond não poderia faltar, e “Sobre pedra” revisita a pedra como perda, parede e crack. Décio Pignatari renasce em “Reencarnação”; Augusto, Haroldo, Décio e José Paulo Paes têm fragmentos de seus poemas em “Recortes de uma direita recém-comprada” ou “Da inspiração do negócio”; Glauco Mattoso e Pedro Xisto reverberam e espelham-se no poema visual “SOS”. Etc. O humor é outro traço desta poesia de vários vieses. Em “Sertão Miami”, num caldeirão antropofágico pós-moderno, estão lado a lado “ipod de matuto véi” e “hits popmusicofamérica”, “bares sem água pra beber” e “os cabra / tange as vaca / montado nas cg”. A sintaxe abreviada expande a linguagem da poesia para os campos da oralidade, num recorte feliz e sucinto. E o humor reaparece corrosivo quando fala da morte: “na verdade, morrer é dar língua / para os limites / mangar da cara deles / infantilmente”, de “Intervalos”; em “Poema de amorconfuso”, o eu lírico questiona, reclama e ama, sem entender o porquê de certo comportamento da amada – e leva o leitor ao riso gostoso, pois este também sente-se contemplado pelo poema-canção-piada. Por fim, a rarefação da coisa e de sua representação, bem como da poesia como algo que se dá (ou se nega), no fluir, no fruir e na fluência da vida, convertem a poesia de Danilo Peixoto num grande texto de significativas importâncias e referências poéticas. Disfarce, dissimulação, falsidade, inverossimilhança e engano perpassam oásis ou asas em versos memoráveis, como: “é o disfarce de pássaros sem asa / que uso e ouso voar”, no poema “Papel de poeta”. Danilo Peixoto estreia com um livro bonito e pleno de encantos. Cheio de sutilezas e sagacidades. Pra festa-alegria dos leitores.

2. JON MOREIRA: POESIA EXATA E DE VIÉS

Jon Moreira estreia com Anjo diluidor (São Paulo: Patuá, 2015). E, ao contrário do que pode sugerir o título, não abranda, não suaviza, não rarefaz a concentração de nada. Ao contrário: o nome do volume, retirado do título de uma canção de outro paraibano, Chico César, remete, isto sim, a uma ironia que perpassa todo o livro. A ironia, registre-se, fina ironia, – diria quase sempre velada –perpassa os poemas como algo dissimulado ou transverso. O “anjo”, na acepção de ente espiritual ou pessoa bondosa, passa ao largo da poesia de Jon Moreira. Mas deus e religião são temas de alguns poemas. Não para enaltecer a religiosidade – devota ou piegas. Menos ainda para louvar deus. Ao contrário: o 140

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que se constata no livro é um ateísmo convicto que se vale do sagrado para desmascará-lo, para despir sua invencionice. Para dar ao homem o que é do homem: poder de pensar-se num mundo em que ele próprio é o dono da história e da linguagem – e não crer cegamente em entes ou valores transcendentais. A última estrofe do poema “Higgs” pontua: “Um dia que já não bastava / ser-se / Adão, sentindo-se só / Criou Deus”. A inversão da mitologia judaico-cristã confere ao poema a transversa ironia a que me referi acima. Ela vaza o poema desmontando um dos pilares da crendice ocidental – ou, mais especificamente, a latina – e a latino-americana. A poesia de Jon Moreira, calcada, antes de mais nada, na busca de uma textura da linguagem, na procura de um rigor da palavra, no zelo com a sonoridade, com as imagens e com as ideias elege, enquanto um de seus modos de expressão determinante, a metalinguagem. Não a metalinguagem explícita, didática e exaustiva. Mas aquela que sabe projetar-se como um elemento sutil, quando na verdade é um tsunami de emoções. Eis aqui outra característica de sua poesia: ela trabalha a semioticidade da palavra, associada a um feixe de emoções. O leitor sensibiliza-se com esta linguagem de linguagens. Com este corpo a corpo do poeta com a expressão poética. Uma sensibilidade que advém do equilíbrio entre “o que se diz” e “como se diz”. Enfim, a emoção nasce do trabalho com a palavra, e não da verborragia destemperada de vocábulos seguidos por interjeições ou reticências. Aliás, o uso que o poeta faz da pontuação, bem como da sintaxe, e do recorte semântico,resume-se ao essencial. Sempre que possível, a pontuação é suprimida em benefício de uma maior cumplicidade do leitor. A sintaxe promove uma relação limítrofe entre a norma culta e a popular com admiráveis resultados. A semântica sabe colher os vocábulos mais expressivos, quer para afirmar ou negar uma ideia. Enfim, até nisto Jon Moreira sabe manter o leitor cativo. Ao lado do ateísmo e da metalinguagem, o erotismo apresenta-se em sua poesia de duas maneiras: ora nu e ora cru – fazendo parelha íntima com a pornografia. Aqui, a diferença que estabeleço entre erotismo e pornografia nada tem de moral. Antes:relaciona-se com o modo pelo qual o objeto se a-presenta (heideggereanamente falando) na cena. Se insinuado, ou parcialmente expresso, nomeio-o erotismo; se explícito e desnudado em seu caráter de crueza, pornografia. A nenhum dos dois casos aplico o adjetivo obsceno. A ambos penso o uso da linguagem em primeiro lugar. Tomemos rapidamente o poema “Beijo”. A genitália feminina desdobra e descolase entre o vermelho que se estende do batom dos lábios às formas contíguas da vagina. Zona de transição entre os conceitos. De fato, a literatura é o campo dos múltiplos significados e significantes. E sua teoria também o é. Para sorte dos que amam a arte. E para desespero dos aristotélicos e cartesianos de plantão. Pois bem, para desenhar a imagem pornográfica, encontramos no poema o voConceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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cábulo “cu”. O monossílabo tônico, tão forte no som quanto impactante no significado, aparece desprovido de qualquer insinuação. Surge direto e explícito impondo o sexo desnudado e à luz direta: “o beijo / (...) tem forma de cu”. Cito o poema na íntegra: O beijo – do excesso de batom no papel jogado – tem forma de cu nas pregas do lábio no círculo aberto, vermelho, ágil. Já em “A primeira manhã” a descrição estampada cede lugar à exposição de ideias dissimuladas. O conceito vai esboçando-se pouco a pouco, com a calma e a intencionalidade do desejo. Os corpos entrelaçam-se na voz do silêncio, trancados um dentro do outro. A imagem é levemente sugerida. O ritmo dos versos arquiteta a estrutura da cena. O amor (enquanto Eros >erotismo) impera ímpar. Eis o poema: O sol – como num clichê de novela – esperou por nós e a sós, nascemos. O silêncio nos foi pai ao redor das bocas calou-nos a sete nós trancando um tão por dentro d’outro que ressoa num a outra muda voz. Outra marca da poesia de Jon Moreira é a referência – direta ou sutil – à poesia de Augusto dos Anjos, Drummond, João Cabral, Glauco Mattoso, Paulo Leminski, Augusto de Campos, entre outros contemporâneos. O poeta sabe associar a poética da condensação, da negação, da sacanagem, da metalinguagem, da materialidade dos vocábulos a um coloquialismo bem natural e equilibrado. Ao lançar mão do recurso de versos inteiramente rasurados, é como se ofertassenos o rascunho do poema a ser recuperado – ou suprimido. Ou seja: o que permanece como definitivo traz consigo as marcas do que fora efêmero. 142

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Melhor: sutil efêmero. Efemeridade reforçada. Já que o que era para ser ignorado, comparece enquanto sombra do que se firma como realidade. Jogo de luz e sombra – se caro aos poetas barrocos – aqui ressurge refletindo muito mais a prosa poética de Machado de Assis em D. Casmurro, do que as circunvoluções pictóricas daquele movimento artístico. Digo que em Jon Moreira o par luz-sombra espelha o Bentinho que escreve e apaga “pichações” para Capitu, no muro de sua casa. Em que o próprio narrador machadiano pede ao leitor que “risque” o que ele escrevera em capítulos anteriores. E mais que tudo: ao final do livro, sugere ao leitor que anule tudo que fora lido. E que se dirija a outro livro – aquele que ele promete um dia escrever. Em resumo: o lido deve ser renegado. O que está para ler-se é o que vale. Fina e corrosiva ironia machadiana. Pois bem: este recurso de “riscar” as palavras, usado por Jon Moreira, faz o leitor descer à gênese do poema e poder constatar sua feitura e sua recusa. Falsa recusa? Melhor dizer: oblíqua recusa que, antiteticamente, às avessas, nega – para afirmar e incorporar o negado. Não como superação dialética, mas enquanto incorporação semiótica da falha. Pois bem, a poesia de Jon Moreira, ainda que incipiente – repito – anuncia um promissor poeta. Pelo que tenho acompanhado de sua trajetória, aposto na continuidade de suas leituras – tanto de poesia como de teorias – e, por isto mesmo, aposto em seu talento, na continuidade de sua produção poética. O leitor encontra em Anjo diluidor uma expressiva mostra da jovem poesia de hoje. Em tempo: anjo quer dizer enviado. Que poesia concisa e de viés este anjo nos traz.

3. CEZAR ESTURBA: A IRREVERÊNCIA COLOQUIAL A SERVIÇO DO LIRISMO

Cezar Sturba (1977) estreia com O livro verde das verdades (João Pessoa: Edição do Autor, 2008). Aquela poesia bem ritmada, com imagens plasticamente elaboradas, como se diluídas de Drummond, ou de alguma fase drummondiana diluída, não tem lugar nem vez no livro deste poeta. Sem editora, e feito precariamente, o volume choca de cara ao apresentar um “Prefácio” em branco e com a indicação “Leia sem pressa”. A seguir, um índice propositalmente borrado e sem os números correspondentes das páginas. Finalmente o livro inicia-se: contém poemas e pequenos textos em prosa. O humor infiltra-se nos parênteses dos títulos dando um sabor de irreverência e (ou) lirismo aos textos. Reiteramos: não há espaço para as formas convencionadas do “fazer poesia” hoje – ou de sempre. O ideário beat percorre os textos em prosa. O lirismo rimbaudiano, os poemas. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Cezar escreve com a naturalidade da fala: seus textos não emperram a leitura. Antes: têm a cadência do coloquialismo associada ao lirismo citadino. A cidade com seus automóveis, bares, mulheres (e seu mar) montam o cenário de um repertório de situações paradoxalmente familiares e estranhas. A estranheza está na força de uma rebeldia contra a cristalização de costumes e comportamentos: “Nademos até a noite, erremos pelas ruas / enquanto o vendaval arruína meus cabelos. / Tijoladas não quebram aquelas vidraças”, provoca o eu-lírico logo no poema que abre o livro. E, ao leitor, não cabe outra saída a não ser seguir os passos indomáveis e sedutores desta voz que não se identifica – mas que, no entanto, nos é trivial. Os malditos “e todos os outros sábios de espírito” são bem-vindos em “Foda-se”, o poema seguinte. Já não resta dúvida: a irreverência lírica e juvenil perpassará o livro de ponta a ponta. No belo “Alheios” a naturalidade rítmica lembra a singeleza bandeiriana. Mas a força das imagens nos remete aos easy riders com seus gestos contraculturais. Vale a pena transcrever todo o poema: largou tudo e veio veio com seus traços, seus pertences veio nua brincando com os perigos veio louca e rodando até morrer gargalhando beijou meus pés e me pediu o mundo me empurrou contra os rochedos e se largou criança na areia ordenou que eu acelerasse o carro aumentou o som soltei os cintos de segurança e capotei o carro para sermos eternos e dormirmos puros ao som do riso de um anjo

Na prosa, “Bocejo” surpreende pela desautomatização que opera em nossa percepção da cena narrada. Tudo encaminha para um lado diferente do usual, mas que o leitor vai adivinhando passo a passo. Todavia, ao final, tal como num desfecho de clímax dos contos de Allan Poe, o texto encerra-se surpreendendo o leitor com uma sublimidade dolorida e muito próxima de nós. O “Poema paralítico” faz um uso criativo do alfabeto: os versos são formados por palavras que seguem a ordem alfabética, sem repetições. Também visualmente ele 144

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é bem expressivo. “As ondas do mar davam aulas de minimalismo”, pontua a prosa de “Sexta à noite, Bessa-Tambaú”. Imagem condensada do vasto movimento das águas. Como se constata, Cezar Sturba chega com novidades dentro da produção paraibana. Não vou dizer que seu livro é todo feito de grandes sacadas, mas o que importa é que estamos diante de um jovem escritor sensível à sinuosidade da linguagem literária. E que escreve com leveza. Sua escrita flui com naturalidade de um papo entre amigos. Os mais conservadores (na forma e nas ideias) certamente vão se assustar com esta energia possante diante da vida e da linguagem. Mas não terão como negar que estamos diante de um promissor talento das letras. Porque o que Cezar Sturba menos tem é o ranço dos academicismos beletristas que infesta nossa literatura. E isto é promissor. É um tapa na cara da mornidão.

4. EXPEDITO FERRAZ JÚNIOR: A LINGUAGEM ERÓTICA QUE BRINCA. Expedito Ferraz Júnior (1970) com Poheresia (João Pessoa: A União, 2014) estreia com a palavra contida, enxuta, talhada no corpo nu da linguagem. E, por isso mesmo, no exato território da emoção. Seu poema é pensado enquanto linguagem que emociona. Drummondiano aqui, acolá esbarra em Augusto de Campos/Cummings, pra pipocar no melhor do razoável Leminski. Do primeiro, a matéria viva do cotidiano. Dos segundos, a parcimônia do vocábulo in essencia, desenhado no branco da folha. Do último, os trocadilhos e o humor que reverberam no título do volume e espraiam-se por vários poemas. Lê-se Poheresia com leveza na alma e riso maroto nos lábios. E a arquitetura dos poemas fica ainda mais bela por não se enxergar os alambrados que esconderam sua feitura. Tudo pronto, assim que é bom. E é nesta gostosura que sua poesia atinge o leitor. Seja ele um fruidor de poesia. Ou um “chato-boy”, na expressão de Oswald, à caça de novidades no poema. A ambos a poesia de Expedito Ferraz Jr. seduz. Com leveza, graça e inventividade. O tríptico de poemas com o tema “céu” (de Van Gogh, Buñuel, Bashô) recorta a cena pictórica de cada um destes artistas com a condensação de ideias e imagens dignas do minimalismo mais fecundo. O haicai dedicado a Bashô pode ser lido de cima pra baixo e vice-versa. Ambos os movimentos de leitura refletem a beleza do céu espelhado no lago. E realçam os riscos do mergulho ingênuo da rã: lobo sob a lã: disfarçado em céu o lago engole a rã Se o cinismo à la Sterne ronda a poesia, é bom não perder de vista a grande asa Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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da sedução que os poemas arrastam pelo – e para – o leitor. O erotismo desponta de variados modos. Sarcástico em “I’m Donne”: em templos de culto ao corpo só creio na consagração do corpo alheio Torna-se delicado em “Duília”: agora sei os teus seios a que sabem E volta corrosivo em “1º motivo da amada inculta”: O pastor que não quis Lia, O cisne que iludiu Leda, O ledo engano de Inês: Só a ti, inculta amada, é que o amor não diz nada? Só tu, Vesta, não o vês?

É na contramão da via de mão dupla que o poeta dirige sua poesia. Sabe que o caminho do fácil é dificultoso. No entanto, a coloquialidade que consegue surpreende pela naturalidade. E, ao encontrarmos a intertextualidade com artistas dos mais variados códigos, constatamos que o pesquisador de Semiótica sabe criar semioticamente. E cria muito bem. A ponto de lermos sua poesia no balanço das redes pessoais, sociais ou... das varandas. Enfim: no vaivém da vida gostosa. Assim, Poheresia, reunindo 25 anos de produção de Expedito Ferraz Jr., segue 146

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como obra oblíqua na contracorrente da mesmice enjoativa de grande parte da poesia atual. O leitor está diante de uma poesia parcimoniosa. Inteligente. Chistosa. Sensível. Irônica. Exata. Que se lê entre delícias. Voltando nas páginas. Pedindo mais. Querendo bis. À espera de novo livro. Evidentemente. Concluindo: a novíssima poesia paraibana revela, nos livros de estreia destes quatro poetas, que pode dar uma rica e imprescindível contribuição à poesia nacional. Num momento em que o cenário da poesia nacional, com raras exceções, é dominado pelo espontaneísmo emocional e verborrágico, o vigor e o rigor desta poesia paraibana contemporânea é uma golfada de oxigênio num meio asfixiado e asfixiador. É um alento a ser celebrado. E que, de fato, vem sendo, pelo público e por críticos literários, bem como por editores voltados para a excelência da qualidade da poesia. Desta forma resta-nos, mais do saudar a poesia de Danilo Peixoto, Jon Moreira, Cezar Esturba e Expedito Ferraz Junior, aguardar a publicação de seus novos livros, para o deleite dos mais exigentes e sensíveis leitores ao apelo da palavra de “quebrar dentes”, da palavra que é o “magro do prato”, da palavra que é “novidade sempre renovada”, da palavra que imiscui-se pelas vias da “desautomatização da percepção”, da palavra que é “revelação deste mundo e da fundação de outros universos”(*). Enfim, da palavra que é massa de sangue, osso, músculo e tutano do corpo da poesia.

REFERÊNCIAS

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Maria Ivete Martins Correia1

A transformação paisagística do município de Areia: elementos para um debate RESUMO O presente artigo é fruto das nossas inquietações em face das evidentes transformações observadas na paisagem do município de Areia, apontado no Atlas dos Municípios da Mata Atlântica divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, como o município paraibano com a mais extensa área de vegetação natural desmatada entre os anos de 2000 e 2014. Analisa a gravidade desta devastação face às características geomorfológicas do território, à luz do Código Florestal Brasileiro. Perquire também sobre a atual sangria efetuada em seus mananciais e sobre o assoreamento da malha hídrica, desnudada da sua vegetação ciliar. Constitui um chamamento ao debate, uma convocação às instituições competentes e à sociedade civil para o enfrentamento da urgente questão ambiental instalada naquele reduto paraibano que outrora foi apontado como a Suíça brasileira e a Petrópolis nordestina. Palavras-chave: Mata Atlântica. Paisagismo. Desmatamento em Areia. Sustentabilidade. Preservação ambiental.

ABSTRACT This article is the result of our concerns in the face of the obvious changes observed in the landscape of Areia, showed on the Atlas of the Atlantic Forest Municipalities released by the SOS Atlantic Forest Foundation, in partnership with the National Institute for Space Research - INPE, as the municipality in Paraiba, with the most extensive area of natural vegetation deforested from the years 2000 through 2014. It analyzes the severity of

1. Professora Doutora do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa/PB, mimsantiago@hotmail.com

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such devastation, in face of the geomorphological features of the territory, in the light of the Brazilian Forest Code. It also scrutinizes the current drain of large proportion, occurred in its springs and the silting of water network, denuded of its riparian vegetation. It is a call to debate, a call to the responsible institutions and civil society to confront the urgent environmental issue installed at that Paraiban stronghold, which was once touted as the Brazilian Switzerland, and the Northeastern Petrópolis, too. Key words: Atlantic Forest. Landscaping. Deforestation in Areia Municipality. Sustainability. Environmental preservation.

INTRODUÇÃO

Retratada nos livros da história do Brasil, a clareira onde se fixou a cruz para a celebração da segunda missa no primeiro dia do mês de maio de 1500, prenunciava a violenta devastação que ultrapassaria os períodos Colonial e Imperial, estendendo-se ao longo da República, em impacto predatório que a política ambientalista não tem sido capaz de controlar. Das preocupações de José Bonifácio de Andrada e Silva - primeiro brasileiro a fazer observações de cunho ecológico sobre o nosso país – até a contemporaneidade, ecologistas e ambientalistas não repousaram recostados em almofadas de seda ou de veludo. Ao contrário, têm dormido na cama de Procusto2, ou têm silenciado sobre seu próprio sangue, como ocorreu com o líder sindical Francisco Mendes Filho, seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista brasileiro, em 22 de dezembro de 1988, em Xapuri, Acre; com o biólogo e ambientalista Paulo César Vinha, em 28 de abril de 1993, que posicionou-se contrariamente ao extrativismo de areia na região de Guarapari, Espírito Santo; com a americana Dorothy Stang, líder na luta pela reforma agrária e coordenadora de projetos de uso sustentável da floresta em áreas de assentamentos do INCRA, em 12 de fevereiro de 2005 na cidade de Anapu, Pará. Em nossa Mata Atlântica, restam, ameaçados, 12% da cobertura original, o que lhe confere o indesejável título de floresta mais ameaçada do Brasil, na atualidade. O pau-brasil, que agrega a importância de nominar o solo pátrio, teve a sua comercialização iniciada em 1503, por Fernão de Noronha e foi considerado extinto em 1920,

2. Personagem da mitologia grega usado como metáfora para criticar a imposição de um padrão que representa a intolerância. No presente caso, remete à imposição da razão e do progresso em prejuízo do equilíbrio ambiental. Procusto acomodava seus hóspedes em uma cama de ferro. Aos que ultrapassassem a medida da cama, amputava o excesso. Àqueles cuja estatura fosse inferior às medidas do leito, esticava até a morte. Teseu, herói ateniense, prendeu Procusto em sua própria cama e cortou-lhe a cabeça e os pés, aplicando-lhe o mesmo suplício que infligia a seus hóspedes. Atualmente, ao extinguir as florestas, os seres humanos, cortam lentamente o seu próprio sopro de vida.

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quando o então presidente Epitácio Pessoa observou que dos países dotados de grandes florestas, o Brasil era o único a não possuir Código Florestal. Somente em 1972 o espécime seria reincorporado ao nosso patrimônio ambiental, por força de uma campanha nacional iniciada pelo professor Vasconcelos Sobrinho, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. O lento despertar da população brasileira para enxergar a prepotência que exerce sobre a natureza se faz em nome do progresso referendado em uma ciência que não respeita critérios para articular desenvolvimento e preservação ambiental. .

A QUESTÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE AREIA

Um olhar sobre os localismos valorizados nos cânones pós-modernos nos remete a Areia, município do brejo paraibano outrora detentor da maior cobertura de Mata Atlântica alta do Estado, onde a agressão ao ambiente torna-se particularmente preocupante, em razão das suas características geomorfológicas. Ali, a devastação da malha florestal seguiu a implantação dos ciclos econômicos, dando lugar às culturas de subsistência e, em maior escala, às culturas do algodão, café, cana-de-açúcar e sisal. Presentemente, a “limpa” da vegetação alta que resistia nos cocurutos dos morros, abre espaço à pecuária, prestando-se pouca ou nenhuma atenção às interligações existentes entre os sistemas vivos que asseguram a sustentabilidade dos ecossistemas da região e desconsiderando-se a vocação, inspirada pelo clima e pelo solo, para as culturas de subsistência, a floricultura, a fruticultura e a horticultura. O ano 1931, em que se começou a conceber o primeiro Código Florestal para o Brasil , é marco de um violento luto ecológico com a “execução” da Gameleira, relicário 3

dos sonhos e segredos da cidade de Areia, por determinação do prefeito Jaime Almeida4. À importância social e ambiental das nossas matas ao regularem o fluxo dos mananciais, controlarem o clima, assegurarem a fertilidade do solo, purificarem o ar, preservarem a estabilidade das escarpas e encostas das serras e abrigarem rica variedade de espécies da flora e da fauna, acrescentamos seu papel na composição do belo, que historicamente conferiu a Areia uma estética diferenciada. Com o desmatamento, vêm rareando, do genipapo, os licores; do trapiá, os ardores; da pitomba, os humores; do goiti, os odores; da guabiraba, os dulçores, do araçá, os sabores... O corte das nossas palmeiras não apenas silenciou os sabiás e as juritis que arri-

3. Seria efetivamente formulado em 1934 e sancionado pelo Presidente Getúlio Dorneles Vargas, através do Decreto 23.793/34. Neste documento, estabeleceu-se que em todas as propriedades deveriam ser mantidas reservas florestais que compreendessem no mínimo, 25% da área total da propriedade. (Santos Filho et al, p. 278). 4. Para abraçar seu tronco, cuja circunferência media quinze metros, oito homens se davam as mãos, rosto colado ao caule, num beijo instintivo ao corpo do gigante cuja grandeza constituía motivo de orgulho para todos os habitantes da terra. (ALMEIDA, H., 1980, p. 204).

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baram para outras paragens. Extinguiu também a ocupação das fazedoras dos rosários de coco vendidos na feira livre de Areia. Sem a banana gravatá, bromeliácea típica da nossa tropicalidade, assistimos hoje às cenas de equilibrismo dos saguis sobreviventes, na fiação elétrica. E procuramos: onde estão as ingazeiras que ciliavam os riachos sob cuja sombra desnudavam-se as meninas em seus banhos coletivos? As moitas e touceiras, quais treliças a esconder os meninos que as observavam, deleitando-se em suas aventuras autoeróticas iniciáticas? Com a extinção do jatobá, não apenas escasseia a matéria-prima da marcenaria e dos vernizes e lacas provenientes do suco resinoso que exsuda do seu lenho, mas também a polpa massenta e saborosa de suas vagens rijas, remetendo a cheiro de sexo e cujas sementes foram tão utilizadas nos brinquedos de “ossinho” (um, dois, três, quatro, poço, passagem, chuva, mão cheia, pida...). Tombaram, sem reposição, o louro e o tambor, a baraúna e o pitiá; o cedro e o jucá; o frei-jorge e a sapucaia, a sucupira e o ipê, a peroba e o jatobá. Descritas por Joffily (1977), as matas verdes, de árvores gigantescas de todas as espécies, que tomavam os raios do sol aos profundos vales e grotas onde corriam os ribeiros, pertencem ao passado. O fogo e o machado deixaram o município desnudo, escalavrado no solo e esgotado nos mananciais. Em consequência, acentuada tendência seca invade a zona do brejo, onde o inverno, que é a estação das chuvas, já se mostra tardio, por vezes irregular, prejudicando não raro a lavoura. (ALMEIDA, H., 1980, p. 31). Para além das catástrofes prenunciadas pelos ecologistas, falta-nos a riqueza e a diversidade semântica das florestas ao entorno de Areia: a sua virgindade que foi conspurcada, o seu mistério que foi espoliado, o seu espírito que foi devassado, os seus “sentidos”, que foram ceifados: seus odores, seu movimento, seus sabores e seus sons no farfalhar da folhagem, no gemido dos caules, no espocar dos frutos deiscentes, no gorjeio dos pássaros, no bailado das borboletas, no zumbido marca-tempo das cigarras, no embalo sorridente dos riachos, no sabor dos frutos silvestres, vivências reais de um passado recente, que já se convertem em matéria abstrata a ser pesquisada na internet. Infelizmente, não se percebem ações concretas para devolver ao ventre desnudo do campo a veste verde com efeitos ondeados de um tafetá chamalotado, cujos matizes, na florada dos ipês, surgiam rebordados em arabescos de ouro. Por que nunca expurgamos o luto que persiste no espírito da cidade desde o corte da Gameleira, eternizada na pena de José Américo, de Horácio de Almeida, de Ezilda Milanês? Por que não honramos as nossas origens repondo, em lugar apropriado, a gameleira primeva, brotada da virgindade do nosso solo, ou talvez, vergonteada de uma estaca fincada para formar um curral em cujo entorno a cidade se edificou? Qual dos filhos legítimos e adotados por Areia não lamenta a quebra da regularidade climática que, de março a julho, transformava a noite invernal em Vênus misteriosa, envolta no véu de organza da névoa, que atualmente não é mais uma cena coetânea aos meses de abril, Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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maio e junho e julho nos quais atualmente, não perduram as chuvas invernais? Uma ação conjunta do Executivo declarando como Área de Preservação Permanente a faixa de proteção e efetivamente reflorestando a área ao longo da rodovia que liga os municípios de Alagoa Grande e Areia conteria a erosão do solo, recomporia a beleza cênica da paisagem e mitigaria os deslizamentos de terra e rocha nas íngremes encostas da serra, que chegam a interromper o tráfego e atemorizam a população, provocando acidentes e, inclusive, ceifando vidas. Lançado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Atlas dos Municípios da Mata Atlântica ratifica a triste realidade que nos salta aos olhos, ao contemplar a paisagem que nos viu crescer: na Paraíba, Areia lidera o ranking na extinção da sua vegetação natural entre os anos 2.000 e 2.014, com seis hectares de área devastada, restando apenas 9,4% de vegetação original, em uma área total de 26.855 hectares. Opostamente, o município de São Sebastião do Umbuzeiro, em que lhe pesem as agruras climáticas, não apresenta desmatamento no mesmo período, tendo 67,5 % de cobertura vegetal natural preservada, em uma área de 45.999 hectares. O atual Código Florestal Brasileiro5 em seu Capítulo I, inciso II, considera como Áreas de Preservação Permanente –APPs- as áreas protegidas cobertas ou não de vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Sem a vegetação protetora, os olhos d’água que irrompiam do solo brejoso fluem a conta-gotas, minguando a sustância dos riachos, filigranados quase imperceptivelmente no solo desnudo. As cachoeiras para onde afluíam jovens em pique-niques, trocaram a gargalhada das suas águas por gemidos acanhados, reclamando o cumprimento dos ditames do Código Florestal em seu artigo 4º, incisos I e IV, que determinam como Área de Preservação Permanente o entorno de nascentes e olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio de cinquenta metros. Para os cursos d’água natural, perenes ou intermitentes, com até dez metros de largura, como é o caso do perfil hidrográfico do município de Areia, a Área de Preservação Permanente terá a largura mínima de trinta metros. Ao Curso de Biologia, à comunidade acadêmica e à população, seria significativa ação educativa coordenar e conclamar a reposição da vegetação nativa às margens dos nossos riachos. Igualmente, seria assunto palpitante para a disciplina Topografia, do Curso de Ciências Agrárias, averiguar se as características geomorfológicas do município de Areia são teoricamente resguardadas pelo Código Florestal Brasileiro segundo o qual, devem

5. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, promulgada pela Presidenta Dilma Rousseff.

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ser preservadas as encostas, ou parte destas com declive superior a 45` equivalente a 100% na linha de maior declive ( Cap. II, seção I, art. 4, inciso V); as bordas dos tabuleiros ou chapadas até a linha de ruptura do relevo em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros de proteção horizontais (inciso VIII). O topo dos morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 metros e inclinação média maior de 25`, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta, definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação. Lembremos que a formulação de políticas para a proteção do meio ambiente e preservação das florestas e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais é competência material (administrativa) e legislativa compartilhada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em colaboração com a sociedade civil, cabendo à primeira legislar normas geraiss e aos demais, atuarem de forma suplementar, ancorados no princípio da predominância de interesse local quando for cabível, em razão das necessidades e especificidades ambientais locais. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Título III, Cap. II, art. 23, incisos VI e VII). Título VIII, Cap. VI, art. 225).6

SUSTENTABILIDADE: UMA RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA

Um dos desdobramentos das agendas institucionais para o século XXI é o restabelecimento do vínculo humano com o ambiente, articulando as categorias Natureza e Cultura, que são relacionais e precisam ser consideradas à luz do princípio da complementaridade, em equalização com o princípio do antagonismo que lhes é inerente, enriquecedor, e que nenhuma estratégia miraculosa tem o poder de neutralizar. As ações para o restabelecimento destes vínculos são coletivas, e reclamam um protagonismo que institui, como ponto de partida, a Educação Ambiental como conteúdo transdisciplinar prioritário na educação nacional. Começando pela noção de Educação baseada na interdependência essencial entre os seres humanos e a natureza, a Escola é lugar de ruptura do atual estágio de devastação florestal que ocorre naquele município, e, neste campo educacional, o município tem o privilégio, legado pelo imortal José Américo de Almeida, de sediar um curso superior em Ciências Agrárias e um curso de Ciências Biológicas que muito podem fazer, por exemplo, através da Extensão universitária.

6. Legislação infraconstitucional: Lei nº 6.938/81 (Política nacional do meio ambiente); Decreto 750/93 (Disciplina o corte, a exploração e a supressão da vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica).

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Tendo sido espectadoras passivas e cúmplices silenciosas do projeto científico androcêntrico Moderno, as mulheres, hoje também protagonistas nos mais diversos ramos da atividade humana e identificadas com a Terra em sua natureza fecundante, são chamadas a exercer uma ética de parceria para uma Ciência feita por todos e para todos. Uma Ciência sustentável e respeitosa à Natureza, que envolva não apenas mão e cérebro, mas, em igual medida, o coração, a estética, a espiritualidade, os valores e a responsabilidade para com a vida. Atualmente, a população do município de Areia assiste, entre perplexa e indignada, a uma sangria desatada dos seus mananciais, em carros pipa que desde a madrugada desassossegam a população, prejudicam a mobilidade dos transeuntes, provocando afundamentos e desníveis no calçamento das vias da cidade e causam acidentes, inclusive com óbitos. Enquanto isto, os habitantes da cidade esperam há décadas por uma solução que faça chegar às suas residências a água pura dos seus mananciais, já que em suas torneiras, respinga, de quando em vez, um caldo apodrecido e impróprio para o consumo. Algumas perguntas estão sem resposta: quem está sendo beneficiado com esta política de distribuição da riqueza hídrica do município de Areia? Que prazos, providências e estratégias estão sendo articuladas com os municípios que sugam os nossos mananciais, em termos de construção da sua própria política de recursos hídricos? Que futuro estamos preparando, com a escandalosa drenagem do nosso solo brejoso a converter-se em terra comburida para os nossos descendentes? Face à necessidade da promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável, o Poder Executivo federal instituiu o Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e à Recuperação do Meio Ambiente, que incentiva serviços ambientais que visem à conservação dos ecossistemas, tais como a diminuição do fluxo de carbono, a conservação da beleza cênica natural, a preservação da biodiversidade, a valorização do conhecimento tradicional ecossistêmico, a proteção de mananciais, a conservação e o melhoramento do solo, oferecendo diferentes bonificações em reconhecimento aos serviços ambientais prestados: retribuição mediante remuneração; compensação mediante incentivos financeiros e tributários; incentivos para a comercialização, inovação e aceleração de ações de recuperação, conservação e uso sustentável das florestas.7 Quantos proprietários rurais são instruídos acerca deste Programa? É hora de idealizar e implementar projetos em parceria, que efetivamente possam estabelecer complementaridade entre natureza e cultura, para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e a qualidade de vida das futuras gerações. Está aberto o debate. Que reverbere em ações efetivas pela recomposição da paisagem areiense. Como reza o novo Código Florestal em seu artigo 2º, florestas e vegetação nativa são bens de interesse comum a todos os habitantes do país, e o direito de propriedade deve ser exer-

7. Código Florestal, Cap. X, art. 41).

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cido com as limitações que a Lei estabelece em seu Capítulo IV, Seção I, art. 12, que trata da Delimitação da Área de Reserva Legal, cujo percentual varia segundo a localização nas diversas regiões do país. Padroeiro dos profissionais que estudam e trabalham no campo da Ecologia, Francisco de Assis nos ensina esta abertura para o cuidado com a nossa irmã, a “mãe terra”, que o Papa Francisco intitula de nossa “casa comum”, bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos. Sua Carta Encíclica LAUDATO SI’ é documento imprescindível na mesa de debates em pauta, para redimir a devastação, pelo uso irresponsável dos bens com que a natureza ricamente nos presenteou.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Horácio de. Brejo de Areia: memórias de um município. 2 ed. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1980. BRASIL. Fundação SOS Mata Atlântica; Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Atlas dos Municípios da Mata Atlântica. 2015. CORREIA, Maria Ivete Martins. Educação Católica, Gênero e identidades: o Colégio Santa Rita de Areia na História da Educação Paraibana (1937-1970). Tese de Doutoramento. UFPB/CE, 2010. DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 2 ed. São Paulo: Gaia, 1993. FRANCISCO (Papa). CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’ : Sobre o Cuidado da Casa Comum. Copyright – Libreria Editrice Vaticana. HTTP://w2.vatican.va/content/francesco/pt/enciclicals/documents/papa-francesco_20150524_encíclica

laudato-si.

htm[01/01/2016 11:18:10]. JOFFILY, Geraldo Irinêo. Notas sobre a Parahyba. Brasília: Ed. Thesauros, 1977. LEHFELD, Lucas de Souza; CARVALHO, Nathan Castelo Branco de; BALBIM, Leonardo Isper Nassif. Código Florestal Brasileiro: Comentado e Anotado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. MORAES, Alexandre de. (org.). Constituição da República Federativa do Brasil: Emendas Constitucionais nºs 1 a 68; Leis nºs 9.868, de 10-11-1999, e 9.882, de 3-12-1999; Emendas Constitucionais de Revisão nºs 1,2,3,4,5 e 6. 35ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. SANTOS FILHO, A. O.; RAMOS, J. M.; OLIVEIRA, K.; NASCIMENTO, T. A Evolução do Código Florestal Brasileiro. In: Cadernos de Graduação. Ciências Humanas e Sociais Unit. Vol2, nº3, p. 271-290. Aracaju: Março 2015. Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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Maria Bernadete Sousa Costa1 Stella Costa Valdevino2

Integridade de profissionais da enfermagem e de usuários na estratégia saúde da família: gestão de riscos RESUMO Este estudo objetivou caracterizar os fatores de riscos que afetam a integridade do profissional da enfermagem e a segurança do usuário e identificar as ações de gerenciamento de risco desenvolvidas nas unidades de saúde da família. Configura-se uma pesquisa exploratória, quantitativa, realizada com 48 profissionais de enfermagem que atuam nas Unidades de Saúde da Família no município de João Pessoa-PB. Os dados foram coletados no período de janeiro a fevereiro de 2015. Os resultados revelaram que os fatores de risco psicológicos (41%), biológicos (28%), químicos (17%) e ergonômicos (14%) são os que afetam a integridade do profissional. Verificou-se também que 48% dos participantes não adotam as medidas de prevenção padrão. Concluiu-se que os profissionais que atuam nas USF estão expostos aos mesmos fatores de riscos tanto quanto os que se encontram em instituições hospitalares, e que estes afetam diretamente a segurança de ambos. Palavras-chave: Gerenciamento de Segurança. Riscos Ocupacionais. Equipe de Enfermagem, SUS.

ABSTRACT This study aims to characterize the risk factors that affect the integrity of the nursing professionals and the users’ safety, as well as identifying risk management actions carried out in health facilities. An exploratory, quanti-

1. Professora Doutora do DENC/CCS/UFPB. 2. Professora Doutoranda do DENC/ CCS/UFPB.

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tative research was set up and conducted with 48 nursing professionals who work in Family Health Units (USF) in the city of João Pessoa, PB. Data were collected from January to February 2015. The results revealed that psychological risk factors (41%), biological (28%), chemical (17%) and ergonomic ones (14%) are those that affect the integrity of health professionals. It was also found that 48% of the participants do not adopt standard safety measures to prevent issues. We concluded that the professionals working in the USFs (FHUs) are exposed to the same risk factors as those working in hospitals, and that this directly affects the safety of both groups. Key-words: Safety management. Occupational hazards. Nursing staff. SUS.(Unified Health System)

INTRODUÇÃO

No Brasil, a assistência de Saúde Pública oferecida na atenção básica é estruturada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio de um conjunto de ações e serviços de saúde, sendo que a porta de entrada para os usuários do SUS é a Estratégia Saúde da Família (ESF). A ESF responde por uma parcela expressiva da atenção e cuidado em saúde ofertada pelo SUS, cujo modelo procura adotar práticas de uma atenção integral, interdisciplinar, multiprofissional e humanizada, onde a comunicação, a escuta qualificada e o acolhimento são elementos essenciais no âmbito da atenção ao usuário (OLIVEIRA et al, 2014). Assim, o principio básico desse enfoque deve estar orientado para garantir o desenvolvimento das atividades assistenciais e de saúde com segurança. Nessa perspectiva, os estudos sobre segurança do paciente e gerenciamento de risco realizados em diversos países como Inglaterra, Austrália, Dinamarca, Suécia, Portugal, França e Brasil revelaram um número elevado de casos de eventos adversos incidindo sobre uma parcela significativa dos pacientes hospitalizados, concluindo que a falta de segurança dos profissionais incide sobre a segurança dos pacientes (FRANÇOLIN et al, 2015). Nesse contexto, a segurança do paciente constitui-se um desafio global, tendo em vista a necessidade da adoção de medidas de prevenção para minimizar o impacto de eventos adversos que podem incidir sob uma parcela significativa de pacientes usuários dos serviços de atenção básica no Brasil e no mundo (BUENO et al, 2015). No Brasil, o Ministério da Saúde junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária

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(ANVISA) estabeleceu um Plano Nacional de Ações de Segurança do Paciente, conforme Portaria MS/GM nº 529/2013, de acordo com prioridade dada à segurança do paciente em estabelecimentos de Saúde na agenda política dos estados-membros da OMS e na resolução aprovada durante a 57a Assembleia Mundial da Saúde. Essa Portaria definiu como objetivos específicos do Plano Nacional de Ações de Segurança do Paciente - PNSP: Promover e apoiar a implementação de iniciativas voltadas à segurança do paciente, por meio dos Núcleos de Segurança do Paciente nos estabelecimentos de Saúde; Envolver os pacientes e os familiares nesse processo; Ampliar o acesso da sociedade às informações relativas à segurança do paciente; Produzir, sistematizar e difundir conhecimentos sobre segurança do paciente; e Fomentar a inclusão do tema segurança do paciente no ensino técnico e de graduação e na pós-graduação na área da Saúde (ANVISA, 2013). As questões de segurança e saúde estão associadas à presença de riscos no ambiente de trabalho. Assim, riscos são definidos como condições, situações procedimentos, condutas ou evento incerto (adverso) que se ocorrer, pode resultar em um efeito negativo para o profissional e/ou organização; causando dano ao cliente/paciente, ao colaborador, ao ambiente e à organização (VELOSO et al,2015; GALAS et al, 2015). O Ministério da Saúde considera fator de risco como sendo a probabilidade de alguém ou de um grupo populacional sofrer um dano à saúde, resultante de determinadas características biológicas, genéticas, ambientais, psicológicas, sociais, econômicas ou outras, inter-relacionadas e que conferem um risco próprio a esse grupo específico (CNTS, 2015). Considerando que a atenção básica se constitui a porta de entrada do usuário, onde ocorre o primeiro contato com o paciente, portador de algum tipo de doença infectocontagiosa, gerando o risco de infecção por parte dos profissionais de enfermagem que atuam na rede básica (FELDMAN et al, 2008), faz-se necessário prover condições adequadas de trabalho, tanto no que se refere ao atendimento das necessidades dos pacientes/usuários, como das necessidades dos profissionais da área, sendo responsabilidade de todos os integrantes da instituição assegurar essas condições. O profissional de enfermagem tem o direito de desenvolver suas atividades profissionais em condições de trabalho que promovam a própria segurança e dispor de material e equipamentos de proteção individual (EPI), segundo as normas vigentes, cabendo a ele recusar-se a desenvolver atividades profissionais na falta de material e/ou equipamentos (NUNES et al, 2011). A preocupação dos profissionais da área de saúde com a sua própria saúde são recentes, e em parte deve-se à especificidade deste grupo, que concentra a atenção em assuntos relacionados ao aperfeiçoamento de sua atividade, no sentido de adquirir novos conhecimentos técnicos, uso de novos equipamentos e fármacos entre outros, visando à melhoria na assistência aos pacientes, esquecendo-se do seu próprio cuidado, principalmente em relação a riscos aos quais está exposto na realização de suas ações. Esse estudo partiu da observação de que o gerenciamento da segurança do pa158

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ciente, a situação de risco relacionada ao trabalho e a ocorrência de acidentes presentes na atividade da equipe de enfermagem que atua na atenção básica ainda é pouco conhecida. Considerando que estes profissionais, ao prestarem assistência ao cliente, estão expostos a diversos riscos relacionados com o labor, que podem ser causados por fatores químicos, físicos, mecânicos, biológicos, ergonômicos e psicossociais, os quais podem causar doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. Entre os riscos existentes, os biológicos representam importante problema tanto para o paciente (infecções) como para os profissionais dessas instituições por estarem relacionadas a possíveis acidentes de trabalho envolvendo materiais perfurantes e cortantes contaminados e a exposição de mucosas a fluidos orgânicos (CANNALLI et al, 2011). E também os riscos psicológicos associados ao medo devido à violência, roubos e falta de segurança, o que torna esse estudo de particular relevância. Com base nessa problemática e na escassez de estudos sobre os riscos e a exposição do profissional de enfermagem no desempenho de suas atividades nas unidades básicas de saúde, o estudo teve como objetivos caracterizar os fatores de riscos que afetam a integridade do profissional de enfermagem e a segurança do usuário e identificar as ações de gerenciamento de risco desenvolvidas nas unidades de saúde da família.

METODOLOGIA

Configura-se um estudo exploratório descritivo com abordagem quantitativa (GIL, 2006), realizado em 12 Unidades de Saúde da Família (ESF) localizadas nos Distritos Sanitários I,II e III na cidade de João Pessoa- PB, Brasil. A amostra foi constituída de 48 profissionais, sendo: 12 enfermeiros, 14 técnicos de enfermagem e 26 auxiliares de enfermagem. O número de participantes variou conforme a quantidade de profissionais presentes em cada unidade, considerando os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos nesse estudo. Desse modo o número de participantes do DS I correspondeu a 20 (41,7%), do DS II de 16 (33,3%), do DS III de 12 (25,0%), respectivamente. A coleta de dados foi realizada no período entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2015, após aprovação pelo Comitê de Ética CEPE/HULW/UFPB (Protocolo no 0262/2011), e anuência da Secretaria Municipal de Saúde. Para coleta de dados utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturado contemplando as variáveis de identificação sociodemográficas dos participantes e as variáveis referentes aos fatores de riscos ocupacionais que afetam a integridade dos profissionais e as ações de gerenciamento desenvolvidas que incide na segurança do usuário. Os dados foram agrupados e consolidados em uma planilha eletrônica estruturada no Microsoft Excel 2013 for Windows, as informações foram exportadas para o proConceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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grama Statistical Package for the Social Sciences – SPSS versão 13.5, para a efetivação de análise quantitativa de todas as variáveis, por meio de estatística descritiva e em seguida discutida á luz da literatura pertinente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com relação às características sociodemográficas, na variável gênero foi observada uma predominância de profissionais do sexo feminino (98%), somente (2%) do masculino. Quanto à idade observou-se que (84%) dos profissionais possuem mais de 40 anos. No que concerne a variável tempo de atuação profissional, constatou-se que (48%) dos participantes possuem mais de 15 anos de atuação nas unidades pesquisadas. Essa grande variação temporal se explica porque alguns profissionais possuem idade superior a 40 anos, e por isso, um longo tempo de serviço na instituição. Quanto aos riscos que afetam a integridade do profissional, segundo os entrevistados destacaram-se: fatores psicossociais (41%), biológicos (28%), químicos (17%) e ergonômicos (14%), conforme ilustra o Gráfico 1, a seguir:

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Gráfico 1 - Fatores de risco que afetam a integridade dos profissionais e dos usuários na Estratégia Saúde da Família no município de João Pessoa -PB, Brasil, 2015 160

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Dentre os fatores psicossociais, à carência de segurança e a violência, roubos, xingamentos, agressões físicas e ameaças de morte foram apontados pela equipe de enfermagem como aspectos estressores que afetam a saúde e segurança de quem trabalha nas unidades e consequentemente incide na segurança do usuário e na qualidade da assistência prestada. Com relação aos riscos biológicos, segundo os participantes, o contato direto com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas, e com material biológico como sangue, fluídos patogênicos, material perfuro cortante e outros procedimentos, possibilitam a exposição a este risco (DE VRIES et al, 2015). No tocante aos riscos químicos concorrem para a exposição o manuseio de medicamentos injetáveis, vacinas e outras substâncias, poeira, fumaça, exposição a germicidas, detergentes e formas de utilização, condições e locais de estocagem dos produtos. Enquanto os riscos ergonômicos referem-se à estrutura física e funcional inadequadas, objetos diversos como fios elétricos, tomadas sem proteção e defeitos na rede hidráulica. Quanto às medidas de biossegurança adotadas pelos profissionais para proteção e prevenção de acidentes no ambiente de trabalho e minimizar os riscos juntos aos usuários, 81% dos entrevistados afirmaram que a principal medida é o uso de Equipamentos de Proteção Individual - EPI tais como: luvas, jalecos, máscara, gorro, quando a ESF dispõe destes equipamentos. Por outro lado, 11% alegaram que para minimizar as doenças ocupacionais causadas por fatores ergonômicos adotam a postura correta no exercício laboral como medida para evitar problemas futuros; 3% dos participantes consideraram como medida de biossegurança a comunicação da falta de materiais necessários ao atendimento do usuário na unidade, para evitar descontinuidade da assistência, pois não podem realizar atividades assistenciais de qualidade sem os materiais necessários. Do total de participantes, 5% destacaram que a humanização no atendimento aos usuários com base no código de ética profissional promove a segurança do usuário, como ilustra o Gráfico 2.

Fonte: ESF. João Pessoa-PB, 2015.

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Item 1 – Medida Ergonômica - Procurar manter a postura correta. Item 2 – Medida de proteção - Usar Equipamento de Proteção Individual (EPI). Item 3 – Medida de biossegurança - Comunicar a falta de material e a não realização de procedimento. Item 4 – Medida de biossegurança - Humanizar o atendimento à clientela. Gráfico 2 – Medidas de biossegurança utilizadas pelos profissionais nas Estratégias de Saúde da Família no município de João Pessoa-PB, Brasil, 2015. Para avaliar os fatores de riscos laborais que afetam a integridade do profissional e a segurança dos usuários foram consideradas as ações de gerenciamento de risco desenvolvidas nas unidades de saúde, tais como adoção de medidas de prevenção padrão pautada na literatura. Nesse contexto, o ambiente de trabalho é de extrema importância para a saúde e segurança do trabalhador, pois alguns espaços considerados inseguros fazem com que os profissionais e usuários estejam sempre em situação de alerta. Entre as ações de gerenciamento de risco adotadas na atuação dos profissionais de enfermagem destacam-se a observação às normas de precaução básica, como a utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI), que visam reduzir a exposição do profissional aos agentes biológicos, além da recomendação na utilização e descarte de material perfuro cortante. Entretanto, 48% dos participantes referiram que não adotam às medidas de prevenção em virtude da escassez de material no seu local de atuação. Vale salientar que, a vacinação é também uma das principais medidas de biossegurança utilizadas na saúde pública para a prevenção de doenças de alta morbimortalidade, e isso nos faz atentar para alguns fatores que podem interferir na imunogenicidade, na reatogenicidade e na eficácia das vacinas, na prevenção e proteção individual do trabalhador (RODRIGUES; PASCHOALOTTO; BRUNIERA, 2012). Considerando que na sala de vacina a segurança do usuário esta relacionada principalmente com aspectos individuais ou da própria vacina, a resposta do organismo e a condição imunológica do usuário estão diretamente ligadas às peculiaridades de cada ser humano, alguns eventos adversos estão conectados aos componentes das vacinas e a sua produção e a relação com predisposições orgânicas dos indivíduos (TERTULIANO; MASZLOCK, 2016). No entanto, observamos que os profissionais não referiram à vacinação como medida de proteção tanto para eles próprios como para os usuários. Ao identificar os fatores de riscos que afetam a segurança do profissional, surge a necessidade de analisá-los para avaliar o grau de incidência no usuário da saúde. Nesse sentido, o risco biológico foi apontado por (28%) dos entrevistados, este referem-se à exposição ocupacional devido ao uso de material perfuro cortante, a realização de procedimentos assistenciais invasivos e o contato com secreção e fluidos corpóreos. Considerando que a manipulação de material biológico possibilita a transmissão de 162

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infecções causadas por vírus tais com; Vírus da Hepatite B (HBV), Vírus da Hepatite C (HCV) e Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), cujas consequências podem acarretar sérios danos à saúde destes profissionais. As consequências da exposição a riscos biológicos como sangue e outros fluídos corpóreos não está correlacionado somente às infecções, são relativas também aos traumas psicológicos à espera de possível soroconversão, mudanças de práticas sexuais, relacionamentos e efeitos dos fármacos profiláticos (RODRIGUES, 2012). Estas infecções são impactantes porque causam um aumento da resistência dos microrganismos aos antimicrobianos, uma prolongada incapacidade, sobrecarga financeira maciça e alto custo para os usuários e suas famílias, e as mortes em excesso. As mãos dos profissionais da área da saúde servem como principal veículo de infecções cruzadas em hospitais, clínicas, sistemas de assistência à saúde, consultórios e postos de saúde (OLIVEIRA et al, 2014), dessa forma a importância da higiene das mãos dos profissionais corretamente como medida padrão de biossegurança na área de trabalho, seja na ESF ou no hospital. Quanto aos fatores de risco psicossociais apontados pelos entrevistados verificase que são desencadeadores de estresse, falta de sono, medo, violência e insegurança no ambiente de trabalho, associado a sobrecarga de atividades pela necessidade de mais de um emprego. Estes resultados evidenciam a precarização do trabalho seja pelo excesso de atividade laboral física e mental, acúmulo de horas trabalhadas, sistema de vínculo empregatício, ou mesmo má remuneração ocupacional no sistema de saúde, constitui-se determinantes dos casos mencionados, de eventos e doenças ocupacionais, além disso, incide na segurança do usuário. A literatura mostra que os profissionais de saúde se preocupam mais com o pós-acidente, não há uma preocupação com a prevenção, e muitas vezes carecem de conhecimentos, pois no Brasil, a prática curativa é adotada com frequência e a prevenção muitas vezes esquecida (RIBEIRO, 2012). Para amenizar essa situação, cabem aos gestores das unidades de saúde desenvolver o gerenciamento e/ou planos de ações de risco, incentivar os profissionais sobre a importância da prevenção nas suas rotinas diárias e fornecer Equipamentos de Proteção Individual para uso contínuo de forma correta. A contribuição deste estudo está centrado na segurança tanto do profissional de enfermagem que atua na unidade de saúde como do usuário do serviço, com objetivo de desenvolver ações de prevenção de risco para otimização da segurança de ambos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desse estudo permitem uma reflexão acerca da importância do Conceitos - N. 24, Vol. 2 (Dez. 2016)

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gerenciamento da segurança de usuários e de profissionais de enfermagem na estratégia saúde da família, visto que estes profissionais convivem com diversos fatores de risco ocupacional, que eventualmente podem ocasionar danos à sua saúde e também interfere na qualidade de vida e da assistência prestada aos usuários. A abordagem metodológica desta investigação possibilitou uma melhor compreensão do cenário em relação aos riscos e segurança que envolve os profissionais e usuários, em virtude do contato direto com portadores de doenças transmissíveis, contato com secreções, realização de coleta de material para exames, e outros procedimentos invasivos que são realizados pela equipe de enfermagem. Atribui-se a falta de segurança dos usuários e profissionais nos serviços de saúde, as dificuldades técnicas e socioeconômicas próprias da complexidade das organizações de saúde, e os aspectos multifatoriais das circunstâncias que levam a ocorrência de riscos e eventos adversos. Estas dificuldades trazem como consequência: a perda de confiança nas organizações de saúde e seus profissionais, e com isso, a degradação das relações entre estes e os usuários; o aumento dos custos, sociais e econômicos, variando a sua dimensão na razão direta dos danos causados; e a redução da possibilidade de alcançar os resultados esperados/desejados, com consequências diretas na qualidade dos cuidados prestados. Quanto às ações de gerenciamento de risco desenvolvidas nas unidades de saúde pela equipe de enfermagem, evidenciou-se que grande parte dos profissionais utilizam equipamentos de proteção individual (EPI) somente quando a unidade de saúde da família disponibiliza, enquanto os outros não adotam as medidas padrão de prevenção porque confiam que com tanto tempo de experiência não vão se contaminar. Pode-se constatar que a carência de conhecimentos dos profissionais sobre a importância da adoção das medidas de prevenção nas unidades de saúde incidem na sua segurança do usuário e da unidade de saúde. Concluímos que os profissionais que atuam nas unidades de saúde da família estão expostos aos mesmos fatores de riscos tanto quanto os que se encontram em instituições hospitalares, e que estes afetam diretamente a segurança de ambos. Nesse sentido, torna-se fundamental que os gestores incluam planos de ações de gerenciamento de risco nas unidades de saúde que possam ser aliadas no processo de trabalho com toda a estrutura do serviço, incluindo: as ações de prevenção, o planejamento das instalações, a elaboração de procedimentos operacionais, a escolha dos equipamentos, a gestão de pessoal e o aprimoramento das habilidades e do conhecimento da equipe de enfermagem, fator primordial para a segurança e minimização de acidentes e de doenças ocupacionais e melhoria da qualidade assistencial e consequentemente, da segurança do usuário. Espera-se que este estudo, contribua para mudança na melhoria da segurança dos profissionais de saúde e dos usuários que utilizam o serviço. 164

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