Revista Conceitos Ed 235

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ISSN 1519-7204 N. 25 (Jan.Jul 2017) 144 páginas Ricardo de Figueiredo Lucena Carlos Cartaxo e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.)


A revista Conceitos é uma publicação para divulgação de artigos científicos-pedagógicos, produzidos por docentes da Universidade Federal da Paraíba e colaboradores, promovida pela ADUFPB - Seção Sindical do ANDES-SN, com distribuição gratuita e dirigida aos filiados da Entidade.

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba.

C744

Conceitos / Ricardo de Figueiredo Lucena, Carlos Cartaxo e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.). – Vol. 2, n. 25 (Jan.Jul 2017) - João Pessoa: ADUFPB-Seção Sindical do ANDES-SN, 2017. 144 p.

Semestral ISSN 1519-7204 1. Ensino superior - periódicos. 2. Política da educação periódicos. 3. Ensino público - periódicos. I. Lucena, Ricardo de Figueiredo. II. Araújo, Ricardo da Silva. III. ADUFPB. CDU: 378


É UMA PUBLICAÇÃO DA ADUFPB/SSIND. DO ANDES-SN Centro de Vivência da UFPB

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Campus I -

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João Pessoa - Paraíba - Brasil Publicada em Out.2017


CONSELHO EDITORIAL: Albergio Claudino Diniz Soares (UFPB) Albino Canelas Rubin (UFBA) Beatriz Couto (UFMG) Galdino Toscano de Brito Filho (UFPB) Ivone Pessoa Nogueira (UFPB) Ivone Tavares de Lucena (UFPB) Jaldes Reis de Meneses (UFPB) Lourdes Maria Bandeira (UnB) Luiz Pereira de Lima Júnior (UFPB) Maria Otília Telles Storni (UFPB) Maria Regina Baracuhy Leite (UFPB) Mário Toscano (UFPB) Martin Christorffersen (UFPB) Mirian Alves da Silva (UFPB) Ricardo de Figueredo Lucena (UFPB) Vanessa Barros (UFMG) Virgínia Maria Magliano de Morais (UFPB) ORGANIZAÇÃO

Ricardo de Figueiredo Lucena Carlos Cartaxo Ricardo da Silva Araújo

EDIÇÃO, PROJETO GRÁFICO

E DIAGRAMAÇÃO: Ricardo Araújo

 FOTOS/ILUSTRAÇÕES/GRÁFICOS:

Originais digitais fornecidos pelos autores.

 REVISÃO DOS ARTIGOS

Rejane Araújo (professorarejane@gmail.com)

 REVISÃO (ABSTRACTS):

Gloria Obermark (familiaobermark@hotmail.com)

FICHA CATALOGRÁFICA: Edna Maria Lima da Fonseca

(Bibliotecária da Biblioteca Central da UFPB).

Os textos assinados são de responsabilidade integral do autor e não refletem, necessariamente, a opinião da revista. É permitida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, desde que seja citada a fonte e o autor da obra.

 IMPRENSA E DIVULGAÇÃO: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ADUFPB (ASCOM/ADUFPB)

JORNALISTAS RESPONSÁVEIS: Renata Ferreira (DRT/PB 3235) e Ricardo Araújo (DRT/PB 631).  COLABORAÇÃO E LOGÍSTICA:

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 CONTATOS: E-mails: adufpb@terra.com.br (Célia Lopes) revistaconceitos.adufpb@gmail.com (Ricardo Araújo)

GESTOR DE CONVÊNIOS/ADUFPB

Marcelo Barbosa

  DISTRIBUIÇÃO E CIRCULAÇÃO:

Gratuita e dirigida aos filiados do sindicato.

 FOTO DA CAPA:

“Para Haifa” - Carla Lynn Reichmann/DLEM/CCHLA

 NÚMEROS ANTERIORES: A ADUFPB disponibiliza no site do sindicato (www. adufpb.org.br), na seção Revistas, todos as edições da Revista Conceitos em formato digital (PDF), que podem ser adquiridas gratuitamente (downloads) para consulta.


31º DIRETORIA EXECUTIVA DA ADUFPB - GESTÃO 2015/2017 PRESIDENTE MARCELO SITCOVSKY SANTOS PEREIRA

SUPLENTE DA SECRETARIA GERAL LUCIANO BEZERRA GOMES

VICE-PRESIDENTE FRANCILEIDE DE ARAÚJO RODRIGUES

SUPLENTE DA TESOURARIA MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA NETO

SECRETÁRIA GERAL MARIA APARECIDA BEZERRA

DIRETOR DA SECRETARIA-ADJUNTA DO CAMPUS DE AREIA GUTTEMBERG DA SILVA SILVINO

TESOUREIRA HÉLIDA CRISTINA CAVALCANTE VALÉRIO DIRETOR DE POLÍTICA EDUCACIONAL E CIENTÍFICA ALEXANDRE ANTONIO GILI NADER DIRETORA DE POLÍTICA SOCIAL TEREZINHA DINIZ DIRETOR CULTURAL EDUARDO HENRIQUE DE LIMA GUIMARÃES DIRETOR DE DIVULGAÇÃO E COMUNICAÇÃO CARLOS JOSÉ CARTAXO DIRETOR DE POLÍTICA SINDICAL FERNANDO JOSÉ DE PAULA CUNHA DIRETOR PARA ASSUNTOS DE APOSENTADORIA LUIZ TADEU DIAS MEDEIROS

SUPLENTE DA SECRETARIA-ADJUNTA DO CAMPUS DE AREIA: PÉRICLES DE FARIAS BORGES DIRETOR DA SECRETARIA-ADJUNTA DO CAMPUS DE BANANEIRAS JOSÉ PESSOA CRUZ SUPLENTE DA SECRETARIA-ADJUNTA DO CAMPUS DE BANANEIRAS JOSÉ EDUARDO FERREIRA ESPÍNOLA DIRETOR DA SECRETARIA-ADJUNTA DO CAMPUS DO LITORAL NORTE BALTAZAR MACAÍBA DE SOUSA SUPLENTE DA SECRETARIA-ADJUNTA DO CAMPUS DO LITORAL NORTE CRISTIANO BONNEAU


NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA CONCEITOS (Atualizadas em Julho de 2017 - Também disponível no site: www.adufpb.org.br) A Revista Conceitos é uma publicação para divulgação da produção acadêmica dos docentes da UFPB, filiados à ADUFPB – Seção Sindical do ANDES-SN -, e que privilegia artigos e ensaios para divulgação científica. Os docentes interessados em publicar artigos na Revista Conceitos, deverão seguir rigorosamente as normas estabelecidas pelo Conselho Editorial da revista: 1. Serão aceitos textos em língua portuguesa com no máximo 15 (quinze) laudas e no mínimo 10 (dez) laudas, incluindo RESUMO, palavras-chave, ABSTRACT, referências bibliográficas, notas, ilustrações gráficas ou fotografias (no corpo do texto). Textos em língua estrangeira deverão submetidos à consulta prévia com a ConselhoEditorial. 2. Os textos devem estar devidamente atualizados e revisados com o Novo Acordo Ortográfico da Academia Brasileira de Letras (ABL). Após a inscrição e aprovação pelos Conselhos de Pareceristas e Editorial, o autor não poderá solicitar o artigo para modificações ou atualizações, salvo autorização dos referidos conselhos. 3. Não serão aceitos trabalhos que não apresentem RESUMO E ABSTRACT. 4. O(s) autor(es) deve(m) ser sindicalizado(s) na ADUFPB ou colaborador(es) formalmente convidado(s) pelo Conselho Editorial da Revista. 5. A primeira página do artigo deverá conter, além do RESUMO e do ABSTRACT, informações como nome completo do autor(es), função, departamento ou Centro onde leciona(m), bem como a instituição (Campi João Pessoa, Bananeiras, Areia, Litoral Norte, Santa Rita ou outros), titulação e e-mail para contato. 6. Cada docente colaborador poderá publicar 01 (um) artigo por edição da revista como autor-titular do texto. As co-autorias serão avaliadas pelo Conselho Editorial, dando prioridade aos autores titulares dos artigos para contemplar maior número de docentes sindicalizados na ADUFPB por edição da revista. Só será aceita 01 (uma) co-autoria por artigo. 7. Em parcerias com discentes da UFPB ou de outras instituições, o primeiro nome assinado deverá ser o nome do professor filiado à ADUFPB como autor-titular do artigo.

regulamento são transcritos exemplos de referências de diversos tipos de materiais. 7) Ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, etc.). As imagens publicadas na Revista Conceitos são impressas em preto e branco. Devem estar inseridas no corpo do texto para indicar sua localização para a diagramação do artigo, acompanhadas de legendas caso seja necessário, e com a indicação: Figura 1, Figura 2, Figura 3... Os arquivos de fotografias digitais, ilustrações ou gráficos devem ser enviados separadamente no corpo do e-mail do autor. Devem ter boa resolução e legibilidade, nomeadas conforme as legendas no artigo (Figura 1, Figura 2, Figura 3). As ilustrações devem permitir uma perfeita reprodução. É importante indicar a fonte ou crédito de autoria da imagem, seja ela ilustração, gráfico ou fotografia. A ADUFPB não se responsabiliza por reprodução de imagens não autorizadas pelos autores. 9) Notas de rodapé As notas de rodapé deverão ser citadas de acordo com as normas da ABNT. http://www.trabalhosabnt.com/regras-normas-da-abnt-formatacao/nbr-6023 10) Observações: a) Nos artigos inscritos, utilizar itálico somente para palavras estrangeiras. b) Os trabalhos que não atenderem a estrutura proposta pelo Conselho Editorial poderão ser devolvidos aos autores a critério do Conselho de Pareceristas, sem avaliação de mérito. 11) AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS Os artigos encaminhados à Revista Conceitos serão avaliados, individualmente, por três pareceristas ad-doc, reconhecidos por seu notório saber acerca dos temas inscritos. Para esta tarefa, será utilizado o sistema triplo cego e, com base nos pareceres obtidos, a Comissão Editorial emitirá um dos seguintes conceitos:

ESTRUTURA DOS TRABALHOS Os artigos deverão ser redigidos em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 e não devem exceder 15 páginas ou ser menor que 10 páginas, incluindo os títulos, resumos, palavras-chave, ilustrações, fotos e referências bibliográficas. Deve constar na estrutura dos trabalhos, a partir da primeira página: 1) Nome do(s) autor(es): Nome completo do(s) autor(es), seguidos de titulação*, local de atividade, e-mail para contato. (*) Esses dados podem ser incluídos no documento como nota de rodapé, sem numeração. 2) Título do artigo 3) Resumo e palavras chaves - Com até 100 palavras 4) Abstract e palavras chaves - Em língua estrangeira (inglês) 5) Texto propriamente dito 6) Referências A lista de referências deve ser ordenada alfabeticamente, alinhada à margem esquerda e colocada ao final do artigo, citando as fontes utilizadas. Para a melhor compreensão e visualização, no final deste

a) aprovado para publicação; b) aprovado com correções; c) rejeitado para publicação. Quanto aos trabalhos não aceitos o autor será comunicado da decisão. Os editores não assumem a responsabilidade por opiniões/conceitos emitidos em artigos assinados e matéria transcrita. Os editores se reservam o direito de selecionar os artigos para publicação; ouvir parecer de especialista para averiguar a qualidade do trabalho; proceder à revisão gramatical dos textos e fazer correções desde que não alterem o conteúdo. FORMA DE ENCAMINHAMENTO Os artigos devem ser enviados em formato digital exclusivamente para o e-mail da Comissão Editorial: revistaconceitos.adufpb@gmail. com. Sugerimos incluir na mensagem de e-mail um telefone (fixo ou celular) para uso do Conselho Editorial em caso de problemas no recebimento digital do arquivo. IMPORTANTE: Os editores não se responsabilizam por extravio de artigos enviados para outros e-mails de contato do sindicato. Qualquer dúvida, entrar em contato através do e-mail: revistaconceitos. adufpb@gmail.com ou adufpb@terra.com.br.


Sumário Revista Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jun. 2017)

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PÁG. 79

APRESENTAÇÃO

A Teoria do Indigenato e os Potiguara na Paraíba

Quem luta sabe!

Laura Taddei Alves Pereira Pinto Berquó

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PÁG. 94

Analfabetismo e desenvolvimento no período de

Joana: pernambucana e universal

introdução do neoliberalismo no Brasil

Sônia Maria van Dijck Lima

Judy Mauria Gueiros Rosas PÁG. 25

PÁG. 104

A Arte no processo de ensino-aprendizagem

A primeira e a segunda era das máquinas

na Educação Infantil

Elza Regis de Oliveira

Robson Xavier da Costa Cícero Justino Filho

PÁG. 110 O “peso” do Heavy Metal na vida dos Headbangers:

PÁG. 38

uma análise da cena Metal em João Pessoa-PB

A gestão de Cursos de Educação a Distância

Maria Patrícia Lopes Goldfarb

na Universidade Federal da Paraíba

Débora Cristina Bandeira

Rafael Angel Torquemada Guerra Paulo César Geglio

PÁG.123 O perfil epidemiológico da hanseníase

PÁG. 52

no município de João Pessoa - Paraíba

Estratégia de integração ensino-serviço na integralidade

Soriano Souza Lima

do cuidado no processo de formação em saúde

Stenio Melo Lins da Costa

José da Paz Oliveira Alvarenga Roberto Teixeira Lima

PÁG. 134 Perfil epidemiológico de doentes neurológicos

PÁG. 64

submetidos à intervenção fisioterapêutica

Teologia da Libertação na Arquidiocese da Paraíba

Stenio Melo Lins da Costa

José Flávio Silva

Marcella Moura Lima


A ADUFPB continua na sua luta constante por melhores condições de trabalho e dignidade. Por mais que imaginássemos, poucos seriam capazes de, um ou dois anos atrás, prever um cenário tão caótico para a universidade pública, para a educação e para a ciência nesse país. Toda a luta de décadas parece vir a baixo, a todo momento, quando olhamos os passos da agenda política e vemos o quanto estamos sendo subtraídos naquilo que muito lutamos para conquistar. Os mísseis das reformas da Previdência e do Trabalho, que veem atacando os nossos direitos, são constantemente disparados por um governo pessimamente avaliado e completamente alheio ao clamor das ruas e das entidades civis. Não é sem propósito que o custeio das universidades sofreu uma redução de R$ 1,7 milhão. Só a nossa organização e luta conjunta serão capazes de barrar esse avanço conservador. E uma das armas de combate ao conservadorismo é a partilha do conhecimento crítico e comprometido com as necessidades da sociedade e das populações menos favorecidas. A universidade é, e deve continuar sendo, um local privilegiado do gestar desse elemento. A gestão e a partilha do saber são nossas armas. A ADUFPB, com sua agenda de mobilização e compromissos, vem, por meio da publicação da edição 25 da Revista Conceitos, fazer sua parte nesse contexto de lutas e partilhas. Os temas nela discutidos, mais do que relativos a este ou aquele professor e pesquisador, refletem o compromisso com questões que marcam profundamente a busca pela superação dos condicionantes que nos forçam a viver sob a batuta de um governo ilegítimo. Convidamos o leitor para ler a Revista Conceitos 25 e buscar em suas temáticas elementos que permitam melhor transitar nesse contexto de desafios e conquistas que tanto nos faz estar atentos ao mundo e aos outros.

APRESENTAÇÃO

Quem luta sabe!

Os Editores. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

ADUFPB - Seção Sindical do ANDES-SN

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Judy Mauria Gueiros Rosas 1

Analfabetismo e desenvolvimento no período de introdução do neoliberalismo no Brasil RESUMO Enfocamos a implementação da principal proposição política para o controle do analfabetismo deflagrada no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, no sentido de compreender a sua atualidade, tanto quanto política social, como situada no neoliberalismo. Este, se então era uma novidade, presentemente revela-se vigoroso e em expansão. A proposição de conter o analfabetismo entre os jovens de até 29 anos revela o caráter restrito e pontual da ação. Ao mesmo tempo assistimos a transferência de funções estatais para a iniciativa privada, sob o discurso particularista de que cada pessoa deveria fazer a sua parte, para ajudar aquelas excluídas socialmente. Palavras-chave: Neoliberalismo; analfabetismo; capital.

ABSTRACT We focus on the implementation of the main political proposal for the control of illiteracy, triggered during Fernando Henrique Cardoso’s first presidential term, in order to understand its relevance, not only as social policy but as existing in neo-liberalism, as well. If the latter was a novelty by then, now it is proving to be vigorous and expanding. The proposal to restrain illiteracy among young people up to 29 years old, reveals the limited and punctual nature of the action. At the same time, we witness the transfer of state functions to the private initiative, under the particularistic speech that each person should do his/her part, in order to help the socially excluded ones. Keywords: Neoliberalism; illiteracy; capital.

1. Docente do Departamento de Fundamentação da Educação/CE/Campus 1; Doutora em Serviço Social. Email: judyrosas@superig.com.br

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A história segue sempre, em tempos e lugares, a passos tão lentos que aquilo que julgamos pertencer aos domínios do passado, numa aparência repentina, salta, diante de nós, com a força das novidades e com a segurança do que há muito se consolidou sem que tivéssemos percebido. É esse o atual cenário da condução da política e da economia no Brasil e de suas ferramentas necessárias voltadas para a obtenção do convencimento, da adesão e do controle da população a proposições cujo teor aponta, especialmente, para a precarização do mundo do trabalho e a perda de direitos constitucionalmente obtidos. Essa sensação de déjà vu revela que o movimento iniciado na primeira metade dos anos 1990, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para presidente do país, longe está de ser concluído. Retomar a discussão a partir daquele ponto talvez nos seja necessário para que compreendamos o ainda inconcluso processo de consolidação dos ideais neoliberais no Brasil. Tomar como referência para esta discussão o tratamento dado ao problema do analfabetismo no Brasil se justifica pela desconcertante proposição do governo assinalado de não superar tal situação, como apresentaremos ao longo do texto que ora iniciamos. Para tanto, enfocaremos o tratamento do analfabetismo no Brasil, com a inauguração e a implementação do Programa Alfabetização Solidária. Não nos ateremos à particularidade desse programa e a uma mera discussão relacionada à eficiência e à efetividade divulgada sobre ele. O processo de inserção do Brasil no neoliberalismo dá o conteúdo e o modo como tal política se expressou. Devemos considerar, primeiramente, que essa reorientação do capital foi inaugurada de modo tardio no Brasil. Em países do capitalismo central, já em fins dos anos 1970, o novo ritmo com que as mudanças no processo de produção que a chamada “revolução informacional” propiciava, ao lado do fortalecimento do capital financeiro, exprimia, como matriz cultural e ideológica, uma ofensiva sem precedentes. A automação fabril inaugurava um novo tipo de relação de produção pautada na crescente substituição do trabalhador por máquinas ‘inteligentes’ e implicava uma ampla difusão de novidades perturbadoras, como o fim do trabalho, da história e, consequentemente, da luta de classes. No Brasil, foi nos anos 90 do Século XX que as forças dominantes brasileiras inauguraram e conduziram a política e a economia mais nitidamente aos moldes neoliberais, cujas características centrais são: grande expansão do mercado financeiro, personificação do mercado em detrimento do poder dos trabalhadores, produção de um retrocesso social e privatização das empresas e de funções estatais, associadas à precarização das relações de trabalho que liquidam a luta sindical (MOTA, 2000). Observamos, além disso, uma forte tendência a explicar a existência do fenômeno da pobreza como uma inadaptação dos explorados à lógica do mercado. Isso porque, no neoliberalismo, o termo miséria foi substituído pela expressão ‘exclusão social’. Essa mudança na terminologia concorreu para adequar uma proposição central à ordem do Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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capital, que é a reprodução da sociedade dos indivíduos livres e isolados, cujas desigualdades são diluídas e suas sequelas transferidas para o sujeito que se excluiu, tornando iguais os que diferente e desigualmente reproduzem sua existência. Isso quer dizer que a desigualdade, uma de cujas expressões é o analfabetismo, tem sua gênese numa suposta liberdade de opção do sujeito por se escolarizar ou não, visto que, inclusive constitucionalmente, a educação é um direito subjetivo. De modo similar, acredita-se que o desemprego é um fenômeno que afeta os menos competitivos, principalmente por serem menos escolarizados e, portanto, menos qualificados. Assim, afirmamos que as proposições para a escolarização de homens e de mulheres durante o período enfocado no Brasil obedeceram a uma orientação que apontava para além das fronteiras nacionais, principalmente com a criação de mecanismos que desqualificavam o trabalho e os sujeitos que o realizavam. Não podemos olvidar, entretanto, que a implantação do neoliberalismo, que ocorreu em quase toda a América Latina, reclamou a viabilização de reformas necessárias à sua consolidação, e a reforma do Estado foi a ponta de lança desse reordenamento. No Brasil, o ponto de partida das reformas requeridas foi a criação - ainda no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) - do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), sob a batuta do então ministro Bresser Pereira. Ao propor que a forma burocrática, que engessava e tornava ineficientes as ações da administração pública, fosse superada e substituída por um modelo gerencial que agilizasse a ação estatal, foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995). Esse plano instituiu o estabelecimento da separação entre o que se entendia por “setores estratégicos” e “atividades exclusivas do Estado”, no sentido de viabilizar um modelo de “publicização” das atividades que careciam de mais eficiência e qualidade – critérios considerados fundamentais para o gerenciamento estatal - e do qual emergem três tipos de propriedade: a propriedade privada, a propriedade pública estatal e a propriedade pública não estatal. À propriedade privada correspondiam os setores comprometidos com o fornecimento e a produção de bens e serviços para o mercado, como as empresas de economia mista em setores estratégicos ou de serviços públicos. Era a propriedade pública estatal o núcleo estratégico composto pela Presidência da República, pelos Ministérios de Estado e pelos Tribunais Federais, cujas atividades eram exclusivas do Estado: os poderes relacionados à tributação e à legislação, às forças armadas e à polícia e às instituições reguladoras e fiscalizadoras. De acordo com Bresser Pereira (1998), seriam propriedades públicas não estatais as “instituições de direito privado voltadas para o interesse público, e não, para o consumo privado” (p.262), de modo que houvesse um sistema de parceria entre o Estado e a sociedade. Assim, o recebimento de subsídios estatais pelas organizações sociais de interesse e utilidade pública (OSIP) implicaria o consumo privado dos recursos e o 14

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consumo público dos serviços que lhes fossem designados. Era este o sentido da publicização: a ‘brilhante’ saída para dar continuidade ao financiamento público de instituições privadas ou alguns setores da administração pública que deveriam se tornar autônomos em relação ao Estado, como serviços sociais, culturais, de proteção ambiental, de pesquisa científica e tecnológica (BARREYRO, 2006). A necessidade de conferir amparo legal a essa proposição propiciou a criação do Programa Nacional de Publicização, a partir do qual foi promulgada a Lei nº 9790, de 23 de março de 1999, que regulamentou as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) qualificadas como (...) pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por essa Lei. § 1o Para os efeitos dessa Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social (ART.1º).

Sobre as finalidades das OSCIPs, o Artigo 3º dessa lei determina que elas obedecessem, pelo menos, a uma das atividades listadas: I- promoção da assistência social; II- promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III- promoção gratuita de educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata essa Lei; IV- promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata essa Lei; V- promoção da segurança alimentar e nutricional; VI- defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII- promoção do voluntariado; VIII- promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX- experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; X- promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XIX- promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII- estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas nesse artigo. Parágrafo único. Para os fins desse artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins.

A institucionalização do voluntariado e a previsão legal do estabelecimento de parcerias entre o poder público e a iniciativa privada demarcaram o novo modo de implementar as políticas sociais que, ao sair, supostamente, da alçada da ação estatal, transformaram a população atendida por elas em consumidores de serviços prestados. No entanto, esses serviços não se pautavam na perspectiva de que o público seria contemplado com as políticas de garantia de direitos previstos constitucionalmente, mas como resultante da ação de cidadãos que, solidariamente, exerciam a filantropia como forma de cuidar daquelas pessoas incapazes de, sozinhas, proverem sua existência nos mínimos patamares. Outra novidade que atingiu imediatamente o conjunto da população foi a instauração de um plano econômico cujas características básicas foram a sobrevalorização do câmbio pelo barateamento dos produtos importados, o encarecimento dos produtos nacionais e a consolidação da abertura comercial e financeira do Brasil para os países do capitalismo central. Esse plano, com a justificativa de controlar a inflação, surtiu, na verdade, dois efeitos. Em 1994, a balança comercial brasileira colocou o país como o terceiro maior comércio do mundo. Em 1998, confirmou-se um déficit de 8,5%, acompanhado de perto por um déficit na balança de serviços (1). Foi também nos oito anos de governo FHC que se consolidou um movimento de privatização de estatais sem precedentes na nossa história. O fato é que esse governo sedimentou a inclusão do neoliberalismo no país, com o consentimento da maioria da população que o elegeu e acreditava (e, hoje, parece que continua a acreditar!) que seria possível fazer parcerias entre trabalho e capital. Os resultados desse pacto foram, principalmente, o desemprego, a precarização do trabalho – desencadeada pela proclamada flexibilização das relações trabalhistas e pelo desestímulo à organização dos trabalhadores – além da perda de significativa parcela do patrimônio público nacional. A farta propaganda sobre os benefícios do governo proporcionados à população pobre e a larga utilização de expressões como “parceria”, “solidariedade” e “trabalho voluntário” delinearam o perfil das políticas sociais, também marcadas pela transferência monetária, como o Programa Bolsa Escola, que concedia uma bolsa de R$ 15,00 (quinze reais) a cada criança em idade escolar que estivesse frequentando a escola. Porém se observava o limite de três bolsas por família, perfazendo um máximo de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais). Segundo propaganda amplamente divulgada em emissoras de rádio e de televisão, as famílias contempladas com tal auxílio – cuja renda familiar mensal, por indivíduo, fosse de até R$ 90,00 (noventa reais) – teriam adquirido poder para comprar comida,

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roupas, remédios e material escolar. Assim, teriam aumentado sua capacidade de consumir. O fato é que, quando o Programa Bolsa Escola foi lançado, o salário-mínimo, que havia sido aumentado de R$ 161,00 (cento e sessenta e um reais) para R$ 180,00 (cento e oitenta reais), devido à sua exiguidade, impunha até para os que não eram sensíveis à causa da exploração a necessidade de executar políticas de complementação de renda, com o intuito de controlar os riscos de superexploração a que homens e mulheres eram expostos. Em verdade, o que se pôde observar foi o deslocamento da abordagem da pobreza dos âmbitos político e econômico para o problema técnico e filantrópico. O flagrante abandono das questões cruciais que envolviam quase toda a sociedade, nesse contexto, foi mascarado sob a orientação de que cada um deveria fazer sua parte, uma prática viabilizada pelo estímulo a ações voluntárias associadas ao suposto despertamento do espírito solidário que todos os brasileiros deveriam ter pelos ‘necessitados’, pelos ‘carentes’ e pelos ‘excluídos’. Houve, nesse momento, um significativo impulso em relação ao surgimento e ao fortalecimento de Organizações não Governamentais (ONGs) e de fundações que, como previsto no Programa Nacional de Publicização, passaram a atuar em substituição à ação estatal. Segundo Montaño (2002), essa transferência de responsabilidade teve caráter político-ideológico cujos objetivos eram de retirar e esvaziar a dimensão de direito universal do cidadão quanto a políticas sociais (estatais) de qualidade; criar uma cultura de autoculpa pelas mazelas que afetam a população, e de autoajuda e ajuda mútua para seu enfrentamento; desonerar o capital de tais responsabilidades, criando, por um lado, uma imagem de transferência de responsabilidades e, por outro, a partir da precarização e focalização (não universalização) da ação social estatal e do ‘terceiro setor’, uma nova e abundante demanda lucrativa para o setor empresarial (p.23).

A opção estatal para o tratamento privado da pobreza pela via da transferência de suas atribuições à ONGs proporcionou o escoamento de recursos financeiros cujos verdadeiros beneficiários foram os filantropos da hora. Podemos afirmar que houve, nesse período, um movimento de fomento ao particularismo, que pôs a responsabilidade nos indivíduos que deveriam agir para ajudar ao próximo. Destacamos, ainda, como exemplo, o chamamento do governo central aos brasileiros, que deveriam assumir o papel de “Amigos da Escola”, para suprir os déficits de pessoal e a precariedade das condições de funcionamento nas escolas, supostos motivos apontados como promotores da violência e da suposta improdutividade escolar. O resultado disso foi a desqualificação das lutas por direitos sociais associada a uma fragilização da organização popular e de trabalhadores. Além disso, o trabalho voluntário serviu muito mais para reduzir a oferta de vagas de emprego do que para Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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reduzir os déficits gerados na sociedade de desiguais e disseminou-se a cultura de que cidadania coincidia com filantropia. Criou-se a onda de voluntariado de um modo jamais experimentado no Brasil. Essa tendência adentrou o Século XXI e hoje conta com a adesão de significativa parcela da sociedade. Segundo Yasbek, no ano de 2003, havia, no país, 19 milhões e 700 mil voluntários, o que correspondia a uma redução da oferta de 333 mil postos de trabalho de 40 horas de jornada semanal (2). Obedecendo à mesma lógica da terceirização das políticas sociais, foi criado o Programa Comunidade Solidária que, inicialmente, tinha o objetivo de distribuir cestas básicas e, mais tarde, devido às críticas recebidas, priorizou “o fortalecimento da sociedade civil”, com a promoção do voluntariado e o apoio a ONGs e o “desenvolvimento de programas inovadores” (BARREYRO, 2006, p.3), como Universidade Solidária, Capacitação Solidária e Alfabetização Solidária (programa que propunha tratar a questão do analfabetismo), financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A política do BID para toda a América Latina previa o ‘fortalecimento’ da sociedade civil com a instauração de novas formas de os governos locais prestarem serviços sociais, chamadas de descentralização, e a promoção da filantropia e do voluntariado. Em contrapartida, as instituições privadas parceiras recebiam o Certificado de Fins Filantrópicos e o Certificado de Utilidade Pública Federal, que lhes garantiam isenção de impostos. Podemos apreender, portanto, que essa reforma do Estado tratou de engordar, com recursos públicos, setores capitalistas que foram duplamente beneficiados, tanto com financiamento direto quanto indireto, sob a forma de isenção de impostos. A participação da sociedade se deu pelo fortalecimento e pelo reconhecimento de que a ação solidária teria natureza individual, porquanto cada pessoa voluntária estaria fazendo sua parte ao se integrar em ações que a fariam mais feliz por fazer outras pessoas felizes. Assim, o sentido da filantropia e da ajuda comungou com os interesses do capital e retirou a componente de luta e de militância política por emancipação coletiva. Sobre o Programa Alfabetização Solidária, foi criado no interior do MEC e desencadeado sob a coordenação da primeira dama, a socióloga Ruth Cardoso. Seu objetivo principal era de atingir jovens e adultos analfabetos de 14 a 25 anos, a partir do estabelecimento de parcerias entre governos, iniciativa privada e pessoas físicas. Criado em 1997 pelo Conselho da Comunidade Solidária, era um fórum de desenvolvimento de ações sociais, cuja base de funcionamento é a parceria entre governo federal, iniciativa privada e sociedade civil [...] tem como objetivo reduzir os índices de analfabetismo no Brasil e de expandir o acesso de jovens e adultos à educação nos municípios que apresentam os índices mais elevados de analfabetismo no país (ESTEVES, 2002, p.01).

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Para tanto, propunha sua materialização a partir da formação de módulos de alfabetização com duração de seis meses, organizados em turnos de três horas diárias em quatro dias por semana. Desses seis meses, um seria dedicado à capacitação de alfabetizadores leigos, preferencialmente moradores das comunidades onde o programa deveria ser implantado. A coordenação central das ações, em cada comunidade, coube a Instituições de Educação Superior (IES), principalmente da Região Sudeste, em articulação com os governos municipais. Sobre o vínculo dos alfabetizadores e das alfabetizadoras com o programa, merece destaque o caráter temporário em que suas atividades se realizariam, visto que, de seis em seis meses, eles deveriam ser mudados, e seus salários eram pagos sob a forma de bolsas, que representavam valores inferiores aos vigentes no mercado. Um coordenador recebia R$ 300,00; um alfabetizador do projeto nacional, R$ 120,00; e um alfabetizador de grandes centros urbanos, R$200,00 (BARREYRO, 2006). Quanto ao custo por aluno, era da ordem de R$ 34,00 por mês. Citado como um estímulo para as pessoas cuja função seria de alfabetizar os analfabetos com o argumento de ampliar a integração com pessoas de centros mais desenvolvidos, o que possibilitaria também a ampliação de conhecimentos, o Programa Alfabetização Solidária previa a realização de viagens para as cidades que sediavam as IES envolvidas nele. Esse formato propiciou muitas críticas ao Programa Alfabetização Solidária pelos setores estatais e pelas IES que fizeram parte dele. O Tribunal de Contas da União (TCU), em avaliação publicada em 2003, apontava que, além de ferir o princípio constitucional de que o Ensino Fundamental deveria ser oferecido pelos municípios, essa política era executada de forma isolada em relação à política nacional de educação do MEC, não apresentando mecanismos que assegurem a continuidade do processo educacional dos beneficiários e tampouco sua interação com as demais ações do programa (p.15).

De fato, o isolamento de tal política não só demonstrou a não prioridade concedida por tal governo à questão do analfabetismo no Brasil, como também sedimentou o descumprimento de direitos garantidos na Constituição Federal, cujo artigo 208 previa a “garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria”, e na LDB 9394/96, ao não oferecer tal modalidade de ensino e transferir essa responsabilidade para entidades filantrópicas, e não, governamentais. A situação foi agravada com a exclusão da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do ensino regular, quando foi criado o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), regulamentado pela Lei 9424/96 e que destinava 60% dos recursos destinados à educação a estados e municípios de acordo com a quantidade de matrículas, dando prioridade às pessoas na faixa etária de sete a 14 anos. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Nesse sentido, exemplar foi a campanha ‘Adote um Analfabeto’, que convocava “cidadãos solidários” a fazerem doações na rede bancária com cartão de crédito. Assim, presenciamos a negação do direito à educação ser transformada em uma prática filantrópica e sugerir uma relação vertical entre quem adota e financia o analfabeto e a pessoa adotada. O desaparecimento do sujeito que tem direitos produziu a emergência da pessoa inferiorizada por não saber ler e escrever - o não sujeito. Ainda de acordo com o referido relatório de TCU (2003), o módulo de alfabetização, com duração de 5 meses, sendo quatro aulas por semana, com carga horária média/dia de 3 horas, não assegura que o aluno tenha sido alfabetizado, pois a alfabetização é apenas o início de todo um processo de aprendizagem propiciado pela continuidade dos estudos (p.16).

A fim de ilustrar tal afirmação, o relatório apresenta os seguintes dados relativos ao módulo executado entre os meses de julho e dezembro de 2000: 12% dos alfabetizandos, no final do módulo, não escrevem; 34% escrevem palavras; 30% produzem frases isoladas, e 24% produzem textos. Parece-nos que o Programa Alfabetização Solidária visou muito mais estimular ações voluntárias e filantrópicas, na tentativa de mobilizar a sociedade convencendo-a de que estava na hora de abandonar a ideia de que o Estado deveria tutelar, sozinho, as vítimas do mal do analfabetismo. Estava embutida nesse programa a orientação de minimizar a intervenção do Estado para o tratamento da pobreza e de suas expressões pela redução dos gastos, questão central do projeto neoliberal em implantação. Acompanhou a mesma lógica o flagrante processo de precarização do emprego dos alfabetizadores e das alfabetizadoras, cujo direito à contratação pela legislação trabalhista lhes foi negado, o que resultou no barateamento da mão de obra sem vínculo empregatício. De acordo com Barreyro (2006), “em 2002, em um município da grande São Paulo, o professor de uma sala de EJA recebia por volta de R$ 1.000,00, enquanto o alfabetizador, R$ 200,00” (p.8). Segundo argumento dos formuladores do referido programa, em resposta às críticas recebidas por esse tipo de contratação, essa rotatividade favoreceria a participação de um número maior de pessoas com emprego temporário, que atingiria um número maior de jovens que precisavam ter uma primeira experiência profissional, e atenderia a um número maior de pessoas a serem beneficiadas com capacitação (apesar de existir também o Programa Capacitação Solidária). De acordo com dados de Censos Demográficos do IBGE, entre os anos de 1991 e 2000, houve uma redução de dois milhões e 387 mil analfabetos no Brasil, o que refuta a informação sobre o impacto do Programa Alfabetização Solidária nos dados sobre analfabetismo de que, “desde sua implantação até o ano 2001, mais de 2,4 milhões de 20

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jovens e adultos brasileiros foram beneficiados” (ESTEVES, 2001, p.01). Perguntamos, então: quando se fala em pessoas atendidas, atingidas ou beneficiadas pelo citado programa, está-se falando nas que foram efetivamente alfabetizadas? Mesmo que a proposta indicada por tal programa não fosse a de superar o analfabetismo, podemos duvidar da afirmação transcrita. A não ser que, quando se referir à população atingida pelo Programa, inclua as matrículas iniciais sem computar o quantitativo de alunos que o abandonam (que é elevado nas turmas de EJA) e dos não alfabetizados. Admitimos também que o foco do programa não é o controle do analfabetismo. Ele contempla as parcerias estabelecidas em um grau bem maior do que nos próprios alfabetizandos. Isso porque, quando são listados os parceiros dessa iniciativa educacional – Instituições de Ensino Superior, empresas, instituições financeiras, fundações corporativas, cidadãos solidários, ONGs, governo federal, agências de fomento, empresas públicas, governos estaduais e administração municipal – ressalta-se que “é cada vez maior a disposição do setor privado em cumprir seu papel no compromisso de construir um país melhor” (Ibid., p.4). Melhor para os reais beneficiários do Programa – os empresários cidadãos, as ONGs cidadãs – que receberam a injeção de vultosas quantias provenientes do governo federal, principalmente nos dois últimos anos de governo de FHC, como revelam os dados apresentados na tabela que segue. Tabela 1 - Recursos do Governo Federal para o Programa Alfabetização Solidária (3) 2000-2004

Ano 2000 2001 2002 2003 2004

Recursos recebidos em reais (R$) 24.302.000,00 79.333.638,00 107.000.000,00 30.000.000,00 12.000.000,00

Fonte: Barreyro (2006, p.5)

Curiosos, nessa tabela, são a quantidade de recursos que foi repassada para as instituições envolvidas no Programa Alfabetização Solidária e os demais benefícios já citados, como a isenção de impostos, por exemplo. O governo central, com o discurso de reduzir custos e minimizar sua intervenção em setores publicizados, agiu com generosidade com os parceiros privados e com parcimônia com as massas trabalhadoras analfabetas, cujo custo por aluno, como já referido, Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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foi irrisório, embora tenha criado a falsa expectativa de que os analfabetos atendidos seriam beneficiados com uma melhoria na qualidade de sua vida, pois, segundo a compreensão expressa pelo programa em foco, ao setor privado caberia a competência de construir o proclamado desenvolvimento do país. Essa afirmação pode ser demonstrada nas palavras de Esteves (2002), segundo a qual “é cada vez maior a disposição do setor privado em cumprir seu papel social no compromisso de construir um país melhor” (p.4). A autora acrescenta que “mais de 50% das empresas parceiras do Programa são dos grandes centros urbanos do Sudeste do país, e o município adotado está em um Brasil regional, social e economicamente distante” (p.7). Portanto, parece-nos incoerente com as características apontadas acerca do neoliberalismo uma suposta inclinação dos capitalistas participantes desse programa ao conferir uma melhoria das condições de vida das maiorias dominadas e exploradas econômica, social e politicamente. Podemos observar que, a despeito da fase em que o capitalismo no Brasil se enquadre, o tratamento do analfabetismo é fixado no interior da escola como se fosse produto exclusivo do supostamente ineficiente (para seus usuários, e eficiente para a reprodução da ordem do capital) sistema escolar brasileiro, ou seja, não se articula à forma como a escola é organizada em seus saberes transmitidos, sua organização serial e curricular e a própria formação dos educadores, como expressão legítima da lógica que nutre e reproduz a sociabilidade capitalista como um todo. Isso nos leva a inferir que a escola capitalista – especialmente a escola pública - é um instrumento de sustentação ideológica desse modo de produção, ao mesmo tempo em que fornece parâmetros mínimos para uma qualificação subalterna da mão de obra trabalhadora. Portanto, gerar analfabetos deve ser um dos seus papéis ou garantir patamares mínimos de escolarização que nos parece remeter à mesma tragédia. Talvez pareça um contrassenso afirmar que a escola pública produza analfabetos. No entanto, duas questões podem ser destacadas para fundamentar tal afirmação. A primeira diz respeito ao processo de universalização do acesso à escola pública iniciado nos primeiros anos da década de 1970 e que, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, alcançou percentuais superiores aos 95% em relação aos anos iniciais do ensino fundamental. Portanto, não é acertado dizer que, no limiar do Século XX para o XXI, as pessoas analfabetas sejam as que não tiveram a oportunidade de se escolarizar na idade certa. Essas pessoas frequentaram a escola e foram afastadas dela sem que sequer lhes fosse garantida a alfabetização. Além disso, no Brasil, os trabalhadores e as trabalhadoras analfabetos têm espaço no mercado, tanto para constituir um exército de reserva estagnado quanto para desempenhar funções lucrativas para os capitalistas e que não exigem escolarização como, por exemplo, a coleta de resíduos sólidos. Acresce-se a essas questões o fato de que reproduzir a força de trabalho de pessoas analfabetas demanda baixo custo. 22

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Por fim, não desconhecemos a força dessa ofensiva capitalista e a facilidade como o neoliberalismo agrega setores que se encantaram com o canto da sereia do individualismo, do enriquecimento, do estranhar-se em relação aos que são explorados, aos que são analfabetizados, como forma de sedimentar desigualdades que, se ainda hoje são justificadas como naturais, têm na provisoriedade uma característica de tudo o que é sólido - o germe da própria destruição.

REFERÊNCIAS BARREYRO, Gladys Beatriz. Programa Alfabetização Solidária: terceirização no contexto da reforma do Estado. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 29, 2006, Caxambu. Educação, cultura e conhecimento na contemporaneidade: desafios e compromissos. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT18-2586--int.pdf. BENJAMIM, César. As opções do governo Lula: desdobramentos econômicos, políticos e sociais. Recife, 2004. Conferência proferida em 18 de maio de 2004, CCSA/UFPE. BRASIL. Lei nº 9790 – de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências. Presidência da República. Disponível em: http://lei.adv.br/9790-99.htm. ______. Lei nº 9424 – de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Presidência da República. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9424.pdf. ______. Presidência da República. Câmara da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM. ______. Tribunal de Contas da União. Avaliação do TCU sobre a Alfabetização Solidária de jovens e adultos. Relator: Ministro Guilherme Palmeira. 2007. Disponível em: http:// www2.tcu.gov.br/psl/portal/docs/PAGE/TCU/PUBLICACOES/LISTAPUBLICACOES/SUMARIOS_EXECUTIVOS_12.PDF. ESTEVES, Regina Célia Vasconcelos. Alfabetização Solidária: uma estratégia de sucesso para a educação de jovens e adultos no Brasil. In: VII Congreso Internacional de CLAD Sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Lisboa, 2002. Disponível em: <http//: unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0044529.pdf>. MÉSZÁROS, Ístvan. A globalização capitalista é nefasta. Brasil de fato, 9 ago. 2004. Entrevista a Motta, Débora & Jakobskind, Mário. Disponível em: http://www.brasildefato. com.br/v01/agencia/entrevistas. MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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MOTA, Ana Elizabete. Cultura da crise e seguridade social: um estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e 90. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. 248p. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; GRAU, N. Cunill (Org.). O público não estatal na reforma de Estado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; CLAD, 1998. NOTAS 1- Informação verbal fornecida por César Benjamim em palestra proferida no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFPE, em 18 /05/2004, sobre o tema “As opções do governo Lula: desdobramentos econômicos, políticos e sociais”. 2- Informação fornecida por Maria Carmelita Yasbek, em palestra realizada no auditório do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Pernambuco, em julho de 2003. 3- De acordo com Barreyro (2006), os dados relativos aos anos de 2000 e 2001 foram fornecidos pelo TCU, os do ano 2002 foram divulgados pelo MEC, e os dos anos de 2003 e de 2004 foram publicados no jornal Folha de São Paulo, em 09/09/2004.

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Robson Xavier da Costa 1 Cícero Justino Filho 2

A Arte no processo de ensino-aprendizagem na Educação Infantil RESUMO Este artigo busca investigar o trabalho da disciplina de Arte na Educação Infantil, como uma possibilidade das crianças passarem a conhecer, vivenciar, desenvolver e aprender as diversas manifestações artísticas de acordo com a sua faixa etária. Para realizar este trabalho adotamos a pesquisa qualitativa com revisão bibliográfica e observação participante com as crianças da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Mônica, da cidade de Itaporanga, no Estado da Paraíba, com a finalidade de conhecer e identificar como é realizado o Ensino da Arte na Educação Infantil e alguns questionamentos persistentes sobre a metodologia utilizada, as linguagens artísticas trabalhadas pelas crianças em sala de aula, bem como a interação entre as crianças, a turma e o professor. O estudo ainda nos levou a fazer uma reflexão sobre o papel do professor na construção do conhecimento, o professor/mediador na expansão de ideias, dando condições melhores para construir e reconstruir o conhecimento de forma significativa e funcional, conforme os doze critérios de mediação de Reuven Feuerstein et al (1994), bem como os embasamentos teóricos dos RCNEI (BRASIL, 1998), PCN (BRASIL,1998) e dos estudiosos, Figueiredo e Souza (2010), Bodgan e Biklen (1994), Ludke e André (1986), Mello (1987) Ferraz e Fusari (2009), Schlichta e Tavares (2004), Barbosa (1989). Palavras-chave: Formação profissional; ensino-serviço; educação em saúde.

ABSTRACT

1. Professor/pesquisador e atual coordenador do Programa Associado de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV UFPB/UFPE) e professor/pesquisador do Departamento de Artes Visuais da UFPB. UFPB, campus I, João Pessoa. Email: robsonxavierufpb@gmail.com. 2. Professor da Educação Básica, graduado em Pedagogia pela UFPB Virtual. Email: cicerojustino1@hotmail.com.

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This article seeks to investigate the role of the school subject “Art in Early Childhood Education”, as a possibility for children to get to know, experience, develop and learn the various artistic manifestations according to their age group. To carry out this task, we adopted qualitative research with bibliographic review, as well as participant’s observation with the children of Santa Monica Elementary school, at the Itaporanga municipality, in the State of Paraíba, with the purpose of learning and identifying how the Teaching of Art in Early Childhood Education and some persistent questionings about the methodology used, the artistic languages worked by the children in the classroom, as well as the interaction among children, class and teacher were implemented. The study also led us to reflect on the role of the teacher in the construction of knowledge, the teacher/mediator in the expansion of ideas, providing better conditions to construct and reconstruct knowledge, in a meaningful and functional way, according to the twelve criteria of mediation by Reuven Feuerstein et al. (1994), as well as the theoretical foundations of RCNEI (BRAZIL, 1998), PCN (BRASIL, 1998) and the researchers Figueiredo and Souza (2010), Bodgan and Biklen (1994), Ludke and André (1986), Mello (1987) Ferraz and Fusari (2009), Schlichta and Tavares (2004), Barbosa (1989). Keywords: Professional training; teaching-service; health education.

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INTRODUÇÃO No processo de ensino e aprendizagem da Educação Infantil, a Arte é importante para a alfabetização da criança e pode desenvolver sua coordenação motora e o emocional e possibilitar a rapidez de raciocínio e a socialização. O uso da Arte na Educação Infantil pode auxiliar o desenvolvimento da aprendizagem nas crianças, para que elas possam adquirir conhecimentos de maneira agradável, e não, enfadonha, pois é na infância que elas têm a oportunidade de dividir emoções, de desenvolver a imaginação, de sonhar e aprender a ter limites. As atividades artísticas podem proporcionar às crianças um mundo de cores e de alegria e contribuir com o processo de ensino e aprendizagem. Nessa perspectiva, a Arte deve ser trabalhada de forma a priorizar a sensibilidade das crianças e incentivá-las a se expressar de maneiras diferentes, de acordo com sua faixa etária e o nível de ensino. A busca pela construção do conhecimento artístico das crianças ou a maneira como esse aprendizado acontece é considerada, em muitas circunstâncias, “incorreta” ou “incompleta”, porque há professores que não estão totalmente preparados para ministrar a disciplina ‘Ensino da Arte’. Muitos sentem dificuldades de transmitir conhecimentos sobre arte e limitam-se a trabalhar com atividades que pouco contribuem para desenvolver a criatividade na criança e suas habilidades para a vida social. Assim, considerando esses aspectos, o objetivo desta pesquisa foi o de investigar como a Arte é trabalhada na Educação Infantil, com foco no processo de ensino e aprendizagem das crianças, e como elas descobrem novas possibilidades de renovar suas atividades e de melhorar a autoestima. O estudo também nos levou a fazer alguns questionamentos sobre a metodologia empregada pelos professores, as linguagens artísticas trabalhadas com as crianças em sala de aula e a interação entre elas e a turma e a refletir sobre o papel do professor/mediador na construção do conhecimento, conforme a Teoria dos Doze Critérios de Mediação de Reuven Feuerstein et al. Para isso, baseamo-nos nos pressupostos teóricos dos RCNEI (BRASIL, 1998), dos PCNs (BRASIL, 1998) e de estudiosos como Figueiredo e Souza (2010), Bodgan e Biklen (1994), Ludke e André (1986), Mello (1987), Ferraz e Fusari (2009), Schlichta, Tavares (2004) e Barbosa (1989).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Considerando que a Arte é um instrumento fundamental para o desenvolvimento do ser humano, na busca de conceitos e de formas, o professor deve atentar para o fato de a criança da Educação Infantil estar em busca de algo “novo” para vivenciar oportunidades de aprendizado. Quando introduzimos novas propostas de trabalho, a criança desperta para outras possibilidades de adquirir o próprio conhecimento.

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Nessa linha de pensamento, esta pesquisa tem por finalidade explorar e estreitar o contato da criança da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Mônica com a Arte. Para isso, optamos por trabalhar com a pesquisa bibliográfica com um estudo de caso, a partir da observação participante, tendo como sujeitos as crianças. O estudo de caso é mais utilizado nas pesquisas de campo do tipo exploratórias, visando inclusive levantar questões para outros estudos através de dados qualitativos. Por isso não se restringe a um único modo de coleta de dados, vários procedimentos de pesquisa podem relacionar-se com o estudo do caso, como, por exemplo, a observação participante e a entrevista livre (FIGUEIREDO e SOUZA, 2010, p. 101).

Para realizar o estudo de caso, seguimos algumas etapas: 1. Visitamos a Instituição de Ensino, a fim de observar e levantar dados para a construção da pesquisa, visando saber como o professor desenvolve o trabalho e quais as técnicas que utiliza para trabalhar com a arte na Educação Infantil; 2. Observamos e participamos das aulas de Arte com as crianças das séries iniciais da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Mônica na busca de compreender o desenvolvimento das atividades das aulas de Arte; 3. Fizemos algumas atividades com as crianças da Educação Infantil, a fim de identificar os conteúdos apreendidos acerca da arte. Segundo Ludke e André (1986), a pesquisa qualitativa tem como foco o ambiente natural como fonte de dados descritivos. Nesse processo, o principal instrumento é o pesquisador. Nesta pesquisa qualitativa, identificamos as perspectivas e as práticas do Ensino da Arte na Educação Infantil, na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Mônica.

1. O ENSINO DA ARTE E A EDUCAÇÃO INFANTIL

Ferraz e Fusari (2009) asseveram que estudar arte não se limita a estudar fatos históricos e estilos, mas também questionar sobre problemas e encontrar formas possíveis de resolvê-los e refletir sobre a interferência da Arte na sociedade. No Ensino da Arte, podemos conduzir os estudantes a conhecerem a história da Arte, suas origens, as técnicas utilizadas desde a arte medieval, até a arte moderna e contemporânea, os artistas, os autores e as linguagens artísticas: artes visuais, música, dança, teatro, cinema, fotografia e literatura. Assim, eles poderão pesquisar, construir

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e explorar seus conhecimentos e aprender a analisar as produções e suas linguagens artísticas e expressivas. É imprescindível que o ensino da Arte seja introduzido na Educação Infantil, quando as crianças estão iniciando uma nova fase em sua vida, de aquisição de conhecimentos e de descobertas, envolvidas com o “novo” e podem aprender brincando. Nesse contexto, a Arte é imprescindível, porque, por meio dela, pode-se trabalhar a percepção, o raciocínio, o afetivo e o emocional. Isso significa que, desde cedo, a Arte pode estimular a criança a desenvolver a inteligência, o trabalho em grupo e a criatividade. No Brasil, o ensino da Arte está oficialmente associado à área de Linguagens, Códigos e suas tecnologias, ou seja, trabalha-se na escola o conjunto de conhecimentos das disciplinas Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Literatura, Artes, Educação Física e Tecnologia da Informação e Comunicação. Portanto, o professor deve conhecer as competências da disciplina Arte para trabalhar em sala de aula, para estimular o estudante a desenvolver suas habilidades nas diversas áreas do conhecimento. No que tange ao ensino da Arte na Educação Infantil nas séries iniciais, as Artes Visuais envolvem a concepção de linguagens estruturadas e características próprias, o que leva a criança a ter contato com a Arte e, por meio dela, desenvolver algumas habilidades específicas, de acordo com sua faixa etária, despertar a criatividade, a imaginação, a capacidade estética e a coordenação motora e intelectual. De acordo com o que preconiza o RCNEI (Vol. 3, 1998, p. 95), o ensino de Arte deve preparar as crianças com idades de zero a três anos para que sejam capazes de: • ampliar o conhecimento de mundo que possuem, manipulando diferentes objetos e materiais, explorando suas características, propriedades e possibilidades de manuseio e entrando em contato com formas diversas de expressão artística; • utilizar diversos materiais gráficos e plásticos sobre diferentes superfícies para ampliar suas possibilidades de expressão e comunicação.

Para as crianças com idades de quatro a seis anos, os objetivos consistem em prepará-las, para que sejam capazes de: • interessar-se pelas próprias produções, pelas de outras crianças e pelas diversas obras artísticas (regionais, nacionais ou internacionais) com as quais entrem em contato, ampliando seu conhecimento do mundo e da cultura; • produzir trabalhos de arte, utilizando a linguagem do desenho, da pintura, da modelagem, da colagem, da construção, desenvolvendo o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de produção e criação (RCNEI Vol. 3, 1998, p. 95).

Podemos dizer que a Arte na Educação Infantil está relacionada a alguns fatores Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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primordiais, como a análise e a observação de objetos, formas expressivas, imaginação e as próprias criações. É por meio das técnicas e da linguagem criativa que as crianças podem desenvolver suas reflexões e a sensibilidade. Na área de Artes Visuais, os RCNEI determinam que a percepção, de acordo com a faixa etária das crianças, deve contemplar: Apreciação em Artes Visuais CRIANÇAS DE ZERO A TRÊS ANOS • Observação e identificação de imagens diversas. CRIANÇAS DE QUATRO A SEIS ANOS • Conhecimento da diversidade de produções artísticas, como desenhos, pinturas, esculturas, construções, fotografias, colagens, ilustrações, cinema etc. • Apreciação das suas produções e das dos outros, por meio da observação e da leitura de alguns dos elementos da linguagem plástica. • Observação dos elementos constituintes da linguagem visual: ponto, linha, forma, cor, volume, contrastes, luz e texturas. • Leitura de obras de arte a partir da observação, da narração, da descrição e da interpretação de imagens e objetos. • Apreciação das Artes Visuais e estabelecimento de correlação com as experiências pessoais (RCNEI Vol. 3, 1998, p. 103).

Nesta pesquisa, procuramos saber se os parâmetros indicados acima estão sendo aplicados coerentemente, de acordo com a faixa etária das crianças, na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Mônica.

1.2 PCN/ARTE Os Parâmetros Curriculares Nacionais/Arte elencam algumas propostas que vêm sendo conquistadas no Brasil, durante a trajetória da área até o Século XXI, pela abrangência e por envolver ações que podem melhorar o ensino e a aprendizagem em Arte. Nesse sentido, os PCN afirmam: Aprender com sentido e prazer está associado à compreensão mais clara daquilo que é ensinado. Para tanto, os conteúdos da arte não podem ser banalizados, mas devem ser ensinados por meio de situações e/ou propostas que alcancem os modos de aprender do aluno e garantam a participação de cada um dentro da sala de aula. Tais orientações favorecem o emergir de formulações pessoais de ideias, hipóteses, teorias e formas artísticas. Progressivamente e por meio de trabalhos contínuos essas formulações tendem a se aproximar de modos mais elaborados de fazer e pensar sobre arte. Introduzir o aluno do primeiro ciclo do ensino fundamental às origens do teatro ou aos 30

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textos de dramaturgia por meio de histórias narradas pode despertar maior interesse e curiosidade sem perder a integridade dos conteúdos e fatos históricos (BRASIL, 1998, p. 36).

Os PCN recomendam que a Arte deve ser organizada para que, no fim do Ensino Fundamental, o estudante seja capaz de desenvolver habilidades individuais ou grupais na área de Arte, por meio de diversas manifestações artísticas, como artes visuais, dança, música e teatro. As atividades desenvolvidas pelas crianças na Educação Infantil devem ser acompanhadas incondicionalmente pelos professores, respeitando a faixa etária, as condições de manuseio do material, percepção de gestos, exploração de espaços físicos e construção de objetos variados. Essas atividades devem ter curta duração, para que a criança possa sentir o prazer lúdico ao se deparar com a Arte e desenvolver sua ação expressiva.

1.3 A ARTE NOS REFERENCIAIS CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Nesta pesquisa, as demandas relacionadas à Arte e ao seu ensino foram analisadas a partir das Diretrizes Curriculares para o Ensino da Arte regulamentadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN do Ensino Fundamental) e pelos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (RCNEI). Com base nos PCNs, o estudo da Arte propicia às crianças, além de conhecimentos que as ajudam a desenvolver seu pensamento artístico, perceptivo e estético, a compreensão das questões sociais inerentes ao mundo que as cerca, ou seja, de maneira significativa, possibilita-lhes o conhecimento do mundo. (...) para desenvolver bem suas aulas, o professor que está trabalhando com arte precisa conhecer as noções dos fazeres artísticos e estéticos dos estudantes e verificar em que medida pode auxiliar na diversificação sensível e cognitiva dos mesmos. Nessa concepção, seqüenciar atividades pedagógicas que ajudem ao aluno a aprender a ver, olhar, ouvir, pegar, sentir e comparar os elementos da natureza e as diferentes obras artísticas e estéticas do mundo cultural (FERRAZ & FUSARI, 1994, p.21).

As crianças podem aprimorar os sentidos, explorar sua criatividade, assimilar os conhecimentos culturais sobre a Arte e compará-los com os conhecimentos adquiridos em sala de aula, além de analisar e compreender as condições sociais em que a Arte foi produzida. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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De acordo com os PCN das séries iniciais do Ensino Fundamental em relação à área Curricular de Arte, a educação em Arte desenvolve o pensamento artístico e proporciona a valorização do ser humano em suas diversas manifestações, além de perceber os elementos vinculados ao desenvolvimento efetivo do que está previsto nos textos oficiais. Nos RCNEI, a Arte é abordada como uma das linguagens e fundamental para o desenvolvimento das habilidades, da expressão e da comunicação das crianças, tendo como eixos de trabalho artes visuais, teatro, dança e música. As artes visuais estão constantemente presentes na vida das crianças. Quando desenham no chão, nas paredes e muros, utilizando materiais diversos encontrados em casa ou por acaso, elas já estão expressando suas emoções e seus sentimentos sem se dar conta de que estão atribuindo a essas “brincadeiras” sentidos diversos, com o fim de se comunicar. Na Educação Infantil, essa realidade deve ser explorada de diversas maneiras, como em linhas, formas e pontos, por exemplo. A Arte é uma linguagem que nos permite expressar sensações e sentimentos que estão presentes em muitas culturas, nas festas e nas comemorações religiosas, cívicas e politicas. Para trabalhar as diversas expressões artísticas na Educação Infantil, devemos proporcionar às crianças vivências criativas e expressivas. Isso pode influenciar a maneira como desenvolvem e conhecem as diferenças culturais, expressando e comunicando acontecimentos.

3.1 O PROFESSOR MEDIADOR E A EXPRESSÃO INFANTIL Com o avanço das tecnologias e, principalmente, o acesso ilimitado à internet, o ato de se comunicar, de se informar, de expressar e de aprender tornou-se cada vez mais dinâmico. O aprendizado sobre Arte também está ligado às diversidades da linguagem, principalmente, a expressividade. Nessa perspectiva, o professor não deve somente desempenhar o papel de mero transmissor de conhecimentos, mas também se posicionar como um mediador, um estimulador nas diversas linguagens artísticas, a partir de sua formação específica (Artes Visuais, Dança, Teatro, Música) levando as crianças a elaborarem os próprios conceitos, atitudes e habilidades com a Arte e estimular uma postura crítica reflexiva. Para isso, é imprescindível que entenda que será um incentivador ou motivador na aprendizagem das crianças, colaborando para que elas cheguem aos seus objetivos. Nos estudos de Vygotsky (1991, p. 64), o aprendizado (mediado) seria, primeiramente, por dimensão interpsicológica (mediação interpessoal) e, depois, por dimensão intrapsicológica (mediação autônoma): Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (in32

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trapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos (VYGOTSKY, 1991, p. 64).

No mesmo sentido, Reuven Feuerstein (1921-2014) define o termo mediar como interagir ou ensinar e apresenta 12 critérios fundamentais para que a mediação se efetive: intencionalidade, reciprocidade, significado, transcendência, competência, autorregulação, controle do comportamento, compartilhamento, individuação, planejamento de objetivos, desafio e automodificação. Quadro 01 - Doze critérios da mediação de Reuven Feuerstein et al (1994)

Fonte: Reuven Feuerstein et al. Mediated Learning Experience (MLE), 1994. (Organização David Sasson, 2004).

Percebemos que o mediador pode oportunizar diversas situações conscientes e selecionadas às crianças, com a intenção de estimular a exploração, o conhecimento e a aprendizagem e de lhes aguçar a curiosidade e o interesse. Tais características podem promover sua autonomia, porque, quando são mediadas pelo professor, elas passam a ser construtoras de conhecimentos e conseguem aprender resolvendo as atividades Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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que lhes são propostas, desde que o mediador as oriente e capacite para que consigam processar e organizar esses componentes de informação a partir do desenvolvimento de suas habilidades e competências.

3.2 A SALA DE AULA Tomando como base o tema proposto - “A Arte no processo de ensino-aprendizagem na Educação Infantil”, escolhemos fazer uma pesquisa bibliográfica com observação participante, na Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Santa Mônica, a fim de saber como o ensino e a aprendizagem de Arte se processam no município de Itaporanga, Paraíba, Brasil. Para isso, observamos uma turma da Educação Infantil, que, no período da pesquisa, era composta de 21 alunos, e cuja professora regente tem formação em Pedagogia e atuava no Magistério há 19 anos, sempre lecionando nas séries iniciais. Ela afirmou que buscava transmitir o conhecimento, como também valorizar a base dos princípios morais e a socialização das crianças e trabalhava o desenvolvimento de habilidades como desenho, pintura, recorte e colagem, procurando interagir com as crianças e solucionar suas dificuldades.

4. A REALIDADE DA PROFESSORA DE ARTE NA ESCOLA A professora de Arte da Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Santa Mônica – Itaporanga – Paraíba, foi contratada há pouco mais de dois anos e ministra a disciplina Arte. Ela reserva o dia de sexta-feira para dar aulas de Arte na Educação Infantil, tendo em vista que os professores das séries iniciais são responsáveis por todas as disciplinas. Acompanhamos algumas atividades de Arte aplicadas na sala da Educação Infantil. Durante a observação participante, a professora escreveu no quadro o roteiro da aula para que as crianças copiassem. Em seguida, contou uma história sobre um tigre que vivia debochando dos outros animais da floresta. As palavras da história cujo significado as crianças não sabiam a professora explicava. Durante a leitura, ela conversou com as crianças a respeito das atitudes do personagem, e elas relacionaram a história com acontecimentos de suas vidas e relataram para os colegas. Foi discutido o relacionamento e o respeito entre as pessoas. No final da história, a professora discutiu com as crianças sobre o comportamento do personagem e explicou como seria o desenvolvimento da atividade: deveriam pintar o desenho do tigre bem forte e caprichado, recortar em seguida e montá-lo. Mostrou um trabalho pronto feito por ela e demonstrou como recortar a parte do trabalho que é uma espiral. Distribuiu as folhas com os desenhos 34

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xerografadas para as crianças começarem o trabalho. A professora planejou previamente a aula, mas os objetivos da atividade que iria aplicar não ficaram claros: seria apenas pintar o desenho dentro dos limites, recortá-lo e montá-lo? Aparentemente, sim. Não percebemos novas construções de conhecimentos por parte das crianças, já que as habilidades desenvolvidas já lhes são corriqueiras, como pintar, recortar e colar. A criatividade também foi tolhida, pois quase todas as crianças pintaram o desenho com as mesmas cores e da mesma maneira, conforme o modelo mostrado pela professora. A avaliação foi feita no decorrer da aula. Ela levou em consideração a participação das crianças e o cuidado com o material utilizado. Com base nas reflexões teóricas pesquisadas ao longo desta pesquisa, nessa aula, a professora não trabalhou com as crianças o senso crítico, pois não levantou alguma ideia-chave tampouco propôs questões sobre representações visuais produzida em outro tempo e lugar. Nessa proposta de aula, também n foi trabalhada a interpretação, já que as crianças não adquiriram novos conhecimentos nem desenvolveram novas habilidades. A criatividade não teve espaço, pois todas as crianças pintaram o mesmo desenho utilizando o mesmo material. Notamos que a professora tem o hábito de utilizar modelos prontos, o que não estimula a criatividade nem a observação. Essa prática é muito comum na escola observada, porque torna a aula mais “silenciosa”, “sem bagunça” e “sem sujeira”. Consideramos que a professora precisa desenvolver para as crianças novas experiências e aprendizagens. O professor de Artes deve estimular a prática, o conhecimento teórico e a leitura da obra de arte, pois o Ensino da Arte requer abordagens que norteiem a criação, a produção, a ampliação de conhecimentos e a apreciação artística, na perspectiva de mudar as concepções limitadas sobre a Arte radicada no senso comum. O professor pode motivar as crianças a fazerem perguntas, situações-problemas e projetos. Para isso, deve partir das necessidades e dos interesses. Assim, estará mediando a ampliação do conhecimento. Isso se justifica porque as crianças revelam, por meio, do seu modo de pensar, de agir e de interagir com os outros que têm capacidade de buscar, de explorar, de criar e de aprender, porquanto é um ser curioso e apto a explorar sempre. Nesse sentido, no contexto escolar, ela precisa vivenciar situações que estimulem e despertem ainda mais a curiosidade, para que possa revelar suas características e externar suas dificuldades, seus sentimentos, seus talentos e as expressões próprias. A Arte tem um papel importante no processo de educação da criança, por incorporar sentidos, valores, expressão, movimento, linguagem e conhecimento de mundo em seu aprendizado. A Arte se manifesta por meio de diversas linguagens, como a dança, a música, as artes visuais, o teatro etc. Sejam expressões dinâmicas ou estáticas, por meio da Arte, as crianças podem expressar ideias e sentimentos. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando a pesquisa bibliográfica e a observação participante, além da consulta aos pressupostos teóricos elencados para este trabalho de pesquisa, podemos inferir que a Arte é fundamental para as crianças na Educação Infantil. O Ensino da Arte pode estimular os processos de criação, considerando que as crianças podem descobrir suas habilidades, seu potencial cognitivo e ter acesso às diferentes linguagens artísticas, além de possibilitar a interação social. Porém, para que o aprendizado se configure, é imprescindível que os professores sejam mediadores, possibilitem o acesso às linguagens artísticas e apresentem às crianças as diversas manifestações culturais e os diferentes materiais utilizados, com o fim de ampliar as situações de aprendizado. Vale salientar que a mediação da aprendizagem é uma ferramenta sobremaneira importante, cujo objetivo essencial é o ato de ensinar e de aprender, portanto, o professor deve empregar uma boa linguagem, e suas aulas devem ser focadas na obtenção dos resultados e planejadas de acordo com a faixa etária, para que o fazer artístico seja construído a partir das teorias e da percepção infantil. O Ensino da Arte na Educação Infantil deve ser trabalhado na perspectiva de elaboração de projetos pedagógicos, que pode contribuir para o desenvolvimento das habilidades e das competências das crianças. Na pesquisa que fizemos na Escola de Ensino Infantil e Fundamental Santa Mônica da cidade de Itaporanga, concluímos que o Ensino da Arte deve ser analisado e reestruturado em muitos aspectos. Uma das formas consiste em adequar a metodologia utilizada para valorizar o aprendizado da Arte, como uma área do conhecimento que é voltada para o desenvolvimento social, físico, intelectual, emocional, estético, perceptual e criador das crianças.

REFERÊNCIAS BARBOSA, Ana Mae. Recorte e colagem: influência de John Dewey no ensino da Arte no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1989. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF,1998. ______. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. v 3. Conhecimento de Mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. 36

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FERRAZ, Maria Heloísa C. de T. e FUZARI, Maria F. de Resende e. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 2001. _____. Metodologia do Ensino da Arte: fundamentos e proposições. São Paulo: Cortez, 2009. FEUERSTEIN, Reuven; KLEIN, Pinina S.; TANNENBAUM, Abharam J. (editors). Mediated Learning Experience (MLE): Theoretical Pschysocial and learning implications, London – England: Freund Pblishshing House, 1994. FIGUEIREDO, Antônio Macena de; SOUZA Soraia R. Goudinho. Como elaborar projetos, monografias, dissertações e teses: da redação científica à apresentação do texto final. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. SCHLICHTA, Consuelo Alcioni Borba Duarte e TAVARES, Isis Moura. Educação, corpo e arte. Curitiba: IESDE, 2004. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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Rafael Angel Torquemada Guerra 1 Paulo César Geglio 2

A gestão de Cursos de Educação a Distância na Universidade Federal da Paraíba RESUMO Os avanços do conhecimento, da cultura e da tecnologia nos permitiram chegar à prática consolidada da Educação a Distância totalmente inserida no contexto do desenvolvimento e do maior acesso às tecnologias de informação e comunicação. O trabalho investigativo consistiu em um estudo de caso, de base qualitativa. O universo investigado foram os gestores dos cursos na modalidade a distância, e a investigação se propôs a analisar a maneira como eles foram implantados na Universidade Federal da Paraíba e como os coordenadores de cursos nessa modalidade de educação viam esse processo. Propusemo-nos a fazer essa investigação por meio da aplicação de questionários com perguntas semiestruturadas aos coordenadores de cursos dessa modalidade de educação na Universidade Federal da Paraíba. A implantação da Educação a Distância na Universidade Federal da Paraíba não obedeceu a qualquer tipo de planejamento, apenas atendeu a um Edital do Ministério da Educação, tendo sido os primeiros cursos implantados em 2007, e os profissionais, convidados a assumir as coordenações dos cursos, a coordenação da Universidade Federal da Paraíba Virtual, bem como os professores convidados a assumir as disciplinas desses cursos, ninguém recebeu qualquer tipo de esclarecimento formal ou capacitação. Os problemas que surgiram foram de ordem pedagógica, administrativa, de recursos humanos, de inexperiência em gestão e de gestão financeira. Acreditamos que antes de se implantar qualquer curso na modalidade a distância, seu planejamento é de extrema importância para evitar, pelo menos, a maior parte dos problemas aqui apontados pelos coordenadores. Palavras-chave: Coordenação de curso EaD; educação a distância; ensino superior; estudo de caso; gestão pedagógica.

1. Professor do Departamento de Sistemática e Ecologia - CCEN/UFPB. E-mail: rafael.torquemada@gmail.com 2. Professor do Departamento de Fundamentação da Educação - CE/UFPB. E-mail: pcgeglio48@gmail.com

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ABSTRACT The advances of knowledge, culture and technology have enabled us to reach the consolidated practice of Distance Education (DE), fully inserted in the context of development and wide access to information and communication technologies. This research paper consisted of a qualitative basis case study. The research targets were the managers of Distance Education courses, and the research set out to analyze how Distance Education was implemented at the Federal University of Paraíba . The other purpose was to analyze how the course coordinators view this process. The sample of our research was limited to the coordinators of undergraduate and bachelor’s courses of the distance education mode. To conduct the research, we proposed to apply semi-structured questionnaires to the coordinators of such courses. The implementation of Distance Education at UFPB did not follow any kind of planning; it was done only in response to a Notice of the Ministry of Education (MEC). The First courses were implemented in 2007, and the professionals were invited to take over the coordination of the courses and the coordination of “Virtual UFPB”, while other professors were invited to take over the curriculum components of these courses without receiving any formal explanation, or training (except for a Moodle training and its pedagogical tools). There were not only educational and administrative problems, but also problems in the human resources sector, as well as lack of experience in both administrative and financial management. So, here is crucial observation: before establishing any Distance Education course, planning is an extremely important step, in order to avoid most of the problems pointed out here. Keywords: Case study; course coordination; distance education; higher education; educational management.

INTRODUÇÃO O cotidiano da vida social atual nos mostra o estreito relacionamento das pessoas com ferramentas virtuais de interatividade, tais como smartv, videogames, aparelhos de MP4, smartfones, computadores, Internet, tablets bem como as associações que podem ser geradas com a convergência de alguns recursos. Não é exagero afirmar que a cultura atual é a da Sociedade da Informação, conceituada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia brasileiro como um fenômeno globalizado de alto potencial transformador das atividades sociais e econômicas, uma vez que a estrutura e a dinâmica dessas atividades, inevitavelmente, serão, de alguma forma, afetadas pela infraestrutura de informações disponíveis (BRASIL, 2000). As tecnologias se configuram, portanto, como uma forma de acesso à educação Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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com possibilidades para o ensino e para a aprendizagem, dentro de um paradigma que possibilita um processo que não se restringe ao espaço físico das salas de aula, já que o aluno pode adquirir conhecimentos no próprio espaço doméstico. A consciência sobre o modo de operar no mundo do trabalho, no tocante à educação, e sua estreita relação com a liberdade e o prazer com aspectos envolvidos na ação de aprender merecem assento nos bancos que tratam de temas de interesse da formação de educadores na contemporaneidade, especificamente no que se refere ao modo de se comunicar e de se adquirir conhecimentos no âmbito social. É nesse universo em que o “ser” e o “que se deseja ser” se estabelecem em um espaço que poderia ser preenchido por uma perspectiva pedagógica cibernética, em dimensões éticas e estéticas que favoreçam autonomia e reflexividade, preocupadas com o ato de aprender a ensinar, aprender a aprender e aprender a esquecer e de respeitar os princípios humanos e combater o uso da internet, na perspectiva da propaganda, da autopromoção e do favorecimento de si mesmo. No contexto brasileiro, a utilização do ciberespaço é crescente, e a cibercultura se desenvolve nos meios voltados para o campo social nas diversas áreas do conhecimento. Entendemos como conceito de cibercultura as atitudes, os costumes ou os rituais que as pessoas em sociedade desempenham no contato e utilização a tecnologia. Direcionando a ótica dessa discussão para a área educacional, podemos dizer que as universidades saíram na dianteira dessa utilização, seguiram a lógica da democratização da informação nos serviços públicos e, no ano de 1982, o Ministério da Educação (MEC) assumiu o compromisso de criar mecanismos e instrumentos capazes de gerar o desenvolvimento da temática em discussão, fomentando estudos e projetos voltados para o uso do computador com fins educativos. As primeiras instituições responsáveis pelo uso do computador voltado para as atividades acadêmicas no país foram a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (MORAES, 1997). Atualmente, nas universidades, as questões relacionadas à oferta do ensino superior, por meio da Educação a Distância (EaD), atrelam-se à possibilidade de se fazerem pesquisas direcionadas ao desenvolvimento de sistemas que sejam capazes de formar indivíduos comprometidos com a gestão e com a garantia da continuidade sustentável dos serviços produzidos no local em que cada instituição está inserida. Segundo Pretto e Picanço (2005), o desenvolvimento do ensino superior a distância está ligado ao desenvolvimento de um sistema básico de telecomunicação, de tecnologias e de produção de bens culturais (especialmente, os digitais ou com produção mediada pela linguagem digital). Compreendemos que é papel das universidades não só de oferecer serviços de EaD, na lógica da expansão do acesso ao ensino superior, mas também de pensar a respeito da constante melhoria desse tipo de ensino. Uma das vias para isso é entender a dinâmica de funcionamento da gestão dessa organização em torno da EaD. Com essa 40

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perspectiva, empreendemos uma pesquisa com o objetivo de analisar como uma instituição de ensino superior, cuja base foi construída, essencialmente, na oferta de ensino presencial, faz a gestão da educação a distância.

METODOLOGIA O universo investigado foi composto pelos responsáveis pela gestão da modalidade de EaD na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especificamente, os coordenadores dos cursos oferecidos nessa modalidade. A investigação se propôs a analisar a maneira como a EaD foi implantada na UFPB, como seus coordenadores veem esse processo e quais os problemas que enfrentam na gestão dos cursos oferecidos. Propusemo-nos a fazer esta investigação por meio da aplicação de um questionário com perguntas semiestruturadas para os coordenadores de curso. O questionário, segundo Gil (2008), é uma técnica de coleta de dados composta por uma quantidade substancial de questões que são apresentadas, por escrito, aos sujeitos da pesquisa, com o objetivo de revelar aspectos como opiniões, crenças, sentimentos, expectativas e situações vividas. O uso do questionário, como consideram Marconi e Lakatos (2003), tem a vantagem de se ter objetividade nas respostas e de precisar de menos pesquisadores para o trabalho de coleta dos dados, além da economia de tempo e de maior abrangência. Os dados coletados foram analisados em duas unidades complementares: descritiva e interpretativa. A primeira focou a análise objetiva dos dados de identificação dos aspectos quantitativos, relativos aos cursos e aos seus coordenadores: profissionais que atuam na gestão da EaD na IES; polos de apoio presencial; perfil dos gestores e suas experiências no ensino superior e em EaD. A unidade interpretativa teve como base a análise subjetiva dos dados, norteada por um referencial teórico de base legal e acadêmicocientífica. Consideramos a segunda etapa da análise de fundamental importância para nossa pesquisa, pois consiste, como define Bardin (2006), na exploração propriamente dita do material, que possibilita expor a riqueza das interpretações e das inferências do pesquisador. Essa é a etapa analítica, que se refere ao fulcro do material coletado e que foi submetido a um exame mais detalhado e ressignificados pelo intérprete pesquisador. Para fazer tais análises, apoiamo-nos no conjunto de normas e princípios que orientam e regulam a institucionalização e a consecução da EaD, bem como na literatura que oferece subsídios para análises, discussões e interpretações sobre a prática dessa modalidade de educação na sociedade. Assim, considerando nossa perspectiva de análise, recorremos aos documentos oficiais que norteiam a EaD no Brasil e aos que instituíram a prática dessa modalidade nas produções elaboradas nos programas de pósgraduação das instituições de ensino e na literatura crítica que aborda essa temática.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados da pesquisa referem-se ao perfil dos dez coordenadores de curso que responderam ao questionário. No que diz respeito à questão do gênero dos respondentes, a maioria (seis) pertence ao gênero feminino. Historicamente, as mulheres foram afastadas dos círculos intelectuais e das lideranças nas produções científicas e tecnológicas. No início do século passado, a quantidade de mulheres que tinham acesso à instrução e à educação era muito reduzida. Naquela época, as vagas eram destinadas, preferencialmente, à parcela masculina da população. Somente a partir do ano de 1930 foi que as mulheres brasileiras conquistaram o direito de frequentar o curso superior (MACÊDO, 2003). O autor assinala, ainda, as transformações nos padrões de comportamento e nos valores relativos ao papel social da mulher, intensificado pelos movimentos feministas e pela presença cada vez maior dela nos espaços públicos. Como se pode observar, mesmo numa área relativamente nova da educação brasileira - a EaD - o gênero feminino predomina numericamente, como já se verifica, de maneira geral, no ensino presencial. Quanto à formação, verificamos que não há inconsistência entre a área de formação e a área do curso coordenado, ou seja, os gestores são graduados na área dos respectivos cursos que coordenam. Isso revela, em tese, sua competência epistêmica em relação aos saberes que compõem o conjunto curricular do curso. Em relação à titulação, os coordenadores têm, no mínimo, título de mestre, e a maioria cursou Doutorado, o que supõe que sejam bem preparados para exercer a docência e competência para desenvolver pesquisas em suas áreas. Porém, como nenhum deles cursou administração de empresas ou curso correlato na educação, seu conhecimento para atuar na gestão de cursos de EaD deriva da própria prática nesses cursos. Investigamos também o tempo de atuação deles na educação superior, cuja média é de 17,2 anos, dos quais, 15,2 anos na UFPB. Em relação à EaD, apresentavam média de atuação como professores de 3,7 anos e à frente da coordenação dos cursos média de 2,6 anos. A análise dos dados obtidos com a aplicação do questionário nos permitiu entender bem mais alguns aspectos da gestão dos cursos na modalidade EaD. Na UFPB, assim como em outras instituições, o exercício da função de coordenador de curso presencial demanda uma dedicação bastante variável entre os cursos, devido ao número de alunos, aos turnos de oferta, à demanda de instalações e de recurso materiais, à atuação social etc. Nossa dúvida era, então, sobre a forma como essa atividade de coordenação é realizada nos cursos de modalidade EaD. O gráfico 1 ilustra a quantidade de horas semanais que os coordenadores dedicam ao exercício da referida função.

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Gráfico 1 – Tempo, em horas semanais, dedicado ao exercício da coordenação de cursos EaD

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do questionário aplicado

Como apresentado no gráfico 1, o tempo dedicado ao exercício da função de coordenador na modalidade de EaD é bastante reduzido, principalmente se levarmos em consideração que se trata de uma atividade nova, sem tradição na IES. Apenas dois, dos dez coordenadores, dedicam 40 horas semanais ao exercício da função; sete, 20 horas semanais, e um dedica o tempo que sobra do exercício de outras atividades acadêmicas. A demanda de tempo para planejar e executar as variadas tarefas da coordenação é muito grande. O tempo de atuação semanal na coordenação apresenta-se dessa forma porque os ocupantes dessa função não são dispensados de outras atividades acadêmicas, segundo informaram. Porém, de acordo com o regimento da UFPB, todo ocupante de função de Direção de Centro ou de Unidade, chefe de Departamento ou coordenador de Curso de Graduação ou de Pós-graduação pode optar por não exercer outra atividade acadêmica durante seu mandato à frente da coordenação. Portanto, a não dedicação exclusiva à função depende exclusivamente do professor. Também procuramos saber como os participantes da pesquisa assumem a função de coordenador, levando em consideração o fato de ser nova na IES. Para tanto, perguntamos se receberam algum treinamento, alguma capacitação, se participaram de alguma oficina que lhes deu orientação para exercer a referida função. As respostas revelaram que apenas um deles recebeu capacitação. Questionamos os participantes de nossa pesquisa sobre se contam com o apoio de um vice-coordenador para exercer sua função para dividir com ele a responsabilidade pelas atividades pedagógicas. Apenas cinco responderam de maneira afirmativa. DifeConceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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rentemente do que ocorre nas coordenações de cursos na modalidade presencial, na EaD, há uma concentração muito grande de responsabilidades. Para responder a essa demanda, é necessária a contribuição de outros profissionais, que devem assumir a responsabilidade por outros aspectos dos cursos, como o estágio supervisionado, o trabalho de conclusão de curso (TCC), a tutoria e a coordenação pedagógica. Essas práticas, com exceção da tutoria, que só existe nos cursos de EaD, e cuja presença é obrigatória, são, na maior parte das vezes, de responsabilidade dos Departamentos Acadêmicos ou não existem, o que não ocorre nos cursos de EaD. Destarte, procuramos saber dos participantes sobre a existência desses profissionais em suas coordenações. O fato de essas atividades, no caso da EaD, serem desenvolvidas nos polos de apoio presencial (PAP) é um fator complicador, pois demanda uma logística bastante complexa para ser desenvolvida quase semanalmente. Isso faz com que o coordenador não consiga dar atenção suficiente a cada uma dessas práticas. Ainda em relação ao funcionamento da coordenação dos cursos, perguntamos aos participantes de quem é a responsabilidade de decidir sobre a estrutura e o funcionamento pedagógico do curso. As respostas mostraram que apenas dois deles contam com um Colegiado e um Núcleo Docente Estruturante. Tradicionalmente, as decisões referentes ao andamento de um curso são de competência do próprio Colegiado. A Resolução nº 01, de 17 de junho de 2010, que normatizou o Núcleo Docente Estruturante (NDE), em seu Art. 1º, estabelece que o NDE de um curso de graduação constitui-se de grupo de docentes com atribuições acadêmicas de acompanhamento, que atuam no processo de concepção, consolidação e contínua atualização do projeto pedagógico do curso (BRASIL, 2010). Então, questionamo-nos sobre como reunir os professores para discutir a respeito do curso. De acordo com as respostas dos sujeitos da amostra, na maioria das vezes, as coordenações fazem uma reunião preparatória para o início do período letivo e nada mais. Portanto, fazer uma reunião para propor uma alteração no curso limita-se ao envolvimento de um pequeno número de docentes. Isso também ocorre com as reuniões do NDE, em que se decide sobre o destino do curso. Constatamos também, através das respostas, que é muito baixo o número de visitas dos coordenadores de cursos aos polos de apoio presencial (PAP). As visitas são importantes em um curso de EaD porque proporcionam o contato direto da coordenação do curso com os estudantes e os tutores. É no PAP que o curso se desenvolve, portanto, sua presença nesse local é imprescindível. É lá onde estão as respostas para muitas indagações que, a distância, não são percebidas. Esse contato presencial passa confiança tanto para os estudantes, que se sentem prestigiados com a presença da coordenação do curso, quanto para os tutores. Os momentos de visita aos PAP possibilitam fazer uma avaliação do que está sendo desenvolvido e, a partir daí, implementar as correções necessárias. 44

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Para encerrar a análise do perfil dos coordenadores de curso na modalidade a distância, fizemos a seguinte pergunta: Considera que a UFPB oferece condições suficientes para o desempenho das atividades da EaD? Justifique sua resposta. As respostas são apresentadas no gráfico 2.

Gráfico 2 – Existência de condições para desenvolver as atividades da EaD na UFPB

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do questionário aplicado

Os seis entrevistados que responderam negativamente justificaram sua resposta apontando para a falta de recursos como um fator que dificulta a operacionalização do planejamento semestral. Eles argumentaram que o financiamento dos cursos é feito pela Capes, mas a Instituição não oferece meios adequados para se executarem esses recursos. Outros disseram que a UFPB necessitava, entre outras coisas, de investir na melhoria da capacitação dos gestores dos cursos, na infraestrutura das coordenações e na ampliação dos serviços terceirizados para atender às demandas de aspecto geral, como, por exemplo, pessoal de apoio para o funcionamento das instalações. Dos que responderam afirmativamente, quatro consubstanciaram sua resposta com o argumento de que, no âmbito das limitações da instituição e dos entraves administrativos, há boa infraestrutura e corpo docente qualificado e comprometido para a consecução das atividades de ensino em EaD. Para Moore e Kearsley (2013), a EaD é um aprendizado planejado, que se desenvolve em ambiente diferente do local de ensino e, para isso, são necessárias técnicas especiais de comunicação e de design dos cursos. Ainda segundo os mesmos autores, a EaD é um fenômeno que impõe aprendizado constante de todos os envolvidos, o que Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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requer planejamento, comunicação e efetivo uso das tecnologias disponíveis. É com essa perspectiva que os participantes de nossa pesquisa consideram que deve caminhar a EaD na UFPB. Eles afirmam que, por ser uma aprendizagem planejada, também se devem usar técnicas especiais de planejamento instrucional e métodos especiais de comunicação. As dificuldades encontradas pelos coordenadores estão relacionadas e subordinadas à administração superior da instituição. Um aspecto importante a registrar é que, quando os cursos na modalidade de EaD foram implantados na UFPB, de acordo com as respostas dos sujeitos da amostra, sua gestão foi delegada a professores que se agrupavam em duas categorias de compreensão sobre o papel da educação. Uma que via a educação como prática social, ou seja, cujo objetivo é de promover uma transformação primeiramente cultural e científica das pessoas; e outra que entendia a educação com o objetivo de preparar mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. Acreditamos que a educação, sobretudo a universitária, não pode deixar de formar profissionais qualificados e competentes para exercerem atividade produtiva na sociedade, mas não pode se limitar a isso. O caráter universitário da educação supõe a formação de pessoas que consigam fazer uma análise crítica da sociedade e intervir de maneira plural e com consciência de vida coletiva. Portanto, entendemos que a educação de nível superior precisa contribuir para formar cidadãos com competência técnica e perspectiva social sobre sua atuação no mundo e no contexto em que vive. Essa nossa visão é reforçada por este depoimento de um dos participantes de nossa pesquisa: Eu sempre percebia dois mundos em conflito. Um mundo de pessoas que abraçavam a causa, porque tinham consciência de que era uma ação social importantíssima. A clientela das universidades federais são os brasileiros todos. Não só aquele que têm condições. Que nasceram numa situação em que os pais podem bancar e ele tem boas escolas e conseguem passar no vestibular. Não. Nós tínhamos que compartilhar realmente do processo de interiorização do ensino superior (coordenador 10).

Ressaltamos esse aspecto sobre a importância que os coordenadores conferem ao papel da escola na sociedade porque isso está intimamente relacionado à forma como fazem a gestão dos cursos e seu interesse pela EaD. Às vésperas da implantação dessa modalidade de educação na UFPB, havia um clima de desconfiança não somente por ser um curso a distância, mas, sobretudo, por tornar o acesso mais democrático, o que sugeria o ingresso de uma camada da população que, historicamente, foi excluída desse nível escolar. Assim, tais cursos eram vistos de forma desvalorizada. Um dos argumentos utilizado era o de que um curso nessa modalidade não poderia formar bons profissionais. Situação semelhante foi relatada por Lazzarotti Filho (2011 apud CRUVINEL et al, 2015), em estudo feito em um Curso de Educação Física na modalidade de EaD. Afirmam os autores que “a abertura de cursos 46

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de EF na modalidade a distância trouxe desconfiança em sua capacidade de formação profissional num campo carregado de especificidades”. Os membros da comunidade acadêmica, na realidade, não sabiam o que era EaD nem queriam saber, mas, mesmo assim, eram contra ela. Muitos acreditavam que, ao adotá-la, a instituição passaria a formar profissionais menos competentes do que os egressos dos cursos presenciais. Na visão de Cerny e de Almeida (2012), há discordâncias não apenas conceituais sobre o que seja educação a distância como também sobre o espaço que essa modalidade vem ocupando nas universidades e no cenário da educação brasileira. A EaD tem conquistado um lugar de destaque nas políticas públicas da educação brasileira, principalmente a partir do ano de 2005, quando o governo brasileiro a elegeu como uma possibilidade importante para formar professores. As respostas dos participantes de nossa pesquisa denotam que, na UFPB, a gestão de cursos na modalidade de EaD não é tarefa fácil para os coordenadores. De acordo com o Projeto Básico (UNICAMP, 2008 apud RETAMAL, 2009), a gestão de cursos na modalidade a distância é um grande desafio na atualidade, tendo em vista que acaba se tornando um dos principais fatores de sucesso ou insucesso dos cursos. Ainda sobre a gestão de cursos na modalidade EaD, os mesmos autores (p. 41) afirmam: De um modo geral, a estrutura de um programa de EAD é composta por unidades responsáveis pela administração financeira, de pessoal e acadêmica, pela produção e entrega de materiais didáticos, pelo suporte técnico, além de outros. É importante que a gestão em EAD seja exercida por uma equipe de profissionais especialistas que atua de forma cooperativa. Dessa forma, na formação dessa equipe, devem estar presentes o educador, o especialista, o webdesigner, o administrador, dentre outros, para controlar e avaliar as atividades pedagógicas, administrativas, financeiras e de suporte técnico. (UNICAMP, 2008 apud RETAMAL, 2009, p. 41).

Na visão de Roesler (2008), entretanto, o desenvolvimento da EaD gera novos processos na organização, no funcionamento e na gestão das universidades cuja base é a modalidade presencial de oferta de cursos. A EaD, por sua vez, requer estratégias de gerenciamento acadêmico, pedagógico e tecnológico diferenciadas, além de articulação com a estrutura da universidade e avaliação permanente e integral do sistema. Na realização desse conjunto de funções, distingue-se o trabalho do gestor do curso EaD, independentemente da natureza jurídica da instituição (PEREIRA, 2008). Esse gestor deve ter habilidade para trabalhar de forma dinâmica e interativa e administrar os recursos financeiros, humanos e os aspectos acadêmicos, que dizem respeito ao planejamento e à organização do processo de ensino e aprendizagem. Na vertente da EaD, os diferentes recursos de ensino são disponibilizados e acessados de forma virtual e estão contidos no próprio desenho pedagógico, Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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no sistema tutorial e no atendimento acadêmico e se constituem como pilares para o desenvolvimento do processo de ensino e da gestão da aprendizagem. Por apresentar propostas diferentes do ensino presencial, fica claro que os cursos a distância provocam mudanças organizacionais na instituição, devido ao estabelecimento de novas estruturas pedagógicas e ao uso de modelos tecnológicos dispensáveis na educação presencial. Isso requer uma equipe multidisciplinar especializada (CASTRO; LADEIRA, 2009), além do uso constante das tecnologias de informação e comunicação, que tornam as atividades mais dinâmicas (NASCIMENTO, 2011) para quem aprende. Não podemos esquecer que, muito mais do que as estruturas e as tecnologias envolvidas, os atores e as práticas da EaD são diferentes da modalidade presencial. Isso requer mudanças na instituição de ensino superior de base presencial. São mudanças de postura, de crenças e de habilidades acadêmicas que os docentes e os estudantes devem realizar para levar a bom termo o ensino e a aprendizagem. Isso significa que, para expandir a EaD, é preciso mudar a cultura educacional de alunos e professores (MOORE; KEARSLEY, 2007). Segundo Belloni (2009, apud CAVALCANTI JÚNIOR, 2013, s/p), [...] as definições tradicionais de EaD baseiam-se no parâmetro da sala de aula, enfatizando a distância em termos de espaço físico entre o aluno e o professor e o uso das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Todavia, ao se falar de EaD, a ideia de autoaprendizagem também é crucial.

Em relação às mudanças citadas por Moore e Kearsley (2007), tanto na postura quanto nas crenças e nas habilidades, somos de opinião que elas, de fato, precisam ocorrer entre docentes, discentes e gestores de curso. Porém, mudanças culturais e comportamentais são resultantes de um processo lento, por isso não podemos esperar que ocorram em pouco tempo. Os cursos na modalidade de EaD começaram a ser implantados na UFPB no ano de 2007 e, até hoje, há poucos docentes que aderiram, de fato, a ela. A própria estrutura da instituição não incentiva uma maior adesão, pois, para isso, são necessários mais empenho e disponibilidade de recursos materiais, tecnológicos e formação continuada. Para Mill et al, (2010), assim como para Novais e Fernandes (2011 apud CAVALCANTI JÚNIOR, 2013), a mudança na cultura e na postura das pessoas depende também das mudanças na cultura da instituição. Esta última, porém, é muito difícil de ocorrer, por ser uma instituição com práticas canonizadas, difíceis ou até mesmo impossíveis de ser transformadas. Um curso na modalidade de EaD não pode ser implementado à imagem de cursos presenciais, porque a estrutura administrativa, o serviço de apoio aos estudantes e a tecnologia de suporte são diferentes de uma modalidade para outra. Portanto não é simplesmente colocar diante de um computador uma pessoa para inserir conteúdos de determinada disciplina para o aluno, do outro lado, ler e fazer tarefas. Não 48

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é tão simples assim, a EaD requer muito mais do que isso. O somatório de obstáculos apontados pelos coordenadores que participaram de nossa pesquisa revela que é grande o número de estudantes que abandonam os cursos e que alimentam os elevados índices de evasão nessa modalidade. Esse fato sugere que precisamos, com urgência, repensar essa modalidade de ensino e investir na formação dos professores para essa realidade, do contrário, corremos o risco de naufragar nessa empreitada, que visa democratizar o acesso à educação escolar, sobretudo no ensino superior.

CONCLUSÃO Nosso trabalho investigativo se propôs a analisar a forma como a EaD foi implantada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e como seus coordenadores concebem e fazem sua gestão. Na UFPB, a EaD não foi implantada com base em um planejamento feito pela instituição para essa finalidade. O processo teve início quando a instituição atendeu ao chamado de um edital do Ministério da Educação (MEC), que convidava as universidades públicas para criarem cursos nessa modalidade. Os primeiros cursos foram implantados na UFPB no ano de 2007 e, na ocasião, a administração superior convidou alguns professores para assumirem as coordenações desses cursos, como também o corpo docente, que, tradicionalmente, ministrava aulas em cursos presenciais. Porém todos não conheciam a EaD e não foram capacitados para isso, a não ser para operar as salas de aula virtuais no sistema Moodle. Nos cursos presenciais da UFPB, as únicas demandas das coordenações são de ordem administrativa e há um acúmulo de trabalho nos períodos de matrícula. No caso dos cursos na modalidade de EaD, as coordenações precisam atender às demandas administrativas, pedagógicas, financeiras e de pessoal, incluindo o tutor a distância e o presencial, além de visitar os polos onde os cursos são ofertados. Esse conjunto de afazeres criou uma cadeia de problemas que devem ser resolvidos exclusivamente pelo coordenador que, como ficou demonstrado, não foi preparado para fazê-lo. As mudanças necessárias, tanto na postura quanto nas crenças e nas habilidades, ainda não ocorreram entre docentes, discentes e gestores de curso. Ressaltamos que mudanças culturais e comportamentais são resultantes de um processo lento e, portanto, não devem ocorrer rapidamente. A quantidade de obstáculos apontados pelos sujeitos da amostra da nossa pesquisa revela que é elevado o número de estudantes que abandonam os cursos e contribuem para aumentar as estatísticas de evasão nessa modalidade, o que aponta para a necessidade de mudanças. Esse dado indica que precisamos repensar essa modalidade de ensino na instituição. Porém, se a introdução da EaD na UFPB, em princípio, causou descrença, agora começa a estabelecer conexões com o ensino presencial. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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José da Paz Oliveira Alvarenga1 Roberto Teixeira Lima2

Estratégia de integração ensino-serviço na integralidade do cuidado no processo de formação em saúde RESUMO O presente artigo objetiva contextualizar o processo de integração ensino-serviço com ênfase às experiências pedagógicas de Estágios Regionais de Saúde, sua institucionalização e desenvolvimento nas universidades brasileiras e na UFPB. O estudo evidenciou que na UFPB, a integração ensino-serviço desenvolvida pelo Estágio Regional Inter-profissional no SUS (ERIP/SUS) promove a integralidade do cuidado no processo de formação em saúde. O ERIP/SUS representa uma experiência de formação em equipe e contribui para a inserção de estudantes em serviços da Atenção Básica em Saúde, com vivências em comunidades. Palavras-chave: Formação profissional; ensino-serviço; educação em saúde.

ABSTRACT This article aims to contextualize the process of teaching-service integration with emphasis on the pedagogical experiences of Regional Health Internships, their institutionalization and development in Brazilian universities and at the UFPB (Federal University of Paraiba State). The study showed that in this institution, the teaching-service integration developed by the Inter-Professional Regional Internship in SUS (ERIP / SUS) promotes integral care in the health training process. The ERIP / SUS represent a team -building experience and contribute to the inclusion of students in Primary Health Care services, with experience in communities. Key words: Professional training; teaching-service; health education.

1. Mestre em Ciências da Nutrição – Área de Concentração: Saúde Coletiva; docente do Departamento de Enfermagem Clínica (DENC/CCS/UFPB); coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/CCS/UFPB); membro do Colegiado do Programa de Estágio Regional Interprofissional do SUS (ERIP-SUS/CCS/UFPB). 2. Doutor em Saúde Pública; docente do Departamento de Nutrição do CCS/UFPB; coordenador do Programa de Estágio Regional Interprofissional do SUS (ERIP-SUS/ CCS/UFPB) e membro do Colegiado do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/CCS/UFPB).

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1. INTRODUÇÃO A Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pioneira na formação em saúde no estado da Paraíba, em toda a sua história, sempre desenvolveu processos formativos, com o fim de reorientar seus modelos de ensino-aprendizagem, visando atender aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Em tempo, vem assumindo um verdadeiro compromisso com a formação de perfis profissionais qualificados, em cumprimento às exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Saúde e do Sistema de Saúde vigente no país diante das às demandas da sociedade. Devido a esse compromisso acadêmico, científico, político e social, o Centro de Ciências da Saúde da UFPB, por meio dos diferentes cursos de graduação em saúde, tem exercido importante função social na formação de profissionais da área de saúde com competências e habilidades requeridas para o desenvolvimento de ações de atenção e do cuidado em saúde dos usuários nos diversos serviços. A formação em saúde tem evoluído com a adoção de propostas pedagógicas, metodologias e estratégias de ensino, com a finalidade de melhorar as práticas dos profissionais de saúde. Em 1979, criou uma modalidade considerada pioneira no processo de integração ensino-serviço, no âmbito do estado da Paraíba, por meio da experiência do Programa de Estágio Rural Integrado (ERI). Assim, instituiu-se como uma modalidade de estágio que possibilita a interiorização das ações de saúde e a inserção de estudantes nos serviços de Atenção Primária de Saúde no contexto social de diversos municípios paraibanos. Institucionalmente, o surgimento do Estágio Rural Integrado (ERI) foi registrado na Resolução nº 284/79 do Conselho Universitário – CONSUNI - e da Resolução nº 09/79 do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE (UFPB, 1979a; 1979b). É uma experiência de estágio regional rural, cujo componente curricular é obrigatório para os cursos de graduação em saúde da instituição e que traz como inovação a formação de equipes multiprofissionais para a vivência em cenários de práticas na Atenção Primária. Além disso, oportuniza experiências de formação interdisciplinar, através da qual os graduandos, além de se integração com os profissionais locais para o trabalho em equipe, inserem-se no contexto dos territórios de atuação em saúde num diálogo direto com a comunidade e uma aproximação do conhecimento com os diferentes problemas e fatores de determinação do processo saúde-doença. Silva (2006) afirma que esse Programa de Estágio foi criado para favorecer a integração entre o aparelho formador e os serviços de saúde, no bojo da implementação dos programas de extensão e de cobertura de assistência primária à população. Inspirou-se no modelo conceitual de Medicina Comunitária, adotado pelas escolas médicas no início dos anos 70, como alternativa para o modelo flexneriano de ensino (SILVA, 2006).

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Trata-se de uma estratégia que visa romper com o modelo biologicista, hospitalocêntrico e superespecializado da formação em saúde. No ano de 2005, o Estágio Rural Integrado (ERI), assim como outros estágios dessa modalidade, desenvolvido por diversas universidades federais do país, foi reorientado para Estágio Regional Interprofissional no contexto do Sistema Único de Saúde (ERIP/ SUS), com o protagonismo do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em articulação com o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde. O Estágio ERIP/SUS, atualmente caracterizado como interprofissional, reafirma a importância da formação para o trabalho em equipe, objetivando instituir a educação interprofissional em saúde na UFPB. Esse é um tema prioritário em discussões no campo da saúde em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, onde vem sendo amplamente discutido como uma ferramenta que pode ser empregada para aperfeiçoar a formação e as ações de saúde por meio de práticas colaborativas (PEDUZZI, et al. 2013; BATISTA, 2012; apud MIRANDA NETO; LEONELLO; OLIVEIRA, 2015). Ao referenciar a WHO (2010), Miranda Neto; Leonello e Oliveira (2015) asseveram: A prática colaborativa ocorre quando trabalhadores de diferentes profissões de saúde e com distintas experiências profissionais, que receberam treinamento em EIP, são capazes de atuar em equipes interprofissionais, desenvolvendo práticas conjuntas, pois compreendem como aperfeiçoar as habilidades dos integrantes das equipes, gerenciar casos e produzir práticas de saúde de melhor qualidade para indivíduos e coletividades (MIRANDA NETO; LEONELLO; OLIVEIRA, 2015).

Assim, considerando a importância da Educação Interprofissional para a formação dos profissionais de saúde, entende-se que a experiência do ERIP/SUS da UFPB propicia a integração dos cursos de graduação do Centro de Ciências da Saúde, na perspectiva de alcançar o princípio da integralidade do cuidado por meio de uma ação de abordagem interdisciplinar. Na norma vigente na UFPB, é um componente curricular obrigatório nos projetos pedagógicos dos cursos de saúde (PPC), cuja inclusão nos PPC dos cursos que ainda não se inseriram nessa iniciativa - Educação Física, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia – é fundamental, e nos Projetos Pedagógicos de Psicologia e Serviço Social, que, embora sejam vinculados ao Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA), têm, nas equipes dos serviços de saúde, estudantes em formação nessas profissões. Diante do exposto, este artigo tem os seguintes objetivos: - Contextualizar sobre o processo de integração ensino-serviço e sua importância para a formação em saúde com ênfase nas experiências pedagógicas de Estágios Regionais de Saúde; - Historiar sobre a institucionalização e o desenvolvimento dos Estágios Regionais de Saúde no Brasil e na Paraíba. 54

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2. METODOLOGIA O presente artigo caracteriza-se como pesquisa bibliográfica e documental; tendo como fontes bibliográficas as bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), através da qual foram acessados diversos periódicos nacionais; tendo sido priorizada a seleção e inclusão de artigos, que discorressem sobre a temática em estudo. Foram incluídos também Teses e Monografias de pesquisas desenvolvidas sobre o tema. Para tanto, adotaram-se os seguintes critérios de inclusão/seleção: 1- Titulo de artigos, teses e monografias com unitermos relacionados diretamente ao tema objeto do estudo; 2- Leitura dos resumos de todos os artigos, teses e monografias que foram selecionados para identificar possíveis contribuições para o tema em estudo e do material selecionado. A pesquisa documental foi feita em documentos institucionais, como: Resoluções do CONSEPE e do CONSUNI da Universidade Federal da Paraíba, Regimento Interno do Centro de Ciências da Saúde e Regimento Interno do Programa de Estágio Regional Interprofissional no SUS (ERIP/SUS), vinculado ao referido Centro de Ensino, Atas de Reuniões do Colegiado do ERIP/SUS e Relatórios de Estágios. Também foram consultados documentos oficiais do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Brasileiras, do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação. Todos esses documentos foram acessados por meio eletrônico e no acervo do ERIP/SUS.

3. INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO E FORMAÇÃO EM SAÚDE As iniciativas e as estratégias relacionadas ao processo de integração ensinoserviço na formação de profissionais de saúde foram registradas a partir da década de 70 do Século XX. De acordo com Oliveira (2008), entre os anos de 1970 e 1980, surgiu, na América Latina, a estratégia de Integração Docente Assistencial (IDA), uma proposta alternativa cujo objetivo é de promover a inter-relação de todos os setores da Escola Médica e parcela significativa dos serviços de saúde, em um contexto regionalizado em todos os níveis de atenção. A integração ensino-serviço representa o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área de saúde e envolve os profissionais que compõem as equipes dos serviços de saúde, incluindo os gestores, visando melhorar a qualidade da atenção à saúde individual e coletiva, à qualidade da formação profissional e ao desenvolvimento/satisfação dos trabalhadores dos serviços Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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(ALBUQUERQUE, et al., 2008). A formação em saúde, segundo Albuquerque e Giffin (2009), utiliza-se de diversas concepções do paradigma binário, em especial a divisão biológico-social; onde os aspectos biológicos e o desenvolvimento técnico científico são privilegiados nos currículos em detrimento das questões de ordem social, política e ética; onde o principal enfoque está nos componentes biológicos, na doença e no trabalho hospitalar (ALBUQUERQUE; GIFFIN, 2009).

No contexto global, essa integração vinculava-se à orientação da Organização Pan -Americana de Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OPAS-OMS), cujo propósito, já na década de 1970, era de alcançar a saúde para todos no ano 2000. Embora não tenha conseguido deslocar a lógica do hospital como um lugar de cura nem a lógica da doença como território da Medicina, introduziu novas visões de saúde e do corpo. Isso possibilitou a criação de novas disciplinas, valorizou outras profissões, no processo de formação em saúde, e foi determinante para expandir a noção de atenção integral à saúde e de integração entre formação e trabalho (CECCIM; CARVALHO, 2005, apud SILVA, 2008). Em 1973, um acordo entre o Ministério da Saúde (MS), o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) ficou estabelecido o Programa Geral de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Saúde no Brasil. Um de seus objetivos foi o de promover a integração entre o sistema de formação em saúde e a realidade da rede assistencial no país, com vistas à multiprofissionalidade, para integralizar as ações em saúde, reorganizar as instituições de ensino e as prestadoras de serviços e criar uma estrutura curricular e técnico-pedagógica com a integração do ensino e do serviço (PAIVA, et al. 2008). No Brasil, a integração ensino-serviço é uma estratégia que tem sido desenvolvida com ênfase na relação entre instituições formadoras e serviços de saúde como área de formação profissional como um dos critérios fundamentais para o planejamento de mudanças e de estratégias pedagógicas, visando possibilitar a qualificação dos profissionais para a prática da integralidade e do cuidado em saúde. Oliveira (2008), ao referenciar Silva e Sena (2004), registra o surgimento de iniciativas que visavam articular, na área de Saúde, as instituições de ensino superior com os serviços de saúde, como, por exemplo, o Programa UNI - “Uma Nova Iniciativa - na Educação dos Profissionais de Saúde – União com a Comunidade”. O Programa UNI foi criado em contraposição às relações bilaterais expressas pela integração docente-assistencial (universidade-serviço), pela Extensão Universitária (universidade-comunidade) e pela Atenção Primária à Saúde (serviços-comunidade), com o objetivo de articular esses três atores em um sistema mais complexo e orientado para inovação das práticas de saúde e a formação profissional (ALBUQUERQUE, et al.2008).

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Para Silva (2008), esse programa incorporou a ideia de uma nova possibilidade de se pensar e fazer a formação dos profissionais de saúde e implantou uma prática pedagógica inovadora na formação pelas universidades, uma mudança da prática de atenção à saúde, no âmbito dos Serviços Locais de Saúde (SILOS), e um novo tipo de participação social com vistas à promoção da saúde e à melhoria da qualidade de vida. Nessa perspectiva, a integração ensino-serviço é uma prática acadêmica que propõe estratégias por meio das quais se possam formar perfis profissionais com competências e habilidades para refletir criticamente sobre os problemas vivenciados pela população e potencializem a formação do profissional de saúde cidadão. O ensino em saúde deve representar uma formação com dimensão profissional, técnica, social e política. E quando é baseado em uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar, poderá produzir conhecimentos que possibilitem uma verdadeira atenção integral à saúde do individuo e da coletividade. Entende-se que essas dimensões são fundamentais para uma formação multiprofissional e interdisciplinar com efetiva integração dos discentes de diferentes áreas da saúde com a sociedade (ALVARENGA, et al., 2013). As instituições que formam pessoas por meio de seus Cursos de Graduação em Saúde precisam reafirmar o desenvolvimento de processos de ensino com o necessário envolvimento aos cenários loco regionais, inserir os estudantes nos serviços de saúde, integrá-los nas equipes multiprofissionais e fortalecer os programas e os componentes curriculares com a adoção de estratégias resolutivas para as demandas de saúde da população, numa visão mais ampliada do contexto social de saúde/doença. Uma das modalidades de integração ensino-serviço, presente no processo de formação dos profissionais de saúde em diversas universidades brasileiras, é a representada pelos Estágios Regionais de Saúde, uma atividade curricular obrigatória, historicamente instituída nos cursos de graduação, que tem possibilitado a inserção dos acadêmicos do último ano de formação em municípios do interior do estado. Esses estágios, com várias denominações - “Internato Regional”, “Internato Rural”, “Estágio Rural” e “Estágio Regional” - são experiências mais perenes no processo de ensino-aprendizagem. Portanto, são contínuos e permanentes, com vivências em serviços e que contribuem sobremaneira para o desenvolvimento de sistemas de saúde locais e regionais e a articulação com outros sistemas sociais e políticas públicas sociais. 4. INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS ESTÁGIOS REGIONAIS DE SAÚDE 4.1. No Brasil Nas universidades brasileiras, os Estágios Regionais surgiram por meio do processo de desenvolvimento curricular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quando se instituiu, em 1967, o “Internato Rural”, posteriorConceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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mente seguido de outras áreas da saúde, que se integrou à história da criação do Sistema de Saúde em Minas Gerais, com diversidade de fases, como atuação direta em extensão de cobertura e desenvolvimento de sistema regional e local, e implantação de programas, como, por exemplo, Estratégia Saúde da Família e Política de Educação Permanente em Saúde (UFMG, 2002). A partir da experiência de Estágio Regional, articularam-se nas universidades os núcleos acadêmicos e grupos que têm participado especialmente da formação de profissionais de saúde. Essa modalidade de estágio possibilitou ampliar a participação de estudantes para conhecerem a realidade social, econômica, cultural, demográfica, urbana e rural do lugar onde se desenvolve e a aproximação de diferentes instituições voltadas para a saúde ou setores e áreas afins, em programas extramurais, na rede pública municipal e em equipamentos sociais não governamentais (UFMG, 2002). 4.2. Na Paraíba Na Paraíba, o “Estágio Regional de Saúde” foi instituído pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, depois, denominado de “Estágio Rural Integrado” (ERI), que compreende a tríade ensino, pesquisa e extensão, de caráter curricular obrigatório para todos os cursos de graduação em saúde, com exceção do Curso de Educação Física. A institucionalização do ERI caracterizou um processo de integração ensino-serviço, no âmbito da formação do profissional da área de saúde graduados na UFPB, e aconteceu em 1979, em conformidade com a Resolução nº 284/79 do Conselho Universitário (CONSUNI), capítulo VIII, art. 25, parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, e artigos 26 a 28; inciso 1 do artigo 2º (que trata da classificação) e o artigo 3º (que trata da obrigatoriedade). Dar-se também com base na Resolução 09/79 do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE (UFPB, 1979a; 1979b). Essas resoluções, ainda em vigência, estabelecem que o estágio seja desenvolvido no âmbito da Atenção Primária de Saúde, nos municípios do interior do estado da Paraíba, mediante convênio de colaboração técnica. Silva (2003) enuncia que esse estágio representa um braço vivo da universidade, no que concerne às atividades de saúde extramuros, e se coloca em uma importante posição de elo entre a Universidade, os serviços de saúde e as comunidades onde se insere. Quando foi instituído na UFPB, apresentava-se em contraposição a um modelo de formação em saúde desenvolvido pelas universidades, cujas principais consequências resultavam, entre outros aspectos, na produção fragmentada do cuidado em saúde, práticas de ensino hospitalocêntricas baseadas na forma tradicional de ensinar em saúde e da baixa capacidade de refletir sobre a prática profissional, características do “Modelo Fexneriano” hegemônico da formação. O Estágio Regional em Saúde da UFPB, ou “Estágio Rural Integrado” (ERI), em 2005, foi reorientado e classificado como “Estágio Regional Interprofissional” no Siste58

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ma Único de Saúde (ERIP/SUS), com o objetivo de mudar não só a nomenclatura, como também de reorientar práticas pedagógicas, por iniciativa e articulação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em articulação com o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, em conjunto com representações institucionais dos estágios das diversas universidades. 5. ERIP/SUS - Estágio Regional Interprofissional no SUS: a experiência da UFPB O ERIP/SUS surgiu tendo como referência a Política Nacional de Extensão Universitária no âmbito do Sistema Único de Saúde; as diretrizes do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras; o documento Aprender SUS – Internato Regional (no qual se insere o Internato Regional na área da saúde - no caso da UFPB, o então denominado Estágio Rural Integrado - ERI); o Projeto Vivências e Estágios na Realidade do SUS (VER-SUS/Brasil) e o VER-SUS: Extensão (que contempla os Programas de Estágio Regional Interprofissional - ERIP e o Estágio Nacional de Extensão em Comunidades - ENEC), programas interministeriais que envolvem o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. O ERIP/SUS possibilita aos estudantes de saúde a integração do fazer acadêmico em equipe com diferentes áreas profissionais e a inserção nos serviços de saúde de abrangência municipal, vinculados à Estratégia Saúde da Família (ESF), tendo em vista a promoção, a prevenção, a recuperação e a reabilitação da saúde da comunidade e de grupos populacionais específicos em relação às demandas existentes nos diferentes espaços de atuação dos estagiários. Portanto, é um Programa de Estágio que se propõe a contribuir para a implementação de um modelo de atenção à saúde preconizado pelo SUS. De acordo com Alvarenga e Andrade (2015), o ERIP/SUS representa uma prática acadêmica com o desenvolvimento de estratégias e ações que contribuem para um processo de formação multiprofissional e interdisciplinar e para que os discentes sejam capazes de analisar e refletir criticamente sobre problemas vivenciados pela população, para que intervenham efetivamente na realidade e no cotidiano do trabalho em saúde. A seguir, são apresentados os objetivos, as diretrizes, a organização, o funcionamento e o processo de operacionalização do ERIP/SUS, com base em seu Regimento (UFPB, 2005). 5.1. Objetivos - Oportunizar o compromisso político-social da universidade com a sociedade, para atender às demandas das comunidades com o envolvimento e a inserção dos estudantes da área de Saúde em diferentes realidades, numa articulação de ensino-serviço; - Proporcionar vivências com a realidade social, articulando os conhecimentos Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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científicos com as práticas sociais; - Possibilitar aos estudantes uma postura crítica e reflexiva sobre as políticas de saúde do país e em nível local, no que se refere aos princípios e às diretrizes do Sistema Único de Saúde; - Apresentar uma abordagem interdisciplinar sobre o cuidado em saúde e proporcionar, além da interiorização acadêmica, experiências e vivências de prática multiprofissional e de trabalho em equipe, na perspectiva da integralidade da atenção; - Servir de campo pedagógico para inovar as práticas colaborativas em saúde e preparar os atores envolvidos (docentes, discentes, profissionais e gestores de saúde e comunidade) para que sejam mais críticos e coerentes com a realidade, reorientando metodologias de ensino, com a interface entre a pesquisa e a extensão. - Potencializar o desenvolvimento de estratégias pedagógicas e metodologias de ensino que promovam a institucionalização da Educação Interprofissional em Saúde (EIP) na UFPB. 5.2. Diretrizes - Reconhecimento da saúde como um direito de cidadania e que expressa qualidade de vida; - Abordagem centrada na família e em seu espaço social como núcleo básico de atenção à saúde; - Democratização do conhecimento do processo saúde-doença, da organização dos serviços e da produção do cuidado em saúde; - Intervenção nos fatores de risco aos quais a população está exposta; - Atenção integral, contínua e de boa qualidade na Atenção Primária de Saúde à população adstrita, no domicilio e no território; - Humanização das práticas de saúde e busca da satisfação do usuário, através do estreito relacionamento da equipe de saúde com a comunidade; - Estímulo à organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social em saúde; - Formação de espaços de gestão colegiada para monitorar o projeto político-pedagógico, na perspectiva de articulação com o sistema local de saúde; - Estabelecimento de parcerias, com o fim de desenvolver ações intersetoriais. 5.3. Organização e funcionamento Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a ERIP - SUS apresenta uma estrutura organizacional e funcional vinculada à Direção do Centro de Ciências da Saúde subordinado à Reitoria. É composto de um Colegiado Docente Departamental, em que 60

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atuam, pelo menos, dois docentes de cada curso envolvido; uma Coordenação Geral; uma Secretaria Acadêmica e representação discente. Somam-se a esses, ainda, colaboradores locais, gestores municipais de saúde e preceptores, em cada um dos municípios conveniados para cenários de práticas (UFPB, 2007). Em sua organização administrativa, o Colegiado é uma instância deliberativa, com autonomia administrativa e pedagógica, composta de um coordenador geral, um vice-coordenador, docentes representantes dos Cursos de Graduação em Saúde e um representante discente. 5.4. Operacionalização O processo de integração ensino-serviço caracterizado pelo ERIP-SUS, na UFPB, em parceria com municípios da Paraíba e em convênio com as Prefeituras Municipais, situadas nas diversas mesorregiões do Estado, é de natureza técnico-científica e de atenção à saúde, com uma estratégia de profissionalização que contempla o processo de ensino-aprendizagem na Atenção Primária de Saúde. As ações de saúde são desenvolvidas pelos estagiários concluintes nas Unidades Básicas de Saúde, vinculadas à Estratégia Saúde da Família, com o envolvimento direto da população residente em áreas urbanas e rurais, das comunidades de assentamentos rurais e de populações específicas ou de minorias, como indígenas, quilombolas e população LGBT. A escolha pelos municípios locais dos estágios se justifica pelo fato de representarem regiões prioritárias para investimento social, principalmente no que concerne às ações de saúde pública e saúde coletiva. As ações implementadas pelos estudantes constituem uma carga horária semanal de 40 horas, portanto, 160 horas mensais para os diferentes cursos. Para isso, é requer uma supervisão sistemática e periódica de docentes. As atividades dos estagiários são planejadas e orientadas por tutores, que são docentes da UFPB dos cursos envolvidos no Estágio. Os tutores conduzem os estudantes estagiários para um trabalho em equipe e os orientam para desenvolverem competências comuns a todas as profissões, competências específicas de cada área de formação e competências colaborativas. Os cenários de práticas são supervisionados por preceptores - equipe multiprofissional constituída de profissionais das Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos municípios locais de estágios na perspectiva interdisciplinar. O trabalho multiprofissional objetiva integralizar ações do cuidado em saúde e ações intersetoriais em âmbito municipal. Durante o estágio, a avaliação do processo de ensino-aprendizagem é feita diferentes etapas, como as que acontecem nos cenários de práticas pelos preceptores e a apresentação para a comunidade acadêmica - o “ERIP/SUS - Mostra Serviço” (exposiConceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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ção em banner), que é associada a um seminário com entrega do relatório final por cada equipe de estagiários quando concluem a vivência nos municípios.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se que a integração entre o ensino e o serviço deve ser concebida como uma prática acadêmica proponente de estratégias que contribuam para formar profissionais qualificados para o desenvolvimento de competências e habilidades e com capacidade de refletir sobre os problemas vivenciados pela população, na perspectiva de potencializar a formação do profissional de saúde. A formação em saúde é uma dimensão profissional, técnica, social e política, que, quando realizada a partir de uma abordagem do trabalho em equipe, multiprofissional e interdisciplinar, poderá produzir conhecimentos que colaborem para promover a integralidade do cuidado com a saúde do indivíduo e da coletividade. Os Estágios Regionais de Saúde reafirmam a importância da formação para o trabalho em equipe, objetivando instituir a Educação Interprofissional (EIP) em saúde. Essa é uma estratégia de ensino amplamente discutida na contemporaneidade, nas diversas instituições formadoras, que visa proporcionar um ensino em saúde com reorientação de práticas pedagógicas e uma formação que possibilite ao profissional atuar utilizando competências comuns a todas as profissões, competências específicas de cada área de formação e competências colaborativas. Para isso, é preciso fortalecer o ERIP/SUS como um componente curricular obrigatório nos Cursos de Graduação em Saúde da UFPB, uma vez que ele representa uma experiência de formação em equipe que contribui para inserir estudantes em serviços da Atenção Básica em Saúde com vivência em comunidades e com ações resolutivas para as demandas de saúde da população no contexto atual do Sistema de Saúde.

7. REFERÊNCIAS - ALBUQUERQUE, V. S. at al. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais de saúde. Rev. Bras. de Educ. Médica. v 32, n.3, p.356-362. 2008. - ALBUQUERQUE, V. S.; GIFFIN, K. M. Globalização capitalista e formação profissional em saúde: uma agenda necessária ao ensino superior. Trab. Educ. Saúde. v. 6, n.3, p.519-537, nov. 2008/fev. 2009. - ALVARENGA, J. P. O; et al. Multiprofissionalidade e interdisciplinaridade na formação

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em saúde: vivências de graduandos no Estágio Regional Interprofissional. Revista Enfermagem UFPE, oline. Recife, v.7, n.10, p. 5944-51. out. 20113. - ALVARENGA, J. P. O. ; ANDRADE, W. W. N, de. Estágio Regional Interprofissional no Sistema Único de Saúde (ERIP-SUS): a interdisciplinaridade no processo de formação em saúde na UFPB. Conceitos. João Pessoa. v. 1, n. 22, p. 96-105. jan. 2015. - MIRANDA NETO, M. V. de; LEONELLO, V. M.; OLIVEIRA, M. A. de C. Residências multiprofissionais em saúde: análise documental de projetos político-pedagógicos. Ver, Bras. Enferm. v. 68, n.4, p. 586-93, jul-ago. 2015. - OLIVEIRA, M. C. de. Os modelos de cuidados como eixo de estruturação de atividades interdisciplinares e multiprofissionais em saúde. Rev. Bras. de Educ. Médica. v 32, n.3, p.347-355. 2008. - PAIVA, C. H. A.; PIRES-ALVES, F.; HOCHMAN, G. A cooperação técnica OPAS-Brasil na formação de trabalhadores para a saúde (1973-1983). Ciências & Saúde Coletiva v. 13, n. 3, maio. jun. Rio de Janeiro, 2008. - SILVA, C. C. da. Competências na prática educativa para constituição da força de trabalho em saúde: um desafio aos educadores. 164p. Tese (Doutorado) Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. 2003. - SILVA, C. C.; SILVA, A. T. M. C. da. Construindo um projeto de reorientação político-pedagógica: relato de um processo interventivo. Temas em Saúde. v. 6, n.7, abril, p. 5-9, João Pessoa: 2006. SILVA, V. R. A dimensão gerencial da prática do enfermeiro nos serviços de saúde: subsidiando o ensino de graduação. 339p. Tese (Doutorado) Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. 2008. - UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais. Grupo Interdisciplinar na Saúde. Minas Gerais. Hospital das Clínicas. Belo Horizonte: 2002. - UFPB - Universidade Federal da Paraíba. Resolução n.º 284, de 27 de setembro de 1979. Aprova o Regimento do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, PB: 1979a. Acesso em: www.prg.ufpb.br Acesso em julho de 2017. - UFPB - Universidade Federal da Paraíba. Resolução 09/79 - CONSEPE. Estabelece normas para o Sistema de Estágios na UFPB, 1979b. Acesso em: www.prg.ufpb.br Acesso em julho de 2017. - UFPB - Universidade Federal da Paraíba. Estágio Regional Interprofissional no Sistema Único de Saúde (ERIP - SUS). Centro de Ciências da Saúde (Projeto), Coordenação do ERIP-SUS. João Pessoa: 2007. Mimeografado.

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José Flávio Silva 1

Teologia da Libertação na Arquidiocese da Paraíba RESUMO A Teologia da Libertação distanciou-se da teologia tradicional. Aparentemente a prática mostra que sim. Há uma contradição entre Teologia escolástica secular e a recente Teologia da libertação? Analisando os pressupostos de ambas é possível entendimento entre eles? Dom José Maria Pires afirma que não, ambas as teologias complementam-se. A presença de ambas na Arquidiocese da Paraíba é fundamento deste ensaio. O pobre sempre presente no evangelho divulgado pela Igreja Católica serve de fundamento teórico e teológico. O pobre aqui é o rico camponês que lutou para manter seu sustento de ser humano com labuta no campo. A paz entre eles é afastada quando bois e vacas do proprietário da fazenda Caiporã invadem as terras daqueles agricultores destruindo as plantações em crescimento. Os bispos Dom José Maria Pires, Dom Manuel Pereira e Dom Hélder Câmara vão em socorro dos agricultores, seguindo as linhas mestras do evangelho pregado por Jesus Cristo. São pontos teóricos e dialéticos produzidos para entendimento entre aquelas teologias, complementadas pela filosofia. Palavras-chave: Alagamar; Teologia da Libertação; Filosofia da Libertação; Pacto das Catacumbas; Teologia Escolástica.

ABSTRACT Liberation Theology has distanced itself from traditional theology. Apparently practice shows it has. Is there a contradiction between secular scholastic theology and the recent theology of liberation? By analyzing the assumptions of both is it possible an understanding between them? Bishop José Maria Pires says it is not. The theologies complement each other. Their presence at the Archdiocese of Paraíba is the basis for this essay. The poor

1. Professor aposentado da UFPB do Departamento de Filosofia; sócio fundador da ADUFPB; membro da Ong JR Moura; pesquisador sobre Filosofia na Paraíba. E-mail: joseflavio12@yahoo.com.br

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always present in the Gospel spread by the Catholic Church serve as its theoretical and theological foundation. The poor referred here are rich peasants struggling to make a living as human beings with their field work. The peace between them is set aside when oxen and cows of the owner of the Caiporã farm invade the lands of those farmers destroying the growing plantation. Bishop Jose Maria Pires, Bishop Manuel Pereira and Bishop Hélder Câmara, strive to help the farmers, following the guidelines of the gospel preached by Jesus Christ. These are theoretical and dialectical points produced for an understanding between those theologies, complemented by philosophy. Key words: Alagamar; Liberation Theology; Liberation Philosophy; Crypts’ Pact; Scholastic Theology.

INTRODUÇÃO A atitude singular de tanger bois e vacas por Dom Hélder Câmara, Dom José Maria Pires e Dom Manuel Pereira, bispos da Igreja Católica, cujos animais mansamente se alimentavam das plantações cultivadas por camponeses, nas terras denominadas de Alagamar e Piacos, situadas na microrregião do município de Sapé, próximo à cidade Pilar, na Paraíba, é digna de registro e indica que foi feito um compromisso em Roma, depois do Concílio Vaticano II, cujo compromisso dialético avançou para a Teologia da Libertação. Antes, padres jesuítas defenderam os silvícolas, na costa do Oceano Atlântico da capitania Parayba. Séculos depois, as andanças do Padre Ibiapina também caracterizaram a preocupação da Igreja Católica com os pobres. Depois do Concílio Vaticano II, a posição de bispos paraibanos em defesa daqueles camponeses, que demonstrou que a Igreja estava cumprindo a missão que encampou em defesa dos pobres, foi exposta durante o conflito por posse de terras que houve na década de 1980 em Alagamar.

CONFLITO EM ALAGAMAR E EM PIACOS Três bispos da Igreja Católica: Dom José Maria Pires - arcebispo da Arquidiocese da Paraíba; Dom Hélder Câmara - Arcebispo da Arquidiocese de Olinda/Recife; e Dom Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Manuel Pereira - bispo da Diocese de Campina Grande, tomaram uma atitude inédita para príncipes da mesma Igreja: enxotaram bois e vacas que pastavam tranquilos em lavouras plantadas por agricultores no local chamado “Alagamar e Piacas”, a 64 quilômetros da capital do estado da Paraíba, perto da cidade de Pilar, localizada na microrregião do município de Sapé, no ano de 1980. Antes desse fato, em dezembro de 1979, os agricultores denunciaram o seguinte: Nós, agricultores de Alagamar e Piacos, Caiporã e Maria de Melo estamos escrevendo essa carta para comunicar ao público em geral que no dia 26 de dezembro tivemos as nossas posses invadidas por 200 reses do proprietário José Valdomiro que é o dono atual da propriedade de Caiporã e Maria de Melo, vizinha a Alagamar e Piacas (O Norte de 30/12/1979).

Esse foi o motivo por que aqueles prelados, de cajados nas mãos, ao modo dos pastores de ovelhas, enxotaram o gado daquele território de posse dos agricultores denunciantes. Alagamar e Piacos, Caiporã e Maria de Melo formavam a peça de desapropriação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Antes de os agricultores concretizarem as posses, a região era um campo de conflito entre proprietários e pequenos agricultores. Para defender esses agricultores e tentar a pacificação usando como base a “não violência”, Dom José Maria Pires enviou membros da equipe da Pastoral da Terra, da Arquidiocese da Paraíba, entre eles, padres e freiras missionárias, algumas europeias, como a freira Helena, por exemplo, que era holandesa e sempre esteve presente na região. A transcrição abaixo é significativa: A irmã Helena trabalha numa pequena comunidade de freiras na localidade de Cajá, integrando ainda a Ação Pastoral de agricultores da Arquidiocese. No desempenho dessa missão, ela já esteve em Alagamar em diversas ocasiões. Quando surgiu a notícia de que um agricultor havia sido preso depois do último conflito na área, ela foi enviada para se inteirar da situação e acabou também recolhida pela polícia (in A luta de Alagamar - p. 7).

A Arquidiocese da Paraíba dispunha do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) e tinha o advogado Vanderlei Caixe à disposição, caso fosse preciso acionar a Justiça. Apoiar a atuação da Pastoral da Terra fazia parte da CDDH. O pobre era a referência, o epicentro da parte teológica. O oprimido também faz parte dessa teologia. Quando os espanhóis estavam destruindo a civilização Maia, na América Central, uma voz pacífica da ordem de São Domingos insurgiu-se contra as atrocidades que os ibéricos estavam cometendo. Bartolomé de las Casas era o seu nome. Do mesmo modo, depois da descoberta da terra dos papagaios, os portugueses maltratavam os silvícolas naturais transformando-os em escravos, com a convicção de 66

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que, como não eram batizados, não tinham alma. Essa postura provocou o Papa Paulo III, que fez publicar, em 1537, a bula “Sublimis Deus” e afirmou que os habitantes da nova terra também eram humanos, portanto, tinham alma. Décadas depois, a Capitania Itamaracá foi desmembrada e passou a ser a Capitania Parayba. Para promover seu desenvolvimento e aproveitar o solo fértil da nova capitania, iniciou-se a construção de engenhos para moer cana e transformá-la em açúcar. Às margens do rio Parayba, foram construídos vários engenhos, mas faltavam mãos para cuidar das plantações, do corte e da manipulação no interior deles. Esclarecem Maria do Céu Medeiros e Ariane Norma de Menezes Sá (1999:26) que, para integrar o índio no processo do engenho, de início, foi posto em prática o escambo, uma relação de trabalho que havia dado certo no extrativismo do pau Brasil, utilizada tanto por portugueses como por franceses.

O espaço aqui é insuficiente para descrever o acontecido naquela época, no entanto, sabe-se que houve desavenças entre o capitão-mor, Frutuoso Barbosa, os jesuítas e os franciscanos. Esse desentendimento estava centralizado na defesa dos índios pelos jesuítas, que não admitiam a escravização desses nativos. Com a posição consolidada, os religiosos foram expulsos da Capitania da Parayba em 1593, pelo capitão-mor, Frutuoso Barbosa, com autorização do Rei Felipe I, que reinava sobre a Espanha e Portugal. Os franciscanos assumiram as aldeias indígenas deixadas pelos jesuítas e aceitaram a postura escravagista dos ibéricos.

O ILUMINISMO APORTA NA PARAÍBA A Igreja Católica não tinha autonomia no período colonial. Era ligada ao reino português, devido ao acordo celebrado entre ambos, denominado de “Padroado”, em que era estabelecida a parceria material verso espiritual, isto é, o reino cuidava dos bens materiais - construção de igrejas e de capelas, fornecimento de alfaias etc., menos capelas particulares. Os ministros religiosos eram responsáveis pela parte espiritual. Para isso, recebiam pagamento em forma de côngruas. Uma década antes do Século XIX, o ex-frade carmelita, Manuel de Arruda Câmara, chegou à Capitania de Pernambuco com ideias renovadoras, cuja finalidade era de libertar a colônia do jugo do reino de Portugal. Essas ideias eram discutidas entre padres, advogados e proprietários diversos. Nesse entremeio, surgiu outra ideia, a de fundar um local onde todos se reunissem para discutir sobre aquelas ideias. Com esse propósito, Manuel de Arruda Câmara criou o Areópago, que manteve o mesmo padrão original de discussões. A casa acolhedora das ideias novas foi estabelecida nos limites Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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das capitanias de Pernambuco e Parahyba, em uma vila chamada També. Faziam parte das ideias advindas do iluminismo francês, manobradas pela maçonaria. A doutrina principal estava baseada na libertação da colônia. Para completar, o bispo da jurisdição de Pernambuco, Dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, criou em Olinda, em 1800, um seminário que permitia que o iluminismo europeu servisse de fundamentos pedagógicos. Naquela época, a dominação espanhola da América Latina estava se esfacelando com as libertações realizadas por Bolívar e San Martin, constituindo países independentes e modificando a geopolítica da América do Sul. Para se integrar aos novos territórios constituídos, os membros do Areópago centralizaram-se nessas discussões, que se alongaram até 1817, quando foi desencadeada uma revolta popular denominada de Revolução de 1817 ou Revolução dos padres. Causa admiração que padres façam revolução! No entanto, a fundação do seminário de Olinda pelo bispo Azeredo Coutinho propiciou aos padres formados ali compreensão política. A respeito desse assunto, Epaminondas Câmara (2.000;83) escreveu o seguinte: Apesar de condenada mais duma vez pelos pontífices, a Maçonaria penetrou, no Brasil, no começo do século passado, sob a tolerância do clero que a considerou inofensiva aos princípios cristãos. E, a julgar pela conduta dos principais mações, que nas lojas batalhavam com denodo pela prática da filantropia e pela causa da independência nacional, não podiam os padres, em face do aspecto exterior da mesma sociedade, deixar de se identificar com os seus sentimentos. Por essa razão muitos clérigos nela iniciaram-se e com ela conspiraram contra o domínio português. Alguns deram a vida pela causa da liberdade e muitos tomaram parte na revolução nordestina de 1817. Era natural que, no movimento sedicioso de 1817, diversos sacerdotes da Paraíba fossem envolvidos, tendo sido presos quase todos, alguns tiveram os bens sequestrados e um chegou a ser executado. Foi o padre Antônio Pereira de Albuquerque que sofreu a pena capital. Sua execução ocorreu, no Recife, no dia 6 de setembro daquele ano. Era um idealista de brilhante cultura e ensinava latim na vila do Pilar, terra do seu nascimento.

Em menos de três meses, o movimento libertário foi sufocado pelas tropas reinóis. A Parahyba sentiu a morte do jovem Peregrino de Carvalho (1), participante do levante nesse estado, que enforcado em Recife, esquartejado, e sua cabeça exposta na cidade de Parahyba do Norte, em frente à igreja do Bom Jesus, hoje Nossa Senhora de Lourdes, na Rua das Trincheiras, cruzada com a Rua João Machado. As ideias iluministas permaneceram no espírito popular. A maçonaria atuava bem, a ponto de o príncipe Pedro, filho de Dom João VI, que era regente da colônia no 68

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Brasil, ser introduzido na maçonaria através de José Bonifácio, seu conselheiro. Não é muito acrescentar que a novela “Mundo Novo”, veiculada pela TV Globo, em data de 12/7/2017, mostra o momento em que a maçonaria introduziu o regente Pedro no convívio com os pares maçônicos.

Figura 1 – Dom José Maria Pires e Dom Hélder Câmara em Alagamar. Fonte/Reprodução: Jornal O Norte, 05 de janeiro de 1980.

UM APÓSTOLO CONSEQUENTE NA PARAÍBA Sem perder o foco histórico e acompanhando o que foi sendo construído, surgiu um apóstolo da Igreja Católica. Nasceu na Capitania do Ceará, mas foi na Paraíba que sua atuação foi mais profícua. José Antônio Maria Ibiapina é seu registro de batismo. Entretanto, ficou conhecido como padre Ibiapina ou padre-mestre Ibiapina. À semelhança do frade dominicano Bartolomé de las Casas, atuou nas hostes espanholas no início da conquista do território recém-descoberto em terras da América Central, principalmente em El Salvador e na Guatemala. O padre Ibiapina também tinha no pobre o foco evangelizador. Ambos têm em comum formação jurídica. Bartolomé de las Casas formou-se em Direito, em princípio do Século XVI, na Universidade de Salamanca – Espanha – e o padre Ibiapina formou-se na Academia de Sciencias Sociaes e Juridicas de Olinda. O frade Bartolomé de las Casas e o padre Ibiapina são homônimos na defesa dos pobres e despontaram como precursores da Teologia da Libertação. Será que os jesuítas, no início da dominação da Capitania da Parahyba, quando defendiam os silvícolas e os libertavam, eram os precursores da Teologia da Liberdade? Bem que o padre Antônio Vieira, jesuíta, em 1633, dedicou o sermão vigésimo sétimo aos membros de uma irmandade de negros devotos de N. S. do Rosário, no Maranhão. O Seminário Nossa Senhora da Conceição, criado por Dom Adaucto Aurélio Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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de Miranda Henriques em 1894, logo que assumiu a Diocese Parahyba do Norte / Rio Grande do Norte, tinha como objetivo formar padres. Décadas depois, o mesmo padrão formador foi mantido doutrinariamente, como nos caminhos traçados por Tomás de Aquino, consubstanciando a Escolástica. Essa formação foi concretizada nas Cartas Pastorais do Senhor Arcebispo, Pedro Anísio (cônego), e nas de Florentino Barbosa (cônego), nos livros que publicaram. O Espírito Santo indicava que a Igreja Católica precisava se atualizar em relação às mudanças por que passava o mundo de pós-segunda guerra mundial. Em 1958, assumiu a direção da Igreja Católica o Papa João XXIII, que teve o mérito de convocar e concretizar o Concílio Vaticano II. Vieram assessores de todo o mundo para uma conversa sobre o destino da Igreja Católica. Da Paraíba, encaminharam-se para o Vaticano Dom Mário de Miranda Villas-Boas, arcebispo da Paraíba; Dom Antônio Fragoso, bispo de Crateús; e Dom Manuel Pereira, bispo de Campina Grande. O Padre Luiz Gonzaga Fernandes acompanhou o arcebispo da Paraíba. O assessor de Dom Mário de Miranda Villas-Boas, padre Luiz Gonzaga Fernandes, era reitor do Seminário Arquidiocesano N. S. da Conceição, na década de cinquenta do século passado, e conhecido como intelectual e ótimo latinista. Nessa época, o Curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia da Paraíba estava sendo implantado, e o padre Luiz Gonzaga Fernandes, acompanhado do desembargador José Flóscolo da Nóbrega, foram encarregados de estruturar o curso referido.

PACTO DAS CATACUMBAS: UM ALERTA No final do Concílio Vaticano II, cerca de 42 padres e bispos de todos os continentes formaram, no dia 16 de novembro de 1965, um compromisso denominado de “Pacto das catacumbas”, na sacristia da catacumba da Igreja de Domitila. Nesse documento, de 13 itens, os signatários comprometeram-se a levar uma vida de pobreza. Diz o primeiro item: Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nova população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. (Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8, 20).

O segundo item afirma: Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes) nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). (Cf Mc. 6,9; Mt 10,9s;at. 3,6). Nem ouro nem prata. 70

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Foram signatários do “Pacto das catacumbas”, representando a Paraíba, Dom Manuel Pereira, Dom Antônio Fragoso e o Padre Luiz Gonzaga Fernandes. Com aquele compromisso, Dom José Maria Pires chegou à Paraíba e foi empossado no dia 27 de março de 1966, logo depois de que voltou de Roma. Foi recebido, com festividade, em frente ao Palácio do Carmo, residência oficial destinada aos príncipes da Igreja Católica, os senhores arcebispos. Esse prédio foi adquirido por Dom Adaucto Aurélio de Miranda Henrique na Ordem das Carmelitas, na primeira década do Século XX (1906), que passou por uma reforma e ficou com o aspecto arquitetônico atual, um palácio para acomodar os arcebispos. Moraram nele o arcebispo fundador, depois, seu sucessor, Dom Moisés Sizenando Coelho, e, posteriormente, Dom Mário de Miranda Villas-Boas. Interrompeu essa linhagem de príncipe Dom José Maria Pires, que deixou o palácio e foi morar em uma pequena casa ao lado da Catedral Metropolitana.

FORMAÇÃO TEOLÓGICA, INÍCIO DE UMA TRAJETÓRIA Ao voltar de Roma, o Padre Luiz Gonzaga Fernandes reassumiu o reitorado do Seminário Arquidiocesano N. S. da Conceição. Com a visão que lhe era peculiar, fez algumas mudanças no seminário. José Diácono de Macedo, que era seminarista nessa época, relatou: Existia uma corrente de abertura na Igreja muito forte liderada pelo Padre Lombardi, chamada de “Mundo Melhor”. O Reitor Padre Luiz Gonzaga Fernandes nos fazia participar nos eventos que aconteciam na cidade. Em relação aos grandes filmes apenas religiosos, mas ele nos deixava assistir outros e dizia que não estava fazendo uma desobediência ao arcebispo, pois vocês precisam ter contato com a realidade da sociedade (in Mons. Ednaldo Araújo dos Santos, p. 35).

Francisco Leônidas da Silva, contemporâneo de José Diácono de Macedo, vai além: Nós éramos motivados a ler livros a fazer a apresentação dos livros através de discursos. Tínhamos um serviço de teatro (2) com a participação de seminaristas muito vocacionados no teatro, inclusive para animação. A música era uma coisa levada a sério no seminário tinha um jornal cultural. Nosso seminário sendo por demais movimentado, inclusive vinham times de futebol de fora para jogar contra o seminário (in Mons. Ednaldo Araújo dos Santos, p. 40).

No ano seguinte do seu retorno, o Padre Luiz Gonzaga Fernandes foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Vitória - Espírito Santo - onde desenvolveu um profícuo trabalho em prol da Igreja, inclusive foi o fundador das Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs). Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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AÇÃO CATÓLICA: VISÃO SOCIAL A Igreja Católica contava com a Ação Católica iniciada pelo movimento denominado de Juventude Operária Católica (JOC), fundada em 1925 pelo padre belga Josef -Léon Cardijn. Esse projeto se difundiu por vários países. Na Paraíba, também conseguiu se instalar por meio do então Padre Antônio Fragoso. O portal de entrada foram os círculos operários. No Bairro de Jaguaribe, pertencente à capital do Estado, funcionava um círculo operário onde militavam Elias Cândido do Nascimento e Francisco Trindade. O Círculo Operário era frequentado por alguns seminaristas, segundo o Padre Francisco Leônidas da Silva, como demonstra este depoimento colhido pelo Monsenhor Ednaldo Araújo dos Santos, transcrito abaixo: [...] No seminário Maior, tinha seminaristas que saíam para acompanhar grupos da Pastoral Operária chegando à influência da Ação Católica. Então isso são sinais de mudança na Igreja Católica. (in Mons. Ednaldo Araújo dos Santos, p. 40).

Os três circulistas, Antônio Fragoso (padre), Elias Cândido e Francisco Trindade, operários, deram vida à JOC, e outras denominações foram criadas: Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC). O Brasil estava passando por uma ebulição política, social e ideológica tão grande que, em primeiro de abril de 1964, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica iniciaram um golpe para derrubar o governo chefiado pelo Presidente da República, João Goulart. A Ação Católica esfacelou-se, desarrumou-se, enfraqueceu-se, e seus membros foram dispersos. Algumas proposições ideológicas circulavam. Duas eram constantemente afloradas. De um lado, o “Personalismo” idealizado por Emamanuel Mounier, e de outro, a “Ação Popular”, corrente marxista maoísta. O Personalismo diluiu-se no tempo, e a Ação Popular avançou com alguns ex-jucistas em suas fileiras.

Figura 2 – Dom José Maria Pires e agricultores em Alagamar Fonte/Reprodução: Jornal O Norte, 05 de jan. 1980.

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A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NA PARAÍBA A militância da Ação Católica ficou acéfala e não voltou às atividades. Os padres tanto os que apoiavam a ação militar quanto os que a rejeitavam - restringiram-se às sacristias. Dom José Maria Pires chegou à Arquidiocese no início do domínio militar, em dezembro de 1965. As relações entre o arcebispo e os militares não foram amorosas. O historiador José Octávio de Arruda Melo, em entrevista publicada no jornal A União, de 9 de março de 2007, narra o encontro de Dom José Maria Pires e com o Presidente Emílio Garrastazu Médici, presenciado pelo governador do estado da Paraíba, Ernani Sátyro. Eis o texto: - Presidente, esse aqui – principiou Ernani – é o nosso arcebispo, o Dom José algo de esquerda, mas com quem me entendo bem. - Hoje – atalhou Médici – todo mundo desobedece a todo mundo. Filho não obedece aos pais, aluno a professor, padres a bispos e esses ao Papa. - Excia. – replicou Dom José – não é bem assim porque nossas naturais divergências permanecem no interior da igreja, sendo aí resolvidas. - Médici, então, cavalariano e bossa! Saiu-se com essa: - Vocês, religiosos, como não podem casar não gostam de mulher e por isso gostam de outros homens. - Bem – presidente – encerrou Dom José – se a conversa chegou a esse ponto peço licença para me retirar. - Dom José Maria Pires disse isso e foi saindo, na companhia do ministro José Américo de Almeida.

Não foi fácil para Dom José Maria Pires administrar a Arquidiocese da Paraíba. Na mesma entrevista, José Octávio diz: Dos governadores – continua Dom José – o que trouxe mais dificuldades foi Burity cujo racionalismo o induzia, por vezes, à intransigência. Foi preciso que no caso Alagamar, eu e Dom Hélder espantássemos o gado das roças de mantimentos.

Foi com Alagamar e Piacos que iniciei este texto, em que mencionei o enxotamento em que a Teologia da Libertação estava presente. Presente! Ao tanger bois? Que ideologia é essa? Antônio Rufino (1984:35), professor da UFPB, pesquisador e teórico da Filosofia da Libertação, ajuda-me a responder a essas perguntas. Concordamos com o seguinte: Qual a proposta dessa Teologia? Como se diferencia e se identifica com a Teologia do centro, europeia? Como se situa dentro do contexto universalista da Igreja Católica? Não fomentará uma divisão na Igreja, constituindo-se em uma seita?

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Foi em Frei Leonardo Boff que encontrou a resposta. Continua o filósofo: Afirma Frei Leonardo Boff, um dos mais conhecidos teólogos da libertação, que, ‘no fundamento da Teologia da Libertação, se encontra uma mística: o encontro do Senhor com o pobre, que constitui hoje toda uma classe de marginalizados e explorados de nossa sociedade caracterizada por um capitalismo dependente, associado e excludente’. Encontra-se aqui esboçado o conteúdo da Tedal. Em primeiro lugar, é uma teologia que afirma ser a Igreja identificada com os pobres. Não é de hoje, nem é novidade tal afirmação, pois desde seu nascimento está a Igreja identificada com os interesses dos marginalizados, dos esquecidos, oprimidos socialmente.

A idealização da doutrina ideológica sobre a Teologia da Libertação não estava inserida na atitude dos bispos em Alagamar. No entanto, algo de utópico existe, como afirmou Dom Manuel Pereira ao jornalista de A União, em 13 de janeiro de 1980. Disse ele: A missão da Igreja é a mesma do Evangelho, é uma missão integral. Ela deve zelar pelo homem integralmente. E, quando a Igreja procura entre mais sensível às situações do homem oprimido no plano social, a sua doutrinação não é muito entendida e está sendo combatido. Mas, faz parte constitutiva da missão da Igreja, a defesa de Justiça, com respeito a todos aqueles que se sentem injustiçado. Alguns querem, afirmou que ela pregue apenas uma coisa puramente espiritual e que não toque nos problemas concretos, principalmente quando se trata de Justiça Social e dizem que ela foge do Evangelho quando está pregando a Justiça Social e nesse caso a Igreja estaria contra o próprio Cristo que foi o primeiro a defender os interesses daqueles que são pobres, ao dizer que aqueles que são humildes serão vingados por Deus e que Deus destrona os poderosos para exaltar os humildes (O Norte de 30/12/1979).

A formação da Teologia da Libertação tem algumas bases no Nordeste do Brasil. Enrique Dussel (1998:73) entende que, de um lado, a Igreja dos pobres, que expressa claramente seu modelo da Igreja na declaração dos bispos do Nordeste Brasileiro ‘ouvi o clamor do meu povo’ (1973), vai crescendo em todos os países. Uma pastoral popular que trabalha partindo da religiosidade do próprio povo, que não utiliza mais a crença do povo, mas o mobiliza a cumprir os seus próprios interesses.

Além da atitude dos bispos, décadas depois, a Arquidiocese da Paraíba contou com a participação do padre belga, José Comblin, teórico da Teologia da Libertação. Para expandir os propostos teóricos dessa teologia, ele fundou um seminário, em Serra 74

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Redonda, município da Paraíba, para formar missionários com o objetivo de evangelizar. Criou uma subsidiária da Teologia da Libertação, denominada de “Teologia da Enxada”, em que o trabalho rural era o foco da Igreja dos pobres. Colaboraram com o Padre José Comblin os professores universitários lotados na UFPB: José Hailton Bezerra, Alder Júlio e Luiz Couto, entre outros. Os dois primeiros continuam com um grupo de reflexão com reuniões realizadas sempre no Centro de Educação da UFPB. Luiz Couto (padre) é deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores.

PRESENTE E FUTURO - A DIALÉTICA PRESENTE Os signatários paraibanos do Pacto da catacumba, Dom Antônio Fragoso, Dom Manuel Pereira e Dom Luiz Gonzaga Fernandes, faleceram. No entanto, Dom José Maria Pires continuou vivo, com o título de arcebispo emérito da Arquidiocese da Paraíba. A ausência dos signatários não significa que o compromisso com o pobre tenha encerrado. Esse sentimento se expandiu por toda a América Latina nas linhas da Teologia da Libertação. Enrique Dussel, no livro citado nas referências, faz um passeio pela América Latina, em que mostra a intensa atuação da Igreja nesse continente. O pobre é o ponto de ligação. A pobreza não se refere ao aspecto material, há outros que são pobres de fé e de ética, como enfatiza José Comblin (idem, idem) nesta passagem: Não se trata somente da pobreza material, mas da pobreza social, intelectual e humana, trata-se do problema do movimento de um mundo excluído condenado a não ser nunca nada – pessoas que são inúteis para a sociedade, por não integrarem no sistema. São ‘inepregáveis’, que não têm o mínimo de condições humanas para exercer uma função na sociedade.

Recentemente, Frei Beto, conhecido integrante da Teologia da Libertação, fez uma conferência na UFPB, promovida pela Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba. O auditório da Reitoria lotou no dia 3 de fevereiro de 1999. (ADUFPB). Depois da exposição de Frei Beto, houve o debate e foi feita a seguinte pergunta: Por que não precisamos mais da Teologia da Libertação? Não seria melhor dizer que o Papa não precisa, mas o povo mais do que nunca precisa? Não se precisa da Teologia da Libertação, precisa-se do que, só o que o Papa fala?

Respondeu o dominicano: Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Quando disse que não precisamos da Teologia da Libertação, eu estava fazendo uma ironia, no sentido de que as teses da Teologia da Libertação, há quinze ou vinte anos, eram censuradas pelo Papa João Paulo II. Hoje, são repetidas pela boca do próprio. Então é para mostrar como a Teologia da Libertação penetrou no tecido da Igreja. Quem falava que o neoliberalismo era pecado social eram os teólogos da libertação há vinte anos, nos livros de Boff, por exemplo. E agora o Papa fala o que Boff falou há vinte anos, o que o Gustavo Guitierres falou há vinte anos (3).

Finalizo este ensaio com uma parte da entrevista que Dom José Maria Pires concedeu aos senhores José Chasin, Rui Gomes Dantas e José Maria Tavares de Andrade, professores da UFPB, e Dom Paulo E. Arns e Ester Vaisman (1982:52), publicada na Revista Nova Escrita Ensaio. J. Chasin provoca Dom José Maria Pires perguntando: “Como o Sr. encara a produção da Teologia da Libertação?” E Dom José Maria Pires: Numa situação como a da América Latina, uma teologia que não fosse da libertação, não serviria para nada, ela não poderia ser uma ajuda, como deve ser, para os pastores e para o povo de Deus. A teologia não pode ser simplesmente uma ciência especulativa, ela tem que ser uma reflexão em cima de uma prática da fé. Ora, aqueles que entre nós praticam a fé, ou são chamados a isto, constituem uma maioria de oprimidos, de marginalizados. Então, uma teologia que não se debruçasse sobre essa realidade e por isso não tivesse como meta desdobrar, explicitar o plano de Deus da salvação, que é o plano de libertação, salvação que começa hoje, começa aqui, uma teologia que não estivesse sintonizada com essa realidade poderia ser uma bela especulação teológica, mas não serviria em nada para a caminhada. Por isto, estou inteiramente de acordo com todo esse esforço que fazem os teólogos da libertação, pois sinto que eles respondem muito mais às necessidades pastorais da Igreja da América Latina do que se fossem fazer uma teologia como aquela que aprenderam nas universidades da Europa, ou mesmos nos Institutos teológicos do Brasil, ligados que são a uma visão anterior ao Vaticano II. O que se critica muito na Teologia da Libertação, e a meu ver sem razão, é que às vezes, ela parece mais uma sociologia do que uma teologia. Eu entendo que, hoje, as Ciências Sociais se tornaram um apoio muito grande, e até necessário para o teólogo. Se, antes, para fazer uma teologia se precisava da filosofia, hoje, ele precisa, talvez, antes de tudo, das Ciências Sociais, para que ele possa ter elementos que o ajudem a entender e analisar um pouco melhor a realidade sobre a qual ele pretende projetar os dados da fé, os dados da revelação. Então, tornase fundamental o conhecimento dessa realidade. Ora, quem é que vai ajudá-lo a mergulhar nessa realidade? Primeiro, o próprio povo. Então, ele precisa ter uma prática. Segundo, os cientistas sociais, na medida em que a análise da realidade social é o campo da atividade deles. Então é inevitável haver uma aproximação de linguagem dessa teologia 76

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com as Ciências Sociais maior do que com a linguagem da filosofia. Daí, inclusive, as críticas que se fazem, afirmando que essa teologia utiliza categorias marxistas, bem... é um risco que se corre. Mas, a meu ver a Teologia da Libertação está seguindo o caminho indicado pela teologia tradicional, ela muda, apenas, o enfoque: ao invés de partir dos princípios e fazer uma teologia dedutiva, ela está partindo da prática e fazendo um processo indutivo, mas que vai levar ao encontro dos mesmos princípios. Assim, não há nenhuma contradição entre a Teologia da Libertação e a teologia tradicional, apenas os caminhos é que são diferentes.

CONCLUSÃO O caminho trilhado neste ensaio inicia com um corte epistemológico da História da Paraíba. A região de Alagamar e de Piacos, principalmente a cidade de Pilar, serviu de apoio para os padres jesuítas quando foram expulsos da cidade de N. S. das Neves e Felipeia. Os holandeses dominaram essa região, em princípio do Século XVII, e incursionaram à procura de riquezas. O estreito caminho entre Recife e Areia, no Século XIX, tinha a Vila Pilar como entreposto repousante. Ali dormiram tropas realistas durante a Revolução de 1817; depois, na Confederação do Equador, em 1824; e na Revolução de 1848. Finalmente, chegamos a 1964, quando a região serviu de palco para vários dramas de perseguições e torturas sem solução até culminar, em 1980, com o drama de Alagamar e de Piacos, onde os atores agricultores, nos entreatos, serviram de protagonista para este ensaio. O Pacto da Catacumba, em Roma, na Igreja de Santa Domitila, é a base da Teologia da Libertação. O tijolo é o pobre, mencionado neste ensaio. Segue um fio condutor teórico e dialético emanado da Teologia Tomista. Dom José Maria Pires demonstrou que comunga dessa opinião, quando afirmou: “a meu ver a Teologia da Libertação está seguindo o caminho indicado pela indicado pela teologia tradicional.” Por outro lado, na sinopse sobre a novela Roque Santeiro, diverge do senhor arcebispo ao dizer que “a novela abordou um tema em voga na época, a divisão da Igreja Católica entre os tradicionalistas e os adeptos da Teologia da Libertação.” Portanto, este ensaio não é conclusivo sobre as teologias aqui apresentadas e outras que surgirão. Pode servir para novas reflexões teológicas.

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NOTAS 1 - Paulo Vieira, professor da UFPB, escreveu um romance intitulado “Peregrino”, que trata de Peregrino de Carvalho. 2- Assisti à peça ‘Crime na Catedral’, encenada por seminaristas, e participei de uma peça chamada “Borba Gato”. 3 – ROQUE SANTEIRO - NOVELA DE DIAS GOMES. Exibição: 24/06/1985 // 22/-2/1986. Emissora TV Globo. Sinopse. “À frente dos que desejam revelar a verdade ao povo de Asa Branca, está o Padre Albano (Cláudio Cavalcanti), que faz o contraponto com o Padre Hipólito (Paulo Gracindo) e é chamado de “padre comunista”. Por meio do personagem, a novela abordou um tema em voga na época, a divisão da Igreja Católica entre os tradicionalistas e os adeptos da Teologia da Libertação. Progressista, Padre Albano luta a favor dos trabalhadores de Asa Branca e faz de tudo para revelar que o mito Roque não passa de uma farsa. Em determinado momento da trama, ele tem um envolvimento com a filha de Sinhozinho Malta (Lima Duarte), Tânia (Lídia Brandi), uma jovem contestadora que vive em atrito com o pai. Depois de muitas dúvidas, o padre termina a novela sozinho. Sem a Igreja, sou como um soldado sem Exército, diz a Tânia, explicando sua decisão.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CÂMARA, Epaminondas. A evolução do Catolicismo na Paraíba. Prefeitura Municipal de Campina Grande, Secretaria de Educação. Campina Grande, 2.000 COMBLIN, José. Vocação para a liberdade. Paulus: São Paulo, 1998. Jornal O NORTE. Edição do dia 30/12/1979. Jornal A União. Edição do dia 9 de março de 2007. Reportagem concisa dos jornais O Norte, A União, Correio da Paraíba, Diário da Borborema e O Momento. A Luta de Alagamar (reportagem feita por um repórter anônimo).

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Laura Taddei Alves Pereira Pinto Berquó 1

A Teoria do Indigenato e os Potiguara na Paraíba RESUMO O artigo tem como finalidade fazer uma breve diferenciação do que se denominou Teoria do Indigenato criada a partir de 1680 pela Coroa Portuguesa e a atual recepcionada pela Constituição brasileira de 1988. Busca-se demonstrar a possibilidade de coexistência entre a Teoria do Indigenato e a Teoria do Fato Indígena pelo ordenamento jurídico brasileiro comparando o caso dos Potiguara e outras etnias. Palavras-chave: Teorias; Potiguara; Paraíba.

ABSTRACT The article aims to make a brief distinction of what was called Theory of the Indigenate created in 1680 by the Portuguese Crown, and the current one, observed by the 1988 Brazilian Constitution. It seeks to demonstrate the possibility of coexistence between the Theory of Indigenate and Theory of the Indigenous Fact, by the Brazilian legal system, by comparing the Potiguara case with other ethnic groups. Key words: Theories; Potiguara; Paraíba.

1. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Professora de Direito da Universidade Federal da Paraíba – CAMPUS IV - e do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPE.

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1 – INTRODUÇÃO Este artigo tem o objetivo de discutir sobre a possibilidade de alterar a demarcação do território indígena Potiguara, na Paraíba, sob o enfoque da Teoria do Indigenato, tendo como um dos maiores empecilhos a Portaria nº 303/2012 da Advocacia Geral da União, que proíbe o aumento das áreas territoriais indígenas já demarcadas e reconhece a aplicação da Teoria do Fato Indígena com base na decisão do Supremo Tribunal Federal, que ignorou a Teoria do Indigenato consagrado pelo artigo 231 da Constituição Federal de 1988, ao decidir sobre o caso Raposa Serra do Sol, dos índios Macuxi do estado de Roraima, em conflito com latifundiários que se fixaram na região, antes habitada por essa nação, como demonstram estudos feitos pela antropóloga Manuela Carneiro da Cunha. É necessária uma distinção entre a Teoria do Indigenato prevista no artigo 231 da Constituição Federal, que é o resultado da luta organizada de movimentos indígenas no Brasil e, sobretudo, um dos maiores exemplos de desobediência civil pelo fato de os índios serem tutelados e por não terem conseguido eleger um representante indígena para a Câmara dos Deputados para o período da Constituinte entre 1987 e 1988. A Teoria do Indigenato, recepcionada pela atual Carta Política, não é a mesma Teoria do Indigenato do Alvará Régio de 1º de abril de 1680 nem produto da Era Pombalina, que resultou no Diretório Indígena. As razões de se defender o direito originário dos povos indígenas à posse de suas terras diferem de cada momento histórico, assim como os atores sociais. Igualmente, neste breve trabalho, defende-se a possibilidade de coexistência no ordenamento jurídico brasileiro de ambas as teorias.

2 – A TEORIA DO INDIGENATO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A então denominada Teoria do Indigenato por João Mendes Júnior, no início do Século XX, começou a ser desenvolvida no Brasil a partir do Alvará Régio de 1º de abril de 1680 e encontrou no Marquês de Pombal as razões econômicas e políticas que deram início, principalmente, ao processo assimilacionista do “gentio”, utilizando-se também da Teoria do Indigenato, o que muito difere da Teoria do Indigenato atual, fruto da mobilização das próprias lideranças indígenas na década de 1980. Não há como igualar a Teoria do Indigenato do Século XVII com a atual Teoria do Indigenato recepcionada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, porque os propósitos e os atores sociais que defendem tal instituto, em cada período histórico, são completamente destoantes. Nesse sentido, cita-se a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha: No fim da década de 1970 multiplicam-se organizações não governamentais de apoio aos índios, e no início da década de 1980, pela primeira vez, se organiza um movimento indígena de âmbito nacional. 80

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Essa mobilização explica as grandes novidades obtidas na Constituição de 1988, que abandona as metas e o jargão assimilacionistas e reconhece os direitos originários dos índios, seus direitos históricos, à posse da terra de que foram os primeiros senhores. (CARNEIRO DA CUNHA, 2014, p. 93)

O termo Teoria do Indigenato surgiu em princípios do Século XX e foi criado por João Mendes Júnior, conforme explica o advogado militante da causa indígena no Brasil, Marco Antônio Barbosa: Com base no Alvará Régio de 1º de abril de 1680 e na Lei de 6 de junho de 1755, João Mendes Júnior, no início do Século XX, formulou a teoria brasileira do indigenato. Pelo indigenato, instituído pelo Alvará de 1680, o direito indígena a terra no Brasil é reconhecido como direito especial, absolutamente distinto do direito de quaisquer outros cidadãos, não integrando o sistema relativo aos direitos de posse e de propriedade, previstos pelo Código Civil, mas se constitui em direito autônomo, especial e independente do sistema geral. (BARBOSA: 2007, p. 05)

De acordo com Rodrigo Siqueira Ferreira (2014, p. 89), a UNI coordenou a coleta de assinaturas em todo o país, que resultou na Proposta de Emenda Popular n.º 40, que sofreu forte oposição de grupos de latifundiários, representantes de multinacionais na Constituinte, com o argumento de que o reconhecimento da autodeterminação, a partir do conceito de nação e de direitos territoriais dos povos indígenas, feriria a soberania nacional. Por fim, foi parcialmente recepcionada a Proposta de Emenda Popular n.º 40, que resultou nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Importante frisar que Rodrigo Siqueira Ferreira (2014, p. 88) cita os Potiguara como participantes dos debates do Congresso Nacional, ao longo dos 22 meses em que durou a Constituinte. O discurso entre as diversas nações indígenas foi unificado e contou com o protagonismo da União das Nações Indígenas, fundada em 1980, segundo o mesmo autor. Mas, em que consiste a Teoria do Indigenato prevista no artigo 231 da Constituição Federal de 1988? Segundo o constitucionalista José Afonso da Silva, nada mais fez o legislador constituinte que reconhecer um direito já consagrado pelo Alvará Régio de 1680 e pela Lei de 6 de junho de 1755. Qual, então, o significado de “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”? José Afonso da Silva, citando João Mendes Júnior, informa que (...) o indigenato não se confunde com ocupação, com a mera posse. O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato

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é legítimo por si, “não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ‘ocupação’, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem” (SILVA, 2005, p. 856-857).

Como direito congênito e originário e respeitando o vínculo que o indígena tem com a terra, pode-se dizer, inclusive, que a posse da terra em caráter de ocupação permanente como sendo o espaço de sua ancestralidade e reconhecimento étnico e cultural é uma extensão da personalidade do próprio indígena. O sentido de ocupação tradicional não deve ser confundido com o lapso temporal imposto para se reconhecer a propriedade pelo instituto da prescrição aquisitiva. É no território reconhecido como um direito congênito e originário - ainda que por razões estranhas à sua vontade – aquele povo tivesse que deixar aquele local, aquela terra de seus ancestrais, ritos e que serve como autoidentificação étnica - que permanecem vivas a memória, a língua, as tradições culturais e a espiritualidade. Nesse sentido, deve ser entendida a expressão legal “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.

3 – INTERESSES DIVERSOS ENTRE OS PORTUGUESES DOS SÉCULOS XVII E XVIII E OS DO MOVIMENTO INDÍGENA DO SÉCULO XX NA DEFESA DA TEORIA DO INDIGENATO A preocupação da Coroa Portuguesa em manter os indígenas em suas áreas originais tinha como propósito catequizá-los por meio da Companhia de Jesus. Por essa razão, foi publicado o Alvará Régio de 1º de abril de 1680, para a então Província do Maranhão, cuja preocupação ainda era com a forma de sustento dos religiosos por meio do trabalho, com a finalidade de converter os indígenas para garantir a ocupação dos “sertões” do Brasil, em áreas distantes do território da Colônia. Eu, o Principe, como regente e governador dos Reinos de Portugal e Algarves. Faço saber aos que esse meu Alvará virem que pello muito que convem ao serviço de Deos e meu aplicar todos os meios mais efficases para conversão do gentio do Maranhão, e por justos respeitos que a isso me movem e que moverão aos Senhores Reis meus predesessores a empregarem nessa ocupacão aos relligiosos da Companhia; Houve por bem que elles possão hir somente aquelle Sertão tratar de reduzir a fée descer e domesticar aquelle gentio, e por que para se conseguir obra tanto do serviço de Deos hade ser necesario maior numero de Religiosos do que até agora tinhão n’aquellas Missões assim para penetrar o Sertão como para as residencias que nelle hande ter para cuja sustentação não bastará o que athe agora se lhes dava por conta de minha Fazenda (...) (trecho do Alvará Régio de 1º de abril de 1680). (PERRONE-MOISÉS: 2008)

Ainda não foi formulada a ideia de direito originário e congênito, como recepcio82

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nado pela Constituição Federal de 1988, embora a doutrina nacional tenha entendido que a batizada Teoria do Indigenato não foi revogada, em que pese a Carta Régia de 1798, que revogou o Diretório dos Índios de 1755. Portanto, foi necessária a confirmação, em especial, de juristas militantes da causa indígena, como Marco Antônio Barbosa, para defender a Teoria do Indigenato como sendo a mesma durante esses séculos na história jurídica brasileira, de que se discorda veementemente neste artigo. Será na verdade o Alvará de 1º de abril de 1680, o primeiro reconhecimento legal e explícito, por parte do Estado português, dos direitos territoriais e de autonomia dos povos indígenas brasileiros e é ainda invocado contemporaneamente na defesa de seus direitos, como foi no caso dos índios Guarani, na capital de São Paulo, no qual atuamos na condição de seus advogados, tendo sido integralmente aceita a defesa com base no indigenato pelo juiz, hoje desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antonio Rulli Jr. (...) O poder judiciário paulista, na decisão mencionada, decidiu que “o indigenato foi sempre considerado direito congênito e, portanto, legitimo por si, não se confundindo com a ocupação, com a mera posse. O indigenato é fonte primária e congênita da posse territorial, enquanto que a ocupação é título adquirido... A posse e a propriedade geram direitos para particulares. O indigenato é insuscetível de gerar direitos para os particulares.” Com o Alvará Régio de 1680 e com a Lei de 1755, portanto, foi admitido pelo Estado português haver um direito originário dos índios sobre as terras brasileiras, imprescritível, inderrogável, exclusivo e derrogador de qualquer outro, inclusive dos títulos de sesmarias ou outras formas de concessão feitas pelo Estado. Direito esse não sujeito a nenhum tipo de tributo ou a qualquer tipo de confirmação, ou seja, o título é a própria condição inata de índio. (BARBOSA: 2007, p. 07)

O que houve a partir da década de 1980, considerando a mobilização das diversas nações indígenas, foi muito mais interessante, não só do ponto de vista do protagonismo político, como também da contribuição verdadeira que foi dada para se elaborar a Teoria do Indigenato, como um direito originário e congênito das nações indígenas brasileiras e que muito difere do Diretório dos Índios ou Diretório Pombalino de 1755, que teve como fim não só expulsar os jesuítas do trabalho de “racionalização” do indígena, mas também de cumprir o verdadeiro objetivo da Coroa Portuguesa que, de longe, consistia em reconhecer quaisquer direitos dos povos indígenas sobre seu território. Porém, antes, enxergava o “gentio” como uma possível força braçal de trabalho e um aliado na defesa das fronteiras nacionais. A introdução do dito Diretório confirma tal afirmativa: Sendo Sua Majestade servido pelo Alvará com força de Lei de 7 de Junho de 1755, abolir a administração Temporal, que os Regulares exercitavam nos Índios das Aldeias desse Estado; mandando-as governar pelos seus respectivos Principais, como esses pela lastimosa rusticidade, e ignorância, com que até agora foram educados, não tenham a necessária aptidão, que se requer para o Governo, sem que Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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haja quem os possa dirigir, propondo-lhes não só os meios da civilidade, mas da conveniência, e persuadindo-lhes os próprios ditames da racionalidade, de que viviam privados, para que o referido Alvará tenha a sua devida execução, e se verifiquem as Reais, e piíssimas intenções do dito Senhor, haverá em cada uma das sobreditas Povoações, em quanto os Índios não tiverem capacidade para se governarem, um Diretor, que nomeará o Governador, e Capitão General do Estado, o qual deve ser dotado de bons costumes, zelo, prudência, verdade, ciência da língua, e de todos os mais requisitos necessários para poder dirigir com acerto os referidos índios debaixo das ordens, e determinações seguintes (...)2.

A Teoria do Indigenato, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, tinha como finalidade resguardar a integridade territorial como um direito originário das nações indígenas, de preservar sua herança cultural e de contribuir para que as diversas nações indígenas em solo brasileiro mantivessem vivas as características identitárias, o que era totalmente oposto à ideologia assimilicionista do Diretório Pombalino e das políticas de “proteção” ao indígena desenvolvido ao longo do Século XX, que tinha como objetivo assimilar a cultura e desvencilhar o índio de sua terra. O objetivo do Diretório Pombalino era de garantir a integridade do território da Colônia em proveito da própria Coroa Portuguesa. Assim, os indígenas seriam uma peçachave na defesa desse território, forçando-se seu aldeamento e incentivando-se a miscigenação entre índios e brancos. Além disso, seria aproveitada a mão de obra indígena que, para isso, deveria ser educada por aqueles que se aventurassem na empreitada proposta por “El Rei”. Havia nações indígenas mais difíceis de amoldar a ideia de aldeamento e produção agrícola que os portugueses visavam, como os da Amazônia, na região do Rio Negro, hoje estado do Amazonas. Com essa finalidade, foi publicado o Diretório, que depois se estendeu para o restante da Colônia e foi adotado pela Argentina, conforme Maria Regina Celestino Almeida: A demarcação de fronteiras era uma prioridade e a região Norte foi foco de atenções especiais por parte da metrópole. Não foi à toa que o governador nomeado para o Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, foi o próprio irmão de Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro de d. José I e futuro Marquês de Pombal. Mendonça Furtado seria o responsável pela redação do chamado Diretório dos Índios ou Diretório Pombalino, como se convencionou chamar a nova legislação referente aos índios, que passou a regular a vida e as atividades dos índios aldeados. Proposto inicialmente para a Amazônia, o Diretório seria estendido, no ano seguinte, por todas as regiões da América portuguesa, tendo sido aplicado, inclusive, na América espanhola, por iniciativa do governador de Buenos Aires, que

Lei de 07 de junho de 1755 – Diretório dos Índios ou Pombalino.

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procurou adaptá-la às condições locais (...) Não há como negar que alguns de seus objetivos foram alcançados, dentre os quais se destaca a expansão e a garantia das fronteiras portuguesas com o auxílio dos índios. (...) As contradições presentes no Diretório refletiam as contradições da própria política indigenista e não eram muito diferentes das anteriores que pretendiam valorizar os índios como súditos e ao mesmo tempo mantê-los como força de trabalho básico na região. (ALMEIDA: 2015, p. 178 e 208)

Ressalte-se, porém, que, apesar das incompatibilidades entre os objetivos da Coroa Portuguesa e os anseios das nações indígenas que corajosamente se fizeram presentes na Constituinte de 1987/1988, neste artigo, defende-se o direito originário e congênito das nações indígenas de terem preservado seu território como o espaço próprio de perpetuação de sua memória, de sua ancestralidade e de sua identidade étnica. Essa foi a mesma ideia que inspirou as diversas lideranças indígenas em “não permitir” que esses direitos fossem reconhecidos pelos Constituintes, porquanto são direitos históricos e anteriores ao próprio Estado brasileiro, conforme entende Rodrigo Siqueira Ferreira: Constatada a preexistência desses direitos históricos, aos parlamentares constituintes não caberia estabelece-los. Conforme expresso no artigo 231 da CF/1988, tais direitos foram “reconhecidos”. Portanto, os constituintes não instituíram os direitos originários, pois eles antecedem qualquer ordenamento jurídico. A própria demarcação das terras é ato meramente declaratório e seus limites, do qual independe o exercício dos direitos em si – como a posse permanente e o usufruto exclusivo de patrimônio natural. Segundo Santos Filho, o direito originário é “precedente e superior a qualquer outro que, eventualmente, se possa ter constituído sobre o território dos índios”. A própria Constituição declarou nulos, extintos e sem efeitos jurídicos os atos opostos à ocupação das terras tradicionais pelos povos indígenas. (FERREIRA: 2014, p. 86)

A Teoria do Indigenato, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, é, na verdade, o resultado de uma das maiores mobilizações sociais feitas por grupos étnicos no país, mas que, hoje, não se resgata de forma a dar o crédito necessário ao protagonismo das próprias nações indígenas. Aqui se defende que essa não visibilidade, esse não resgate da atuação indígena se deve aos interesses de latifundiários que estão muito bem amparados pelo Supremo Tribunal Federal, que só reconhece a Teoria do Fato Indígena e da própria União, responsável pela demarcação e pelo reconhecimento de terras indígenas que, estranhamente, não observa o próprio texto constitucional e tenta invisibilizar a militância indígena, para que – acredita-se - o projeto de Estado desenvolvimentista tenha prosseguimento. Entretanto, verifica-se que a atual redação do texto constitucional, no Capítulo “Dos Índios”, resultou diretamente da luta mobilizada das nações indígenas brasileiras. Rodrigo Siqueira Ferreira refere que Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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a constituinte foi instalada no Congresso Nacional no dia 1º/02/1987, dividida em Comissões temáticas e compostas por deputados e senadores eleitos pelo povo chamados de constituintes. Esse debate público garantiu espaço de manifestação aos brasileiros e às brasileiras, aos movimentos sociais e à sociedade civil organizada, após anos de censura e direitos revogados. A participação de grupos historicamente excluídos do processo de político aconteceu na Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. Os Povos Originários não contavam mais com a representação direta entre os constituintes, pois o mandato de Mário Juruna se encerrou em 1987. E dos oito candidatos indígenas a deputado federal nas eleições de 1986, nenhum foi eleito pelo voto popular (...) Sem constituinte eleito, mulheres, guerreiros, lideranças e caciques de diferentes Nações saíram das cinco regiões do país para denunciar abusos e reclamar seus direitos em Brasília (...) Considerando a vigência da legislação que permitia a tutela do índio como incapaz, a articulação do Movimento Indígena de caráter nacional para participação organizada na Constituinte foi um verdadeiro ato de desobediência civil. Os primeiros brasileiros firmaram posição pelo reconhecimento de sua autodeterminação, pela demarcação de suas terras e respeito à sua diversidade e às práticas culturais. (FERREIRA: 2014, p. 88)

Infere-se que não há como tratar a Teoria do Indigenato, expressão criada no Século XX por João Mendes Júnior e adotada pela Constituição Federal de 1988, como a mesma Teoria do Indigenato dos Séculos XVII e XVIII, uma vez que os objetivos, além de diversos, na tentativa de preservar o espaço territorial indígena (nos documentos legais dos Séculos XVII e XVIII buscava-se o aldeamento como forma inclusive do território da Colônia), em nada contribuem para o resgate atual da identidade e da cultura indígenas, haja vista que a política indigenista que vigorou no Brasil, até a década de 1970, era puramente assimilacionista.

4 – POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO SIMULTÂNEA DA TEORIA DO FATO INDÍGENA E DA TEORIA DO INDIGENATO PELO ORDENAMENTO BRASILEIRO A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 129, refere-se à posse de terra por silvícolas que nelas estivessem permanentemente localizados. O mesmo aconteceu na Emenda Constitucional n.º 01/1969, art. 198, que dispunha da “posse permanente”. A partir da Constituição Federal de 1988, foi incluída a expressão “direitos originários” e manteve-se a ideia de ocupação tradicional em caráter permanente. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, caput, trata do resgate da Teoria do Indigenato, e nas Cartas Constitucionais republicanas, a partir de 1934, foi adotada a Teoria do Fato Indígena. No que tange à adoção simultânea no ordenamento jurídico pátrio das Teorias do Indigenato e do Fato Indígena, ambas as teorias podem coexistir pacificamente, toman86

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do como base a própria Petição n.º 3.388 – Roraima. A Teoria do Fato Indígena alcançou os povos não originários dos locais onde exercem posse permanente sobre determinada terra, mas que, quando foi promulgada a Constituição Federal de 1988, já exerciam a posse sobre essas áreas em caráter permanente. Pode-se citar o exemplo de povos indígenas no Brasil, não originários, que foram alcançados pela Teoria do Fato Indígena, como os Galibi-Kali’na, conforme esclarece Lux Vidal: Os galibi-Kali’na do Oiapoque são um povo do tronco Caribe. O senhor Geraldo Lod é o chefe de uma parentela de 30 pessoas Galibi que nos anos 50 migraram, em três canoas à vela, da Guiana Francesa para o Brasil. Originários da rivière Mana, fronteira com o Suriname, eles se instalaram no Brasil, na margem direita do rio Oiapoque, à jusante de SanitGeorges, na aldeia São José, onde permanecem até hoje. (2009, p. 17)

Também não há óbice para a aplicação da Teoria do Indigenato para os povos indígenas, que além do caráter de posse permanente, encontram-se, há séculos, fixados em determinadas terras ou, por alguma razão, tiveram que se ausentar dessas áreas, mas que buscam seu reconhecimento como terras indígenas. São exemplos do primeiro caso os Potiguara, no litoral norte paraibano, e do segundo, os Tabajara, no município do Conde, litoral sul paraibano, organizados atualmente em duas aldeias: Barra de Gramame e Vitória. Ainda existem Tabajara desaldeados pelos municípios do Conde, de Caaporã, João Pessoa (Bairros do Grotão, Mandacaru, Geisel, José Américo e Cristo Redentor), Alhandra e Pitimbu, todos na Paraíba, segundo Luzival Barcellos (2014, p. 29). Ressalte-se, entretanto, que, apesar da possibilidade de coexistência entre essas duas teorias, a Advocacia Geral da União resolveu se posicionar em defesa da Teoria do Fato Indígena, como se verifica na Portaria n.º 303, de 16 de julho de 2012, seguindo a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388 – Roraima). A Portaria determina que os órgãos da Administração Pública Direita e Indireta da União sigam o posicionamento do STF, conforme já havia sido recomendado pelo PARECER nº 153/2010/DENOR/CGU/AGU. Importante ressaltar a passagem da referida Portaria, em que se confirmam a adoção e a defesa da União da Teoria do Fato Indígena (art. 1º, XVI da Portaria/AGU n.º 303/2012), na contramão da Constituição Federal, que defende a Teoria do Indigenato quando impede a ampliação de terra indígena já demarcada (art. 1º, XVII da Portaria/AGU n.º 303/2012). (XVI) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº 6.001/1973) gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns e ou outros”. “(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Em que pese a visibilidade dada a grupos minoritários da sociedade brasileira, a partir da administração petista à frente do Poder Executivo Federal, não há como negar o viés desenvolvimentista das políticas públicas adotadas, cujos maiores expoentes foram o PAC 1 e o PAC 2, que prejudicaram ainda mais os direitos dos povos indígenas no Brasil. O posicionamento da AGU foi um exemplo dessa despreocupação com o direito originário das populações indígenas brasileiras. Ocorre que essa não foi uma decisão inconstitucional do próprio Supremo Tribunal Federal, que “desconheceu” a história da expulsão dos povos indígenas de Roraima, devido à expansão agropecuária e desenvolvimentista incentivada no Regime Militar da década de 1960, que teve o condão de modificar a Constituição Federal em seu artigo 231. Alguns grupos foram mantidos nos seus lugares de origem para que atestassem e defendessem os limites da colonização portuguesa: foram eles responsáveis pelas fronteiras atuais da Amazônia em suas regiões. É o caso dos Macuxi e Wapixana, na Roraima atual , chamados no Século XVIII de “muralhas do sertão”. O Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco fundamentaram na presença desses povos e nas suas relações com os portugueses a reivindicação brasileira na disputa de limites com a então Guiana inglesa, no início desse Século. E há quem venha agora dizer que os Macuxi se instalaram recentemente na área Raposa- Serra do Sol! Do ponto de vista da justiça histórica, é chocante que hoje se conteste a conveniência de grupos indígenas povoarem as fronteiras amazônicas que eles ajudaram a consolidar. (CARNEIRO DA CUNHA: 2014, p. 93)

Caso similar ocorreu com os Guarani-Kaiowá, no estado de Mato Grosso do Sul, que, desde 2005, vêm reivindicando o reconhecimento do direito às terras da qual foram expulsos por latifundiários ainda na década de 1940. O Poder Judiciário reconhece a Teoria do Fato Indígena ao invés da Teoria do Indigenato também no caso dos Guarani -Kaiowá, de acordo com uma reportagem de Marcelo Pellegrini. A Teoria do Fato Indígena aplica-se a povos não originários, mas que se apossaram da terra antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Nos casos em que os povos originários ou cuja memória seja anterior ao próprio Alvará Régio de 1º de abril de 1680 ou, ainda, anterior aos atuais fazendeiros e latifundiários das terras em questão, deve-se reconhecer a Teoria do Indigenato.

5 – O CASO ESPECÍFICO DOS POTIGUARA NA PARAÍBA Atualmente, a população indígena potiguara é representada, na Paraíba, por, aproximadamente, 19 mil pessoas que vivem em 32 aldeias. Porém existe mais uma aldeia em processo de reconhecimento. Segundo o etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba, eles são o único povo indígena que vive no mesmo local desde a chegada dos portugueses no Século XVI. 88

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Os Potiguara, provavelmente, são os únicos dentre os povos indígenas situados no Brasil a viver no mesmo lugar desde a chegada dos colonizadores há 500 anos. A bibliografia e os documentos sobre a história do atual do Estado da Paraíba evidenciam, desde as mais remotas após o descobrimento do Brasil, à presença dos Potiguara no litoral paraibano e, mais notadamente, na Baía da Traição. (CARDOSO et alli: 2012, p. 15)

O etnomapeamento também traz informações de que a extensão de terras indígenas atualmente demarcadas do território potiguara é de 33.757 hectares e compreende os municípios paraibanos de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Com uma população de aproximadamente 19 mil indígenas entre habitantes das aldeias e das cidades de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto, os Potiguara se concentram numa área do litoral norte paraibano situada entre os rios Camaratuba e Mamanguape (...) O conjunto de aldeias constituem três Terras Indígenas (Tis) contíguas perfazendo um total de 33.757 hectares. A Tis Potiguara (população de 8.109 pessoas), a TI jacaré de São Domingos (população de 449 pessoas) e a TI Potiguara de Monte Mor (população de 4.447 pessoas). (CARDOSO et alli: 2012, p. 15)

Entrementes, a área originalmente ocupada pelos Potiguara na Paraíba era bem maior, uma vez que o território original se estendia desde o Rio “Manguape” (Mamanguape) até as serras de Copaoba (contraforte da serra da Borborema nas imediações do município de Serra da Raiz, já na mesorregião do Brejo paraibano) conforme a obra anônima O Sumário das Armadas ou História da Conquista da Paraíba que data do Século XVI. O território originário dos Potiguara, na antiga Capitania de Itamaracá (ou ‘negros pitiguara’ ou ‘gentio petiguar’, como são chamados pelos portugueses), iniciou-se no atual município de Mamanguape e estendeu na direção do litoral norte até o município da Baía da Traição. A oeste, estendia-se até o atual município de Serra da Raiz, passando pela lógica por parte dos atuais municípios de Mamanguape, Jacaraú, Pedro Régis, Lagoa de Dentro e Duas Estradas (municípios que devem ser percorridos até se chegar ao atual município de Serra da Raiz). Com a restrição imposta pela própria União de ampliação de terras indígenas já demarcadas, os Potiguara tiveram dificuldade de recobrar o território original, embora a Teoria do Indigenato fosse constitucionalmente reconhecida. A história dos Potiguara se assemelha à dos Guarani-Kaiowá, dos Macuxi, dos próprios Tabajara e de muitos outros povos indígenas que foram expulsos de suas terras. No caso dos Potiguara, a expulsão se acentuou mais ainda a partir da década de 1920, com a vinda da família sueca Ludgren, que ocupou, com atividades da indústria têxtil, áreas que se estendiam do município de Paulista, no litoral norte pernambucano, até o atual município de Rio Tinto, no litoral norte paraibano. Os Ludgren também foram Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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responsáveis pela expulsão dos Tabajara nos municípios do litoral sul paraibano que causou o desaldeamento da população tabajarina ainda na década de 1940. As terras dos Potiguara, em sua história mais recente, foram ocupadas por grandes proprietários, dentre eles a poderosa família Ludgren, donos da Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT), conhecida no Brasil inteiro por meio da cadeia de lojas “Casas Pernambucanas”, acelerando o processo de invasão do território indígena e destruição dos ambientes. A fábrica de tecidos se instalou às margens do rio Mamanguape, limite sul do atual território indígena. Em 1918, iniciaram a drenagem e canalização das águas de uma lagoa ali existente, derrubaram a mata e abriram os primeiros caminhos. No final de 1925 a Companhia começou a funcionar tendo se apropriado de grande parte do território indígena. Ela passa a atrair mão-de-obra empregando muitos potiguaras na construção de roçados e na abertura e conservação de estradas e caminhos. A Companhia Rio Tinto invadiu enormes extensões de área indígena, principalmente para cortar madeira de lei para a construção da fábrica, e de lenha para alimentar suas máquinas. Grande parte da madeira das matas, hoje quase inexistentes, começou a ser sobre-explorada na época da Companhia. A época da chegada da fábrica de tecidos é lembrada como um período de muita violência e terror. Os índios eram expulsos de suas terras e os que resistiam eram reprimidos com violência pelos funcionários da empresa. As roças eram destruídas e o acesso aos recursos ambientais foi restringido, como rememoram os mais velhos. (CARDOSO et alli: 2012, p. 16)

Ainda segundo o etnomapeamento, apesar da luta que marcou o início da década de 1980, no Brasil, pelo reconhecimento da área original realizada por povos indígenas, que culminou com a recepção da Teoria do Indigenato pela Constituição Federal de 1988, a Companhia de Tecidos Rio Tinto, pertencente aos Ludgren, permaneceu em território indígena. Na década de 80, quando a área indígena Potiguara veio a ser demarcada, foram excluídos 250 hectares reservados à expansão da cidade. Apesar de tudo, a relação entre os Potiguara e a cidade da Baía da Traição sempre foi pacífica, haja vista que a cidade também faz parte do histórico de habitar de muitas pessoas (...) Finalmente nos anos de 1983 e 1984, o trabalho de demarcação da área era concluído, delimitando um território de 21.238 ha. Tal demarcação exclui a antiga sesmaria de Monte-Mor, onde havia “propriedades” da Cia de Tecidos Rio Tinto e de algumas usinas. Também outras localidades habitadas pelos Potiguara como Lagoa Grande e Grupiúna ficaram de fora, bem como a cidade de Baía de Traição e área reservada do manguezal do Rio Mamanguape. (CARDOSO et alli: 2012, p. 17)

Conclui-se que, assim como as nações indígenas Macuxi e Garani-Kaiowá, apenas para citar as duas em mais evidência na luta atual pelo reconhecimento territorial 90

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indígena, e o não reconhecimento de seus direitos pelo Poder Judiciário brasileiro e pela própria União, que defendem a aplicação da Teoria do Fato Indígena, os Potiguara foram vítimas do mesmo tipo de violência, aproximadamente, no mesmo período histórico, isto é, primeira metade do Século XX. No caso específico dos Potiguara, havia já instalada uma disputa territorial contra “proprietários de terras” em terras indígenas, como no caso da família de João Dantas (adversário do ex-Presidente da Paraíba, João Pessoa). Atualmente, é fácil dizer que as nações indígenas esbulhadas em suas terras a nada teriam direito, caso ali não estivessem na posse direta da terra antes de 1988, conforme a Teoria do Fato Indígena. Assim, o Estado brasileiro despiu-se da responsabilidade de se omitir na defesa dos direitos indígenas porque era uma atitude própria da Coroa Portuguesa e da República brasileira adotarem a política assimilacionista imposta ao gentio, cuja maior porta-voz dessa política foi a criação do Serviço de Proteção ao Índio em 1911.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da possibilidade de coexistência entre a Teoria do Indigenato e a Teoria do Fato Indígena pelo ordenamento jurídico brasileiro, o Estado brasileiro exclui a efetiva aplicação da Teoria do Indigenato e impede, inclusive, novas redefinições territoriais de terras indígenas já demarcadas, o que, no caso específico da Paraíba, não só prejudica a possibilidade de se revisar a extensão territorial dos Potiguara como também atrapalha a luta pelo reconhecimento dos direitos originários dos Tabajara. Na Paraíba, o processo de esbulho e de violência pelo qual passaram os Tabajara e os Potiguara, com o apoio do próprio Estado, por meio de políticas assimilacionistas, foi a característica primordial para que várias nações indígenas fossem deslocadas de suas terras de origem, tendo como principais algozes os latifundiários e os industriais, como ocorreu com outras etnias indígenas. Atualmente, com a política desenvolvimentista do Governo brasileiro e o interesse de latifundiários em terras originalmente indígenas, não existe logicamente o interesse em dar visibilidade ao protagonismo dos movimentos sociais indígenas na luta pela reconquista de seu território como extensão de um direito da personalidade desses povos, que poderão continuar com sua identidade étnica e cultural. Reconhecer somente a adoção da Teoria do Fato Indígena, conforme se verifica na Portaria AGU n.º 303, de 16 de julho de 2012, após décadas de políticas assimilacionistas incentivadas pelo Estado brasileiro, e fazer “vista grossa” para as violações de direitos desses povos por latifundiários é o mesmo que afrontar o princípio geral de direito, que determina que “a ninguém é lícito se beneficiar da própria torpeza”. O Estado brasileiro colaborou para a violação dos direitos dos povos indígenas e, hoje, aponta a saída forçada desses povos de seus territórios originários como a principal causa de não terem direitos sobre a terra ancestral reconhecida. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Com as lutas organizadas e verificadas a partir da década de 1980 e o protagonismo indígena na Constituinte de 1987/1988, não se pode querer comparar a Teoria do Indigenato recepcionada pela Carta de 1988 com a mesma ideia contida nos documentos oficiais da Coroa Portuguesa de 1680 e de 1755, porquanto o objetivo de manter o indígena em suas terras ou nos aldeamentos criados pelo Diretório Pombalino não tem a mesma intenção dos povos indígenas que estiveram presentes nas discussões durante os 22 meses em que durou a Constituinte.

7 – REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Regina Celestino. “Política indigenista e políticas no tempo das reformas pombalinas”. Maria Regina Celestino Almeida in: A “Época Pombalina” no mundo luso-brasileiro. Organizadores: Francisco Falcon e Cláudia Rodrigues, FGV Editora Rio de Janeiro, 2015. ANÔNIMO. História da conquista da Paraíba. Brasília: Senado Federal, 2006. BARBOSA, Marco Antônio. Os povos indígenas e as organizações internacionais: instituto do indigenato no direito brasileiro e autodeterminação dos povos indígenas. In: Revista Eletrônica História em Reflexão: vol. 1, n.º 2 – UFGD – Dourados Jul/Dez 2007. BARCELLOS, Lusival. Os indígenas da Paraíba. In: Diversidade Paraíba. João Pessoa: Editora Grafset, 2014. BRASIL. Diretório dos Índios. Lei nº de 06 de junho de 1755. _____. Advocacia Geral da União. Portaria n.º 303, de 16 de julho de 2012. CARDOSO, Thiago Mota; GUIMARÃES, Gabriella Casimiro (Orgs.). Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba. Brasília: FUNAI/CGMT/CGETNO/CGGAM, 2012 (Série Experiências Indígenas, n. 2). CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Terras indígenas, in Mari yé bó eshé. Organizadores: Frank Coe, Joe Marçal, Wilma Mendonça e Álvaro Tukano. 2 ed. Karioka, Porto Alegre, 2014. FERREIRA, Rodrigo Siqueira. Vinte e cinco anos de cidadania e direitos constitucionais. O Movimento Indígena da luta por autodeterminação na Constituinte (1987/88) ao embate político no Congresso Nacional contra as tentativas de redução dos direitos originários sobre as terras. In: Mari yé bó eshé. Organizadores: Frank Coe, Joe Marçal, Wilma Mendonça e Álvaro Tukano. 2 ed. Karioka, Porto Alegre, 2014. PELLEGRINI, Marcelo. In: http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/mais-umcapitulo-sangrento-da-saga-guarani-kaiowa-6501.html. Marcelo Pellegrini – publicado em 03/09/2015 17 h 04 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Inventário da legislação indigenista 1500-1800, in Manuela Carneiro da Cunha (org.), “História dos índios do Brasil”, São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 92

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QUEIROZ, Paulo Eduardo Cirino de. A Construção da Teoria do Indigenato: do Brasil colonial à Constituição Republicana de 1988. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. VIDAL, Lux Boelitz. MUSEU DO ÍNDIO – IEPÉ – Povos indígenas do baixo Oiapoque. O encontro das águas, o encruzo dos saberes e a arte de viver. 2 ed, 2009.

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Sônia Maria van Dijck Lima 1

Joana: pernambucana e universal

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Para Leda Alves, nos 100 anos de Hermilo, agradecendo pelo apoio, pela colaboração e pela confiança que concedeu ao meu trabalho de pesquisa.

RESUMO Após rápida apresentação de Hermilo Borba Filho, comento A Donzela Joana, destacando sua construção hipertextual, que se movimenta no espaço que recorre tanto à cultura erudita quanto à cultura popular do Nordeste brasileiro. Palavras-chave: Teatro; Cultura popular; Memória.

ABSTRACT After a short introduction on Hermilo Borba Filho, his play A Donzela Joana (Lady Joana) is discussed, highlighting its hypertextual construction, which moves around in the environment that resorts to both Brazilian Northeast erudite and popular culture. Keywords: Theater; popular culture; memory.

1. Professora aposentada do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - CCHLA/UFPB. Doutora em Letras (USP, 1989). 2. Para este texto, retomo considerações publicadas em LIMA, 1986 e 1993.

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Hermilo Borba de Carvalho Filho, que nasceu no Engenho Verde, município de Palmares, zona da mata sul de Pernambuco, em 8 de julho de 1917, apresentava-se assim: ... descendente de uma já então decadente casta açucareira; dos tempos da opulência, ouvindo apenas as estórias contadas, às vezes com alegria, às vezes comicamente, outras com tristeza, sempre melancólicas, pelos que faziam a minha família. (BORBA FILHO, 10 jul. 1976, p. 8).

Como conquistou muitos amigos e admiradores, não seria fácil colher tantas opiniões a seu respeito. Seleciono, então, a de Eduardo D’Amorim, que espelha a de inúmeros outros, a fim de apresentar nosso autor: ... percebo em Hermilo um educador socrático. Extremamente culto, e com grande capacidade de ler o mundo. Hermilo fazia questão de passar aos outros sua riqueza adquirida com o estudo e a vida. Mas fazia isso com imensa acuidade democrática, respeitando o ritmo de seu educando ou parceiro. Apaixonado pelo que fazia, irradiava essa paixão sendo ele mesmo um sedutor, não deixando indiferentes aqueles que com ele entravam em contato. Outra sua característica: era um ser que transpirava humanidade. Tudo o que era humano parecia não ser desconhecido por ele. Falava simples, valorizava as coisas simples, tendo ainda a paciência de explicar o que, eventualmente, não fosse entendido pelo ouvinte ou aprendente. (D’AMORIM, 2007, p. 130)

Hermilo, em sua trajetória, acumulou uma cultura erudita, sem abandonar o espaço da feira, com seus poetas e cantadores, que lhe legaram forte compromisso com a cultura popular e com o universo mágico da gente nordestina. Com essa bagagem, escolheu o ofício de criar mundos e povoá-los com criaturas felizes, desesperadas, que amam, odeiam, sofrem, lutam, morrem e ainda continuam defendendo seus projetos de vida cada vez que abrimos um de seus textos.

Hermilo, o amigo que não conheci Falar sobre Hermilo Borba Filho não é tarefa simples. Dotado de forte carisma e vocacionado para a liderança, cultivava espírito político e esteve em sintonia com seu tempo, colocando-se contra a ditadura militar. Agitador cultural por natureza, seu nome esteve presente em diversos movimentos culturais renovadores. Polígrafo, deixou vasta obra na dramaturgia, na narrativa, na crônica, em estudos sobre teatro, em pesquisas da cultura popular regional e na tradução. Mas, sempre viu no teatro sua oportunidade de interferir culturalmente na História e dar voz, corpo e movimento às angústias humanas. Não conheci Hermilo, sujeito bem falante e amante de boa conversa, mas o encontrei vibrante de opiniões em entrevistas e depoimentos e cheio de ideias em textos Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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teóricos. Sem saída, e só para dialogar com ele, ofereci-me como sua amiga pesquisadora e crítica, nos idos de 1976, quando me preparava para o Mestrado iniciado em 19773. Como amiga pesquisadora e crítica, falo de Hermilo Borba Filho, para celebrar os 100 anos de um escritor que deixou uma obra que continua valendo a pena ser lida e investigada criticamente – e assim continuará.

Só para lembrar os caminhos de Hermilo Atraído pelo tablado, ainda estudante de ginásio, entrou, em 1932, para a Sociedade de Cultura de Palmares, que levava peças para o Teatro Cinema Apolo e que, hoje, restaurado, é a Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho4. Começou como ponto, depois foi ator e estreou como autor, em 1935, com A felicidade. Disse nosso autor: “Eu, toda a minha vida, quis ser dramaturgo. Mesmo aos 16, 17 anos, escrevi umas peças que eram umas porcarias” (BORBA FILHO, ibid.). Em 1936, foi morar em Recife e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Recife. Iniciou-se no Jornalismo como crítico de teatro e, logo, ampliou o exercício para a crítica literária e a publicação de crônicas e de contos. Seu primeiro conto, “As pernas daquela moça”, saiu na Revista Renovação, em 19415. Cheio de ideias a respeito da arte dramática, da valorização da cultura regional e do autor nordestino, inventou espaços para maturar e ampliar suas concepções. Em 1943, criou o Teatro Operário de Recife, do qual foi diretor, e, em 1946, assumiu a retomada do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). Para a empreitada, reuniu Ariano Suassuna, Gastão de Holanda, Lula Cardoso Ayres e Capiba. No repertório, autores como Sófocles, Tchecov, Shakespeare, Ibsen, Garcia Lorca, o próprio Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna, que falou de seu batismo no mundo de Dioniso: Nós nos encontramos, pela primeira vez, quando entramos ambos para a Faculdade de Direito, no ano de 1946. Ali teria início, sob a liderança dele, o importante movimento do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). Nós íamos para a faculdade pela manhã, mas a universidade onde realmente se fazia a nossa verdadeira formação era a casa de Hermilo, na Rua do Capim, casa onde, à noite, nos reuníamos até altas horas, conversando, concordando e discordando, brigando e ensinando. Hermilo, que acreditava demais em mim, metia-me na mão, quase à força, os livros que achava que ajudariam na minha caminhada. Foi ele quem praticamente me intimou a escrever a primeira peça de teatro. (SUASSUNA, 14 jun. 1976, p. 15)

3. Jovem professora da Universidade Federal de Sergipe, procurava um autor que não tivesse sido estudado na Academia para ser objeto de meu futuro trabalho de grau. O Professor João Costa, colega de Departamento, surpreendeu-me emprestando-me a obra completa de HBF, em maio de 1976. Então, encontrei o autor que estudaria nos próximos muitos anos. 4. Palmares (Pernambuco). 5. As pernas daquela moça. Renovação, Recife, ano 3, n. 3 jun. 1941, p. 20-21 e 25. Número especial sobre o 1º Congresso de Poesia de Recife. Arq. HBF.

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Em 1952, encerraram-se as atividades do TEP, e Hermilo mudou-se para São Paulo, onde trabalhou para a Revista Visão, e foi colaborador do cineasta Alberto Cavalcanti. A crítica de teatro da Última hora e do Correio paulistano, tinha sua assinatura. No teatro, dirigiu grupos de renome, como a Companhia Nydia Lícia-Sérgio Cardoso e a Companhia Cacilda Becker, entre outros. Foi sua a direção de A Compadecida (Auto da Compadecida), de Ariano Suassuna, no Festival Nacional de Teatro, em 1957. Na década de 50, suas peças estiveram em cartaz no Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Duse, de Paschoal Carlos Magno. De volta ao Nordeste, em 1958, para lecionar no Curso de Teatro da Universidade de Recife, não tardou a arregimentar antigos e novos companheiros: Ariano Suassuna, entre os primeiros, e Aldomar Conrado e Leda Alves, entre os recentes; com eles e mais alguns outros, fundou o Teatro Popular do Nordeste (TPN). Em atuação até 1975, quando Hermilo não tinha mais saúde para as emoções da ribalta, o TPN aprofundou a experiência do TEP: fazia-se teatro, pesquisavam-se espetáculos populares regionais, faziam-se talhas, vendia-se licor. Aprendia-se política, participava-se da resistência à ditadura militar, vivia-se companheirismo. Estudavam-se e montavam-se autores como Gogol, Antônio José, o Judeu, Ariano Suassuna, Osman Lins e Dias Gomes. Ninguém melhor para falar da vida do TPN do que Leda Alves6, que lembra assim a intensidade de vivências na Avenida Conde da Boa Vista, depois do golpe militar de 1964: O TPN aluga um casarão antigo na Avenida Conde da Boa Vista, onde viveu sua etapa gloriosa: era púlpito, trincheira, festa, lazer, um bar com muita comida gostosa, muita música, muita dança, mas era, sobretudo, resistência cultural. E Hermilo era a grande luz de todos nós. Tanto ele era forte na boemia como na conversa diária: avaliando a situação, nos informando das coisas graves que denunciávamos durante os espetáculos. (ALVES, 2007, p. 132)

O incansável Hermilo encontrava disposição para participar, ao lado de Paulo Freire, do Movimento de Cultura Popular e para criar o Teatro de Arena de Recife, junto com Alfredo de Oliveira.

Um pouco de Hermilo dramaturgo Combatente de um teatro do Nordeste, Hermilo não defendia o exclusivismo regionalista e entendia que, para atingir uma expressão universal, devem ser transfigurados os problemas que afligem a humanidade. Suas primeiras peças que tomaram a forma de livro - Electra no circo (1944), João Sem Terra (1947) e A barca de ouro (1949) - além do

6. Leocádia de batismo, Leda Alves, Leda de Hermilo ou Leo, na intimidade do casal, é atriz, companheira, cúmplice, esposa de HBF, a mulher amada. 7. Essas três peças foram reunidas em Teatro, Electra no circo, João sem terra e A barca de ouro. Recife: Edições TEP, 1952.

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cunho trágico, têm em comum a sondagem da condição humana7. No Auto da mula-de -padre, peça de 1948, explorou o pensamento mágico popular, retomando as histórias de assombração que circulam de boca em boca. Depois de Um paroquiano inevitável (1965), na qual o grotesco domina a representação, escreveu A Donzela Joana (1966), com o motivo de expulsar os holandeses de Pernambuco, e transferiu para o Nordeste os feitos da donzela de Orléans: recriada moça humilde do interior de Pernambuco, que tinha a missão de expulsar os holandeses, libertar Olinda e coroar João Fernandes Vieira. Ora, se isso aconteceu na França, por que não poderia acontecer por aqui? Em sua última peça, Sobrados e mocambos: uma peça segundo sugestões de Gilberto Freyre nem sempre seguidas pelo autor (1972), temos em cena a realidade histórica e cultural nordestina7.

GUERREIRA FRANCESA, PERNAMBUCANA, UNIVERSAL Hermilo acreditava que, no Nordeste, existiam muitas histórias heroicas, passionais, líricas, esperando que os dramaturgos lhes deem vida e as apresentem ao público. Entre as histórias heroicas, está a luta travada contra os holandeses estabelecidos em Pernambuco. Essa é a temática de A Donzela Joana. Fruto de leituras, de pesquisas e de amadurecimento, A Donzela Joana, ao mesmo tempo em que retoma a presença dos holandeses em Pernambuco e a luta por sua expulsão, transfere para o Nordeste os feitos da donzela de Orléans. O texto foi escrito em plena experiência do Teatro Popular do Nordeste, por isso apresenta conteúdos da cultura nordestina de maneira radical. Assim, apontar a luta entre pernambucanos e holandeses como um assunto dessa obra e constatar a introdução de Joana d’Arc nas hostes libertadoras é muito pouco. Na verdade, como declarou o autor, A Donzela Joana resulta de uma vida em contato com os espetáculos, os folguedos e a literatura do povo da região: bumba meu boi, mamulengo, pastoril, romanceiro e cancioneiro. Ele mesmo esclareceu: Tudo o que de dramático e técnico existe nesses espetáculos foi aplicado a minha peça: anti-ilusionismo, arbitrariedade, desrespeito às unidades e à verossimilhança – não de maneira forçada ou proposital, mas como resultado da integração com o espírito dramático de uma região, por consequência com ressonâncias universais. (BORBA FILHO, 1966, “orelha”)

Vale salientar que Hermilo Borba Filho não excluía de sua criação artística seus ângulos de tradutor, de pesquisador e, principalmente, de leitor contumaz. Os documentos de seu arquivo, que mostram fases preparatórias da escritura de suas obras, atestam que o autor-pesquisador presidia a atividade do autor-“scriptor”8. Nesse arquivo, 7. HBF ainda escreveu as peças: O vento do mundo (1948), As moscas (1960) e A cabra-cabriola (1948). Esses textos mimeografados estão conservados no Arq. HBF. Para ter informação completa sobre a dramaturgia hermiliana, consulte-se Hermilo Borba Filho. Sua trajetória no teatro. ALVES; REIS (org.), 2007, p. 15-23. 8. Autor-“scriptor”: terminologia cunhada pelos pesquisadores do ITEM/CNRS – Paris.

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há documentos que revelam, por exemplo, a preparação do trabalho de composição d’A Donzela Joana. Ele consultou uma bibliografia literária e histórica. Em uma das pastas com documentos relativos à Donzela, encontramos esboços da peça, incluindo o roteiro do espaço para desenvolver o conflito a ser representado, dados sobre o aproveitamento de manifestações da cultura popular e cópias de trechos de vários autores, como Érico Veríssimo (A vida de Joana d’Arc), Schiller (A donzela de Orléans), Paul Claudel (Jeanne d’Arc au bûcher), Bernard Shaw (Santa Joana), Jean Anouilh (L’alouette), Bernard Gui (Manual do inquisidor), António José Saraiva (A inquisição portuguesa), Régine Pernoud (Vida e morte de Joana d’Arc), C. R. Boxer (Os holandeses no Brasil) e Frei Manoel Calado (O valeroso Lucideno e o triunfo da liberdade)9. Além dessa pasta, o arquivo guarda outra com a primeira versão d’A Donzela Joana, em 190 folhas datilografadas. Há, ainda, dois exemplares encadernados do texto acabado. Não se espere encontrar na obra a reconstituição fiel da História. A guerra contra os holandeses é o motivo para a exploração de ações heroicas. Que ninguém se espante com Joana d’Arc em cenário brasileiro. A ação acontece na dimensão do que poderia ter acontecido no Nordeste – afinal, aconteceu na França, mas poderia ter sido em Pernambuco... bem que poderia. .Fernando Teixeira10, primeiro diretor a montar, em 1978, A Donzela Joana, captou inteiramente a concepção hermiliana: Ela [A Donzela Joana] se constitui de uma fusão maravilhosa entre o pastoril, reisado, cavalo marinho, maracatu, mamulengos: todos vão surgindo, se envolvendo, criando suas ligações dramáticas e, logo, o clima desejado pelo autor. A colocação da heroína francesa Joana D’Arc dentro da realidade nordestina e dos problemas da época, liga-se ao tempo da presença holandesa no nordeste brasileiro, de onde ela se lança ao espaço e ao tempo, colocando-se diante de nós atualíssima como aqueles seres da resistência transcendental que surgem quando não há outra saída. (TEIXEIRA, 2007, p. 116) Como se pode constatar, a ambiência nordestina impõe-se como resultado do jogo com o arbitrário. Convivem, por exemplo, no mesmo plano: personagens como Joana e Vieirinha; bonecos saídos do mundo do mamulengo, como Benedito, Cabo 70, João Redondo, Cassimicoco e Balula; figuras do bumba meu boi, como a Cantadeira, o Caboclo do Arco e o Morto-carregando-o-vivo; as Pastoras vindas do pastoril e uma multidão de outras criaturas que habitam as criações populares, além de São Miguel, uma das vozes ouvidas por Joana, que não pode faltar como advogado no combate contra as forças do mal e líder da guerra contra Satã, guardião que é da porta do Paraíso; e ainda Santa Catarina, que também fala a Joana e se revelou sábia em sua argumentação em discurso simples diante dos pretensos sábios enviados pelo imperador para convencê-la a negar sua fé cristã. 9. Todos os trechos copiados estão em português. 10. Até a presente data, Fernando Teixeira foi o único a montar A Donzela. Seu espetáculo, em 1978, foi realizado na Divisão de Teatro Universitário da UFPB, em João Pessoa (PB – Brasil). Em 1979, no Projeto Mambembão, ele levou a peça para o Teatro Glauce Rocha, no Rio de Janeiro (RJ - Brasil).

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Os nomes atribuídos aos representantes da Igreja foram encontrados também na cultura regional; é o caso, por exemplo, de Penico Branco, um dos doutores da Igreja, e Frei Recombelo, designações de personagens do bumba meu boi. Fica evidente a atitude sarcástica do texto em relação a essas dignidades eclesiásticas a partir de seu batismo; o bispo intrigante foi nomeado como Dom Barrão, criação que ecoa o nome do bispo de Beauvais, Pierre Cauchon, cuja sonoridade pode sugerir exercício grotesco com cochon (= porco, em francês), e jogo com a polissemia11. Já o conquistador holandês teve seu nome sugerido por sua origem, e adequado ao gosto popular: Vão Chope. As falas das personagens, de um lado, foram compostas tendo em vista os fatos apresentados e, de outro lado, adquiridas dos textos do pastoril, do mamulengo etc. Por vezes, a utilização do texto popular resulta em episódio completo da peça hermiliana, como sucede com a cena em que Mestre Barbeiro e Mestre Macêbaro fazem a toilette de Vieirinha (p. 34-39) emprestada do bumba meu boi. Mas, n’A Donzela Joana, há espaço também para os Salmos 22 e 129. O efeito dessa multiplicidade de discursos revela uma cultura, em uma concepção teatral, cujos componentes se integram no exercício hipertextual12 para construir um universo singular, capaz de refletir o real. A Joana de Hermilo Borba Filho é moça humilde da zona do rio Una, interior de Pernambuco. Eleita para a missão de libertar Olinda e coroar João Fernandes Vieira/ Vieirinha, fala com a sabedoria do povo: ... quando o rico geme, o pobre é quem sente a dor (p. 14) Em situação exemplar, a donzela guerreira afirma o dogma da virgindade de Maria, conforme a expressão metafórica do saber popular: CARA DE RATO Como é que foi que Maria deu à luz, ficou donzela? JOANA Como o sol numa vidraça entra e sai sem tocar nela, assim a Virgem Maria deu à luz, ficou donzela (p. 54).13

11. Segundo CALDAS AULETE, Dicionário da Língua Portuguesa, 5ª ed. bras., Rio de Janeiro: Delta, 1964, barrão significa “nome de homem que vem trabalhar na cidade, não sendo dela habitante ou natural. Homem grosseiro, labrego.” A palavra é variante de varrão, que quer dizer “porco que não é castrado.” – V, p. 512 e 4172, v. 1 e 5, respectivamente. 12. Sobre os conceitos de transtextaul e hipertextual, veja-se GENETTE, 1982.

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Sua arguição pelos sábios da Igreja coloca em cena não a complexidade de verdades teológicas pronunciadas em discurso hermético, mas a simplicidade do conhecimento do povo, nem por isso menos verdadeira. Inquirida por Cancão de Fogo, deve solucionar uma adivinha: CANCÃO DE FOGO Mas o que é, o que é: somos diversos irmãos, morando num arruado, quando um de nós erra a casa, todos nós vamos errados? JOANA É botão, Doutor Cancão (p. 55). Vejamos como exprime a fé em um só Deus: PENICO BRANCO Muito bem, Donzela Joana, já vejo que sabe ler; pelo ponto que estou vendo inda é capaz de dizer o que é que neste mundo o homem vê e Deus não vê. JOANA Meu doutor, os seus dizeres eu não troco pelos meus: o homem vê outro homem, mas Deus não vê outro Deus. (p. 55) A continuação do interrogatório faz-se como um desafio entre cantadores:

13. Leodegário Amarante de Azevedo Filho refere-se ao “Hortulus” medieval e encontra em Anchieta: “Ut Sol, subtili penetras specularia luce,/ Illaeso radiana itque reditque vitro:/ Egreditur porta princeps sublimis eoa,/ Limina, signatae nec patuere fores.” O mesmo pesquisador cita na cultura popular: “No ventre da Virgem Mãe/ Encarnou a divina graça./ Entrou e saiu por ela/ Como o sol pela vidraça.” E mais: “No ventre da Virgem Pura/ Entrou a divina graça./Como entrou também saiu./ Como o sol pela vidraça.” “O sol passou pelo vidro/ E o vidro não se quebrou./ É como a Virgem Maria/ Que parindo não pecou.” O estudioso ainda cita: “O sol travessô vidraça/ Sem tocar nem batê nela./ Assim a Virgem Maria/ Pariu e ficou donzela.” A obra de Anchieta e a literatura novilatina em Portugal. Rio de Janeiro, 1985, p. 12-13. Edição do autor.

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PENICO BRANCO Vou fazer-lhe outra pergunta, tome nota do recado: quero que você me diga o que é mal-empregado. JOANA Doutor, eu vou lhe dizer o que é “mal-empregado”: é uma moça bonita casar com rapaz safado; é um vaqueiro ruim num cavalo bom de gado; paletó de pano fino num corpo mal amanhado; é um cabra preguiçoso abrir um grande roçado: abre, planta e não o limpa, perde o legume plantado. Disso tudo é que se diz: Ô, meu Deus, mal-empregado! (p. 56) Escrita numa fase crítica da História brasileira, A Donzela Joana, ao transportar para nosso país a experiência da santa guerreira, vítima da política dos poderosos, aponta para uma proposta de resistência e fé na vitória conquistada, na luta pela restauração da verdade e dos direitos da cidadania.

Para fechar o pano Estabelecendo um profundo diálogo entre o erudito e o popular, entre o regional e o universal, entre o profano e o sagrado, com um toque de riso (amargo, diante do destino da Donzela), Hermilo Borba Filho frequentou, sem reservas, o espaço transtextual e fez da francesa uma pernambucana que encarna e pronuncia o sonho universal de liberdade, em atitude de fé inquebrantável. Disse Hermilo Borba Filho: “Afinal de contas, que é a história da literatura senão um legado de influências, uns influenciando os outros e indicando caminhos?” (BORBA FILHO, s.d.). Hermilo Borba Filho, que não chegou a ver a peça encenada, sonhou com Leda Alves no papel da donzela. Teria sido talentosa e bela guerreira. Coube a Fernando Teixeira o privilégio de encarar o desafio d’A Donzela, vivida com propriedade por Geralda Diniz e, depois, por Clizenit Assis. 102

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Elza Regis de Oliveira 1

A primeira e a segunda era das máquinas RESUMO Esse trabalho tem por objetivo explicar a primeira era das máquinas, que foi mecânica com a revolução industrial, e a segunda tecnológica e digital. No decorrer do mesmo procuramos relacionar os acontecimentos das duas eras, com destaque para a era tecnológica e digital, cujas conquistas têm sido surpreendentes: “carros que dirigem sozinhos, robôs humanoides úteis sistema de reconhecimento e síntese de fala, impressoras 3D”, serviços financeiros de bancos, fotos digitais, supercomputador Waston da IBM, computadores quânticos, que podem superar os supercomputadores da atualidade etc. O conhecimento exponencial associado ao desenvolvimento da tecnologia digital tem levado o homem a patamares extraordinários. É impossível vislumbrar o que virá no futuro. Palavras-chave: Movimento linear e exponencial; Era mecânica, tecnológica e digital; Automação.

ABSTRACT This paper aims to explain the first era of machines, which was mechanical, with the industrial revolution, and the second technological and digital one. In the course of the study we try to link the events of the two eras, especially the technological and digital ones, whose achievements have been surprising: “self-driving cars, useful humanoids robots, speech recognition and synthesis system, 3D printers”, bank financial services , digital photos, IBM’s Waston supercomputer, quantum computers, which can surpass today’s supercomputers. The exponential knowledge associated to the development of digital technology has brought man to extraordinary heights. It is impossible to guess what will come in the future. Keywords: Linear and exponential movement; Mechanical, Technological and

digital era; Automation.

1. Professora do Departamento de História da UFPB, Campus I - João Pessoa. Mestre em História. Com dezenas de artigos publicados em Teoria da História, História do Brasil, História da Paraíba e Memória e Preservação de Documentos na Paraíba, em revistas especializadas. Livros publicados: A Paraíba na crise do século XVIII: subordinação e autonomia (1755-1799); Teoria, história e memória e Catálogo dos documentos manuscritos avulsos referentes à Capitania da Paraíba, existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (coautoria). Verbete Capitania da Paraíba publicado no Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994

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PRIMEIRA ERA DAS MÁQUINAS: MECÂNICA Dois livros são fundamentais, entre outros, para explicar a primeira e a segunda era das máquinas. Um é a Revolução Industrial de Phyllis Deane; outro, A Segunda Era das Máquinas, de dois autores americanos: Erik Brynjolfsson e Andrew Mcafee. A primeira era das máquinas foi “mecânica,” com a revolução industrial, e a segunda “tecnológica e digital”. A primeira revolução industrial ocorreu entre 1760 e 1860. A segunda, a partir de 1860. Sobre esta última, não iremos nos alongar. Phyllis Deane nos apresenta algumas das grandes realizações da revolução industrial que mudou a força de trabalho na Inglaterra, “da física à mecânica”. Da revolução industrial anotamos: [...] a máquina de semear construída em 1700; o arado triangular de Rotherham. As principais invenções têxteis foram utilizadas na lã e no algodão; a lançadeira de Kay em 1730; a máquina de cardar de Paul, patenteada em 1748. O sucesso da máquina de fiar foi imediato. A fiandeira hidráulica patenteada por Arkwright em 1769. Ao contrário da máquina de fiar, a fiandeira hidráulica era uma máquina para fins industriais. O fuso mecânico de Crompton (1779); o tear mecânico em substituição ao tear manual nas décadas de 1820, 1830 e 1840. ( DEANE, 1973, p.52,107,108). Temos ainda nessa primeira fase a “máquina de fiar inventada por James Hargreaves, em 1767; o tear mecânico patenteado por Cartwright, em 1785, o descaroçador inventado por Eli Whitney em 1792, a máquina a vapor de Thomas Newcomen, em 1712. Coube a James Watt, em 1763, aperfeiçoar a máquina de Newcomen.” (Burns, 1978, p.667, 670). Foi na indústria de lã que a Inglaterra se destacou no início da revolução industrial, mas depois de um quarto de século, a indústria algodoeira passou a ser uma das mais importantes. Já em 1815, as exportações de têxteis de algodão representavam 40% do valor das exportações [...] da Grã-Bretanha. “Duas industrias foram decisivas para que a “Inglaterra se tornasse o centro fabril do mundo”. Foram a indústria algodoeira e a de ferro. (DEAN E, 1973, p.110). O desenvolvimento dessas indústrias constituiu apenas um dos aspectos da revolução industrial. Essa não é senão um processo integrado de várias revoluções que se processaram nos setores demográfico, agrícola, comercial, dos transportes etc. Em termos de comunicação, um dos fatos mais importantes da primeira fase da revolução industrial foi a invenção do telégrafo. Em 1837, foi inventado o telégrafo elétrico pelas seguintes pessoas: os alemães Karl Steinheil e Samuel Morse, e o inglês Charles Wheatstone. A

segunda

revolução

industrial

data

de

1860,

conforme

referência

feita anteriormente. Para Burns, são três os principais acontecimentos dessa fase: “a invenção do processo de Bessemar na siderurgia, em 1856; a invenção do motor de combustão interna, em 1876: a invenção do dínamo, uma máquina capaz de converter a energia mecânica em energia elétrica.” (BURNS, 1978, p. 678, 680). Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Enfim, a revolução industrial não surgiu do nada. Teve a participação do capital comercial e industrial. Muitos autores seguem a tese tradicional de Paul Mantoux, a qual dá ênfase ao excedente da balança comercial inglesa, comércio que lhe assegura um saldo que resultou em investimentos. Mousnier e Labrousse estão de acordo com Mantoux, ao relacionar o desenvolvimento do capitalismo ao comércio a longa distância. Para, aqueles, “o comércio, sobretudo o grande comércio marítimo e colonial, acumula capitais na Europa Ocidental, onde se amontoa [...] a maior parte da produção mundial de ouro e prata em contínuo aumento.” Já Phyllis Deane e Paul Bairoch não aceitam a participação do comércio exterior inglês no desenvolvimento do capitalismo industrial. Para eles, a formação do capitalismo industrial seria quase gerada pelas pequenas indústrias. Phyllis Deane argumenta: Na economia recém-industrializada, as poupanças tendiam a ser geradas pelas indústrias, até pelas empresas que a investiam. Os lucros adquiridos na agricultura era geralmente reinvestidos na agricultura, e os lucros do algodão geralmente retornavam ao algodão ou, de qualquer maneira, a alguma indústria relacionada com o processamento de tecidos. (DEANE, 1973, p.66, 104).

Assim sendo, os argumentos trazidos pela corrente tradicional não podem ser esquecidos, haja vista a luta da Inglaterra pelo controle das rotas ao desalojar a Espanha e Portugal no século XVII, depois a Holanda. Temos muitas outras realizações dessa segunda fase da revolução industrial mas, como já dissemos, não iremos nos alongar. SEGUNDA ERA DAS MÁQUINAS: TECNOLÓGICA E DIGITAL A tecnologia, na era digital, avança em evolução de movimento exponencial diferente da evolução na era das máquinas, que se dava em movimento linear. Em um curto período de tempo, vivenciamos a evolução dos computadores em todas as áreas, como por exemplo: saúde, educação, indústria, entretenimento, comércio etc. Estudos mostram que o conhecimento do homem tem avançado de forma exponencial. Antes, a informação dobrava a cada 150 anos e, na segunda onda, a cada 50 anos. Na terceira onda, iniciada em 1950, o conhecimento dobrava a cada 10 anos. A estimativa atual é a seguinte: em 2020, o homem dobrará o conhecimento a cada 73 dias. Em síntese, podemos associar o avanço do conhecimento do homem à tecnologia digital. (Andersen, Arthur.The Road Ahead for Knowledge Management, 2000.) Procuramos relacionar no decorrer da segunda era das máquinas importantes conquistas da era tecnológica e digital citando os dois autores americanos do livro A Segunda Era das Máquinas. 106

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A segunda era das máquinas tornou possível à humanidade criar dois dos mais importantes eventos únicos em nossa história: o surgimento da inteligência artificial - IA real e útil conexão da maioria das pessoas do planeta por meio de uma rede digital comum. [...] As pessoas dispõem de smartphones ou tablets conectados em qualquer lugar do mundo. (BRYNJOLFLSSON; McAFEE, 2015, p.206).

A ficção científica se tornou realidade. Entre os avanços mais recentes, temos carros e aeronaves autônomos. As grandes fábricas são totalmente automatizadas, mas não estão cheias de robôs, nos países desenvolvidos. “Elas estão cheias de máquinas dedicadas e especializadas, caras de comprar, configurar e reconfigurar.” (BRYNJOLFSSON; McAFEE, 2015, p. 33,100 ) As impressoras 3D fazem parte da segunda era das máquinas. Elas “são capazes de fazer praticamente qualquer objeto – do componente do motor de um avião a próteses humanas, passando por peças de carro, brinquedos e roupas.” Não há limite para o uso das impressoras 3D. Seu uso é abrangente e tudo pode ser fabricado (VALOR ECONÔMICO, 2017, 22-24 /04). Temos assistido nesses últimos anos progressos consideráveis: [...] “carros que dirigem sozinhos, robôs humanoides úteis, sistema de reconhecimento e síntese de fala, impressoras 3D [...] não são as maiores conquistas da era do computador. Eles são a fase de aquecimento.” (BRYNJOLFSSON; McAFEE, 2015, p .100). Anteriormente, a função dos celulares era muito limitada: Em 2011, a Apple apresentou o i phone 4S com o”Siri”, um assistente pessoal inteligente que funcionava por meio de uma interface na linguagem falada do usuário. Em outras palavras: a pessoa falava com ele como falaria com outro ser humano. O software por trás do Siri [...] ouve o que os usuários do i phone dizem, tentam identificar o que querem e, então, reagem e respondem aos usuários com voz sintetizada. (BRYNJOLFSSON ; McAFEE, 2015, p.206). Temos serviços financeiros como opção aos bancos tradicionais: “cartões de crédito, empréstimos, transferências, investimentos, contas correntes, pagamentos – serviços esses oferecidos por empresas iniciantes que funcionam por meio de aplicativos”. (VALOR ECONÔMICO, 2017, 1-12, 2/01). A maioria das fotos eram analógicas. Hoje, a grande maioria das fotos é digital. Atualmente, setenta bilhões de fotos são compartilhadas no Facebook. (BRYNJOLFSSON; McAFEE, p.142-143). Apesar de todo o avanço da era digital, ainda convivemos com restos da era analógica. As tecnologias digitais também estão desenvolvendo audição dos surdos por meio de implantes cocleares e provavelmente devolverão a visão aos completamente cegos; O FDA aprovou recentemente a primeira geração de implante de retina. (BRYNJOLFSSON ; McAFEE, 2015, p.102). Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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O supercomputador Watson da IBM está sendo treinado para [...] todas as informações médicas da alta qualidade publicadas no mundo; compará-las com sintomas, histórico médico e resultados dos exames de pacientes: e formular diagnóstico e um plano de tratamento. (BRYNJOLFSSON ; McAFEE, 2015, p.102,103).

Em recente artigo publicado no Valor Econômico, a IBM anunciou que vai comercializar “computadores quânticos [...]. São computadores completos baseados em mecânica quântica, na teoria imensamente mais potentes que as máquinas atuais.” Informa ainda que as “primeiras máquinas quânticas” vão estar em breve disponíveis. [...] Um computador quântico seria capaz de lidar com cálculos mais complexos do que os atuais supercomputadores.” (VALOR ECONÔMICO, 2017, 07/03). Temos ainda a possibilidade de aviões sem piloto no futuro. A estimativa é a de que, em 2040 e 2050, e antes mesmo, essa ideia possa se concretizar. Uma pesquisa perguntou a 8.000 consumidores nos EUA, Europa e Austrália se eles entrariam em um avião-robô: 54% desaprovaram a ideia e apenas 17% gostariam da experiência. “Poderemos ter aviões só com um piloto, como antigamente tínhamos aviões com três e, hoje, são só dois. No futuro, talvez nenhum.” Isso economizaria custos com pilotos, seguros etc.(FOLHA DE SÃO PAULO 2017,03/09). Aviões-robôs, ou drones, são lugares comuns na aviação militar e oferecem a tecnologia básica e o caminho da autonomia por meio da inteligência artificial – como estudam Marinha e Força Aérea dos Estados Unidos. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2017, 03/09).

Se a revolução industrial substituiu as pessoas por máquinas o mesmo está acontecendo na revolução tecnológica e digital. Postos de trabalho foram extintos “e a expectativa é que, até 2020, 7,1 milhões de empregos desapareçam no mundo em decorrência da redundância, automação ou desintermediação. Por outro lado, cerca de 2,1 milhões de vagas serão criadas, principalmente em áreas relacionadas à computação, matemática, arquitetura e engenharia.” (VALOR ECONÕMICO. 2016, 29/10). O conhecimento exponencial associado ao desenvolvimento da tecnologia digital tem levado o homem a patamares surpreendentes. É impossível vislumbrar o que virá no futuro. Em síntese, o mundo digital não tem fronteiras e o progresso continua e se acumula. Nessa corrida da era digital novos desafios se anunciam.

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REFERÊNCIAS ANDERSEN, Arthur. The road ahead for knowledge management, 2000. Disponível em: https:pdfs. semanticscholar. Or. BRYNJOLFSSON ; McAFEE. A segunda era das máquinas: trabalho, progresso e prosperidade em uma época de tecnologias brilhantes. Rio de Janeiro, RJ: Alta Books, 2015. BURNS, Eduard McNaal. História da civilização ocidental. Porto Alegre: Globo, 1978. DEANE, Phyllis. A revolução industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. MANTOUX, Paul. La révolution industrielle au XVIIIe siècle. Paris: Genin, 1973. MURARO, Rose Marie. A automação e o futuro da humanidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1969. MOUSNIER, Roland & LABROUSSE, Ernest. O século XVIII: O último século do antigo regime. In: CROUZET, Maurice. História geral das civilizações. São Paulo: Difel, 1961.

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Maria Patrícia Lopes Goldfarb 1 Débora Cristina Bandeira 2

O “peso” do Heavy Metal na vida dos Headbangers: uma análise da cena Metal em João Pessoa-PB RESUMO Este trabalho desenvolve uma reflexão acerca da importância que o heavy metal exerce na vida dos headbangers (adeptos deste estilo musical): nos comportamentos, nas vestimentas e nas ideias. Fez parte de uma pesquisa realizada no curso de Ciências Sociais da UFPB, por meio de um estudo etnográfico que pretendia elucidar o “peso” desta vertente musical enquanto estilo de música e de vida. Comumente tido como o ambiente dos “esquisitos”, “revoltados” ou “satanistas”, o heavy metal torna-se um espaço que propicia aos seus membros um lugar ousado sobre as ideias acerca da vida e da sociedade. Trata-se muitas vezes de um universo pouco conhecido, divulgado ou entendido, o que gera opiniões e conclusões muitas vezes carregadas de estereótipos. Desse modo, a nossa proposta é apontar a postura contestadora e subterrânea (underground) do heavy metal enquanto movimento desagregador, bem como compreender a “cena” heavy metal na cidade de João Pessoa-PB. Palavras-chave: Heavy metal; identidade; underground; Headbangers.

ABSTRACT This article develops a reflection about the importance that “heavy metal” plays in headbangers’( followers of this musical style) lives: their behavior, clothes and ideas. It was part of a research held in the Social Sciences course at UFPB (Federal University of Paraíba State), through an ethnographic study that attempted to elucidate the strong influence of such musical

1. Professora doutora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia/CCHLA/UFPB. Lider do Grupo de Estudos Culturais do CNPq (GEC). E-mail: patriciagoldfarb@yahoo.com.br. 2. Graduada em Ciências Sociais/UFPB.

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aspect as a music and life style. Usually regarded as the environment of “weirdos”, youth in revolt, or Satanists, the heavy metal becomes a space that offers its members a bold place for ideas about life and society. It is often a bit unknown, disseminated and understood universe, what may generate opinions and conclusions loaded with stereotypes. Thus, our proposal here is to point out the refuting and underground posture of heavy metal as a disintegrating movement, as well as to understand the heavy metal “scene” in the city of João Pessoa – PB. Keywords: Heavy metal; identity; underground; Headbangers.

APRESENTAÇÃO A música não só representa o ponto de partida para práticas sociais de determinados grupos como também instaura relações e redes de sociabilidade que podem desembocar em movimentos sociais ou estilos de vida peculiares. Neste artigo, a música é tratada como um elemento-chave de reflexão, visto que confere sentido ao que discutimos: a importância que exerce na vida de quem a experimenta. Dentre os estilos musicais, este artigo volta-se para o heavy metal, um estilo de música derivado do rock in’roll, que, desde que surgiu, no início da década de 1970, causa reações das mais variadas possíveis. Esse peculiar tipo de música carrega um imenso leque de significados que vão além do campo musical. Segundo os headbangers3, a cena heavy metal incorpora um comportamento cotidiano alternativo, pois, para os apreciadores do estilo, não existe um “meio-headbanger”, ou um “headbanger de fim de semana”. O som altíssimo, a guitarra superdistorcida e com longos solos, os riffs (graves) de guitarra nos refrãos, o baixo enaltecendo o peso do som, a bateria rápida, o vocal forte, agressivo e as letras obscuras e provocantes são características desse estilo musical. Outros sinais e elementos distintivos, como roupas pretas e de couro, cabelos compridos e tatuagens, entre outros, fazem parte das características gerais desse rico universo de simbologias, que pode ser reconhecido em qualquer parte do mundo (HALL, 1997). No Brasil, aceita-se como marco para a chegada do heavy metal o ano de 1985, data em que cessou oficialmente o regime político ditatorial e ocorreu o primeiro Rock in Rio. Obviamente, o advento desse movimento no país tem uma relação consequente com

3. Designação atribuída aos fãs de heavy metal. Há outras denominações como “metalheads”, com o mesmo significado, e “metaleiros”. Porém esta última está em desuso, com a justificativa de que se tornou pejorativo.

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o contexto cultural e político pró-democracia que se evidenciava, uma vez que possibilitava a exposição de ideias contestadoras e libertárias outrora reprimidas (DUNN, 2007). Estamos falando de um estilo globalizado, porquanto está inserido nas mais diversas culturas e se manifesta, particularmente, em distintos países, desde americanos a asiáticos4. Trata-se de certo padrão cultural, que vai desde o modo de se vestir, de viver, até a execução das músicas – quase sempre cantadas em inglês – que unifica esse universo, que é compartilhado e reconhecido em todas as partes do mundo. Interessante o fato de que, apesar de o heavy metal não pretender ser um formato musical típico de massa5, desconhecido pela maioria das pessoas, consegue atrair um número muito expressivo de fãs, o que se verifica nas grandes bandas, que constantemente viajam em turnês mundo a fora, com seus shows lotados onde quer que estejam tocando. Esta análise toma o heavy metal numa perspectiva antropológica, buscando perceber as nuanças e as sutilezas de práticas sociais, as regularidades e os usos do espaço social, visando entender não só sua lógica, como também sua inserção na paisagem da cidade (MAGNANI, 2002). Refletimos, especialmente, a partir de bandas de metal extremo, mais especificamente, do subgênero “death metal” em João Pessoa-PB. A pesquisa foi realizada por meio de uma observação participante, de entrevistas e de conversas informais em shows e em ensaios das bandas (Shock, Dissidium, Metacrose, Sodoma, Egregora, Madness Factory e Soturnus). Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as bandas Roadies e Medicine Death e com apreciadores do estilo de diferentes gerações. As conversas informais ocorreram nos shows e em lojas de discos e contribuíram para o resultado da pesquisa. Ainda foi realizada uma coleta de material online em redes sociais da internet e em troca de e-mails. Algumas letras de músicas das bandas paraibanas de death metal foram analisadas como instrumento de compreensão das ideias e dos valores em que seus membros acreditam, que defendem e que pretendem difundir. Tal ação possibilitou um passeio mais esclarecedor pela cena heavy metal em João Pessoa, como também permitiu o entendimento do “peso” que a musicalidade e os ideais que ela propaga exercem na construção da identidade de um headbanger.

HISTORICIZANDO O HEAVY METAL Conforme dito, mais que um estilo musical específico, o heavy metal é um modo de vida que proporciona aos fãs um espaço de vivência simbólica, onde se pode escapar da rotina e do cotidiano. Atitudes contestadoras, canções agressivas e sons fortes compõem esse universo pouco conhecido, o que, como consequência, gera opiniões

4. Ver Documentário “Global Metal”, Sam Dunn (2007). 5. Segundo Giddens (2006), seria aquele estilo que atrai a audiência das massas, composto para ser comercializada e espalhada para um público o mais global possível.

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e conclusões, muitas vezes, carregadas de estereótipos. Conhecido pela agressividade tanto das letras das músicas quanto do som, é fundamental que se trace o perfil social dos músicos bem como o contexto social onde o heavy metal surge. É atribuído à banda inglesa Black Sabbath o título de “criadora do heavy metal” com o lançamento, numa sexta-feira do dia 13 de fevereiro de 1970, do primeiro álbum da banda (CHRISTE, 2010). As também bandas inglesas, Judas Priest e Iron Maiden, anos mais tarde, ganharam notoriedade na mídia ao inaugurar a New Wave of British Heavy Metal, ou NWOBHM (Nova Onda do Heavy Metal Britânico), que seria a fórmula completa do heavy metal, responsável por uma multiplicidade de novas bandas e pela criação de vários outros subgêneros no universo metal. Como música, surgiu no início da década de 1970, época em que o rock n’ roll – que influenciara movimentos sociais (contracultura, hippie, pacifista, ambientalista) – estava se esgotando. A febre do “paz e amor” da década de 1960 perdia sua força, e as belas e contagiantes canções não surtiam mais tanto efeito nos corações desesperançosos. Para dar abrigo aos corações partidos e frustrados da geração “paz e amor”, o heavy metal foi inaugurado sob a responsabilidade da banda Black Sabbath. Formada de quatro ousados jovens – Ozzy Osbourne, Tonny Iommi, Gezzer Buttler e Bill Ward – a banda inglesa também trazia mensagens de paz e de esperança de um mundo melhor, porém de forma mais crua, realista e, muitas vezes, fantasiosa. A princípio, essa banda tocava um blues incrementado com os inéditos riffs de guitarra executados pelo guitarrista Tony Iommi6. Apesar de Ozzy Osbourne ter se tornado o mais popular integrante, é atribuído ao guitarrista Iommi o mérito de criar o estilo heavy metal. Depois de amputar as extremidades dos dedos médios e anular da mão direita, em acidente de trabalho, ouviu de vários médicos que nunca mais conseguiria tocar guitarra. Tony Iommi, que era canhoto, produziu uma espécie de prótese feita de material plástico coberto de couro, para que pudesse tocar os acordes do braço da guitarra. Os riffs mudaram de afinação e começaram a ser tocados nas cordas mais graves, dando mais comodidade para que ele conseguisse tocar. Essa forma de executar as músicas tornou-se o principal elemento de criação do som heavy metal (LOPES, 2006). Na década de 1970, a banda conseguiu lançar seu primeiro single, Evil Woman, pelo selo underground Vertigo da gravadora Phillips. Logo em seguida, gravou as faixas do primeiro álbum, que é considerado por muitas pessoas como o primeiro disco de heavy metal. A banda criou toda uma atmosfera sombria e inventou um universo de significados que iria se tornar sua marca, designando uma imagética própria para definir Black Sabbath como satanista, numa combinação de cores escuras, seres sobrenaturais e ima-

6. Riff é uma progressão de acordes ou notas musicais, que são repetidas no contexto de uma música, formando a base ou acompanhamento. Geralmente compõem a base harmônica de músicas de jazz, blues e rock.

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gens de terror, que passaram a ser utilizadas por outras bandas e fãs do gênero como uma forma de reconhecer aqueles que pertencem ao “mundo metal”. A banda Black Sabbath, que já pensava em compor músicas que soassem como “coisas do mal”, teve um incentivo de seus produtores, que enalteceram os aspectos sombrios na produção do álbum (sem a permissão ou a interferência dos músicos), e o resultado foi um sucesso, que ficou mundialmente conhecido como “satanista” e despertou curiosidade, rejeição, mas também muita aceitação como um novo estilo de se expressar através da arte musical. Toda a brutalidade e a fúria das músicas heavy metal se devem ao poder das guitarras elétricas com efeitos de distorção que, combinados com pedais e amplificadores, exercem um papel fundamental no conjunto da obra. Conforme destacamos, o blues dos oprimidos escravos norte-americanos ofereceu para o heavy metal os traços musicais e os sentidos de luta por liberdade, e o psicodelismo trouxe, junto com a sonoridade, as alusões a mágicos, a bruxas e a demônios (JANOTTI JÙNIOR, 2004). O heavy metal também recebeu forte influência da música clássica obscura e pesada, como as de Wagner e Beethoven. O uso do tritão pela Black Sabbath – que já acontecia na música clássica – fez soar um som diabólico em suas músicas, que foram complementadas com as letras sombrias criadas pelo baixista Geezer Butler. O tritão (5ª diminuta do Si Bemol), na Idade Média, era conhecido como “a música do diabo” e causava muito medo nas igrejas por ser o som que, aparentemente, usava-se para invocar as bestas (DUNN, 2005). Quando a Black Sabbath estava na fase de composição de suas músicas, percebeu que havia um interesse grande por parte das pessoas no que diz respeito a questões assustadoras. Então, seus componentes decidiram compor músicas com sons fortes, que soassem de modo assustador, com letras que causassem medo. Foi a partir daí que criaram a música chamada Black Sabbath (Missa Negra), que gerou muitas críticas, mas rapidamente chegou ao topo das paradas. O álbum foi o primeiro considerado heavy metal por inteiro, e suas músicas inauguraram uma nova sonoridade musical: tinham uma dimensão assustadora, entre zunidos que amedrontavam ainda mais e a letra que contava uma história horripilante, inspirada na literatura de Edgard Allan Poe, na voz tenebrosa de Ozzy, além das guitarras, com seus poderosos riffs e as batidas quebradas da bateria. Temos, de fato, um quadro assustador e, ao mesmo tempo, inédito e encantador! A Banda Black Sabbath, considerada criadora desse universo musical, abriu espaços para outras denominações no universo do metal, como o Power metal, o Thrash metal, o Black metal e o Death metal, propostas que representam a fusão com outros tipos de música, tornando-se ela própria infinitamente renovada. Bandas que surgiam abusavam nas variações de notas, agora com duas guitarras à frente, e investiam em um tom bem mais macabro em suas apresentações. Letras 114

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sombrias eram executadas em shows, com um vocal bastante agudo e uma parafernália de efeitos aterrorizantes, como máquinas de fumaça e objetos cênicos caseiros, sempre evocando o terror. Em seu visual, os componentes começavam a incorporar pretas e de couro, o que foi se tornando a marca distintiva do estilo. Tais variações dizem respeito aos subgêneros do heavy metal que surgiram na década de 80 e passaram a misturar o metal clássico com sons mais modernos. A diversidade de subgêneros derivados do heavy metal relaciona-se com os espaços sociais de alargamento ou da ampliação do modelo mais clássico, com a adesão, a mistura ou a transformação dos elementos que caracterizam cada uma dessas partes, que, embora se distingam, são todas “metal”. Podemos pensar essas divisões a partir da noção do heavy metal como um conjunto discursivo que deve ser analisado através de seus elementos fundamentais, como os timbres de guitarras, a voz, o volume da música, a harmonia, o ritmo, a melodia, os solos de guitarra e as letras das músicas. Tais elementos vão criando as distinções e as fronteiras entre um gênero e outro. É necessário também frisar que as fronteiras entre as bandas e suas denominações são muito importantes para a sociabilidade metálica e proporcionam um leque de possibilidades de construções identitárias, modos de ser headbangers e de viver o metal. Essas divisões e subdivisões acabam por ressignificar o estilo metal.

O “PESO” DO ESTILO HEAVY METAL Podemos dizer que um estilo serve para identificar os membros de um grupo social, a partir da adoção de determinados elementos que o vão compondo e que são significativos, porque a perspectiva estilista se relaciona com determinadas concepções de mundo. Para Feixa (2006), um estilo pode ser transformado e é em público, na cena coletiva, que ele se torna espetacular. A historicidade dos estilos nos mostra sua organização em torno de uma seleção, modificação, reorganização e ressignificação. Isso pode ser verificado na indumentária dos subgêneros do estilo metal (FEIXA, 2006). E não só o corte de cabelo, o uso de uma cruz invertida etc. que formam um estilo, mas também o modo como são utilizados, como produzem efeitos e valores que são tomados para produzir uma identidade coletiva entre os headbangers e entre eles e seus ídolos. Assim, um estilo representa uma combinação de elementos culturais, como a linguagem (criada/copiada), a música e a estética. Enfim, estilos podem ser modificados de acordo com a dinâmica social e as condições sociais que os mantêm (FEIXA, op.cit). Resta dizer que as divisões também fazem parte da indústria de consumo, que busca etiquetar as bandas e seus subgêneros, pois um estilo pode se tornar obsoleto ou ser reavivado e, no caso do metal, a mistura e o sincretismo estão presentes desde sua origem. O estilo heavy metal possibilita a produção de reconhecimentos através de outros elementos além das notações musicais. A capa dos álbuns já indica o tipo de público Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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para o qual se destina, que é identificado através dos padrões valorativos do grupo de ouvintes. Um headbanger é capaz de fazer uma série de inferências sobre uma banda, seu estilo e sua sonoridade. Os significados utilizados na construção desses produtos – como crânios, zumbis, espadas e guerreiros medievais – estão inseridos num campo semântico muito particular, que cria determinados valores positivos em relação a esses significados. O principal aspecto distintivo do heavy metal é sua sonoridade agressiva, correlacionada à noção de “peso” derivado desse som. Conforme Berger (1999), o heavy metal, para muitos fãs, representa uma busca da força e de peso do metal. Tanto para os músicos quanto para os headbangers não basta tocar, tem que demonstrar-se um instrumentalista com toda a “força” que lhe cabe. Parece-nos que é como se o uso dos instrumentos musicais e a produção sonora fossem, nesse caso, mais importantes do que a performance dos cantores. Para Berger (1999), o “peso” é representado pelos riffs de guitarras, baixo e bateria, além do vocal bem forte, que até assusta os nãos iniciados. Já Janotti Júnior (2004) nos mostra que se trata de um fenômeno produtor de sentidos, pois se refere a um universo social, que produz efeitos também sociais, por meio de elementos semânticos (visuais ou sonoros). Nesse sentido, os modos de apreender esse estilo são modos de “interpretação rítmica dos sons”, que envolve valores, gostos e afetos. O ritmo está relacionado ao peso do metal, que tem a ver com a repetição, que leva ao “experimento da audição”. Tal ritmo se relaciona com um tempo musical que permite ao apreciador, que escuta ou assiste, criar sensações e experiências ligadas a um tempo musical com o qual passa a se identificar (JANOTTI JÚNIOR, 2004). E esse tempo é marcado como tempo rápido, de movimentos, extraordinário, “pesado”, em oposição ao “fraco”, repetitivo, ordinário, comportado, do cotidiano e do mundo do trabalho (DA MATTA, 1991). O heavy metal, como um estilo de vida, leva os fãs de sua música a assumirem uma identidade relacionada ao estilo, expresso nos comportamentos, na estética e em ideologias que vão construindo a partir do momento em que se envolvem com a música. Nesse sentido, o heavy metal imputa “peso” à vida dos seus adeptos, que perpassa pelo peso musical, mas o transcende e incide no significado de uma identidade headbanger vivenciada cotidianamente pelos membros.

A IDENTIDADE DOS HEADBANGERS Para analisar a produção de uma identidade do heavy metal, é preciso caracterizar as imagens e os sons - e seus valores correlatos - que as bandas e os astros exibem nos shows, nos álbuns e nas músicas e as imagens que são construídas na sociedade em geral. 116

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Stuart Hall (1997) assevera que a identidade é exterior e interior e corresponde à formação do nosso “eu” em relação ao mundo social. Ela não é fixa, mas móvel, pois pode ser continuadamente transformada de acordo com os nossos “sistemas culturais”. Já o sociólogo Castells (2000) nos diz que a identidade é fonte de significado e de experiências de um grupo social. Além do “som pesado”, para Brito (1996), a indumentária compõe os elementos da linguagem metal, tomada para delimitar seu estilo. Assim, calças jeans rasgadas, tatuagens e braceletes vão servir para demarcar o reconhecimento do espaço grupal, permitindo identificar, através de signos diferenciais, quem faz parte da tribo metálica. Essa é uma necessidade de distinguir e de demarcar as fronteiras entre os grupos que se identificam e os que são identificados por meio de uma adesão a um estilo musical. Os headbangers utilizam seus produtos para realizar sua “marca” e identidade de grupo, mas, ao mesmo tempo, desejam formas de se expor nos meios de comunicação de massa, o que lhes permite a circulação, o reconhecimento, a comunicação e o consumo. Embora exista uma necessidade de visibilidade, o que inclui a circulação nos meios de comunicação, evitam a padronização e a inserção em certa “normalidade”, que é oposta à proposta perturbadora do heavy metal. As roupas pretas ou escuras e os acessórios servem como uma das formas que o grupo usa para se identificar e devem corresponder a comportamentos correlatos. Outras formas do “padrão headbanger” relacionado aos sinais externos ligados ao corpo podem ser vistas em piercings, na aparência pálida – que remete a um aspecto mórbido e fúnebre – nos cabelos compridos em homens – desconstruindo a ideia de que esse atributo é um padrão feminino – e tatuagens, sempre com imagens míticas e macabras. Esses sinais são explorados de igual modo nas artes visuais de representação das bandas, com características medonhas, trágicas e impactantes, como: monstros, sangue, caveiras, corpos dilacerados, demônios, trevas, zumbis, personagens míticos, sexualidade, violência, horror, guerra, dentre outros. Só o enfoque varia de acordo com o gênero. Citando Monod, Feixa (2006) nos mostra que os acessórios e o vestuário desempenham um papel de mediadores entre os fãs e seus ídolos e, por homologia, constroem uma identificação com tal estilo. Além disso, como sinal distintivo, tem a função de linguagem simbólica que possibilita a comunicação entre os pertencentes ao metal. Lopes (2006) afirma que o preto remete a uma oposição às diversas tradições religiosas, notadamente a cristã, entre luzes/trevas, claro/escuro, em que o negro é visto negativamente como símbolo de tristeza, do mal e da morte. Para tal autor, esses valores estéticos funcionam como uma forma de transvalorar os símbolos religiosos, o que se verifica também nas letras de suas músicas. O uso do preto como “cor das trevas”, do couro ou sintético, de artigos de metal, das pinturas ou máscaras e das imagens “macabras” reproduz, junto com as letras e os sons das músicas, um estado de contestação às “normas” (LOPES, op.cit). Para a maioConceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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ria dos fãs de heavy metal, o significado dessa indumentária não é apenas uma ligação com uma música poderosa, mas também uma agressiva atitude contra a complacência. Diferentes formatos de guitarras também eram instrumentos do léxico visual do heavy metal (CHRISTE, 2010). Dentro desse cenário imagético, utilizado para identificação interna, “lugares escuros, seres sobrenaturais e imagens de terror” são utilizados em grande escala pelas bandas e fãs desse estilo cultural como um meio de reconhecimento entre os pertencentes (BRITO, 1996). A morte também faz parte da simbologia e da imagética do estilo metal, ligada ao negro e ao escuro já falado, assim como o hedonismo, que povoa a imagética do heavy metal, em que figuras do diabo ou demônio são muito utilizadas nas logomarcas, nas capas de discos, no visual dos shows etc. e também fazem parte de muitas canções. Mais do que ser “satanista”, o interessante é parecer “sinistro”. De todo modo, esse imaginário só se constrói e se mantém porque e reconhecido nas ideias de protesto, coragem e inversão de valores. Os headbangers se reconhecem nesses elementos divulgados pelas bandas, tendo como repercussão a prática e a aparência dos seus membros. Grupo plural, o heavy metal adquire formas que podem variar de acordo com o contexto e os estilos específicos (death, black, thrash, doom etc.) e a personalidade do apreciador. Não se pode afirmar que todo headbanger veste-se de preto e usa cabelo comprido, ou dizer que todo fã de black metal adere ao satanismo. Tais questões fazem parte dessa construção imagética e discursiva que gira em torno do metal e seus seguidores. Convém enfatizar que a construção da identidade musical metal também se desdobra em valores que incidem sobre o modo como os headbangers são vistos. Nesse sentido, podemos citar o grupo Kiss, que foi uma das bandas de rock pesado que mais sofreu críticas de ordem moral nos Estados Unidos e de religiosos de todo o mundo, acusado, muitas vezes, de satanismo e de incitação à violência. Já a banda Slayer, com o intuito de conseguir um som mais pesado, adotou um visual mais agressivo, abordando temas “malignos ou satânicos” em suas canções. Esse cenário tem a ver com a competição entre as bandas e a busca de fãs atraídos pela excentricidade. Como nos diz Casttels (2000), “identidades constituem fontes de significados” para quem as constrói, quem as adota e quem as rejeita. O interessante, no caso dessa forma de identificação grupal, é que a identidade headbanger foi criada pelos próprios músicos, que também eram adeptos do estilo, em parceria com a indústria da música e do público em geral. No que se refere ao “peso do metal”, o som e o ritmo podem ser concebidos como formas de se opor ao ritmo do dia a dia, de ter acesso ao “poder”, no sentido de participar, que, muitas vezes, é negado pelo Estado e suas práticas de exclusão. Os grupos de fãs de heavy metal se constróem através da junção de fragmentos diversos, vindos de diferentes partes e fontes, cuja identidade se constitui por meio de 118

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arquétipos como sangue, demônio, morte, heróis míticos, força e poder, que encenam o lado obscuro e enigmático da vida, que tanto atrai jovens quanto adultos ligados à musicalidade (JANOTTI JÚNIOR, 2004). Trata-se de uma identidade em construção, que, dia-a-dia se globaliza mais, espalha-se e se refaz através de velhos significados que são atualizados. O rito da dança “bangear”, por exemplo, que significa mexer a cabeça insistentemente, e sinais feitos com as mãos são reconhecidos em todas as partes do mundo como rituais metals, diferenciais em relação a outros grupos urbanos e um meio de identificação dos iguais. Assim, no mundo metal, mais vale a força simbólica dos arquétipos do que seu uso no cotidiano (MEFFESOLI, 1987). Crânios, caveiras, cruzes, túmulos etc. não são usados para fazer ou falar do “mal”, mas para inverter ou subverter a ordem cristã, para voltar às origens tribais, para valorizar o prazer tão negado nas culturas ocidentais: do corpo, da carne, da alma, do inconsciente, enfim, falar tanto da vida quanto da morte, como partes do processo natural do ser humano.

BREVE DESCRIÇÃO DA CENA METAL EM JOÃO PESSOA Brutal Death Metal, Black Death, Doom Death, Death Metal Paraibano: essas são algumas das denominações de bandas que compõem a cena local do heavy metal, mais especificamente, do subgênero death metal em João Pessoa-PB. Aqui o death metal se apresenta como um elemento musical que mais remete à essência do “metal extremo”. Sendo considerado o “mais rápido”, o “mais agressivo”, ele é apropriado por outros estilos, com o intuito de cultivar, manter e intensificar o caráter de extremismo que esse segmento do heavy metal propõe. Das nove bandas observadas e acompanhadas na pesquisa, seis apresentam o death em suas acepções. Carregado de predicados bastante enaltecidos pelos headbangers, como “pureza”, “essência”, “brutalidade”, “agressividade”, “velocidade”, “blasfêmia”, dentre outros, o estilo death metal ganha destaque na cena heavy metal paraibana e difunde uma musicalidade central – de extremismo sonoro – reunificando as supostas dissidências musicais e empregando um caráter de complementariedade entre os diversos subgêneros que se encontram em fronteiras fluidas. A pesquisa mostrou que há uma tentativa de atribuir ao “death” um aspecto de originalidade, como um estilo que consegue combinar elementos sonoros variados e formar um tipo próprio, o maior representante do “peso” do metal. Traços musicais estudados foram constatados nas bandas de death metal observadas em nossa pesquisa – Medicine Death, Metacrose, Dissidium, Soturnus, Roadies e Sodoma - apresentadas de acordo com a denominação da banda. Por exemplo, a banda Metacrose define-se como “Death Metal Paraibano”, e como dizem em seu release, destilam “um grotesco death metal”: um death metal puro, brutal. Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Segundo a antropóloga Mary Douglas (1991), pureza implica a ideia de ordem, um meio de estabelecer normas em determinado universo social que, aparentemente, está desordenado, por isso a importância do ritual musical, dos elementos que são destacados como importantíssimos para configurar o “som pesado” da música pura, para padronizar e modelar as experiências sociais. Já as bandas Sodoma e Soturnos têm vinculações com os subgêneros black metal e doom metal, respectivamente, e tomam o death metal como aditivo para potencializar suas músicas, que são denominadas de “black death metal” e “doom death metal”. A banda Dissidium explica como as inter-relações musicais acontecem e seus embasamentos sonoros e nos fala das especificidades do death metal em meio às suas multifacetas: “Energia, potência, força maior” é o que os apreciadores de death metal descrevem como os efeitos que a musicalidade desse estilo proporciona. De fato, a musicalidade do death metal tem o potencial de provocar sensações de fúria, agressividade, não apenas no sentido literal da palavra, mas como uma forma de expelir tudo o que pensam e em que acreditam através da música. Conforme foi exposto, embora o death metal apresente uma grande variedade de temas, sempre prioriza a liberdade como seu eixo central – liberdade de expressar qualquer pensamento sem censura ou restrição, em relação aos aspectos do cotidiano, como política, morte, guerra, fé etc. Suas ambições giram, justamente, em torno da destruição: destruição de padrões, de regras e princípios, de inversão da ordem, de uma “desordem” que leve a uma “verdadeira ordem” (DOUGLAS, 1991). A maioria dos adeptos do death metal detém um pensamento de superação à ordem vigente, criticando ideologias dominantes, sem conformismo com valores, para eles, alienantes e arcaicos. Observou-se que esse universo é quase todo composto de pessoas com instrução escolar, a maioria com formação superior. Os entrevistados demonstraram um considerável conhecimento de Filosofia, História, enfim, da área de Ciências Humanas. A problemática da religião é bem presente em seus debates, e a maioria dos entrevistados declarou-se “sem religião”. As bandas paraibanas que seguem a linha death metal abordam em suas músicas uma variedade de temas como morte, terror, morbidez etc. Seja com mais fúria ou num tom mais suave, elucidam a ferocidade com a qual os músicos e os apreciadores concebem a vida. Quanto mais se provoca, mais se choca, mais perto se chega do seu objetivo musical/ideológico. Falar que os preceitos rigorosos da sociedade são degradantes ou devastadores da mente significa dizer que eles são positivamente libertários, uma vez que, para os headbangers, degradação, devastação e destruição promovem libertação. As regras não são, portanto, destruidoras. Destruição é o que se pretende realizar. As regras são ultrapassadas e precisam ser superadas através de uma nova concepção ousada sobre o que é bom e o que é mal. 120

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O metal, manifestado em variadas vertentes musicais, em grande medida se constrói por meio da noção de “peso”, musical e cultural, na identidade dos seus fãs. O universo social que aqui tratamos tem como proposta principal a liberdade, que está presente em todas as possibilidades de quebrar regras e paradigmas. Trevas, sombras, abismo, destruição, desagregação etc., tudo o que soa como malefício no senso comum – o que parece inconcebível em nosso ideário de beleza, de bondade, do que é saudável – é ressignificado no “universo metal”, que atribui novos sentidos à vida e à sociedade, por meio de ousadas concepções sobre elas. A libertação (carnal e mental) faz parte da quimera obtida através da criação de uma situação que propicia a retirada das vendas e das amarras com as quais essas pessoas estão sendo aprisionadas e, diariamente, submetidas através da opressão social, econômica, religiosa etc. Assim, o sentido do underground para seus adeptos é ressemantizado e adquire novos significados a cada época, em que a vivência heavy metal permite que se entenda o underground de forma mais fluida. A “subterraneidade” do underground implica, portanto, o reconhecimento da identidade construída através de uma melodia, da harmonia e de uma proposta sonora distinta, reconhecida como de “peso”. Porém tal identidade também se constrói através da indumentária e de um estilo de vida que contemplam um universo com códigos próprios, com um repertório visual e linguístico específico. Enfim, os headbangers se reconhecem como diferentes a partir da apreciação e da vivência desse estilo musical e de vida e são reconhecidos como tal.

REFERÊNCIAS BERGER, H. M. Metal, rock and jazz: perception and the phenomenology of musical experience. Hannover: University Press of New England, 1999. BRITO, Antônio Sérgio A. de. Heavy metal: a imagem distorcida. Monografia apresentada ao Curso de Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bacharelado em Jornalismo, 1996. CASTELLS, M. O poder da identidade. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2000. CHRISTE, Ian. Heavy metal: a história completa. São Paulo: Arx, 2010. DAMATTA. Roberto. A Casa & a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara Kooga, 1991. DOUGLAS, M. Pureza e Perigo. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 1991 (Coleção debates).

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FEIXA, Carles. De jóvenes, bandas y tribus. Barcelona: Ariel, 2006. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed. 2005. HALL, S. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. JANOTTI JÚNIOR, Jader S. Heavy metal: o universo tribal e o espaço dos sonhos. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-graduação em Multimeios, Campinas, UNICAMP, 1994. ___________________. Gêneros musicais, performance, afeto e ritmo: uma proposta de análise midiática da música popular massiva. Revista Contemporânea, vol. 2, nº 2, 2004a. ___________________. Heavy metal com dendê: rock pesado e mídia em tempos de globalização. Rio de janeiro: E-papers, 2004b. LOPES, Pedro Alvim L. Heavy metal no Rio de Janeiro e dessacralização de símbolos religiosos: a música do demônio na cidade de São Sebastião das Terras de Vera Cruz. Tese de Doutorado (Doutorado em Antropologia Social), Museu Nacional, UFRJ, 2006. MAFESOLI, M. O tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. MAGNANI, José Guilherme Cantor. Os circuitos dos jovens urbanos. Tempo soc. [online]. 2002, vol.17, n.2, pp. 173-205. ISSN 0103-2070. http://dx.doi.org/10.1590/S010320702005000200008. ___________________. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. NAU: Núcleo de Antropologia Urbana da USP. Disponível em http://www.n-a-u.org.depertoededentro..html. Capturado em 23/11/2016.

VÍDEO - Metal: a headbanger’s Journey/Global Metal. Direção de Sam Dunn, ScotMcFadyen, Jessica JoyWise. Canadá: Les Films Seville Pictures,2005, 96min.,color.,legendado.(Tradução de Postmaster - DVD)

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Soriano Souza Lima 1 Stenio Melo Lins da Costa 2

O perfil epidemiológico da hanseníase no município de João Pessoa - Paraíba RESUMO A eliminação da hanseníase como um problema de saúde pública é o objetivo do ministério da saúde; a meta é atingir um coeficiente de prevalência de menos de um caso por cada 10.000 habitantes em todos os municípios brasileiros. O objetivo dessa investigação foi avaliar os indicadores epidemiológicos da hanseníase no município de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, entre os anos de 2010 a 2015. Os dados secundários forma obtidos no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN). Os resultados mostraram diminuição do número total de notificações durante o período. Palavras-chave: Saúde coletiva; hanseníase; epidemiologia.

ABSTRACT The elimination of leprosy as a public health problem is the purpose of the Ministry of Health. The goal is to reach a prevalence coefficient of less than one case per 10,000 inhabitants in all Brazilian municipalities. The aim of this investigation was to assess the epidemiological indicators of leprosy in João Pessoa municipality, the capital city of the State of Paraiba, from 2010 to 2015. The secondary data were obtained from the Information System of Diseases Notification (SINAN). The results showed a decrease in the total number of notifications during the period. Keywords: Public health; leprosy; epidemiology.

1.Professor Adjunto IV do Departamento de Fisioterapia do Centro de Ciências da Saúde, UFPB. sorianolima@hotmail.com 2. Professor associado II do Departamento de Fisioterapia do Centro de Ciências da Saúde - UFPB. steniom@yahoo.com.br

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INTRODUÇÃO A hanseníase é uma doença infecciosa provocada por uma bactéria, o mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen, descoberto em 1873 pelo cientista norueguês, Gerhard Armauer Hansen. O mycobacterium leprae é um parasita intracelular obrigatório, de reprodução lenta, não cultivável, com alta infectividade, baixa patogenicidade e afinidade por locais como as bainhas tendinosas e nervosas (neurotrópico), os tecidos cutâneos e as vísceras. A forma de disseminar o bacilo no organismo contaminado vai depender do estado imunológico do paciente, da relação entre o bacilo e o hospedeiro e do grau de endemicidade do meio (Lins-Lainson & Carneiro, 1996; Brasil/Ministério da Saúde/Guia para controle da hanseníase, 2002; FUNASA, 2002). Trata-se de uma endemia relacionada a condições socioeconômicas desfavoráveis, principalmente dos países tropicais, a condições precárias de vida e de saúde e ao convívio de um grande número de indivíduos em um mesmo ambiente. Acomete pessoas de ambos os sexos – apesar de predominar no sexo masculino - e de todas as idades, em menor número nas crianças com menos de quinze anos, exceto quando há mais endemicidade da doença. A hanseníase é uma doença infecciosa crônica que, quase sempre, acomete a pele e os nervos periféricos. A doença tem quatro formas clínicas distintas: a indeterminada, a tuberculoide, a dimorfa e a virchowiana. De acordo com sua operacionalidade, classifica-se em: paucibacilar ou multibacilar, essa classificação é que determina as características do tratamento, especificamente quanto a sua duração e ao tipo de droga administrada. Quando não houver lesões cutâneas (forma neural pura), o quadro clínico da hanseníase assemelha-se ao de outras neuropatias. Isso dificulta o diagnóstico precoce. O comprometimento neurológico pode ser encontrado tanto na forma paucibacilar (tuberculoide) como na multibacilar (dimorfa e virchowiana), que é muito grave, por determinar perda da função, alterar sensibilidades e ocasionar deformidades que caracterizam o estigma dessa patologia (SMITH, 1996; GONÇALVES, 1996; DIALLO, 1996), que levam os hansenianos a uma condição de limitação funcional, alterações psicossomáticas e exclusão social (HELENE & SALUM, 2002; DE MIRANDA, 1999; DE STIGTER at al., 2000). A transmissão ocorre de pessoa para pessoa, através do convívio com os doentes do tipo multibacilares não tratados. Esses indivíduos têm uma carga bacilar alta, suficiente para favorecer a transmissão, e apresentam múltiplas (mais de cinco) lesões de pele, nódulos, placas, espessamento da derme ou infiltração cutânea e, em alguns casos, envolvimento da mucosa nasal, que causam congestão nasal e epistaxe, além do acometimento de certos nervos periféricos, que, algumas vezes, resulta em padrões característicos de incapacidades. 124

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O contágio ocorre através de uma pessoa doente, não tratada, que elimina o bacilo pela via respiratória superior para o meio exterior e contagia pessoas susceptíveis, e do contacto com lesões hansenóticas, ulceradas e, em alguns casos, pela serosidade e escoriações na pele de alguns doentes altamente bacilíferos. O tratamento específico da pessoa com hanseníase, indicado pelo Ministério da Saúde, é a poliquimioterapia padronizada pela Organização Mundial de Saúde, conhecida como PQT, que deve ser realizado nas unidades de saúde. (Brasil/Ministério da Saúde/ Fundação Nacional de saúde, 2002). No Brasil, a hanseníase é considerada um problema de saúde de caráter endêmico. O coeficiente de detecção de casos novos mostrou, entre os anos de 210 e 2015, tendência a uma queda, já que o ano de 2010 apresentou um coeficiente de 18,80 casos novos, por 100.000 bahitantes, e 2015, um coeficiente de detecção de 14,07 casos novos. A redução pode ser observada em todas as regiões do país. Na Região Nordeste, o índice passou de 28,24 casos novos, em 2010, para 22,56, em 2015. Entre os estados do nordeste brasileiro, a Paraiba mostrou uma redução de 17,20 casos novos, em 2010, para 13,17, em 2015. Nesse ano, o coeficiente de detecção de casos novos da patologia foi um dos menores, superado somente pelo estado de Alagoas, que apresentou um coeficiente de 10,51 casos, e pelo Rio Grande do Norte, que apresentou um coeficiente de 7,76 casos novos. No mesmo período, o município de João Pessoa apresentou um coeficiente de detecção de 11,80 /100.000 hab. Essa situação o caracteriza como uma região hiperendêmica. No mesmo perído, houve um crescimento do coeficiente de prevalência no Brasil, que passou de 0,08 casos, por 10.000 habitantes, em 2010, para 1,02, em 2015. O crescimento pode ser observado em todas as regiões, pois a Região Nordeste passou de 0,09, em 2010, para 1,58 em 2015. Quando se anailisa o comportamento dos estados nordestinos no período, verifica-se que a Paraíba apresentou um crescimento de 0,07 casos, em 2010, para 0,85 casos, em 2015. O coeficiente anual de detecção de casos novos da patologia é um importante indicador de monitoramento da endemia, que mostra sua magnitude e tendência com as regiões hiperendêmicas que apresentam um coeficiente maior ou igual a 4,0/100.000 hab. Semelhantemente, o coeficiente de prevalência anual, por 10.000 habitantes, corrobora o monitoramento da patologia. Segundo esse indicador, são consideradas hiperendêmicas as regiões que apresentam um coeficiente de prevalencia iqual ou superior a 20,0/10.000 hab. De acordo com Pereira et al (2011), é importante salientar que o uso da poliquimioterapia de curta duração provocou uma importante redução na prevalência da hanseníase e uma discussão entre os autores sobre o uso do coeficiente de prevalência como um indicador de eliminação da doença. Dessa forma, pode-se concluir que, Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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tendo em vista os coeficientes de detecção apresentados, o Brasil é uma região onde a hanseníase é hiperendêmica. Nesse contexto, esta investigação tem o objetivo de analisar o perfil epidemiológico dos novos casos de hanseníase detectados no município de João Pessoa entre os anos de 2010 e 2015.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo – quantitativo: Quanto ao delineamento empregado, esta é uma pesquisa retrospectiva – prospectiva e estudo de campo. Concernente ao método de coleta dos dados, a pesquisa se caracteriza como uma investigação documental, através da coleta de dados de fontes secundárias. O método de seleção de amostragem adotado foi o da especificidade – acessibilidade. A amostra foi composta pelos casos novos de hanseníase detectados no município de João Pessoa, entre os anos de 2010 e 2015. Fizeram parte da amostra os casos novos de pacientes residentes no município e foram excluídos os casos de erro de diagnóstico, os casos de pacientes transferidos de outros municípios, de outros estados ou outros países e, os casos cujo modo de entrada seja ignorado. Foram analisadas as seguintes variáveis: tipo de saída, sexo, faixa etária, classe operacional, modo de detecção, avaliação diagnóstica (avaliação do grau de incapacidade física por ocasião do diagnóstico) e lesões cutâneas (número de lesões cutâneas por ocasião do diagnóstico). Para coletar os dados, foram utilizados os dados oficiais relativos à patologia e disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Os dados foram analisados através da distribuição de frequências e porcentagens.

RESULTADOS

No período de 2010 a 2015, no município de João Pessoa, foram notificados 536 casos novos de hanseníase. Observou-se, durante o período, uma estabilização no número de notificações – 81, em 2010, e 79, em 2015. A distribuição dos casos novos por gênero mostrou predomínio do sexo masculino, com 290 (54,1 %) notificações. Em relação à faixa etária, predominaram os indivíduos com idades que variaram de 35 a 49 anos. Os dados relativos à classificação operacional da doença mostraram um predomínio do grupo multibacilar, que representou 54,1% dos casos (Tabela 1). 126

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Tabela 1 – Idade, gênero e classificação operacional dos casos novos de hanseníase detectados no município de João Pessoa – PB - entre 2010 e 2015

Fonte: SINAN Em relação ao grau de incapacidade no momento do diagnóstico, 60,4 % apresentaram grau zero; 25,3%, grau I; e apenas 7,4% apresentaram grau II de incapacidade. É importante salientar que 6,7% dos doentes não foram avaliados. Dos casos novos, 367 (68,4%) evoluíram para cura. O encaminhamento foi o modo de detecção predominante, com 341(63,6%) casos, seguido da demanda espontânea, com 166 (30,9%) casos. No que se refere ao número de lesões cutâneas, predominaram os casos novos com uma única lesão - 177 (33%), seguido pelo grupo que apresentou entre duas e cinco lesões - 129 (24%) (Tabela 2).

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Tabela 2 – Avaliação diagnóstica, modo de detecção, número de lesões cutâneas e tipo de saída dos casos novos de hanseníase detectados no município de João Pessoa – PB - entre 2010 e 2015

Fonte: SINAN

DISCUSSÃO A população deste estudo foi composta de 536 casos novos de hanseníase, de todas as faixas etárias, notificados no setor de epidemiologia da Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba. Os resultados mostraram que houve pequeno aumento no número de notificações em 2011, o que pode ser resultado das ações de busca ativa realizada pelo município. O gênero masculino predominou entre os casos novos detectados. Esse resultado é corroborado pela literatura. Analisando o perfil epidemiológico da hanseníase no município de Guarulhos, Romão e Mazzoni (2013) observaram que o sexo masculino foi o mais acometido pela doença e que 57% dos casos de hanseníase detectados entre 2004 e 2009 eram do gênero masculino, e 43%, do feminino. O predomínio do gênero masculino também foi apontado por Hinrichsen et al. (2004), que, ao analisar os aspectos epidemiológicos da hanseníase na cidade de Recife, constataram que 57% dos casos estudados eram do sexo masculino. O estudo de Miranzi, Pereira e Nunes (2010) também encontrou predomínio do sexo masculino entre os casos detectados assim como os 128

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estudos conduzidos por Mello, Popoaski e Nunes (2006), Lanza et al. (2012) e Lima et al. (2009). Entretanto, alguns autores encontraram predomínio do sexo feminino na população investigada, como Pereira et al. (2011), que estudaram o perfil epidemiológico da hanseníase no município de Teresina e detectaram que a maioria dos casos eram do sexo feminino, e Gomes et al. (2005), que verificaram um ligeiro predomínio do sexo feminino (50,05 %) entre os casos estudados. Semelhante resultado foi observado por Batista et al. (2011) os quais verificaram que 50,80% dos casos analisados eram do sexo feminino. Para Romão e Mazzoni (2013), alguns fatores explicam a predominância masculina entre os acometidos pela hanseníase: menos acesso aos serviços de saúde pelo público masculino, maior direcionamento de programas à saúde da mulher e menos preocupação dos homens com a saúde e a estética. Já para Lanza et al. (2012), o predomínio masculino pode estar relacionado ao fato de os homens apresentarem mais movimentação e contato social ou devido à ocorrência de exames menos minuciosos entre as mulheres. Assim, considerando-se a forma como o bacilo é disseminado, acredita-se que a predominância masculina se deva ao fato de os sujeitos desse gênero se exporem bem mais a ambientes onde há muitos indivíduos. Isso pode facilitar a propagação da enfermidade. Não há evidencias científicas que demonstrem qualquer diferença entre os gêneros que justifique a predominância masculina. Em relação à faixa etária, verificou-se que a maioria dos casos novos detectados era de jovens e adultos jovens com baixo percentual detectado e idade inferior a 15 anos. Esse resultado é corroborado por Gomes et al. (2005), que asseveram que a maior incidência de casos em seu estudo era de indivíduos na faixa etária de 35 a 54 anos (35,8% da população estudada). Resultados semelhantes podem ser verificados nas investigações conduzidas por Hinrichsen et al. (2004); Miranzi, Pereira e Nunes (2010); Lima et al. (2009), entre outros. Para Batista et al. (2011), ao atingir jovens e adultos jovens, a patologia lhes impõe o risco de serem excluídos da cadeia produtiva por causa de possíveis incapacidades ocasionadas, provavelmente, pela demora no diagnóstico. Segundo Miranzi, Pereira e Nunes (2010), ao afetar adultos jovens economicamente ativos, a hanseníase pode gerar um demasiado custo social, tendo em vista os casos de afastamento da atividade produtiva em função das incapacidades físicas, lesões e estados reacionais impostos pela patologia. A forma multibacilar predominou entre as classes operacionais detectadas neste estudo. Resultado semelhante foi encontrado por Lanza et al (2012), que, ao analisar o perfil epidemiológico da hanseníase, no município de Divinópolis, concluíram que a maioria dos casos apresentaram as formas clínicas multibacilares no momento do diagnóstico. Resultados semelhantes foram observados por Romão e Mazzoni (2013), que identificaram um percentual de 66,67% de multibacilares entre os casos detectados. O mesmo predomínio foi observado por lima et al (2009), Miranzi, Pereira e Nunes (2010), Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Sanches et al (2007) e Mello, Popoaski e Nunes (2006). Para Romão e Mazzoni (2013), o predomínio das formas multibacilares é um indicativo de que o diagnóstico é feito tardiamente. De acordo com Costa et al (2003), a predominância de pacientes multibacilares notificados demonstra uma necessidade de ações que sejam desenvolvidas para que se possam notificar precocemente os casos novos da doença que o tratamento seja feito logo no início do processo, com o fim de evitar a polarização para as formas que apresentam potencial incapacitante. As incapacidades físicas manifestadas por alterações motoras e/ou sensoriais são os principais problemas ocasionados pela hanseníase. As neurites podem surgir na patologia e ser a causa de diferentes graus de incapacidade, que interferem na capacidade do indivíduo de interagir socialmente e se manter economicamente ativo. O diagnóstico precoce das neurites é importante para prevenir as incapacidades, além de contribuir para melhorar o monitoramento de acometimentos neurais já instalados (BATISTA et al, 2011). No tocante ao grau de incapacidade, foi observada baixa porcentagem de pacientes com algum grau, uma vez que a maioria da população estudada apresentou grau zero ou grau 1 de incapacidade. Resultados semelhantes podem ser encontrados na literatura, como no estudo realizado por Batista et al (2011). Ao analisar o perfil sociodemográfico e clínico-epidemiológico dos pacientes diagnosticados com hanseníase em Campos dos Goytacazes, esses autores constataram que a maioria dos pacientes 72,2% não apresentou nenhum grau de incapacidade, enquanto que 19,5% apresentaram grau 1, e 7,7%, grau 2. A predominância de pacientes com baixo grau de incapacidade também foi atestada por Nunes et al (2006), que verificaram que 70,2% dos pacientes apresentavam grau zero de incapacidade no momento do diagnóstico; outros estudos também apontaram resultados semelhantes, como os de Lanza et al (2012); Romão e Mazzoni (2013); Lima et al (2009) e Gomes et al (2005). Esse resultado demonstra que, apesar de a maioria dos casos ser multibacilares, estão sendo diagnosticados precocemente, já que grande dos doentes, quando diagnosticados precocemente, não apresenta incapacidades. Entretanto, nesse contexto, devem ser levados em consideração, também, possíveis erros de avaliação do grau de incapacidade no momento do diagnóstico, além do número de pacientes que não foram avaliados ou cujo grau de incapacidade apareça como ignorado. Embora pequeno, o certo é que o grau de incapacidade que esses pacientes apresentavam no momento do diagnóstico continua desconhecido. Tal situação prejudica um pouco a avaliação da qualidade das ações de controle da epidemia, porque, habitualmente, utiliza-se o percentual de pacientes sem incapacidades no diagnóstico como indicador de qualidade das ações. Outro ponto que deve ser observado é a possível existência de pacientes com neurite silenciosa que já com áreas de anestesia, porém assintomáticos (COSTA et al.,2003). Há que se ressaltar que o registro e a avaliação das incapacidades são de ex130

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trema importância para conduzir o paciente aos cuidados, durante o tratamento e em seu final, bem como para prevenir que se instalem incapacidades pós-alta, porquanto conhecer o grau de incapacidade do paciente será indispensável para definir e executar ações assistenciais que serão necessárias para, conforme o caso, prevenir incapacidades ou reabilitar funções. Lima et al (2011) referem que as incapacidades ocorridas por causa da hanseníase são responsáveis pelo estigma e pela discriminação que sofrem os acometidos pela doença. Os autores entendem que, para identificar a presença de incapacidades físicas no momento do diagnóstico, essa é uma das formas mais eficazes de se verificar se a detecção de casos novos está ocorrendo precocemente, pois quando isso acontece, a patologia é detectada mais tardiamente. A maioria dos casos estudados apresentou uma única lesão cutânea. O resultado diverge dos achados de Mello, Popoaski e Nunes (2006), cujo estudo revelou que a maioria dos pacientes (47,4%) tinha sete ou mais lesões. A resistência do organismo ao bacilo pode ser mensurada pelo número de lesões cutâneas, que é inversamente proporcional ao número de lesões e às áreas corporais afetadas. Portanto, quanto maior for a resistência menor será o número de lesões (HINRICHSEN et al., 2004). O encaminhamento foi o modo mais usado de detectar casos novos no período. Esse resultado foi corroborado pela pesquisa conduzida por Miranzi, Pereira e Nunes (2010), que verificaram que 55,6% dos casos analisados tiveram o encaminhamento como modo de detecção, seguido pela demanda espontânea, com 35,3% dos casos. Os resultados mostraram que foram relativamente baixos os percentuais de detecção por meio do exame de contatos e do exame da coletividade, o que aponta para a necessidade de ampliar as ações de busca ativa de novos casos no município. A busca ativa é um importante instrumento de combate à endemia, porquanto pode detectar precocemente casos da patologia na população e identificá-los nas fases iniciais da doença. Essa é uma forma de contribuir para reduzir o número de incapacidades relacionadas à doença. Este estudo observou que grande parte dos pacientes evoluiu para a cura, o que condiz com a literatura existente, como mostra o estudo realizado por Miranzi, Pereira e Nunes (2010), que demonstrou que um percentual de 83,9% dos pacientes evoluíram para a cura. A boa resposta terapêutica apresentada pelos pacientes corrobora a eficácia reconhecida da poliquimioterapia (PQT), na década de 80, cujo tratamento tem curta duração, provoca uma queda da prevalência global e aproxima-se da meta de eliminação (GONÇALVES et al.,2005). O perfil dos pacientes notificados no município de João Pessoa é, em parte, semelhantes às características apresentadas por pacientes de outros municípios. A predominância de adultos jovens do sexo masculino indica que é preciso incrementar as ações voltadas para essa população. O percentual relativamente baixo de detecções de casos novos da hanseníase, através do exame de contatos e do exame da coletividade, é uma Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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oportunidade de intensificar essas ações, a fim de que se possam obter diagnósticos cada vez mais precoces, quando ainda não estejam instaladas as incapacidades que podem surgir nos casos mais avançados. Os resultados referentes ao grau de incapacidade, no momento do diagnóstico, foram positivos e demonstraram que as ações de controle e erradicação da doença estão alcançando alguns dos objetivos propostos. Entretanto, também apontam para a necessidade de se reforçarem as ações de monitoramento e reabilitação dos pacientes que já apresentam algum tipo de incapacidade.

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Stenio Melo Lins da Costa 1 Marcella Moura Lima 2

Perfil epidemiológico de doentes neurológicos submetidos à intervenção fisioterapêutica RESUMO As doenças neurológicas são uma importante causa de deficiência física entre a população brasileira. Conhecer o perfil desses pacientes pode auxiliar na promoção de politicas publicas e ações efetivas para o atendimento das necessidades dessas populações. Foi realizada uma analise do perfil epidemiológico dos pacientes com deficiência física atendidos em dois serviços de Fisioterapia. A pesquisa contou com 27 pacientes neurológicos atendidos nos serviços de fisioterapia. Os resultados evidenciaram uma predominância de pessoas do sexo masculino (69,40%), com ensino fundamental incompleto (34,78%), casados (47,82%), entre os 46-60 anos (52,17%), sobrevivendo uma renda mensal de um salário mínimo (52,17%). Palavras-chave: Perfil epidemiológico; Neurologia; Fisioterapia.

ABSTRACT Neurological diseases are an important cause of physical disability among Brazilian population. Learning the profile of these patients can help in the promotion of public policies and effective actions to meet the needs of such populations. An analysis of the epidemiological profile of patients with physical disabilities attended in two Physical Therapy services was carried out. The study counted on 27 neurological patients attending the physiotherapy services. The results showed a predominance of males (69.40%), incomplete elementary schooling (34.78%), married (47.82%), 46-60 years old (52.17%), living on a monthly minimum wage income (52.17%). Keywords: Epidemiological profile; Neurology; Physiotherapy. 1. Professor associado II do Departamento de Fisioterapia do Centro de Ciências da Saúde, UFPB - steniom@yahoo.com.br 2. Acadêmica do Curso de Fisioterapia da UFPB. Marcellamoura_@hotmail.com

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INTRODUÇÃO Doenças neurológicas são aquelas que ocorrem no sistema nervoso periférico ou central. Segundo Grabowski (2008), o sistema nervoso (SN) tem três funções básicas: a sensorial, a de integração e a motora. As estruturas que formam o SN são o encéfalo, a medula espinhal, os nervos cranianos, os nervos espinhais, os gânglios e os receptores. O sistema nervoso central (SNC) é formado de estruturas que se localizam em caixas ósseas - o encéfalo e a medula espinhal – e o sistema nervoso periférico (SNP) é formado de estruturas distribuídas pelo corpo - nervos e gânglios. As doenças neurológicas geram disfunções tanto em âmbito central quanto periférico, e as sequelas nos pacientes acometidos poderão ser motoras, sensoriais e autonômicas. As que ocorrem em periférico, que afetam nervos, caracterizam-se por paresias e paralisias, que diminuem os reflexos, enfraquecem o tônus muscular e impedem o movimento voluntário. As afecções do SNC geram perda do controle motor, hiperreflexia, clônus e outros fenômenos. Dentre as doenças neurológicas, as mais conhecidas são acidente vascular encefálico - AVE, Parkinson, trauma cronioencefálico – TCE, trauma raquimedular – TRM, entre outras. Essas doenças causam grandes transtornos na parte física e psicológica dos que são acometidos por elas e as sequelas que deixam são, muitas vezes, irreversíveis. Nesses casos, pessoas que não sofriam de nenhuma incapacidade passam a ser dependentes de outras para fazer as atividades simples do dia a dia. A perda da autonomia e da liberdade causa um grande impacto na vida desses indivíduos, e melhorar a qualidade de vida é sempre um objetivo dos que tratam de pacientes neurológicos. O acidente vascular encefálico (AVE) é a perda repentina da função neurológica causada por uma interrupção do fluxo sanguíneo para o encéfalo. O mais comum é o AVE isquêmico, que acomete cerca de 80% das pessoas. Essa doença deixa vários déficits focais, que geram alterações no nível de consciência e compromete as funções sensorial, motora, cognitiva, perceptiva e de linguagem. Dentre os déficits motores, a hemiplegia e a hemiparesia afetam o lado do corpo oposto ao da lesão. O termo ‘hemiplegia’ é muito utilizado para caracterizar esses acometimentos motores em um só lado do corpo. O nível de comprometimento pós-AVE vai depender da localização e da extensão da lesão cerebral, do fluxo sanguíneo colateral e da intervenção precoce. O AVE é a terceira principal causa de morte e de deficiência entre adultos nos EUA. Há evidências de que a incidência de AVE é cerca de 1,25 vezes maior em homens do que em mulheres. Essa incidência aumenta drasticamente com o avançar da idade e pode duplicar as chances de ocorrer depois dos 65 anos de idade. Além de ser um grande causador de mortes, aproximadamente 22% dos homens e 25% das mulheres que sobrevivem a um AVE morrem cerca de um ano depois (O’SULLIVAN E SCHMITZ, 2010). O parkinson é uma doença crônica e progressiva do sistema nervoso, caracterizada por rigidez, bradicinesia, tremor e instabilidade postural. Há outros sintomas, como Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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perturbações do movimento e da marcha, alterações sensoriais, distúrbios de fala, de voz e de deglutição, mudanças cognitivas e comportamentais e mudanças gastrointestinais e cardiopulmonares. A doença progride lentamente e impede o paciente de fazer suas atividades diárias. Nesses casos, é muito comum a depressão. Esta doença gera desordens que produzem anomalias no funcionamento dos gânglios da base, sua etiologia é idiopática e desconhecida. É uma doença neurodegenerativa que afeta 2% da população acima de 65 anos, se inicia aproximadamente entre os 50 e 60 anos, aumentando a incidência com a idade. Homens e mulheres são afetados quase que igualmente. Anualmente ocorrem cerca de 10 casos novos para cada 100.000 pessoas abaixo de 50 anos e cerca de 300 casos novos para cada 100.000 pessoas entre 88 e 99 anos (O’SULLIVAN & SCHMITZ, 2010). O trauma crânio encefálico (TCE) é uma agressão causada por aceleração ou desaceleração de grande intensidade do cérebro. Esses traumas geram compressão, tensão, ruptura e deslocamento do tecido cerebral. O nível de comprometimento irá depender da gravidade do trauma e das estruturas envolvidas. Alguns comprometimentos associados ao TCE são tônus anormal, comprometimento sensorial e motor, alteração do nível de consciência, perda de memória, apatia, falta de interesse, irritabilidade, afasia, disartria, entre outros. Acidentes com automóveis representam, aproximadamente, metade de todas as lesões; na sequência, vêm as quedas, a violência e a prática de esportes. Os homens são mais acometidos por essa doença do que as mulheres e ocorre mais em pacientes com idades entre 15 e 24 anos de idade (O’SULLIVAN & SCHMITZ, 2010). A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou, em 2006, que as doenças neurológicas afetam cerca de um bilhão de pessoas no mundo e matam, aproximadamente, sete milhões ao ano, ou seja, 12% das mortes globais. Segundo dados divulgados pelo IBGE, no Brasil, a cada 100.000 habitantes, 1.200 sofrem de algum acometimento neurológico. Podemos constatar, então, que as doenças neurológicas são muito presentes no mundo todo, o que chama à atenção na área da Saúde. O estudo epidemiológico tem como objetivo descrever o processo saúde-doença nas populações, no âmbito da saúde pública, e a epidemiologia visa gerar estratégias para prevenir doenças e promover saúde. Segundo Last (1995), “Epidemiologia é o estudo da frequência, da distribuição e dos determinantes dos estados ou eventos relacionados à saúde em específicas populações e a aplicação desses estudos no controle dos problemas de saúde.” No caso de doenças tão recorrentes no dia a dia, como as patologias neurológicas, é preciso desenvolver mais estudos que visem entender a situação em que vivem esses pacientes, o que mudou em suas vidas e o que pode ser melhorado. Isso facilitará a adaptação e a criação de políticas públicas voltadas para essas pessoas. Nessa perspectiva, conhecer o perfil do paciente neurológico é uma forma de entender a necessidade desses pacientes e de melhorar a estruturação dos serviços especializados nessa 136

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população. Ou seja, o estudo epidemiológico pode aprimorar o serviço de saúde, tão utilizado por pacientes neurológicos que, todos os dias, recorrem aos diversos serviços de saúde para melhorar seu quadro clínico e a qualidade de sua vida. O objetivo deste estudo consistiu em traçar o perfil epidemiológico e descrever as características demográficas e clínicas de pacientes atendidos pelo serviço de fisioterapia do Ambulatório do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e da Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tendo em vista a escassez de estudos sobre essa temática.

MATERIAIS E MÉTODOS Participaram desta pesquisa 27 pacientes com sequelas neurológicas e que são atendidos no serviço de fisioterapia do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e da Clínica Escola de Fisioterapia da UFPB, ambos atendidos no cenário da disciplina ‘Fisioterapia nas Disfunções do Sistema Neurológico’. Foi feito contato com pacientes que estavam sendo tratados por fisioterapeutas por, no mínimo, 30 dias e que tivessem mais de 18 anos. Foram excluídos os que apresentaram déficit cognitivo. A coleta dos dados foi iniciada em março de 2016 e terminou em junho de 2016, no local onde os pacientes estavam sendo atendidos - o HU e a Clínica-escola. Os horários eram determinados de acordo com a disponibilidade dos pacientes, visto que eles enfrentam muitas dificuldades para se deslocar. Portanto a maioria das avaliações foi feita no horário do atendimento. Para traçar o perfil epidemiológico desses pacientes, eles foram submetidos a uma entrevista e assinaram um Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCL) depois que o motivo da pesquisa foi explicado. A ficha de avaliação epidemiológica continha os seguintes itens: 1 – idade; 2 – sexo; 3- estado civil; 4 - escolaridade; 5 – renda mensal; 6 – diagnóstico; 7 – tempo de diagnóstico em meses; 8 - tempo de fisioterapia em meses; 9 – frequência semanal na fisioterapia; e 10 – análise da cognição por meio do miniexame do estado mental – o MINIMENTAL - um teste que avalia a cognição levando em conta a orientação no tempo e no espaço, a memória recente, o cálculo, a linguagem e a praxia motora, o que pode gerar uma pontuação de 0 a 30. Foi definido como nota de corte um total inferior a 20 pontos nesse exame. Os pacientes foram divididos de acordo com seu diagnóstico, considerando as patologias predominantes no estudo: AVE, TCE, parkinson e outras doenças. Em relação à idade, foram divididos nos seguintes subgrupos: 1 – de 18 a 30 anos; 2 – de 31 a 45 anos; 3 – de 46 a 60 anos; 4 – de 61 a 75 anos; 5 – de 76 para cima. No que diz respeito à escolaridade, eles foram divididos em sete subgrupos: 1 – de analfabetos; 2 – os com f o fundamental incompleto; 3- fundamental completo; 4 – Ensino médio incompleto; 5 Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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– ensino médio completo; 6 – Ensino superior completo; e 7- Ensino superior incompleto. Quanto à renda, foram formados quatro subgrupos: 1 – Um salário mínimo; 2 – dois salários mínimos; 3 – três salários mínimos; e 4 – quatro ou mais salários mínimos. Os dados foram analisados de forma descritiva e relacionados entre si, através do programa Excel 2013. As variáveis qualitativas foram apresentadas através de sua frequência relativa (percentuais) e absoluta (N) e das variáveis quantitativas numéricas - média e desvio-padrão. Os dados são apresentados em forma de tabela e de gráficos.

RESULTADOS Dos 27 pacientes avaliados, quatro foram excluídos por não terem o mínimo necessário de cognição para responder à avaliação, portanto quem teve pontuação inferior a 20, no MINIMENTAL, foi excluído. Desses 23 restantes, sete (30,4%) eram mulheres, e 16 (69,6%), homens. Quanto à faixa etária, houve uma variação de 25 a 70 anos. O subgrupo 3 (46 aos 60) prevaleceu, com 12 pacientes (52,17%), mais da metade do estudo. A maioria dos participantes são casados – 11, dos 23 avaliados (47,82%). A tabela 1 contém a distribuição de cada grupo, relacionado à idade, ao gênero e ao estado civil. Tabela 1 – Idade, gênero e estado civil dos doentes neurológicos atendidos no HULW e na Clínica Escola de Fisioterapia (UFPB) - março a junho de 2016 - João Pessoa - PB

Fonte: Elaboração própria 138

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Outra variável estudada foi a escolaridade. Os dados apontaram que a maioria dos participantes cursou o Ensino Fundamental incompleto – oito, dos 23 participantes (34,78%). A renda familiar (RF) mensal de 12 do total de participantes é de um salário mínimo (52,17). Foi estudado mais da metade do total de pacientes. Na tabela 2, encontra-se a distribuição dos demais subgrupos. Tabela 2 – Escolaridade e renda familiar dos doentes neurológicos atendidos no HULW e na Clínica Escola de Fisioterapia (UFPB) – março a junho de 2016 - João Pessoa - PB

Fonte: Elaboração própria

Dos quatro grupos formados para diagnóstico, o que teve maior incidência foi o AVE, com oito participantes (34,78%); em seguida, o grupo de Parkinson (26,08%); o de TCE, com quatro participantes (17,39%); e o grupo de outras patologias, com cinco participantes (21,73%) (Tabela 3). O tempo de diagnóstico em meses variou de dois a 192 meses, com uma média de 63 meses e desvio-padrão de 56,58. Já o tempo de acompanhamento fisioterapêutico variou de um mês a 168 meses, com uma média de 22,6 meses e desvio-padrão de 40,65. Os pacientes frequentam a fisioterapia duas ou três vezes por semana; 17 deles, três vezes por semana (73,9%), e seis (26,1%), duas vezes por semana (Tabela 4). Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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Tabela 3 – Diagnóstico clínico dos doentes neurológicos atendidos no HULW e na Clínica Escola de Fisioterapia (UFPB) – março a junho 2016 - João Pessoa - PB

Fonte: Elaboração própria Tabela 4 – Tempo de diagnóstico e de realização de fisioterapia dos doentes neurológicos atendidos no HULW e na Clínica Escola de Fisioterapia (UFPB) – março a junho 2016 - João Pessoa - PB

Fonte: Elaboração própria Os resultados do MINIMENTAL variaram de 30 a 21 pontos e apresentaram uma média de 27,52 pontos.

DISCUSSÃO Com base nos resultados obtidos nesta investigação, verificaram-se algumas predominâncias no perfil dos pacientes acometidos por doenças neurológicas. A quantidade de homens chega a ser mais do que o dobro do total de mulheres da amostra. Coriolano et al. (2013) fizeram um estudo epidemiológico com pacientes que sofrem de doença de Parkinson, no Hospital das Clínicas em Pernambuco, e também concluíram que o sexo masculino predominou, com 67,2% da amostra. No estudo de Mazzola et al. (2012) com pacientes que sofreram AVE também predominou o sexo masculino - 72,09%. Essa predominância do sexo masculino pode ser explicada pelo fato de os homens estarem mais propensos aos fatores de risco do que as mulheres. Isso pode ser justificado no estudo 140

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de Maineri et al. (2007) sobre fatores de riscos para doenças cérebro-vasculares, em que os homens apresentam mais risco de AVC do que as mulheres, com diabetes e pressão arterial alterada em maior quantidade na amostra do que nas mulheres do mesmo estudo. Neste estudo, predominou o subgrupo 3, com idades de 46 a 60 anos, portanto, 52,17% do total de pacientes avaliados. A variação de idades foi de 29 a 70 anos. Isso se deve ao fato de este estudo tratar de diferentes doenças do sistema neurológico. Os pacientes mais jovens são os acometidos por traumas como TCE, e os mais velhos, por doenças que surgem depois, como AVE e Parkinson. Esse resultado corrobora o estudo de Mazzola et al. com pacientes de AVE e teve mais incidência com a população de 40 a 59 anos. Porém a quantidade de adultos jovens acometidos por doenças neurológicas cresce cada vez mais, e isso deixa de ser um problema somente da terceira idade. Segundo Lessa (1999), estudos realizados em Joinville e Salvador também constataram incidência em adultos jovens. Um fato importante é a predominância de pacientes que não concluíram os estudos - apenas quatro cursaram o ensino completo, fundamental ou médio - 11 com ensino fundamental e médio incompletos e três analfabetos. Isso mostra que predomina o número de pessoas com baixa escolaridade, fato muito comum em nosso país. Segundo dados do IBGE e do Censo realizado em 2010, cerca de 9% dos brasileiros de dez anos ou mais ainda não são alfabetizados. No Nordeste, mais de 16% da população de dez anos ou mais ainda não são alfabetizados, um valor muito alto. Esse é um grande problema social que ainda enfrentamos nos dias de hoje. Outro fator alarmante no estudo foi a quantidade pacientes cuja renda é apenas de um salário mínimo por mês, para bancar gastos pessoais, com tratamento e contas familiares, chegando a 52,17% da amostra. No Brasil, o salário mínimo custa, atualmente, R$ 880,00, um valor extremamente baixo para pessoas com tantos gastos mensais como, por exemplo, transporte para o atendimento fisioterapêutico. Essa porcentagem se assemelha à que foi encontrada por Leite et al. (2009), cujo estudo apontou que a quantidade de pessoas acometidas por AVE que vivem com apenas um salário mínimo chegou a 41% da amostra. Segundo Coriolano et al. (2013), poucos estudos correlacionam renda e escolaridade com pacientes neurológicos, tampouco, o quanto esse fator social influencia o agravamento dessas doenças. Nos dois lugares onde foram feitas as avaliações, predominou o número de pacientes acometidos por acidente vascular encefálico, o AVE, que, em escala mundial, é a segunda maior causa de mortes no mundo (ALMEIDA, 2012). Suas grandes consequências motoras e os possíveis ganhos depois da lesão podem ser uma justificativa para essa predominância nos atendimentos de fisioterapia. Houve uma grande variação na quantidade de meses desde o diagnóstico. Neste estudo, foi de dois até 192 meses. Boa parte daqueles com mais tempo de diagnóstico Conceitos - N. 25, Vol. 1 (Jan.Jul 2017)

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fazem fisioterapia desde que descobriram a doença neurológica, e os com menos tempo também começaram rapidamente assim que souberam do diagnóstico. Isso comprova a importância de um tratamento precoce, para que as chances de ganhos sejam maiores, e as funções essenciais sejam mantidas para o bem-estar, no caso das lesões em que o prognostico possa não ser promissor. Estudos epidemiológicos feitos com pacientes que sofreram um AVE, na cidade de diamantina – MG, constataram que a idade média desses pacientes foi de 67,8, e o tempo médio de AVE foi de 6,7 anos. Desses pacientes, 50% eram analfabetos, e 41,2% se mantinham com apenas um salário por mês. Esse levantamento possibilitou a criação de propostas como, por exemplo, inserir fisioterapeutas nas USF, mudar o hábito de vida dos indivíduos e promover melhorias e modificações nas estratégias de políticas de saúde na região do estudo (LEITE et al. 2009). Outro estudo epidemiológico, também realizado com pacientes de AVE assistidos na Cínica de Fisioterapia Neurológica da Universidade de Passo Fundo, constatou que a idade predominante desses pacientes era de 50 a 59 anos e identificou os fatores de riscos predominantes nesses casos. Foi possível, então, traçar o perfil do paciente neurológico nesse local (MAZZOLA, 2012). Uma das dificuldades encontradas neste estudo foi o pequeno número de pacientes na amostra. Como dependíamos da disponibilidade dos pacientes para irem ao serviço em um horário diferente do atendimento regular, muitos não compareceram ou desistiram de finalizar a avaliação. Outro ponto a ser destacado é a escassez de artigos que tratem do perfil epidemiológico de variadas doenças do sistema neurológico, já que a maioria só foca uma doença, e isso nos dificultou fazer uma comparação mais exata dos dados.

CONCLUSÃO A maioria dos pacientes com doenças neurológicas que são atendidos pelo serviço de fisioterapia do Hospital Universitário Lauro Wanderley e pela Clínica Escola de Fisioterapia da UFPB são é composta de homens, com idades entre 45 e 60 anos, com escolaridade incompleta e renda média de um salário mínimo por mês. Esta pesquisa pode ser continuada devido à grande rotatividade de pacientes atendidos nos serviços de fisioterapia abordados neste estudo. Para isso, pode-se aumentar a amostra e atualizar constantemente os dados desses pacientes. Outra opção seria enfocar a doença de forma individual. Porém, nesse caso, seria necessária uma amostra muito maior de pacientes. Mesmo com limitações e uma amostra pequena, este estudo atingiu os objetivos propostos. É essencial que o perfil epidemiológico desses pacientes seja estudado e definido, para que os serviços de fisioterapia em que estão inseridos possam oferecer um serviço mais especializado, com estratégias que proporcionem um atendimento ideal, de forma que eles sejam inseridos o mais rápido possível. 142

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REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. R. M.. Análise epidemiológica do acidente vascular cerebral no Brasil. Revista Neurociência 20(4): 481-482, 2012. CORIOLANO, M. G. W. S. et al. Perfil epidemiológico dos pacientes com doença de Parkinson do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. NEUROBIOLOGIA, 76 (1-2) janeiro/junho, 2013. DE LIZ MAINERI, N. et al. Fatores de risco para doença cerebrovascular e função cognitiva em idosos. Arq Bras Cardiol, v. 89, n. 3, p. 158-162, 2007. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2000/2010 [online] Disponível na internet via WWW URL: http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o -brasil/nosso-povo/educacao.html. Arquivo consultado em 28 de agosto de 2016. LAST, J. M. — Um dicionário de epidemiologia. 2.a ed. Lisboa: Departamento de Estudos e Planeamento da Saúde, 1995. LEITE, H. R.; NUNES, A. P. N.; CORRÊA, C. L.. Perfil epidemiológico de pacientes acometidos por acidente vascular encefálico cadastrados na Estratégia de Saúde da Família em Diamantina, MG. Fisioterapia e pesquisa, v. 16, n. 1, p. 34-39, 2009. MAZZOLA, D. et al. Perfil dos pacientes acometidos por acidente vascular encefálico assistidos na Clínica de Fisioterapia Neurológica da Universidade de Passo Fundo Doi: 10.5020/18061230.2007, p. 22. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, v. 20, n. 1, p. 22-27, 2012. O SULLIVAN, S.; SCHMITZ, T. J. . Fisioterapia: avaliação e tratamento. 5. Ed. Barueri: Manole, 2010.

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