Revista Conceitos Ed 22 - mar 2016

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Campus da UFPB

ISSN 1519-7204 N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015) 120 páginas Ricardo de Figueiredo Lucena e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.)

João Pessoa - Paraíba - Brasil Janeiro de 2015


A revista Conceitos é uma publicação para divulgação de artigos científicos-pedagógicos, produzidos por docentes da Universidade Federal da Paraíba e colaboradores, promovida pela ADUFPB Seção Sindical do ANDES-SN, com distribuição gratuita e dirigida aos filiados da Entidade.

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba.

C744

Conceitos / Ricardo de Figueiredo Lucena e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.). – Vol. 2, n. 22 (Jan. 2015) - João Pessoa: ADUFPB-Seção Sindical do ANDES-SN, 2015.

Semestral ISSN 1519-7204 1. Ensino superior - periódicos. 2. Política da educação periódicos. 3. Ensino público - periódicos. I. Lucena, Ricardo de Figueiredo. II. Araújo, Ricardo da Silva. III. ADUFPB. CDU: 378


É UMA PUBLICAÇÃO DA ADUFPB/SSIND. DO ANDES-SN Centro de Vivência da UFPB - Campus I - Cx. Postal 5001 CEP 58051-970 - João Pessoa/Paraíba - Fones: (83) 3133-4300 / (83) 3216-7388 - Fone/Fax: (83) 3224-8375 Homepage: www.adufpb.org.br - E-mail: adufpb@terra.com.br João Pessoa - Paraíba - Janeiro de 2015 - Edição número 22 - Volume I


CONSELHO EDITORIAL: Albergio Claudino Diniz Soares (UFPB) Albino Canelas Rubin (UFBA) Beatriz Couto (UFMG) Galdino Toscano de Brito Filho (UFPB) Ivone Pessoa Nogueira (UFPB) Ivone Tavares de Lucena (UFPB) Jaldes Reis de Meneses (UFPB) Lourdes Maria Bandeira (UnB) Luiz Pereira de Lima Júnior (UFPB) Maria Otília Telles Storni (UFPB) Maria Regina Baracuhy Leite (UFPB) Mário Toscano (UFPB) Martin Christorffersen (UFPB) Mirian Alves da Silva (UFPB) Ricardo de Figueredo Lucena (UFPB) Vanessa Barros (UFMG) Virgínia Maria Magliano de Morais (UFPB) Waldemir Lopes de Andrade (UFPB)

ORGANIZAÇÃO

Ricardo de Figueiredo Lucena e Ricardo da S. Araújo

PROJETO GRÁFICO, EDIÇÃO

E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Ricardo Araújo

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Originais digitais fornecidos pelos autores.

 REVISÃO DOS ARTIGOS

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 REVISÃO (ABSTRACTS):

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ARTE DA CAPA:

Pintura e colagem sobre papel reciclado Autor: Thayroni Arruda

FICHA CATALOGRÁFICA: Edna Maria Lima da Fonseca

(Bibliotecária da Biblioteca Central da UFPB).

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 GESTOR DE CONVÊNIOS - ADUFPB

Marcelo Barbosa

 DISTRIBUIÇÃO E CIRCULAÇÃO:

Gratuita e dirigida aos filiados do sindicato.

 NÚMEROS ANTERIORES: A ADUFPB disponibiliza no site do sindicato (www.adufpb.org.br), na seção Revistas, todos as edições da Revista Conceitos em formato digital (PDF), que podem ser adquiridas gratuitamente (downloads) para consulta.


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Diretora para Assuntos de Aposentadoria AUTA DE SOUSA COSTA (CE)

Vice-Presidente ROMILDO RAPOSO FERNANDES (CE)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia ABRAÃO RIBEIRO BARBOSA (CCA)

Secretária Geral TEREZINHA DINIZ (CE)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia PAULO CÉSAR GEGLIO (CCA)

Tesoureiro MARCELO SITCOVSKY SANTOS PEREIRA (CCHLA)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA NETO (CCHSA)

Diretor de Política Educacional e Científica FERNANDO JOSÉ DE PAULA CUNHA (CCS)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras NILVÂNIA DOS SANTOS SILVA (CCHSA)

Diretora de Política Social MARIA DAS GRAÇAS A. TOSCANO (CCS)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte CRISTIANO BONNEAU (CCAE)

Diretor Cultural CARLOS JOSÉ CARTAXO (CCTA)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte BALTAZAR MACAÍBA DE SOUSA (CCAE)

Diretor de Divulgação e Comunicação RICARDO DE FIGUEIREDO LUCENA (CE)

Suplente da Secretaria WLADIMIR NUNES PINHEIRO (CCM)

Diretor de Política Sindical CLODOALDO DA SILVEIRA COSTA (CCM)

Suplente da Tesouraria MARIA APARECIDA BEZERRA (CCS)


NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA CONCEITOS (Atualizadas em Janeiro 2015 - Também disponível no site: www.adufpb.org.br) A Revista Conceitos é uma publicação para divulgação da produção acadêmica dos docentes da UFPB, filiados à ADUFPB – Seção Sindical do ANDES-SN -, e que privilegia artigos e ensaios para divulgação científica. Os docentes interessados em publicar artigos na Revista Conceitos, deverão seguir rigorosamente as normas estabelecidas pelo Conselho Editorial da revista: 1. Serão aceitos textos em língua portuguesa com no máximo 15 (quinze) laudas e no mínimo 10 (dez) laudas, incluindo RESUMO, palavras-chave, ABSTRACT, referências bibliográficas, notas, ilustrações gráficas ou fotografias (no corpo do texto). Textos em língua estrangeira deverão submetidos à consulta prévia com a ConselhoEditorial. 2. Os textos devem estar devidamente atualizados e revisados com o Novo Acordo Ortográfico da Academia Brasileira de Letras (ABL). Após a inscrição e aprovação pelos Conselhos de Pareceristas e Editorial, o autor não poderá solicitar o artigo para modificações ou atualizações, salvo autorização dos referidos conselhos.

gem esquerda e colocada ao final do artigo, citando as fontes utilizadas. Para a melhor compreensão e visualização, no final deste regulamento são transcritos exemplos de referências de diversos tipos de materiais. 7) Ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, etc.). As imagens publicadas na Revista Conceitos são impressas em preto e branco. Devem estar inseridas no corpo do texto para indicar sua localização para a diagramação do artigo, acompanhadas de legendas caso seja necessário, e com a indicação: Figura 1, Figura 2, Figura 3... Os arquivos de fotografias digitais, ilustrações ou gráficos devem ser enviados separadamente no corpo do e-mail do autor. Devem ter boa resolução e legibilidade, nomeadas conforme as legendas no artigo (Figura 1, Figura 2, Figura 3). As ilustrações devem permitir uma perfeita reprodução. É importante indicar a fonte ou crédito de autoria da imagem, seja ela ilustração, gráfico ou fotografia. A ADUFPB não se responsabiliza por reprodução de imagens não autorizadas pelos autores.

3. Não serão aceitos trabalhos que não apresentem RESUMO E ABSTRACT. 9) Notas de rodapé 4. O(s) autor(es) deve(m) ser sindicalizado(s) na ADUFPB ou colaborador(es) formalmente convidado(s) pelo Conselho Editorial da Revista. 5. A primeira página do artigo deverá conter, além do RESUMO e do ABSTRACT, informações como nome completo do autor(es), função, departamento ou Centro onde leciona(m), bem como a instituição (Campi João Pessoa, Bananeiras, Areia, Litoral Norte, Santa Rita ou outros), titulação e e-mail para contato. 6. Cada docente colaborador poderá publicar 01 (um) artigo por edição da revista como autor-titular do texto. As co-autorias serão avaliadas pelo Conselho Editorial, dando prioridade aos autores titulares dos artigos para contemplar maior número de docentes sindicalizados na ADUFPB por edição da revista. Só será aceita 01 (uma) co-autoria por artigo. 7. Em parcerias com discentes da UFPB ou de outras instituições, o primeiro nome assinado deverá ser o nome do professor filiado à ADUFPB como autor-titular do artigo.

As notas de rodapé deverão ser citadas de acordo com as normas da ABNT. http://www.trabalhosabnt.com/regras-normas-da-abnt-formatacao/nbr-6023 10) Observações: a) Nos artigos inscritos, utilizar itálico somente para palavras estrangeiras. b) Os trabalhos que não atenderem a estrutura proposta pelo Conselho Editorial poderão ser devolvidos aos autores a critério do Conselho de Pareceristas, sem avaliação de mérito. 11) AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS Os artigos encaminhados à Revista Conceitos serão avaliados, individualmente, por três pareceristas ad-doc, reconhecidos por seu notório saber acerca dos temas inscritos. Para esta tarefa, será utilizado o sistema triplo cego e, com base nos pareceres obtidos, a Comissão Editorial emitirá um dos seguintes conceitos:

ESTRUTURA DOS TRABALHOS Os artigos deverão ser redigidos em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 e não devem exceder 15 páginas ou ser menor que 10 páginas, incluindo os títulos, resumos, palavras-chave, ilustrações, fotos e referências bibliográficas. Deve constar na estrutura dos trabalhos, a partir da primeira página:

a) aprovado para publicação; b) aprovado com correções; c) rejeitado para publicação.

(*) Esses dados podem ser incluídos no documento como nota de rodapé, sem numeração.

Quanto aos trabalhos não aceitos o autor será comunicado da decisão. Os editores não assumem a responsabilidade por opiniões/conceitos emitidos em artigos assinados e matéria transcrita. Os editores se reservam o direito de selecionar os artigos para publicação; ouvir parecer de especialista para averiguar a qualidade do trabalho; proceder à revisão gramatical dos textos e fazer correções desde que não alterem o conteúdo.

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1) Nome do(s) autor(es): Nome completo do(s) autor(es), seguidos de titulação*, local de atividade, e-mail para contato.

4) Abstract e palavras chaves - Em língua estrangeira (inglês) 5) Texto propriamente dito 6) Referências A lista de referências deve ser ordenada alfabeticamente, alinhada à mar-

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Sumário

Revista Conceitos - Ano 2015, Número 22, Volume 1. PÁG. 9

PÁG. 69

APRESENTAÇÃO

El turismo en espacios rurales desde la perspectiva emprendedora en los procesos de la nueva ruralidad:

PÁG. 10

el caso de Guanacaste, Costa Rica

O percurso histórico e político da Supervisão Pedagógica:

Giovanni de Farias Seabra

um olhar para o estado da Paraíba

Juan Carlos Picón Cruz

Paulo César Geglio Maria Sileide Moreira

PÁG. 78 Futebol de mesa: uma análise da consolidação da

PÁG. 19 Educação para as relações etnico-raciais: um percurso pela legislação e uma possibilidade de abordagem prática para o tema José Antônio Novaes da Silva PÁG. 29 A transferência de renda, o combate à pobreza e o programa Bolsa Família: uma equação possível? Maria de Fátima Leite Gomes Helenória de Albuquerque Mello PÁG. 38 Segregação espacial e controle social das massas empobrecidas

regra paraibana e suas formas de sociabilidade Maria Patrícia Lopes Goldfarb Sebastião Costa Andrade PÁG. 88 Lau Siqueira e Ademir Assunção: duas frentes da poesia brasileira hoje Amador Ribeiro Neto PÁG.96 Estágio regional interprofissional no sistema único de saúde (ERIP-SUS). A Interdisciplinaridade no Processo de Formação em Saúde na UFPB José da Paz Oliveira Alvarenga

Marlene Helena de Oliveira França

Wellando Wilk Nunes de Andrade

PÁG. 45

PÁG. 106

Literatura realista e contradições sociais no Brasil:

Osteonecrose dos maxilares associada ao uso

análise do poema “O Rio”, de João Cabral de Melo Neto

de bisfosfonatos – um alerta para a odontologia

Henrique Wellen

Dejanildo Jorge Veloso Cláudia Roberta Leite Vieira de Figueiredo

PÁG. 59 ¿Las mujeres no hacen deporte porque no quieren?

PÁG. 115

¿Los hombres practican el deporte que quieren?

Efeito das fases do extrato de Aloe vera (L.) na

El género como variable de análisis de la práctica deportiva

resposta imunológica de células linfocitárias in vitro

de las mujeres y de los hombres.

e possível resposta a células malígnas

Maria José Mosquera González

Creusioni Figueredo dos Santos Willy Araújo de Oliveira


O ano de 2015 avança em meio à crise econômica e política. A vida de cada um fica um pouco mais difícil e a vida coletiva sempre mais atribulada. Mas o que pode ser visto como elemento de desagregação, com crises que se sucedem e até se sobrepõem, ao fazer docente na universidade, deve ser o combustível para novas investigações, novas inquietações e muitas discussões. É isso que vemos aqui representado. A Revista Conceitos, mais uma vez, faz demonstrar o papel diverso e profundo da boa ação reflexiva que deve animar a vida universitária. O leitor(a) tem em mãos uma revista que aborda temas como Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos - um alerta para a odontologia e também Segregação espacial e controle social das massas empobrecidas e ainda, num amplo leque de análises surgem artigos que tratam de poesia, educação e relações etinico-raciais e outros de igual importância e atualidade. Ah! Nesse número ainda temos dois artigos em língua espanhola, ampliando o nosso espectro de relações e interação com colegas de outras universidades.

APRESENTAÇÃO

Difundir o bom debate

A capa que ilustra a Conceitos 22 recebeu o primoroso trabalho em grafite do artista paraibano Thayroni Arruda. Mestre em sociologia e artista urbano, Thayroni Arruda é um dos pioneiros da Street Art em Campina Grande e se destaca no cenário do grafite não apenas pela arte que faz mas, também, por desenvolver projetos de inclusão social para jovens em situação de risco. Atualmente, o grafiteiro está cursando doutorado em Antropologia Social no Instituto de Altos Estudios Sociales (IDAES), em Buenos Aires, na Argentina. Uma colaboração que torna a revista ainda mais conceituada e aberta às manifestações artistas contemporâneas como o grafite. Portanto, ao leitor a nossa certeza que aqui encontrará motivos de uma leitura animada pela diversidade e pela qualidade das análises. É a Conceitos chegando até os nossos sindicalizados e ao mundo, cumprindo o seu propósito de difundir o bom debate e ampliar o conhecimento. Boa leitura a todos(as)! Os Organizadores.

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Paulo César Geglio * Maria Sileide Moreira **

O percurso histórico e político da Supervisão Pedagógica: um olhar para o estado da Paraíba

RESUMO O texto apresenta uma intepretação a respeito do percurso histórico e político sobre a constituição da supervisão pedagógica como atividade profissional no contexto do Magistério. A abordagem mostra um panorama nacional da educação e da supervisão pedagógica, para contextualizar o movimento no âmbito do estado da Paraíba. O entendimento é de que a presença da supervisão pedagógica no Estado surgiu em conformidade com a tendência nacional, embasada nas propostas e determinações legais. Não obstante, houve iniciativas em âmbito estadual de congregações e lutas necessárias para a institucionalização da profissão, porém sem sucesso. O Estado, como ordenador das políticas públicas educacionais se encarregou, inicialmente, de promover a formação do Supervisor Pedagógico, como forma de prover seus quadros. A continuidade dessa formação foi absorvida pela universidade e o Estado, porém este ultimo,como fonte empregadora, não tem dado a devida relevância à presença desse profissional na escola. Palavras-chave: Supervisão pedagógica; percurso histórico; estado da Paraíba.

ABSTRACT This paper presents an interpretation on the historical and political course about the pedagogical supervision constitution as a professional activity in the teaching setting. The approach points out a national overview of education and pedagogical supervision, in order to set the context of such movement in the State of Paraíba. The understanding is that the presence of the local pedagogical supervision has emerged according to national tendency, based on legal proposals and determinations. Notwithstanding, there have been initiatives in the State level on the part of congregations, as well as struggles necessary for the institutionalization of the profession. Nonetheless, it did not turn out to be a successful achievement. The State, which is responsible for public policies in Education, has primarily been in charge of promoting pedagogical supervision training, as a means of providing for its professional boards. Continuity of such

(*) Doutor em Educação e membro do Grupo de Pesquisa Formação Docente CE/UFPB – E-mail: pgeglio@yahoo.com.br (**) Mestre em Educação e membro do Grupo de Pesquisa Formação Docente CE/UFPB – E-mail: maria.sileide_l@hotmail.com 10

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training has been absorbed by both the Federal University of Paraíba and the State itself, but this latter, as an employer, has not given significant relevance to the presence of such professionals in school environment. Keywords: Pedagogical supervision; historical course; state of Paraíba.

I. A SUPERVISÃO PEDAGÓGICA NO BRASIL

No contexto histórico da constituição do ‘ser professor’ e da profissionalização da Educação, situa-se também a presença do supervisor pedagógico (SP), cuja presença, segundo a história, aconteceu com a vinda dos primeiros jesuítas, no período da colonização em 1549, quando teve início, no Brasil, a atividade educativa desses missionários comandados por Manuel da Nóbrega, um padre ordenado pela Companhia de Jesus em 1544, que, a convite do Rei D. João III, embarcou na expedição de Tomé de Sousa. Manoel da Nóbrega fora escolhido pelo Rei para ser o primeiro governador geral, com a missão de se dedicar à catequese dos indígenas. O missionário participou da fundação das cidades de Salvador e do Rio de Janeiro e atuou na luta, como conselheiro de Mem de Sá, contra os franceses que tentavam fundar uma península francesa no Rio de Janeiro. Nóbrega e os demais padres que vieram com o Governador-geral organizaram a construção das primeiras igrejas de Salvador, onde os colonos portugueses se reuniam para missas, batismos, casamentos e festas de santos. Ele criou também a primeira Casa da Companhia de Jesus no Brasil. Era uma espécie de escola, com o objetivo de ensinar aos jovens índios a religião católica, onde os padres jesuítas ensinavam as crianças índias a ler, a escrever e a contar, pois eles perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem que tivessem essas habilidades. Quando os jesuítas chegaram ao Brasil, não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade europeia, tinham também na bagagem os métodos pedagógicos. Com a morte de Manuel da Nóbrega em 1570, o ensino foi direcionado pelo plano geral dos jesuítas, mais conhecido como Ratio Studiorum: um Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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conjunto de normas elaborado com a intenção de normatizar o ensino nos colégios da ordem religiosa. A primeira edição dessas normas foi publicada em 1599. Com essas normas, mais do que sustentar a Educação jesuítica, havia uma tendência a normatizar as ações de toda a Companhia de Jesus. Os principais objetivos da Ratio Studiorum eram de ordenar as atividades, as funções e os métodos de avaliação nas escolas dos jesuítas. Também percebemos, nesse conjunto de normas, os primórdios da existência do supervisor escolar na figura do prefeito geral de estudos. Ele era uma espécie de assistente do Reitor, que o auxiliava na boa ordenação dos estudos. Sua função consistia em controlar e orientar o trabalho dos professores, tendo em vista assegurar a aprendizagem dos alunos: “No sistema de ensino dos jesuítas, o prefeito dos estudos desempenhava uma função importante, que somente foi extinta com a Reforma Pombalina em 1759” (DREGUER, 2004, p.31). Com a expulsão dos jesuítas e a Reforma Pombalina, o sistema de ensino implantado pelos padres, no Brasil, foi abolido e, juntamente com ele, a função de prefeito de estudos. Esse evento pode ser considerado um retrocesso na Educação da época, visto que, a partir de então, professores leigos foram admitidos para as aulas régias introduzidas pela reforma de Pombal. Apesar da extinção do cargo de prefeito de estudos, a figura representativa daquele que definimos hoje como SP continuou presente, agora englobando aspectos políticos e administrativos, na figura do diretor geral, com a função de dirigir, fiscalizar, coordenar e orientar o ensino. A busca pela figura do SP, nos primórdios da Educação brasileira, é uma tentativa de mostrar a importância desse profissional da 11


Educação no contexto escolar. Segundo Anjos (1988), o primeiro registro legal sobre a atuação do SP no Brasil foi no ano de 1931. Naquela época, esse profissional era executor de normas prescritas pelos órgãos superiores da Educação. Ele era chamado de orientador pedagógico, ou orientador de escola, cuja função básica era a de inspecionar o trabalho docente. Nos estudos de Saviani (2010), há registros de que a função do SP surgiu quando se pretendeu emprestar à imagem do inspetor um papel predominante de orientação pedagógica e de estímulo à competência técnica, em lugar da fiscalização para encontrar falhas e aplicar punições. Por meio do Decreto n° 19.851, do mês de abril de 1931, a reforma de Francisco Campos previa a implantação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, em cujo interior surgiu o Curso de Pedagogia, com a missão de formar professores das disciplinas específicas do Curso Normal, assim como o “técnico em Educação” - o pedagogo - com cunho generalista. Naquele momento, década de 1930, a sociedade vivia sob o prisma de um otimismo com os movimentos políticos e sociais relacionados à Educação. Algumas propostas e programas trouxeram melhorias para a Educação, sobretudo com a criação da Associação Brasileira de Educação que, segundo Ribeiro (1978), representou um momento de grande importância para o desenvolvimento da supervisão pedagógica como profissão. Naquele período histórico, teve início a formação dos técnicos em Educação, que se constituíram a partir das diferenciações feitas entre funções administrativas e funções técnico-pedagógicas. Saviani (1993) registra que, no final da década de 1950 e início de 1960, foi firmado um acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para a implantação do Programa de Assistência Brasileiro-americano ao Ensino Elementar - PABAEE. A função desse programa era de controlar e inspecionar a Educação e ‘treinar’ os educadores brasileiros a fim de que garantissem a execução de uma proposta pedagógica voltada para a Educação tecnicista. Assim, professores e alunos passaram a ter um papel secundário no processo de ensino e de aprendizagem, dando lugar à organização racional dos meios. Eles ficaram relegados à condição 12

de executores de um processo, cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficavam a cargo de especialistas habilitados, neutros, objetivos e imparciais. Por causa disso, foram disseminadas as concepções do programa vindo dos Estados Unidos e, mais uma vez, o modelo para a supervisão e o ensino no Brasil veio de fora. Nas décadas descritas acima, a Educação brasileira era marcada, fundamentalmente, pelo PABAEE. Inicialmente, os técnicos acreditavam que bastava investir na formação dos professores por meio dos cursos “normais” para garantir a dinâmica das práticas impostas pelo Programa. No entanto, eles perceberam que o preparo do SP baseado nas concepções tecnicistas teria uma eficácia maior, visto que esse profissional poderia atuar diretamente no ensino, com um poder de interferência muito maior sobre o trabalho dos professores. Sob o ponto de vista legal, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no Brasil - desde a primeira, de número 4024/61fazem menção à necessidade de profissionais responsáveis por coordenar as atividades pedagógicas nas escolas, como forma de conduzir a execução das políticas educacionais desejadas pelos sistemas de ensino. Esse fato revela a tendência a mais controle e efetividade racional do trabalho docente, de acordo com o contexto social, político e econômico, e em consonância com a efervescência da revolução industrial que dominava o Estado Moderno na época. Sobre essa questão da racionalidade, Souza (2002, p. 16) lembra: O Estado moderno brasileiro, para muitos, iniciou-se em 1930, quando o processo de industrialização provocou mudanças com tendências progressistas. Na Política, houve espaço para as ideias anarquistas e marxistas e, na Educação, o escolanovismo decorre de novas interpretações das ideias de Rousseau e Montessori, cujo movimento de mudanças preconizava uma escola mais dinâmica, onde o aluno se tornava sujeito de sua aprendizagem, reduzindo o papel do professor. Disseminado nos EUA por Dewey, influenciou os nossos ideais educacionais, tornando-se a inspiração para a nossa primeira LDB.

O ano de 1930 foi caracterizado como Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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marco referencial para a entrada do Brasil no mundo da produção capitalista. Isso ocorreu, essencialmente, em função da acumulação de capital nos anos anteriores, o que deu ao Brasil a possibilidade de fazer investimentos no mercado interno e na emergente produção industrial. Com isso, a nova realidade brasileira passou a exigir uma quantidade maior de mão de obra especializada. Porém, para que isso fosse possível, era preciso investir em Educação pública. Assim, no ano de 1930, o governo brasileiro criou o Ministério da Educação e Saúde Pública. Em 1931, o governo provisório de Vargas - nomenclatura dada ao período dos primeiros anos da Era do Presidente Getúlio Vargas, que foram marcados pela presença dos “tenentistas” nos principais cargos políticos do novo governo - sancionou decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras. Os decretos aludidos acima ficaram conhecidos como ‘Reforma Francisco Campos’. Os principais representantes das alas militares que apoiaram o Presidente Vargas obtiveram as chamadas interventorias estaduais, através de uma ação do desse Presidente, que colocou vários militares no controle dos governos estaduais. Tal medida tinha como propósito anular a ação dos antigos coronéis. Em 1934, a nova Constituição - a segunda da República - registrava, pela primeira vez, que a Educação era direito de todos e deveria ser ministrada pelas famílias e pelos poderes públicos. No ano de 1935, o secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, criou a Universidade do Distrito Federal, no atual município do Rio de Janeiro, com uma Faculdade de Educação, onde se situava o Instituto de Educação. Em 1937, foi outorgada uma nova constituição brasileira. As orientações políticas e educacionais para o mundo capitalista estavam bem claras em seu texto, que sugeria a preparação de um maior contingente de mão de obra para a Educação. A referida Carta Magna enfatizava, ainda, o ensino pré-vocacional e o profissional. Assim, uma nova constituição de cunho liberal e democrático foi promulgada no ano de 1946. Na área da Educação, essa nova constituição determinava a obrigatoriedade do ensino primário - atual Ensino Fundamental - e dava competência ao governo brasileiro para Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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legislar sobre diretrizes e bases da Educação, resgatando o preceito de que a Educação é um direito de todos. Sua inspiração teve origem nos princípios proclamados pelos Pioneiros da Educação. No período da Nova República (19461963), caracterizado pela ampla democratização política do Brasil e sua estabilização econômica, foi criada uma comissão com o objetivo de elaborar um anteprojeto de reforma geral da Educação nacional. O anteprojeto foi encaminhado à Câmara Federal, dando início a uma luta ideológica em torno das propostas apresentadas. As discussões mais acirradas relacionavam-se à questão da responsabilidade de se ofertar educação. Um grupo inspirado nas ideias dos educadores da velha geração – 1930 - defendia a responsabilidade exclusiva do Estado na oferta da educação escolar. Outro grupo defendia a participação das instituições privadas de ensino na oferta de escolas. Depois de 13 anos de muitas discussões, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, sem a grandeza do anteprojeto original. Prevaleceram nela as reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos privados de ensino, em confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta de educação aos brasileiros. No ano de 1964, um golpe militar modificou o panorama político do Brasil até o ano de 1985, quando se realizaram eleições democráticas. O objetivo desse golpe foi de depor o então Presidente da República, João Belchior Marques Goulart (1961-1964). A tomada do poder por parte dos militares deu início ao período de governo dos presidentes militares, todos pertencentes aos altos escalões do comando militar. Esse período da história do Brasil ficou conhecido pela abolição dos direitos constitucionais - anulados em nove de abril - pela instituição da censura e pela perseguição política, que levaram à prisão os opositores do governo. O regime implantado refletiu na Educação o caráter antidemocrático de sua proposta ideológica. Devido a isso, todas as ações das instituições, e mesmo dos indivíduos, que eram vistas como subversivas pelo poder público, eram prontamente reprimidas. Assim, 13


muitos professores e intelectuais foram presos e demitidos de seus empregos, universidades foram invadidas, estudantes foram presos, e muitos deles foram assassinados. O governo da época instituiu o Decreto-lei n° 477, de 26 de fevereiro de 1969, que definia como subversivas as infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particular. Esse decreto calou a boca de alunos e de professores. Em 1969, o Conselho Federal de Educação, instituído pelo regime militar, aprovou a reformulação do Curso de Pedagogia por meio do Parecer n° 252/1969, que definiu o curso em habilitações específicas para a formação de especialistas na Educação. Naquele momento, o curso passou a formar o profissional da Educação para ser administrador escolar, inspetor escolar, supervisor escolar e orientador educacional. A formação para a docência dos anos iniciais da escolarização ainda era feita exclusivamente em nível do ensino médio. O período da instituição do Decreto-lei nº 477 foi o mais doloroso da ditadura militar, pois qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era violentamente reprimida. Foi nesse contexto em que o governo criou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 5.692, no ano de 1971. A característica marcante dessa Lei foi estabelecer uma escolarização básica de cunho profissionalizante. Em seu capítulo V, artigo 33, a LDBEN reforçava a responsabilidade dos especialistas - supervisor, orientador e diretor – de conduzir as práticas pedagógicas exercidas na escola: Institucionaliza a supervisão, ao referirem-se à formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e demais especialistas em Educação. A supervisão passa a introduzir modelos e técnicas pedagógicas atualizadas (para época); o supervisor, contudo, não perde o vínculo com o poder administrativo das escolas. Agora seu papel é o de assegurar o sucesso no exercício das atividades docentes por parte de seus colegas, professores, regentes de classe. (BRASIL, 1971, s/p).

De acordo com Sousa (2002), a década 14

de 1980 marcou o declínio do governo militar. Foi um momento propício aos movimentos progressistas da Educação. Mas as efetivas mudanças de caráter democrático e popular, no sentido de promover a inclusão e o acesso de toda a população à escola, só tiveram início nos anos de 1990 - que também foi uma época marcada pela globalização da economia e pelas políticas de ajuste fiscal e controle internacional das políticas sociais. Foi uma década em que os poderes públicos passaram a pensar na formação do professor de maneira racional, visando melhorar a qualidade do ensino. Os anos de 1990 foram um período da história da Educação brasileira em que começou o processo de ressignificação da ação do supervisor, e quando o SP passou a ser visto como um personagem do cotidiano escolar, que poderia usar a técnica sem a conotação de “tecnicismo”. Com essa nova realidade, ele passou a ter de refletir sobre o que fazer e por que fazer e assumiu, como educador, a dimensão política de sua função. Sobre isso, Medina (1995, p. 46) acrescenta: O supervisor abdica de exercer poder e controle sobre o trabalho do professor e assume uma posição de problematizador do desempenho docente, isto é, assume a atitude de indagar, comparar, responder, opinar, duvidar, questionar, apreciar e desnudar situações de ensino.

Com os ventos das mudanças dos anos de 1990, os professores passaram a buscar no SP uma ação renovada, pois viam nele um profissional que poderia orientá-los no seu dia a dia, assim como aquele que tinha condições de apoiá-los em seu processo de formação. Isso representaria uma maneira de qualificar sua prática pedagógica. É nesse sentido que Rangel (1988) aponta esse profissional como um mediador de seus professores - alguém que provoca, desafia, incita e questiona. Com o intuito de compreender como a profissão de professor é constituída, entrelaçando com a trajetória do SP, revisitamos a legislação educacional vigente. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira - LDBEN 9394/96 - fixa, em relação aos profissionais da Educação, diversas normas Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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orientadoras, cuja finalidade é a de valorizar o Magistério. A Lei estabelece critérios de ingresso na profissão e aponta a necessidade do plano de carreira nas instituições educacionais. Também menciona as finalidades e os fundamentos de sua formação, os níveis e o lugar dessa formação. A referida Lei utiliza a expressão “formação de profissionais da Educação”, fazendo alusão, em nosso entendimento, não só aos professores, como também aos demais profissionais da Educação que atuam no contexto escolar, entre eles, o supervisor pedagógico. O texto menciona, ainda, a necessidade de ser assegurado aos profissionais dessa área o aperfeiçoamento contínuo - inclusive com licenciamento periódico remunerado - além de piso salarial profissional; progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na avaliação do desempenho e um período reservado a estudos, planejamentos e avaliação, incluídos na carga horária de trabalho, assim como a oferta de condições adequadas de trabalho. Quanto à função do supervisor, tanto a Constituição Federal Brasileira, no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201, como a LDBEN 9394/96, art. 67, asseguram que são consideradas funções de Magistério as exercidas por professores e especialistas em Educação, no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimentos de Educação básica em seus diversos níveis e modalidades. Estão incluídas nessas funções, além do exercício da docência, o de direção de unidade escolar, de coordenação e assessoramento pedagógico. O Plano Nacional de Educação Brasileiro (BRASIL, 2014) identifica na formação continuada dos professores um dos pré-requisitos essenciais e estratégicos para valorizar o Magistério e melhorar a qualidade da Educação, pois é fundamental manter os bons profissionais do Magistério na rede de ensino e com perspectivas de capacitá-los constantemente. O Sistema Nacional de Formação Continuada de Professores reconhece que “[...] uma política nacional de valorização, formação inicial e continuada dos profissionais da Educação precisa ser implementada urgentemente” (BRASIL, 2006, p. 25). Assim, todo o aparato legal específico da área da Educação reconhece as diversas dimensões dessa atividade e, coerentemente, delega responsabiConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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lidades e estabelece espaço e tempo na rotina escolar para esse fim. No contexto da Educação brasileira, o papel do supervisor, na escola, é de supervisionar e controlar o trabalho do professor e imprimir um ritmo de produção gerenciado pelo modelo produtivo. Essa característica inicial da função do SP fez com que os professores o concebessem como um elemento gerenciador do seu trabalho, e não, como um profissional com a incumbência de contribuir com sua atividade pedagógica. Ao longo do tempo de atuação do SP na escola, sua função sofreu alterações. A tarefa exclusiva de supervisionar o trabalho docente deu lugar a uma atividade caracterizada pelo auxílio ao trabalho docente - o que mostra um avanço em termos de significado da atuação da supervisão escolar. Segundo Rangel (1988), reconheceu-se que o SP precisaria estabelecer uma relação de parceria e cumplicidade com os demais profissionais da escola, com um trabalho de assistência ao professor em forma de planejamento, acompanhamento, coordenação, controle, avaliação e atualização do desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem escolar.

II. A SUPERVISÃO PEDAGÓGICA NA PARAÍBA Os trabalhos acadêmicos que abordam a supervisão pedagógica no estado da Paraíba mencionam, de forma geral, o contexto histórico nacional, limitando-se a citações isoladas no âmbito paraibano. Assim, para reconstruir a trajetória de constituição profissional do supervisor pedagógico, procuramos informações com alguns supervisores e orientadores educacionais que fizeram parte da Associação Paraibana da Supervisão Escolar - APASE - e da Associação dos Orientadores Educacionais da Paraíba - ASSOREP. Primeiramente, tivemos acesso à publicação da orientadora educacional, Maria Lúcia Maia Muribeca, que retrata o orientador educacional no contexto nacional desde a década 1920 até 1990 - quando a Federação Nacional dos Orientadores Educacionais foi extinta. Esse fato foi importante e 15


de consequências profundas para a categoria. Posteriormente, entrevistamos a supervisora Severina Zezita de Matos, que também publicou uma obra em que aborda, de maneira geral, o especialista em Educação. A respeito de sua participação na APASE, ela falou brevemente sobre as reuniões que realizava na sede da instituição, em que a preocupação era de estruturar e organizar o funcionamento da entidade - desde a discussão e aprovação do estatuto, até a elaboração de calendário de reuniões e participação dos supervisores nos eventos. Quanto aos registros da APASE, ela argumentou que não tem informações a respeito e citou nomes de outras supervisoras que poderiam nos informar. Entre os nomes citados por Severina, está o da supervisora que fez parte da diretoria da APASE e, atualmente, é secretária de Relações de Gênero e Etnia do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba - SINTEP: trata-se da Professora Maria da Guia Lima da Costa. Ela nos informou que toda a documentação - livros de registro das atas, fotos, pautas das reuniões etc.- da APASE fora queimada em um incêndio que ocorreu na sede da entidade localizada no Bairro Tambiá, centro da capital paraibana. Naquela época, segundo Guia, existia um movimento para unificar as associações APASE e ASSOREP, mas, na ocasião, muitos membros associavam os assuntos da entidade aos de caráter partidário do cenário paraibano. Isso enfraquecia o movimento de unificação das entidades, portanto, a unificação não se concretizou. Com base em conversas com as supervisoras e as orientadoras educacionais que atuam há mais tempo na profissão e na leitura das poucas produções acadêmicas que, de alguma maneira, abordam o assunto, concluímos que o percurso histórico do SP na Paraíba está indissociavelmente atrelado ao dos orientadores educacionais. Além disso, constatamos que o percurso histórico do SP e dos orientadores educacionais, no Estado, seguiu o caminho e as bases do que ocorreu nos demais estados da Federação, ou seja, seu surgimento está ancorado na execução das políticas educacionais estabelecidas pelos órgãos responsáveis pela Educação no Brasil nos diversos momentos históricos. Outra fonte de informação à qual recor16

remos foi a Professora Maria da Salete Barbosa de Farias, que, durante muitos anos, foi orientadora educacional na rede estadual de ensino da Paraíba. Atualmente, ela faz parte do quadro de docentes do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Também é autora de uma pesquisa de Mestrado em que aborda, de forma mais sistemática, a trajetória política dos orientadores educacionais do estado da Paraíba, enfocando a presença da ASSOREP no cenário estadual. Em sua dissertação, ela registra pontualmente a formação e a institucionalização dos orientadores educacionais como profissionais da Educação no estado da Paraíba. É com base no trabalho dessa professora (FARIAS, 1994) que apresentamos a seguir alguns dados sobre o percurso histórico do SP na Paraíba. O surgimento da supervisão pedagógica no estado da Paraíba está intrinsecamente atrelado às políticas desenvolvidas pelo governo estadual, sobretudo no que se refere à criação de universidades e à relação com a Secretaria Estadual de Educação. A importância da universidade é relativa ao seu papel de agência formadora desses profissionais. A formação do SP na Paraíba teve início na Universidade Federal da Paraíba, criada em 1955 e federalizada em 1960, assim como na Fundação Regional do Nordeste - FURNE, atual Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), criada em 15 de março de 1966, sob o caráter de fundação, e estadualizada em 11 de outubro de 1987. Outra instituição que também contribuiu para esse processo de formação foi o Instituto Paraibano de Educação - IPÊ, fundado em 21 de junho de 1971 e transformado em Centro Universitário - UNIPÊ - em setembro de 1994. Na UFPB, a formação do SP e do orientador educacional é realizada no Curso de Pedagogia. Inicialmente, esse curso estava atrelado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFPB e, no ano de 1970, passou a integrar a estrutura da Universidade com a criação da Faculdade de Educação. Em 1974, com a Reforma Universitária no Brasil, a Faculdade de Educação foi extinta, e o Curso de Pedagogia passou a integrar o Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, oferecendo três habilitações: Supervisão Escolar, Orientação Educacional e Administração Escolar. No ano de 1978, foi Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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criado o atual Centro de Educação, do qual faz parte o Curso de Pedagogia. No âmbito nacional, o Curso de Pedagogia sofreu nova regulamentação em 1968 e, a partir disso, passou a existir nele a figura dos especialistas em Educação. No Parecer 252/69 do Conselho Federal de Educação, os especialistas em Educação estavam sob o guarda-chuva das habilitações oferecidas pelo referido curso, quais sejam: Supervisão Escolar, Orientação Educacional, Administração Escolar e Inspeção Escolar - dentro da necessidade de criação de normas de procedimentos pedagógicos e de técnicas encarregadas de decidir e controlar etapas do processo pedagógico. O Instituto Paraibano de Educação - popularmente conhecido como ‘Autônoma’ - instalado em João Pessoa, por meio da Resolução 05/78, passou a oferecer o Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, com as três habilitações: Supervisão Escolar, Orientação Educacional e Administração Escolar. Ele estava vinculado à Faculdade de Educação (Regimento da Faculdade de Educação do IPÊ - 1978). O curso estava voltado para a abordagem tecnicista e afinado com os objetivos da Lei 5692/71 e a proposta da Reforma do Ensino Superior. Como registra Farias (1994, p. 82), no Relatório de Atividades sobre o Curso de Pedagogia, consta: [...] a preocupação maior dos que fazem o Curso é com a qualidade da formação do profissional da Educação, sendo esse responsável pelo planejamento, coordenação e supervisão das atividades técnico-pedagógicas e administrativas do ensino em qualquer grau, visando à integração de todas as influências educativas no processo de desenvolvimento do homem. A finalidade do curso é ministrar o ensino e promover pesquisa com vistas a formação do especialista em Educação e também como docente para a Escola Normal, em nível de 2º grau.

Ainda segundo Farias (1994), a Supervisão Escolar chegou ao estado da Paraíba tendo nas universidades seu principal núcleo formador, e na reforma do ensino superior, no ano de 1968, seu amparo legal. Na rede pública estadual e na municipal de ensino, não Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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foi diferente. A Paraíba, que, historicamente, formava esses profissionais para atuarem no sistema de ensino – era, portanto, seu agente formador – e seu maior empregador. O Estado estava em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional da época - LDBEN 5692/71, ou seja, formava e empregava nas escolas os profissionais exigidos: orientador educacional, supervisor escolar e diretor de escola. Porém o atendimento à legislação não ocorreu de maneira efetiva na rede paraibana. Apenas algumas escolas da capital e um número reduzido de escolas do interior tinham - e ainda hoje têm - em seu quadro, os profissionais da supervisão, da orientação e da administração escolar. A LDBEN 5692/71 marcou presença no sistema de ensino da Paraíba com a criação de Complexos Educacionais. O primeiro criado no Estado foi o Complexo Educacional Róger, localizado no Bairro de Tambiá, composto pelas unidades de ensino: Escola Milton Campos, Grupo Escolar Epitácio Pessoa, Colégio Estadual do Róger e SENAC. Esse complexo contava com um Serviço de Orientação Educacional - SOE - que, em geral, era composto pelos seguintes especialistas: supervisor pedagógico, psicólogo, assistente social e orientador educacional. A presença da maioria dos especialistas nas escolas não se deve ao esforço do Estado, mas ao esforço dos próprios profissionais. Eles eram nomeados sem concurso, das mais variadas formas, por simples indicação, na condição de apadrinhamento político ou amizade pessoal, ou por indicação da direção da própria escola. Eram profissionais que já tinham vínculo empregatício conforme a habilitação profissional adquirida em nível superior. Isso mostra o difícil enfrentamento do mercado de trabalho desses profissionais: o não cumprimento da Lei - que foi exigido nas escolas - assim como o decreto que regulamentou sua profissão. O primeiro concurso público realizado pelo Governo do Estado incluindo a categoria Supervisor Escolar aconteceu no ano de 1978. Em 1975, foram promulgados o Estatuto do Magistério Paraibano e a legislação complementar, que correspondem às leis 3776/74 e 3813/75, que modificaram dispositivos legais e constituíram normas complementares 17


que disciplinaram o enquadramento funcional do servidor público estadual. O Estatuto do Magistério Público Estadual, durante os três anos seguintes à sua promulgação, foi alvo de discussões e de embates políticos como consequência de pressões e de lutas dos profissionais da área de Educação do Estado. O referido estatuto definiu o servidor do Magistério como “[...] todo integrante dos grupos ocupacionais que exerce atividades inerentes à Educação, nelas incluídas, entre outras, o ensino, a administração, a orientação, a supervisão, o planejamento e os encargos de pesquisa e extensão” (FARIAS, 1994, p. 86). Assim, caracteriza a atividade não docente - a supervisão - como dos especialistas em Educação. Conforme o Estatuto do Magistério, citado por Farias (1994, p. 86), [...] por professor, genericamente, todo integrante dos grupos ocupacionais de docência; por especialistas em Educação, todo integrante dos grupos ocupacionais que, nas unidades escolares e demais serviços ou órgãos de Educação, dirige, supervisiona, inspeciona, orienta, planeja, assessora e coordena, assim como todo aquele que colabora diretamente nessas funções sob sujeições às normas pedagógicas e aos regulamentos desse estatuto.

No ano de 1982, a Lei Estadual 4218/81 promoveu uma reformulação no Estatuto do Magistério na qual houve modificações de caráter normativo, sem, contudo, beneficiar os profissionais da Educação do Estado. Do ano de 1973 ao de 1989, pouca coisa mudou, porquanto, embora tenha aumentado o número de supervisores pedagógicos na rede estadual de ensino da Paraíba, também aumentou o número de escolas. Assim, praticamente se manteve o baixo número de SP em relação à quantidade de escolas. Nessa trajetória de constituição profissional da supervisão pedagógica no Estado da Paraíba, apesar das lutas da categoria para conseguir o reconhecimento social e a importância do seu papel no contexto escolar, foram poucas as conquistas, pois, ainda hoje, a maioria das escolas estaduais não conta com a presença desse profissional. Além disso, nas escolas em que há o supervisor pedagógico, seu potencial é subutilizado. O que notamos é que os professores, invariavelmente, não reconhecem sua atuação como sujeito capaz de promover momentos de formação contínua, e o concebem como um profissional que faz muita coisa, mas sem definição delimitada (MOREIRA, 2014).

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José Antônio Novaes da Silva *

Educação para as relações etnico-raciais: um percurso pela legislação e uma possibilidade de abordagem prática para o tema

RESUMO O presente trabalho apresenta alguns estados e municípios brasileiros que, antes de 2003, continham, em suas constituições e Leis Orgânicas, algum tipo de legislação antirracista. Exibe ainda: a Lei 10639/2003, o Parecer 003/2004 do CNE, a Resolução 01/2004 também do CNE, o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei 12.288/2010. No conjunto estes documentos contribuíram para o estabelecimento de uma legislação voltada para a educação antirracista em nível nacional. No âmbito da UFPB o texto destaca a resolução 016/2015 do Consepe (Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão) a qual, dentre outros assuntos, discorre sobre a implantação do componente curricular, obrigatório para todos os cursos de graduação, a Educação das Relações Étnico-Raciais. O texto também discorre sobre a presença de 17 obeliscos em 12 dos 223 municípios paraibanos bem como propõe que os mesmos sejam apresentados como exemplos de edificações oriundas da genialidade tecnológica do povo egípcio, ampliando assim as possibilidade de se produzirem trabalhos/temas relacionados à Lei 10639/2003, os quais poderão ser desenvolvidos no âmbito da sala de aula. Palavras chave: Lei 10639/2003; educação anti-racista; obeliscos; Tekhen.

ABSTRACT This paper aims to present some Brazilian states and municipalities that, before 2003, contained in their Constitutions and Organic Laws, some kind of anti-racist legislation. It also displays, the Law 10639/2003, the Opinion (Judgment) 003/2004 and the Resolution 01/2004, both of the CNE (National Council of Education), the Racial Equality Statute and the Law 12.288 / 2010. On the whole these documents have contributed to the establishment of a legislation aimed at an anti-racist education nationwide. In the realm of UFPB, the text highlights the Resolution 016/2015 of Consepe (Teaching, Research

(*) Professor Associado 3 do Departamento de Biologia Molecular, integrante do PPGE orientando na linha de ensino/aprendizagem e componente do NEABI da UFPB. E-mail: baruty@gmail.com.

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and Extension University Council) which, among other issues, discusses the implementation of the curricular component, mandatory for all undergraduate courses: Racial-Ethnic Relations Education. The text also discusses the presence of 17 obelisks in 12 of the 223 municipalities in Paraiba, and suggests that they ought to be presented as examples of buildings arising from the technological geniality of the Egyptian people, thus expanding the possibilities of producing work / themes related to Law 10639/2003, which may be developed in the classroom. Key words: Law 10639/2003; anti-racist education; obelisks; Tekhen.

À GUISA DE INTRODUÇÃO

Em 2003, o Movimento Social Negro obteve uma importante vitória, com a assinatura da Lei 10639, que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileiras, nos níveis Fundamental e Médio, de estabelecimentos escolares públicos e particulares de todo o território nacional. Os artigos primeiro e segundo estabelecem: § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. (BRASIL, 2003).

Antes mesmo da assinatura da supracitada Lei o protagonismo do Movimento Social Negro no campo educacional pode ser observado em diferentes pontos do Território Nacional. A nível estadual podemos citar as constituições da Bahia e do Rio de Janeiro e de Alagoas, todas promulgadas em 1989 as quais incluem artigos

1. 2. 3. 4.

Disponível Disponível Disponível Disponível 20

ou incisos voltados para as relações raciais. A Constituição baiana1 coloca sob dever do estado, através do inciso V de seu artigo 275, a promoção e a “adequação dos programas de ensino das disciplinas de geografia, história, comunicação e expressão, estudos sociais e educação artística à realidade histórica afro-brasileira, nos estabelecimentos estaduais de 1º, 2º e 3º graus.”. A Carta Constitucional do estado do Rio de Janeiro2, em seu artigo 306 manifesta-se abertamente conta o racismo e a discriminação ao afirmar sua disposição para a “eliminação de todas as formas de racismo e de discriminação; [e pelo] respeito dos valores e do primado do trabalho; à afirmação do pluralismo cultural; a convivência solidária a serviço de uma sociedade justa, fraterna, livre e soberana.”. Em Alagoas3, a Constituição estadual, também legisla sobre o tema e nos afirma, em seu artigo 253 que “O ensino da História de Alagoas, obrigatório nas unidades escolares da rede oficial, levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação da sociedade alagoana.”. Estas inserções da temática etnicorracial nas três constituições, são reflexos do Movimento Social Negro, e também uma adequação das normas estaduais a Constituição Cidadã de 1988, a qual garantiu importantes avanços sociais. Nas cidades brasileiras, algumas iniciativas também merecem menção. Um primeiro exemplo é a cidade de Recife4, capital de Pernambuco, cuja Lei Orgânica, no artigo 138, afirma que o

em: <http://www.dhnet.org.br/dados/lex/a_pdf/constituicao_ba.pdf> acessada em 10/08/2015. em: < http://www.cmresende.rj.gov.br/PDF/const_est_rj.pdf > acessada em 10/08/2015. em: < www.uneal.edu.br/legislacao/constituicaodoestadodealagoas.pdf/> acessada em 10/08/2015. em: < www.recife.pe.gov.br/pr/leis/Leiorg.doc> acessada em 10/08/2015.

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“Município promoverá a pesquisa, a difusão e o ensino de disciplinas relativas à cultura afro-brasileira, indígena e outras vertentes, nas escolas públicas municipais”. Em Belém do Pará, a Lei n° 7.6985, de 17 de janeiro de 1994, que “dispõe sobre a inclusão, no currículo escolar da Rede Municipal de Ensino, na disciplina História, de conteúdo relativo ao estudo da Raça Negra na formação sócio-cultural brasileira e dá outras providências”. Na capital de Sergipe, Aracaju, a Lei nº 2.251/1994, em seu artigo segundo, afirma que a rede “municipal de ensino deverá adotar no seu currículo disciplinas e conteúdos programáticos fundamentados na cultura e na história do negro e do índio no Brasil.” Na cidade de São Paulo, a Lei n° 11.973/1996 “dispõe sobre a introdução nos currículos das escolas municipais de 1º e 2º graus de estudos contra a discriminação” (BRASIL, 2004). Como pode ser observado, os passos e a preocupação do Movimento Social Negro antecederam a Legislação Nacional e pavimentaram a importante conquista no campo educacional, porém as Leis Orgânicas restringiram a temática às escolas municipais, e com o advento da 10639/2003, o estudo das contribuições dos povos africanos se tornou obrigatório nos estabelecimentos de ensino de escolas públicas e particulares.

DESDOBRAMENTOS E AVANÇOS

O primeiro desdobramento provocado pela Lei 10639/2003 foi o Parecer 003/2004 do Conselho Nacional de Educação5 (CNE), o qual dá uma série de contornos ao tema ‘Relações raciais’ no âmbito escolar, disciplinando temas, apresentando metodologias e elencando determinações. Esse documento explicita, por exemplo, a necessidade de se apresentarem as “contribuições do Egito para a ciência e a filosofia ocidentais e discutir sobre elas; as universidades africanas Timbuktu, Gao, Djene, que floresciam no Século XVI; as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem

como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) e política na atualidade.” Além desse parecer, podemos citar a Resolução 01/2004, também do Conselho Nacional de Educação, em cujo parágrafo primeiro legisla que as Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004.

O Estatuto da Igualdade Racial6, Lei 12.288/2010, ratifica o apresentado pela Lei 10639/2003 e enfatiza, no parágrafo primeiro do artigo 11, a “contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País dada pelos diferentes povos negros”. Uma dificuldade que o ativismo dos Movimentos Sociais Negros logo vivenciou foi a distância entre a aprovação e a existência da legislação e sua colocação na prática. Como exemplo, podemos citar o município de João Pessoa e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Nessa cidade, a Lei 10639/2003 foi regulamentada depois de intensas conversações em que estiveram envolvidas a Secretaria Municipal de Educação, a Assessoria da Diversidade Humana (extinta em 2012) e a Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres, que estabeleceu uma profícua parceria com várias Organizações Negras locais para a elaboração das Diretrizes, visando implementar a Lei 10.639/03 em João Pessoa, ao longo do ano de 2006 (ROCHA; SILVA, 2013). No que tange à UFPB, o tempo transcorrido foi muito maior, pois a institucionalização da temática ‘Relações Raciais’, em todos os cursos de graduação, só foi normatizada no ano de 2015, por meio da Resolução7 016 do Consepe, cujo artigo 26 legisla que a “composição curricular de todos os Cursos de Graduação, presenciais e a distância, deve contemplar o componente curricular Educação das Relações Étnico-raciais nos Cursos de Graduação, nas modalidades Bacharelado e Licenciatura da UFPB.” Em três parágrafos do referido artigo, define-se, institucionalmente,

5. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf> acessada em 10/08/2015. 6. Disponível em: < http://www.seppir.gov.br/portal-antigo/Lei%2012.288%20-%20Estatuto%20da%20Igualdade%20Racial.pdf> acessada em 10/08/2015. 7. Disponível em: < http://www.ufpb.br/sods/consepe/resolu/2015/Rsep16_2015.pdf > acessada em 10/08/2015.

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como será incluída essa temática: § 1° O componente curricular Educação das Relações Étnico-Raciais deve ser inserido como componente complementar obrigatório em todos os Cursos de Graduação da UFPB, considerando a Resolução Nº 1, de 17 de junho de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico -Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. § 2º. O componente curricular ‘Educação das Relações Étnico-raciais’ será desenvolvido por meio de conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e deve ser inserido como Seminário Temático ou oficina ofertada em tempo integral ou em horário livre, no tempo do calendário acadêmico ou fora do calendário, ou como conteúdo transversal por determinação do Colegiado de Curso. § 3º. A forma de oferta do componente curricular Educação das Relações Étnico-Raciais deve estar definida no Projeto Pedagógico do Curso.

Assim, com esse perfil amplo, a Resolução 016/2015 da UFPB se aproxima do Parecer 003/2004 do CNE, ao flexibilizar o formato com que a temática será discutida nos diferentes cursos de graduação. O tempo transcorrido entre a assinatura da Lei 10639/2003 e a homologação da presente resolução - 15 anos - nos dá a dimensão das dificuldades de se desenvolver o debate sobre as relações raciais no âmbito institucional. Anteriormente a essa regulamentação, o Projeto Político-pedagógico do Curso de História, homologado pela Resolução 017/2004 do Consepe8 (2004), oficializou a inserção do componente curricular ‘História da África Contemporânea’. O Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas - do Campus da cidade de Areia - também já vinha desenvolvendo nesse curso um componente voltado para as Relações Étnico-raciais. O Núcleo de Estudos Étnico-raciais e Indígenas da UFPB (NEABI/UFPB), fundado em 2011, ofertou, nos anos de 2012 e 2013, dois cursos de Extensão voltados para as relações raciais. As atividades faziam parte do Programa de Promo-

ção da Igualdade Racial e Valorização da Matriz Cultural Africana no Estado da Paraíba/Nordeste/Brasil, aprovado e financiado pelo MEC/SESu e SEPPIR. As ações foram desenvolvidas ao longo do projeto denominado de ‘Formação Docente e Educação Antirracista’, ofertado para estudantes de graduação, pós-graduação, ativistas de movimentos sociais e professoras/es da Educação Básica (ROCHA; SILVA, 2013). Mesmo com todo esse percurso e já com uma ampla gama de produções voltadas para a temática, ainda encontramos, com muita frequência, docentes dos níveis Fundamental, Médio e Universitário que desconhecem a Lei 10639/2003 e que afirmam que não estão preparados/as para implementá-la em suas salas de aula. A LEI 10639/2003 AO VIVO E A CORES E BEM PRÓXIMA DE VOCÊ E DAS ESCOLAS

Trazer para professores/as uma forma de atuar com a Lei 10639/2003 nos move a fazer escolhas, devido à diversidade de temas que poderiam ser levados para o âmbito escolar. Neste texto, optei por tratar da presença tecnológica do antigo Egito, pois as marcas dessa civilização se mostram nos diferentes estados brasileiros. Na Paraíba, o São João, uma importante manifestação cultural, na cidade de Campina Grande, ocorre sob a Pirâmide do Parque do Povo. Uma festa grandiosa, que transcorre sob um magnífico exemplo da engenhosidade intelectual e técnica da população egípcia, um grupo humano que denominava a si mesmo como khmt (negros). Antigos viajantes que por lá passaram deixaram registrada a cor de seus habitantes9 (EL-NADOURY; VERCOUTTER, 2011). Uma marca importante da civilização nilota encontrada na Itália, França, Inglaterra, Cabo Verde, Estados Unidos, Argentina e também no Brasil são os obeliscos, que Bakos e Brito (2004, p. 74) consideram como as “referências arquitetônicas egípcias mais presentes entre nós”. Na Paraíba, foi localizado, até o presente momento, em 12 dos seus 223 municípios, um total de 16 desses monumentos. Em Areia, existem três dessas edificações. Já nas cidades de Santa Luzia, encontra-

8. Disponível em: < http://www.ufpb.br/sods/consepe/resolu/2004/Rsep172004.htm > acessada em 10/08/2015. 9. Uma rede de televisão brasileira esta apresentando a novela Os 10 mandamentos, a qual é ambientada no antigo Egito, mas a imensa maioria dos/as personagens e protagonistas em nada lembram a cor do povo da esfinge da época dos Faraós. 22

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mos dois desses monumentos em cada uma. Nas cidades de Assunção, Bayeux, Cabedelo, Cajazeiras, Campina Grande, Itabaiana, Itaporanga, João Pessoa e Patos, há um obelisco em cada. Para efeito de entendimento, consideramos como obeliscos as edificações quadrangulares cuja base é mais larga, e a largura vai se afinan-

A

B

do sutilmente até o topo, muitas vezes, encimado por uma pequena pirâmide denominada de piramideon (DEJAGER, 2011). Seu formato, de quatro lados, pode ser uma alusão do povo da esfinge “a interpretação da totalidade” (MARTIN-ALBO, 2013, p. 142). A figura 01 apresenta exemplos dessas construções em distintos municípios paraibanos.

C

D

Figura 01. Quatro dos 17 obeliscos já localizados. A) Itabaiana, localizado na praça da Igreja Matriz; B) Santa Luzia, situado as margens da BR 230 na entrada da cidade10; C) Piancó, na praça em homenagem ao mártires na Praça Aristides Cruz; D) João Pessoa, na Praça da Indepenência. É característico a todos uma base sobre a qual o obelisco é constuído, sendo esta uma inovação, pois a mesma não existia nos obeliscos do antigo Egito.

No estado da Paraíba, das edificações localizadas até o momento, somente o obelisco erigido na cidade de Cajazeiras, por meio de uma placa aderida a ele, faz menção à origem egípcia11 dessas construções. Esse aparente “esquecimento”, na realidade, representa um esforço da elite para “evitar ou impedir que o negro brasileiro, após a chamada abolição, pudesse assumir suas raízes étnicas, históricas e culturais” (NASCIMENTO, 1980, p. 247). Um óbice para essa compilação mostra-se ligado às diferentes denominações que esses monumentos apresentam nas distintas localidades. O nome obelisco quase não é conhecido da população, que o denomina com designativos

que variam de uma localidade para outra. Na cidade de Cabedelo, moradores/as das proximidades o chamam de “A Rocha”; em Itabaiana, basta perguntar pelo “Antigo Pirulito” que o/a indagador/a rapidamente será remetido/a para a praça localizada ao lado da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Nesse município o compositor Ari Pb escreveu a letra da música chamada “Cacau com leite”12, em que “Pirulito” é citado. Em Santa Luzia e Itaporanga, eles são conhecidos, respectivamente, como “Pique” e “Pilar”. Nos demais centros urbanos, além do quase total desconhecimento do nome obelisco, não foram identificadas, até o momento, denominações locais.

10. Erigido em homenagem ao Deputado Federal Jader Silva Medeiros, (1906 – 1960). 11. Uma imagem da placa esta disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0CAcQjRxqFQoTCK3nmaO2p8cCFQidgAoddokKJA&url=http%3A%2F%2Foltimodosmoicanos.blogspot.com%2F2014%2F01%2Fo-obelisco-de-cajazeiras.html&ei=oETNVa2XEIi6ggT2kqqgAg&bvm=bv.99804247,d.eXY&psig=AFQjCNE9j72RS6di91z0Na5M2BTgc2O6Wg&ust=1439602204427318> 12 Disponível em:< http://www.vagalume. com.br/cacau-com-leite/itabaiana.html#ixzz3ijbjo7Xd> 12. Disponível em: http://www.vagalume.com.br/cacau-com-leite/itabaiana.html#ixzz3ijbjo7Xd>

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TRECHO DA LETRA DE ANTIGO PIRULITO DE ARI P.B. .... Refresco de coco ó Itabaiana, eu amo você na praça do pirulito, um boteco pra beber, mais na frente um coreto, coisa linda de se ver, uma igreja bonita

Os obeliscos, cuja maioria apresenta grandes e médias proporções13, tornaram-se, muitas vezes, invisíveis pelo menos para grande parte da nossa população. No Brasil, uma exceção a essa (in)visibilidade – é o monumento presente na Praça Diogo de Vasconcelos, na Savassi, na cidade de Belo Horizonte. O “Pirulito”, como é carinhosamente chamado, é um importante marco, pois “não se pode negar reconhecimento à sua carga simbólica e à sua presença afetiva no imaginário coletivo belo-horizontino. Se o monumento inicialmente apresentou um caráter oficial, por ter sido fruto de um projeto governamental, posteriormente, a apropriação cotidiana de sua presença, como ponto de encontro e de protesto, local de batalhas de confete, dentre outros, mostrou sua importância na criação de laços identitários entre os cidadãos” (IEPHA, 2014, 44). Diferentemente da realidade brasileira, uma

uma estrada infinita campo grande à vista salgado vem já minha itabaiana também de Sivuca, Silveira gentil e o doido speciá

forte presença dos obeliscos pode ser observada na cidade de Buenos Aires, onde um portentoso “monólito” foi erigido em alusão ao quarto centenário da cidade. Perto dele, em frente à Casa Rosada, a sede do governo portenho, ergue-se um segundo, de menores proporções, em homenagem à independência desse País. À sombra do primeiro, pessoas se reúnem em datas importantes, como no Natal e no Ano novo, e à volta do segundo marcham, por exemplo, as mães da Praça de Maio, exigindo respostas sobre filhos/as desaparecidos/as ao longo da ditadura militar. Uma imagem dele também é vista na nota de 50 pesos argentinos (Figura 02). Os obeliscos, nessa capital, são encontrados também em cartazes que anunciam peças teatrais e exposições artísticas e denominam estabelecimentos comerciais. A presença deles é frequente em túmulos e mausoléus do cemitério da Rigoleta14.

Figura 02. Nota de 50 Pesos argentinos exibindo um obelisco.

13. Três destas construções que fogem a esta regra, no que tange ao tamanho, por exemplo, é o obelisco da fundação do clube Corinthians Paulista, em 1º de setembro de 1910 e localizado na esquina da rua José Paulino com a Cônego Martins, na cidade de São Paulo e o da cidade de Patos/PB localizado em um pequena praça em frente da usina Horácio Nóbrega, e alusivo ao eclipse total do Sol ocorrido em 1940. Há ainda o localizado no Alto da Sé em Olinda/PE, e alusivo a passagem do Vênus pelo disco solar em 2004. Aqui pode também ser incluído o existente na cidade de Laranjeira no estado de Sergipe. 14. A título de exemplo pode-se citar, dentre outros, o túmulo de Cristobal Giagnoni, e de Manoel Ocampo. 24

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CONTINENTE AFRICANO: FALTA DE RECONHECIMENTO E INVISIBILIDADE A invisibilidade da África, em nossos livros didáticos, é uma realidade. Essa ausência também é observada quando analisamos o espaço ocupado pelo continente africano, ao ser comparado com o europeu em livros didáticos de História. Borges (2009), depois de avaliar 371 capítulos de oito livros didáticos de História Geral, utilizados no ensino médio, constatou o que o número de páginas destinado ao continente africano é muito menor do que o disponibilizado para o europeu. Essas ausências são sobremaneira perigosas, pois ao livro é conferido um caráter de verdade, e seu conteúdo serve para propagar estereótipos nem sempre percebidos pelos/as leitores/as (ROSEMBERG et. al, 2003). O caso do tekhenu soma-se a essa, pois a população, em geral, desconhece sua existência e sua origem, que remonta ao antigo Egito, quando eram erigidos aos pares, como pode ser visto, por exemplo, no templo de Luxor, onde se encontra um par do mesmos produzidos a pedido do faraó, pois era ele o “único dono dos numerosos e valiosos canteiros dos quais se extraiam pedras no antigo Egito” (NOBLECOURT, 2006, p. 154), em homenagem ao Deus Rá (ARAÚJO, BELLONO, 2004; MARTÍN-ALBO, 2013). No exemplo acima, os tekhenu foram construídos por ordem de Ramsés II. Com o passar do tempo essas construções deixaram de depender da vontade da realeza e/ou governamental, o que pode explicar sua utilização democrática, principalmente no Brasil. É fundamental que esse processo educa-

tivo tenha um princípio parentético e busque construir uma visão ampliada que não se limite a apresentar uma visão unilateral e simplista do tema (JACOB, 2011), porque, ao manter essa unilateralidade, não estaríamos educando para uma relação racial inclusiva. Isso quer dizer que não basta apresentar e observar o obelisco, pois a mera observação seria equivalente a “ver sistematicamente pouca coisa” (FOUCAULT, 2007, p. 183). É indispensável que haja um discurso que contribua para visibilizar o Egito no Continente africano, cujo povo apresentava um elevado desenvolvimento técnico e intelectual. Para que isso ocorra, é necessária uma inclusão que não leve à absorção/indiferenciação, mas que resulte em uma nova fronteira que abrigue a “novidade” (VEIGA -NETO, 2002). Numa perspectiva que se aproxima de Chauí (2006, p. 20), quando essa afirma que “lembrar não é re-viver, mas refazer, é reflexão do agora a partir de outrora; é sentimento, reaparição do feito e do ido, não sua mera repetição”. Levando a temática para a sala de aula, à luz da Lei 10639/2003, esperamos não apenas um ensino sobre os obeliscos e o povo negro que os construía, mas também uma educação, aqui entendida como “o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso” (FOUCAULT, 1996, p. 43) e que levará a mudanças de mentalidade com as quais se pavimentará, ao longo do tempo, a superação do racismo, do preconceito e da discriminação.

UM PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O TEKHENU Os/as idealizadores/as destes monólitos, os chamavam de Tekhenu (raio de sol), e estes simbolizavam o primeiro feixe de luz deste astro que atingiu a superfície do planeta Terra, materializando a ligação entre o celestial e o humano. De acordo com (ARAÚJO, BELLONO, 2004, p. 51) “são limites e passagens de um mundo

para o outro, daí o uso ao lado de portões e portas de entrada dos templos”15. Ao longo do antigo Reinado, nas 5 e 6 Dinastias, pequenos obeliscos eram colocados no interior das tumbas como forma de conectar o/a morto/a com o Deus Rá. A denominação obelisko foi dada pelos/as

15. Na cidade de Abreu e Lima/PE, no Bairro do Timbó observa-se um grande obelisco em frente ao Templo Central da Assembleia de Deus numa alusão a presença nos Antigo Egito. 16. De acordo com Grimal (2012, p. 86) os Faraós da V dinastia são: Userkaf (2479-2471), Sahuré (2471-2458), e, (2458-2438), e, ( 2438-2431), e (2425-2418), Niuserre (24202480), Menkauhor (2389-2380), Djedkare Isesi (2380-2342) e Unas ( 2342-2322).

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gregos/as e tinha como significado agulha ou pino (BAKOS, BRITO, 2004). De acordo com Dejager (2011), milhares foram construídos, mas apenas um pequeno número permanece em solo egípcio. Em relação à frequência das construções desses monumentos, Bakr (2010, p. 48), sem citar uma fonte, informa que “a maioria dos faraós da quinta dinastia mandou construir, nas proximidades das pirâmides, grandes templos dedicados ao deus-Sol, todos dominados por um gigantesco obelisco solar”. Originalmente, eram esculpidos na horizontal, diretamente no leito rochoso das pedreiras, muitos de granito vermelho ou preto. Outros materiais, como o quartzito e o basalto, também poderiam ser usados (DEJAGER, 2011). Além das rochas, Habachi (1977) refere que a madeira também foi matéria-prima para a construção dos tekhenu. Acredita-se que o berço dos primeiros obeliscos tenha sido a cidade de Iunu (Heliópolis), cujos filões, localizados ao sul, eram ricos em quartzito, o que fez com que fosse utilizado nas edificações nessa localidade onde eram esculpidos com essa rocha. Porém, como ela não é tão resistente quanto o granito, muitos desses obeliscos estão em péssimo estado de conservação (QUIRKE, 2001). A evidência de que eram esculpidos nessa posição citada vem de um obelisco inacabado e exposto à visitação pública, na cidade de Assuan. Sua construção foi solicitada pela Faradisa Hatshepsut. Caso a obra tivesse sido finalizada, teria sido o maior tekhenu construído na antiguidade, pois apresenta 41,75 metros de altura, com uma base de 4,2 metros e um peso de 1168 toneladas. A descrição de sua construção está registrada em um obelisco da cidade de Karnak (DEJAGER, 2011). Nas proximidades do obelisco inacabado, foram encontradas esferas de dolerita que pesavam, aproximadamente, 5,5 quilogramas cada uma e com um diâmetro de 15 a 30 centímetros, com as quais era esculpido. As marcas encontradas nele são compatíveis com o uso dessa rocha, que é extremamente dura, na confecção de utensílios que eram usadas para esculpir esses monumentos (CURRAN, et al, 2009). Além dessa ferramenta, os construtores contavam com cordas para tomar medidas e prumos (Figura 03). 26

Figura 03. Duas ferramentas utilizadas para a medição dos obeliscos. A frente temos um côvado de maya e na lateral esquerda pode ser visto um prumo.

Esse imenso tekhenu não finalizado nos dá informações a respeito do método de construção. Com base nele, acredita-se que, depois das duas paredes laterais esculpidas, tinha início o trabalho em sua parte inferior, liberando o bloco monolítico do leito rochoso (DEJAGER, 2011). Depois de delinear a forma, o comprimento e a largura, o que era feito por meio da escavação no leito rochoso gerando valetas, era cavada uma galeria sob a peça monolítica, que passava a ser sustentada por meio de vigas. Quando todo o bloco monolítico tivesse sustentado apenas pelas vigas e, portanto, já liberado do solo, era içado e retirado da vala onde foi esculpido, com alavancas de madeira (CURRAN, et al, 2009). A partir desse ponto, tinha início o acabamento com o monólito, que recebia inscrições e era polido. O peso não era propriamente uma dificuldade para o povo nilota, já que ele dominava a técnica empregada para transportar grandes blocos rochosos. A eficácia do método foi comprovada por Fall et al (2004), e essa descoberta nos ajuda a “compreender a solidez dos conhecimentos adquiridos pelos antigos egípcios” (NOBLECOURT, 2006 p. 153) e contribui para derrubar crenças absurdas e fantasiosas relativas a esse tipo de deslocamento. No final, era transportado até um barco no rio Hapy (Nilo) e levado para o seu destino, onde era colocado na posição vertical. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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O grande tamanho e o elevado peso dos obeliscos não foram empecilhos para que os mesmos fossem removidos de seus locais de origem e transferidos para outros pontos dentro do próprio Egito ou, até, para outros países. Como exemplo dessa mobilidade, podemos citar as “Agulhas de Cleópatra”, que foram construídas por Thutmose III e colocadas em Heliópolis. Porém foram transferidas por Cleópatra para a cidade de Alexandria e passaram a compor um templo em homenagem a Marco Antônio. Um deles foi transferido, em 1819, para Londres,

e o segundo, para Nova Iorque em 1878. Destino idêntico tiveram outros monólitos que foram transferidos para Roma17, Florença, Constantinopla e Paris (DEJAGER, 2011). Na Praça de São Pedro, no Vaticano, também existe um desses monumentos18, que é oriundo do antigo Egito. Apesar de serem extremamente grandes, de pesar toneladas e de ser considerados como “o mais improvável souvenir de uma viagem ao Egito” (CURRAN et al, 2009, p. 7), os obeliscos foram transportados para fora do território onde foram construídos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de anos de discussões e reivindicações, o ativismo do Movimento Social Negro conquistou uma importante vitória com a aprovação da Lei 10639/2003, que tornou obrigatório o estudo da contribuição dos diferentes povos africanos na construção do Brasil. As iniciativas anteriores a ela eram isoladas e abarcavam somente as escolas municipais. Um importante desdobramento da referida Lei foi a Resolução do CNE, que incorporou a temática nos cursos universitários. Na UFB, essa regulamentação só ocorreu 15 anos depois da promulgação da Lei, mas regulamenta que todos os cursos de graduação devem ter um componente

curricular voltado para a discussão sobre as relações étnico-raciais. Dentre as possibilidades de temas que podem ser discutidos levando-se em conta o respeito a 10630/2003, está a contribuição do antigo Egito e dos obeliscos, a principal referência arquitetura do povo da esfinge em nosso território. Porém, para que tenhamos uma educação antirracista, não basta que esses monólitos, presentes em várias de nossas cidades, sejam apresentados/observados. É necessário que essa inclusão seja acompanhada de um discurso que realmente contribua para se construir uma nova realidade de convívio racial em nossas cidades.

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BORGES, Jorgeval Andrade. Ambígua África, memórias e represen-

Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

17. Na cidade de Roma, há 13 obeliscos, sendo que a maioria é oriunda do antigo Egito. 18. Não se tem mais o registro do soberano que o erigiu.

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Maria de Fátima Leite Gomes * Helenória de Albuquerque Mello **

A transferência de renda, o combate à pobreza e o programa Bolsa Família: uma equação possível? RESUMO O presente artigo visa refletir sobre o papel da Política de Transferência de Renda no contexto brasileiro, do período de 1990 ao momento atual, especialmente no que tange à focalização do Programa Bolsa Família (PBF), tendo por base, analisar o papel que desempenha o PBF no contexto econômico-social, enquanto mecanismo de distribuição de renda, ao mesmo tempo em que, se reproduzem as condições materiais dessa sociedade de classes. Para se alcançar tais objetivos, recorreu-se à pesquisa bibliográfica e documental (especialmente com base em dados do Ministério do Desenvolvimento Social-MDS), à luz de um referencial crítico que fundamenta a análise. Desse modo, obteve-se através da análise, a constatação de que o PBF é uma forma diferencial e dual de respostas às necessidades sociais e que não se constitui em direito, uma vez que a universalização das políticas sociais cedeu lugar à focalização, seletividade e privatização. Palavras-chave: Política social; transferência de renda; Programa Bolsa Família.

ABSTRACT This article aims to reflect on the role of Income (Cash) Transfer Policy in the Brazilian context, from the period 1990 to the present, especially when it comes to focusing the Family Grant Program ( Bolsa Família Program), with a view to analyze its role in economic and social context, as an income distribution mechanism, at the time when material conditions of such class societies are reproduced. To achieve these goals, we resorted to both bibliographical and documentary research (especially the one based on the Social Development Ministry-SDM data) in the light of a critical reference that supports the review. Thus, it was found through the analysis, that the BFP /FGP is a differential and dual form of answers to social needs, and that it does not constitute a right, since the universalizing of these social policies has given way to focus, selectivity and privatization.

Keywords: Social policy; cash transfer; Family Grant Program.

(*) Professora Doutora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus João Pessoa. (**) Assistente social Mestre do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), campus Guarabira.

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I. INTRODUÇÃO Em decorrência do redimensionamento dos modelos de desenvolvimento, devido à iminência de um colapso financeiro internacional, impôs-se o discurso de ajuste dos planos de estabilização em toda a região latino-americana, por causa da crise econômica mundial. Por essa razão, na década de 1990, o Brasil juntou-se ao coro continental de reorientação econômica e, até hoje, ressente-se de suas consequências, particularmente no segmento das Políticas Sociais. O Brasil transformou-se, então, em um espaço livre para o capital especulativo e produtivo, o que resultou no desmonte da chamada sociedade protegida, constituída com a articulação entre trabalho, direitos e proteção social. Nessa perspectiva, no âmago do projeto neoliberal, observou-se um padrão de acumulação, uma etapa de expansão capitalista que, entre outras coisas, resultou num novo ciclo de concentração de capital nas mãos do grande capital internacional, e o enfraquecimento da classe trabalhadora e suas organizações reivindicatórias e partidárias foram se constituindo em condições políticas para o êxito desse projeto. A essa necessidade política, acrescentou-se o objetivo econômico de desestruturar as instituições públicas (em especial, as políticas sociais) para estender os investimentos privados a todas as atividades econômicas rentáveis. Diante disso, a estratégia de centralizar os gastos sociais em programas seletivos de focalização dirigidos aos pobres, na América Latina e, particularmente, no Brasil, significou o direcionamento do gasto social a programas e públicos-alvo específicos, seletivamente escolhidos por sua maior necessidade e urgência, para que a focalização proposta se transformasse em uma espécie de neobeneficência, dessa vez, a cargo do Estado. A criação, em 2003, do Programa de Transferência de Renda Bolsa Família (PBF) representou, de certo modo, a continuidade do sistema de proteção social, embora com outra roupagem, visto que o PBF unificou o público-alvo, os critérios de elegibilidade e a estrutura de gestão dos programas de transferência de renda existentes e ampliou a meta de atender à população em condições de pobreza e de extrema pobreza, 30

por meio do processo de unificação das transferências de rendas federais. Com a continuidade de programas estatais, cujo discurso é voltado para amenizar a pobreza, por exemplo, o Programa Bolsa Família, o mecanismo substitutivo de transferência de renda se mantém fortalecido, porque, nos Estados contemporâneos, a tendência é de substituir parte de bens e serviços sociais por uma alocação direta de recursos em dinheiro. Isso se justifica porque a transferência de renda expressa uma dada concepção do papel do Estado que significa oferecer, tão somente, aos pobres e aos extremamente pobres um determinado grau de segurança social. Assim, a política social é pensada como residual e como certa estratégia de reorganização dos sistemas de proteção social, no qual o Estado concentra na transferência de renda o seu papel. Eis, portanto, o caso brasileiro.

II. A PRECARIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: O CASO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF)

As transformações na base produtiva e nos fluxos econômicos mundiais, que surgiram nos anos 1960, bem como a redefinição da divisão do poder econômico mundial, com a preponderância dos blocos continentais da Europa, da América do Norte e do Sudeste asiático, sugeriram a ocorrência paralela dos fenômenos da globalização e da regionalização. Esses fenômenos repercutiram na perda de graus de autonomia dos Estados Nacionais, em relação à condução da política econômica e do controle do sistema financeiro e produtivo. Assim, atado a uma agenda de ajuste imposta pelo centro hegemônico e acatada de forma irrestrita pelos governos brasileiros, a partir dos anos 1990, o Brasil desenvolveu um programa de estabilização de impactos imediatos efetivando uma política de abertura comercial intensiva e reformas profundas do Estado com impactos de mais longo prazo. Paralelamente, em sintonia com esse clima de reformas ajustadoras, o setor privado promoveu uma reestruturação produtiva, rápida e intensiva. Nesse processo de ajuste, o Brasil optou pela integração competitiva no mercado global em busca Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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da proclamada modernidade. Nessa direção, [...] a análise da reforma do Estado no Brasil exige que se considerem os fatores internos e externos que estão presentes nessa complexa conjuntura histórica. A globalização econômica desafia o poder dos Estados nacionais e faz emergir um conjunto de questões a respeito do papel do Estado na regulação da economia (COSTA, 2006, p. 155).

O Poder Executivo se apresentou como o reformador da República em desafio ao Legislativo e adotou medidas provisórias como seu instrumento de governo. No plano político, o alvo era desmoralizar a recém-promulgada Constituição de 1988 e desregulamentar as políticas sociais como obstáculo para a modernização do país. Já no domínio econômico, o era de desvalorizar a esfera pública utilizando, como estratégia, a liquidação das elites tecnocráticas do Estado, formadas na defesa do patrimônio público e do sindicalismo emergente. Conforme Nogueira (2004), o reformismo disseminou uma visão negativa do papel do Estado e de sua intervenção na vida econômica e social, pois o “bom estado” deveria ser leve - reduzido quase ao mínimo - tomado pela racionalidade técnica e do vazio de interesses e de embates políticos, a fim de que a vida coletiva fosse pensada como se dependesse do acaso ou do esforço pessoal, sem que se importasse se a resolução de problemas e de conflitos sociais exigiria uma dinâmica decisivamente social. Ao longo dos anos de 1990, a visão instrumental e fiscal reproduzida correspondia à visão ético-política do Estado como atuante mínimo, de modo que agisse mais em nome do que não deveria fazer do que de funções e atribuições explícitas. Nogueira (2004, p. 50-51) afirma que houve ganhos do ponto de vista de modernização administrativa, mas não houve modificações expressivas nem na imagem da administração

pública perante a sociedade, nem na lealdade dos cidadãos que continuaram a achar que o mercado seria mais competente que o Estado no provimento de certos serviços básicos.

Para o referido autor, o reformismo da década de 1990 empreendeu um movimento de ajuste financeiro e fiscal, mas não se aproximou das múltiplas expressões da questão social, no terreno dos direitos e das políticas sociais públicas, na própria gestão do desenvolvimento. Assim, configurou-se uma crise política delineada pelo avanço do movimento sindical e popular, que se configurou como alternativa de poder, em um período de aprofundamento da democracia política e econômica, mas repleto de tendências regressivas e conservadoras ainda fortes e arraigadas na sociedade brasileira, mesmo depois do intenso acúmulo de forças pelos trabalhadores e pelos movimentos populares. Na esteira desse processo, as políticas sociais ocorreram no sentido de ser desestruturadas de maneira progressiva. Nessa perspectiva, houve o completo descumprimento das deliberações sociais consagradas na Constituição de 1988, na tentativa de anular as garantias sociais contempladas. O corte nos gastos públicos atingiu, seriamente, as políticas sociais e afetou sobremaneira a qualidade dos (precários) serviços públicos básicos. Nessa perspectiva, também foram propostas mudanças no Sistema de Seguridade Social1. Assim, o então sucateamento dos serviços sociais públicos contribuiu para disseminar uma ideia de que eram ineficientes e de que deveriam ser privatizados. Segundo Costa (2006), pode-se dizer que nenhum órgão público escapou ileso. Em termos de população, as mais afetadas foram as pessoas que dependiam dos serviços públicos para um mínimo de sobrevivência. Nem mesmo a assistência compensou a gigantesca redução dos serviços essenciais, inclusive, os programas compensatórios de alimentação e nutrição. Os demais programas tiveram suas verbas cortadas, enquanto outros foram simplesmente elimi-

1. A Seguridade Social passou, então, a ser um dos focos dessa investida reformadora, com a alegação de que fora necessário adequar o modelo de seguridade social às reformas econômicas em curso no País. Algumas reformas institucionais se processaram de imediato, como a extinção do Ministério da Previdência e sua fusão com o Ministério do Trabalho (Lei n. 8029 de 12.4.90) e a criação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (Decreto n. 99.350 de 27.6.90) - mediante a fusão do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e do IAPAS. Essas mudanças foram realizadas com o objetivo de reduzir o conceito de Seguridade Social de um sistema amplo de proteção para uma visão mais estreita de seguro-social e abortar a ideia da Constituinte de criar um Ministério da Seguridade Social. Nessa perspectiva fragmentadora, também foi encaminhada a regulamentação das leis da Previdência, da Saúde e da Assistência, realizadas separadamente e institucionalizadas em ministérios diferentes. Cada área funciona isoladamente, sem que se partilhem sequer planos e projetos comuns e perde-se a referência básica em que essas três políticas pertencem a um sistema maior.

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nados. Por isso, compreende-se que, no Brasil, a trajetória inicial do projeto neoliberal teve como consequências mais expressivas o agravamento da miséria e o desmantelamento das Políticas Sociais Públicas em nome do ajuste fiscal. Então, a intenção constitucional de promover a “inclusão social” dos segmentos sociais mais pauperizados, como prerrogativa da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), por intermédio de uma diversidade de programas, projetos, benefícios e serviços assistenciais, foi alterada, inicialmente, pelo ideário neoliberal e, depois, ocorreu sob a égide neodesenvolvimentista. Essa “inclusão social” tratou e trata de reduzir as desigualdades sociais, em que a Política de Assistência Social foi confinada a realizar parcos programas compensatórios. Assim, ao invés de construir outra proposta de Estado, as reformas previstas estacionaram em sua propalada desconstrução, dedicando-se a desenhar uma imagem negativa dele e a conceber as reformas iniciais propostas como uma operação para minimizá-lo, e não, para melhorá-lo. Nas etapas seguintes, os discursos governamentais buscaram ressaltar uma conexão fundamental entre o Plano Real e a reformulação do projeto brasileiro de desenvolvimento, que havia iniciado com o processo de estabilização da moeda e demandaria reformas estruturais para a reorganização do País, uma vez que a estratégia dos governos era a de estabilizar a moeda e reorganizar o Estado e a economia. O projeto de modernização do Estado brasileiro estava voltado para superar o que se chamou de Era Vargas. Essa modernização foi entendida no contexto da redefinição do papel do Estado, que deixava de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social e pela via da produção de bens e serviços, para se fortalecer na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. Nessa perspectiva, defendeuse uma reforma do Estado que significou transferir para o setor privado as atividades que podiam ser controladas pelo mercado, com o objetivo de consolidar o modelo capitalista de desenvolvimento e tornar a economia do País apta a competir em escala mundial. Na retórica oficial, o Estado estava passando por uma crise que implicava a necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo, na perspectiva de tornar imperativa a tarefa de 32

redefinir suas funções ante o processo de mundialização do capital. Portanto, o novo modelo de desenvolvimento operou em condições de uma economia de mercado e se adaptou às novas regras do ambiente econômico internacional. Para Costa (2006), em conformidade com Luxemburgo (1986), o atual Estado não é uma “sociedade” no sentido de “classe obreira ascendente”, mas o representante da sociedade capitalista, quer dizer um Estado classista. Eis por que a reforma por ele proposta não constitui [...] controle da sociedade de trabalhadores livres sobre seu próprio processo de trabalho, mas um controle da organização da classe do capital sobre os processos de produção do capital (LUXEMBURGO, 1986, p. 50 apud COSTA, 2006, p. 43).

O modelo de desenvolvimento, iniciado com o Plano Real em 1994 e engendrado para se consolidar no primeiro Governo do Presidente Fernando Henrique, continha uma redefinição da relação entre Estado, mercado e sociedade por meio de um movimento de desregulamentação econômica e restrição das políticas sociais. Esse projeto de desenvolvimento estava alicerçado na implementação de políticas econômicas e sociais de cunho neoliberal e no esforço de reconstruir um Estado que estivesse sintonizado com as exigências políticas do capitalismo global. Assim, o primeiro conjunto de reformas econômicas - a abertura dos mercados, a desregulamentação e as privatizações - que foi enviado ao Congresso Nacional, foi aprovado sem muitos tropeços. As mudanças propostas na rede de proteção social brasileira também seguiram a mesma lógica neoliberal da flexibilização e da desregulamentação das relações de trabalho. Dessa feita, essas mudanças prejudicaram diretamente os interesses dos trabalhadores e se configuraram numa alteração do papel do Estado de provedor de bens e serviços sociais para um Estado organizador e árbitro dos compromissos assumidos entre o setor público e o privado. Assim, os papéis que eram do Estado foram transferidos para a iniciativa privada e para as Organizações Não Governamentais (ONGs), quando se tratasse de solidariedade. Convém enfatizar que, se os amplos setores da população ficassem descobertos pela assisConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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tência estatal e não tivessem condições de acesso aos serviços privados, seria transferida para a sociedade civil a iniciativa de assisti-la com práticas voluntárias, filantrópicas e de autoajuda. Ao mesmo tempo em que promovia a retração do papel do Estado como provedor de bens e serviços na área social, o governo agia pedagogicamente, alardeando os efeitos do controle da inflação como forma de distribuir renda. O governo passou, então, a configurar, como intervenção no social, os possíveis efeitos da política macroeconômica de estabilização, e as políticas sociais continuaram subordinadas aos objetivos macroeconômicos e demarcadas por mecanismos de estabilização como parte do processo de ajuste estrutural concebido para a sua concretização naquele momento. A política social do governo, em questão, foi submetida aos interesses macroeconômicos do grande capital e transgrediu a seguridade social em seu propósito de universalizar e democratizar os direitos sociais, orientando-a sob o signo da privatização e da mercantilização. Nesse contexto, o orçamento estatal foi reduzido drasticamente no setor social e provocou profundas modificações no caráter público dos serviços sociais, agilizadas sob o enfoque da racionalidade entre o custo e o benefício das ações. Assim, o governo inaugurou o processo de “combate à pobreza” na esfera estritamente microssocial, em que se destacou a transferência de renda como objeto principal. Conforme Nogueira (2004), essa redução do orçamento no setor social resultou, principalmente, no agravamento da miséria e no sucateamento das políticas sociais públicas. Entretanto, com a chegada ao poder, na década de 2000, primeiramente, de Lula da Silva, em dois mandatos e, atualmente, de Dilma Rousseff, a “nova” dimensão compensatória incorporada às políticas sociais públicas brasileiras serviu também de base para delimitar a intervenção estatal desses governos, em torno de políticas sociais, com base em uma compensação social, através da unificação e da ampliação de diversos programas sociais de renda instituídos no governo anterior. Com a “intenção” de “erradicar o problema da pobreza no Brasil”, inseriram essa questão no

campo da focalização, distribuindo renda, através do Programa Bolsa Família, em todo o país. A criação do Programa de Transferência de Renda Bolsa Família (PBF), em 2003, representou, de certo modo, a continuidade do sistema de proteção social, embora com outra roupagem, porquanto o PBF unificou o público-alvo, os critérios de elegibilidade e a estrutura de gestão dos programas de transferência de renda existentes e ampliou a meta de atender à população em condições de pobreza e de extrema pobreza, por meio do processo de unificação das transferências de rendas federais. Pode-se dizer que o Bolsa Família surgiu “como mediador” entre os interesses contraditórios de classes, para fortalecer o desenvolvimento econômico na perspectiva neodesenvolvimentista2, e o desempenho governamental em torno da hegemonia do Governo de Lula da Silva e o de Dilma Rousseff, que afirmaram e afirmam a “necessidade” como um princípio orientador dos seus governos na área social, em detrimento da defesa da universalidade de Programas Sociais. De acordo com Maranhão (2014, p. 21), [...] A ideologia neodesenvolvimentista responde a necessidades concretas, ela nasce na conjunção de dois movimentos simultâneos: por um lado, enquanto uma expressão ideológica ancorada nas condições reais de países periféricos desgastados pela crise do capital e pelos ajustes neoliberais das últimas décadas e de, outra, enquanto estratégia do atual bloco de poder dominante para transformá-la em uma ideologia que ao distorcer a real origem dos problemas que enfrentamos direcionará as escolhas políticas pelo estreito caminho do projeto econômico capitalista. Enquanto ideologia e a reatualização das promessas desenvolvimentistas se transformam em uma força material no sentido de ofuscar os demais projetos societários e direcionar as escolhas dos diversos indivíduos, grupos e classes sociais preocupados em superar a atual crise política, social e econômica gerada pela crise estrutural do capital, fazendo com que tais escolhas permaneçam dentro do escopo de interesses do grande capital. Torna-se claro que a ideologia do neodesenvolvimentismo no Brasil tenta recuperar, sob novas bases, o velho ideário desenvolvimentista dos primórdios da industrialização tardia. Mas

2. Segundo Mota (2012), a estratégia neodesenvolvimentista adotada pelos últimos governos é sustentada pela combinação de financeirização, crescimento econômico e políticas compensatórias com inegáveis indicadores de crescimento.

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mesmo recorrendo a nomenclatura do passado, as novas promessas desenvolvimentistas permanecem igualmente muito distantes de propostas progressistas que ofereçam ganhos civilizatórios relativos aos trabalhadores brasileiros ou, até mesmo, de políticas econômicas que tentem romper com a histórica dependência externa nacional.

produz um segmento de indigentes ou de pobres “inseridos”, cuja função é de mero figurante da reprodução social. Na concepção dos referidos autores, passa-se a viver com uma pobreza controlada ou regulada, mas não superada. Sobre esse aspecto, Amaral, Mota e Peruzzo (2012, p. 175) asseveram:

Segundo Amaral, Mota e Peruzzo (2012, p. 175), a perspectiva neodesenvolvimentista,

[...] a América Latina não pode reproduzir as formas históricas de dependência e de aprofundamento da superexploração do trabalho [...]. E, principalmente, não pode conciliar com a burguesia medidas paliativas de combate à pobreza, que, em nome da diminuição/superação da desigualdade, reduzem a programática das lutas sociais às conquistas na ordem, construindo assim uma estratégia de socialização da sociedade de acordo com as necessidades e projetos das classes dominantes.

ao postular que a nova economia política dos países latino-americanos permite a expansão do bem-estar pela via do consumo, promovido pela transferência de renda, aliadas ao investimento econômico, os defensores do novo – desenvolvimentismo – guardadas as suas distintas concepções e enfoques sobre a leitura que fazem da realidade – confluem na ideia de que o debate sobre o Estado e sua relação com o mercado são temas centrais da agenda política desses países. Evidente que esse não é um debate novo, mas no contexto atual, as análises em torno do tema estão saturadas de determinações que tornam muito mais complexas as alternativas de construção de um projeto de desenvolvimento para o continente.

Os autores acrescentam que [...] não podemos desconhecer que tais governos lograram avanços nos conteúdos, na abrangência e na institucionalidade de programas sociais compensatórios. Todavia, permanecem as veias abertas da América Latina, porque o fetiche do novo-desenvolvimentismo é que ele não comporta crescimento com equidade, com sustentabilidade nem tampouco com enfrentamento das desigualdades sociais (AMARAL; MOTA; PERUZZO, 2012, p. 175).

Destarte, compreende-se que a focalização e a seletividade do PBF agem como um sistema de regulamentação que configura regras que operam por meio de filtros. O substrato desse processo de seleção tende a desqualificar as demandas sociais e as reais possibilidades de políticas sociais universais e favorece, inclusive, uma concepção ingênua do Programa. De acordo com especialistas como Oliveira (2010), Cotta e Paiva (2010), Coutinho (2010), entre outros, o governo federal, ao incluir as famílias assistidas no processo de consumo de forma precária, 34

Ressalte-se, contudo, que, para os Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff e seus entes federados, o PBF configurou-se e configura-se como um importante instrumento no âmbito da política econômica e social, considerando-se a melhoria relativa da renda média dos pobres e dos extremamente pobres e a redução da desigualdade entre eles. Isso porque, de acordo com Assis e Ferreira (2010), a renda mensal média per capita das famílias do Programa cresceu de R$ 51,09 (antes do PBF) para R$ 78,12 (depois do PBF), o que, para eles, significa distribuir renda a uma parcela da população que se encontrava fora do mercado consumidor, proporcionando renda, consumo e desenvolvimento econômico-social, gerando o aquecimento do mercado interno, além de atender a parte dos interesses materiais dos assistidos pelo PBF. Mota (2012) refere que o Estado busca promover ações voltadas para complementar o mercado de consumo da classe trabalhadora, com possíveis descontentamentos de classe e a expansão de novos mercados nos países menos desenvolvidos. Entende-se, portanto, porque o Governo de Luís Inácio Lula da Silva e o de Dilma Rousseff passaram a agir como se o PBF fosse um fim, e não, um meio para o acesso das famílias assistidas pela transferência de renda a uma política estável de trabalho e geração de renda, de ampliação e melhoria da oferta de serviços públicos, porque as políticas sociais universais, não contratualistas e constitutivas de direito de Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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cidadania foram acusadas de esvaziar os fundos públicos desperdiçados em atividades “burocratizadas e sem retorno”. Em seu lugar, criou-se uma forma diferencial e dual de dar respostas às necessidades individuais. Tal discurso cedeu lugar à focalização, à descentralização e à privatização, enquanto a solidariedade social passou a ser localizada e pontual. A focalização implicou o fato de que os gastos e os investimentos em termos de ações públicas privilegiam, fundamentalmente, as populações submetidas à condição de extrema pobreza, uma vez que a postura do Estado ocorreu e ocorre de maneira estritamente residual, no sentido de imprimir um redirecionamento aos gastos sociais, a partir de uma lógica caracterizada pela eficiência e pela eficácia. Segundo Mota (1995), o discurso do Banco Mundial apresentou uma indicação explícita sobre as prescrições de um “novo consenso”, quando afirmou que não poderia haver êxito nas medidas de ajuste econômico sem reformas estruturais que atenuassem as contradições produzidas pelo modelo de ajuste econômico, pois, em curto prazo, os mais pobres ficariam em situação de risco. Assim, no interior do novo consenso, seriam necessárias reformas sociais que tivessem como foco o combate à pobreza. Para isso, seriam necessárias políticas macroeconômicas e medidas que atenuassem o declínio do consumo privado. Esse entendimento defendido por organismos internacionais ofereceu as diretrizes ideológicas para a construção do consenso político sobre suas propostas de intervenção social aos países periféricos a partir de duas linhas bem delimitadas: de um lado, a construção de um aparato ideológico que distorcesse as causas da pobreza mundial e, de outro, a criação e o desenvolvimento de políticas sociais que garantissem uma renda mínima para os cidadãos considerados pobres. O princípio da focalização durante os Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff repercutiu, particularmente, no âmbito da política de Assistência Social, na seleção de segmentos bem específicos e na focalização de ações, com vis-

tas às pessoas em extrema vulnerabilidade. Essa medida manteve e mantém as desigualdades entre os setores pobres (assistidos e não assistidos), entre eles e os segmentos mais privilegiados da sociedade. A lógica pretendida tornou-se um mecanismo de exclusão ao se direcionar o gasto social aos “mais pobres” e deixar de fora uma grande parcela deles na inserção de programas sociais. Esses programas, ao se basear nos critérios de “linhas de pobreza3 ” (baseados na renda), não permitem a “inserção” de pessoas por direito, mas pelo fato de serem mais pobres. Essa é, pois, uma forma de não se garantir a base da igualdade para o acesso à política social. Para Behring e Boschetti (2006), toda essa realidade provocou e provoca, no campo das políticas sociais brasileiras, impactos negativos sobre o sistema de proteção social, com mais rupturas entre os que estavam (estão) empregados e os que estavam (estão) fora do mercado de trabalho, razão por que ficaram (ficam) precariamente protegidos, sem ter acesso à proteção social tradicional, integrando o mundo dos desvalidos, demandantes das políticas e dos programas assistenciais compensatórios.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos aspectos elencados, compreende-se que o Programa Bolsa Família deu e continua dando apoio político, devido às possibilidades materiais que representou (representa) e à difusão da ideia de redução das desigualdades sociais entre ricos e pobres, considerando-se que não se pode negar que as ideias e as condições materiais se encontram sempre juntas, influenciando-se mutuamente, uma vez que as ideias devem ser entendidas na relação com as circunstâncias materiais, que incluem tanto as relações sociais quanto os meios de produção. Isso quer dizer que não se pode deslocar o papel que ocupa o Bolsa Família no processo de reprodução das relações sociais nesse País. Assim, a ativa trama que o envolve interliga-

3. O Banco Mundial utiliza-se de “linhas de pobreza” para definir o número de pobres de um país e relaciona essa linha a uma renda per capita de 1 dólar ou até 2 dólares diários a grupos populacionais que excedam esse quantitativo e que são considerados como “não pobres”. Contudo, nos países centrais, a “linha de pobreza” é definida por meio de um cálculo que compara a renda dos indivíduos com a renda média nacional.

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se com a “conformação” das massas no âmbito material e no ideológico, através de concessões e de composição entre classes ou grupos sociais contraditórios, considerando-se que os governos “democrático-populares” de Lula da Silva e Dilma Rousseff incorporaram formas conservadoras de governar, em que as condições políticas estabelecidas pelos referidos governos, em função da agenda e das alianças levadas a termo (e que os conduziram ao poder), revelaram-se exigentes, no que diz respeito à preservação do sistema, e longe de assegurar um caminho necessário para a materialização de um projeto político de sociedade que rompesse com a estrutura social constituída no Brasil ao longo de sua história. Portanto, no Brasil, o enfoque da política social volta-se, apenas, para a meta de produzir impactos na população-alvo, privilegiando o indicador custo-impacto. Dessa feita, o que poderia gerar uma situação mais aguda da questão social, devido à alta concentração de pobreza no Brasil, condicionou as políticas sociais a adquirirem status de compensação em relação à política econômica. Assim, entende-se que o objetivo das políticas sociais, em particular, do Programa de Transferência de Renda Bolsa Família, continua sendo o de garantir, por meio da redistribuição de renda, focalizada e seletiva, a manutenção da governabilidade, visando diminuir os focos de pobreza e uma possível desestruturação do sistema social e político. Nesse sentido, evidencia-se o PBF como estratégia que se manifesta como mecanismo de estabilização das relações sociais e como forma concreta de acesso dos assistidos a recursos, a serviços e a determinado reconhecimento de cidadania. Vale pontuar que o PBF cumpre a função política ideológica de neutralizar as tensões sociais existentes ao possibilitar o acesso ao crédito, ao mesmo tempo em que viabiliza uma leitura do Programa de forma restrita e utilita-

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rista. Partindo dessa premissa, ao se associar a figura presidencial ao Bolsa Família, fortalece-se uma imagem política para aqueles que, direta ou indiretamente, foram assistidos pelo Programa. Nesse contexto, ressurge a gratidão dos assistidos como expressão do reconhecimento da bondade dos Governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff e do dever moral do agradecimento dos que acreditam dever um favor. Nesse aspecto, a focalização e a seletividade do PBF fortalecem a relação entre o favorecido e o benfeitor. Tal realidade imprime uma ótica individualizada e fragmentada das desigualdades sociais e revitaliza o agradecimento e as lealdades individuais. A lógica da gratidão, como sugere Yazbek (1993), fortalece-se como um sistema de consenso e reforça a figura do pobre beneficiário e necessitado em suas demandas, com uma posição de subordinação por sua condição de pobreza. Assim, a prática política moderna também sobrevive pelos laços de lealdade com a oferta de benefícios materiais, cujo resultado maior continua sendo a neutralização de conflitos. Também por meio da focalização e da seletividade, há uma concepção ingênua de que o Programa Bolsa Família só chega a quem de fato necessita – e outros milhões de pobres, não necessitam? – popularizando-se e convertendo-se numa ideologia comum, “o senso comum”. Acanda (2006, p. 206) sugere que não se deve dizer que não existem certas verdades no senso comum, mas e que a crítica ao senso comum é um antídoto contra toda tentativa de empreender uma política que desconsidere as condições culturais que conformam a ideologia de massas. Ainda conforme o referido autor, a tarefa não é a de aceitar a visão de mundo popular, “[...] mas de construir um novo senso comum, pois o preexistente na sociedade capitalista é incapaz de criar livremente uma consciência individual e coletiva, coerente, crítica e orgânica” (ACANDA, 2006, p. 207).

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Marlene Helena de Oliveira França (*)

Segregação espacial e controle social das massas empobrecidas RESUMO Neste artigo pretendem-se relacionar, ainda que de forma embrionária, as questões relacionadas à socialização e ao controle social, mas também à vigilância e à punição, uma vez que são aspectos que guardam estreita relação entre si, os quais perpassam ainda a sociedade contemporânea e produzem múltiplos efeitos no cenário social. Ao estudar alguns autores, optamos, pelo suporte que a obra de Bauman poderá nos oferecer na construção desse breve texto. Assim, a discussão a ser levantada tem como propósito apresentar a relação existente entre segregação espacial, sistema penal, criminalidade e controle social. Partimos da premissa de que estas questões fazem parte de um todo, estando estritamente interligadas. Desta forma, vislumbramos ser necessário começar abordando a questão da separação que ocorre no espaço público, para só depois discutirmos a questão da segregação dos excluídos, uma vez que esta tem sido historicamente, o argumento para a legitimação das políticas públicas de segurança autoritárias e totalitárias e para o controle das massas empobrecidas. Por fim, no contexto do acirramento do controle social formal, no fortalecimento do Estado penal e no encarceramento das massas empobrecidas, investigaremos que, instituições responsáveis por controlar socialmente os indesejáveis sociais, como o sistema penal, por exemplo, apesar de segregá-los e isolá-los, não têm sido suficiente para conter a criminalidade, uma vez que suas causas estão na própria sociedade. Palavras-chave: Segregação espacial; controle social; exclusão; pobreza.

ABSTRACT In this article we intend to relate, albeit in embryonic form, the issues connected not only to socialization and social control, but also to monitoring and punishment, since they are aspects that keep close relationship with each other, which still permeate contemporary society and produce multiple effects in the social scenario. After studying a few authors, we chose the support Bauman’s work can offer us in the construction of this text. Thus, the argument being raised aims to introduce the relationship among spatial segregation, penal system, crime and social control. We started from the premise that these issues (*) Professora Adjunta do Departamento de Habilitação Pedagógica/CE/UFPB; membro do Núcleo de Cidadania e Direitos e Humanos (UFPB). marlenecel@hotmail.com 38

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are part of a strictly connected whole. In this way, we found it necessary to start addressing the issue of separation that occurs in public space, and only afterwards discuss the issue of segregation of the excluded ones, since this has historically been the argument for the legitimacy of authoritarian, totalitarian security public policies, and for control of the impoverished masses. Finally, in the inciting context of formal social control, in the strengthening of the penal State and the incarceration of the impoverished masses, we will investigate that, institutions responsible for socially controlling the undesirable ones, such as the penal system, in spite of segregating and isolating them, have not been able to restrain crime, since its causes are within society itself. Keywords: Spatial segregation; social control; exclusion; poverty.

1. INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea, nas questões relativas à segregação, ao controle social e à punição, podemos constatar inúmeras contradições e permanências que atravessam a vida de diferentes sujeitos sociais, tanto no processo de socialização de uns com os outros quanto no controle social. Nesse sentido, nossa abordagem sinaliza para uma perspectiva interdisciplinar e adota um enfoque teórico-metodológico flexível. Isso quer dizer que sustentamos a ideia de que a Sociologia, assim como a Ciência Política, deve romper urgentemente com o víeis dogmático, normativo e tecnicista com que vem se apresentando na conjuntura atual, sobretudo, no que concerne às temáticas do controle social, da segregação, da vigilância e da punição na sociedade brasileira. Assim, objetiva-se investigar a referida temática acolhendo as contribuições significativas de distintos campos do saber, como as da História, da Ciência Política, do Direito e da Criminologia. Iniciemos, pois, nossas incursões acerca do tema, conceituando o termo espaço público, ou “território urbano”, como também é chamado por Bauman (1999), que o considera como um campo de batalha e de conflito permanente. Pode-se afirmar que esse conflito se estabelece devido à própria divisão a que esse espaço é submetido, que é agravado por causa das disputas geradas pelo comando das “bocas de fumo” do tráfico: da ocupação de residências ou prédios públicos abandonados por moradores “sem teto”; dos Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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flanelinhas, que disputam a guarda dos carros; do uso das calçadas pelos mendigos e de outras disputas que não cabem aqui especificar. Porém, a pior delas é provocada pela globalização, que estimula o consumo das massas empobrecidas, mesmo sabendo que elas não dispõem de condições financeiras favoráveis. Assim, a primeira separação a ser feita nesse espaço - que, embora receba o nome de público, é usufruído por poucos - é entre ricos e pobres, incluídos e excluídos. Basta pensarmos nos habitantes desprezados das favelas que, ao criar as próprias leis, estabelecem limites (inclusive geográficos) que devem ser respeitados por todos, sob pena de castigo, inclusive com a própria morte do transgressor, e nas enormes muralhas que são erguidas como uma forma de deixar de fora dessas fortalezas (condomínios fechados) os indesejáveis da sociedade. Mas, às vezes, esse confronto é inevitável. Para Bauman (1999, p. 25), essa separação representa certa “anulação tecnológica das distâncias temporais/espaciais”. Na verdade, são estratégias para reforçar a diferença, quando deveriam estreitar os laços sociais entre os sujeitos e promover uma socialização plena, completa. Também há um agravante para o segmento dos excluídos: estão limitados a somente um espaço/ local, sem qualquer possibilidade de se locomover. É nesse espaço onde as chamadas lideranças ditam as regras de convivência social e de relações de poder e mostram que há uma relação de força, uma hierarquia de poder, de mando de “campo”, inclusive entre eles, que pertencem a 39


uma mesma classe social: os excluídos. Nessa linha de pensamento, podemos compreender porque, no espaço público dividido, os indivíduos sociais constroem as próprias barreiras e criam as próprias defesas, sobretudo na tentativa de ora prevenir os crimes, ora de afastar os criminosos do seu território. Na outra ponte, encontram-se os “despossuídos” (de tudo) que, naturalmente, já são isolados, porém não lhes resta outra opção senão a de conviver com a criminalidade e a marginalidade e o grupo que as comanda (seja do tráfico, da milícia, da associação de moradores etc.). Isso contribui ainda mais para o isolamento espacial. Certamente essa demarcação cria um poder/controle paralelo ao poder do Estado e, em alguns casos, mais presente do que ele, embora não oficialmente reconhecido. Essa transferência - “às avessas” - de responsabilidade no trato com as questões sociais por parte do Estado reforça a ideia de que, quanto mais pobres forem e morarem nas áreas periféricas, mais longe estarão de ser alcançados pelas “mãos generosas” do poder público. Ressalte-se, todavia, que, apesar de essa generosidade ser mais limitada/controlada, muitos já se beneficiaram com ela ou ainda se beneficiam, basta lembrar os Programas Sociais, como o ‘Bolsa Família’, por exemplo. Mas, voltemos à análise do espaço público, em particular, o brasileiro. Para Jock Young (2002), por meio da “anomia”, que veio à tona com o surgimento da cidade e foi se consolidando à medida que ela foi se desenvolvendo, é possível reconhecer a existência de dois territórios onde convivem, simultaneamente, a estabilidade e a falta. O primeiro elemento está restrito a uma parcela da sociedade, que está inserida no mercado formal de trabalho; tem acesso à saúde, à educação, ao lazer, a condições favoráveis de moradia, tratamento diferenciado nos tribunais de justiça, e claro, grande capacidade de consumo. Enfim, é a parcela dos aceitos/incluídos socialmente. Na outra ponta desse espaço público dividido, temos a parcela da população – indubitavelmente, a que compõe a maioria dos brasileiros – que são “obrigados” a conviver com a falta das condições acima citadas. Como se essa ausência das condições mais elementares para

a sobrevivência social não bastasse, ainda estão restritos a um espaço territorial sem a menor infraestrutura, que os coloca numa condição desigual de tratamento e descompromisso do poder público. Logo, constituem a parcela dos abandonados política, social e juridicamente. Essa parcela vive em locais classificados por Young (2002) como ‘os de fora’, e o “grupo dos que estão fora vira bode expiatório para os problemas da sociedade mais ampla: eles representam uma subclasse, que vive no ócio e no crime” (p. 40). Bauman (1999) refere que essa nova maneira de fragmentar a cidade, que separa os indivíduos entre incluídos e excluídos socialmente, gera duas situações adversas: a “extraterritorialidade” da elite, que supõe uma condição de liberdade extrema, em que os sujeitos têm o direito de ir e vir respeitado e facilitado pelo Estado, e a “territorialidade”, a que os excluídos do espaço público estão circunscritos e que é planejada e desejada pelo Estado, que os mantêm afastados de seu polo adverso: a elite, que nem quer nem pode ser incomodada. É para essa classe que se destina grande parte dos privilégios estatais. É visando beneficiá-la que o Estado tem investido na modernização dos seus equipamentos sociais, na isenção de impostos para as grandes empresas, inclusive as multinacionais, e tem tornado mais transparentes suas ações, uma vez que os protestos sociais, presenciados no primeiro semestre de 2013, têm exigido uma nova postura dos governos nas três instâncias do poder. Em contrapartida, a população pobre continua desassistida, desgovernada, desiludida com as mudanças que se anunciam e despreparada do ponto de vista profissional. O prefixo “des” parece ser o único elemento que ainda está presente entre os desavisados de que precisam se integrar aos novos tempos, e ainda que seja uma integração parcial, pelo menos é o começo de uma socialização plena. Embora não seja o foco principal deste artigo, mas, com o fim de estabelecer uma relação entre os excluídos sociais e a criminalidade, uma vez que há uma tendência em relacionar a pobreza ao crime, recorremos, mais uma vez, à análise de Young (2002), quando afirma que, em geral, as pessoas não fazem uma escolha racional1 ao cometerem um desvio. Na verdade, são levadas a

1. Essa discussão nos remete à obra de Beccaria (2002), que apontava para o criminoso racional. “A criminalidade e a dissidência racionais de grande escala”, que existiam antes dos conceitos modernos de cidadania, não existe mais (YOUNG, 2002, p. 20). 40

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isso, seja devido a circunstâncias psicológicas ou sociais. Para o autor, os excluídos sociais de hoje são as classes perigosas da pré-modernidade e que se tornaram os indivíduos desviantes da modernidade. É nesse contexto em que a figura do Estado – em sua versão de bem-estar social – aparece com maior força e assume a tarefa de “assimilar” os desviantes e integrá-los à sociedade. A noção de sociedade inclusiva surgida com o estado de bem-estar social corresponde a uma sociedade que não abomina o “outro”, tampouco o considera como inimigo externo e, por essa condição, deve ser eliminado. Ao contrário, ele é visto como uma pessoa que deve ser integrada socialmente, reabilitada, “curada”, já que é um doente social, com o único objetivo de ficar igual aos “outros”, os incluídos. Seguindo essa vertente, somos levados a crer que o que faltou aos primeiros foram as condições necessárias para viver em sociedade e de maneira civilizada. Portanto, precisam da intervenção do Estado bem feitor para se “ajustar” socialmente e ser aceitos/integrados. No entanto, esse discurso da sociedade includente não dura muito tempo e acaba sendo substituído pela sociedade excludente.

2. EM BUSCA DE ALGUMAS RESPOSTAS...

Vários foram os fatores que marcaram a transição entre a sociedade includente e a excludente, e embora não seja objeto de interesse principal deste artigo, consideramos pertinente tecer alguns comentários sobre esse assunto. O período modernista que resultou na erosão do mundo inclusivo é chamado por alguns autores de “anos dourados”. Esse período aparece dividido entre a década de 60 e a de 70 e é caracterizado pelo crescimento do conceito individualista e pelo surgimento de espaços territoriais bem demarcados, do ponto de vista pessoal, e de fragilidade ou rompimento dos laços comunitários e familiares. O outro período se estendeu entre 80 e 90 e demarcou o processo social de exclusão. Constata-se, pois, de um lado, o crescimento do desemprego estrutural e, de outro, as tentativas (frustradas) de conter a criminalidade.

Assim, de acordo com Young (2002, p. 23), a transição da sociedade inclusiva para uma sociedade exclusiva “envolveu processos de desintegração tanto na esfera da comunidade (aumento do individualismo) como na esfera do trabalho (transformação do mercado de trabalho)”. Estamos falando, sobretudo, da passagem do modo de produção fordista para o pós-fordismo2. O fordismo do pós-guerra envolve produção e emprego em massa; um mercado de trabalho primário, repleto de empregos seguros e de carreiras padronizadas e demarcadas. Os valores essenciais desse período são centrados no trabalho e na família, consequentemente, a ausência deles afeta a ordem social. Uma ordem social que exclui o “outro”, como algo ou alguém que deve ser socializado e transformado em “um de nós” (YOUNG, 2002, p. 24). Claro está que a ruptura com essa estruturada reforçada geraria um mundo caótico em que a segurança daria lugar à incerteza. Um mundo em que os elementos que o constituíram - trabalho e família - se fragmentaram; em que as tensões entre igualdade de cidadania e desigualdade de gênero, igualdade formal e substancial, ocultas durante um longo tempo, põem-se à mostra. O aumento nos níveis de exclusão gerado pela economia de mercado, que emergiu com o pós-fordismo, foi fundamental para criar uma subclasse de “desempregados estruturais”, portanto, marginalizados social e profissionalmente. O sistema de produção rígida e em massa deu lugar à produção flexível e diversificada e, com ela, uma flexibilidade na força de trabalho, o que provocou instabilidade salarial, relações de trabalho precarizadas, desmobilização sindical, superespecialização do trabalhador etc. Juntos, esses aspectos causam incerteza no amanhã. Assim, elementos como justiça distributiva e esfera do mérito e da recompensa presentes na sociedade includente não fazem mais parte desse novo cenário pós-moderno: a sociedade excludente. Numa sociedade que, de um lado, exclui a participação do trabalhador e, de outro, estimula sua condição de consumidor, não se pode esperar que as pessoas que a constituem manifestem condutas éticas aceitáveis e/ou recomendáveis. É, pois, nesse cenário excludente, em que a

2. Para uma análise mais apropriada dessa temática, ler Ricardo Antunes, em ‘Adeus ao Trabalho’.

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insatisfação com a situação social e a frustração de não poder consumir os produtos mais desejados mundialmente se transformam num ponto de tensão do sistema que, junto com a “privação relativa”3, pode desencadear diferentes tipos de respostas: políticas, culturais, religiosas e, até, criminais. Se optarmos por estabelecer uma relação entre os segmentos sociais submetidos a essa privação relativa e a divisão do espaço público, veremos que a ausência total do poder estatal pode desencadear conflitos sociais irreversíveis e minar a legitimidade do Estado. Segundo Bauman (1999, p.33), “é altamente comprometedora essa privação”. É nesse cenário globalizado e pós-moderno em que o discurso penal tem se intensificado, com o objetivo de dar conta dos “novos” conflitos sociais derivados do crescimento da pobreza e da desigualdade social. Esse tem sido o principal argumento utilizado pela classe dominante, ao longo da história, para se manter no poder. Para isso, lança mão de uma série de instrumentos de controle social4, entre eles, o sistema penal. Tal mecanismo, ao mesmo tempo em que estimula a sensação de insegurança, de perigo e de medo na sociedade, legitima o uso da força e da violência. É a última instância da exclusão e confinamento dos segmentos marginalizados da sociedade que precisam ser controlados e disciplinados, sob o argumento principal, embora falso, de afastar os perigos que cercam os “homens de bem”. Para Batista (2003, p. 58), [...] as massas urbanas empobrecidas num quadro de pobreza absoluta, sem um projeto educacional, sem condições sanitárias, sem moradia, são a clientela de um sistema penal que reprime através do aumento de presos sem condenação, da atuação constante dos grupos de extermínio[...].

Paralelamente a essa exclusão, observamse o desaparecimento ou a restrição do espaço público e a segregação das classes sociais. Como consequência da ausência de questionamento das normas sociais reguladoras, os indivíduos tendem a se comportar em conformidade com os padrões que se convencionou chamar de nor-

malidade, e os que não conseguem se adaptar a tais padrões devem ser afastados do convívio social, preferencialmente, nas prisões, de modo que não atrapalhe a “normalidade” da cidade. Concordamos com Bauman (1999), quando aponta para esse modelo de sociedade punitiva, que traz como consequência a “intolerância face à diferença, o ressentimento com os estranhos e a exigência de isolá-los e bani-los e, por fim, a paranoica preocupação com a ‘lei e a ordem’, que segrega e exclui os fora da lei”: negros, pobres, mulheres, minorias sexuais e étnicas (p. 32). Na sociedade contemporânea, há uma extrema segregação entre ricos e pobres. Exemplo disso são a construção dos bairros fechados e vigiados e uma consequente separação dos espaços públicos onde os ricos investem num amplo aparato de segurança e proteção para afastar os pobres, que, para eles, são indesejados e “perigosos”. Isso nos remete a Bauman (2005), quando afirma que os “turistas têm horror dos vagabundos pela mesma razão que os vagabundos encaram os turistas como gurus e ídolos. Na sociedade dos viajantes, o turismo e a vagabundagem são as duas faces da mesma moeda” (p. 35). A divisão do espaço público, que separa elite e povo, rico e pobre, excluído e incluído, turista e vagabundo, exige do Estado a principal estratégia de controle social: o sistema penal, que assume uma dupla função: a de punir e a de excluir os pobres. Nesse ponto, é importante situar a teoria sociológica de Bauman. Os grupamentos sociais estão divididos em ricos e pobres. Os ricos são homens e mulheres “globalizados, desenraizados, desengajados, com trânsito relativamente livre pelos espaços capitalistas”. Os pobres, em outro extremo, estão cada vez mais isolados em guetos (2005, p. 111). O processo de guetificação caminha junto com a criminalização da pobreza. Para o autor citado, os guetos e as prisões, são uma forma de força para prender os indesejáveis ao chão e mantê-los confinados e imobilizados. Só com a privação da liberdade dos últimos, através do isolamento espacial e do encarceramento, é que a liberdade dos primeiros (ricos) estará garantida. Se quando do surgimento do sistema penal,

3. Esse termo foi apresentado por Young, no livro, A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente, onde ele tenta explicar as frustrações causadas pela inclusão precária. 4. De acordo com Foucault, escola, família, igreja, mídia e prisão compõem o sistema de controle social das classes subalternas, ora pela força, ora pela ideologia. 42

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o objetivo do controle social era o de promover o disciplinamento5 nas prisões, também conhecidas como casas de trabalho forçado, com o propósito de recuperar a moral do criminoso para que retornasse ao convívio social e combater a preguiça, o não cumprimento das normas sociais etc.6, nas sociedades contemporâneas, mudou-se o foco do controle social, e a prisão não é mais utilizada como o falso objetivo de reabilitar, mas, exclusivamente, como confinamento daqueles que não cumprem as normas, a política da “lei e da ordem”. A esse respeito, Bauman (1999, p. 123) assevera: [...] a prisão tem hoje a função de exclusão das pessoas habituadas a sua condição de excluídas. A marca dos excluídos na era da compressão espaço-temporal é a imobilidade (...). A questão é tanto mais preocupante do ponto de vista ético pelo fato de que aqueles que punimos são, em larga medida, pessoas pobres e extremamente estigmatizadas que precisam mais de assistência do que de punição.

É assustador o número de pessoas na prisão. Estima-se que, só no Brasil, atualmente exista cerca de 474 mil presos/as, e a tendência é de aumentar paralelamente ao aumento da pobreza. O encarceramento dos segmentos empobrecidos e excluídos continua sendo o principal argumento para justificar a necessidade de manter a ordem social de um país. Nesse contexto, a sensação de perigo e de medo criados na população e reforçados pela mídia é a principal estratégia do Estado para legitimar a criação de políticas públicas de segurança repressiva e o endurecimento das leis. Por outro lado, essas mesmas políticas, chamadas também de políticas de “tolerância zero”7, ganham a simpatia da população e aumentam a popularidade dos governos, pois mostram que ainda conseguem criar mecanismos que garantem a segurança dos seus governados. Em nossa concepção, a situação do Brasil é ainda pior: o quadro de profunda desigualdade social e de grande concentração de renda nas

mãos de poucos privilegiados reforça a ideia de que as pessoas que estão presas são as menos favorecidas da sociedade. As penitenciárias brasileiras representam “um lugar destinado a determinados setores da população empobrecida que escaparam à filtragem física” (DEMO, 2003, p. 25). Em face dessa constatação, os princípios da democracia e a garantia da cidadania conquistados a duras penas são postos em xeque. Com a implantação do Estado penal máximo e o encarceramento em massa dos indesejáveis e perigosos, a violência e a criminalidade são encarados como um problema que deve sofrer a intervenção de um sistema penal e a “mão invisível do mercado”, afastando, de uma vez por todas, o Estado prestacional. Assim, na visão dos críticos da criminologia, o sistema penal é a forma mais eficaz para “etiquetar e segregar” o espaço público, entre os bons e os maus, os certos e os errados, os normais e os anormais. Essa etiquetagem dá origem ao sistema penal seletivo. No livro, “Vidas desperdiçadas”, Bauman (2005, p. 1) faz o seguinte questionamento: “As coisas são descartáveis por sua feiura ou são feias por terem sido destinadas ao lixo”? Essa indagação nos leva a refletir que, mesmo no sistema penal, há uma seleção entre os desviantes, a qual “etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos os demais que praticaram tais condutas” (ANDRADE, 2003, p.41). Bauman (2005, p. 1) assevera que o cárcere representa um instrumento de exclusão do convívio social, que priva a liberdade das pessoas intituladas criminosas. Elas são representadas por grande parte da população que, por serem excluídos, ou seja, considerados lixo, devem ser jogados no lixão (que representa o cárcere).

Entendemos que não há forma mais radical de confinamento do que a prisão. A segregação dos perigosos se traduz na certeza de evitar qualquer contato no espaço já delimitado. Satisfaz, todavia, a sociedade incluída porque esses territórios se traduzem na impossibilidade de

5. Para uma discussão mais aprofundada dessa questão ver Foucault na famosa obra Vigiar e Punir. 6. Mesmo não sendo objeto de discussão do presente artigo, é importante destacar que esse sistema de reabilitação dos presos, por meio das casas panópticas de confinamento, é ainda bastante questionado e está presente até hoje nos principais debates da área penal. 7. Implementada em Nova York, na gestão do prefeito Rudolfe Juliane, é copiada por várias cidades, atinge, predominantemente, às áreas pobres, é um exemplo claro de controle social. Wacquant (2002), afirma que o desenvolvimento de tal política está vinculado ao conjunto de ações repressivas, notadamente, em instituições penitenciárias visando conter as desordens geradas pelo desemprego massivo, a precarização do trabalho assalariado e a compressão das políticas sociais: “o uso de um Estado penal para suprir a ausência de um Estado social”. (p. 20).

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contato; melhor ainda se desses locais ninguém pudesse mais escapar. A despeito de qualquer solução que se pretenda encontrar, entendemos que é preciso analisar a causa dos problemas da criminalidade para encontrar soluções que sejam concretamente eficazes. O fato é que não se pode negar que os excluídos, reprimidos na margem, embora sejam cotidianamente descartados, não podem ser ignorados, estão numa situação de confronto, fazem parte da dinâmica contrária, logo, causam incômodo e é por isso que são segregados.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o exposto, destacamos a ideia de que o criminoso não escolhe atacar a sociedade, mas de que são as vergonhosas condições sociais e econômicas do Brasil que favorecem a criminalidade e que, enquanto não mudarem, os crimes vão continuar acontecendo, mesmo que endureçam as penas, construam-se mais presídios, reforce-se o sistema de segurança dos presídios para evitar fugas dos indesejáveis. É fácil

constatar que o apelo por mais Estado penal não conseguiu combater a criminalidade, que cresce na mesma proporção em que crescem as desigualdades. Talvez por essa razão, os teóricos, embalados pela esperança de que a intervenção estatal possa conter a criminalidade nas sociedades contemporâneas, solicitam a mão visível do Estado com a mesma convicção de quando defendiam a “mão invisível do mercado”, certamente por constarem que o isolamento e a segregação espacial dos pobres, dos “perigosos” não resolveram o problema da desigualdade, tampouco da criminalidade, porquanto tais problemas não podem ser encarcerados, estão fora dos muros das prisões e na sociedade que os produz. Assim, apesar de lançar mão das políticas de segurança pública, na maior parte das vezes autoritárias e arbitrárias, o Estado não tem conseguido cumprir eficazmente com seu papel: conter o aumento da criminalidade; reinserir a pessoa criminosa no convívio social, provendo-a com os meios necessários à sua subsistência (adoção de políticas públicas eficientes). Essa é uma forma de evitar que ela retorne ao mundo do crime e promova a paz social.

Referências BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 29ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

BAUMAN. Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ________. Vidas desperdiçadas. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Trad. André Telles – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2001.

DEMO. Pedro. Pobreza da pobreza. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. 44

YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan, 2002 Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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Henrique Wellen *

Literatura realista e contradições sociais no Brasil: análise do poema “O Rio”, de João Cabral de Melo Neto

RESUMO Objetivamos apreender, a partir da análise do poema “O Rio, ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife”, escrito em 1953 por João Cabral de Melo Neto, algumas relações entre a literatura e a sociedade, no que concerne às contradições sociais que marcam a formação histórica brasileira e, em especial, a região nordeste. Através da metáfora do caminho do rio, o poeta pernambucano narra os dilemas sociais e subjetivos que marcam as vidas das pessoas que vivem no entorno desse espaço, lastreadas pela busca de condições materiais de sobrevivência. Rejeitando a naturalização da pobreza pela seca, como se fosse uma condição insuperável, a sina desses imigrantes não é figurada centralmente pela falta de água, mas como consequência da estrutura econômica subdesenvolvida de uma sociedade de classes. Dessa forma, a obra analisada não somente expressa um reflexo artístico, uma figuração social e política dessa realidade, mas suas palavras também carregam a importância do questionamento sobre esse ordenamento social. Palavras-chave: Poesia; realismo; contradições sociais; reflexo estético; subjetividade. ABSTRACT Based on the analysis of the poem “Rio, or relation of the journey that makes the Capibaribe river, from its source towards the city of Recife,” written in 1953 by João Cabral de Melo Neto, we aim to understand some relationships between literature and society, concerning social contradictions that mark Brazilian historical formation and, in particular, the Northeast region. Through the river path metaphor, the poet from Pernambuco narrates the social and subjective dilemmas that mark the lives of people living around that area, backed by the search for material living conditions. By rejecting the naturalization of poverty by drought, as if it were an unsurmountable condition, the fate of these immigrants is not represented by the lack of water, but as a result of the underdeveloped economic structure of a class society. Thus, the work analyzed not only expresses an artistic reflection, a social and political figuration of such reality, but its words also bear the importance of questioning about this social order. Palavras-chave: Poetry; realism; social contradictions; aesthetic reflection; subjectivity. (*) Professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ; administrador de formação (UFPB) e Doutor em Serviço Social (UFRJ). Tem pesquisas e publicações sobre Teoria Social, Teoria Política e Filosofia e as relações dessas áreas de conhecimentos com os complexos estéticos, especialmente a literatura e o cinema. Publicou diversos artigos sobre essas temáticas e é autor do livro “Para a crítica da ‘economia solidária’” (Outras expressões: 2012) e coautor do livro “Gestão Organizacional e Escolar: uma análise crítica” (IBPEX: 2010). E-mail: harw@uol.com.br

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Escrito em 1953 por João Cabral de Melo Neto, “O Rio, ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife”1, é um poema que, como indica o próprio título, apresenta uma narrativa dos cenários naturais e sociais presenciados ao longo dessa trajetória fluvial. Mas, longe de se pautar numa descrição geográfica, o poema vencedor do concurso de poesia no IV Centenário da Cidade de São Paulo é um símbolo artístico de métrica e estilística, que representa um elevado exemplar da poesia realista. O percurso que faz o rio Capibaribe, desde sua fonte no interior do Nordeste até chegar a uma das maiores cidades dessa região, é o palco por onde passam seres humanos com suas vidas recheadas de dilemas e contradições. O rio os acompanha na cotidiana luta pela sobrevivência, em suas tentativas de retirar frutos de uma terra quase árida e cercada por poucos donos. Numa sociedade baseada na propriedade privada da terra, a migração aparece como uma imposição e como esperança de uma vida melhor. Dentro da bagagem que esses retirantes carregam, além de seus poucos bens materiais ou de suas limitadas promessas de uma vida melhor, também se encontram, como nos mostra o poeta, os sonhos e os desejos de uma nova sociedade. E, nessa empreitada, misturam-se rio, trabalhadores e o próprio poeta a rogar pela sensibilidade dos leitores. A migração tem uma dupla face: a dos personagens, em busca de uma vida melhor, e a do leitor, enlaçando-se na sensibilidade humana. Mas, diferentemente de julgamentos morais ou de sensibilidade narcisista, tão típicos da literatura burguesa decadente, esse poema não roga por supostos sentimentos de heroísmo. Não se encontram apelos e preces por favores e ajudas individuais, porquanto a trajetória erguese por um mote cristalino: a crítica humanista a uma estrutura social contraditória. 1. AMASSAR COM SANGUE OS OSSOS DUROS DA PEDRA O poema começa com duas abordagens centrais: a exposição do local de partida e de chegada do percurso do rio Capibaribe e

que condição lastreia a narrativa dessa trajetória ou, mais especificamente, qual a carga subjetiva a ser construída. De imediato, o poeta deixa claro que dará início a uma dupla jornada: do percurso do rio, desde sua nascente até a chegada ao mar; e do processo de assimilação de acontecimentos presenciados, principalmente, da relação com os seres que vivenciaram o seu caminho. O rio aparece, nesse sentido, menos como natureza física e geográfica e mais como um longo processo de construção de subjetividade e de conscientização sobre a dura realidade visualizada. Primeiramente comparado com os bichos, o rio segue sua condição de existência - a de cumprir sua trajetória e de desembocar no lugar de chegada. E, tal qual um bicho que arrisca seus primeiros passos, ele principia sua existência a partir de sua prática e, nesse caso, da sua sina de caminhar: “Sempre pensara em ir/ caminho do mar./ Para os bichos e rios/ nascer já é caminhar” (p. 11)2. Nessa lembrança da partida, o rio também se apresenta como uma criança - Foi como “rio menino” que, seguindo sua meta, começou a perceber o que se passa no mundo. Rio menino, com seus primeiros passos, sentimentos e memórias: Rio menino, eu temia aquela grande sede de palha, grande sede sem fundo que águas meninas cobiçava. Por isso é que ao descer caminho de pedras eu buscava, que não leito de areia com suas bocas multiplicadas. Leito de pedra abaixo rio menino eu saltava. Saltei até encontrar as terras fêmeas da Mata (p. 11 – 12).

Suas primeiras memórias são de uma terra precária, marcada pela expulsão de seus habitantes pelas intempéries naturais e sociais. E como releva mais essa condição (social) do que aquela (natural), a narrativa não se iguala à fotografia de uma terra sem nativos, pois pretende expressar o processo que produziu esse esvaziamento. Não a simples imagem do deserto, mas

1. MELO NETO, João Cabral de. O Rio, ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife. In: MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina e outros poemas para vozes. 4 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 2. Todas as passagens poéticas apresentadas em citação direta são oriundas da mesma obra indicada da nota anterior. 46

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a terra marcada pela expulsão de seu povo. Terra que foi desertada. Como diz o poeta, o rio não ultrapassa uma terra vazia, mas que foi vaziada: Por trás do que lembro, ouvi de uma terra desertada, vaziada, não vazia, mais que seca, calcinada, De onde tudo fugia, onde só pedra é que ficava, pedras e poucos homens com raízes de pedra, ou de cabra. Lá o céu perdia as nuvens, derradeiras de suas aves; as árvores, a sombra, que nelas já não pousava. Tudo o que não fugia, gaviões, urubus, plantas bravas, a terra devastada, ainda mais fundo devastava (p. 12).

Narrando a fuga, ou melhor, a expulsão dos seres que viviam naquelas terras de que ouviu falar, assim como apontando para o fato de que a vida daqueles que tentam ficar é ainda mais devastada por essa terra devastada, o poeta ressalta que se trata de uma imposição, e não, de uma escolha. E ao falar de um movimento que resulta nessa deserção, não afirma que a migração deita suas raízes em condições naturais, de terra seca e calcinada, mas que esse processo de expulsão de seus habitantes responde, essencialmente, a contradições sociais. A configuração de ser vaziada, e não, vazia remonta a um movimento histórico, e não, a uma condição natural e eterna. A terra tornou-se vazia, mas nem sempre foi assim e, sobretudo, não necessita ser desse modo. As duras condições de vida da seca, nas regiões nordestinas, onde os sobreviventes precisam ter raízes de pedras, sejam eles homens ou animais, são muito mais o resultado de uma história de alijamento e de contradição social do que de leis naturais e geográficas. Como é um processo histórico, e não, uma condição fixa e imutável, o problema da seca pode ser analisado com base em suas causas sociais e combatido e superado. A historicidade remete, portanto, ao papel dos seres humanos na construção da realidade, desde suas objetivações mais primárias até os seus

mais desenvolvidos complexos sociais3. Contra as perspectivas naturalista e fatalista, que eternizam a realidade e que estreitam a atuação humana à contemplação do imediato, a historicidade incorporada pelo autor remete à práxis humana em sua relação indissociável entre consciência e prática. Em oposição a uma figuração artística que reifica os acontecimentos sociais, o realismo reflete as dinâmicas e as contradições estruturais e cotidianas que marcam o desenvolvimento da história humana e, com isso, impulsiona o leitor a refletir sobre o que existe no presente e sua ligação com o passado e com o futuro. Ao narrar a realidade a partir da sua constituição histórica, o poeta não impõe ao leitor uma carga de passividade; ao contrário, propicia uma posição crítica e reflexiva sobre ela. A forma de figurar a relação entre objetividade e subjetividade, consubstanciada pelas possibilidades contidas na realidade concreta e que podem ou não, a depender de variadas determinações sociais, ser acessadas pelos indivíduos, é uma das características que distinguem as diferentes posturas artísticas. Como é comum em posturas artísticas antirrealistas, a realidade aparece na trama literária como uma arbitrariedade contra os personagens, contra a qual nada se pode fazer. Nesse escopo, é, ao mesmo tempo, naturalizada e desprezada. Esses efeitos sobre o personagem lhe permitem apenas duas saídas complementares: de um lado, a fuga e, de outro, o desespero. Essas duas condições impostas contra a historicidade humana são, nesses prismas, as únicas possibilidades estéticas plausíveis – e, em grande medida, louváveis – que incidem no desenlace do enredo desenvolvido (cf. LUKÁCS, 1991, p. 40). Diferentemente dessa perspectiva, a realidade refletida na poesia de João Cabral não se expressa por uma naturalização impossível de ser superada, mas como o resultado de um longo processo histórico marcado por suas distintas interligações local, nacional e internacional. Em um sistema social baseado na exploração internacional do trabalho, as distintas sociedades capitalistas pautam seu desenvolvimento na produção e na concentração de riquezas. Então, se determinado pedaço do

3. A historicidade humana marca-se por um processo dialético em que o ser humano, tendo como lastro social suas relações com a natureza, além de produzir socialmente sua própria história, é também por ela condicionado. Como mostra Barroco (2008, p. 20), “entende-se que o ser social surge da natureza e que suas capacidades essenciais são construídas por ele no seu processo de humanização: ele é autor e produto de si mesmo, o que indica a historicidade de sua existência, excluindo qualquer determinação que transcenda a história e o próprio homem”.

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mundo não apresenta atrativos econômicos, estará subsumido ao desenvolvimento social dos países e das regiões centrais. Esse é o panorama de grande parte das vilas apresentadas na poesia que, apesar de suas particularidades, identificam-se numa mesma qualidade. O rio, que “vai andando lado a lado de gente que vai retirando” (p. 14), passa por cenários de vulnerabilidade social, onde se destaca a quase total falta de possibilidades e condições de vida: “As vilas não são muitas/ e quase todas estão decadentes. Constam de poucas casas/ e de uma pequena igreja,/ como, no Itinerário,/ já as descrevia Frei Caneca./ Nenhuma tem escola;/ Muito poucas possuem feira” (p. 15). O poeta, ao descrever as sociedades com base em suas condições materiais de vida, incorpora, de forma direta ou não, uma opção metodológica que contextualiza seus personagens de acordo com as possibilidades e as necessidades que os permeiam: a ontologia materialista. A arte realista se vale de um pressuposto que, ao mesmo tempo em que rejeita a abordagem idealista sobre a realidade (que constrói um mundo de fantasia ao sabor arbitrário do escritor), anula a mera cópia do aparente que desconsidera o processo contraditório de produção da história humana (tão presente na literatura naturalista). Apresenta-se, nesse sentido preciso, a teoria artística do reflexo4, que, ao buscar expressar a essência da realidade, “não implica nem a ideia de uma ‘cópia’ da realidade, nem – muito menos – uma exclusão do papel necessariamente ativo da subjetividade criadora” (COUTINHO, NETTO, 2009, p. 15). Como as condições materiais de vida representam o fundamento para a produção das possibilidades presentes na história, essa marca é determinante para apreender o destino da vida dos personagens narrados na poesia. As escolhas realizadas por cada um deles só podem acontecer se existirem como possibilidades concretas. Mas não somente não ocorrem escolhas de vida sem que essas alternativas estejam disponíveis, como também a formação da própria subjetividade dos seres humanos é circunscrita por essa medida. A subjetividade não é construída a partir do nada, mas através de possibilidades concretas; de objetivações existentes na sociedade e

que são acessadas por cada um, segundo suas opções e condições sociais. No caso artístico aqui analisado, o poeta indica a relação imanente que existe entre a subjetividade e as possibilidades de objetivação, pois o espoco daquela tem como parâmetro a amplitude dessas (cf. Netto; Braz, 2006, p. 47). Por isso que, em contraposição a apresentações estéticas que se escalam pela exacerbação do imaginário do autor que, dotada de arbitrariedade, constitui-se como uma mistificação social, a arte realista procura apresentar a subjetividade por meio das objetivações disponíveis e estabelece uma clara distinção entre possibilidades abstratas e possibilidades concretas. Isso porque, no momento em que se anula essa diferença e reduz-se “o mundo interior do homem a uma subjetividade abstrata, o resultado inevitável é a dissociação dos traços da personalidade humana, quaisquer que sejam as circunstâncias” (LUKÁCS, 1991, p. 44). A realidade narrada por João Cabral não é um produto fantasioso da imaginação, mas marcada por um contraditório cenário social, portador de uma grande limitação de possibilidades concretas de objetivação. Cidades e vilas que, apesar de terem igrejas, sequer têm feiras e, especialmente, escolas. E como, apesar de apelos espirituais, a dura realidade material dessas vilas é inconteste, “sempre um santo preside à decadência de cada uma delas” (p. 15). É nessas limitadas condições de vida que os habitantes desses lugarejos produzem suas objetivações e constroem sua subjetividade. E para sobreviverem, precisam ser mais duros do que as próprias pedras. Precisam, com o seu sangue, superar os ossos duros dessa terra: “Só que aqui há mais homens/ para vencer tanta pedra,/ para amassar com sangue/ os ossos duros dessa terra” (p. 17). Mesmo em um país detentor de elevados padrões de produção de riqueza, existem locais em que, em virtude de variados interesses políticos e econômicos, ficaram negativamente subsumidos ao processo civilizatório. Devido à privação que existe neles, a vida é tão dura quanto uma pedra. Não obstante o desenvolvimento econômico capitalista, ao mesmo tempo desigual e combinado, pode produzir espaços de

4. Referência central para a arte realista que, segundo Engels (1979, p. 70), “implica, para além da verdade do pormenor, a reprodução verdadeira de personagens típicos em circunstâncias típicas”. 48

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riqueza e de pobreza localizados um ao lado do outro. Num ordenamento social estruturado em classes, mesmo em sociedades com elevadas restrições das condições de vida, essas possibilidades são sempre piores para aqueles que não integram a classe dominante. Os indivíduos que precisam “amassar com sangue os ossos duros dessa terra” são aqueles que carregam o grande peso da contradição de uma sociedade de classes presente em sua dura e contraditória atividade produtiva. O trabalho, além de ser a atividade que transforma a natureza e o próprio ser humano e que, como práxis primária do ser social, significa o elo entre a objetividade e a subjetividade, é também consubstanciado por essas determinações sociais, porque depende da sociedade em que está inserido. Se, de um lado, o trabalho pode servir como fonte de realização e de desenvolvimento do ser humano, de outro, pode representar momentos de sofrimento e de tormenta. Assim, ao longo dos versos de João Cabral, existem variadas narrações dessas condições de trabalho. Em espaços onde o trabalho é um sacrifício humano, são necessários meios que assegurem a permanência ordinária da produção social. Dentre esses artifícios utilizados, destacam-se os concernentes à coerção. Ao lado do desenvolvimento econômico, as cidades são igualmente marcadas por outro fato: a existência de cadeias. Além de observar esse fato, o poeta explica a quem se destinam essas construções: Dias depois, Limoeiro, cortada a faca na ribanceira. É a cidade melhor, tem cada semana duas feiras. Tem a rua maior, tem também aquela cadeia que Sebastião Galvão chamou de segura e muito bela. Tem melhores fazendas, tem inúmeras bolandeiras onde trabalha a gente para quem se fez aquela cadeia (p. 18) 5.

Dentre outros motivos, as prisões servem como símbolo e atividade coercitivos que não apenas induzem à obrigação ao trabalho, mas também cerceiam a liberdade daqueles que atentam contra a propriedade privada e contra outros elementos da ordem estabelecida. É uma construção social que se estabelece para perpetuar a ordem social e servir àqueles que estão no poder. Ilustrada de forma clara na poesia de João Cabral, a indicação da função social da cadeia serve também como mote para introduzir o sujeito central de sua história: o trabalhador. Seguindo a trajetória de sua narrativa, além de enumerar outras cidades observadas, o poeta indica a condição paradoxal daquelas pessoas que, ao mesmo tempo em que são executoras do processo produtivo, encontram-se alienadas dos resultados dessa produção. Deixando vou agora essa cidade de Limoeiro. Passa Ribeiro Fundo onde só vivem ferreiros gente dura que faz essas mãos mais duras de ferro com que se obriga a terra a entregar seu fruto secreto. Passa depois Boi-Seco, Feiticeiro, Gameleira, Ilhetas, pequenos arruados plantados em terra alheia, onde vivem as mãos que calçando as outras, de ferro, vão arrancar da terra os alheios frutos do alheio (p. 19).

A condição desses indivíduos narrados não é apenas a de plantar em terra alheia, mas também de colher alheios frutos do alheio. Nessa estrofe, encontram-se duas determinações que perpassam a vida do trabalhador. Se esses pequenos povoados, “plantados em terra alheia”, indicam que o trabalhador está desprovido dos meios de produção, “os alheios frutos do alheio” assinalam, dentro dessa contraditória forma produtiva, qual seria o real proprietário dos frutos do trabalho. Ainda que o proprietário da terra, devido à sua condição de

5. Graciliano Ramos (1982, p. 164), em Angústia, também abordou, através de seu personagem Luís da Silva, a função dessas instituições e apontou para a contradição que marca a vida de seus serventes: “O guarda-civil do relógio oficial veio para a cidade e arranjou emprego. É um sujeito magro como eu, civilizado como eu. Se houver barulho na rua, ele apita. Se houver greve nas fábricas e lhe mandarem atirar contra os grevistas, atira tremendo. As greves acabam. E ele voltará para a chateação do ponto, magro, triste. É pouco mais ou menos como eu”. Ainda nesse tema, de uma forma mais próxima ao naturalismo, Domingos Olímpio (2010, p. 15) em seu livro Luzia-Homem, chegou a afirmar “E no alto sinistro do Curral do Açougue, erguia-se, silenciosa e solitária, a molhe sombria da penitenciária, como um lúgubre monumento consagrado à maldade humana”.

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posse dos meios de produção, apresente-se como detentor dos resultados do trabalho de seus empregados, ou seja, do trabalho alheio, o verdadeiro dono, como indica o poeta, é, obviamente, o próprio produtor. Sendo assim, esses frutos arrancados da terra são alheios ao alheio. A dupla negação elucida o legítimo proprietário do processo produtivo, ou seja, quem é o responsável pela realização do trabalho. Conforme elucida Mészáros (2006, p. 162), referindo-se às análises de Marx (2008), na relação de produção capitalista, “o trabalho é o ‘sujeito sem objeto’, ao passo que o capital é o ‘objeto sem sujeito’”. O trabalhador se assenta, dentro da sociedade fundada na propriedade privada dos meios de produção, sobre essas condições de produção: como produz a partir de meios de produção alheios, sua produção é controlada e expropriada pelo dono da terra. Esse é um dos pilares fundamentais para apreender a história do sistema social vigente: O ponto de partida do desenvolvimento que produziu tanto o trabalhador assalariado quanto o capitalista foi a servidão do trabalhador. A continuação consistiu numa mudança de forma dessa sujeição, na transformação da exploração feudal em capitalista. [...] O que faz época na história da acumulação primitiva são todos os revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação; sobretudo, porém, todos os momentos em que grandes massas humanas são arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários livres como os pássaros. A expropriação da base fundiária do produtor rural, do camponês, forma a base de todo o processo. Sua história assume coloridos diferentes nos diferentes países e percorre as várias fases em seqüência diversa e em diferentes épocas históricas (MARX, 1985, p. 263).

Na obra de João Cabral, encontram-se versos que são expressões refletidas e reflexivas da formação histórica da nossa sociedade e que apontam para os momentos seguintes desse longo processo de expropriação e concentração fundiária. E como a formação econômica brasileira se desenvolveu marcada pela subordinação ao mercado mundial, a concentração de terras foi requisito para a monocultura

e para a exportação de alimentos e matérias-primas6. Na particularidade narrada, a terra integra o grande horizonte verde do canavial, e a paisagem é a mesma, até o mais longínquo que a vista alcança: As coisas não são muitas que vou encontrando no caminho Tudo de planta de cana nos dois lados do caminho; e mais plantas de cana nos dois lados dos caminhos por onde os rios descem que vou encontrando nesse caminho; e outras plantas de cana há nas ribanceiras dos outros rios que esses encontraram antes de se encontrarem comigo Tudo planta de cana e assim até o infinito; tudo planta de cana para uma só boca de usina (p. 23 – 24).

Em algumas terras nordestinas, o processo de concentração de terras pode ser particularmente traduzido pela monocultura da cana-de -açúcar. Nos locais onde passa o rio, a situação narrada pelo poeta é a mesma: “Casas não são muitas/ que por aqui tenho encontrado/ (os povoados são raros/ que a cana não tenha expulsado)” (p. 24). Assim, não só toda essa terra se transformou em refém do infinito canavial, como também essa grandeza foi mastigada por uma só boca de usina. Como o poeta já pressentia antes, a condição de retirante não é uma qualidade natural, mas um produto dessas e de outras imposições sociais que, como uma sina maldita, agem com a força repulsiva da concentração de terras. Uma vez que “toda acumulação tornase meio de nova acumulação” (MARX, 1985, p. 196), o destino de um povo é manipulado pelo grande latifundiário que se impõe cada vez com maior força contra o pequeno agricultor. Dessa maneira, o sonho de uma terra própria não se realiza nem a sete palmos debaixo do chão: Vira usinas comer as terras que iam encontrando; com grandes canaviais todas as várzeas ocupando. O canavial é a boca

6. Uma síntese introdutória das distintas análises sobre a formação econômica do Brasil e sua relação com a questão agrária pode ser encontrada em Stédile (2005 e 2005a). 50

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com que primeiro vão devorando matas e capoeiras, pastos e cercados; com que devoram a terra onde um homem plantou seu roçado; depois os poucos metros onde ele plantou sua casa; depois o pouco espaço de que precisa um homem sentado; depois os sete palmos onde ele vai ser enterrado (p. 25).

A esperança pelo sonhado pedaço de terra, quiçá verde e úmida, vai, aos poucos, esvaindose. A dura realidade é que, além de uma grande extensão de terra nas mãos de poucos donos, quase nada resta além das plantações de canade-açúcar que engolem e mastigam as possibilidades diferentes de vida e de plantação. E na luta desigual contra os donos do canavial, o trabalhador, além de passar pela cotidiana exploração, é massacrado física e subjetivamente.

2. MASTIGAR A CANA E SER MASTIGADO PELA USINA

O rio Capibaribe continua sua viagem e, ao passo que se aproxima cada vez mais do encontro com o mar, sua travessia torna-se mais lenta e pesada. No que concerne à análise geográfica, tal estado remete à chegada ao litoral e ao mangue, quando, além da correnteza contrária vinda do mar, as partículas desse solo e dessa vegetação se misturam com as águas fluviais e se espraiam pelas várzeas. Mas, na metáfora do poeta, que trata o rio como companheiro dos viajantes, existem outras razões para essa lentidão: Rio lento de várzea, vou agora ainda mais lento, que agora minhas águas de tanta lama me pesam. Vou agora tão lento, porque é pesado o que carrego: vou carregado de ilhas recolhidas enquanto desço; de ilhas de terra preta, imagens do homem aqui de perto

e do homem que encontrei no meu comprido trajeto (também a dor desse homem me impõe essa passada de doença, arrastada, de lama, e assim cuidadosa e atenta) (p. 36).

Um dos motivos da lentidão das águas encontra-se nos últimos versos acima, na sentença de que “também a dor desse homem/ me impõe essa passada de doença,/ arrastada, de lama,/ e assim cuidadosa e atenta”. O rio não vai devagar somente porque se envolve no mangue e na lama do litoral, mas porque, saturado de acompanhar as contradições que presenciou, está cansado. Com essas palavras, o poeta se envolve na situação vivenciada pelos companheiros de viagem e finca-se na arte humanista7. Diferente da ciência, que se estabelece pela captura mais aproximada das leis e fatos naturais, o reflexo estético se constitui como mediação artística entre o ser humano e a realidade vivenciada. Sua base encontra-se no humano e é pelo humano que ela se mede. Mas isso não justifica escritos artísticos que, isolando-se na psicologia do escritor, constroem mundos e relações sociais arbitrárias. A arte, como expressão da autoconsciência do gênero humano, também é uma forma de apreender e apresentar as determinações da realidade e, por isso, é portadora de um reflexo do real. Não se trata de naturalizar a realidade nem de imaginar uma fuga do mundo em que se vive. A arte realista é dotada de um reflexo antropomorfizador sobre o real (como uma forma de mimese), que se potencializa num movimento de catarse em que o leitor se aproxima dos sentimentos que envolvem os personagens narrados (cf. Aristóteles, 2007). Esse processo volta-se para um duplo caminho: de encontro entre o leitor e o personagem e, como a arte é uma expressão do gênero humano, de ligação entre o indivíduo e a própria humanidade. A arte, nesse sentido preciso, apresenta-se como reflexão dos seres humanos sobre sua própria construção social e sua história. Uma representação mais ampla do que a realidade imediata, pois não ilustra somente o que está posto ou é aparente, mas manifesta determinações e potencialidades do

7. Encontra-se aqui a premissa do partidarismo da arte que, diferentemente da subordinação do reflexo estético a uma imputação política, remete à representação sensível, fiel e verídica da realidade a partir de uma posição humanista do escritor. Sobre isso ver Lukács, 1968 (p. 208 -219).

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horizonte humano. Lukács (1968, p. 264) entende que o reflexo estético constitui-se como “aspecto de uma etapa típica do desenvolvimento da vida humana, de sua essência, de seu destino, de suas perspectivas”. A arte, como expressão do desenvolvimento humano em suas múltiplas determinações, caracteriza-se como uma reflexão sobre o próprio desenvolvimento da humanidade. Ou, nas palavras do autor citado, como “autoconsciência do desenvolvimento da humanidade” (LUKÁCS, 2009, p. 35) 8. No realismo, os personagens literários se estabelecem a partir dessa relação entre objetividade e subjetividade, entre as determinações que a realidade social lhes impõe e as escolhas selecionadas e praticadas que forjam sua personalidade. Essas duas grandezas são mediadas com a práxis humana, que, na poesia analisada, é consubstanciada por um processo contraditório. Ao escrever sobre a vida dos seus personagens, João Cabral apresenta a condição primária dessa estrutura paradoxal: a de serem trabalhadores inseridos na produção da própria adversidade. Eles são os dentes que transformam a cana-de-açúcar, mas que são mastigados pelo engenho: Na Vila da Usina é que fui descobrir a gente que as canas expulsaram das ribanceiras e vazantes; e que essa gente mesma na boca da Usina são os dentes que mastigam a cana que a mastigou enquanto gente, que mastigam a cana que mastigou anteriormente as moendas dos engenhos que mastigavam antes outra gente; que nessa gente mesma, nos dentes fracos que ela arrenda, as moendas estrangeiras sua força melhor assentam (p. 26 – 27).

Além de apresentar as pessoas que foram expulsas das terras pela usina, o autor indica sob que condição fazem seus trabalhos. É uma gente

que, além de ser como dentes da usina e mastigadas por ela, inserem-se numa engrenagem usada contra seus semelhantes. Dentro dessa lógica exploradora, os trabalhadores são obrigados a se subordinar aos donos dos engenhos e a enriquecê-los com seu trabalho. Some-se a isso o fato de que essa concentração de riqueza se dará contra a própria classe trabalhadora. Os trabalhadores não só produzem riqueza, da qual são expropriados, como também um montante de valor que, concentrado nas mãos de seus patrões, representa uma força usada na luta contra os próprios trabalhadores, que são os dentes da Usina que mastigam as canas e ampliam a engrenagem dela, expulsando-os de suas terras e transformando-os em dentes mastigadores. Em primeiro lugar, não se trata de usar a força produtiva do trabalhador para seu próprio fim ou benefício, pois esse uso se estabelece como uma força estranha, que, em vez de ser controlado, é quem o controla: Não é o trabalhador que os usa, mas eles que o usam. E são, por esse meio, capital. Capital emprega trabalho. Não são meios para o trabalhador gerar produtos, seja na forma de meios de subsistência imediatos seja de meios de troca, na de mercadorias. Ao contrário, o trabalhador é para eles meio tanto de lhes conservar o valor, quanto de criar mais-valia, isto é, serve-lhes para o acrescer, para sugar trabalho excedente (MARX, 1980, p. 385).

Em complemento à condição de instrumento produtivo subordinado ao capital, o trabalho passa a representar, para o próprio trabalhador, uma atividade imposta e um momento de sofrimento. Expressa condição da alienação sobre o trabalho, em que, além do resultado da sua atividade produtiva, o próprio processo produtivo surge como uma força estranha que enfrenta o trabalhador (MARX, 2008). A alienação passa a vigorar e assombra, cotidianamente, os trabalhadores que, quanto mais se ocupam da produção imposta por seus patrões, mais desgastados e sacrificados ficam. A totalidade da dinâmica con-

8. É importante ressaltar que essa abordagem sobre a arte não foi uma constante nas obras do pensador húngaro, visto que foi determinada por um momento preciso: sua filiação teórica aos pressupostos categoriais utilizados por Karl Marx para apreender a realidade social. “É a partir de 1930 – 1931 que o filósofo húngaro incorpora ao seu universo teórico a concepção marxiana do conhecimento humano como reflexo da realidade. Desde então, ele passa a sustentar e aprofundar a ideia segundo a qual a arte é uma modalidade específica do reflexo da realidade, que produz um conhecimento antropomorfizador do mundo do homem (em contraste com o conhecimento desantropomorfizador próprio da ciência), o que permite à arte elaborar uma autoconsciência do desenvolvimento da humanidade” (COUTINHO, NETTO, 2009, p. 15). 52

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traditória que reveste os trabalhadores, na situação produtiva (objetiva e subjetiva), estrutura, ao mesmo tempo, a riqueza e a pobreza. Um conjunto crescente de bens materiais em paralelo a uma diminuição das mãos que os controlarão. No capitalismo, a produção da riqueza também é a produção da pobreza, seja ela absoluta ou relativa. Para valorizar as mercadorias, o trabalho humano transforma-se numa peça de reposição da engrenagem produtiva e é usado ao extremo, até que seja descartado e substituído por outro. A força de trabalho é sugada até as últimas gotas. Com a exploração máxima para intensificar o processo de exploração do trabalho, almejando aproveitar toda a capacidade física e mental dos trabalhadores, no final, não sobra quase nada, apenas o bagaço humano. É sobre um caso particular do resultado desse processo que tratam estes versos do poeta:

ordem societária9. Nessa realidade, a vida dos trabalhadores é dura como uma pedra e se esvai como a água da chuva no seco sertão. E o fato de serem explorados, extenuados e destroçados é um prelúdio para o seu final iminente:

Para trás vai ficando a triste povoação daquela usina onde vivem os dentes com que a fábrica mastiga. Dentes frágeis, de carne, que não duram mais que um dia; dentes são que se comem ao mastigar para a Companhia; de gente que, cada ano, o tempo da safra é que vive, que, na braça da vida, tem marcado curto o limite. Vi homens de bagaço enquanto por ali discorria; vi homens de bagaço que morte úmida embebia (p. 27 – 28).

Mas, como explica o poeta, mesmo que pareça uma sina eterna que envolve esses penitentes, não são naturais as causas dessa morte precoce e brutal. Por isso, é uma contradição pensar “em toda aquela gente/ numa terra tão viva morrendo” (p.29). E é sob a vivência nessa violenta realidade e carregando na memória o pesar daqueles que ficaram para trás, que o rio segue seu caminho. Quem sabe, em sua trajetória, surjam novos horizontes ou, talvez, oportunidades de uma vida menos dura para aqueles que o acompanham. E se o rio desemboca no mar, talvez as agruras encontradas ao longo do caminho sejam atenuadas na capital litorânea.

A safra de vida desses trabalhadores é curta e frágil. Além de ser explorados pelos usineiros, para quem servem como mastigadores de cana, os trabalhadores têm outras características negativas: são frágeis, e sua vida é marcada e curta. A exploração é elevada e suga o máximo de sua capacidade. Eles vivem em função desse emprego, facultando sua energia diária e sua safra de vida a um punhado de parasitas que comandam as usinas. Para esses patrões, a vida de seus funcionários vale pouco, e eles utilizam os mais distintos subterfúgios para perpetuar essa

E vi todas as mortes em que essa gente vivia: via a morte por crime, pingando a hora na vigia; a morte por desastre, com seus gumes tão preciosos, como um braço se corta, cortar bem rente muita vida; vi a morte por febre, precedida de seu assovio, consumir toda a carne com um fogo que por dentro é frio. Ali não é a morte de planta que seca, ou de rio: é a morte que apodrece, ali natural, pelo visto (p. 28).

3. GENTE APENAS, SEM NENHUM NOME QUE A DISTINGA:

O rio não chega sozinho ao seu destino final, pois está acompanhado de vários retirantes que buscam uma vida menos castigada. Junto com ele, adentra a capital - Recife - um exército de desvalidos que, mesmo depois de mastigados pelas moendas econômicas e sociais, ainda resistem. São pessoas que foram mastigadas pelas usinas

9. Nessa moenda, práticas como as acometidas contra Margarida Maria Alves e João Pedro Teixeira não são meras exceções, mas exemplos dessa engrenagem destruidora.

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e depois cuspidas como bagaço e para as quais restam um fio de vida e a tristeza que as acompanha. Elas estão quase totalmente secas, pois suas energias foram sugadas por aqueles que usaram seus braços para concentrar e acumular riquezas. De seus atributos, somente um ainda não secou: Ao entrar no Recife, não pensem que entro só. Entra comigo a gente que comigo baixou por essa velha estrada que vem do interior; entram comigo rios a quem o mar chamou, entra comigo a gente que com mar sonhou, e também os retirantes em quem só o suor não secou; e entra essa gente triste, a mais triste que já baixou, a gente que a usina, depois de mastigar, largou (p. 30).

Entram na capital com as últimas energias que lhes restam para tentar a derradeira alternativa de sustento. Distanciando-se da burguesia oligárquica agrária, agora suspiram pela venda de sua força de trabalho para a burguesia industrial de Recife. Mas, tão logo vivenciam os primeiros momentos próximos às margens do litoral, percebem que também aqui as contradições sociais estão presentes. De imediato, percebem que não só no sertão, no agreste ou na zona da mata10 foram erguidos obstáculos sociais que separam os seres humanos e os situam em classes sociais antagônicas. Nesse cortejo, a última esperança é transformada numa mera ilusão, que se desfaz com a existência de duas cidades numa só: a cidade turística, para os ricos, e a cidade mendiga, para os seus semelhantes, para quem resta a metade podre de Recife, uma capital mendiga, alicerçada na lama do manguezal, com suas ruas e casas, que não se parecem nem com ruas nem com casas. De semelhante às outras cidades tem, exclusivamente, a marca da repressão, pois ali a ordem precisa ter força redobrada. É a parte da cidade que não está nas revistas turísticas, nem nas propagandas de cidadania e do empresariado. Seus habitantes

estão noticiados em outras páginas, porque suas estatísticas e acontecimentos pautam as manchetes de violência nos jornais. E, mesmo amedrontando os habitantes da cidade turística, a morte desses renegados é noticiada como um fato banal, sem perspectiva de soluções anestésicas, nem mesmo unguentos precários. Sobrevivendo sob a penumbra de uma capital turística tão desenvolvida e conhecida, eles se encontram numa cidade sem nome: A não ser essa cidade que vim encontrar sob o Recife: sua metade podre que com lama podre se edifica. É cidade sem nome sob a capital tão conhecida. Se é também capital, será uma capital mendiga. É cidade sem ruas e sem casas que se diga. De outra qualquer cidade possui apenas polícia. Dessa capital podre só as estatísticas dão notícia, ao medir sua morte, pois não há o que medir em sua vida (p. 29).

Por baixo do Recife turístico, dos casarões de novos e antigos ricos, existe uma cidade submersa, anfíbia, forjada de lama e de lixo e do que sobra da sociedade de muito consumo e de maior desperdício. Nessa lama, encontram-se os trabalhadores, devorados nas cidades pelas indústrias e pelas fábricas, inclusive aqueles que foram mastigados e cuspidos pelas usinas e pelos engenhos. Uns mais, outros menos, mas todos, como não possuem meios próprios para sobreviver, são reféns de uma existência imprecisa, em sua morada também imprecisa. Dessas vidas simples e curtas, algumas se medem apenas na duração: o quanto resistiram até o final, enfim, noticiados nas estatísticas sociais. Do cotidiano dessa “cidade anfíbia/ que existe por debaixo/ do Recife contado em Guias” (idem, p. 35), quase todos os fatos noticiados são negativos, e os atores que os cometem são, explícita ou implicitamente, acusados de ter uma natureza humana bestial. São comparados com animais,

10. Como afirma o poeta: “Conheço todos eles,/ do Agreste e da Caatinga;/ gente também da Mata/ vomitada pelas usinas;/ gente também daqui/ que trabalha nessas usinas,/ que aqui não moem cana,/ moem coisas muito mais finas” (p. 37). 54

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e devido à peculiaridade geográfica, aparecem como homens caranguejos. Para o retirante que foi visto como detentor de uma sina maldita, agora se soma outra, moralmente mais nefasta. Como integrante desse submundo, é visto nos jornais como semi-humano, ou até não humano, cuja personalidade não pode ser semelhante à dos habitantes da cidade oficial. Quando comparados com os outros habitantes, esses seres de “existência imprecisa” são vistos e tratados como inferiores, pois a cicatriz da pobreza faz-se explícita em seu corpo: Agora o vento sopra em folhas de um outro verde. Folhas muito mais finas as brisas daqui penteiam. São cabelos de moças que vêm cortar capinheiros; são cabelos das moças ou dos bacharéis em direito que devem habitar naqueles sobrados tão pitorescos (pois os cabelos da gente que apodrece na lama negra geram folhas de mangue, que são folhas duras e grosseiras). (p. 32 – 33)

Mas os holofotes dos breviários não se voltam para investigar as causas estruturais que produzem as notícias e as estatísticas estampadas em suas capas. Não se questiona se se destina para esses indivíduos alguma parte, por menor que seja, do patrimônio histórico e cultural, produzido ao longo da história da humanidade e que serve como um dos parâmetros centrais do processo civilizatório. Então, se foi pelos braços desses pobres trabalhadores que se ergueram escolas, museus, teatros, cinemas, praças públicas, por que não se perguntam os motivos de tanta privação? Se foram as mãos sujas de lama que ergueram vários edifícios e catedrais da grande capital turística, por que não se indaga sobre as razões dos limitados investimentos sociais destinados a essa cidade de lama? Como mostram os versos do poeta, as preocupações dos habitantes do outro lado da cidade se distanciam muito desse quadro humano. No espaço elitista, tenta-se ocultar o lado podre da cidade e, dentro dos casarões e cercanias, buscam-se preservar sentimentos de ilusória superioridade, em que uma pequena matilha apareceria como suConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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postamente dotada de atributos superiores. Mas, mesmo o mais alentado manto da futilidade não é capaz de esconder as qualidades históricas que consubstanciam esse parasitismo social: Vi muitos arrabaldes ao atravessar o Recife: alguns na beira da água, outros em deitadas colinas; muitos no alto de cais com casarões de escadas para o rio; todos sempre ostentando sua ulcerada alvenaria; todos porém no alto de sua gasta aristocracia; todos bem orgulhosos, não digo de sua poesia, sim, da história doméstica que estuda para descobrir, nesses dias, como se palitava os dentes nessa freguesia (p. 34).

Se, do lado do submundo da capital litorânea, a lama envolve casas e pessoas, do outro, a ulcerada alvenaria é que dá o tom dos antigos palácios aristocráticos. Nesses ambientes, destaca-se a inutilidade de afazeres, pois se praticam atos de nostalgia, como se eles valessem por si mesmos, porque, cada vez mais, tornam-se socialmente decadentes e até patéticos. Mas a ruína que os presidem, mesmo gasta e irrevogável, é apresentada como ponto alto da cidade e propagada como monumento altivo de pessoas a serem homenageadas. Esse conto sicofanta não só aparece desligado da história e das suas respectivas práticas de exploração e violência, como também é oferecido pela mídia oficial como sinônimo de civilização. Nesse ínterim, encontrase a razão desse afeto desmedido: o fato de que o culto desses brasões e sua transformação em pontos turísticos servem, no meio de uma cidade contraditória, para produzir efeitos de dominação social e econômica. O reino da moralidade elitista é condição básica para perpetuar o processo de subordinação sobre os que vivem na cidade sem nome e os que passam por vivências análogas em outras regiões geográficas. Mesmo com alterações internas, que podem reconfigurar endogenamente a força das frações da classe dominante, o discurso de uma suposta superioridade (seja de aristocratas ou burgueses) tem um efeito cristalino: impor um sentimento de inferioridade, de incompetência e, até mesmo, de culpa aos que 55


vivem na desgraça social. Na tentativa de autenticar a dominação, o bastão do poder econômico e político até pode ter mudado de mãos, mas continuou restrito a uma parte extremamente minoritária da população. E, para que isso possa se manter e ampliar-se, o comportamento fútil deve ser semanticamente invertido, na oposição do sentido real entre quem produz e quem explora. E, no ato contínuo dos privilégios sociais, a obra de palitar os dentes tem outra conotação complementar, já expressa em versos anteriores do poeta, que assemelham os trabalhadores aos dentes das usinas e das fábricas. Atrelado à engrenagem internacional, o comportamento antidemocrático das elites brasileiras ilustra bem essa dupla prerrogativa. Para perpetuar essa correia de transmissão que controla os dentes que produzem e mantêm esse mundo de riquezas ostentadas nos luxuosos casarões, apenas um lado pode ser publicamente louvado. Para legitimar esse butim e usufruir dele, os elogios e as apresentações heroicas devem restringir-se. Para os trabalhadores, não há sequer nomes que os distingam: Tudo o que encontrei na minha longa descida, montanhas, povoados, caieiras, viveiros, olarias, mesmo esses pés de cana que tão iguais me pareciam, tudo levava um nome com que pode ser conhecido. A não ser essa gente que pelos mangues habita: eles são gente apenas sem nenhum nome que os distinga; que os distinga na morte que aqui é anônima e seguida. São como ondas de mar, uma só onda, e sucessiva (p. 39).

A carência dessa distinção não se limita à falta de nomes que os identifiquem, pois essa qualidade representa um condicionamento estrutural. Nos versos que expressam os reflexos da realidade social, o significante pressupõe o significado substantivo de uma sociedade cravada de signos sociais que impõem ao esquecimento popular as identidades de seus trabalhadores. No hall da fama da cidade turística, assim como no cotidiano das figuras mais conspícuas que am56

bientam esse espaço, o natural é não considerar nomes de seres supostamente inferiores, que teriam nascido com a mera e simples condição de lhes servir. Tratados como detentores dessa mesma serventia submissa, logo são anônimos aos olhos de quem manda. Não se trata de meros acasos, ou de casos isolados, porquanto “são como ondas de mar,/ uma só onda, e sucessiva” (p. 39). Não são apenas dores individuais, de uma ou de outra família que precisou migrar para a capital para tentar uma sorte melhor. Em cada caso particular, encontram-se ingredientes do destino de uma mesma classe social. Essa é uma das razões da grandeza de João Cabral, pois, parafraseando um importante crítico literário, como escritor que não só ilustra o essencial, como também o distingue do secundário, foi capaz “de expressar o essencial e de figurar, a partir de um destino individual, o destino típico de uma classe, de uma geração, de toda uma época” (LUKÁCS, 2010, p. 102). Os versos do poeta não expressam acontecimentos individuais isolados, porque eles são narrados a partir de suas relações de sociabilidade, na interconexão com outras vidas e outros destinos individuais, todos presentes na mesma totalidade social. É nesse sentido que se ressalta que, com a metáfora do rio, o poeta apresenta seu conhecimento mais profundo: Conheço toda essa gente que deságua nesses alagados. Não estão no nível de cais, vivem no nível da lama e do pântano. Gente de olho perdido olhando-me sempre passar como se eu fosse trem ou carro de viajar. É gente que assim me olha desde o sertão de Jacarará; gente que sempre me olha como se, de tanto me olhar, eu pudesse o milagre de, num dia ainda por chegar, levar todos comigo, retirantes para o mar (p. 39 – 40).

O longo percurso relevou um roteiro ilustrado por diferentes contradições sociais que perpassam a vida dessas várias pessoas. Sob a metáfora do rio, vivenciando cotidianamente essa paradoxal realidade, o poeta indica ingredientes Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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essenciais que estruturam essa difícil trajetória. Mas sua obra não só aproxima seu conhecimento dessa realidade, como um reflexo artístico, pois suas palavras também carregam a importância do questionamento sobre o ordenamento social vigente. Com uma figuração humanista, o rio associa-se a dores, sonhos e desejos tão comuns de vários habitantes do nosso país e de tantos outros.

4. AO PARTIR COMPANHIA DESSA GENTE, QUE CONSELHO DEIXAR?

Através da metáfora do caminho do rio, do sertão ao mar, João Cabral narra as condições de vida das pessoas que moram nessas regiões a partir das contradições sociais e subjetivas entre suas vidas e as daqueles que ganham com a sua exploração. Por esse lastro, o poeta rejeita a naturalização da pobreza pela seca, como se fosse uma condição insuperável. A falta de água, que explicita a sina maldita na vida desses desgraçados, não é a causa de suas maleitas sociais, mas uma consequência da estrutura econômica de uma sociedade de classes sociais. Por trás de uma singela descrição do caminho do rio, encontra-se uma profunda análise social dos seus viventes. O segredo do rio não está em seu caminho, mas em sua apropriação. A escrita não se volta para mera descrição, pois a narração expõe um sentimento de tristeza e de revolta, em que é preciso que se vejam e se escutem essas pessoas com seus lamentos e exigências que, ainda inconscientemente, rogam por uma sociedade que destrua os obstáculos de socialização econômica e cultural. Nesse sentido, o poeta é capaz de representar a realidade e tem consciência do desenvolvimento da humanidade em condições mais plenas. Expressa, de forma modelar, a grandeza estética realista: Quanto mais desenvolvido é o homem, tanto mais ele é pessoa. Mas, para se tornar tal, de modo real, sério e profundo, não basta ocorrer uma combinação casual de particularidades individuais casuais: é necessário que a particula-

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ridade do gênero humano não se manifeste no homem como particularidade surda e muda, mas, ao contrário, que encontre em seus atos e suas palavras uma expressão sensata, uma verdadeira articulação humana. A continuidade – transmitida pela sociedade concreta – do gênero humano, que de outro modo seria muda, torna-se assim o caminho para a realização humana (genérica e, ao mesmo tempo, social e individual). Portanto, o típico estético, no qual a particularidade se manifesta artisticamente e da forma mais intensa, indica o caminho da realização concreta do gênero humano (LUKÁCS, 2009, p. 33).

Quanto mais desenvolvido artisticamente for o poeta, no sentido de aproximar e de apreender as determinações do gênero humano, maiores serão a grandiosidade e a representatividade de sua obra. Portanto, estamos diante de um grande exemplar da arte realista. Uma das grandezas da obra analisada está, pois, na medida de sua relação de reciprocidade com o gênero humano. É esse o busílis da constituição dos personagens. Nos casos típicos expostos na obra analisada, não se trata de pessoas que, por viverem isoladas, tornaram-se, metaforicamente, pedras ou bichos, mas seres humanos que, por causas e condições sociais, foram relegados a um estatuto de negação perante os avanços e as conquistas da sociedade. E por ser fincada na análise estrutural de nossas relações sociais, a obra de João Cabral expressa as características da essência de personalidades humanas, em sua estreita vinculação com o gênero humano, e é universal para povos de línguas e culturas diferentes. Sua poesia expressa uma luta pela humanização dos homens contra a sociedade capitalista. Suas palavras mostram seu comprometimento: “Ao partir companhia/ dessa gente dos alagados/ que lhe posso deixar,/ que conselho, que recado?/ Somente a relação/ de nosso comum retirar;/ só essa relação/ tecida em grosso tear” (p. 41). Em sua longa e tortuosa trajetória, muita injustiça foi vivenciada. Mas o poeta sabe que a sina do rio é de desembocar no mar e nada mais. Não lhe é possível transformar o destino de seus parceiros de viagem. Essa tarefa cabe aos próprios homens.

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María José Mosquera González *

¿Las mujeres no hacen deporte porque no quieren? ¿Los hombres practican el deporte que quieren? El género como variable de análisis de la práctica deportiva de las mujeres y de los hombres. RESUMO O texto explica que as diferenças de prática desportiva entre homens e mulheres estão condicionadas pela cultura de gênero das sociedades patriarcais. Como argumento, recorremos aos conceitos de sexo, gênero, esteriótipo, papel e status; e para reforçar a argumentação falaremos do desporto como meio de pertencimento para os homens e meio de referencia para as mulheres com o nascimento da modernidade. Como complemento, aludimos as tendências identificadas com a relação da mulher com o desporto: teorías das diferenças e da igualdade; finalmente, se indica a aparição da teoría queer. Palavras-chaves: Cultura desportiva de gênero; Hábitos desportivos. RESUMEN El texto explica que las diferencias de práctica deportiva entre hombres y mujeres están condicionadas por la cultura de género de las sociedades patriarcales. Para argumentarlo se recurre a los conceptos de sexo, género, estereotipo, rol y estatus; y para reforzarlo se hablará del deporte como medio de pertenencia para los hombres y medio de referencia para las mujeres con el nacimiento de la modernidad. Como complemento aludimos a las tendencias identificadas en cuanto a la relación de la mujer con el deporte: teorías de la diferencia y de la igualdad. Finalmente se indica la aparición de la teoría queer. Palabras clave: Cultura deportiva de género; Hábitos deportivos. ABSTRACT The text explains that differences in sports practice between men and women are conditioned by gender culture of patriarchal societies. As an argument we have used the concepts of sex, gender, stereotype, role and status; and to strengthen this argument, sport will be discussed as a means of belonging for men and as a means of reference for women, with the rise of modernity. As a complement, we refer to the trends identified in terms of the relationship of women with sport: theories of differences and equality. Finally the appearance of the queer theory is indicated. Keywords: Gender sports culture; Sports habits. (*) Profesora da Facultad de Ciencias del Deporte y la Educación Física da Universidade da Coruña - España

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1. INTRODUCCIÓN Cuando se analiza la práctica deportiva de cualquier grupo de edad siempre se encuentran diferencias entre hombres y mujeres. Esta es una realidad evidente, a pesar de que en los últimos años ha sido significativa la incorporación de la mujer a este ámbito, tal como se percibe en la siguiente gráfica.

ta está ahí para todos”. ¿Es cierta esta afirmación? ¿La mujer no hace deporte porque no quiere o porque no le han asignado ese espacio como propio y debe conquistarlo? ¿Quién le pone barreras para no ser capaz de ver esa oferta deportiva? ¿Y los hombres, ven toda la oferta deportiva o sólo una parte? ¿Practican todos los deportes? ¿Será verdad que no practican determinados deportes porque no quieren? Para llegar a entender estas preguntas vamos a utilizar un marco conceptual que explica la cultura de género y que tratará los conceptos asociados al mismo.

2. CULTURA DEPORTIVA, “HABITUS” Y ESTILO DE VIDA.

Gráfica 1. Evolución de la práctica deportiva según género Fuente: Elaboración propia a partir de García Ferrando y LLopis Goig (2011)

Los diversos estudios realizados en las últimas décadas confirman estos datos: los de García Ferrando y LLopis Goig (2011) en el marco del Centro de Investigaciones Sociológicas y el Consejo Superior de Deportes; la encuesta de empleo del tiempo libre del Instituto Nacional de Estadística-Instituto de la Mujer (2013); los de Vázquez y Buñuel (2001) vinculados al Instituto de la Mujer-Ministerio de Asuntos Sociales; el trabajo dirigido por Martínez del Castillo (2005) en el municipio de Madrid; o los realizados en Galicia por López Villar y Fernández Villarino (2008) o Arce y De Francisco (2008). De todos modos, estas diferencias entre los colectivos de hombres y mujeres en el deporte son semejantes a las que podemos encontrar en otros ámbitos del ocio, del mundo laboral o de la vida cotidiana. Lo que nos interesa analizar es la causa de esa realidad en el ámbito del deporte, y para ello vamos a partir de la frase que da título a este texto y que muchas veces se utiliza para dar por zanjados los debates sobre las diferencias de práctica deportiva entre hombres y mujeres: “la mujer no hace deporte porque no quiere, la ofer60

La práctica físico-deportiva de una persona está vinculada al proceso de socialización por el que ha pasado y este proceso se encuentra totalmente determinado por la cultura de la sociedad en la que vive, la cultura del deporte, y en especial por la cultura de género existente. Definimos el concepto de cultura desde la noción de acción social de Durkheim (1974), por lo tanto la cultura deportiva serían: las maneras de obrar, de pensar y de sentir que son propias del mundo del deporte (desde la perspectiva macrosociológica), o las propias de cada deporte en particular, y que existen con independencia de las conciencias individuales, es decir que existen como modelos aunque no seamos conscientes de ello. Estos modelos no sólo son exteriores a las personas, es decir, vienen de la sociedad y del deporte, sino que llevan vinculada una sanción que se le impone a los que se salen de lo establecido. En consecuencia, la normativización del obrar, pensar y sentir es evidente, y aún más las sanciones asociadas cuando la norma no se cumple. En los siguientes ejemplos podemos entender la definición explicada. La cultura del fútbol es diferente a la del rugby, del tenis, de la gimnasia rítmica, del surf, del boxeo, del parkour o del skate. Cada deporte enseña su propia cultura deportiva (sus maneras de obrar, pensar y sentir), configura un tipo de personas, no sólo determina un reglamento de juego. Si una persona quiere practicar rugby tendrá que interiorizar la cultura Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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de ese deporte para que la acepten, pero no es viable utilizar esas maneras de obrar, pensar y sentir si se mete en el mundo de la rítmica. En el proceso de socialización se aprende la cultura deportiva, y se construyen poco a poco los hábitos deportivos, lógicamente vinculados a otros hábitos sociales como los de alimentación, cuidado del cuerpo, higiene, lectura, etc. En un sentido estrictamente sociológico estaríamos hablando de lo que Bourdieu denomina “habitus”: “principio generador de prácticas objetivamente enclasables y el sistema de enclasamiento de esas prácticas. Es en la relación entre las dos capacidades que definen el habitus (…) donde se constituye el mundo social representado, esto es, el espacio de los estilos de vida” (Bourdieu, 2000, 169-170). En conjunto, el habitus “configura un modo de ser con el cual la persona se siente identificada y mediante el que se presenta ante el mundo. El hábitus, además, se asocia a determinados capitales económicos y culturales de modo que refuerza los procesos de diferenciación y distinción sociales” (Mosquera y Puig, 2009, pp. 99). En esta línea, el estilo de vida lo podríamos definir como una “proyección de las actividades de la vida cotidiana, del ocio y del consumo que

caracteriza a un individuo” (Giner, Lamo de Espinosa y Torres, 1998, p. 269), estando determinado por diferentes variables sociodemográficas como la edad, el género, la clase social o el lugar de residencia. Por tanto es evidente que los hombres y las mujeres no hacen las mismas actividades ni en su vida cotidiana (trabajo y hogar) ni en el ocio ni en el consumo. Y los datos demuestran que el tiempo diario dedicado a actividades de ocio (medios de comunicación, deporte y vida social) es diferente en hombres y mujeres (Instituto Nacional de Estadística-Instituto de la Mujer, 2013).

Gráfica 2. Tiempo dedicado a actividades de ocio según género Fuente: Elaboración propia a partir de la Encuesta de Empleo del Tiempo del Instituto Nacional de Estadística-Instituto de la mujer (2013): “Mujeres y hombres en España”

3 - CULTURA DE GÉNERO: SEXO, GÉNERO, ESTEREOTIPO, ROL, ESTATUS.

Para poder comprender estas diferencias entre hombres y mujeres es necesario recordar conceptos como sexo, género, estereotipo, rol y estatus. Estos nos van a permitir demostrar que los deportes también tienen género, que las ofertas deportivas tienen género y que los procesos de socialización de hombres y mujeres, desde que nacen, se desarrollan por carriles diferenciados y paralelos. De todos modos, la primera cuestión es situar la práctica deportiva en el contexto social y cultural en el que se desarrolla, es decir, en una sociedad patriarcal que otorga el poder, la visibilidad y los privilegios al mundo masculino, puesto que “es la propia sociedad la que ha constituido y organizado sus divisiones internas de manera tal que un grupo social determinado queda predestinado para ocupar un determinado espacio” (Amorós, 1991. p.31). Y estas divisiones internas Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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se realizan desde posiciones dicotómicas, de ahí que a la mujer se la vincula con la naturaleza, por su función reproductiva, y al hombre con la cultura: “la idea de naturaleza es definida y redefinida en un universo simbólico en el que el hombre se piensa a si mismo como cultura, pensando su propia relación de contraposición con la naturaleza” (Amorós, 1991, p. 32). Y si hablamos de la existencia de un sistema patriarcal, este también se va a proyectar en el deporte, dado que el deporte es una institución social, al igual que la familia o la escuela (Mosquera, 2004). Desde los planteamientos de naturaleza y cultura que apuntaba Celia Amorós, debemos hablar de sexo y género. El sexo hace referencia a la característica biológica (macho o hembra), por lo tanto es algo que nos viene dado con el 61


nacimiento y la biología. Pero, hay que recordar que a lo largo de la historia, estas diferencias biológicas han sido determinantes para la división sexual del trabajo, para el reparto de tareas. De la misma forma que lo han sido para la “división sexual del deporte”: deportes de fuerza, de contacto, de resistencia, de velocidad, etc. para los hombres. Y deportes estéticos, rítmicos, de expresividad de sentimientos y emociones, de escaso contacto para no poner en peligro su función reproductiva, para las mujeres. El género, entonces, indica como las diferencias biológicas se interpretan y traducen en diferencias culturales, es decir, en maneras de obrar, pensar y sentir que impone la sociedad (Durkheim, 1974) y que son diferentes para hombres y para mujeres. Por lo tanto estamos ante una construcción social, un concepto que se redefine con la evolución de las sociedades, que la sociedad construye pero que no viene dado por la biología. Con este concepto, desarrollado en los años 70, “se hizo evidente que tener cuerpo de mujer no implicaba una “natural” predisposición para sentirse identificada con el género femenino” (Martín Horcajo, 2006, p. 120) A raíz del concepto de género masculino y femenino, llegamos al concepto de estereotipo, que es precisamente el que ayuda a concretar un poco más las maneras de obrar, pensar y sentir asociadas a mujeres y hombres. Los estereotipos son “imágenes sociales preestablecidas de alguien o de algo” (Giner, Lamo de Espinosa y Torres, 1998, p. 269), representaciones mentales simplificadas en función del género, la edad, la profesión, el deporte practicado, etc. en cuanto a sus comportamientos, valores, actitudes, expectativas, etc. (Mosquera y Puig, 2009). Y como simplifican la realidad tienden a concebir que todas las mujeres son iguales; por este motivo algunas personas se sorprenden cuando encuentran a una mujer que práctica un deporte considerado masculino, como el rugby, o que manifiesta actitudes de mando y autoridad, entonces la califican como la “dama de hierro” o simplemente la tildan de “mandona” con desprecio. Estos estereotipos terminan configurando una etiqueta social y nos indican dos cuestiones fundamentales (Mosquera, 2003): Lo que un individuo es para los otros en función 62

de su pertenencia a ese grupo: cómo nos ven los demás. Es decir, representa lo que una persona es para los demás en función de su pertenencia al grupo de las mujeres. Es el caso de que en un partido de fútbol con equipos mixtos, en primaria o en secundaria, las niñas son vistas por sus compañeros como niñas, no simplemente como un miembro más del equipo, por lo tanto no les conceden credibilidad para jugar al fútbol (que es “cosa de hombres”) y en consecuencia no les pasan el balón en las situaciones que deberían hacerlo. Lo que uno mismo es respondiendo a esa etiqueta: cómo respondemos a como nos ven. Lo que G. H. Mead (Ritzer, 1997a) denomina “self especular”, la conciencia o sentido de si misma, como mujer, que esa persona ha ido construyendo a través de las relaciones con los demás. En este caso sería la conciencia de si mismas que las niñas van desarrollando, a lo largo de su proceso de socialización, (que “son menos hábiles” para jugar al fútbol), lo que va a generar que se sientan más inseguras puesto que perciben que no creen en ellas. Esta explicación se refuerza con el “enfoque situacional” de W. I. Thomas (Ritzer, 1997b) que nos dice que si las personas consideran una situación como real (“el fútbol es cosa de hombres”), las consecuencias de la misma serán reales (la niña, de principio, se sentirá más insegura y no elegirá ese deporte); de ahí que resulte muy importante lo que la gente piensa puesto que afectará a su manera de obrar.

Con respecto a las etiquetas hay varias cuestiones a resaltar: que las utilizamos inconscientemente, que no es habitual preocuparse por confirmar la verdad o falsedad de las mismas; que se transmiten muy fácilmente, de forma inconsciente; y que son muy resistentes al cambio aunque se introduzcan medidas de corrección y modificación como pueden ser las propuestas legislativas de los gobiernos. Las etiquetas, al igual que los motes, se colocan en un segundo pero duran toda la vida. Además, constituyen un estigma (Goffman, 1977), en el caso de las mujeres deterioran su identidad individual: por el hecho de ser mujeres van a estar menos valoradas. Pero los hombres también se verán afectados puesto que salir de las pautas de masculinidad tradicionales les supondrá una dura crítica. A los deportes, como ya apuntábamos, también se les han colocado etiquetas de género: por Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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ejemplo, la gimnasia rítmica es para las chicas y a los chicos no se les ocurre practicarla, no existe para ellos como opción, no la ven como oferta de su tiempo libre. De todos modos, si lo intentan se van a encontrar con dificultades institucionales por parte de la federación para poder participar en las competiciones, pero también con la crítica social, de sus amigos, etc. que va a poner en duda su masculinidad por semejante ocurrencia. A partir de los estereotipos se construyen los roles, que implican un nivel de concreción mucho mayor y ya especifican claramente los comportamientos de cada uno de los géneros en la vida cotidiana y también en el deporte. Los roles son un conjunto de deberes adscritos a una determinada posición social, implican comportamiento social esperado (Nemesio, 1993; Giner, Lamo de Espinosa y Torres, 1998), por lo tanto van a definir lo que puede hacer la mujer o el hombre y lo que no pueden hacer. En este sentido, nos habla de normas y reglas sociales y de valores de fondo que condicionan la vida cotidiana, las elecciones en el deporte, la manera de practicarlo, el sentido que se le concede, el protagonismo del deporte en el tiempo libre, etc. Pero estas normas, como tales, llevan implícita la sanción, y si el comportamiento no responde a lo establecido se aplicará un castigo. Es el caso del chico practicante de gimnasia rítmica que ve cuestionada su masculinidad, o el caso de la chica que juega al futbol y que al haber masculinizado su aspecto dudan de su feminidad. Pero serían también ejemplos los siguientes: el sentimiento de culpabilidad de algunas mujeres por dejar a sus hijos al cuidado de otras personas para acudir a realizar actividad física/deporte; y la ausencia de culpabilidad de grupos de hombres cuando realizan las mismas actividades o acuden con regularidad a espectáculos deportivos. De todos modos, con respecto a los roles hay un matiz que añadir, las normas y sanciones son diferentes en función del género. Una misma conducta puede ser sancionada en un rol y recompensada en otro. Si un chico es muy “ligón” se ve como una cualidad, una persona con habilidades sociales, y ese hecho no deteriora su identidad como deportista: los mass media nos transmiten la imagen de las grandes estrellas del deporte rodeados de mujeres. Sin embargo, si una chica es muy “ligona” no se valora igual, los calificativos que utilizaran para describirla, con Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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seguridad, dañarán su imagen no sólo en su vida cotidiana sino también en el campo de juego. Y el rol también determina el estatus, los derechos, prestigio y categoría (Giner, Lamo de Espinosa y Torres, 1998). Y no nos referimos sólo a los derechos legales, sino al respeto, aceptación, etc. que se le concede a una persona, por el simple hecho de ser mujer u hombre. Desde esta perspectiva, el estatus puede ser de dos tipos: adscrito y adquirido. El estatus adscrito es el que le viene dado a la mujer en función de su sexo y del género. Así nos encontramos el caso de profesoras de Educación Física que cuando han llegado, por primera vez, a un centro de ESO y les dicen a sus estudiantes que van a tener sesiones de fútbol ellos dudan de su capacidad y formación, de que una mujer les pueda” enseñar algo” sobre ese deporte. El estatus adquirido es la posición social y el respeto que la mujer consigue con esfuerzo personal, con estudios y formación, demostrando su capacidad. En el ejemplo anterior se da este concepto cuando la profesora les enseña a jugar al fútbol y los alumnos, al final, la respetan porque se dan cuenta de que sí tiene conocimientos, aunque de principio hayan dudado. Habría que pensar si dudarían de la capacidad de un profesor hombre para enseñar a jugar al fútbol, sin embargo hay muchos hombres que no “entienden” de fútbol y además no les gusta. Siguiendo a Mosquera (2003), a continuación presentamos una propuesta que refleja los atributos asignados a los roles hegemónicos de género (Botelho, 2001; Baena y Ruiz, 2009; López Díaz, 2011; Mosquera y Puig, 2009). El objetivo es presentar el “dramático juego de la dicotomía” (Sau, 1993, p. 59) que establecen las sociedades, la cultura, y que da lugar a un sistema de representaciones que refuerza el polo positivo, el masculino (la razón, lo exterior, etc.), frente al negativo, lo femenino (la emoción, lo interior, etc.). De todos modos, también hay que insistir en que hay polos positivos y negativos en cada uno de los roles: cuando un hombre o una mujer se acercan o se alejan del modelo establecido. Expuesta la dicotomía referida, el objetivo es plantear la relación de estos roles con el deporte. La primera pregunta es la siguiente ¿Cuál de los dos roles facilita la aproximación al deporte? Está claro que es el masculino, puesto que sus atributos son semejantes a los que demanda 63


el modelo de deporte de la modernidad: fortaleza, decisión, autoridad, toma de iniciativas, agresividad y competición. De manera evidente, se han asociado al deporte los valores propios del rol masculino. El deporte es el espacio del hombre, pero, además, para poder practicarlo es necesario salir al exterior (igual que ocurre con el mundo del trabajo), ahí es donde están los campos, las instalaciones deportivas y donde se pueden reunir con otras personas para formar un equipo y jugar. En el mundo íntimo, en la casa, no es posible ninguna de estas actividades. La segunda cuestión: ¿Cuál de los dos roles facilita la incorporación de las personas de la 3ª edad a la práctica de la actividad física? ¿Por qué no acuden los hombres de la 3ª edad a esta oferta? En este caso, es el rol femenino el que facilita la aproximación de las mujeres, precisamente porque los atributos de su rol no están próximos al modelo de “deporte moderno”. El objetivo y motivo de su práctica no es la competición y además van a buscar otro tipo de actividades más próximas a su cultura de género, más centradas en la recreación y la relación social. Y las

actividades de la 3ª edad responden más a esa tendencia: menos competición, más juego lúdico, más ejercicio, más actividad saludable, más relación social, etc. En este sentido, podemos decir que el modelo de deporte moderno y el modelo de rol hegemónico masculino expulsan a los hombres de la 3ª edad del mundo de la práctica puesto que, al ser mayores, han ido perdiendo los atributos de fuerza, resistencia, fortaleza, etc. que les demandaba el modelo. Este es el motivo por el que no acuden a esta oferta: porque ya no tienen las capacidades de cuando eran jóvenes y tampoco entienden que sea una oferta para ellos. En función de lo planteado, entendemos que es necesario revisar el modelo de deporte hegemónico centrado en la modernidad: al ser una cultura masculina excluye a las mujeres en general, pero también excluye a los hombres mayores debido a que han perdido los atributos de juventud. Por lo tanto no es bueno ni para los hombres ni para las mujeres, está destinado sólo a los hombres y además jóvenes, y este es un colectivo realmente reducido de la sociedad.

Tabla 1. Roles hegemónicos de género ROL HEGEMÓNICO FEMENINO

ROL HEGEMÓNICO MASCULINO

- Sensibilidad y ternura - Comprensión - Pasividad - Sumisión - Dependencia - Ausencia de iniciativa - Ausencia de agresividad - No competitiva - Discreción, no destacar - Pensar en los demás - Prudente, previsora - Compatibilizar tareas - Mundo íntimo y familiar

- Fortaleza - Rigidez de criterios, ser estrictos - Decisión - Autoridad - Independencia - Toma de iniciativa - Agresividad - Competitivos - Ser el mejor - Pensar en uno mismo - Valentía, impulsividad - No compatibilizar tareas - Mundo exterior y laboral

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4.- MEDIO DE PERTENENCIA, MEDIO DE REFERENCIA, TEORÍAS DE LA DIFERENCIA, TEORÍAS DE LA IGUALDAD.

Llegados a este punto resulta claro que el género es una construcción social y que el deporte también lo es. Por lo tanto la frase inicial de que la “mujer no hace deporte porque no quiere” queda cuestionada. Y también es evidente que los hombres no eligen el deporte que desean, sólo reproducen las elecciones estereotipadas. Sin embargo, los conceptos que nos permitirán reforzar estos argumentos son los de medio de pertenencia y medio de referencia. Los medios de pertenencia son aquellos en los que los agentes de socialización (padres, madres, entrenadores, profesores, amigos, etc.) “y los socializados están integrados ecológica, económica y sociológicamente; son aquellos de los que forman parte, a los que pertenecen propiamente hablando” (Rocher, 1980, p. 158). Y los medios de referencia son “aquellos medios de los que un agente de socialización, sin pertenecer a ellos, toma los modelos y los valores y se inspira en los mismos para ejercer su acción socializante” (Rocher, 1980, p.163). En este sentido, el deporte, desde un punto de vista macro, es medio de pertenencia para los hombres puesto que se ha concebido, desde el propio nacimiento del deporte moderno, como un territorio masculino que transmite valores propios de su rol, es decir, el lugar perfecto donde descubrir y construir su masculinidad junto con otros hombres. Planteamiento que ilustra la idea ya expuesta de Celia Amorós (1991) sobre la asignación de espacios en la sociedad. De ahí también que los deportes masculinos tengan mayor estatus, cobertura y presencia en la sociedad y en los medios de comunicación. Para las mujeres, en cambio, el deporte es medio de referencia, un espacio, una cultura, que, de partida, no es suya pero en la que han entrado poco a poco y cada vez más debido a las reivindicaciones sociales de igualdad en todos los ámbitos. Pero también como consecuencia de la propia transformación que experimenta el deporte al pasar de un sistema cerrado propio de las sociedades modernas (competición) a un sistema abierto (recreación y diversificación) característico de las sociedades postmoderConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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nas (Puig y Heinemann, 1991; García Ferrando y LLopis Goig, 2011). Por lo tanto, las mujeres para practicar deporte van a tener que re-socializarse, en el sentido de desarrollar una cultura diferente, otras maneras de obrar, pensar y sentir distintas a las aprendidas a través de su rol hegemónico femenino. Esta es “la razón por la que muchas mujeres, si no han tenido una educación deportiva, no se sienten atraídas” por el deporte (Mosquera y Puig, 2009, p. 102). Pero cuando consiguen “re-socializarse” ya pueden hacer suya la cultura deportiva (masculina desde presupuestos macro e inscrita en un sistema patriarcal) puesto que han redefinido su rol de género distanciándolo del rol hegemónico, y es entonces cuando el deporte pasa de ser medio de referencia a medio de pertenencia. Y cuando esto ocurre la práctica deportiva de hombres y mujeres es semejante, tal como lo demuestran los datos de hábitos deportivos en las últimas décadas y que presentamos en la gráfica siguiente (García Ferrando y LLopis Goig, 2011).

Gráfica 3. Práctica deportiva de los hombres y mujeres que practican. Fuente: Elaboración propia a partir de García Ferrando y LLopis Goig (2011)

Y esta vinculación con el deporte dura toda la vida. Aunque se produzcan abandonos condicionados por las biografías particulares (obligaciones de estudios, trabajo, familiares, etc.) también se van a producir los reinicios de la práctica, la vuelta a un mundo que ya es suyo. Estos procesos se han denominado itinerarios deportivos (Puig, 1996). Como complemento a estos razonamientos es preciso aclarar que existen dos posturas con 65


respecto a la implicación de la mujer en el deporte (Talbot, 2001). La postura más tradicional y habitual es la que hemos explicado: pedirle a la mujer que se aproxime al deporte, que cambie ella para adaptarse a un mundo masculino, esto es lo que se ha denominado “jugar en campo contrario” (Puig, 2003, p. 148). Pero no tiene ninguna ventaja para la mujer pues, además de tener que “re-socializarse”, la van a evaluar desde el modelo masculino debido a la persistencia de un sistema patriarcal. A ella le van a pedir que desarrolle un universo femenino y además un universo masculino, mientras que los hombres sólo tendrán que desarrollar su masculinidad. Esta postura, denominada Teoría de la Igualdad, está representada por las feministas que querían “demostrar que las mujeres no estaban naturalmente impedidas para representar el género masculino, y se imaginaron que poder acceder a este género desde un cuerpo de mujer era lograr la igualdad con los hombres” (Martín Horcajo, 2006, p.120). Esta también ha sido la principal lucha de las mujeres que han destacado en el mundo del deporte. De todos modos, aunque pudiera pensarse que existen en las mujeres conflictos de roles, y más en el deporte de alto nivel, por tener que aprender a desarrollar un rol diferente y por ser el deporte, de principio, un medio de referencia para ellas, los datos empíricos demuestran que no se producen estos conflictos (García Ferrando, 1987; Martín y Puig, 1996). La otra postura sería pedirle al deporte que se adapte a la cultura de las mujeres, cambiando sus estructuras, procedimientos y criterios de gestión, que es precisamente la que reivindica Margaret Talbot, la autora citada con anterioridad. Con los cambios sociales se detecta que la mujer ya no se incorpora al deporte y reproduce e imita los valores masculinos. Ahora las mujeres han creado una cultura deportiva que refleja las maneras de obrar, pensar y sentir propias de su socialización como mujeres. El enfoque teórico que corresponde a esta postura y reivindica analizar a la mujer en función de ella misma y no compararla con el hombre se denomina Teorías de la Diferencia (Puig, 2001). Sin embargo, estas teorías también han sido criticadas por considerar que aceptar la Diferencia es perpetuar la desigualdad y la opresión. Pero los argumentos para rebatir esta crítica se basan en que permi66

ten hacer visible la individualidad femenina, la cultura femenina. La diferencia entre hombres y mujeres “es original e irreductible. Esto significa que los dos sexos no son ni complementarios ni opuestos entre ellos, son simplemente irreductibles” (Martín Horcajo, 2006, p. 121). Y si no hay entre ellos un elemento común que permita compararlos, la subordinación de lo femenino a lo masculino no tiene sentido y no está justificada. Las posturas explicadas se complementan con la teoría queer que plantea que no hay una identidad de género constante ni una sexualidad estática. Además apoya la idea de que es necesario ir más allá en la dicotomía de explicar lo femenino como todo lo que no es masculino. En la practica deportiva los comportamientos de las mujeres van cambiando en función de lo que demandan las situaciones deportivas, pudiendo pasar de conductas femeninas a otras más masculinas sin que eso suponga ambigüedad o contradicción; cuestión que es refrendada por los datos que manifiestan la ausencia de conflicto de roles en las deportistas (García Ferrando, 1987; Martín y Puig, 1996). Parece ser que la situación es tan natural como la que desarrollamos en el día a día ejerciendo distintos roles en diferentes momentos: trabajadora, madre, deportista, entrenadora, amiga, etc., sin que por ello exista problema alguno.

5. CONCLUSIONES

En definitiva, cuando hablamos de la práctica deportiva de hombres y mujeres, no se trata de saber si la mujer hace más o menos deporte que el hombre, si lo hace igual que el hombre o de forma diferente, y si eso es bueno o malo. Se trata de respetar realidades y culturas distintas que hacen deporte de manera diferente y de reivindicar la igualdad de oportunidades para ambos, hombres y mujeres. En esta línea, como dice Monserrat Martín “lo que le falta a una mujer para triunfar en el deporte no es el ser hombre (…), ni que le dejen adoptar el estereotipo masculino dominante aunque tenga cuerpo de mujer (...). Lo que falta es un orden simbólico femenino que recoja la medida para el intercambio con las y los demás” (Martín, 2006, p. 128). Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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El reto que nos queda es seguir perfilando un orden simbólico femenino que sustituya al modelo patriarcal. Para ello hay que potenciar que las mujeres configuren su identidad femenina de un modo particularizado, tomando decisiones sobre cómo quieren obrar, pensar y sentir; pero esto se consigue sólo si hay formación y conocimientos y si disponen de modelos de mujer diferentes a los roles hegemónicos. En el deporte necesitamos visibilizar modelos de mujer, pero próximos a las Teorías de la Diferencia, para evitar que ocurra lo que el título de esta película esconde “Quiero ser como Beckhan”. Y desde el ámbito universitario, además de la formación, nuestro objetivo es confeccionar instrumentos

de investigación que puedan registrar la originalidad del orden simbólico femenino, que ayuden a visibilizarlo y a construir el modelo. Para finalizar recordar la postura de Hargreaves (2003): existen discriminaciones de género institucionalizadas de gran complejidad, pero éstas también son cambiantes, puesto que ningún conjunto de acuerdos culturales puede permanecer inmutable. Por lo tanto, si esto es así, hay que empezar a cambiar las maneras de obrar, pensar y sentir del día a día, de nuestra vida cotidiana y en el ámbito profesional. Donde podemos actuar es en lo micro, nadie nos lo impide: en nuestra aula, en nuestro equipo, en nuestro deporte. No hay disculpa, ahí si podemos.

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Giovanni de Farias Seabra* Juan Carlos Picón Cruz **

El turismo en espacios rurales desde la perspectiva emprendedora en los procesos de la nueva ruralidad: el caso de Guanacaste, Costa Rica RESUMO O Turismo no espaço rural é uma das alternativas empreendedoras de maior impulso por parte da população local e investidores estrangeiros, que identificaram oportunidades de negócios associadas a diferentes formas de turismo em áreas rurais (turismo rural, turismo da natureza, turismo de aventura, turismo comunitário e ecoturismo, etc.). Este artigo pretende abordar o tema turismo rural numa perspectiva holística, tendo em conta os fundamentos conceituais que explicam os princípios básicos da nova ruralidade, juntamente com as implicações e efeitos sobre a transformação do território de Guanacaste, Costa Rica, considerando os aspectos bio-cultural, econômico, social e ambiental, entre outros. Palavras-chaves: Turismo no espaço rural; empreendedorismo; nova ruralidade; Costa Rica. RESUMEN El turismo en espacios rurales representa una de las alternativas emprendedoras de mayor impulso por parte de los pobladores locales e inversionistas foráneos, quienes han identificado oportunidades de negocio, asociadas con distintas modalidades de turismo en zonas rurales (Turismo Rural, Turismo de Naturaleza, Turismo de Aventura, Turismo Rural Comunitario, Ecoturismo, entre algunos). La presente investigación permite abordar el tema desde una perspectiva integral, tomando en cuenta las bases conceptuales que explican los fundamentos del desarrollo rural (para este caso, la nueva ruralidad), además de las implicaciones y efectos en la transformación de territorios específicos (caso de Guanacaste), considerando aspectos bioculturales, económicos, socio-ambientales, entre otros. Palabras clave: Turismo en espacios rurales, Emprendedurismo, Nueva ruralidad, Costa Rica. ABSTRACT Tourism in rural areas is one of the greatest boosting entrepreneurial alternatives made both by local people and foreign investors, who have identified business opportunities associated with different forms of tourism in rural areas (rural tourism, nature tourism, Tourism of adventure, Rural Community Tourism, Ecotourism, among others). This research intends to address the issue rural tourism from a holistic view, taking into account the conceptual foundations that explain the basics of rural development (in this case, the new rurality), along with the implications and effects on the transformation of specific territories (e.g. Guanacaste, Costa Rica), and considering bio-cultural, economic, social and environmental aspects, among others. Keywords: Tourism in rural areas; entrepreneurship; new rurality; Costa Rica. (*) Doutor em Geografia, Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: gioseabra@gmail.com (**) Doutor em Desenvolvimento Humano e Sustentabilidade, Professor Titular da Universidad Nacional de Costa Rica. E-mail: juan.picon.cruz@una.cr

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1. LOS ESPACIOS RURALES: LA TRANSFORMACIÓN Y SOCIALIZACIÓN DE LOS ESPACIOS NATURALES

Estudiosos del mundo rural indican que en la perspectiva funcional, lo rural opera como una dimensión estratégica entre el mundo de la naturaleza y el mundo de los artefactos tecnológicos. En este sentido, los autores explican las relaciones entre el ser humano y la naturaleza, partiendo del sentido de apropiación y transformación de los espacios naturales, para convertirlos en espacios sociales, o la segunda naturaleza (ENGELS, 1979). En las economías primitivas y tradicionales los seres humanos se establecen en un territorio de manera sedentaria, inicialmente con la extracción de recursos naturales (caza, pesca, leña, madera, otros), y después avanzando con la domesticación primaria, es decir, la agricultura y ganadería, destinados a la subsistencia. Con el avance y dominio de las actividades agropecuarias (cultura agropecuaria), es posible experimentar comunidades que se desarrollan perfeccionando las actividades primarias (agricultura y ganadería) hasta lograr capacidades de producción suficientes para el consumo familiar y local, y transitar al intercambio, momento en el cual se insertan en niveles de participación comercial propias de los mercados formales o informales. El avance en el nivel de dominación del ser humano hacia la naturaleza, permite avanzar en la agroindustria, como un estadio de conocimiento y aprovechamiento de los recursos, tal y como lo vemos en los procesos semi-industriales e industriales del comercio de granos, carnes, queso, leche, entre otros. A partir de los niveles de intercambio (comercio) y de semi-industrialización, es posible identificar los orígenes de las relaciones empresariales en el campo, al menos en un sentido práctico, que se manifiesta en una acumulación de capital a pequeña escala y que, por supues-

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to, va estructurando clases sociales entre los que logran el dominio, control y apropiación de los factores de producción (capital, tierra y trabajo) y los sectores que participan como oferentes de mano de obra o se mantienen en los niveles anteriores de extracción de recursos a pequeña escala (recolectores, pescadores). El avance y consolidación de los procesos de apropiación y dominio de los espacios naturales va conformando espacios sociales que reflejan la cultura de un lugar, dando como resultado formas de expresión, que se configuran en “paisajes rurales”. Los paisajes rurales como expresión y reflejo de lo que sucede en un lugar, puede generar el tránsito a un espacio semiurbano o urbano, incluso, a una ciudad, dadas las condiciones de vida en un territorio. En las últimas formas de intervención social y transformación en los espacios naturales y rurales (apropiación, dominio y comercialización), se desarrolla la propuesta de la llamada “nueva ruralidad”, entendida como “el paradigma que actualmente proponen los organismos financieros y técnicos internacionales para reorientar, desde el punto de vista del capital, las demandas de desarrollo que presentan los pobladores rurales de los países latinoamericanos” (MONTERROSO, 2010). Bajo este esquema de desarrollo se promueve el impulso del sector terciario de la economía rural, como una estrategia de diversificación económica y superación de la pobreza rural, desarrollada a través de los conocidos mecanismos asociados al emprededurismo y libre mercado. La palabra está relacionada con el espíritu empresarial y se originó en el siglo XIX, relacionándola con las personas que adquirieron un producto y que desarrollaron una mejora, y después venderlo a un precio mayor (AQUINO et. Al, 20011).

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2. EMPRENDIMIENTOS TURÍSTICOS EN LOS ESPACIOS RURALES

Como una forma de lograr un máximo aprovechamiento de los recursos de un territorio y la necesidad de promover la producción eficiente, capaz de generar riqueza y empleo local, se promueve el espíritu empresarial. La visión empresarial representa la vía por la cual, distintos organismos públicos y privados intervienen o participan en distintas zonas rurales, estimulando el emprendedurismo, como respuesta a los problemas de empleo y rezago social existentes en las zonas rurales. Los productores rurales que ingresaron en turismo lo hicieron en busca de ingresos y con el objetivo de mejorar la rentabilidad de sus propiedades. En su gran mayoría tiene el turismo como un complemento de los ingresos de su actividad tradicional; sea esta agricultura, la ganadería o la combinación de ambas (WYSS, 2003). Algunas de las modalidades de turismo rural practicadas en América latina son el agroturismo, ecoturismo, turismo étnico-cultural, turismo de aventura, turismo técnico-científico, turismo educativo, entre otros. Se conoce de territorios que experimentan fuertes procesos de inversión de capital por parte de empresarios nacionales y extranjeros, quie-

nes compiten con los locales por la propiedad de los recursos locales, principalmente, las tierras y empresas que ofertan los servicios al turista. Esto es común en Guanacaste y otras zonas rurales de Costa Rica, tal es el caso de La Fortuna de San Carlos, en la provincia de Alajuela, o Monte Verde, en la provincia de Puntarenas. El complejo hotelero islita en la región costera de Guanacaste, revela cómo se puede introducir instalaciones turísticas sofisticados, con respecto al medio ambiente, la comunidad y la cultura rural. Esto es llamado por el Business Council for Sustainable Developent (apud BENI, 2006) “Responsabilidad Social Corporativa”, es decir; el continuo compromiso de las empresas para actuar éticamente y contribuir al desarrollo económico y social y la mejora de la calidad de vida de los empleados, sus familias y comunidades. En esta forma de gestión, “los objetivos de negocio son compatibles con el desarrollo sostenible de la sociedad, preservando los recursos naturales y culturales para las generaciones futuras, respetando la diversidad y promoviendo la reducción de la desigualdad” (BENI, 2006 apud ETHOS, 2004, p. 41).

Imágenes 1 y 2. Complejo Hotelero de Islita y pueblito Islita, Guanacaste. Fotos Giovanni Seabra

En el pueblo de Islita, así como docenas de otros se encuentra en zona rural de Costa Rica, la población tiene una buena calidad de vida con el acceso a bienes y servicios de calidad, tales como electrodomésticos, dispositivos de comuConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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nicación, la asistencia médica, la educación básica y la educación ambiental. También hay instalaciones turísticas y equipos, como señales de tráfico, museos, centros comunitarios de artesanía, museos, casas de huéspedes y restaurantes. 71


Image 3. Identificação de árvores nos povoados rurais. Foto Giovanni Seabra

Se debe reconocer que el mercado turístico avanza en una oleada mundial promovida en los procesos de globalización. En este sentido, se advierte que la globalización es un “modelo impulsado por los países centrales para superar la crisis de los años setenta del siglo pasado. Es otra fase del reacomodo y perfeccionamiento del capitalismo en la cual se legitiman las desigualdades bajo la hegemonía de los que manejan el capital financiero mundial” (MORALES, 2012, p. 304). El turismo como actividad alternativa para muchos emprendedores rurales se ha convertido en la esperanza para paliar la crisis del campo, sin embargo, es común identificar una competencia desigual entre locales y la arribada de inversionistas que ven en el turismo la actividad del ocio, surgido en el modo de producción capitalista, y que “en esta etapa global neoliberal es una nueva forma de acumulación de capital y, como política de Estado, es una forma de captar divisas” (MORALES, 2012: 306). Todavía, 72

es necesario tener precaución en la adopción de modelos y normas importados, porque los atractivos y productos turísticos se caracterizan por la identidad local y no por la homogeneidad de los lugares (SEABRA, 2007). Uno de los riesgos que se corre en estos espacios rurales adaptados al turismo es el desplazamiento de la comunidad local, explicado en lo que Lopes & Marín (2010, p. 222) conciben como “una industria productora de espacios, significados y experiencias. Una fuerza de mercantilización de los lugares y la cultura que articula a empresas globales, instituciones, estados, intermediarios, viajeros, trabajadores y residentes locales, en procesos diversos de imaginación social, formas de representación cultural y prácticas de consumo” (…). El desarrollo del espíritu emprendedor y de la consolidación de empresas en un territorio se plantea como la alternativa para lograr una mejor inserción de los pobladores rurales al negocio Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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del turismo. El mensaje que llega a las comunidades es que deben prepararse para aprovechar el turismo, en el entendido que el espíritu emprendedor es la luz que los guiará como una fuerza divina que los conduce al éxito comercial. La literatura empresarial plantea la relación que existe entre el espíritu emprendedor y las oportunidades de desarrollo de una región. Polése (1998, p. 249) se refiere al tema e indica que “si en una comunidad los costos de emigración son altos y las posibilidades de empleos limitadas, los negocios pueden aparecer como la opción menos costosa”. En este sentido, menciona que “el éxito que se pueda tener en promover el espíritu de empresa local depende, en parte, de las oportunidades que tengan los habitantes de una región, incluyendo la emigración” (POLÉSE, Op. Cit. p. 249). En este sentido el turismo en un factor de contención de la emigración del campo a la ciudad. El mismo autor sostiene que la promoción del espíritu emprendedor, o espíritu de empresa local, suele ser el elemento clave de las propuestas de desarrollo local. “La empresa, como unidad de organización social, es la base de las economías de mercado; no existiría desarrollo local o endógeno sin creación local de empresas, y sin expansión de las empresas locales”. Polése (1998, p. 245), al respecto, muestra que “el espíritu de empresa es un atributo personal; es el

gusto y perspicacia por los negocios. El término designa también la propensión de los miembros de un grupo (o de habitantes de una región) a fundar empresas y a hacer buenos negocios. Dícese de una región desprovista de empresas locales que carece de espíritu de empresa” (POLÉSE, 1998, p. 245). Un aspecto estratégico que sugiere Polése (Op. Cit.) está relacionado con la ayuda o impulso que pueden recibir las empresas locales, principalmente, las micro y pequeñas empresas, por parte de los gobiernos locales, que gozan de altos niveles de descentralización del Estado nacional, por lo tanto, cuentan con autonomía y capacidad para impulsar políticas locales, por ejemplo: exoneraciones fiscales sobre los impuestos locales; tarifas preferenciales para los gastos locales (agua, electricidad, etc.), construcción de infraestructura pública, oportunidades para acceder mobiliario industrial (edificios, terrenos, etc.) Las micro y pequeñas empresas (MIPYMES) están consideradas como la alternativa con que se cuenta en las zonas de aptitud turística para generar empleo y, sobre todo, riqueza local. Representan la opción de inversión más viable para la mayoría de locales, esto por considerar que, en la mayoría de los casos, no se requiere de altas inversiones y la posibilidad de iniciarse en la práctica gerencial de pequeñas empresas es viable para principiantes.

3. EL DESARROLLO EMPRENDEDOR LOCAL COMO FACTOR DE IDENTIDAD EN LA OFERTA TURÍSTICA

Para comprender mejor el fenómeno del emprendedurismo local para el caso de la provincia de Guanacaste, es importante un abordaje socio histórico, capaz de reconocer el comportamiento cultural de los locales frente a las oportunidades empresariales del fenómeno turístico que se concentró en gran parte del territorio de la provincia, principalmente, playas y volcanes. Sin embargo, “las áreas costeras se llenan de hoteles, restaurantes, y residenciales turísticos; conforman un nuevo paisaje urbano, global y a veces excluyente y distante para muchas comunidades rurales que no estaban preparadas para su inserción y participación dentro de este proceso” (GONZÁLEZ & FERNÁNDEZ, 2013, pág. 12). Una de las mayores demandas y reclamos Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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sociales por parte de los pobladores guanacastecos se refiere a la poca participación empresarial en la oferta turística local y regional. Existen argumentos que explican la poca preparación y capacitación de los pobladores en la etapa de introducción y desarrollo del ciclo de vida de un destino turístico, y que con el pasar del tiempo se experimenta un tipo de transferencia de conocimiento desde los foráneas que llegan al territorio a impulsar el turismo, hacia los locales. En este sentido, Gormsen (1981 y 1997) apud Fernández (2009, p. 372), indica que “en las primeras etapas del desarrollo turístico las iniciativas empresariales acostumbran a venir de agentes externos más que de agentes internos; con el desarrollo, los agentes internos van adqui73


riendo más protagonismo”. Jafari (1989) apud Fernández (2009) destaca que “el empresariado turístico juega directa o indirectamente un rol como mediador en la relación del turismo con la sociedad receptora. Según este autor, este rol será de un modo u otro según si los empresarios proceden o no de la sociedad local” (p. 372). Este tema es fundamental en el análisis del emprendedurismo local, dado lo evidente que es en Guanacaste la concentración de grandes empresas de corte transnacional en los principales destinos de sol y playa. La transferencia de conocimiento que se espera llegue a los locales en los procesos de atracción de la Inversión Extranjera

Directa, está pendiente. En estudio realizado por el Centro Mesoamericano de Desarrollo (CEMEDE), se reconoce que las micro y pequeñas empresas representan la mayoría de empresas existentes en la zona, sobre todo, las de carácter micro-empresarial, 1 a 3 empleados (RODRÍGUEZ, 2011). Entre algunos de los datos sobresalientes dados por Rodriguez (Op. Cit.) están: la mayoría (50%) de las MIPYMES de la zona se dedica a la venta de servicios de alimentación (proliferación de las llamadas “sodas”1) o pequeños centros de hospedaje (cabinas, albergues, cabañas). Esta es la vía que muchas familias han encontrado para insertarse en el turismo.

Imágenes 4 y 5. Corral de Piedra, pequeños negocios rurales asociados con la restaurantería, en Guanacaste. Fotos Juan Picón

Otro aspecto sobresaliente está en el tipo de clientes que reciben las pequeñas empresas turísticas, donde resulta que un 80 % de los clientes son turistas nacionales (RODRÍGUEZ, 2011). Lo anterior permite identificar una oportunidad para los empresarios y empresarias de la pequeña empresa, asociado con la posibilidad de promover y dirigir acciones de mercadotecnia al turismo doméstico, que tradicionalmente ha estado marginado de los planes de atracción turística. Un estudio reciente sobre turismo y accesibilidad para nacionales Gonzáles & Fernández (2013, p. 13) indican que “más de la mitad (56%) de los costarricenses entrevistados considera que los precios para el turismo nacional no son accesibles”, y se refleja un resentimiento

contra el turismo tradicional de los sitios turísticos, al indicar que “no pudieron o no tuvieron la oportunidad de acceder a sitios turísticos, debido a los altos costos de la actividad y sus productos”. Esto reafirma la oportunidad para la micro y pequeña empresa local de dirigir la mirada al mercado nacional. Frente a las posibilidades reales de los pobladores rurales -incluye las playas- de Guanacaste, es necesario reflexionar sobre las dificultades cotidianas, al enfrentar una actividad turística que resulta ajena en el imaginario productivo rural y las dificultades del poblador local en inversión de capital. Tal como explica Morales (2012, p. 309) cuando señala que “el turista quiere conocer lo distinto, pero con un clima gregario, cómodo, y sin incidentes y sin riesgos. Se

1. Sodas: pequeños puntos de venta de comidas de tipo familiar. 74

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hace un viaje con una realidad, pero al mismo tiempo se está fuera de esa realidad”. El resultado, muchas veces, conduce a lo que Pérez y Cardoso (2008, pág. 559) advierten cuando dicen que en comunidades rurales de México “con el incremento de las corrientes de visitantes provenientes del extranjero, la captación de divisas y la consolidación del turismo doméstico, ha generado severas repercusiones sociales y naturales

para los habitantes locales”. Esto es debido al efecto de la imitación del turismo desarrollado en los países centrales, que es exportado para las naciones periféricas, sin ajuste en la realidad social, económica y cultural local. En proyecto de turismo basado en la comunidad el tejido social es una prioridad, sobre todo el reconocimiento y la valoración de sus peculiaridades, los recursos naturales, la cultura y las tradiciones.

Imágenes 6 y 7. Aspectos del medio ambiente rural en Guanacaste. Turismo en agricultura familiar Corral de Piedra. Fotos: Giovanni Seabra y Juan Picón

Imagem 8. Área protegida en zona rural. Foto: Giovanni Seabra

4. CONCLUSIONES FINALES Las dinámicas socio productivas asociadas al desarrollo turístico en espacios rurales han configurado nuevos paisajes sociales, naturales, comerciales, entre otros. Los resultados evidencian serias discrepancias entre los objetivos del desarrollo turístico asociado al mejoramiento de Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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la calidad de vida de los pobladores rurales, versus el beneficio concentrado en ciertos inversionistas nacionales y extranjeros que no representan los intereses locales. El emprendedurismo promueve una cultura basada en la responsabilidad de cada individuo e 75


de las comunidades de forjarse su propio destino, con nuevos principios y valores asociados con la libertad para emprender con competitividad, eficiencia e innovación. Se debe reconocer que difícilmente la oferta de los locales compita con las inversiones de las transnacionales que captan el turismo internacional de alto consumo o alto poder adquisitivo. Todavía, el éxito del turismo comunitario depende casi tan solo de la organización de la base local, empoderamiento y oportunidad para todos los pobladores. El testimonio de los empresarios de microempresas rurales de Guanacaste ha permitido entender una serie de situaciones que suceden en el diario vivir de quienes deciden adentrarse en el mundo empresarial en condiciones de micro o pequeña empresa. Destacan “la necesidad de promover los encadenamientos productivos, como una forma de estimular sistemas de flujos económicos locales que apoyen al productor local” (BRICEÑO, 2012). Insiste el entrevistado en la llamada de atención a las grandes empresas de la zona para que prioricen y le den la oportunidad a los productores locales a la hora de seleccionar proveedores. Se identifica casos de campesinos que mantienen un arraigo biocultural a la tierra y a los modos de vida campesino, asociado con relaciones espirituales que los aleja de los intereses y prioridades de los procesos de acumulación capitalista de mercado. En este sentido, se reconocen individuos que, lejos de mejorar su calidad de vida con la visión empresarial, llegan a niveles

de afectación emocional, asociados con el estrés laboral y las presiones de un mundo de mercado que no controlan. Por ello, hay quienes han optado por mantener niveles de producción y comercialización con poco valor agregado. En muchos casos, el emprendedor demanda capacitación empresarial, pero no le interesa evolucionar a empresario turístico, en el entendido que solo necesita un ingreso para complementar con sus actividades agropecuarias, las cuales son su prioridad. Tal es el caso de pequeños productores de ganado y agricultores que diversifican sus actividades con caminada en senderos, gastronomía y cabañas para hospedar turistas, entre algunos casos. En otros, encontramos productores que demandan procesos con mayor ambición empresarial, dado que han evolucionado a niveles de innovación y riesgo de inversión empresarial, reflejado en la incorporación de maquinaria e infraestructura, con las presiones financieras ante los acreedores. La nueva propuesta de desarrollo turístico rural invita a participar de una nueva era, llena de oportunidades, amenazas, desafíos y sueños. La palabra común en el nuevo escenario de negocios es “mercado”, donde las transacciones se dan con las reglas del mercado y sobrevive el más fuerte. Este proceso de transformación del campo trae grandes desafíos y cuestionamientos, cuya superación depende de la fuerza de la organización comunitaria.

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MONTERROSO, N. . Los determinantes macropolíticos del desarrollo

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Maria Patrícia Lopes Goldfarb * Sebastião Costa Andrade **

Futebol de mesa: uma análise da consolidação da regra paraibana e suas formas de sociabilidade

RESUMO Este artigo analisa um esporte de salão que é praticado em todo o Brasil: o futebol de mesa, especificamente no estado da Paraíba, onde recebe contornos característicos que ditam uma regra paraibana consolidada, como também considerada perene em seu aspecto regional. O estudo de tal esporte é explanado por meio das regras de socialização vividas pelos participantes do futebol de mesa quando de suas filiações em grêmios; suas competições em torneios e campeonatos, participantes esses que de forma particular na regra paraibana são de praticamente cem por cento do sexo masculino, diferentemente das demais regras espalhadas pelo Brasil. Palavras-chave: Futebol de mesa; esporte; sociabilidade; lazer.

ABSTRACT This article examines a court sport practiced all over Brazil: table football, specifically in the state of Paraiba, where it gains not only characteristic contours that dictate a consolidated local rule, but also considered perennial in its regional aspect. The study of such sport is explained through socialization rules experienced by table football players when becoming members of unions, their competitions in tournaments and championships. The participants, according to the rules in Paraiba, are almost one hundred percent male, unlike other rules throughout Brazil. Keywords: Table football; sport; sociability; leisure.

(*) Doutora, Professora do Departamento de Ciências Sociais, área de Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia, CCHLA – UFPB, Campus João Pessoa. Líder do GEC Grupo de Estudos Culturais/CNPq). E-mail: patriciagoldafrb@yahoo.com.br (**) Doutor, Professor do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais, CEDUC, UEPB, Pesquisador do GEC – Grupo de Estudos Culturais/CNPq). 78

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APRESENTAÇÃO

Neste artigo, fazemos uma abordagem sobre um dos muitos esportes existentes no Brasil: o futebol de mesa. Analisamos como esse esporte foi se consolidando na cidade de João Pessoa, apresentando uma regra própria: “a regra paraibana”, e suas formas de socialização1. Assim, procura-se compreender como, entre as várias regras jogadas no Brasil, a paraibana - que é uma criação regional - se mantém atrativa. Esse esporte de mesa é praticado em quase todo o território brasileiro, mas, no estado da Paraíba, adquiriu características peculiares em relação a outros estados. É possível notar que até mesmo pessoas que migraram para outros estados continuam praticando a regra paraibana e encomendando os botões em João Pessoa. Embora não seja vetada a entrada de mulheres, ele representa um espaço predominantemente masculino, com pessoas de diferentes profissões e advindas de várias cidades, que se encontram e interagem em torno do futebol de mesa, como um momento de lazer e sociabilidade. Na Paraíba, o futebol de mesa tem uma federação, com filiados, regulamentos, marcas, uniformes e páginas em redes sociais2. A pesquisa, de natureza qualitativa, foi feita através de um trabalho de campo realizado na Federação Paraibana de Futebol de Mesa, no Grêmio Clube dos 20 e em sites da internet. Conforme o antropólogo Manhani (1994), trata-se de uma prática etnográfica, que envolve a delimitação de contextos empíricos, onde se procedeu a uma observação participante e a entrevistas, para coletar depoimentos e observar o cotidiano alvo da investigação.

O ESPORTE COMO FENÔMENO SOCIOCULTURAL

Devido às muitas buscas por lazer, os esportes ocupam um lugar importante, especialmente entre o público masculino, sem desconsiderar o aumento do interesse feminino por algumas prá-

ticas esportivas. O desporto ganhou mais força com a correlação entre práticas esportivas e saúde e sua vinculação com a diminuição dos vícios e da marginalidade. São várias as áreas do conhecimento acadêmico que tratam do esporte. Nas Ciências Sociais, uma das abordagens pode ser representada pela conceituação do esporte como instituição, que reproduz as estruturas sociais e econômicas da sociedade envolvente. Um dos representantes dessa visão é Michel Bouet (1968), que se propõe a analisar o significado do esporte. Para ele, o esporte é uma instituição porque, em termos sociológicos, tem elementos materiais ou físicos (pessoas, bolas, estádios, campos, etc.) e culturais (grupos, associações, torcidas, relações etc.); tem burocracia, símbolos coletivos e envolve valores culturais. Bouet mostra que o esporte tem funções de espetáculo, de lazer, de vendas, de adaptação para a rotina etc., em detrimento da conjuntura socioeconômica que o envolve. Autores como Jean-Marie Brohm (1978) afirmam que os esportes refletem relações capitalistas, como alienação, competição, lucro e racionalização do corpo. Já Allen Guttmann (1978) apresenta como características dos esportes nas sociedades modernas a secularização, a competição, a especialização, a racionalização e a burocracia. O sociólogo Norberto Elias, em parceria com Dunning (1992), também conceitua o esporte como um elemento de compreensão da sociedade moderna, mas que passa a ser analisado através de um processo de desenvolvimento histórico que é denominado de “civilizador”. Para eles, nas sociedades industrializadas, diferentemente dos modelos sociais anteriores, há um controle das excitações em público, por meio de uma simulação dos conflitos existentes. Assim, sentimentos fortes devem ficar atrelados ao domínio privado ou aos círculos íntimos. Tais autores levantam a problemática da polarização trabalho/lazer. O primeiro é visto por uma parte dos sociólogos como um “dever moral”, lugar da consciência; e o segundo, como lugar de alienação e de prazer. Como parte do processo civilizador que começou na Inglaterra do Século XVIII, o esporte é

1. Este artigo é resultado da monografia de Bacharelado em Ciências Sociais, UFPB, intitulada “Futebol de mesa: consolidação e socialização da regra paraibana”, como apresentado nas referências. 2. Como facebook: https://www.facebook.com/fpfm.futmesa.

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analisado como fruto das mudanças nos hábitos sociais, quando as práticas desportivas passaram a ser controladas pelo Estado. Ele provoca uma “excitação agradável”, capaz de controlar a violência existente com sua regulamentação (ELIAS & DUNNING, 1992, p. 116). Esses diferentes autores têm distintas preocupações analíticas, entretanto, em seus trabalhos, há uma tendência a tratar o esporte como algo homogêneo, com certo universalismo, o que impede que se tenha uma visão do campo esportivo como um meio de sociabilidade e de manifestações culturais variadas3. O sociólogo francês, Pierre Bourdieu (1990), chama à atenção para a relação entre os esportes e as distinções sociais, demarcando o sistema esportivo como formado por gostos e estilos de vida, e para os diversos sentidos que uma prática esportiva pode receber de acordo com a forma como os atores sociais se apropriam dele (BOURDIEU, 1990, p. 216). Assim, pode haver sentidos distintos do que é dominante na sociedade, bem como modos diversos de vivenciar o esporte. Stigger (2002, p.38), analista do desporto, sugere que o esporte deve ser analisado através das práticas reais que formam os estilos de vida e o denominou de prática sociocultural, que abarca valores, ações e representações sociais. Assim, rompe com a perspectiva utilitarista quando o descreve como formado por práticas e narrativas: (...) a intenção é compreendê-lo na sua expressão particular, vendo-o como uma prática social inserida no âmbito do lazer e como elemento constitutivo de estilos da vida. Prática essa que, com características distintivas expressas nas diferentes formas de apropriação cultural do cotidiano dos atores sociais, vincula-se a uma realidade mais ampla da sociedade na qual está situada, numa relação de integração e conflito (STIGGER, 2002, p. 38).

Para o antropólogo Roberto da Matta (2006), o esporte (especialmente o futebol) não se resume a um veículo de alienação, mas de grande capacidade expressiva, que desperta sentimentos e prazer e é um meio de afirmação de identidades coletivas. Fazendo uma crítica às posturas que reduzem o esporte à modernização da vida capitalista, afirma:

Um dos milagres do esporte é precisamente esse poder de tirar do centro a emerdação geral de uma civilização – a única desse planeta – fundada inteiramente no dinheiro e no mercado (DA MATTA, 2006, p. 95).

Gestado numa sociedade que tinha o trabalho como valor e veículo principal de tomada de consciência, o esporte se situa na área do lazer, do ócio, do prazer, em espaços sociais destinados ao desempenho de habilidades e escolhas individuais e coletivas. Ele é visto assim porque não tem caráter de obrigatoriedade e requer treinamento e sentimentos, na medida em que questiona o trabalho como castigo e vocação, ideologias presentes na ética burguesa. Seguindo a racionalização do mundo moderno, no esporte, existe o ideal de eliminação do emocional e afetivo, pois os times ou federações buscam uma quantificação, estratégias, táticas e um desempenho melhor dos atletas. Para isso, existem os cronômetros, as máquinas de celular, os computadores, os placares eletrônicos etc. Com a quantificação, surgem a organização, a sistematização e a racionalização. Essa secularização e racionalização trazem um desenvolvimento de novas estratégias comerciais, como no caso dos uniformes. Mas há também o fascínio e a empolgação coletiva, o que se configura como um antagonismo do esporte moderno - o sujeito sai da vida cotidiana para viver um momento de descontração, espontaneidade. Porém tais emoções não devem ultrapassar os limites da esfera esportiva, por isso foram criadas as regras esportivas. Esporte também é lazer. Mas lazer não é pensado como simples oposição ao trabalho ou mera reposição de energias, pois os espaços sociais onde se desenvolve têm muitas funções, como sociabilidades, encontros, trocas materiais, alianças, manutenção de lealdades ou estabelecimentos de alteridades, como ocorre no futebol de mesa.

O FUTEBOL DE MESA

O futebol de mesa é um esporte de salão,

3. Uma crítica nesse sentido é feita por Da Matta ao citado trabalho de Elias e Dunning (DA MATTA, 2006, p. 176). 80

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predominantemente urbano, cuja formação é rodeada de controvérsias, principalmente porque vários Estados e pessoas lutam pelo direito de sua gênese. O certo é que os jogos de salão surgiram nas primeiras décadas do século passado, em diferentes lugares, carregando certa espontaneidade, marcados pela ludicidade e apresentando-se como uma forma de entretenimento e sociabilidade. De acordo com o presidente da Federação Paraibana de Futebol de Mesa, as primeiras cidades a praticar tal esporte foram as capitais costeiras, pois, nessa época, não existiam outros transportes, apenas os navios, cujos marinheiros divulgavam o esporte de salão. Desde seu início, é marcado por um espírito de competição entre dois lados que entram em disputa, tanto os dois jogadores (chamados de botonistas) quanto os torcedores. Cada lado se autodenomina, muitas vezes, de acordo com um time de futebol de sua preferência, reproduzindo outras disputas. Tal como as outras modalidades de futebol, o futebol de mesa surgiu na Inglaterra como um

esporte elitista, porque era muito caro e necessitava de certos equipamentos. Assim, fechava-se para os mais pobres. Não havia organização institucional, mas, no Brasil, com o avanço urbano e tecnológico, o futebol de botão atingiu outros níveis e formas de organização. Obviamente, com a valorização de outros esportes como o futebol, o voleibol etc. e os investimentos governamentais, o futebol de mesa passou a ter necessidade de se transformar. Finelli (2006) afirma que Geraldo Décourt teria sido o primeiro a escrever sobre as regras desse jogo, no final dos anos 20, chamado de celotex, porque era jogado em mesas desse material4. A princípio, jogava-se com botões de blusas5. Assim, no Brasil, os botões de casacos grandes viraram zagueiros grandes e pesados; os botões menores viraram atacantes velozes, e os menores se transformariam em bolas. Inicialmente, os goleiros eram feitos de caixas de fósforos; depois, começaram a ganhar “recheios” como pedras, chumbos e outros tipos de apoio para impedir que os goleiros caíssem.

Figura 1: Goleiro de futebol de mesa no passado Fonte: http://www.preciolandia.com/br/lote-futebol-de-botao-antigo-anos-60-70-7w4cwa-a.html

4. Décourt foi muito importante para esse esporte, tanto que o dia de seu nascimento ficou reconhecido como Dia do Botonista. Ele também redigiu o Hino do Botonista (FINELLI, 2006). 5. Na Espanha, até hoje, o futebol de mesa pode ser jogado com botões de blusas.

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Figura 2: Mesas de madeira no Circuito Paraibano de Futebol de Mesa - 2013 Fonte: https://www.facebook.com/fpfm.futmesa

Em relação aos “campos”, eram montados em calçadas riscadas, cujos botões não deslizavam bem. Depois, passaram para pisos de cerâmica e mármore até chegar às mesas de jantar, para ajudar o jogador a ficar em uma posição mais confortável no jogo. Assim, surgiu a denominação “futebol de mesa”, ao mesmo tempo em que surgiram as mesas de madeira. Foi no Rio de Janeiro que o futebol de mesa começou a se organizar e a se tornar um esporte. Os antigos botões de camisas eram lixados para obtenção de melhores deslizamentos e “chutes”. Na década de 50, começavam a ser utilizadas as fichas de pôquer, que foram substituídas por fichas de antigas lotações, que eram colocadas uma em cima da outra. Aos poucos, foi surgindo a “indústria” de botões, específica para o jogo, com seus especialistas. Nos anos 50 e início da década de 60, começaram a aparecer as primeiras associações de futebol de mesa do país, inicialmente, na Bahia, depois, no Rio Grande do Sul, e, logo depois, no restante do Brasil. Essas associações eram clubes exclusivos do esporte fabricado. Entre os anos 60 e 70, apareceram os primeiros campeonatos brasileiros, e em 1998, formou-se o Con-

selho Nacional dos Desportos (CND), que hoje é a INESDPEO 6. O futebol de mesa foi, então, oficialmente reconhecido como um esporte. No Brasil, existem várias regras de futebol de mesa, com diferentes peculiaridades; algumas são congregadas pela Confederação Brasileira de Futebol de Mesa, como a regra de doze toques, muito difundida em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Sul do país; a regra de três toques e a regra de um toque, chamada de “baiana”7. No estado da Paraíba, desenvolveu-se a “regra paraibana”, com diferentes características desse jogo, apesar da tentativa de unificar que existe no país. Assim, em 1990, criou-se a Federação Paraibana de Futebol de Mesa. Tratava-se de “oficializar”, com algumas modificações, de regras que já eram praticadas. A regra paraibana é assim chamada porque foi criada na Paraíba a gosto dos praticantes e se tornou regional. É considerada mais simples porque, para ser executada, basta um toque no botão, em comparação com outras regras como a brasileira. Há algumas diferenças básicas nela, como os botões ocos por baixo, o goleiro, que se movimenta, e a bola, que parece um botão. Apesar de se distinguir e de ser possível jo-

6. Resolução n.º 14, de 29 de setembro de 1988, acatando o Of. n.º 542/88 e o Processo n.º 23005.000885/87-18, baseado na Lei 6.251, de 8 de outubro de 1975, e no Decreto 80.228, de 25 de agosto de 1977. 7. http://www.cbfm.esp.br/p/modalidades.html 82

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Figura 2: Mesas de madeira no Circuito Paraibano de Futebol de Mesa - 2013 Fonte: https://www.facebook.com/fpfm.futmesa

gar outras regras, conhecidas em nível nacional, a regra paraibana se consolidou e se mantém atual. Para entendermos bem mais sua perenidade, vejamos que diz o presidente da Federação Paraibana de Futebol de Mesa: Em primeiro lugar, a regra paraibana tem sua autonomia em todo o estado paraibano, a exemplo do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e as grandes metrópoles, pois esses estados, eles praticam as suas próprias regras, pois no maior polo do futmesa, o estado de São Paulo tem a princípio cinco regras oficiais. E, hoje, a nível nacional, a confederação aglutinada por mais de 15 estados, inclusive a Paraíba, determinou apenas uma regra a nível nacional que é a regra baiana, regra esse parecida com a nossa, de um toque. A Paraíba para poder participar nacionalmente tinha que ter o conhecimento e a pratica da regra nacional, é aí que entra o papel da federação, dá a condição para todos aqueles botonistas que quisesse praticar essa regra. Em termos de praticidade, a regra paraibana é pratica e compreensiva. Um exemplo bem prático: colocasse duas pessoas leigas para praticar a regra e em poucos minutos a regra paraibana sobressai das demais. Se nós não nos acompanhar a evolução do futebol de mesa ficaremos sempre no fundo do quintal, pois não sairemos pra nenhum lugar se não nos adequamos a novas regras e vias novas fronteiras é que podemos mostrar a nossa regra.

O presidente da Federação falou da necessidade de os botonistas paraibanos jogarem a regra brasileira, por atestar que esse é um dos papéis da Federação, mas reconhece a consoConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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lidação e a autonomia da regra paraibana, que continua sendo praticada cotidianamente. Outro aspecto curioso e digno de destaque é que, na regra paraibana, especificamente, não vemos botonistas mulheres, diferentemente de outros estados. Sobre esse aspecto, o presidente da Federação Paraibana de Futebol de Mesa expressou: Não é proibido. O futmesa é extensivo a todos aqueles que queira praticar tal modalidade, não há restrição ou preconceito, um exemplo disso, anos atrás, como é de conhecimento de vários botonistas, a filha de um ex-fabricante de botão e campo, o Senhor Adalberto Figueiredo Martins (...) tem uma filha que praticava o futmesa, inclusive participava de eventos.

Ressalte-se, entretanto, que, para os praticantes, a presença de mulheres não condiz com os fatos e o cotidiano desse esporte, como vemos nesta fala de um colaborador da pesquisa: Particularmente, o que afasta uma pessoa do sexo feminino participar dessa modalidade é a nossa cultura, ainda arcaica, onde há pessoas que pensam que futmesa é um esporte só para homem. Se você observar em alguns redutos de futmesa a cada momento escapam palavras que não são agradáveis, até pejorativas palavras de baixo escalão que aos ouvidos da maioria passam despercebidas, mas que fortificavam os paredões antissociais. Enquanto não houver uma socialização dessas pessoas o futmesa está fadado ao envelhecimento precoce. Tal situação leva o afastamento de novos adeptos, pois não tem nenhum incentivo de renovação. 83


Figura 4: Grêmio Parayba de Futebol de Mesa Fonte: https://www.facebook.com/pages/Gr%C3%AAmio-Parahyba/545655755468674

Vimos que não há objeções quanto à participação de mulheres, porém o presidente da Federação justifica essa ausência na “falta de respeito dos participantes homens”, que consideram o espaço como estritamente masculino. Foi-nos relatado que as mulheres “não iriam se sentir à vontade”, visto que o espaço não foi pensado de forma democrática, mas gerido pelos e para os homens. De todo modo, observa-se uma generificação nesse esporte, como em outros, em que os grêmios não são considerados “naturalmente” como espaços femininos, o que nos remete aos “lugares sociais” de gênero que, de acordo com a cultura, acaba elencando o “destino” dos gêneros pela decodificação dos corpos, influenciando o que se define como espaço de homem/mulher, práticas masculinas/femininas (BUTLER, 2003, p. 26). A Federação Paraibana é formada pelo presidente, pelo vice-presidente, por um tesoureiro e pelos presidentes dos grêmios. Os grêmios servem promover organização e representam um pré -requisito para a participação dos botonistas nos campeonatos oficiais regionais ou nacionais. Na Paraíba, são mais de quinze grêmios, entre eles, o Grêmio Paraibano de Futebol de Mesa; o Grêmio Índio Piragibe; o Grêmio 1º de Maio, o Grêmio Santa Júlia, o Grêmio Clube dos 20; o Grêmio Guarabirense; o Grêmio Campinense e o Grêmio Intermares, embora nem todos sejam registrados na Federação Estadual. 84

Nos grêmios, existem formas de sociabilidade com pessoas que se juntam de acordo com o seu local de moradia ou de trabalho. Em nossa pesquisa, observamos, sobretudo, um grêmio chamado Clube dos 20, que é bem conhecido pelos praticantes desse esporte. Situa-se na Rua da República, nº. 277, no Bairro Varadouro, nas imediações do centro da capital paraibana. Os associados colaboram com uma pequena taxa, que é importante para a manutenção do espaço físico e a participação dos botonistas nos campeonatos. Os associados devem cumprir certos requisitos, como ser praticante do futebol de mesa e ser convidado de outro membro. Mesmo assim, passa por um período de avaliação pelos membros do grêmio. Assim, os associados fazem parte de uma rede maior de relações sociais, pois necessita de vínculos de parentesco, de vizinhança, de trabalho ou de amizade para entrar nesse novo circuito de trocas e de lazer esportivo. No espaço do clube, vimos uma estrutura simples, como água, lanches (pipocas e doces), banheiro, quadro de informações e muitas fotos. Os participantes têm diferentes faixas etárias e profissões - advogado, engenheiro civil, pedreiro, contador, corretor de imóveis etc. – portanto, um público heterogêneo, com pessoas de diferentes camadas sociais que são apenas “botonistas” nesse espaço. O gosto pelo futebol de mesa une esses homens em torno de um jogo e de suas Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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regras, e o clube dos 20 serve como ponto de encontro para jogar, torcer, bater papo e manter relações sociais importantes. Os grêmios se aglutinam em torno da Federação, que organiza anualmente o campeonato paraibano de futebol de mesa, comumente praticado em dias de domingo. Convencionou-se dividi-lo em quatro etapas, nomeadas de acordo com a época do ano e realizadas em lugares distintos, pois, como diz o próprio presidente da Federação, A Federação tem o dever de difundir o futmesa na Paraíba. Para tanto a princípio, o campeonato paraibano era praticado em apenas um lugar. Daí surge à necessidade de praticar em vários bairros. Foi um dos campeonatos por etapas em cinco bairros, houve então a difusão na grande João Pessoa, mas era pouco, era preciso difundir em todo o estado. Foi quando, interiorizamos o campeonato paraibano, praticando cada etapa em uma cidade, partindo da cidade de Sapé, Campina Grande, João Pessoa e Santa Rita, dando assim maior consistência ao campeonato estadual, criando oportunidade em todo o estado a aquelas pessoas que praticava de uma maneira ou outra o futebol de botão.

A Federação objetiva divulgar o esporte em todo o Estado e procurar fortificar a regra paraibana, o que não invalida a necessidade de revisão, como ocorreu em 2013. Nos campeonatos, vemos grêmios de muitas cidades reunidos, numa interação que possibilita trocas de informações sobre as regras do jogo, novos planos sobre o campeonato, confrontos entre os grêmios etc. Convém frisar a importância dos grêmios, porquanto os botonistas só podem participar de campeonatos oficiais se estiverem filiados a eles. É o botonista que, por motivos vários, como localidade, relações de amizade etc., escolhe a que clube vai se associar.

DIVULGAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO FUTEBOL DE MESA NA REGRA PARAIBANA

A profissionalização do futebol de mesa está relacionada à consolidação da regra parai-

bana, com o objetivo de aglutinar, numa só regra, as diversas formas de jogo existentes no Estado. A divulgação nos diversos meios de comunicação e, atualmente, na internet, dá mais visibilidade ao esporte e incentiva os participantes8. A existência de uma “bolsa atleta” também é um atrativo para a profissionalização no Estado9. A bolsa atleta é um programa do governo federal de incentivo ao esporte em geral. Cabe ao governo estadual, regulamentar através de projeto de lei, criando assim critérios para ter o direito. Existem três tipos de bolsa: Bolsa ao esporte de rendimento, bolsa estudantil e bolsa institucional. A institucional é dada ao órgão máximo de cada modalidade, um dos requisitos é a idade, pois só a tem direito aquele atleta que no dia de assinar o contrato tenha 23 anos incompletos, isto é visto como incentivo aos jovens a pratica do esporte. Os critérios de direito são prerrogativa, no nosso caso da federação, que dá o direito a bolsa aquele atleta por ordem do ranking no campeonato estadual (H. G. presidente da Federação paraibana de futebol de mesa).

Observa-se que, no caso do futebol de mesa da Paraíba, cabe à Federação apontar o botonista mais apto a concorrer a “bolsas”. Para isso, é necessário que o futebol de mesa seja visto como “profissional”, incorpore uma postura e um perfil mais burocráticos e deixe de ser um esporte meramente comunitário para se transformar numa “ação associativa” (WEBER, 1999, p. 222). Nesses termos, o futebol de mesa, que se criou como uma “ação comunitária”, que funcionava nas próprias residências dos participantes, passou por um processo de transformação e de burocratização e foi legitimado e reconhecido como modalidade esportiva. Por isso se criou um corpo hierárquico (presidente, vice-presidente, tesoureiro etc.), fardas, membros nomeados de “botonistas”, agremiações, enfim, uma profissionalização para que possa ser reconhecido oficialmente e usufruir das benesses estatais. Os campeonatos oficiais - regionais ou nacionais - são momentos de mais divulgação dessa modalidade esportiva. Nesses campeonatos, exige-se que as regras sejam sumariamente cum-

8. Ver site http://www.hgbotoes.com.br/site/?page_id=3 9. O Programa bolsa atleta contempla atletas e paratletas de várias modalidades esportivas, que tenham melhores desempenhos em nível internacional e nacional, de acordo com cada modalidade.

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pridas e existem fiscais e árbitros para que sejam levadas a sério e o esporte tenha um caráter profissional. Os esforços não foram em vão, pois o futebol de mesa foi reconhecido pelo Conselho Nacional de Desportos (CND) como modalidade desportiva. A profissionalização está ligada à aprendizagem das regras - a paraibana e outras modalidades - de acordo com as competições, porque há uma construção prática e discursiva que tenta separar o futebol de mesa de uma prática meramente recreativa, evocando as habilidades dos jogadores, a seriedade das regras e a unificação dos botonistas em torno da regra paraibana. En-

fim, são várias as formas de qualificar o esporte, que, nesse caso, não deve ser resumido a uma simples brincadeira, por meio da racionalização do jogo e da competitividade entre os grêmios e os times em disputa (TOLEDO, 2000). Para valorizar a profissionalização, a Federação incentiva as competições no estado e no país. Também é de extrema importância a divulgação dos esportes em geral, e do futebol de mesa, em particular, nos meios de comunicação, como jornais e televisão, sem esquecer as novas tecnologias, como os canais Youtube, onde muitos torneios são exibidos, e as redes sociais de entretenimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da elaboração da pesquisa, vimos a união do universo masculino em torno do futebol de mesa, numa espécie de competição lúdica e competitiva, mas que luta, cada vez mais, por sua profissionalização. O estudo mostrou que, apesar de revista, a regra paraibana vem sendo mantida e consolidada em todos esses anos. Há um confronto entre a regra paraibana e outras regras existentes no Brasil, com uma forte valorização estadual e regional. Porém, apesar de outras regras (como a brasileira) ganharem espaço, não se cogita esquecer a paraibana, que parece fazer parte da tradição desse esporte no Estado, que tem bastante força e aceitação entre

os grêmios e os praticantes do futebol de mesa em toda a região. A valorização da regra paraibana pode ser observada em discursos que a defendem, tanto por ser considerada autêntica, de “dentro”, “nossa”, quanto por ser considerada mais difícil de jogar, a regra que requer uma dos jogadores mais habilidade e concentração durante toda a partida. Enfim, com os desempenhos e as tentativas de profissionalização, o futebol de mesa poderá ser reconhecido, cada vez mais, como esporte, o que se relaciona com processos globais de massificação e institucionalização esportiva no Brasil e em outras partes do mundo.

Referências BOUET, M. Signification du sport. Paris: É. Universitaires, 1968. BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. ____________. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. BROHM, Jean-Marie. Sociologie politique du sport. Paris: Jean Pierre Delage éditeur, 1976. BUTLER, J. P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003. DAMATTA, Roberto. A bola corre mais que os homens: duas copas, treze crônicas e três ensaios sobre futebol. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. FINELLI, Fábio. Futebol de botão. Arenafc. Disponível em: <http:// www.arenafc/reportagem_especial.asp>. Acesso em: 12 de mar. 2015. GUTMANN, A. From ritual to record – the nature of modern sports. New York: Columbia University Press, 1978. MAGNANI, J.G.C. O lazer na cidade. NAU Núcleo de Antropologia Urbana (NAU) / Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1994. Disponível em: <http://nau.fflch.usp.br/artigos>. Acesso em: março de 2014. STIGGER, P. M. Esportes, lazer e estilos de vida: um estudo etnográ-

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fico. Campinas - SP: Autores associados. Chancela Editorial Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, 2002 (Coleção Educação Física e Esportes).

SITES:

TOLEDO, Luiz H. de. Lógicas no futebol: dimensões simbólicas de um esporte nacional. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em Antropologia Social. USP, São Paulo, 2000.

http://www.futeboldemesanews.com.br/

VILLAR FILHO, Otto Di Cavalcante. Futebol de mesa: consolidação e socialização da regra paraibana. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais). Departamento de Ciências Sociais/CCHLA, UFPB, João Pessoa, 2009.

http://hgbotoes.com.br

WEBER, Max. Economia e sociedade, livro II. Brasília: ed. Unb, 1999.

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h t t p s : / / w w w. f a c e b o o k . c o m / p a g e s / G r % C 3 % A A m i o Pa r a h yba/545655755468674?fref=ts

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Amador Ribeiro Neto (*)

Lau Siqueira e Ademir Assunção: duas frentes da poesia brasileira hoje

RESUMO: A poesia brasileira contemporânea vive, com as facilidades de divulgação pela Internet e a mídia impressa, um momento de acentuada produção. O presente artigo, apoiando-se em teóricos consagrados da teoria da literatura, comenta dois livros lançados em 2015. O primeiro, de Lau Siqueira, gaúcho radicado na Paraíba; o segundo, de Ademir Assunção, paranaense radicado em São Paulo. Com a eleição destes dois livros recortamos o melhor do que se tem escrito em poesia no país, atualmente. Palavras-chave: Crítica de poesia; poesia brasileira contemporânea; semiótica.

ABSTRACT: Contemporary Brazilian poetry undergoes, with the help of the Internet, as well as the printed media dissemination, a moment of intense production. This article, supported by established literary theoreticians, analyses two books released in 2015. The first one, by Lau Siqueira, born in Rio Grande do Sul, now living in Paraíba; the second one, by Ademir Assunção, born in Paraná and living in São Paulo. By choosing these two books, we have pointed out some of the best poetry that has been produced in Brazil today. Keywords: Poetry criticism; Brazilian contemporary poetry; semiotics.

(*) Professor doutor Associado IV do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (CCHLA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus de João Pessoa. E-mail: amador.ribeiro@uol.com.br 88

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A LINGUAGEM DA POESIA

A produção de poesias, hoje, no Brasil, é vasta, graças às facilidades da Internet, com a criação de blogues e sites gratuitos, ou às redes sociais e, até mesmo, às várias revistas eletrônicas. Isso, se não considerarmos a publicação, a preços irrisórios, dos e-books. Mas não é somente dos meios digitais que vive essa produção e, menos ainda, das facilidades econômicas. Há suplementos literários, revistas e livros sendo publicados à mancheia. Muitos, luxuosos. E há os inúmeros prêmios de poesia, distribuídos nacionalmente. Se isso, de um lado, avassala o mercado de uma poesia de qualidade duvidosa, de outro, sabemos, é da quantidade que advém a qualidade. Por isso mesmo, nossa observação não visa recriminar a vasta produção de poesia, porquanto considera fértil essa avalancha e o debate que ela tem proporcionado na própria Internet e fora dela – achegando, inclusive, aos intramuros das universidades, por exemplo. Antes, porém, cumpre definir o aporte teórico em que nos embasamos. Sem desprezar os teóricos canonizados e devidamente importantes, mas cujas teorias encontramos presentes no pensamento dos teóricos contemporâneos – que formam o leque de informações de que nos valemos para registrar algumas considerações sobre o que é poesia – vamos nos ater a formulações de Pound, Antonio Candido, Octavio Paz, Jakobson, entre outros. Não ignoramos que toda escolha tem uma vertente bastante particular do pesquisador que a elege. Por outro lado, essa individualidade é sobremaneira importante, porque firma a assinatura do autor, sua personalidade e sua postura singular. Antecipadamente, esclarecemos que o lugar da voz deste pesquisador é a de um pensamento semiótico – como abrangência de códigos e intercódigos, de linguagens e interlinguagens, de signos e intersignos – que contextualiza a obra, histórica e socialmente, e que deposita na abordagem estética a essência do juízo de avaliação crítica da obra em questão. Nesse caso, a poesia de dois poetas brasileiros contemporâneos: o gaúcho radicado na Paraíba, Lau Siqueira, e o paranaense, radicado em São Paulo, Ademir Assunção. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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Antonio Candido (2011), em brilhante estudo, depois de concluir que a análise estética precede quaisquer outras considerações, reconhece que, só então, considerando-se essa postura, pode-se a avaliar melhor a relação entre a obra e o ambiente – e a avaliar-se a obra em si. Historicamente, no âmbito da crítica literária, foi usual dar-se importância a uma obra a partir de sua vinculação com a realidade; tempos depois, passou-se para valorizar a estrutura pura e simples da obra artística. Sabe-se que é entendendo a obra de arte como “texto e contexto”, numa interpretação dialética entre a realidade e a produção de linguagem, que se apreende sua integridade (CANDIDO, 2011). Então, prossegue Candido, o social (o externo) “não importa como causa nem como significado, mas como elemento que desempenha certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno” (Id.: 47). Assim, ao lado de Candido, valemo-nos de Roman Jakobson, para quem “a função poética projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação” (JAKOBSON, 2010, p. 130). E continua: “A equivalência é promovida à condição de recurso constitutivo da sequência” (JAKOBSON, id., ib.). Depois de observar que tal procedimento da função poética pode assemelhar-se ao da metalinguagem, esclarece: “poesia e metalinguagem, todavia, estão em oposição diametral entre si; em metalinguagem, a sequência é usada para construir uma equação, ao passo que, em poesia, é usada para construir uma sequência”. E conclui: Em poesia, e, em certa medida, nas manifestações latentes da função poética, sequências delimitadas por fronteiras de palavra se tornam mensuráveis, quer sejam sentidas como isocrônicas ou graduais (JAKOBSON, Id. ib.).

Para Pound, “a literatura não existe no vácuo. Os escritores, como tais, têm uma função social definida, exatamente proporcional à sua competência como ESCRITORES” (POUND, 2015, p. 36; grifo do autor). Ele considera a poesia como “a mais condensada forma de expressão verbal” (POUND, Id.: 40). Essa condensação se dá no poema, basicamente, de três modos: fanopeia (predomínio da imagem), melopeia (predomínio da musicalidade) e logopeia (predomínio das ideias). Como literatura, é “linguagem 89


carregada de significado” (POUND, Id.: 32), pois “literatura é novidade que PERMANECE novidade” (POUND. Id.: 33, caixa alta do autor) e “linguagem carregada de significado até o máximo grau possível” (POUND, Id.: 36). Nas palavras de Octavio Paz, a criação poética tem início como violência sobre a linguagem. O primeiro ato dessa operação consiste no desarraigamento das palavras. O poeta as arranca de suas conexões e misteres habituais: separados do mundo informe da fala, os vocábulos se tornam únicos, como se tivessem acabado de nascer. O segundo ato é o regresso da palavra: o poema se transforma em objeto de participação (PAZ, 2012, p.46).

Em outra passagem, ele pondera de forma metapoética: “A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza (...). A poesia revela esse mundo; cria outro” (PAZ, Id.: 21). Mergulhado nessa subjetividade, o poeta vê o mundo com outros olhos. E isso maravilha o leitor, o estudioso de poesia e o pesquisador. Esse é o desafio de sempre se aventurar por caminhos ainda não percorridos. Diante de um poema, todos nos sentimos como se voltássemos à estaca zero. Pensamos por um momento: e agora, por onde começar a análise, a interpretação? Isso porque nos damos conta de que não bastam as teorias e os métodos usuais de abordagem. Cada poema traz consigo sua própria gramática (cf. PIGNATARI, 2006). Para o poeta semioticista, “o poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e recriando a linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo” (PIGNATARI, 2006: 11). Na visão de T.S. Eliot, que confessa jamais reler quaisquer de seus textos devido ao desconforto que eles lhe provocam, (...) os textos críticos dos poetas (...) devem em grande parte seu interesse ao fato de que o poeta, no fundo de sua mente, quando não com o propósito confesso, está sempre tentando o gênero de poesia que escreve, ou formular o gênero que gostaria de escrever (ELIOT, 1991: 38).

Donde se conclui que as dimensões de crítico e ensaísta, quando afloram no poeta, estão a 90

serviço da poesia dele mesmo: quer para reafirmá-la, quer para ser o que deseja que ela o seja. Assim, perguntamo-nos: os escritos crítico-ensaísticos dos poetas seriam modos narcísicos de disfarçar sua vaidade pessoal ou a única maneira possível de se exercer a crítica e a poesia, quando produzidas pelo mesmo autor e poeta? Todo poeta, ao produzir sua poesia, não desempenha seu lado metacrítico? A poesia, como consciência de linguagem, não é uma forma de crítica? Pound (1991, p. 10) assevera que “a crítica não constitui uma circunscrição ou um conjunto de proibições. Ela fornece pontos de partida”. Os pontos de partida são as senhas de entrada na obra, que são decifradas pelo leitor num ato de cumplicidade com o texto. Essa parceria o tira da passividade e o investe da qualidade de coautor. Esse é um dos prazeres que a crítica dá a quem se lança ao seu mundo. Por essa razão, o ato de ler crítica (e o mesmo vale para o ato de ler poesia) é um dos maiores prazeres de um leitor. Prazer que Borges confirma quando diz: “Dediquei a maior parte de minha vida à literatura”. E ele estava “perto dos setenta [anos]” quando fez tal afirmação (BORGES, 2000, p. 10). O mesmo Borges continua: “E a vida, tenho certeza, é feita de poesia. A poesia não é alheia – a poesia (...) está logo ali, à espreita. Pode saltar sobre nós a qualquer instante” (Id, ib.: 11). Eis o encantamento de que fala Paz (2012, p. 46), citado acima: a poesia como cerne da vida cotidiana, como materialidade da palavra e da vida e como provedora de utopias. E não foi esse o medo de Platão diante dos poetas? Medo de suas utopias arraigadas até o último fio de cabelo da linguagem. Por isso expulsou-os da sua República (Cf. PLATÃO, 2006). A utopia é uma arma quente. Mas, para além dela, há uma importante e singular reflexão: Sem perspectiva utópica, o movimento de vanguarda perde o seu sentido. Nessa acepção, a poesia viável do presente é uma poesia de pós-vanguarda, não porque seja pós-moderna ou antimoderna, mas porque é pós-utópica. Ao projeto totalizador da vanguarda, que, no limite, só a utopia redentora pode sustentar, sucede a pluralização das poéticas possíveis. Ao princípio-esperança, voltado para o futuro, sucede o princípio-realidade, fundamento ancorado no presente. (CAMPOS, 1997, p. 268 - grifos do autor). Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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“Por isso”, conclui o poeta, ensaísta e tradutor, Haroldo de Campos, a poesia ‘pós-utópica’ do presente (...) tem, como poesia da agoridade, um dispositivo crítico indispensável na operação tradutória. O tradutor, como diz Novalis, ‘é o poeta do poeta’, o poeta da poesia. (Id.: 269).

Campos cita Novalis, e nós sabemos que um tradutor-poeta entende outro poeta porque, para ambos, a linguagem é a matéria concreta em questão. Vivemos, hoje, uma multiplicidade de expressões poéticas. Nessa perspectiva, cada (bom) poeta assume sua singularidade, ao mesmo tempo em que se une aos demais em diálogo contínuo. O vigor da literatura fez com que o poeta Konstantinos Kaváfis afirmasse: “Minha fraqueza – ou minha força, na suposição de que o trabalho artístico tenha valor, – está em eu não poder abdicar da literatura, ou melhor, da voluptuosa agitation da imaginação” (KAVÁFIS, 1998, p. 27 - grifo do autor). O poeta e o ficcionista vivem da imaginação. Em outro momento desse mesmo livro, Kaváfis duvida da veracidade de certos poemas seus, que retratam situações que ele não vivera. No final, conclui, de forma interrogativa: “Não mente sempre a arte /E não é quando mente mais que ela se revela mais criativa? (...) No momento em que os escrevia [os poemas], não estava eu imbuído de sinceridade artística?” (Id, ib..: 25). Todavia, a imaginação e a sensibilidade do poeta só se materializam em poesia quando ele tem o poder de converter a funcionalidade comunicativa direta da palavra em um trabalho de sons e significados. Esse trabalho com a linguagem nasce do conhecimento da poesia feita até então, da leitura de teorias da poesia e do poder pessoal de observar o mundo. Conhecer os elementos constitutivos do poema e dominar as várias figuras de linguagem não faz um versificador poeta. E mesmo o domínio do verbal deve estar vinculado às peripécias que tornam o poeta “um fingidor”. Para tanto, ele deve conhecer os meios de expressão – verbais e não verbais – para adentrar o universo do poético. Vários poetas têm se destacado em nosso país, somente neste século. A lista é extensíssima e não vale a pena, sequer, citar alguns nomes. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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Seria incompleto e, por certo, feriria suscetibilidades. Por isso mesmo, vamos direto à poesia de uma poetisa cujos poemas nos propomos, ainda que incipientemente, a comentar.

SENTIMENTO, COTIDIANO, LINGUAGEM

No silêncio de seus versos, na calmaria de sua poesia, Lau Siqueira vem dando nova feição à cena brasileira. Ele atua de soslaio, na contracorrente da onda que morre na praia. Como quem nada quer – e tudo faz – está redimensionando nossa poesia com temas cotidianos e prazerosos – quer seja: mundanos. E um jeito de corpo com a palavra que a desnuda e obscurece ao mesmo tempo. Cria uma linguagem da vida nua e crua. Sem pele. Pano sobre a carne, que explode em epifanias e alumbramentos. Em Livro arbítrio (SIQUEIRA, 2015), desde o título, Lau Siqueira sinaliza para duas linhas principais de sua poesia nesse volume: o uso de trocadilhos e a liberdade de experimentar. E experimenta a linguagem partindo de novas e de tradicionais formas poéticas. E toma a vida com outro olhar – o de quem está dentro, mas sabe viver fora. Daquele que habita aqui, mas respira mais além. Por isso anuncia: “viver é voar / até sumir”. Opera sempre com a leveza de quem não tem pressa. De quem se move na companhia de poetas consagrados, ao mesmo tempo em que está inserido no tutano da produção de nossa poética contemporânea. Ao usar os trocadilhos, um dos recursos que remontam à Antiguidade Clássica, Lau ratifica uma das colunas dorsais de toda a sua poética até agora: lançar os dados das palavras, dos sons e das ideias, numa ciranda de eterno retorno e de eterna busca em espiral. A imagem do círculo e a da curva em espiral, associadas à da elipse, compõem a trindade geométrica de sua dicção. Condensada. Singular. Significativa. Ele recicla os trocadilhos com fina inventividade. Desinstala o leitor e revitaliza o poema através da desestruturação das percepções usuais. Eis uma das delícias de sua poesia: a iluminação, da qual vislumbramos um tisco, no entanto tem em nós a plenitude. Quando experimenta a partir de formas fixas – como o soneto e 91


o haicai – e quando lança mão do poema longo, como fizera apenas em Texto sentido (2007), o poeta embrenha-se numa selva selvaggia traiçoeira, revolve os modelos consagrados – ou o jeito engessado – e embrenha-se num modo que ainda não explorara. Ao visitar tais formas, o poeta maravilha o leitor com a beleza do amor dentro da saudade. Tomemos seu soneto. Predominantemente decassílabo, o poeta desafina o ramerrão da escansão ao inserir versos octossilábicos e um alexandrino. Assola (no sentido de invadir e pôr a descoberto) a forma tradicional, tornando-a mais próxima do texto poético: a “escala geométrica” trinca-se em “portas incertas”, já que pontua o eu lírico: “não tenho sensações que possam / medir esse jeito esquisito”. É assim que o poema comenta, isomorficamente, o que diz. Isso significa que a forma e o fundo estão em interação recíproca e verticalizada. O que se afirma é ratificado pelo modo como é feito. As quebras de expectativas (da vida) associam-se às quebras (das formas) do soneto. Na mesma esteira – acreditamos - o poema intitulado “Nervos devassos” reincorpora/remete/recicla o título (e o tema) da canção “Nervos de aço”, do amoroso imprescindível Lupicínio Rodrigues. Ao lançar mão de outra forma fixa, a dos haicais, que a modéstia do poeta nomeia de “tercetos”, os jogos verbo-visuais e sonoros incorporam, à perfeição, a síntese temática e tropicalizada desse jeito oriental de fazer poesia. A homenagem a Alice Ruiz revisita e lança nova luz sobre a rica produção desse poeta. Ao nos referirmos a Alice Ruiz, lembramonos dos versos “quando eu tiver setenta anos / então vai acabar essa adolescência...”, de Paulo Leminski. No poema “Black bloc”, de Lau Siqueira, a voz que fala, fala do mesmo megafone do polaco-curitibano: “rebeldia / não tem idade // aos vinte / joguei pedra / na lua // aos cinquenta / desafio a lei / da gravidade”. O mestre foi revisitado no protesto, na malandragem, no amor, em golfadas de grafite certeiro. Nos outros poemas curtos, o trocadilho vem associado, não raro, ao chiste. Aquele do riso entre lábios e que satisfaz até a alma. Em “Filosofree”, que abre o volume, já se vislumbra seu projeto: “dialogar / com o vento // mesmo / sem ar // eu tento”. O eu lírico é aquele que busca, nos quatro cantos, a leveza e a oxigenação dos 92

ambientes. A vida sem amarras e sem limites. Ele quer tudo leve e ventilado. Daí, “dialogAR” “mesmo sem AR”. PoetizAR nos atos de inspirAR e expirAR. Nos poemas discursivos, que se caracterizam pela modalidade logopaica da linguagem – seja pela exposição de ideias, pelo procedimento caro ao barroco, ao neoclassicismo ou ao romantismo, por exemplo – Lau não teme bater de frente numa fronteira delicada: a do didatismo, primo-irmão da poesia panfletária. Tal como fez ao se valer dos trocadilhos, aqui também ele dá asas às ideias, sem trincar o cristal do poema. Esses poemas longos vêm marcados, via de regra, pela memória familiar – tinta de dor. O sofrimento, no entanto, não imobiliza. Antes, impulsiona as asas do voo “em busca da melhor / ventania”. E o vento, dentro do poema, mimetiza-se no corte sintático que desloca o objeto direto para voar sozinho no penúltimo verso de “Cerro da pólvora”. Vale conferir. Objeto identificado, mas inusitado. Em “Silêncio”, a dor imiscui-se no ritmo drummondiano e “engasga / num desaguadouro / de lágrima contida”. Não há vazão. Há retenção. O poeta abisma-se na perda da própria irmã. O que dizer diante do inexprimível? Exprimir-se, parcimoniosamente. Em “Silhuetas do hábito”, a dor atravessa o mundo “em pelo. No lombo redomão”. A vida segue ao arrepio da memória infantil. Dentro dos pampas. No galope dos cavalos indomáveis. Eis, sucintamente, dois (entre outros) modos poéticos desse livro pleno de miríades & de filigranas – que se oferece como requintada e nobre ourivesaria. Lau é o feliz proprietário de uma poesia que nos toma de baixo ao alto – de assalto. Reverte nossa percepção. Põe-na chão abaixo. Toma posse de nós. E, por fim, depois da epifania, leva-nos ao alumbramento do cavalo de terreiro. Domina a linguagem poética per se, bem como a emoção que tatua na pele do leitor. Sua linguagem é entretecida na resistência à mesmice, à pasmaceira, às facilidades de parte expressiva da poesia de hoje. Ela é expressão do ser, da coisa, do sentimento, do lugar, do amor, da reflexão. Esse modo de tomar a palavra e (con)vertê -la em poesia – como se tudo ocorresse de forma natural, espontânea, impensada – é outra marca Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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fundante do poeta. Com sua escrita mansa, Lau desconstrói a sintaxe contaminada e contagiosa. Toma a língua submissa e domesticada, torcendo-lhe em raios e chuvas imprevistos. Tudo com a leveza e o entretenimento dos jogos brincantes de sons e sentidos. Sua poesia sabe fazer o leitor feliz. Esta parece ser sua cartografia: mapear campos e espaços, domínios e fronteiras da palavra, como compêndio de revolução, alumbramento, livre arbítrio – e Livro arbítrio.

ZEN, REFLEXÃO, LINGUAGEM

Em 1966, Pedro Xisto, ao criar um poema visual composto por um retângulo dividido em três quadrados iguais, e ao subdividir cada quadrado em duas metades exatas, criou o poema intitulado “Zen”. A harmonia das formas, a simplicidade das linhas, todas unicamente retas, o vocábulo que se dissimula muito bem entre as formas geométricas, tudo leva o leitor a se sentir em um universo de equilíbrio e harmonia. Ao ler Até nenhum lugar (ASSUNÇÃO, 2015), o leitor é tomado por uma sensação muito próxima do mundo zen: ele sente-se sublime. Mais do que isso: sente-se inspirado. E como já observou Paul Valéry (1984), a grande sacada de um poeta não é ele ser inspirado, mas fazer o leitor sentir-se como tal. Intento que Ademir Assunção consegue fazê-lo com a simplicidade e a beleza de uma flor de lótus. Seus poemas são flashes da vida cotidiana, observações de sentimentos trazidos pela memória ou provocados por alguma cena presente. A praia, uma borboleta, o sentimento do amor – tudo é matéria livre, leve e solta para tercetos (na quase maioria) desse poeta que, em livros anteriores, soube ser arrojado nos temas e expansivo no verbo. E aqui nos surge contido, reservado, como a dizer: “Eu faço o que quero, quando quero, do jeito que quero”. E, por sorte do leitor, ele sempre faz grande poesia. Eis um dos encantos de Até nenhum lugar: desde o título evanescente, que pressupõe um deslocamento, uma viagem, em que o caminhar é mais determinante do que a chegada a algum lugar, temos um livro-baú. Melhor: um livro-valise, que entrega e descerra um manto de delicadezas ao leitor. Um livro feito da matéria mais sutil do cotidiano. Nada de nonsense. Nenhuma cena deConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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molidora. Nada de delírios nem dilaceramentos. Nenhuma tragédia. Nenhuma comédia. Muita vida. Toda a vida com seu leque de abrangências em aberto, vibrando ventos, brisas, neblinas. Um livro feito de filigranas finamente entrelaçadas umas nas outras. Peças de minuciosa e diminuta ourivesaria, versando poesia sobre o mais corriqueiro cotidiano. Tudo luz, música, silêncio, marujar de águas. Cada poema une-se ao seguinte numa sequência natural como – valho-me e imagens presentes no livro – a água em cascata. O reflexo do sol no mar. A lua expulsando a escuridão da casa. O céu sertanejo, pleno de claridade estonteante. Ademir Assunção escreve sobre o déjà vu do mundo, mas sob outra ótica: a que o revela por dentro, desde as entranhas. Uma revelação que se processa pela pauta da música. Afinal, ela é a força motriz desse livro. Cada poema apresenta-se como uma canção na dança das palavras entre sentir e fazer sentir – entre sentido e fazer sentido. Som na caixa. As sonoridades dissipamse entre versos sustenidos nas claves desse livro. Não resta dúvida de que o leitor está diante de um livro-canção, soprado por Anfion. Não é por acaso que o primeiro verso de um dos haicais enuncia: “muralha de pedra”. Na mitologia, Anfion, ao tocar sua flauta, fez com as pedras erguessem, por si mesmas, a muralha de Tebas. A poesia de Ademir Assunção constrói, palavra a palavra, ora um muro, ora uma cascata. O sólido e o líquido tornam-se evanescentes como a leveza da flor neblina na asa da borboleta. Falando em leveza, o livro inicia-se com um poema à la Leminski. Ademir adentra a linguagem leminskiana para cair fora dela e gerar seu próprio poema. Dialoga com o polaco curitibano, mas com uma dicção própria. A constatação da presença de quem “já não existe” é apresentada em versos que intercalam rimas toantes abertas e fechadas com rimas consoantes. Nesse vaivém rítmico de música e antimúsica, a interrogação final projeta o poema para o infinito. E o leitor sente-se imerso nas muitas galáxias que são a vida e a linguagem de Leminski. A natureza, referência primeira do mundo zen e espinha dorsal dos haicais, está presente numa gama semântica que repete alguns vocábulos três ou quatro vezes ao longo do livro. E integra todos eles o universo da natureza: sol, lua, noite, dia, água, chuva, vento, cascata, neblina, 93


tempo. Outros, como mar, praia, nuvens, tarde, outono e borboleta, aparecem duas vezes. O poema habita o poeta que, por sua vez, tematiza a vida pela via da linguagem. Há um despojamento do eu que o lança “num tempo sem tempo / na praia deserta / só eu e o vento”. O mesmo vento que, no fim da festa, “entra pelas frestas”, num mo(vi)mento anagramático que adentra os versos e é iconizado pelo deslocamento do segundo verso, que se projeta para fora do haicai, (vent)iland(o) o poema. Mesmo morrer, nessa poesia, é nobre. E é limítrofe a nascer. Em “Filme mudo”, o poeta parece dialogar com Haroldo de Campos de “nascemorre”. Enquanto o poema concreto opera o par vida-morte, em uma mescla que germina um no outro visualmente, as duas estrofes de Ademir, um terceto e um dístico, operam o yin e yang na delicadeza absoluta de “Casulo na neblina”, cuja imagem se rarefaz minuciosamente em “Fina teia azulada”, para depois anunciar o “primeiro e último // voo / da borboleta”. Os enquadramentos cinematográficos vão do close ao super close e, depois, abrem-se em plano médio que, ao invés de dar amplitude à ação, tolhem-na para compor a cena “muda” da morte. Na canção, “Outras palavras”, Caetano, dialogando com o poema “Vidavid”, de Augusto de Campos, cria o neologismo “ciumortevida”. Tema e forma reaproximam e reciclam-se via língua(gem). Ademir, Haroldo, Augusto e Caetano encontram-se no instigante enigma da vidamorte, da mortevida. Na mesma esteira, e antes de todos, o Cabral de Morte e vida severina. “Viver é negócio muito perigoso”, diz o narrador de Grande sertão: veredas. Mas é gostoso, parece completar Ademir Assunção, com seus poemas. A borboleta, suas asas e o outono estão presentes em “o sol / dissolve / o orvalho”, em que o “olho” entranha-se em OrvaLHO, e o “sol” em disSOLve. A fragilidade do orvalho na asa da borboleta encontra na finesse da linguagem poética o objeto representado como matéria concreta. Dentro do mundo urbano, o vocábulo casa aparece duas vezes. Na primeira, relacionado à natureza: “a lua invade a casa” para iluminá-la. Na segunda, como espaço indefinido na geografia do mundo: “tão longe, tão perto / onde fica minha casa?”. Se o eu lírico desconhece o lugar onde fica sua casa, é porque sabe que, depois de “caminhar / tantas luas tantos sóis”, ele vai dar em “nenhum 94

lugar”. Não há lugar certo, fixo, determinado para o caminhante zen. Seu lugar é o não lugar. O tempo, todos os tempos. Já o termo cidade só aparece uma vez. E mesmo assim, citado obliquamente, através da metonímia: “pés miúdos (...) / as crianças / dobram a esquina”. Há resquícios de civilização em “asfalto molhado”, mas logo vem o que interessa de fato: a natureza: “um rouxinol / cantando na chuva”. No entanto, o eu lírico desse livro é um solitário. Sua companhia só na aparência é a natureza. No fundo, ele é um exilado que só encontra abrigo na linguagem. Ela é sua parada. Seu lance. Seu muro. Seu dado. Há referências a Bashô, tanto em temas quanto nos modos de formular certos haicais. Como há conversas entrelaçadas com poemas de haicaístas contemporâneos. Todavia, opto por me ater aos poemas em si. Deixo para o leitor o deleite de traçar essas teias de tramas apaixonantes. É genial o “a-e-i-o-u” do poema “Limpeza todo dia:”, no qual os dois pontos apontam para o disseminar e o reunir, no último verso, de vocábulos com essas vogais, que se configuram como sendo “o perfume da vida” e do poema. Lembrome de Leminski apontando para o “a-b-c” no verso inicial do poema “Antífona”, de Cruz e Sousa. Os poetas embebedam-se uns dos outros, uns nos outros. Não há tempo e espaço na dimensão da poesia. Nem do zen. E quando um poeta junta as duas linguagens, temos maré, onda, praia e mar de armações ilimitadas. Em “Cachorro tão magro”, a beleza do haicai veste-se da indumentária de um neocaligrama. Assim, veem-se o cão e seu rabo, num desenho mágico de palavras e espaços. Em “Lance de dedos” (há apenas dois poemas intitulados em todo o livro, e esse é um deles), Mallarmé aparece erotizado num vaivém de humor e alumbramento. Monossílabos e dissílabos reverberam ritmos alternados uns nos outros. Cópula de corpos e palavras. Até nenhum lugar: jogo entre a presença e a ausência. O estar e o desaparecer. O ser e o não ser. Poesia. Música. Zen. Tudo ao mesmo tempo. De agora até o futuro presumido. Para sempre: “poezen”.

AO MODO CONCLUSIVO

A poesia de Lau Siqueira e a de Ademir Assunção estão entranhadas das coisas da vida, Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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do cotidiano, das pessoas. Elas fazem dos sentimentos, da observação, da reflexão e dos jogos de linguagem um modo especial de se situar na realidade concreta, transcendendo-a pela linguagem das imagens, das ideias, das sonoridades dos vocábulos. Ambos são arquitetos do sentimento mais sublime, da inteligência mais aguda, construindo a poesia no território do inusitado. Um gesto colhido sob a mais aguda recolha. Uma interjei-

ção apenas sugerida, mas grávida de possibilidades. Um aceno nas asas da palavra, para o voo mais longínquo e certo da arribação. Poesia de sonho e carne, pedra e emoção. Ambos são poetas que vêm dizer que o Século XXI, mesmo com tantos desmandos, da ecologia à economia, passando pela política, ainda é digno de muita poesia. Por isso continuam produzindo uma poesia à base de pau, pedra, corações e mentes libertários.

Referências ASSUNÇÃO, Ademir. Até nenhum lugar. São Paulo: Patuá, 2015. BORGES, J. L. Esse ofício do verso. Trad. José Marques Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Ari Roitman e Paulina Wacht. São Paulo: Cosac Naify, 2012. PIGNATARI, Décio. O que é comunicação poética. 9ª. ed. S. Paulo: Ateliê Editorial. 2006.

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PLATÃO. A República. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva. (Col. Textos, v. 19), 2006.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 12ª ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011.

POUND, Ezra. ABC da literatura. 12. ed. Tradução de Augusto de Campos. São Paulo: Cultrix. 2015.

JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. 22ª ed. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2010.

SIQUEIRA, Lau. Livro arbítrio. Porto Alegre: Casa Verde, 2015.

KAVÁFIS, Konstantinos. Reflexões sobre poesia e ética. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Ática, 1998. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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VALÉRY, Paul. Dos Cadernos de Valéry. In: ______ A serpente e o pensar. Trad. Augusto de Campos. S. Paulo: Brasiliense, 1984, p. 71-99. 95


José da Paz Oliveira Alvarenga (*) Wellando Wilk Nunes de Andrade (**)

Estágio Regional Interprofissional no Sistema Único de Saúde (ERIP-SUS). A Interdisciplinaridade no Processo de Formação em Saúde na UFPB

RESUMO O Estágio Regional Interprofissional no Sistema Único de Saúde (ERIP-SUS) representa uma prática acadêmica com o desenvolvimento de estratégias e ações contribuem para um processo de formação multiprofissional e interdisciplinar, possibilitando aos discentes a capacidade de análises e reflexões críticas sobre problemas vivenciados pela população, de modo que, os mesmos possam intervir efetivamente na realidade cotidiana do trabalho em saúde. O presente artigo resulta de uma pesquisa que teve por objetivo analisar as ações e experiências de acadêmicos de cursos de graduação em saúde da Universidade Federal da Paraíba, sobre o processo de formação interdisciplinar vivenciado durante a realização do Estágio Regional Interprofissional no SUS (ERIP-SUS), no âmbito da Atenção Básica em Saúde, junto à Estratégia Saúde da Família, em diferentes municípios do estado da Paraíba. A pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa, tendo como sujeitos de investigação, graduandos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Odontologia e Nutrição. Durante o processo de investigação, a coleta do material empírico foi realizada utilizando-se um roteiro de entrevista semiestruturada, oferecendo-se aos sujeitos pesquisados a possibilidade de responder espontaneamente às questões sobre: a importância do ERIP-SUS, para a prática interdisciplinar no processo de formação em saúde; as ações interdisciplinares desenvolvidas no ERIP-SUS; e sobre os desafios da interdisciplinaridade para equipe multiprofissional em saúde.Foram respeitados os preceitos éticos e legais de acordo com o que preconiza a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Ética e Pesquisa– CONEP do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012). As informações obtidas foram analisadas, a partir da utilização da técnica do Discurso do Sujeito

(*) Enfermeiro/Docente. Mestre pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Prof. Adjunto do Depart. de Enfermagem Clínica do Centro de Ciências da Saúde da UFPB. Coordenador do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/CCS/UFPB). Coordenador do Projeto Promoção da Saúde em Comunidades com Ênfase na Estratégia Saúde da Família: uma iniciativa interdisciplinar e multiprofissional. ViceCoordenador do Programa Mais Saúde na Comunidade (PROEXT/PROBEX/PRAC/UFPB). Membro do Estágio Regional Interprofissional no SUS (ERIP-SUS/CCS/UFPB). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Adm. e Informática em Saúde.João Pessoa - PB. E-mail: alvarengajose@yahoo.com.br (**) Acadêmico do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba – UFPB; pesquisador do Programa Institucional de Voluntários de Iniciação Científica (PIVIC/CNPQ/UFPB); estagiário do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/CCS/UFPB); extensionista do Programa de Bolsas de Extensão - Projeto Promoção da Saúde em Comunidades com Ênfase na Estratégia Saúde da Família: uma iniciativa interdisciplinar e multiprofissional (PROBEX/PRAC/UFPB). João Pessoa - PB. E-mail: wellando_88@hotmail.com 96

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Coletivo (DSC) dos sujeitos pesquisados, fundamentando-se em Lefèvre, (2003). Os discentes participantes do estudo reconhecem o ERIP-SUS, como um espaço de formação em saúde, com oportunidades para o desenvolvimento de ações multiprofissionais e interdisciplinares; no entendimento dos pesquisadores, este reconhecimento reflete positividade no processo de ensino-aprendizagem na formação dos profissionais de saúde na instituição pesquisada. Palavras-chave: Estágios; Educação em Saúde; Sistema Único de Saúde; Estratégia Saúde da Família; AtençãoPrimária à Saúde.

ABSTRACT The Regional Inter-professional academic internship at the Health Unified System (ERIP-SUS), represents an academic practice with the development of strategies and actions that contribute to an interdisciplinary, multi-professional formation process, making it possible for students to analyze and critically reflect on problems faced by the population, so that they can effectively interfere with daily facts of health work. This article results from a research that had the aim to analyze actions and experiences of graduating students in the Health Sciences at the Federal University of Paraiba. It deals with the interdisciplinary formation process during the Regional Inter-professional Internship at SUS (ERIP-SUS), in the realm of Primary Health Care, concerning the Family Health Strategy, in diverse municipalities in the Paraiba State. The research has a qualitative characteristic approach and has as subjects of investigation, graduating students of Nursing, Pharmacy, Physiotherapy, Dentistry and Nutrition. During the process of investigation, empirical material collection was done by using a semi-structured interview guideline, and offering the researched subjects the possibility to spontaneously answer questions on: the importance of ERIP-SUS for the interdisciplinary practice in the health formation process; interdisciplinary actions developed at ERIP-SUS; and challenges of interdisciplinarity for the multiprofessional health team. Both legal and ethical norms were respected, according to Resolution n° 466/12 of the National Ethics and Research Council (CONEP) of Ministry of Health Department (BRASIL, 2012). The acquired information was analyzed, based on the Collective Subject Discourse technique (DSC) of the researched subjects, according to Lefèvre (2003). The participating students recognize the ERIP-SUS as a health formation center, providing for opportunities with a view to the development of multi-professional and interdisciplinary actions; and according to researchers, this acknowledgement reflects positively in the teaching-learning process, in the formation of health professionals of the researched institution. Keywords: Internship; The Health Sciences Education; Unified Health System; Family Health Strategy; Primary Health Care.

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1. INTRODUÇÃO

O Estágio Regional Interprofissional no Sistema Único de Saúde (ERIP-SUS) representa uma prática acadêmica que se propõe a desenvolver estratégias e ações que contribuam para um processo de formação interdisciplinar que estimule os discentes a desenvolverem sua capacidade de analisar os problemas vivenciados pela população e refletir criticamente sobre eles, para que possam intervir efetivamente na realidade cotidiana do trabalho em saúde. É importante ressaltar que o ERIP-SUS corresponde ao Estágio Rural Integrado (ERI), assim denominado quando instituído no processo de formação profissional em saúde na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 1979, conforme a Resolução nº 284/79 do Conselho Universitário CONSUNI, Capítulo VIII, art. 25, parágrafo 1º, 2º, 3º e4º, e artigos 26 a 28; além do inciso 1 do artigo 2º (que trata da classificação) e do artigo 3º (que trata da obrigatoriedade) da Resolução 09/79 do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE (UFPB, 1979a; UFPB, 1979b). O ERI, atualmente denominado de ERIPSUS, “tem uma história que se confunde com a própria história das ações de saúde implantadas no estado da Paraíba. O apoio irrestrito ao Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), na tentativa de regionalizar a assistência de saúde, não foi menos importante do que a contribuição ao Programa das Ações Integradas de Saúde (AIS), que colaborou fortemente para o planejamento das ações de saúde locais, tendo praticamente iniciado, no âmbito da Paraíba, o processo de planejamento local, buscando a participação da sociedade civil” (SILVA, 2003; SILVA; SILVA, 2006a; 2006b). Esse estágio objetiva proporcionar aos acadêmicos da área de saúde da UFPB vivências com a realidade social, articulando os conhecimentos científicos com as práticas sociais; possibilitar uma postura crítica em relação às políticas de saúde do país e em nível local, no que se refere aos princípios e às diretrizes do SUS; desenvolver uma formação multiprofissional e interdisciplinar de atenção à saúde que propicie, além da interiorização de recursos humanos, uma prática de integralidade da atenção, considerando as 98

prioridades em saúde definidas pelo Plano Municipal de Saúde local’, e garantir o compromisso político-social da universidade com a comunidade, para atender às demandas sociais, através de seu envolvimento com as diferentes realidades, integrando o ensino com o serviço e servindo de instrumento redefinidor das práticas pedagógicas, inclusive no campo da pesquisa e da extensão (UFPB, 2005). São diretrizes do ERIP-SUS: reconhecer a saúde como um direito de cidadania e que expressa a qualidade de vida; adotar uma abordagem que esteja centrada na família e em seu espaço social como núcleo básico de atenção à saúde; democratizar o conhecimento do processo saúde-doença, a organização dos serviços e a produção da saúde; intervir nos fatores de riscos aos quais a população está exposta; promover uma atenção integral, contínua e de boa qualidade na atenção básica de saúde para a população; humanizar as práticas de saúde e promover a satisfação do usuário através do estreito relacionamento da equipe de saúde com a comunidade e estimular a organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social em saúde e o estabelecimento de parcerias, buscando desenvolver ações intersetoriais (UFPB, 2005). Esse importante componente curricular, obrigatório para os graduandos da área de saúde da UFPB, é desenvolvido no âmbito da atenção básica em municípios do estado da Paraíba e representa um braço vivo da UFPB, no que concerne às atividades de saúde extramuros. Portanto, é um importante elo entre a Universidade, os Serviços de Saúde e as Comunidades onde se inserem (SILVA, 2003). No contexto atual, esse programa de estágio participa, junto com o SUS, da execução direta das ações e dos serviços de saúde de abrangência municipal, tanto no contexto da gestão, quanto da atenção em saúde, de acordo com a Estratégia Saúde da Família. O ERIP-SUS se fundamenta a partir da concepção de uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar e busca atender ao objetivo das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Saúde, cuja finalidade é de levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento, para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, à família e à comunidade, conforme o Parecer do CNE/ CES nº104/2002 (BRASIL, 2002).

Concordamos com Albuquerque (2008), ao destacar que o processo educacional, na formação dos profissionais de saúde, deve ter em vista o desenvolvimento de capacidades gerais (identificadas com a grande área da saúde) e das que constituem as especificidades de cada profissão. Entretanto todo processo educacional deveria ser capaz de desenvolver as condições para o trabalho em conjunto dos profissionais da área de saúde e de valorizar a necessária interdisciplinaridade para a composição de uma atenção que se desloque do eixo — recortado e reduzido — corporativo-centrado, para o eixo — plural e complexo — usuário-centrado. A interdisciplinaridade representa a interação entre duas ou mais disciplinas. Essa interação se reflete na integração de conceitos-chave, na epistemologia e na organização da pesquisa e do ensino (SAAR, 2007). Entendemos que é necessário, cada vez mais, criar, valorizar, desenvolver e fortalecer programas e/ou componentes curriculares que colaborem para a implementação de estratégias e ações interdisciplinares por meio das quais se possam resolver as demandas de saúde da população no contexto atual do Sistema de Saúde Brasileiro. Este artigo adveio do desenvolvimento de uma pesquisa que se justifica pela necessidade de analisar processos formativos em saúde na contemporaneidade, devido à importância, à valorização da abordagem interdisciplinar para o alcance da integralidade da atenção e à preocupação com a formação de profissionais cada vez mais comprometidos com a realidade de saúde da população e com sua transformação. Diante do exposto, o estudo objetivou analisar as ações e as experiências de acadêmicos de cursos de graduação em saúde da Universidade Federal da Paraíba sobre o processo de formação interdisciplinar vivenciado durante a realização do Estágio Regional Interprofissional no SUS (ERIP-SUS), em diferentes municípios do estado da Paraíba. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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2. PROCESSO METODOLÓGICO A pesquisa, de natureza qualitativa, teve como sujeitos de investigação graduandos dos Cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Odontologia e Nutrição. Foi desenvolvida no Estágio Regional Interprofissional do SUS, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba. Participaram da pesquisa cinco discentes - um vinculado a cada um dos cursos supracitados. Como critério de inclusão, foram selecionados os que já haviam realizado o ERIP-SUS. De acordo com Minayo (2010), em pesquisa de abordagem qualitativa, o que importa não é o critério de representatividade numérica, e o pesquisador deve preocupar-se menos com a generalização e mais com o aprofundamento, a abrangência e a diversidade do processo de compreensão, seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma representação. Durante o processo de investigação, a coleta do material empírico foi realizada utilizandose um roteiro de entrevista semiestruturada, por meio do qual os sujeitos responderam espontaneamente aos questionamentos. Esse roteiro foi elaborado envolvendo os seguintes eixos, que subsidiaram a elaboração das questões norteadoras da pesquisa: 1 - O ERIP-SUS e sua importância para a prática interdisciplinar no processo de formação em saúde; 2 - Ações interdisciplinares desenvolvidas no ERIP-SUS; 3 - Desafio da interdisciplinaridade para a equipe multiprofissional em saúde. As entrevistas foram realizadas depois de o projeto de pesquisa ter sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFPB, sob Protocolo 802/06. Foram respeitados todos os preceitos éticos e legais da pesquisa que envolve seres humanos, de acordo com o que preconiza a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Ética e Pesquisa – CONEP - do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012). As informações obtidas com as entrevistas 99


foram analisadas qualitativamente, com base no discurso do sujeito coletivo (DSC) dos sujeitos pesquisados. Para a utilização da técnica do DSC, são propostas quatro figuras metodológicas (LEFÈVRE, 2003): Ancoragem – representa a busca de traços linguísticos que identifiquem elementos teóricos, conceitos e hipóteses; Ideia central – corresponde às afirmações que permitem traduzir o essencial do conteúdo discursivo; Expressões-chave – as expressões construídas por transcrições literais a partir dos depoimentos dos entrevistados, para que se possa ter uma espécie de prova discursivo-empírica, em que se busca a coerência entre a ideia central e a ancoragem; Discurso do sujeito coletivo - aqui se busca resgatar o signo de conhecimento dos próprios discursos. Com efeito, os discursos não se anulam, mas se complementam. Assim, com base nessas figuras metodológicas, inicialmente foram transcritas na íntegra as respostas de cada uma das questões que constituíam o roteiro da entrevista. Em seguida, foram identificadas as “ideias centrais”, a partir das “expressões-chave”, que foram agrupadas; finalmente, foi construído o “discurso do sujeito coletivo,” obedecendo a uma esquematização clássica do tipo: “começo, meio e fim” ou “do mais geral para o menos geral e mais particular”. Segundo Lefèvre (2003), devem-se eliminar os particularismos de sexo, idade, eventos particulares, doenças específicas etc. Esse processo é chamado de “desparticularização”. Igualmente, são eliminadas as repetições, mas não da mesma ideia, quando expressa de modos ou com palavras ou expressões distintas ainda que semelhantes. Para a construção do discurso, utilizou-se todo o material das “expressões-chave”, que aparece em itálico, indicando que se trata de uma fala ou de um depoimento coletivo. Terminada a identificação das “ideias centrais”, das “expressões-chave” e a descrição dos discursos, são feitos os comentários, descritivamente, das informações obtidas em cada questionamento feito aos sujeitos pesquisados. 100

3. O ERIP – SUS: ESPAÇO DE FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM SAÚDE

Os resultados da pesquisa desenvolvida com os graduandos de saúde da UFPB, que vivenciaram o Estágio Regional Interprofissional no SUS (ERIP-SUS), considerando suas experiências e sentimentos durante esse processo, estão evidenciados nos quadros apresentados a seguir. As questões que norteiam os discursos do sujeito coletivo estão apresentadas como cabeçalho dos referidos quadros, os quais foram compostos de duas colunas que contêm as ideias centrais e as expressões-chave. O quadro 1 (página 101) contém as ideias centrais e as expressões-chave das respostas dos sujeitos pesquisados sobre a importância do ERIP-SUS para a prática interdisciplinar no processo de formação em saúde. As “ideais centrais” e as “expressões-chave” do discurso dos graduandos de saúde participantes da pesquisa estão fundamentadas no DSC, de acordo com Lefèvre (2003). Após a montagem do arcabouço da análise, foram descritos os comentários pertinentes ao DSC e discutidos com base na literatura relacionada à temática estudada. Sobre o questionamento em que se procurou saber qual a importância do ERIP-SUS para a prática interdisciplinar no processo de formação em saúde, foram extraídas três ideias centrais, apresentadas no quadro 1: IC–1: Interação; IC–2: Trabalho em equipe; IC–3: Troca de experiências. O DSC dos participantes do estudo, elaborado a partir das “ideias centrais”, já descritas, revela as compreensões dos estudantes estagiários sobre a importância do ERIP-SUS para a prática interdisciplinar no processo de formação em saúde e evidencia que esse estágio representa um espaço de ensino-aprendizagem que contribui para formar um perfil profissional para o trabalho em equipe. O DSC que emergiu das falas dos entrevistados expressa os seguintes entendimentos: - No ERIP-SUS, nós temos a oportunidade de interagir com os estudantes de outros cursos da saúde, de colocar em prática uma assistência interdisciplinar, e de troca de experiências. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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IDEIAS CENTRAIS – IC

EXPRESSÕES-CHAVE

IC-1: Interação

No ERIP, nós temos a oportunidade de interagir com os estudantes de outros cursos da saúde... É a oportunidade de colocar em prática o trabalho em equipe;

IC-2: Trabalho em equipe

Você passa a conviver com outros profissionais, estimulandoo trabalho em equipe; Eu acho que no ERIP-SUS, o estudante tem a oportunidade de vivenciar situações e colocar em prática o trabalho em equipe que ele não teve durante a vida acadêmica, ou seja, na Universidade. Faz com que os alunos tenham mais contato com as outrasáreas da saúde, havendo troca de experiências.

IC-3: Troca de experiências

Quadro 1 – Ideias centrais e expressões-chave dos participantes da pesquisa, em resposta ao questionamento: Qual a importância do ERIP-SUS para a prática interdisciplinar no processo de formação em saúde? Fonte: Pesquisa direta.

- Durante o estágio temos a oportunidade de colocar em prática esse trabalho em equipe. - Você passa a conviver com outros profissionais estimulando o trabalho em equipe. - Eu acho que no ERIP-SUS, o estudante tem a oportunidade de vivenciar situações e colocar em prática o trabalho em equipe, que ele não teve, durante a vida acadêmica, ou seja, na Universidade. Diante das falas dos participantes da pesquisa e fundamentando-se na literatura, percebe-se que a interdisciplinaridade investe na formação de vínculos e de laços sociais. De acordo com Prado (2006), é preciso haver uma troca de experiências entre os profissionais para que, nessa convivência, o aprendizado se configure e, com isso, uma mudança de referencial teórico prático de cada categoria profissional. Entendemos, portanto, que a experiência de trabalho em equipe e o desenvolvimento de ações interdisciplinares contribuíram para uma vivência enriquecedora em cenários de práticas da formação profissional, na área da saúde, durante o Estágio Regional Interprofissional no SUS (ERIP-SUS), como enfatiza o discurso de um dos graduandos entrevistados: “O estágio faz com que os alunos tenham mais contato com outras áreas da saúde, havendo troca de experiências”. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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Esse discurso demonstra que os estagiários do ERIP-SUS percebem a importância da interdisciplinaridade como um processo de interação entre os profissionais da área da saúde, o trabalho em equipe e a troca de experiências vivenciadas por situações práticas do cotidiano da formação e do seu espaço de profissionalização – a Universidade. As propostas de formação e de exercício do trabalho em equipe multiprofissional já são consideradas uma realidade, em nossa sociedade, para a área da saúde, portanto não cabe legitimidade a qualquer apelo contrário. Prova disso é a constância da designação do trabalho em equipe em qualquer circunstância propositiva de elevação da qualidade do trabalho e da formação em saúde. A orientação do trabalho em equipe tanto consta nas diretrizes para a formação dos profissionais da área de saúde quanto nas que são voltadas para o exercício profissional no SUS (CECCIM, 2004). Na concepção de Vilela (2003), a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa. A consolidação do SUS requer das instituições formadoras uma redefinição de novos perfis profissionais. Para isso, seus projetos pedagógicos devem ser reorientados, de modo que o processo de formação valorize a integralidade da atenção em saúde e esteja diretamente re101


lacionado à noção de equipe multiprofissional. Segundo Prado (2006), a atenção em saúde só pode ser entendida como integral se for realizada com a contribuição de profissionais com diferentes formações, conhecimentos e especialidades, para que o indivíduo seja considerado como um ser humano em sua totalidade e inserido em seu respectivo contexto social, político, econômico e cultural. A interdisciplinaridade pode ser um caminho para integrar conhecimentos e ação, bem como qualificar o agir, visando à integralida-

IDEIAS CENTRAIS – IC

de da atenção (SCHERER, et al. 2013). Gattás (2005) entende que é possível exercer a interdisciplinaridade em saúde, quando há uma proposta concreta, pessoas com perfil para esse tipo de trabalho e vontade política e organização acadêmico-administrativa que sejam favoráveis. No quadro 2, apresentam-se as “ideais centrais” e as “expressões-chave” concernentes às ações interdisciplinares desenvolvidas no ERIPSUS pelos graduandos da área de saúde participantes da pesquisa.

EXPRESSÕES-CHAVE Em todas que havia a participação em equipe, como palestras em escolas, nos postos de saúde...

IC-1: Participação da equipe

IC-2: Mais de um estagiário atuando

IC-3:Práticas interdisciplinares

Em tudo que se fazia em equipe como [...] eventos educativos com toda a comunidade. Onde havia mais de um estagiário atuando, por exemplo, [...] visita domiciliar... Em práticas interdisciplinares (visita domiciliar, [...] caminhadas).

Quadro 2 - Ideias centrais e expressões-chave dos participantes da pesquisa intitulada, em resposta ao questionamento: Em sua opinião, quais são as ações interdisciplinares desenvolvidas durante a operacionalização do ERIP-SUS? Fonte: Pesquisa direta

De acordo com os relatos dos entrevistados, a investigação sobre as ações interdisciplinares, desenvolvidas durante a operacionalização do ERIP-SUS, resultou, como mostra o quadro 2, nas seguintes ideias centrais: IC-1: Participação da equipe; IC-2: Mais de um estagiário atuando; e IC-3: Práticas interdisciplinares. A partir das expressões-chave resultantes da investigação sobre as ações interdisciplinares, foram extraídos estes DSCs: Em todas em que havia a participação da equipe como palestras em escola e nos postos de saúde, visitas domiciliares, caminhadas, programas na rádio comunitária. Onde havia mais de um estagiário atuando, por exemplo, palestras em escolas, grupo de gestantes, avaliação nutricional nas escolas, visita domiciliar, rádio comunitária. Em tudo que se fazia em equipe como pa102

lestras com idosos e gestantes, palestras em escolas, visitas domiciliares, eventos educativos com toda a comunidade. Em práticas interdisciplinares (visita domiciliar, visita em escolas, palestras, caminhadas). Nas entrevistas realizadas com os sujeitos, foi possível observar que, através das palestras, das visitas domiciliares, das caminhadas e dos grupos educativos, acontecem as ações interdisciplinares em saúde, mesmo que não haja um entendimento global dessa prática. A interdisciplinaridade é entendida como instrumento e expressão de uma crítica do saber disciplinar e como uma maneira complexa de entender e enfrentar problemas do cotidiano. Exige a integração de saberes e de práticas que integram e renormalizam as disciplinas e as profissões delas decorrentes, concretizando, ao final, a íntima relação entre conhecimento e ação. A Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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interdisciplinaridade se configura como um processo de construção de conhecimento e de ação, a partir de finalidades compartilhadas por coletivos de trabalho (SCHERER, et al. 2013). No quadro 3, destacam-se as “ideias cen-

trais” e as “expressões-chave” extraídas das entrevistas, quando buscamos questionar os sujeitos da pesquisa sobre os desafios da interdisciplinaridade para a equipe multiprofissional em saúde, durante a realização do ERIP-SUS.

IDEIAS CENTRAIS – IC

EXPRESSÕES-CHAVE

IC-1: Diferentes ideias

Se deparar com vários pensamentos e opiniões diferentes ecom a falta de colaboração de alguns colegas. Enfrentar as diversidades de ideias, pensamentos eopiniões.

IC-2: Falta de entrosamento

Falta de entrosamento de alguns participantes.

IC-3: Convivência com pessoas diferentes

...a convivência com pessoas diferentes e de cursos diferentes

IC-4: Individualismo

Para mim, é o individualismo e a dificuldade de diálogo.

Quadro 3 – “Ideais Centrais” e “Expressões-chave” dos participantes da pesquisa, em resposta ao questionamento: Quais os desafios diante do desenvolvimento de ações interdisciplinares pela equipe multiprofissional em saúde vivenciados durante a realização do ERIP-SUS? Fonte: Pesquisa direta

No quadro 3, que apresenta as falas relacionadas aos desafios do desenvolvimento de ações interdisciplinares por uma equipe multiprofissional, encontram-se as seguintes ideias centrais: IC – 1: Diferentes ideias; IC – 2: Falta de entrosamento; IC – 3: Convivência com pessoas diferente e IC – 4: Individualismo. Com base nas expressões-chave, foram elaborados os DSCs apresentados abaixo: - Deparar-se com vários pensamentos e opiniões diferentes e com a falta de colaboração de alguns colegas. - Enfrentar a diversidade de ideias, pensamentos e opiniões. - Falta de entrosamento de alguns participantes. - A divergência de pensamentos e a convivência com pessoas diferentes e de cursos diferentes, cada um com seu jeito e costume são os maiores desafios. - Para mim, é o individualismo e a dificuldade de diálogo. Os discursos acima descritos expressam Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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a diversidade de pensamentos, de opiniões e de conflito de ideias e a dificuldade de conviver de alguns participantes da pesquisa, durante os estágios, como os principais desafios que se configuram diante do desenvolvimento de ações interdisciplinares pela equipe multiprofissional em saúde, vivenciados durante a realização do ERIP-SUS. O DSC dos graduandos pesquisados, no que concerne aos desafios do desenvolvimento de ações interdisciplinares pela equipe multiprofissional em saúde, corroboram os achados de pesquisa realizada por Alvarenga et al.(2013), que, ao analisar o discurso que emergiu dos entrevistados, concluíram: O trabalho em equipe para o estagiário do ERIPSUS tem um significado efetivo no que se refere à contribuição para a formação profissional, uma vez que, no decorrer do estágio, se tem a oportunidade de trabalhar e conviver com diferenças entre as profissões, que precisam ser valorizadas e respeitadas em seus limites de atuação, pois cada profissional possui suas peculiaridades, crenças, valores; enfim, seu próprio modo de pensar, agir e trabalhar (ALVARENGA, et al., 2013). 103


Segundo Nascimento e Oliveira (2006), citados por Wanderley (2010), o trabalho em equipe com vistas à interdisciplinaridade tem sido foco de atenção na formação e na qualificação dos profissionais, portanto são de extrema importância a interação e a troca de conhecimentos. Wanderley (2010), ao analisar um processo de formação multiprofissional em saúde, concluiu que a interação entre profissionais de diversas categorias possibilita uma troca de saberes, porque eles passam a ter uma visão diferente sobre o seu processo de trabalho. Um dos aspectos a ser considerado no processo do fazer, em saúde interdisciplinar, é a possibilidade de se fazerem intervenções compartilhadas, desvelando novas formas de produzir o conhecimento (TRENTIN, 2010). Para a autora, produzir conhecimentos sob a ótica da interdisciplinaridade remete à necessidade de estabelecer a superação dos limites disciplinares como produção de conhecimento em si, único e restrito. Então, é preciso romper com limites das disciplinas, na perspectiva de construir novos saberes que pressupõem a adoção de uma postura flexível e coerente com a diversidade e a necessidade presentes nos processos do fazer em saúde. Entre as dificuldades para a construção de uma proposta interdisciplinar, na área da saúde, a literatura destaca a forte tradição positivista e biocêntrica no tratamento dos problemas de saúde; a relação entre o saber e o poder disciplinar, que aprisionam o conhecimento em compartimentos, a estrutura das instituições de ensino como precursoras do conhecimento disciplinar, voltadas para a formação do especialista, e o processo de trabalho heterogêneo, fragmentado em campos específicos, materializado pelas diversas profissões que compõem a área da saúde (UFMG, 2002). A proposição multiprofissional da formação está fundamentada no reconhecimento da sobreposição de limites, no campo de práticas, levando em consideração que quase todo o campo científico ou de prática seria interdisciplinar (BRASIL, 2006, citado por LOPES, 2014). Nesse sentido, o compartilhar sistemático e integrado de saberes, na perspectiva da interdisciplinaridade, é uma tentativa de provocar a produção conjunta de conhecimentos e de práticas, através do diálogo contínuo proposto entre os trabalhadores 104

das diversas profissões em saúde, e deles com os demais segmentos do sistema (LOPES, 2014). O autor supracitado, ao referenciar Brasil (2008), afirma que, embora o entendimento da perspectiva interdisciplinar, em muitas situações, assuma uma prática equivocada, por ser desenvolvida por profissionais graduandos na perspectiva fragmentária e pela própria realidade de suas condições de trabalho (divisão e organização), nos relatos das práticas dos programas, constata-se o esforço dos profissionais em relação à proposição do trabalho pedagógico interdisciplinar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estagio Regional Interprofissional no SUS (ERIP-SUS), como um componente curricular obrigatório, é uma atividade acadêmica que integra estudantes graduandos de saúde da UFPB, em um processo de formação interdisciplinar orientado por uma abordagem metodológica do trabalho em equipe e multiprofissional. Para a sua operacionalização, o ERIP-SUS promove a inserção de graduandos da UFPB em Unidades Básica de Saúde, junto com a Estratégia Saúde da Família (ESF), propiciando aos discentes vivências e estágios na realidade do SUS, no contexto da Atenção Básica em Saúde, em diferentes municípios do interior do estado da Paraíba. Na pesquisa realizada, mediante as “ideias centrais” e as “expressões-chave” extraídas das falas dos diferentes graduandos de saúde da UFPB, estagiários do ERIP-SUS, emergiram, entre outros, os seguintes discursos do sujeito coletivo (DSC): “No ERIP-SUS, nós temos a oportunidade de interagir com os estudantes de outroscursos da saúde, de colocar em prática uma assistência interdisciplinar, de trocar experiências”. “Em práticas interdisciplinares (visita domiciliar, visita em escolas, palestras, caminhadas)”. “A divergência de pensamentos e a convivência com pessoas diferentes e de cursos diferentes, cada um com seu jeito e costume são os maiores desafios”. Esses discursos resultaram, respectivamente, dos questionamentos relacionados à importância do ERIP-SUS para a prática interdiscipliConceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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nar no processo de formação em saúde, às ações interdisciplinares desenvolvidas no ERIP-SUS e ao desafio da interdisciplinaridade para a equipe multiprofissional. Assim, com base no DSC, considera-se que, diante das experiências nos cenários de práticas do referido estágio, embora se possa constatar que um dos maiores desafios da interdisciplinaridade para a equipe multiprofissional se

configure pela divergência de pensamentos, os discentes participantes do estudo reconhecem o ERIP-SUS como um espaço de formação em saúde com oportunidades para o desenvolvimento de ações multiprofissionais e interdisciplinares. Entendemos que esse reconhecimento reflete positivamente no processo de ensino-aprendizagem e na formação dos profissionais de saúde da instituição pesquisada.

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Dejanildo Jorge Veloso (*) Cláudia Roberta Leite Vieira de Figueiredo (**)

Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos – um alerta para a odontologia RESUMO: Os Bisfosfonatos (BFs) são uma classe de medicamentos utilizados no tratamento da osteoporose, osteogênese imperfeita, displasia fibrosa, doença de Paget do osso, mieloma múltiplo e nas metástases ósseas de vários tipos de neoplasias malignas. Contudo, numerosas complicações de seu uso vêm sendo descritas, destacando-se o surgimento de Osteonecrose nos ossos da maxila e/ou mandíbula especialmente em pacientes que fazem terapia crônica com BFS. Tal complicação ocorre principalmente quando esses pacientes são submetidos a cirurgias odontológicas (exodontias), emboracasos aparentemente espontâneos tenham sido relatados. O presente trabalho de revisão objetiva discutir os aspectos mais relevantes da Osteonecrose dos maxilares resultante do uso de BFS. Foi realizada uma revisão de artigos científicos, os quais foram selecionados a partir de informações de interesse, incluindo: os tipos de Bisfosfonatos, suas características e indicações, os fatores de risco para o desenvolvimento de Osteonecrose, as características clínicas das lesões orais, a prevenção e o tratamento dos pacientes. Foi visto que os BFSs possuem benefícios terapêuticos significativos quando devidamente indicados, contudo o desenvolvimento da Osteonecrose nos maxilares pode ser esperado nos pacientes que fazem ou fizeram uso dessa medicação. A prevenção, com manutenção de uma higienização bucal adequada parece ser a melhor forma de evitar graves complicações decorrentes do uso de BFS. Palavras-chave: Osteonecrose; maxila e mandíbula; bisfosfonato de sódio; tratamento; características clínicas. ABSTRACT: Bisphosphonates (BFs) are a group of medicines used for the treatment of osteoporosis, osteogenesis imperfecta, fibrous dysplasia, Paget’s bone disease, multiple myeloma and bone metastases of various types of malignant neoplasias. However, several complications from their use have been described, especially osteonecrosis of maxillary bones and/or jaws, mainly in patients in chronic therapy with BFs. This complication occurs mainly when these patients undergo dental

(*) Professor Doutor (Associado III) do Departamento de Clínica e Odontologia Social - CCS,/UFPB, Campus I – João Pessoa. E-mail: djveloso@gmail.com (**) Professora Doutora (Associada III) do Departamento de Fisiologia e Patologia - CCS/UFPB, Campus I – João Pessoa. 106

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surgeries (tooth extractions, for example) even though there have been reports of apparently spontaneous cases. This review aims to discuss the most relevant aspects of osteonecrosis of the jaws related to the use of BFs. We performed a literature search for relevant scientific articles, addressing the following issues: BFS types, their characteristics and indications, risk factors for osteonecrosis development, clinical characteristics of oral lesions, recommendations for prevention and management of patients with BFs-related osteonecrosis. We have seen that BFs offer significant therapeutic benefits when adequately indicated; however, in patients who use or have used this medicine, the occurrence of osteonecrosis of the jaws can be expected. Prevention with an adequate oral hygiene seems to be the best way to avoid this sort of severe complication. Keywords: Osteonecrosis; characteristics.

jaws;

bisphosphonate;

INTRODUÇÃO O osso adulto é, essencialmente, constituído por sais de fosfato e íons de cálcio, organizados em forma de cristais de hidroxiapatita [Ca10(PO4)6(OH)2], que incorporam em sua estrutura outros íons e sais. Seu principal constituinte é o mineral. A hidroxiapatita é considerada um elemento fundamental, responsável pela importante função de dar apoio mecânico conferido ao tecido ósseo (CASTRO et al, 2004, CAVANNA et al, 2007, DIMITRAKOPOULOULOS et al., 2006). Devido à sua dinâmica, o osso é continuamente reabsorvido pela atividade osteoclástica e constantemente renovado pela atividade osteoblástica, ambas reguladas por fatores sistêmicos e locais, que caracterizam um processo fisiológico denominado de remodelação óssea (bone turnover) (CASTRO et al, 2004). Contudo, os ossos são suscetíveis a doenças que influenciam a aceleração da atividade osteoclástica, e isso resulta na perda gradual e rápida de massa óssea. São exemplos dessas doenças o hiperparatiroidismo, a osteoporose e o câncer. Neste último caso, a perda óssea é consequência da destruição direta e localizada do tecido ósseo por células neoplásicas (MEHROTRA, RUGGIERO, 2006, CASTRO et al, 2004). Os bisfosfonatos (BFs) pertencem a uma classe de drogas desenvolvidas e utilizadas desde 1960 para controlar doenças que afetam o Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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management;

clinical

metabolismo ósseo. Seus efeitos são conhecidos pelos químicos desde o Século XIX. Essa droga foi sintetizada, inicialmente, na Alemanha e, a princípio, utilizada na indústria química devido à sua capacidade de inibir a precipitação do carbonato de cálcio (ROELOFS et al., 2008). Suas características biológicas foram elucidadas a partir de 1968, quando foi publicado um relato que mostrava, pela primeira vez, que os bisfosfonatos eram capazes de inibir a dissolução do fosfato de cálcio in vitro e in vivo e de prevenir a reabsorção óssea (CASTRO et al., 2004, ROELOFS et al., 2008). Os BFs são potentes inibidores da reabsorção óssea mediada por osteoclastos. São, portanto, drogas utilizadas frequentemente na terapia e no controle de doenças que afetam o metabolismo ósseo, especialmente empregadas no tratamento das patologias cuja característica principal ou secundária é a significativa perda da massa óssea. Entre essas patologias, denominadas doenças ósseas metabólicas, citam-se a osteoporose, a osteogênese imperfeita, a displasia fibrosa e a doença de Paget do osso (KYLE et al., 2007, MEHROTRA, RUGGIERO, 2006, LAM et al., 2007). Pacientes oncológicos com metástases ou lesões malignas primárias do osso, como o mieloma múltiplo, frequentemente desenvolvem uma sequência de complicações esqueléticas, que incluem dor, fraturas patológicas, compres107


são da medula espinhal e uma elevação do índice sérico do cálcio (hipercalcemia maligna) (BERESON et al, 2002). No câncer, a ativação dos osteoclastos, mediada por citocina produzida pelas células tumorais, altera o metabolismo ósseo normal, que causa grave destruição óssea (MARX et al, 2002). Por conseguinte, tanto os pacientes portadores de doenças ósseas metabólicas quanto os doentes de câncer apresentam um decréscimo na resistência óssea, que aumenta a susceptibilidade à dor, às fraturas e à destruição causada pelo câncer. Para esse grupo de doentes, indica-se a terapia com bisfosfonatos. O presente trabalho objetiva discutir sobre a osteonecrose dos maxilares associada aos bisfosfonatos (osteoquimionecrose) e pontuar os aspectos químicos, as propriedades biológicas e as indicações dos bisfosfonatos. Também será realizada uma ampla revista da literatura acerca das características clínicas, da prevenção e do tratamento dessa intrigante patologia.

sea, maximizar o perfil terapêutico, a potência, a seletividade e a toxicidade, adquirir nova atividade farmacológica e alterar a biodisponibilidade da molécula (CAPELARI et al., 2010 SOUSA, JARDIM JÚNIOR, 2008.). Os bisfosfonatos disponíveis no mercado brasileiro são: alendronato, etidronato, clodronato, ibandronato, pamidronato, risendronato, tiludronato e zoledronato. Os BFs que contêm um átomo de nitrogênio primário em uma cadeia alquílica (pamidronato e alendronato) podem ser de dez a cem vezes mais potentes do que o etidronato e o clodronato, enquanto os derivados desses compostos que contêm um nitrogênio terciário (ibandronato e olpadronato) são, geralmente, mais potentes para inibir a reabsorção óssea. Entre os BFs mais potentes que inibem a reabsorção óssea, estão os que contêm o átomo de nitrogênio em um anel heterocíclico (risedronato e zoledronato) (FERREIRA JÚNIOR et al., 2007).

2. TERAPIA COM BISFOSFONATOS REVISTA DA LITERATURA 1. CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS DOS BISFOSFONATOS

A ação biológica central dos BFS deve-se à sua semelhança estrutural com compostos químicos endógenos, denominados de pirofosfatos, presentes, normalmente, no soro e na urina. Tais compostos são responsáveis pela regulação fisiológica da calcificação e da reabsorção ósseas (CASTRO et al., 2002, SCARPA et al, 2010). A estrutura química dos BFs apresenta dois grupamentos de fosfato (PO3) ligados covalentemente a um carbono central e acrescidos de duas cadeias denominadas genericamente de R1 e R2. A primeira cadeia, curta, é responsável pelas propriedades químicas e farmacocinéticas dos BFs e conferem, em conjunto com os grupamentos de fosfato, alta afinidade ao tecido ósseo. Já a cadeia longa R2 determina a potência antirreabsortiva e o mecanismo de ação farmacológico (FERREIRA JÚNIOR et al, 2007). Diversos fármacos da classe dos bifosfonatos foram sintetizados. Neles, os grupos substituintes R1 e R2 variam, sistematicamente, com propósitos definidos de aumentar a afinidade ós108

Em 1991, o Departamento Americano de Controle de Drogas e Alimentos (Foods and Drugs Administration – FDA) aprovou o uso do pamidronato para hipercalcemia relacionada a tumores malignos e, em 1995, para o tratamento de mielomas múltiplos. O uso do zoledronato foi aprovado em agosto de 2001 e, desde então, milhões de pacientes já receberam o tratamento com esses e outros bisfosfonatos (BADROS et al., 2006, HELLSTEIN et al., 2005). O alendronato, o risedronato e o ibandronato são usados comumente para prevenir e tratar a osteoporose, enquanto o pamidronato e o zoledronato têm um papel essencial na prevenção de complicações ósseas e no tratamento de hipercalcemia severa, associada aos mielomas múltiplos e às metástases ósseas do câncer de mama e próstata (BADROS et al., 2006). Recentemente, os BFs também estão sendo investigados como inibidores dos danos às articulações, com possível uso no tratamento e no controle da artrite reumatoide (AR). Além de sua capacidade de inibir a reabsorção óssea, estudos têm mostrado atividade anti-inflamatória dos BFs em modelos animais de AR bem como em humanos (CASTRO et al., 2004). Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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3. MECANISMO DE AÇÃO DOS BISFOSFONATOS EM NÍVEL CELULAR, SUBCELULAR E MOLECULAR A afinidade dos bisfosfonatos com o osso está baseada no grupamento químico das posições R1 e R2 da molécula. Consta na literatura que o risedronato e o zoledronato estão entre os BFs mais potentes na capacidade de inibir a reabsorção óssea. Os BFs têm alta afinidade com o fosfato de cálcio, em sua fase sólida, presente nas superfícies ósseas. Nesse local, ancoram, acumulam-se e são capazes de inibir a formação e a precipitação dos cristais de fosfato de cálcio, que causam sua lenta dissolução. Em altas doses, os BFs são capazes de impedir a mineralização de qualquer tecido mineralizado, como osso, cartilagem, dentina e esmalte, e impedem a mineralização. O uso provoca fraturas e inibe o reparo ósseo pós-fraturas. Os BFs são capazes de afetar um grande número de tipos celulares in vitro, como células endoteliais e macrófagos, além de uma ampla variedade de células tumorais. Porém estudos in vivo apontam que a célula-alvo do BFs é o osteoclasto (ROELOFS et al., 2008), e outros indicam que os osteoclastos são capazes de endocitar eficientemente os BFs acumulados nas lacunas de reabsorção óssea, já que os BFs ligam-se, preferencialmente, às superfícies ósseas expostas imediatamente após a reabsorção osteosclástica. Pesquisas em que se utilizaram marcadores químicos à base de flúor mostraram a presença de BFs no citosol de osteoclastos. Tais células apresentavam inúmeras alterações morfofuncionais, principalmente a perda da “borda em escova”, anergia, além de modificações citoesqueléticas, como alterações das redes fibrilares de actina, que ativavam os mecanismos apoptóticos (ROELOFS et al., 2008). A apoptose pode ser induzida depois da internalização dos BFs pelos osteoclastos, cujo aparato enzimático é capaz de metabolizá-los. Os metabólitos ativos (oriundos da metabolização dos BFs) são, principalmente, análogos não hidrolisáveis do ATP (trifosfato de adenosina), que são capazes de inibir enzimas mitocondriais que regulam a permeabilidade da membrana mitocondrial. Com sua inibição, a membrana aumenta a permeabilidade (abertura de poros), e Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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o citocromo C vaza para o citosol, com ativação de caspases pró-apoptóticas. Já foi demonstrada in vitro a prevenção da apoptose de osteoclastos usando-se inibidores de caspases (ROELOFS et al., 2008). Também foi comprovado que os BFs são capazes de induzir apoptose de osteoblastos e osteócitos e de inibir a produção de fatores ativadores de osteoclastos pelos osteoblastos (ROELOFS et al., 2008) Todos os eventos referidos, somados, causam importante dificuldade no processo de reabsorção óssea, fundamentando a opção terapêutica pelos BFs, quando o processo osteoreabsortivo deve ser minimizado. Estudos in vivo e in vitro já demonstraram as propriedades antiangiogênicas dos BFs, e os experimentos in vitro mostraram que os BFs inibem a proliferação de células endoteliais, bem como sua interação com proteínas da matriz, o que obsta a formação de brotos capilares (DUMOND et al., 2004). Ainda se discute sobre se as propriedades antiangiogênicas são decorrentes de efeitos diretos do BFs sobre as células endoteliais ou são oriundos de mecanismos indiretos que resultam da ação de BFs sobre outros tipos celulares, como os macrófagos, por exemplo, células que são potentes sintetizadoras de fatores angiogênicos (como o fator de crescimento do endotélio vascular e o fator de crescimento derivado de plaquetas). Com base nos mecanismos antes discutidos, pode-se inferir que os bisfosfonatos também induzem a apoptose de macrófagos, já que tais células são da mesma linhagem dos osteoclastos, o que gera um decréscimo na angiogênese induzida por macrófagos e interfere com a inflamação e o reparo tecidual ósseo.

4. OSTEONECROSE DOS MAXILARES: COMPLICAÇÃO DO USO TERAPÊUTICO DE BIFOSFONATOS

No ano de 2003, um importante estudo foi publicado na literatura pertinente por Marx et al., apresentando uma série de 36 casos de osteonecrose dos ossos gnáticos em pacientes não submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço e sem história prévia de osteomielite crônica, sendo que a única característica relevante comum a todos era o uso de bisfosfonados. 109


Depois desse relato, surgiram na literatura outros alertas sobre a ocorrência de osteonecrose associada ao uso desses fármacos (ASSAEL, 2004; CAPSONI et al., 2005; ASSOULINE-DAYAN t al, 2002; GUTTA, LOUIS, 2007; GREENSBERG et al., 2000; HARPER, FUNG, 2007; HELLSTEIN et al., 2005; HEWITT, FARAH, 2007; KYLE et al., 2007; LAM et al., 2007; MEHROTRA, RUGGIERO; 2006, MELO, OBEID, 2005; MERIGO et al., 2006; NEVILLE, 2009; SIMONETTI, BENÍTEZ, 2009; SVERZUT et al., 2007; e WANG et al., 2007). A osteonecrose dos maxilares, associada aos bisfosfonatos (OMAB), é a primeira complicação tardia da terapia com bisfosfonatos descrita na literatura científica. Ela é definida como o desenvolvimento de osso necrótico na cavidade oral de um paciente que esteja recebendo tratamento com bisfosfonatos e não tenha recebido radioterapia região de cabeça e pescoço. A ONM pode se desenvolver espontaneamente ou surgir depois de um tratamento dentário (especialmente cirurgias orais). Clinicamente, as lesões se caracterizam como ulcerações da mucosa oral e, geralmente, são dolorosas, mas podem se apresentar assintomáticas (CALDAS et al.,2009). Nesse sentido, a American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons - (AAOMS) - definiu três características necessárias para que essa lesão óssea seja associada aos bifosfonados (SOUSA, JARDIM JÚNIOR, 2008): Quando o paciente está sendo ou foi submetido à terapia dos bifosfonatos; Se a exposição necrótica óssea nos maxilares persistir por mais de oito semanas; Se não houver nenhuma história de irradiação sobre o sítio anatômico. O termo osteoquimionecrose dos maxilares (OQM) foi sugerido para os casos associados aos bisfosfonatos e a denominação Osteonecrose dos Maxilares Associada aos Bisfosfonatos (OMAB) (HELLSTEIN, MAREK, PHARMD, 2005). O primeiro caso relatado de OMAB, em uma revista da área de cirurgia oral e maxilofacial, referia-se a uma falha na osteointegração de implantes dentários em um paciente que havia se submetido à terapia com bisfosfonatos no tratamento de osteoporose (STARCK; EPKER, 1995). Somente no ano de 2003, a primeira revisão extensa sobre esse assunto foi publicada e apresentou 36 casos de osteonecrose dos maxilares associada ao uso de pamidronato e zoledronato, alertando a 110

comunidade sobre o crescente número de casos novos dessa patologia (MARX, 2003). Desde então, vários pesquisadores, de todas as partes do mundo, publicaram trabalhos de pesquisa sobre esse tema em diversas revistas científicas, quase sempre focando a prevenção como principal arma no combate a essa doença. Vários desses relatos foram referidos no estudo de Capelari et al (2010). Numa análise de 63 casos de pacientes com osteonecrose dos maxilares, associada ao uso de bisfosfonatos, Ruggiero et al. (2004) observaram que, na maioria desses pacientes (56), a droga era administrada por via endovenosa. Eles verificaram também que 14% dos pacientes não sofreram quaisquer procedimentos dentais prévios e apresentaram uma exposição óssea espontânea. A maioria dos pacientes usou a medicação no tratamento de mielomas múltiplos (28), câncer de mama (20) e próstata (3). Mais de 10% dos pacientes utilizaram bisfosfonatos no tratamento de osteoporose e não apresentaram histórico de câncer ou quimioterapia. Marx, Sawatari, Fortin et al. (2005), citados por Capelari et al. (2010), num estudo em que relataram 119 casos de osteonecrose dos maxilares, observaram que, em 68,1% dos pacientes, a necrose estava na mandíbula; em 27,7%, na maxila; e em 4,2%, era bimaxilar. Esses pacientes estavam em tratamento de mielomas múltiplos (52,1% dos casos), metástases do câncer de mama (42%) ou próstata (3,4%) e osteoporose (2,5%), utilizando diferentes tipos de bisfosfonatos. Depois de revisar os prontuários de 11 pacientes que apresentaram OMAB e que não haviam sofrido irradiação da cabeça e/ou do pescoço, constataram que os pacientes haviam sido tratados com os bisfosfonatos, em média, por 34 meses. Dados radiográficos mostraram perda de densidade óssea em sítios de osteonecrose, e o exame microscópico demonstrou necrose óssea sem evidência de metástases tumorais. No ano de 2006, a incidência de osteonecrose dos maxilares nos pacientes que utilizam bisfosfonatos foi avaliada numa proporção que variava de 1,8 a 12,8% (MEHROTRA; RUGGIERO, 2006). Uma revisão retrospectiva de 90 pacientes com idade média de 61 anos, em tratamento de mielomas múltiplos em que foram utilizados bisfosfonatos mostrou que 22 pacientes apresentaram necrose da maxila e/ou de mandíbula. Dos Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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90 pacientes, 27 se submeteram a exodontias durante o tratamento. Os exames microscópicos das áreas necróticas revelaram apenas necrose óssea e osteomielite. As culturas bacterianas mostraram actinomicetes e bactérias mistas. Mais de um terço dos pacientes com osteonecrose também sofreram fraturas de ossos longos e / ou necrose avascular do quadril. As variáveis predisponentes do desenvolvimento de osteonecrose foram extração dentária, o tratamento com pamidronato e/ou zoledronato, mais tempo de seguimento e idade no momento do diagnóstico de mieloma múlpiplo (BADROS et al., 2006). Um estudo retrospectivo com 11 pacientes que apresentaram osteonecrose dos maxilares, relacionada à terapia com bisfosfonatos por período de seis meses a cinco anos, mostrou que seis deles desenvolveram necrose e exposição óssea depois de extração dentária. Somente em três pacientes a necrose foi espontânea. Em um caso de necrose bimaxilar, a afecção maxilar ocorreu após uma exodontia, mas a mandibular foi espontânea. Em outro paciente, a necrose se originou de um trauma crônico causado pela prótese dental (DIMITRAKOPOULOS, MAGOPOULOS, KARAKASIS, 2006). Foram relatados 29 casos de necrose óssea dos maxilares em pacientes tratados com pamidronato (Aredia), zoledronato (Zometa) e alendronato. Quinze deles foram submetidos a procedimentos cirúrgicos prévios, e 14 ocorreram espontaneamente. Os pacientes foram tratados de metástase óssea (14 casos), mielomas múltiplo (12) e osteoporose (3). A necrose óssea ocorreu na maxila em sete pacientes; na mandíbula, em 20, e bimaxilar em dois casos (MERIGO et al., 2006). Em uma extensa revista da literatura, foi notado que a osteonecrose é mais comum nos pacientes tratados com bisfosfonatos por via endovenosa, mas os efeitos cumulativos da terapia crônica por via oral também vêm aumentando a incidência dessa doença. Também se concluiu que a prevenção é mais efetiva do que o tratamento no combate a essa patologia e que o estabelecimento de higiene bucal meticulosa e a realização dos procedimentos odontológicos, antes do início da terapia com bisfosfonatos, são recomendados com frequência (HEWITT, FARAH, 2007). Conforme relatam Martins et al.(2007), em Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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2005, foi realizado um importante estudo com o auxílio da internet, do qual participaram 904 pacientes portadores de mieloma múltiplo, 62 dos quais apresentavam o diagnóstico de OMAB, e 54 eram suspeitos de ter a doença. Desses pacientes, 71% tinham recebido tratamento com ácido zoledrônico, e 29%, com pamidronato. Neste estudo, depois de 36 meses de tratamento, 10% dos pacientes que receberam ácido zoledrônico e 4% dos tratados com pamidronato desenvolveram OMAB, cujo tempo para o surgimento foi, em média, de 18 meses, para o ácido zoledrônico, e seis anos, para o pamidronato. Segundo Capelari et al. (2006), diversos casos de osteonecrose dos maxilares não acontecem só nos pacientes que usaram os bisfosfonatos para tratar mielomas múltiplos e metástases ósseas do câncer de mama e próstata, mas também nos casos de tratamento de osteoporose e doença de Paget. Portanto, os reumatologistas devem estar atentos aos riscos da prescrição dessas medicações e à possibilidade de que, nos estágios precoces da necrose óssea, pode não haver evidências radiográficas e sintomáticas. Um estudo retrospectivo, cujo objetivo foi de determinar a incidência de osteonecrose, foi realizado em uma amostra de 447 pacientes com mielomas múltiplos (292 indivíduos), câncer de mama (81) e de próstata (69), que estavam recebendo ácido zolendrônico e/ou pamidronato, mas que não apresentavam história de radioterapia. Os autores observaram que 3,8% dos indivíduos com mielomas múltiplos desenvolveram osteonecrose, assim como 2,5% dos que estavam com câncer de mama e 2,9%, de próstata (WANG et al., 2007). A incidência de OMAB em pacientes portadores de doenças ósseas metabólicas, como osteoporose, doença de Paget, osteogênese imperfeita e artrite reumatoide, é considerada bastante rara. Dados fornecidos pelo fabricante do alendronato (Merck®) mostraram que a incidência de OMAB foi calculada em 0.7/100.000 pessoas/ano de exposição (MARTINS et al.,2007). Cavanna et al.(2007) relataram cinco casos de OMAB em pacientes que usavam BFs para o tratamento de câncer (câncer de mama, carcinoma renal, mesotelioma e mieloma múltiplo). O tempo de uso variou de 21 a 36 meses. Três casos ocorreram na mandíbula, e dois, na maxila. Em dois casos, a OMAB manifestou-se clinica111


mente com dor e exposição óssea. Os pacientes receberam zoledronato e pamidronato. Em dois casos, houve prévia extração dentária no sítio da OMAB, entretanto, três foram espontâneos. Martins et al (2009) referem que dados epidemiológicos como prevalência ainda não podem ser bem avaliados, entretanto os trabalhos têm mostrado que, na terapia com bisfosfonatos endovenosos em pacientes portadores de mieloma múltiplo, estima-se se que 1,8% a 12,8% dos pacientes desenvolvam OMAB. Hess et al. (2008) fizeram uma revisão sistemática para identificar OMAB em pacientes que utilizaram bisfofosfonatos por outra indicação que não no tratamento oncológico. Apenas 99 casos foram identificados, sendo que desses, 85 pacientes eram portadores de osteoporose, dez, de doença de Paget do osso, e dois, de artrite reumatoide. KOKA et al.(2010) publicaram, em importante estudo retrospectivo realizado na Mayo Clínica, no qual foram avaliadas pacientes na pósmenopausa, que foram divididas em dois grupos: o das que utilizavam e o das que não utilizavam bisfosfonatos. Ao todo, foram analisadas 82 pacientes que receberam tratamento com BFs e 55 que não receberam em relação à incidência de OMAB. A ocorrência da OMAB foi nula em todas as pacientes, tanto nas que usavam BFs quanto nas que não usavam. O tempo de uso era de, no máximo, cinco anos. Os autores concluíram que o risco de desenvolver OMAB é o mesmo para as pacientes que usam e as não usam BFs. Carmona et al (2012) realizaram um revisão sistemática, na qual foram incluídos 1.422 artigos publicados na literatura científica, todos abordando casos de mulheres de meia idade em tratamento da osteoporose com BFs orais e endovenosos. Os autores concluíram que não há evidências seguras, até esse momento, de que a terapia para osteoporose ofereça riscos significativos para o desenvolvimento da osteonecrose dos maxilares associada aos bisfosfonatos.

5. FATORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DA OMAB

Os fatores de risco relacionados à ocorrência da OMAB incluem a potência farmacológica 112

particular de cada bisfosfonato. Por exemplo, o zoledronato é mais potente do que o pamidronato que, por sua vez, é mais potente do que os bisfosfonatos orais. A administração endovenosa parece conferir um risco mais alto do que a administração oral. A duração da terapia é importante, porém, quanto mais longa, maior o risco de se desenvolver a osteonecrose (MARTINS et al.,2009). Bamias et al observaram que a incidência da OMAB aumenta em 1,5% entre pacientes tratados durante quatro a doze meses e em 7,7% nos pacientes tratados com BFs durante 37 a 48 meses. A média de ocorrência de OMAB nos pacientes em tratamento com ácido zoledrônico é de 16 meses, nos tratados com pamidronato, é de 34 meses, e com BFs orais, de 54 meses. Outros fatores de risco associados são tipo de câncer, diagnóstico concomitante de osteopenia ou osteoporose durante o diagnóstico do câncer, terapia com corticoides e outros quimioterápicos, diabetes e uso de álcool e de tabaco (MARTINS et al.,2007). Dentre os fatores locais, foram mencionados, principalmente, traumas cirúrgicos, especialmente a extração dentária, pobre higiene oral, doenças infecciosas orais e trauma ocasionado por próteses removíveis (MARTINS et al., 2009, RUGGIERO et al.,2006). Martins et al.(2009) afirmam que 72% das OMAB ocorrem em pacientes com doenças ósseas malignas. Nos casos detectados nesse mesmo estudo, em 73%, a OMAB estava associada a extrações dentárias. Apesar de a maioria dos casos de OMAB estar associada a um fator desencadeante, alguns casos de surgimento espontâneo são relatados na literatura (RUGGIERO et al.,2006).

CONCLUSÃO

Depois de feita uma ampla revisão da literatura, o estudo mostrou que a osteonecrose dos maxilares associada ao uso dos BFs (OMAB) é mais comum nos pacientes tratados com bisfosfonatos (BFs) por via endovenosa, particularmente aqueles que estão se submetendo à terapia do câncer de mama ou de próstata e do mieloma múltiplo. Contudo, os efeitos cumulativos da terapia crônica em que se utilizam os BFs por via oral para controlar a osteoporose também têm Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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aumentado a incidência de osteonecrose. Com base nas observações de Martins et al. ( 2009) e na trilha de outros autores pesquisados neste estudo, é possível inferir que a patogênese da OMAB parece ser multifatorial e está relacionada às alterações da estrutura óssea causadas pelos bisfosfonatos. Nos pacientes que fazem uso terapêutico crônico de BFs, é sabido que o tecido ósseo é capaz de absorver cumulativamente o medicamento, que se incorpora ao citoplasma dos osteoclastos, provoca profundas alterações morfológicas e funcionais nessas células e reduz sua atividade. A OMAB pode resultar de um processo que combina a interferência dos BFs com a morfologia e a função do osteoclasto, nas inter-relações do osteoclasto com os osteoblastos e os osteócitos, e resulta numa diminuição da remodelação óssea. Os BFs também diminuem a função dos macrófagos - células da mesma linhagem dos osteoclastos - o que reduz a síntese local de fatores angiogênicos, como, por exemplo, o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). Isso provoca um decréscimo na formação de novos capilares, processo fundamental nos ossos de contínua e acelerada remodelação óssea, como os ossos maxilares, que trazem como resultado a necrose avascular. Portanto, quando o osso maxilar é submetido a um evento traumático e aumenta a necessidade de fazer deposição óssea e neovascularização, o tecido ósseo afetado pelo BFs falha na indução desses processos. Assim, a necrose óssea seria o resultado da incapacidade do tecido ósseo afetado pelo BFs de reparar e se remodelar em quadros inflamatórios desencadeados por eventos traumáticos (exodontias, irritações por próteses, cirurgias orais para colocação de implantes dentais), episódios infecciosos (infecção periapical e pe-

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riodontal) ou mesmo estresse mecânico fisiológico (mastigação). Some-se a isso o fato de que a predisposição genética baseada em polimorfismos relacionados às drogas ou ao metabolismo ósseo tem sido apontada no desenvolvimento dessa alteração óssea. Isso reforça a ideia de um modelo multifatorial para a OMAB. Recentemente, pesquisas sobre a ação dos bisfosfonatos em células epiteliais mostraram que esses medicamentos interferem na proliferação do epitélio de revestimento e reduzem a capacidade de a mucosa oral se renovar, o que poderia também afetar o reparo da mucosa depois de episódios traumáticos ou de estresse mecânico fisiológico, que contribui para o desenvolvimento da OMAB. É importante ressaltar que a osteonecrose dos maxilares, associada à terapia com BFS, é considerada um fenômeno tempo-dose dependente, devido à longa meia-vida, até dez anos, dos BFs nos ossos gnáticos. A apresentação clínica da OMAB é variada e pode ser distinta de paciente para paciente. A lesão pode permanecer assintomática durante semanas a meses. Porém, quando se torna sintomática, provoca dor localizada, edema do tecido mole circunjacente e mobilidade dentária. Os sintomas geralmente surgem num sítio de prévia extração dentária ou num local submetido a algum procedimento dentário que envolva uma intervenção traumática, embora possa ocorrer espontaneamente. Por fim, é pertinente enfatizar que, no contexto da OMAB, a prevenção é mais efetiva do que o tratamento, e o estabelecimento de uma higiene bucal meticulosa nos pacientes que usam com frequência os BFs é conduta imprescindível para reduzir o risco do surgimento e do agravamento dessa complexa e intrigante patologia óssea.

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Creusioni Figueredo dos Santos * Willy Araújo de Oliveira **

Efeito das fases do extrato de Aloe vera (L.) na resposta imunológica de células linfocitárias in vitro e possível resposta a células malígnas RESUMO A Aloe vera (L.) é uma planta tropical que cresce facilmente em clima quente. Tradicionalmente ela é usada para cicatrização de ferimentos, aumentando a proliferação de fibroblastos. Tem atividade antifúngica, hipoglicêmica e antioxidante, bem como células tumorais. Foi preparado extrato etanólico de A. vera e suas frações hexânica, clorofórmica, acetato etílica, n-butanólica e aquosa. A proliferação celular foi analisada quando as células foram expostas a diversas concentrações das diferentes frações dos extratos de aloe vera, separadamente. A proliferação celular foi avaliada pelo método do MTT. As fases n-butanólica nas concentrações 100 e 500μg/mL e aquosa nas concentrações 20, 50, 100 e 500μg/mL foram capazes de promover o processo proliferativo sobre a cultura celular. Palavras-chaves: Proteína H-Ras; Aloe vera; extrato vegetal.

ABSTRACT The Aloe Vera (L.) is a tropical plant that grows easily in hot weather. Traditionally, it is used for wound healing by increasing fibroblast proliferation. It has an antifungal , hypoglycemic, antioxidant activity, as well as tumor cells. We prepared ethanol extract of Aloe Vera, and its n-butane, aqueous, hexane, chloroform, ethyl acetate fractions. Cell proliferation was assessed when cells were separately exposed to various concentrations of the different fractions of extracts of Aloe Vera. Cell proliferation was assessed by the MTT method. The n-butane phases in concentrations 100 and 500μg / ml and aqueous concentrations 20, 50, 100 and 500μg / ml were able to promote the proliferative process on the cell culture. Palabras clave: Protein H-Ras; Aloe Vera; plant extract.

(*) Professor Doutura do Departamento de Biologia Molecular (DBM) do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba (CCEN/UFPB). (**) professor-doutor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

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INTRODUÇÃO PLANTAS COMO FONTE DE FÁRMACOS E COMO MODIFICADORAS DE RESPOSTA BIOLÓGICA As plantas constituem a mais rica fonte natural de biomoléculas utilizadas pelo homem. O uso de produtos naturais com propriedades terapêuticas é tão antigo quanto a própria civilização humana, e por um longo tempo, produtos minerais, animais e de plantas foram as principais fontes de drogas. Com o passar do tempo e com o desenvolvimento industrial, o uso de plantas medicinais passou a ser uma forma de tratamento secundário (HALBERSTEIN, 2005). A revolução industrial e o desenvolvimento da química orgânica resultaram na preferência de produtos sintéticos para o tratamento farmacológico (RATES, 2001). Nos últimos anos, o interesse por terapias alternativas e pelo uso terapêutico de produtos naturais, especialmente aqueles derivados de plantas, tem aumentado. Das inúmeras espécies de plantas, apenas uma percentagem muito pequena foi investigada no âmbito de suas propriedades farmacológicas (RATES 2001). As pesquisas científicas sobre as plantas medicinais apresentam focos majoritários definidos nas áreas da fitoquímica e da farmacognosia, o que torna possível a caracterização de possíveis compostos bioativos, contemplando ensaios de bioatividade, identificação do modo de ação e sítios ativos para ação de fitoquímica (BRISKIN, 2000). Algumas substâncias modificam a resposta biológica por aumentar a resposta imunológica. As substâncias já descritas apresentam importância fundamental por terem atividades antiviral, antibacteriana, antifúngica, antiparasitária e antitumoral (LEUNG et al., 2006). Muitos polissacarídeos derivados de plantas já foram estudados por causa de suas propriedades. Entre elas, destacam-se suas atividades imunoestimulatórias e anticâncer, através de receptores de células imunológicas (OOI; LIU, 2000; JEON; KIM, 2001, LEUNG et al., 2006, WEST et al., 2006).

ALOE VERA (L.) A aloe vera (L.) é uma planta tropical que cresce facilmente em clima quente. Tradicional116

mente, é usada para cicatrizar ferimentos (MAENTHAISONG et al., 2007, JOSEPH, RAJ, 2010), por aumentar a proliferação de fibroblastos (CHOW et al., 2005) e por sua atividade antifúngica (RODRIGUEZ et al., 2005; ROSCA-CASIAN et al., 2007), hipoglicêmica (CHOI; CHUNG, 2003) e antioxidante (WU et al., 2006). Muitas outras atividades biológicas, incluindo a antiviral, a antibacteriana, a laxativa, a protetora contra radiação e a imunoestimulante são atribuídas a essa planta, particularmente aos seus polissacarídeos (NI et al., 2004). Os principais compostos encontrados nela são oligo- e polissacarídeos, taninos, esteróis e antraquinona (CHOI; CHUNG, 2003). Na composição de carboidratos, há vários polissacarídeos que foram detectados e isolados da polpa de sua folha, incluindo mananos, pectina e polissacarídeos que contêm ácido glicurônico (NI et al., 2004). Os mananos são os carboidratos mais estudados da planta, compostos por polímeros de diversos comprimentos de manoses unidos por ligações beta-(1,4) (MANNA; McANALLEY, 1993). De todos os usos, a fração polissacarídica de Aloe vera chama a atenção por sua capacidade de ativar células do sistema imune, o que aumenta o potencial dessas células em erradicarem tanto microrganismos bem como células tumorais, essas atividades resultam da ativação de macrófagos e linfócitos T (CHOW et al., 2005). Seus polissacarídeos modificadores da resposta biológica são solúveis em água e estão localizados na polpa clara no interior do gel de sua folha (NI et al., 2004). Quando administrado intraperitonealmente em camundongos com tumores implantados, polissacarídeos dessa planta são capazes de curar completamente o tumor ou de reduzi-lo significantemente (PENG et al., 1991). São também efetivos no tratamento de fibrosarcomas caninos e felinos desenvolvidos espontaneamente (HARRIS et al., 1991). A atividade antitumoral desses polissacarídeos é mediada pela ativação dos mecanismos de defesa do hospedeiro, e não, pela citotoxicidade contra as células tumorais. O aumento da atividade imunológica também está presente em vários outros sistemas, pois reforça a resposta de linfócitos contra aloantígenos in vitro (WOMBLE; HELDERMAN, 1992) e aumenta o tempo de vida de animais infectados por vírus (CHANDRAN, SEMENOFFA, 2008). Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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METODOLOGIA

Ensaio de proliferação celular

Obtenção dos extratos da planta

As culturas anteriores foram mantidas durante três e cinco dias, e o ensaio foi feito logo depois, na presença de 10 a 500 μg/ml das frações de aloe vera, e para marcar por coloração, 10μL de uma solução a 5mg/mL de MTT (Amresco). As placas foram incubadas em estufas de CO2 durante quatro horas para as que células incorporassem o sal (MOSMANN, 1983). Em seguida, procedeu-se a uma leitura em espectrofotômetro do tipo leitor de microplacas, em comprimento de onda 570nm. Para comparar as amostras, repararam-se o controle negativo (célula + meio) e o controle positivo (0.5μg/mL de micobactéria lisada).

A planta foi coletada e posteriormente identificada. Suas folhas foram lavadas com água destilada, para retirar os resíduos, e, depois, submetidas à maceração com solução hidroalcoólica (80%) por 72 horas. O extrato etanólico resultante foi seco em rotaevaporador a 45°C. Foram feitas partições com solventes em ordem crescente de polaridade (hexano, clorofórmio, acetato de etila e n-butanol) e obtidas diferentes frações e a fração aquosa que não foi solúvel em n-butanol. As frações resultantes foram concentradas em rotaevaporador a 45°C. O extrato etanólico e as frações dos extratos secos foram diluídos em PBS e esterilizados em filtros millipore 0,2μm. Triagem fitoquímica Para verificar a presença de algumas substâncias nos extratos e em suas fases, foi feita triagem fitoquímica. Os reagentes que foram utilizados são os seguintes: para flavonoides, o ácido difenilaminoborônico; para alcaloides, o reagente de dragendorff; para terpenos e esteroides, o reagente de Liebermann-Burchard; para carboidratos, timol/H2SO4, e para aminoácidos, ninidrina a 1%. Cultura de células mononucleares O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, e aprovado com o protocolo número 1103/07. O sangue periférico de doadores saudáveis foi coletado no Hemocentro do Estado da Paraíba e encaminhado imediatamente para o laboratório do Departamento de Biologia Molecular da Universidade Federal da Paraíba onde foi realizada a pesquisa. Depois de um processo de centrifugação, as células mononucleares de sangue periférico (linfócitos B e T, monócitos) foram separadas e cultivadas em microplacas com 96 (96 o quê?)(RPMI 1640, soro bovino fetal 15%, o suplemento glutamina 4mM, e os antibióticos 100 U/mL de penicilina, 100μg/mL de estreptomicina. Conceitos - N. 22, Vol. 1 (Jan. 2015)

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Análise estatística Os resultados foram comparados estatisticamente, através de análise de variância (ANOVA-Dunnett), e considerados como significativos os valores com p<0,05.

RESULTADOS Resposta de células mononucleares de sangue periférico ao extrato de aloe vera e suas frações e triagem fitoquímica Os resultados dos testes de triagem fitoquímica realizados para indicar a presença de alguns compostos no extrato etanólico e em suas frações estão na tabela 1. As células foram cultivadas durante três e cinco dias, com o extrato etanólico de aloe vera (L.), assim como com suas fases (hexânica, clorofórmica, acetato de etila, n-butanol e aquosa) em várias concentrações (10, 20,50, 100, 500μg/mL). Nenhuma das concentrações do extrato etanólico e das fases hexânica, clorofórmica e acetato etílica apresentou proliferação celular significativa da cultura, portanto, nenhum efeito foi proporcionado por essas frações sobre a cultura de células. Foi observada proliferação significativa, quando comparado com o controle negativo (somente células e meio de cultura) apenas no cultivo em presença das frações n-butanólica, nas concentrações 100 e 500μg/mL, e aquosa, nas concentrações 20, 50, 100 e 500μg/mL (Gráfi117


cos 1 e 2). Os resultados de proliferação das culturas celulares no terceiro e no quinto dias foram semelhantes. No cultivo celular com a fase n-butanólica, observou-se aumento da proliferação com o aumento da concentração do extrato. O mesmo

aconteceu com a fase aquosa, na qual não há incremento na resposta celular a partir da concentração 100μg/mL. Os resultados sugerem que, quanto maior for a solubilidade do extrato em água, maior será sua potência para estimular a proliferação celular.

Tabela 1: Triagem fotoquímica do extrato etanólico de A. vera e de suas fases: +, presença; –, ausência do composto em questão.

Gráfico 1: Proliferação da cultura de células mononucleares em diferentes concentrações da fase n-butanólica do extrato de A. vera. * p<0,05, n=3. Controle negativo (célula + meio). Controle positivo (0.5μg/ ml de micobactéria lisada). 118

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Gráfico 2: Proliferação da cultura de células mononucleares em diferentes concentrações da fase aquosa do extrato de A. vera. * p<0,05, n=3. Controle negativo (célula + meio). Controle positivo (0.5μg/ml de micobactéria lisada).

Uma maneira de estimular o sistema imune é através de sustâncias oriundas de plantas, que podem se ligar a receptores na superfície das células e desencadear uma resposta efetiva. Foi demonstrado que essas substâncias podem ativar o sistema imune para destruir patógenos (vírus, bactérias, fungos, parasitas) e células tumorais. Nas plantas, a principal classe de substância com esse efeito são os polissacarídeos (LEUNG et al., 2006). Os polissacarídeos de acanthopanax senticosus são capazes de ativar linfócitos B. Os polissacarídeos dessa planta aumentam a produção de anticorpos IgM policlonais por linfócitos B e a expressão e a secreção de fatores imunológicos, como as interleucinas IL-1, IL-6, e TNF-alfa, e do óxido nítrico sintase por macrófagos. Isso mostra que esses polissacarídeos são poten-

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tes estimuladores de linfócitos B e macrófagos (HAN et al., 2003). CONCLUSÃO Na fração n-butanólica, observou-se, por meio da triagem fitoquímica, a presença de carboidratos e aminoácidos, e na aquosa, terpenos, carboidratos e aminoácidos. Sugere-se que a resposta celular seja proveniente da ação de carboidratos. Não houve proliferação celular significativa na presença das fases hexânica, clorofórmica e de acetato etílica. Foram observados resultados estatisticamente significativos do crescimento celular, na presença das frações n-butanólica, nas concentrações 100 e 500μg/mL, e aquosa, nas concentrações 20, 50, 100 e 500μg/mL.

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