Caderno especial 01 - ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

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O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

editorial A marca deste Caderno Especial nº 1 é evidenciar o estado pré-falimentar do ICMS e dos imposto indiretos do Brasil, que têm causado sérios prejuízos à economia, ao ambiente de negócios e às próprias administrações tributárias, fatores que contribuem para o agravamento da posição dos estados na federação brasileira. O Caderno é um relato dos diversos palestrantes e debates ocorridos nos dias 16 e 17 de setembro de 2015, no Seminário Internacional ICMS e o futuro dos Estados, promovido pela Afresp, Escola de Economia de São Paulo e Núcleo de Estudos Tributários da Fundação Getúlio Vargas e Jornal O Estado de São Paulo. Muita gente séria que milita há anos nesse domínio, com o brilhantismo e a inteligência de Bernard Appy, Clovis Panzarini, Eurico de Santi, Fernando Rezende, Isaías Coelho, José Barroso Tostes Neto e Nelson Machado falam, sob perspectivas diversas, a respeito do modelo brasileiro de tributação. Por sua vez e com o mesmo brilhantismo, o economista do FMI, Artur Swistak, oferece um panorama bastante abrangente da tributação do consumo no mundo, notadamente nos Estados federativos e União Europeia. Por último, é apresentada a visão de um grupo de AFRs que analisam de que forma as mazelas do ICMS afetam negativamente a economia, os con-

tribuintes e a própria atividade das administrações tributárias e dos seus auditores fiscais. Mas, apesar de todos os pesares, o ICMS é um imposto que tem se destacado por sua capacidade de produzir arrecadação. Talvez seja esse um grande obstáculo para a mudança e, com certeza é essa a preocupação dos dois secretários de Fazenda que falaram durante o evento, Renato Villela, secretário da Fazenda de São Paulo, em seu discurso na abertura do evento, no qual mostrou sua preocupação quanto à necessidade de fechar o orçamento do Estado, e a secretária da Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão Costa, que, além dessa preocupação, apontou as dificuldades que qualquer proposta de reforma tem para fechar a cicatriz aberta pela guerra fiscal, da qual seu estado é também dependente. Esse primeiro Caderno Especial merece ser lido atentamente por todos. Ele diz muito para o público dos auditores fiscais, mas também para o público em geral, que quer se informar sobre o tema árido dos tributos, que foram apresentados no Seminário de forma clara, abrangente e consistente. Voltar as costas para esse tema significará, sem dúvida, o prolongamento da crise e uma opção pelo atraso. Bem-vindos, pois, à edição nº 1 do Caderno Especial.

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O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Rodrigo Spada

O ICMS E O FUTURO

DOS ESTADOS

Em muitos aspectos, a crise por que passa a classe dos Agentes Fiscais de Rendas é solidária com a crise que vive todo o país. O momento difícil por que passa a nossa classe tem como resultado o desgaste de sua imagem, seu desprestígio e, para os que estão dentro, o desânimo e, muitas vezes, a revolta contra uma situação que frustra seus melhores desejos e suas expectativas. Notícias que dão conta de servidores acusados de participação em fraudes fiscais mancham a imagem e o prestígio da classe, atingem e ferem cada um de seus integrantes e deixam no ar a suspeita de que tais desvios são inerentes à própria atividade do Fisco e podem ser comuns a cada um dos seus membros. O desprestígio resultante reflete-se em desvalorização da própria atividade desenvolvida pelos fiscais e, em consequência disso, na retribuição financeira sobre seu trabalho. A isso se junta a crise econômica e a perspectiva de queda de receita, que aumentam as pressões dos governos e criam expectativas de desempenho irrealistas, o que acaba por ampliar as frustrações e o desgaste. Desde o início da atual gestão, a Afresp entendeu que não seria possível atacar o problema da imagem do fisco se, simultaneamente, não fossem identificadas as causas profundas desse problema. Melhor do que gritar de dor seria descobrir sua causa e buscar formas de removê-la. Tomamos como hipótese de trabalho a afirmação de que boa parte dos problemas vividos pela classe derivam de problemas da própria estrutura tributária brasileira e, em particular, do ICMS. Entre o tributo e sua administração existe uma forte relação de solidariedade, assim como existe uma forte relação de solidariedade entre a qualidade dos tributos e o desempenho da economia e a saúde financeira dos contribuintes. Por isso, quando os tributos têm baixa qualidade são muitos os que têm a perder. Rodrigo Keidel Spada - Presidente da Afresp Por conta disso, a Afresp tomou a iniciativa de promover ações 4 | Caderno Especial


para estabelecer um diálogo entre autoridades em questões de tributação, finanças públicas e federalismo fiscal e os agentes fiscais que operam esse sistema. Não se trata de um problema particular do nosso estado, mas é toda a Federação brasileira que sofre com esse problema. O Seminário Internacional O ICMS e o futuro dos Estados representa o esforço inicial, no qual a Afresp se junta a seus parceiros, para compreender as diversas dimensões do problema tributário, aí incluída a dimensão operacional. Nesse esforço, juntam-se o Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas, a Escola de Economia de São Paulo, também da Fundação Getulio Vargas, e o jornal O Estado de São Paulo.

“O nosso modelo de tributação está longe de contar a favor do fisco. Daí o fato de não podermos ver nossa crise como fenômeno independente de uma crise bem maior, que é a crise dos tributos.”

máquina administrativa. Não é mais possível tratar as administrações tributárias do Brasil de forma independente da qualidade dos seus tributos, o custo é demasiadamente alto e os resultados são aquilo que temos visto. O Seminário Internacional O ICMS e o futuro dos Estados se propõe a oferecer ao público em geral e aos agentes fiscais de rendas de São Paulo e de todos os estados contribuições para um debate tão urgente quanto importante, que trata do principal imposto da nossa Federação. Não esgota a discussão e, menos ainda, o alcance do problema tributário brasileiro. O que esperamos é que seja um pequeno passo na direção da mudança. Passo que não daríamos sem nossos parceiros na promoção do evento. O sucesso que esperamos com a realização do evento será uma maneira de retribuirmos o esforço e a dedicação de todos aqueles que se empenharam para isso. Sejam todos bem-vindos ao Seminário Internacional O ICMS e o futuro dos Estados. Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1mTf55T

A crise econômica é também a crise dos tributos, enquanto a crise dos Estados é um aspecto particular de ambas as crises. À Afresp cabe buscar as relações entre a falência dos tributos e, em particular do ICMS, e os impasses das administrações tributárias, com seus reflexos sobre a imagem da classe que ela representa. Por essa lógica, nossa crise particular faz de nós solidários da crise econômica, transformando-nos em parceiros da sociedade e não seus algozes, como é comum se pensar.

o que disseram os debatedores

O Seminário que se inicia é apenas uma etapa de um trabalho que não se esgota nos dois dias de sua duração. Ele abre uma discussão que sabemos que será ampla e tão mais proveitosa quanto mais soubermos nos aprofundar nos nossos problemas e quanto mais próximos estivermos dos interesses do Estado e da sociedade. Os governos e suas administrações tributárias não podem ceder às tentações de promoverem a arrecadação às custas do desmantelamento da sua máquina de arrecadação e, com maior razão, da própria estrutura do imposto. Os resultados financeiros imediatos eventualmente obtidos não podem ser razão suficiente para desfigurar o imposto e desabilitar a máquina de arrecadação.

Nelson Machado

Nas últimas duas décadas, as administrações tributárias brasileiras investiram pesadamente aparelhando-se para enfrentar os desafios de uma economia globalizada, cada vez mais complexa e tecnologicamente sofisticada. Cada vez mais, as administrações tributárias são dependentes de sua capacidade de reflexão e análise, da inteligência e da honestidade de seus servidores, de uma estruturação adequada e da sua proteção contra influências estranhas ao interesse público. Impostos de má qualidade, complexos, custosos para o contribuinte e para o Estado, que afetam sua neutralidade, que criam cumulatividades indesejáveis, que incidem uns sobre os outros acabam por neutralizar os esforços de modernização e por fragilizar sua

Clovis Panzarini

“Nós precisaríamos consensar alguns princípios para uma reforma do sistema tributário. Quais são os princípios que a gente acha que são relevantes? Simplicidade e transparência, isso é fundamental. Isonomia no tratamento e na tributação, e neutralidade nos tributos, ou seja, fazer com que os tributos não induzam a forma de organização das empresas.”

“É muito complicado o debate tributário por conta dos conflitos todos, porque qualquer reforma tributária, qualquer aperfeiçoamento tributário vai implicar perdas e ganhos, tanto de receita quanto de poder político.” “Desenhar modelos é muito simples, o problema é submetê-los aos conflitos federativos e ao Parlamento. Aí a coisa complica.”


O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Renato Villela

o panorama do ICMS

em São Paulo

Foi tratando de questões associadas às crises econômica, institucional, política e ética que Renato Villela fez a sua palestra na abertura do Seminário Internacional O ICMS e o futuro dos Estados. Para ele, “a tempestade perfeita que o Brasil atravessa nesses meses, nos obriga, ainda que o tempo para reflexão seja muito curto, a nos organizarmos e dedicarmos tempo para refletir sobre essas questões”. Apoiador de primeira hora, o secretário da Fazenda do Estado de São Paulo sempre se mostrou interessado em conhecer e fomentar debates que permitam discutir e aprimorar a arrecadação estadual. O suporte que a Secretaria da Fazenda, através da Fazesp, dispensou ao Seminário Internacional foi imprescindível para a maciça participação dos agentes fiscais de São Paulo. Contudo, a participação do secretário na abertura do evento ratificou a confiança emprestada e conferiu a representação oficial do Governo do Estado de São Paulo que poderia faltar ao fórum. Villela, na palestra de abertura, disse considerar que os agentes fiscais têm a obrigação de prover recursos para o Estado cumprir suas obrigações e que esses devem considerar as crises atuais com a necessidade de gerar impostos e de financiar o setor público. Para ele, o momento coincide com o andamento de discussões bastante aprofundadas sobre aquilo que deveria ser chamado de Reforma Tributária, mas que, por algum motivo que escapa à compreensão, se concentra apenas no ICMS. Talvez porque o ICMS seja o mais complexo dos tributos, questionou. E afirmou que esse é o motivo por outros tributos estarem bem próximos do ICMS em termos de complexidade. Por conta disso, entende que focar as discussões no ICMS, além de injusto, é contraproducente. “A cada reforma do ICMS, vemos diminuir a capacidade de melhorar o sistema tributário como um todo. ” Renato Villela - Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo

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Para o secretário, a seriedade do momento que o país vive é espelhada na representação, no Seminário, de 20 estados da Federação


e sua importância se reflete na qualidade das pessoas que discutem os temas. Afirmou que temos “muito que avançar, principalmente em termos das práticas tributárias, e não só nos estados, mas, também, e principalmente, no Governo Federal”. Sem se furtar a tocar na desconfortável questão, Renato Villela falou dos desdobramentos da Operação Zinabre. Assegurou que o que o preocupa não são os efeitos que podem acarretar para os agentes fiscais, apesar dos inevitáveis desânimo e apreensão. Disse que a categoria AFR “se destaca pela elevada formação, alto nível ético e vai saber lidar com essa questão de maneira madura”. O que o preocupa é que, “de um modo geral, está se construindo uma falsa impressão de que isso é algo sistêmico, e não é”. Declarou que a sua discussão em relação a essa questão, com outras instituições que estão envolvidas no processo, e com a própria imprensa, é desconstruir a ideia, hoje muito charmosa, de procurar grandes esquemas de corrupção. Afirmou que ocorreram questões pontuais, que a própria Secretaria da Fazenda identificou e levou para outras instituições e esferas da administração pública. Disse que vem trabalhando para desmistificar a história de que há uma grande máfia, um problema de ordem sistêmica, e para mostrar que “a carreira dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo é, na sua esmagadora maioria, formada por pessoas sérias, que trabalham e não compactuam com isso”.

“O Congresso brasileiro nunca se empenha em controlar os gastos públicos, em reduzir as despesas. O problema brasileiro não é o imposto. É o gasto.” Retomou a análise da crise atual pela qual o país passa. Disse que o estado de São Paulo tem uma característica que é antecipar a crise pelo fato de ser uma economia muito calcada e concentrada no setor industrial. E que, assim, a crise chega antes em São Paulo e também sai antes de a recuperação se espalhar pelo resto do país. O secretário acredita e deseja que, passada a crise, teremos condições para voltar a discutir de forma mais profunda a Reforma do nosso sistema tributário. Não se atendo aos problemas do sistema tributário brasileiro, tarefa que seria executada pelos palestrantes e mediadores, o secretário da Fazenda discorreu sobre duas grandes características do sistema fiscal brasileiro. A primeira delas, positiva, é a grande capacidade de arrecadação – a boa geração de receita. A segunda característica, que em grande medida explica a elevada carga tributária, diz respeito ao sistema público brasileiro: é o descontrole no montante de gastos. Segundo o secretário, todos os esforços da sociedade e dos parlamentares se concentram em iniciativas que buscam reduzir a carga tributária sem que haja igual esforço pela criação de mecanismos que controlem dos gastos.

Para Renato Villela, a carga tributária não irá reduzir no Brasil porque temos um sistema orçamentário grande e, ao mesmo tempo, complexo e ruim. Resgatou um pouco da história do sistema de orçamento brasileiro e demonstrou como um sistema que já foi considerado de vanguarda, nos anos 60, hoje se encontra ultrapassado e desprovido das melhores práticas surgidas nas últimas décadas. Para ele, muito disso se deve às dimensões geográficas do Brasil e ao caráter federativo do Estado brasileiro, que impedem a padronização e a disseminação das boas práticas. Ao falar sobre isso, o secretário enalteceu o trabalho que o Nelson Machado empreendeu quando esteve à frente do Ministério da Fazenda “forçando um pouco a barra no Tesouro Nacional e no Ministério do Planejamento para a melhoria do sistema brasileiro de contabilidade pública e melhoria do orçamento. Afirmou: “gastamos muito, mal e não temos a menor ideia do que gastamos(...). Temos um orçamento extremamente rígido para sempre, não há nenhuma previsão para mudar as vinculações de receita”. Para ele, falta-nos medição e adoção de indicadores. Segundo Villela, o problema é o gasto. O imposto não é a causa, mas efeito da disfuncionalidade do gasto público. Disse que, apesar disso, cabe aos agentes fiscais continuar buscando transparência na área tributária, melhoria de arrecadação e de mecanismos de técnicas e processos. “Que se saiba e que fique claro para todo mundo, que só conseguiremos melhorias marginais porque a questão fundamental não está sendo atacada. Não se pede a um ministro ou secretário da Fazenda que ele diminua a receita ou melhore o sistema tributário. Não. A obrigação do secretário da Fazenda é fechar o orçamento no final do ano. Essa é questão”, disse. Renato Villela reconhece que a substituição tenha levado à criação de um excelente sistema e procedimentos, que se tornou antifuncional ao introduzir no sistema um enorme grau de dificuldades e de complexidade, que, segundo disse, mata o empresário e dificulta a atividade econômica. Defendeu que continuemos estudando, discutindo Reforma Tributária e melhorando o ICMS. Mas que não se espere ser essa a solução de todos os males. A melhora do ICMS não será suficiente para solucionar isso. Uma reforma que traga melhorias ao ICMS não resolverá os problemas se não forem aumentadas a transparência e a eficiência do gasto. É preciso que, a exemplo do que ocorre na iniciativa privada, seja medida a produtividade do setor público que, lhe parece, deve ser uma das piores do mundo, apostando que seja em níveis africanos, e que ninguém sabe porque não tem como medir. Terminou a palestra lamentando não poder permanecer porque seu compromisso com a reunião do Confaz o impedia. Ressaltou a qualidade do Seminário, prometendo, assim que possível, inteirar-se do seu conteúdo. Despediu-se pedindo desculpas pelo desabafo e desejando a todos dias produtivos de trabalho.

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1UMETf5

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O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Artur Swistak

O IVA no nível subnacional de governo: Canadá, Índia , União Europeia e Brasil Tradução da palestra conferida em 16 de setembro de 2015 no Seminário Internacional o ICMS e o futuro dos Estados, realizado no Guarujá/SP pela Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo – Afresp (1)

Toda a apresentação versa sobre a experiência internacional com o IVA, especialmente em países federativos onde há IVA instituído tanto no nível nacional como no subnacional ou regional. Os exemplos utilizados são Canadá, Índia, Brasil e União Europeia. O palestrante lembra que o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a adotar este imposto, além da França em 1954. Atualmente mais de 150 países têm alguma forma de IVA e sua adoção continua se alastrando pelo mundo. A começar pelos princípios do IVA, enfatiza que o tributo não pode servir para outros fins a não ser o arrecadatório. Por exemplo, não é imposto apropriado para a promoção da política in-

Tradução: Ângelo de Angelis. Notas do tradutor: as expressões utilizadas pelo palestrante foram traduzidas para o português de acordo com o sentido das mesmas e, no caso de termos ou expressões técnicas, de acordo com seus equivalentes no idioma português utilizados na legislação e no jargão brasileiros. O texto foi adaptado da primeira pessoa e readequado à linguagem escrita, eliminando-se expressões verbais decorrentes da espontaneidade da linguagem oral. Do mesmo modo, algumas passagens foram resumidas e expressões foram modificadas para que houvesse melhor adaptação ao idioma português sem, contudo, sacrificar o seu sentido intrínseco. Expressões entre parênteses são palavras não ditas pelo palestrante, mas foram acrescentadas ao texto com o mesmo objetivo de melhorar a conformação da linguagem oral à escrita e do idioma inglês ao português. Expressões entre parênteses em itálico são as originais ditas pelo palestrante. Foram acrescentadas em algumas passagens após a adaptação de expressões com o objetivo de deixar claro ao leitor o seu sentido intrínseco. Especificidades da legislação do IVA de outros países, bem como regimes especiais neles vigentes, quando citados pelo palestrante, contêm sua explicação em notas de rodapé acrescentadas a partir de pesquisas e trocas de ideias com o palestrante feitas pelo próprio tradutor. 1

Artur Swistak - Representante do Fundo Monetário Internacional (FMI)

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dustrial. Elenca determinados princípios, como a simplicidade e a neutralidade, e características que devem nortear o design do IVA para que possa primar pela eficiência. Sob este aspecto, o IVA deve possuir poucas alíquotas, abarcando toda a sequência das cadeias de valor com a inclusão de bens e serviços em sua base. É, por natureza, imposto multifásico e não cumulativo e a incidência deve ser continuada e sem quebras de cadeia com isenções e regimes de exceção. Usualmente, utiliza-se do método do crédito pelas faturas o que envolve um de seus aspectos de grande relevância que é o ressarcimento de créditos acumulados. É imposto sobre o consumo não devendo, portanto, onerar o comércio exterior e a produção. Para tanto, deve-se adotar o princípio de destino e garantir o pronto ressarcimento de créditos acumulados (tanto os decorrentes de exportações quanto o de investimentos). Estas seriam as características básicas para o design de um bom IVA. No entanto, não é imposto perfeito e, tampouco, homogêneo entre os diversos países que o adotaram.

não o adotaram. O exemplo mais proeminente são os EUA, um país da OCDE que ainda não o adotou. Os quadros abaixo demonstram as estruturas mais comuns do IVA de estados unitários, que são a maioria, e também as de federações ou mercados comuns. Mesmo nestes últimos, o IVA pode ser um imposto nacional, uniforme e, em certa medida, descentralizado. Em federações, obviamente, pode-se ter o IVA regional a ser operado de forma completamente independente por cada estado ou, em alguma extensão, ser harmonizado mesmo que instituído individualmente no nível estadual ou, ainda, piggy-backed a um IVA federal (³).

O IVA padece de algumas fraquezas, por exemplo, é um imposto regressivo. Destaca grupos de problemas associados ao comércio de fronteiras, como, por exemplo, a chamada fraude carrossel (²) na União Europeia. Em federações ou grupos de países, a questão básica que se coloca é onde tributar? A quem os benefícios da arrecadação devem ser revertidos? O IVA é um bom imposto quando instituído no nível nacional. Mas há países de organização federativa, como o Brasil. Então, como projetar um IVA em federações? Como dividir (entre estados federados) a base impositiva e a receita? Como evitar a competição fiscal (guerra fiscal)? Como cooperar? Como adequar custos administrativos e de conformidade? Estas são questões substantivas que tentaremos responder ao longo desta apresentação.

Qual é a experiência internacional com o IVA em nível subnacional? No mundo, há 29 exemplos de países que são federações e, como se percebe pelo quadro ao lado, na maioria deles o IVA é um imposto de nível nacional, não é um imposto federativo. Apenas em três países – Brasil, Canadá e Índia – há formas regionais de IVA. E há países de organização federativa que ainda

² A chamada fraude carrossel é praticada na União Europeia sobre transações intracomunitárias (de país para país). Mais à frente, o palestrante demonstra a operação desta espécie de fraude. ³ A expressão piggy-backed utilizada pelo palestrante tem o sentido comum de

A próxima questão trata dos motivos do IVA ser um imposto nacional na maior parte dos países do mundo. Em grande parte, esta configuração advém das próprias Cartas

“ser carregado sobre os ombros ou sobre as costas de alguém”. No presente caso, o IVA dual canadense é um exemplo. Há um IVA nacional, instituído pelo governo central, e algumas províncias possuem o seu próprio IVA sobre a mesma base do IVA central.

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Constitucionais. No caso da União Europeia, é uma exigência imposta pelo Mercado Comum para que houvesse harmonização da tributação entre os países participantes, além do fato dos estados subnacionais não serem representados na Comunidade. Afora esses motivos de ordem constitucional, o principal motivo reside na eficiência. O IVA nacional possui design mais simples, sendo mais fácil de ser administrado. Reduz custos para a administração tributária e custos de conformidade para os contribuintes. Há apenas uma legislação, uma interpretação, uma única jurisprudência, mesmo que admitidas certas nuances regionais. Não há necessidade dos contribuintes se registrarem em outros estados. É mais eficiente para a execução das políticas macroeconômicas de comércio e até mesmo outras, embora seja imposto de natureza arrecadatória. Não há guerra fiscal e sim ganhos de produtividade. Muitos países preferem adotar mecanismos de transferências ou equalização de receitas ao invés de IVA subnacional. O IVA em escala nacional favorece o planejamento e a previsibilidade das receitas. Embora haja IVA subnacional com outros nomes, como é o caso da Itália, o comum é ser instituído no nível nacional. Em suma, IVA nacional tem as seguintes características e vantagens: •

Política central (para o IVA) uniforme, usualmente não há esquemas do tipo piggy-backed (IVA subnacional “dependurado” em IVA nacional)(4);

Legislação única, mesmo admitidas algumas nuances regionais;

Uma única administração e fiscalização sendo que usualmente não há divisão de responsabilidades com os governos locais;

Fontes de receitas centralizadas no governo central, mesmo admitidos sistemas de transferências e equalização de receitas, sendo que este é caso de um bom número de países.

Descentralização de IVA nacional Os países buscam critérios na criação da estrutura do IVA nacional e, para evitar os problemas suscitados pelo IVA regional, as federações procuram descentralizar vários de seus aspectos. O grau e o escopo desta descentralização variam de país para país. São exemplos a instituição de alíquotas diferenciadas por região, a exclusão de regiões do alcance da incidência, o uso de administrações tributárias descentralizadas (divisões regionais)

e, o que eu gostaria de chamar atenção, a adoção de critérios para a divisão e a alocação das receitas, o que constitui alternativa viável ao IVA regional. No Brasil, há uma grande discussão envolvendo negociações no âmbito federativo em torno da apropriação das receitas (do ICMS). Quanto mais responsabilidades se atribuem aos estados, maior a necessidade de autonomia para a geração de receitas próprias, enfim, para a autonomia fiscal.

“O IVA não pode servir para outros fins a não ser o arrecadatório. Por exemplo, não é imposto apropriado para a promoção da política industrial.” O IVA nacional pode admitir alíquotas reduzidas a serem aplicadas em determinadas regiões. O objetivo é promover o desenvolvimento regional, a redistribuição de renda, evitar a guerra fiscal e, ainda, as compras fronteiriças (cross border shopping). Exemplos de alíquotas reduzidas por região podem ser encontrados tanto em países federativos quanto em países unitários: regiões de fronteira na Áustria e no México; nas Ilhas Canárias, Ceuta e Melilla na Espanha; Açores em Portugal e a região amazônica no Peru. Na Europa, há regiões que são excluídas da base do IVA, como, por exemplo, Ilhas Aland na Finlândia; Monte Athos na Grécia; Lago Lugano na Itália e muitas outras. Para estimular a arrecadação do IVA (nacional) no âmbito regional, alguns governos (centrais) atribuem a responsabilidade pela coleta do imposto às administrações tributárias regionais. Em federações, há o exemplo do México onde o IVA, que é nacional, é administrado pelos estados, que têm o direito de reterem uma parcela sobre um adicional do imposto cobrado a partir das auditorias fiscais realizadas nas empresas. Isto é uma forma de estimular a fiscalização estadual. Todo o imposto arrecadado – exceto as participações estaduais sobre aquele adicional – vai para o governo central. Há uma gama de problemas derivados do fato de nem todos os estados terem os mesmos estímulos para fiscalizar e arrecadar. O outro exemplo é a província de Quebec no Canadá que arrecada ambos IVA, o Harmonized Sales Tax (HST), que é o imposto regional de competência da própria província, e o General Sales Tax (GST), de competência do governo central. Ambos são arrecadados pela administração tributária da província. Em estados unitários, geralmente de administração extremamente desconcentrada, como Espanha, Reino Unido e Tanzâ-

Vide Nota 3. No presente caso, o IVA subnacional é cobrado juntamente com o IVA federal como se o primeiro “pegasse uma carona nas costas” do segundo, ou a ele estivesse dependurado. 4

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nia, encontram-se exemplos de IVA nacional administrado por administrações tributárias sub-regionais. Quanto à repartição das receitas do IVA nacional, a ideia central é a coleta da receita de um único IVA (single tax) e, depois, reparti-la entre diferentes partes do país, podendo ser um país unitário ou federado. Isto é feito, por exemplo, na Austrália, Espanha, Áustria e Nigéria, onde uma parte da receita retorna para os estados e outra parte é retida pelo governo central. Há também exemplos em que outra parte das receitas do IVA é repartida diretamente com os governos locais, as municipalidades. É o caso da Bélgica, Espanha, Alemanha, Áustria e Nigéria. O percentual da receita repartida varia de país para país, podendo mudar com o passar do tempo. Recentemente, na Austrália, que a propósito é o único país onde 100% da receita é redistribuída, nada é retido pelo governo central, mas, como será visto, há alguma equalização envolvida nesta divisão. Desta forma, uma vez que há equalização desta divisão entre os estados, há sempre uma série de debates e discussões sobre como esta receita deverá ser redistribuída. Apenas recentemente chegou-se ao critério de redistribuir 100% da receita. Na Alemanha, aproximadamente 50% são redistribuídos para os estados e outra porção, em torno de 1% ou 2%, vai para os municípios. Na Espanha, é um terço, na Austrália, 25%, na Nigéria, um percentual elevado de 65%, e na Argentina, em torno de 40% é destinado aos governos subnacionais. Em algumas federações, a receita do IVA não é repartida com governos subnacionais. É o caso da Suíça e do IVA federal do Canadá. As receitas podem ser alocadas para o nível subnacional por meio de critérios indiretos ou diretos. Pelos primeiros, a receita do IVA para o nível subnacional é transferida por meio de subvenções e transferências gerais. Pelo critério direto, adota-se o mecanismo da vinculação de receitas. Os critérios de repartição também podem envolver componentes horizontais e verticais na repartição. Se envolver componentes horizontais, haverá alguma equalização na alocação da receita do IVA entre os estados. Em que bases a alocação da receita deve ser feita? Em muitos países, utiliza-se as estatísticas de consumo, o que gera um lapso de tempo entre a coleta e disponibilização dos dados devido às dificuldades de coleta e pesquisa. Em alguns países, essas dificuldades são maiores do que em outros. Pode-se dividir também a receita do IVA tendo-se por base o valor das transações realizadas em cada estado ou em bases derivativas. Em ambos os casos, utiliza-se informações (provenientes das bases de dados) das faturas. Utiliza-se também os créditos atribuídos às transações (para definição dos critérios). Isto depende do nível

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de desenvolvimento da tecnologia de informação, o que não é tão difícil (de ser empregado). A beleza disto é que tudo pode ser feito em uma base em tempo real por meio de informações que podem ser rapidamente obtidas. Este critério é empregado na China e provavelmente em outros países. Outros fatores também podem ser considerados como, por exemplo, “população” na Alemanha, “crianças em idade escolar” na Bélgica. Na Austrália, há novamente o critério “população” e os chamados elementos de relatividade, como nível de desenvolvimento local, custo de provimento de serviços e capacidade fiscal. No Marrocos, basicamente índices dos níveis de pobreza são usados para distribuir ou alocar as receitas do IVA.

IVA REGIONAl Quais são as questões centrais quando se deseja construir um bom IVA subnacional? Deve-se assegurar que o IVA respeitará a autonomia fiscal das regiões ou dos estados e que a receita seja revertida para eles. Se províncias ou estados forem os responsáveis pelas suas próprias políticas - e para isto necessitarão de receitas – muito provavelmente deveriam ter o direito de conceber a sua própria política fiscal, o que inclui a política tributária: fixar alíquotas, decidir pelas bases a serem tributadas, etc. Este é desafio e o objetivo número um ao se desenhar um bom IVA subnacional em uma federação. Deve-se também assegurar que a cadeia do IVA seja preservada. Bens, principalmente estes, e, em menor extensão, serviços se deslocam de um estado para outro, devendo-se , no entanto, fazer com que o imposto não seja exportado – o que remete à aplicação dos princípios de origem ou de destino. Também deve-se assegurar que (em se tratando da aplicação do princípio de destino) todo o imposto pago no estado de origem seja ressarcido ou creditado ao contribuinte, a exemplo dos países que adotam alíquota zero sobre suas exportações. Do mesmo modo, o IVA subnacional não pode colocar barreiras sobre o comércio interestadual. Não há fronteiras entre estados (e sim divisas estaduais)(5), não havendo, portanto, quaisquer impedimentos ao comércio interestadual. Na medida em que distinguimos o comércio interno do comércio interestadual e, pior, consumo empresarial do consumo final, coloca-se mais complexidades no sistema (do IVA) e maiores custos. Na medida do possível, isto deve ser evitado. IVA não pode distorcer a produção, devendo

Entre estados de uma federação não há fronteiras e sim divisas.

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recair, em última instância, sobre o consumo. Isto remete à discussão sobre a aplicação do princípio de destino ou do princípio de origem. O IVA não pode distorcer decisões locacionais (local onde as empresas decidem se estabelecer). Não pode criar condições para qualquer tipo de competição. Este é, de fato, o caso que acontece no Brasil. Todos os estados se digladiam pelas bases tributárias. Esta é, em grande parte, a questão, o problema relacionado com a aplicação do princípio de origem simplesmente porque os bens são tributados no seu ponto de venda ao invés de sê-lo no consumo. Esta é a situação. Provavelmente teremos de procurar outras soluções para este problema. Deve-se assegurar que o IVA proporcione simetrias de conformidade (6) (entre setores de atividade econômica e entre regiões) e isto nos remete ao problema da necessidade de se distinguir (ex ante) transações interempresariais de transações a consumidores, comércio estadual de comércio interestadual. Na medida em que não temos como fazê-lo por ser muito difícil de assegurar que esta distinção será bem feita, não se pode garantir que haverá simetrias de conformidade(7). Se assim o fosse, então obter-se-iam simetrias de conformidade. Aqueles que realizam negócios de vendas no meio das cadeias produtivas não se preocupam se, adiante, as mesmas se converterão em consumo ou para quem serão realizadas. Obviamente que este IVA deve ser o mais simples possível, não devendo contemplar grandes custos de conformidade, ser de fácil administração e prover apropriados estímulos pelas administrações tributárias para o cumprimento de suas regras (8), o que, muitas vezes, sabemos que não é o caso. Em teoria, quando se pensa em federações ou em mercados comuns em que não há fronteiras, conceber um IVA não é um grande desafio se a balança comercial entre estados for idêntica, o que significa que todos os estados vendem o mesmo montante em mercadorias entre eles e, ainda, há completa harmonização entre bases de cálculo e alíquotas. Neste caso, não haveria problemas em operar o IVA pelo princípio de origem. A maior parte dos estados são ou (predominantemente) consumidores ou (predominantemente) produtores e a divisão da receita (entre os estados) é absolutamente desigual. A composição do comércio interestadual difere (de estado para estado) e, ainda, se houver alíquotas diferenciadas, toda situação se complica ainda mais.

Simetrias de conformidade referem-se à equalização dos custos de cumprimento das obrigações tributárias assessórias entre setores de atividade econômica e entre regiões de um mesmo país ou grupo de países em um mercado comum. 7 Esta é uma adaptação da linguagem oral à linguagem escrita. O palestrante não disse exatamente estas palavras, mas as deixou subentendidas. A linguagem oral, por ser mais espontânea e viva, muitas vezes, transmite ideias que vão além das palavras. Nesta tradução, procurou-se, na medida do possível, transcrever estas ideias. Elas estão entre parênteses ou em itálico ou ambos, de acordo com o encadeamento das frases. 8 Melhor tradução para enforcement encontrada pelo tradutor neste contexto. 9 No idioma inglês, o termo utilizado para designar os referidos princípios é 6

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Diferenças entre princípio de destino e princípio de origem (9) Quando se pensa no princípio de destino, acredita-se largamente que seja economicamente superior, embora não haja consenso sobre este ponto. Ao mesmo tempo é mais difícil se fazer cumprir as suas regras (10). E como isto é usualmente feito? Quando se fala em princípio de destino, basicamente o que há é a sua aplicação ao comércio exterior entre dois países independentes. Neste caso, aplica-se alíquota zero sobre as exportações de forma que os bens saem do país exportador sem nenhum imposto e, assim, a cadeia do IVA se reinicia no país importador. Em países federados ou em mercados comuns como a UE (União Europeia), isto é feito de forma bastante similar. Há imediata aplicação de alíquota zero, por exemplo, quando bens são exportados da França para a Alemanha, exatamente como ocorre com as vendas ao exterior para outros países fora da UE. Por outro lado, quando esses bens adentram a Alemanha, como sabemos, não há fronteiras, não há ajuste de fronteiras a serem aplicados, não há, portanto, IVA a ser coletado no momento da importação. Chamamos isto de pagamento diferido, isto é, este IVA é realmente pago posteriormente, mas somente quando os bens importados são revendidos a outro comerciante ou incorporados à produção no país de destino. Tecnicamente falando, este é um caso em que ocorre o chamado mecanismo da cobrança reversa, na mesma declaração do IVA do destinatário importador (11). Isto é feito de maneira um pouco diferente entre os países da União Econômica Eurasiática, composta por Rússia, Cazaquistão, Bielorrússia, Armênia e Quirguistão, cinco países. Na mesma situação anterior, em que bens são exportados, por exemplo, da Rússia para o Cazaquistão, o são por alíquota zero, mas não imediatamente. Isto ocorre em um momento posterior, após o exportador russo ter a certeza de que o IVA sobre os bens exportados foi, de fato, pago no Cazaquistão (12). Para tanto, é processada uma troca de documentação após a qual se aplica a alíquota zero retroativamente sobre a exportação russa. Por este mecanismo, evita-se fraudes na exportação (do tipo fraude carrossel). Primeiramente, antes de se aplicar alíquota zero, é preciso certificar se o IVA foi realmente pago no país de destino. Isto não ocorre na fronteira porque a mesma não existe.

basis; destination basis e origin basis. Assim, em uma tradução literal, teríamos IVA pela base de destino e IVA pela base de origem. Na língua portuguesa, porém, o termo utilizado não é base e sim princípio. Portanto, a tradução mais apropriada para o português é IVA pelo princípio de destino e IVA pelo princípio de origem. 10 No original em inglês, to enforce. 11 Para esclarecimento do mecanismo da cobrança reversa do IVA ver Nota 35 adiante. 12 Neste ponto, o palestrante trocou o nome do país de destino. No exemplo, ele havia primeiramente mencionado que o mesmo fosse o Cazaquistão. Neste ponto, ele menciona que é o Quirguistão. Na tradução, mantemos o primeiro como sendo o país de destino.


O princípio de destino tem a capacidade de resolver o problema do comércio entre empresas registradas (como contribuintes do IVA), mas não resolve o problema das compras fronteiriças de consumidores finais, que são tributadas, em sua maioria, pelo princípio de origem. Este é o caso na Europa, por exemplo, de uma pessoa alemã que se desloca para fazer compras na França, pagará o IVA francês.

na prestação de serviços, o local do fornecimento, de fato, transfere-se para o outro país onde os bens e serviços são realmente consumidos. Veremos alguns exemplos disto. Ocorre que este mecanismo coloca grandes complexidades ao IVA, tanto para as empresas quanto para as administrações tributárias.

“Good administration depends on good taxes.” - Uma boa administração depende de bons impostos.

Quais são os IVA regionais?

O princípio de origem, definitivamente, é mais fácil de ser administrado, mas provoca mais distorções e não é equitativo. É uma receita prudente (embora provoque distorções). Sejamos honestos, é uma forma de se apropriar (13) de bases tributárias do país que consome bens (do país exportador). As distorções podem ser combatidas pela aplicação de alíquotas reduzidas e harmonizadas sobre as transações interestaduais. Sabemos que esta não é uma solução perfeita. Em teoria, as distorções também poderiam ser amenizadas pelo mecanismo das câmaras de compensação, o que tem sido longamente recomendado para a União Europeia. Este mecanismo consiste basicamente em redirecionar os créditos do IVA (a receita do IVA) entre os países de acordo com o consumo ou com a realização da transação final verificada em cada um deles. Há um substituto deste mecanismo – não exatamente na forma como foi proposto – adotado pela União Europeia em janeiro de 2015 pelo denominado mini One Stop Shop, que é um esquema especial para tributar serviços de telecomunicações por radiodifusão. Os provedores destes serviços podem preencher as declarações do IVA no seu próprio país de origem e ali pagarem todo o imposto que seria pago em cada país de destino para onde o serviço foi prestado. Posteriormente, as administrações tributárias dos países de origem remetem para cada país de destino as respectivas declarações do IVA e as correspondentes receitas arrecadadas. É uma espécie aproximada de câmara de compensação.

No Canadá, há o HST (Harmonized Sales Tax 16), que é uma espécie de piggy-backed (17) sobre o IVA federal e que configura, em última instância, um sistema de IVA dual. É um imposto bastante harmonizado e cobrado pelo princípio de destino. No caso da província de Quebec, é administrados em separado pela Administração Tributária Provincial (Provincial Tax Administration), aplicando-se alíquota zero sobre as transações interprovinciais (sobre o HST) como nos demais casos típicos do princípio de destino. No Brasil, o ICMS é basicamente pelo princípio de origem, havendo algum grau de harmonização nas transações interestaduais que ficam sujeitas a uma alíquota menor. Este é o principal mecanismo encontrado para reduzir distorções no comércio entre dois estados. Na Índia, há um imposto estadual pelo princípio de origem nos moldes de um IVA. O comércio interestadual é tributado por um outro IVA (federal) denominado CST (Central Sales Tax 18). Há ainda dois blocos econômicos sem fronteiras fiscais. Um mercado único, a União Europeia, com IVA separado para cada país, mas fortemente harmonizados. Neste mercado, as transações intracomunitárias são contempladas pelo princípio de destino se a transação for entre empresas de diferentes países, e de origem se for a de consumidor final. No primeiro caso, há, portanto, diferimento do imposto. Há também alguns elementos de transferências de receitas, mas isto só ocorre porque uma parte da receita do IVA é a chamada own source (19) para a União Europeia, que é arrecadada juntamente com os

O que acontece quando se tem o princípio de origem largamente aplicado às transações do tipo B2C (business to consumers 14) e os países desejam assegurar, tanto quanto possível, que o imposto seja pago no país onde se realiza o consumo? Tais países projetam as chamadas carve-outs (15) a partir do princípio de origem. Em muitos casos, tanto no fornecimento de bens quanto

O palestrante usou a expressão this is some sort of sting of the tax base from the countries that consume goods que em tradução literal seria: esta é uma espécie de ferroada à base tributária dos países que consomem bens. 14 Transações do tipo B2C (business to consumers) no Brasil recebem várias designações, a saber, vendas diretas ao consumidor, vendas não presenciais, vendas pela internet, comércio eletrônico e outras. Referem-se às vendas efetuadas diretamente de indústrias, atacadistas ou centros de distribuição ao consumidor final, sem passar por lojas tradicionais de varejo. No passado, tratava-se das chamadas vendas por catálogo ou vendas por telefone. 13

Carve-outs são empresas-filhas de uma empresa fornecedora de bens e serviços. São montadas em lugares distintos da localidade da empresa-mãe a fim de repassarem seus bens e serviços a clientes de outra localidade. São espécies de filiais. 16 Imposto Harmonizado sobre Vendas em tradução livre. 17 Vide Nota 3. 18 Imposto Central sobre Vendas em livre tradução. 19 A own source é uma receita derivada do IVA e é direcionada ao erário da própria União Europeia. Não é uma repartição de receitas propriamente dita. 15

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pagamentos alfandegários. Não se trata exatamente de uma repartição de receita em que o IVA é coletado em um local e posteriormente distribuído para os demais países.

Outra questão relacionada ao ICMS é que a sua base é bastante limitada, nem todos os serviços são incluídos. É uma estrutura muito complexa quando se pensa no conjunto da tributação. Há três diferentes impostos (IPI, ICMS e ISS) com pouca harmoniza-

O segundo bloco é o Eurasian Economic Union (EEU20), que ainda não é um mercado único, mas, supostamente, um mercado comum onde há um IVA coordenado, a exemplo da União Europeia, com base no destino ou na origem. Aplica-se alíquota zero para as aquisições (interempresariais) do país de destino. Há um bom candidato, um terceiro bloco, a WAEMU (West African Economic and Monetary Union) onde, até o presente, ainda há fronteiras fiscais, mas já se encontram em avançada discussão política para melhor harmonizar o IVA e, eventualmente, eliminar as referidas fronteiras.

ção entre eles. Há também o esquema da substituição tributária cuja legislação varia muito de estado para estado, com várias listas de bens sujeitos ao regime, o que distorce a harmonização que, a princípio, deveria estar presente, mas que, na prática, não funciona bem. Obviamente que tudo isto está associado aos altos custos de conformidade e administrativos (23), distorções espalhadas por todo o sistema, cumulatividades e exportação de impostos. Acima de tudo, há uma enorme guerra fiscal (24) com diferentes desonerações e incentivos concedidos pelos estados na disputa por investimentos e produção. Os estados, a exemplo de São Paulo, reagem a essas concessões. Isto provoca muitas distorções e, definitivamente, deteriora a produtividade do IVA, que, a propósito, poderia ser um imposto bastante produtivo. Quanto aos objetivos do desenvolvimento econômico atribuído às reduções de alíquotas promovidas especialmente pelos estados mais pobres do

Brasil

Norte e Nordeste do país, não há certeza de que esses objetivos sejam realmente alcançados em decorrência destas reduções.

Em linhas gerais, há dois tipos de IVA. O federal, Imposto sobre Produtos Industrializados, IPI, que mais se assemelha a um imposto seletivo sobre bens, funcionando como se fosse um excise tax (21), com alguma limitação à dedução de créditos e alíquotas variadas conforme a categoria do bem. No nível estadual, há o Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços, que é ob-

Índia

viamente diferente do IPI, mas sobreposto à sua base sem que haja piggy-backing(22), significando tratar-se de dois impostos completamente independentes. (Para que haja) algum grau de

Na Índia, o IVA não é genuíno devido à estrita separação que há

harmonização, em teoria, tanto as bases quanto as alíquotas

entre os diferentes poderes de tributar. Isto tem sido recorrente e,

deveriam ser acordadas no nível federal. Na prática, isto é um

justamente por causa disto, tem sido muito difícil delinear uma

pouco diferente porque as administrações tributárias estaduais

verdadeira reforma tributária do IVA. A União tributa a produção

são independentes. Também há alcance limitado quando se

de bens e a maior parte dos serviços. Os estados, por sua vez, po-

pensa na base da incidência porque o ICMS recai sobre bens

dem tributar as vendas de bens e alguns serviços específicos. Ainda

e alguns serviços selecionados, os serviços de transporte inte-

há um imposto adicional sobre o comércio interestadual (Central

restaduais e intermunicipais e serviços de comunicações. Há

Sales Tax). Na prática, há novamente uma situação de sobreposi-

alíquotas duais incidindo diferentemente sobre transações in-

ção de bases tributárias sobre bens e muita cumulatividade.

ternas (nos estados) e interestaduais pelo princípio de origem. Há ainda o imposto municipal sobre serviços que é em cascata,

Desde 1986, o IVA Central, primeiramente denominado de IVA

não havendo, portanto, deduções de créditos.

Modificado, ao ser introduzido, basicamente substituiu uma

União Econômica Eurasiática. Excise tax é um imposto seletivo utilizado pelos países europeus para taxar bens supérfluos ou nocivos à saúde e ao meio ambiente. 22 Ver Nota 3. 23 Na literatura tributária internacional, custos de conformidade (compliance costs) são os custos incorridos por contribuintes para poderem efetuar o lançamento dos impostos devidos. Decorrem, principalmente, dos dispositivos da legislação 20 21

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tributária no que diz respeito à manutenção de sistemas de registros dos fatos tributáveis e das obrigações acessórias que acompanham o pagamento dos impostos. Custos administrativos (administrative costs) referem-se aos custos das administrações tributárias necessários para fiscalizar, cobrar e arrecadar os impostos. 24 A literatura tributária internacional utiliza-se do termo fiscal competition (utiizado pelo palestrante) para designar aquilo que no Brasil é conhecido por guerra fiscal.


espécie de excise (25). É um imposto limitado do ponto de vista dos mecanismos de aproveitamento de créditos, mas de bases alargadas (o IVA Central). Este imposto contempla deduções diferidas dos créditos sobre aquisições de bens de capital (26), isto é, tais créditos não podem ser aproveitados de uma só vez, mas, salvo engano, por um período de dois anos. O IVA Central abrange apenas as etapas da indústria, não alcançando o varejo, como um bom IVA deveria ser. Há, ainda, várias alíquotas para diversos bens e serviços. Em 2005, o IVA Central foi suplementado com o IVA Estadual que, novamente, não foi estendido ao varejo. No momento atual, há três diferentes impostos em vigor na Índia que não se comunicam entre si. São impostos completamente separados, gerando várias cumulatividades. Mas há uma reforma planejada. O plano encontra-se ainda na mesa e prevê a introdução de um novo sistema de IVA a partir de janeiro de 2016. O que acontecerá com esta reforma ainda não está muito claro, devido às dificuldades de se chegar a um acordo sobre o design final do imposto. O que tem sido proposto é um IVA dual para todos os bens e serviços em substituição ao IVA Central. Este novo imposto seria o Central GST (Central General Sales Tax, em livre tradução, Imposto Geral sobre Vendas Central). Haveria também um Imposto Geral sobre Vendas Estadual (State GST) que substituiria o atual IVA Estadual mais outros impostos como o Imposto sobre Entradas (27), o Imposto sobre Bens de Luxo, o Imposto sobre Diversões e outros impostos sobre determinados serviços. Inicialmente o plano consistia em criar o Imposto Geral sobre Vendas Central e o Imposto Geral sobre Vendas Estadual mais um imposto adicional no nível federal sobre o comércio interestadual, o Imposto Geral sobre Vendas Integrado (Integrated GST), e nada além disto. No presente momento, houve um consenso de que este último imposto não entraria em vigor, o que retiraria todo o objetivo geral da reforma. Mesmo assim, há pontos positivos como, por exemplo, o aproveitamento de todos os créditos, exceto as compensações verticais entre diferentes níveis de governo (cross-crediting). Tanto o Central GST quanto o Integrated GST seriam coletados pela administração tributária central e, obviamente, o State GST, pelas administrações tributárias estaduais. O Integrated GST seria cobrado no estado de origem e creditado ao estado de destino, com a receita partilhada entre os estados pelo mecanismo da câmara de compensação. Houve um grande debate entre os estados, com a previsão de compensação de perdas de receitas por um período de cinco anos a partir da adoção do novo sistema de IVA.

O palestrante está se referindo à Union Excise Duty antes vigente na Índia, uma espécie de excise tax cobrado pelo governo central. 26 Mecanismo semelhante ao previsto pela Lei Complementar 87/1986 no Brasil em que os referidos créditos são aproveitados à razão de 1/48. 27 Entry Tax, conferir https://en.wikipedia.org/wiki/Entry_Tax. É um imposto co25

CANADÁ No Canadá, há dois impostos do tipo IVA, um no nível federal, o General Sales Tax (GST)(28) com alíquota de 5% e um IVA adicional no nível provincial (na maioria das províncias), o Harmonized Sales Tax (HST)(29) com alíquotas variando entre 8% e 10%, dependendo da província. O que é bom neste arranjo é que ambos os impostos são geridos pela administração tributária federal, exceto em Quebec, onde tanto o IVA federal (GST) quanto o IVA provincial (HST) são administrados pela administração tributária da província. Além disso, não são todas as províncias que têm um IVA provincial regional. Poucas províncias ainda mantêm os impostos sobre vendas a varejo juntamente com o IVA federal (GST). E há a rica província de Alberta que arrecada seus impostos basicamente sobre seus recursos naturais e, por isto, não instituíram impostos sobre o consumo no nível provincial. Em Alberta, há apenas o IVA federal, o GST.

“O IVA é um bom imposto se for bem desenhado e incrementado porque é simples, eficiente e neutro.” Ambos os impostos foram instituídos com base no princípio de destino, o que é facilitado pelo fato de existir uma administração tributária única. Além disto, para facilitar ainda mais as coisas, Impostos Harmonizados sobre Vendas (HST) são realmente harmonizados, inclusive com o IVA federal, o GST. Há pequenas diferenças quanto a algumas limitações impostas às deduções de créditos, como, por exemplo, em Quebec, cuja situação é recorrentemente diferente. Para compreendê-la teríamos de olhar para a história desta província. Há também diferenças de tributação entre as províncias em relação a novas moradias, mas nada que seja algo realmente material. Enfim, uma vez que se tem uma mesma administração tributária para dois impostos harmonizados, operar o IVA, no caso do Canadá, não é um grande problema. Ao mesmo tempo, as receitas do HST provincial são repartidas entre as províncias e as provenientes do GST federal não o são completamente. O HST provincial é repartido de acordo com a base do GST federal. Primeiramente, o que se faz é calcular o equivalente do GST de cada província e, depois, sobre este equivalente aplica-se a alíquota média do HST chegando-se, assim, ao montante da receita deste último que deve ser atribuída a cada uma delas.

brado pelos estados indianos sobre a entrada de bens em seu território para proteger as suas bases tributárias. No Brasil, o paralelo é o chamado Pagamento Antecipado, consubstanciado no RICMS/SP em seu artigo 426-A. 28 Em livre tradução, Imposto Geral sobre Vendas. 29 Em livre tradução, Imposto Harmonizado sobre Vendas.

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União Europeia

A harmonização do IVA

Primeiramente, uma breve história do IVA na União Europeia.

A política única do IVA para a União Europeia não exclui a legislação tributária elaborada no nível nacional. O ponto positivo é que todas as políticas são reforçadas pela Corte Europeia de Justiça. Dois países podem processar um ao outro e a Comissão Europeia pode processar um país-membro por não adotar uma determinada política do IVA destinada à harmonização. Mesmo assim, há inúmeras derrogações (tratamentos favorecidos, exceções) e discricionariedades na escolha de certas características como isenções e limites de enquadramento (32). Há muitas soluções optativas, como, por exemplo, escolha do local do fornecimento de bens ou da prestação de serviços em que a lei é muito restritiva para defini-lo, mas, ao mesmo tempo, deixa em aberto para que os países-membros o possam definir com base no uso efetivo ou no gozo. Há diversos regimes especiais, como flat schemes (33), diferenciações na tributação de serviços de turismo baseadas em margens, etc. Tudo isto complica o sistema do IVA especialmente se não for feito na mesma direção por cada país.

Foi um longo processo até que a Europa chegasse ao atual sistema vigente. Começado em 1970, quando o primeiro IVA foi introduzido. Não era perfeito, era operado com base no (princípio de) destino, havia pouca harmonização e os países tinham muito a dizer sobre como estruturar o IVA que era, no entanto, pré-requisito para se ingressar na comunidade. Em 1977 houve maior harmonização com a adoção de amplo IVA idêntico para todos os países da comunidade a uma alíquota mínima acordada de 15% com redução para alguns itens selecionados. Havia também uma alíquota máxima que nunca foi escrita em lei, mas politicamente compromissada e que, por muito tempo, manteve-se em 25%. A questão toda a ser considerada é que, a uma certa altura, a União Europeia decidiu migrar para um mercado único, significando que as fronteiras fiscais deveriam ser abolidas. Sem controles fiscais (nas fronteiras), não haveria como efetuar o ajuste do IVA no momento em que bens cruzassem as fronteiras. Foram apresentadas diferentes soluções. Os países não estavam preparados. A proposta, desde o início, era pela aplicação do princípio de origem juntamente com o mecanismo da câmara de compensação. Mas isto não era prático e os países-membros não concordaram com a proposta e, em seu lugar, adotaram um sistema de “transição” em que, nas transações B2B (30), seria aplicado o princípio de destino e nas transações B2C (31), o princípio de origem. E durante este período de “transição”, pensava-se em como convencer os países a migrarem para o princípio de origem imaginado desde o início juntamente com a adoção da câmara de compensação. Até o presente momento, isto nunca aconteceu e os países da União Europeia continuam a aplicar o princípio de destino (para as transações B2B) e de origem (para as transações B2C). Com o passar do tempo, admitiram que a ideia original (princípio de origem com câmara de compensação) não irá se realizar. Hoje trabalham em direção a uma melhor harmonização das bases do IVA e ao aprimoramento das administrações tributárias, sendo que esta última opção é a melhor resposta para a resolução problemas apresentados. B2B transactions, em livre tradução, transações de empresas para empresas (business to business), ou seja, entre pessoas jurídicas contribuintes de direito do IVA. 31 Ver Nota 14. 32 Trata-se dos limites de faturamento para enquadramento das empresas no regime do IVA. 33 Flat schemes são regimes especiais em que a empresa, ao invés de efetuar 30

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Acima de tudo, as alíquotas do IVA não são harmonizadas. Claro, há uma alíquota mínima de 15%, mas, como mencionado, há alíquota máxima, mas se esta realmente existir, a Hungria possui, de longe, a alíquota mais alta de 27%, que sofreu uma pequena redução depois da crise. Há também certo número de alíquotas reduzidas tornando o IVA da União Europeia um pouco mais complexo. Obviamente que tudo isto tem impacto no comércio intracomunitário (cross-border trade), impondo-lhe altos custos de conformidade. No comércio fronteiriço (cross-border shopping) há uma grande exploração de diferenças de alíquotas, especialmente no caso de serviços. Há a necessidade de se fazer ajustes para companhias como, por exemplo, Amazon e outras que efetuam vendas a distância sediadas em Luxemburgo. Se elas desejam efetuar vendas a distância de bens como livros ou mesmo música ou qualquer outra coisa para um determinado país, sofrerão sobre custo, que, por exemplo, no Reino Unido, poderá ser de 50 mil libras. Elas devem se registrar no país (de destino) e isto aumenta ainda mais os custos de fazer negócios (doing business) na Europa. O mesmo se aplica para os meios de transporte, fornecimento de gás, eletricidade, telecomunicações, serviços digitais e serviços de transportes. Estes são exemplos das companhias (prestadoras destes serviços) que devem se registrar nos países de destino. os lançamentos a débito e a crédito em sua escrita fiscal, opta por aplicar uma determinada alíquota sobre o seu faturamento e recolher ao governo o imposto assim calculado. A alíquota varia de acordo com o setor de atividade econômica. Porém, as faturas emitidas pela empresa optante devem destacar o IVA normal da transação para que o destinatário, sendo contribuinte, possa aproveitar os respectivos créditos. Para maiores detalhes, conferir: http://theicg.co.uk/resource/4000092/flat-rate-vat


Local do fornecimento Quanto mais próximo do local final do fornecimento de bens e serviços ocorrer a tributação, melhor do ponto de vista da política tributária. Na prática, porém, isto é extremamente difícil. Na União Europeia, há regras gerais para isto para a definição do local do fornecimento. Tais regras são exemplificadas a seguir, cuja lista não é exaustiva, mas ressalta a sua complexidade das mesmas. Em determinadas situações, por exemplo, na prestação de serviços de transportes, a definição do local de fornecimento pode tornar-se mais complexa. Veja o caso de um serviço que se inicia em Portugal e termina na Polônia. Passa por Portugal, França, Alemanha até chegar ao destino final naquele país (a Polônia). Toda a tributação sobre este serviço deveria ser feita em cada país de acordo com os quilômetros rodados em cada um. Assim, a base tributária seria dividida entre os diversos países, tornando as regras mais complexas. Por este motivo, toda a política (tributária) se faz no sentido de aproximar-se o mais próximo possível do local do consumo. Neste caso, a definição do local do consumo do serviço não é trivial, havendo, para tanto, um conjunto de soluções específicas.

Desafios da Administração tributária do IVA Há vinte e sete países-membros (na União Europeia). São vinte e sete diferentes IVA e vinte e sete administrações tributárias com diferentes tradições, diferentes mecanismos de imposição (enforcement) e, acima de tudo, vinte e sete diferentes capacidades arrecadatórias das administrações tributárias. Com todo respeito à Croácia ou à Polônia, que já foi um país comunista por mais de vinte e cinco anos, suas capacidades arrecadatórias são definitivamente diferentes (inferiores) à capacidade das administrações tributárias da Alemanha ou do Reino Unido. Ao atentarmos para a complexidade dos problemas relacionados ao comércio intracomunitário, o local do fornecimento e

Bens importados que entram em um determinado país à alíquota zero, podem ser revendidos internamente ou utilizados como insumo ou bem de capital na produção de outros bens. Em qualquer uma destas situações, não há créditos na entrada. Assim, o IVA que deixa de ser pago na importação é totalmente recupe34

a qualidade da legislação nacional se constituem um grande problema, mesmo que a Comissão Europeia ou o Conselho da União Europeia adotem diferentes regulamentações, diretivas, implementação de documentos. Todos estes atos devem passar pelas legislações nacionais ou sistemas legais de cada país, o que leva tempo. Alguns países são mais rápidos outros demoram mais. Assim, em qualquer dado momento, o estágio de implementação deste sistema difere de país para país. Do ponto de vista da soberania nacional, não se cogita aplicar diretamente as diretivas (do IVA) em cada país, especialmente quando a questão for a implementação de documentos da União Europeia aos diversos países. É preciso passar pelas respectivas legislações tributárias nacionais. O que realmente é um grande problema, e este é o motivo pelo qual toda a discussão ainda continua na União Europeia, é a fraude, que basicamente se explica pela exploração dos pagamentos diferidos já discutidos (aplicação do princípio de destino para as transações intracomunitárias B2B). Exemplos das fraudes mais comuns do IVA, também comuns fora da União Europeia, são os ressarcimentos ilegítimos, o não registro do IVA em transações a consumidor final, a omissão da declaração do IVA e outras. O mais significativo são as fraudes das transações de fronteira entre países da União Europeia (as transações intracomunitárias). Nestas fraudes, explora-se o elemento fraco do IVA, o sistema de diferimento do imposto adotado pelo princípio de destino. Há dois tipos de fraude. A primeira é na aquisição, onde há o esquema do comerciante desaparecido (“laranja”). Toma-se como exemplo uma situação em que bens são importados do Reino Unido pela França. Como o pagamento do imposto é diferido, nada é pago na alfândega francesa de onde os bens são trazidos para dentro do país. Neste momento, são tributados as alíquotas zero, mas, na etapa seguinte, em que serão revendidos ou agregados à produção interna, passam a ser tributados pela alíquota cheia de saída, recuperando-se o imposto que deixou de ser pago na etapa antecedente(34). Esta situação pode ser agravada com a chamada fraude carrossel que consiste no esquema a seguir descrito. O primeiro elo da cadeia, ao vender o bem para empresa de outro país, não paga o imposto, uma vez que essa transação é tributada à alíquota zero. A empresa importadora, que é legalizada, porém, fictícia, revende o bem para outra empresa fictícia que “exporta-os” de volta à França ou outro país. Esta segunda empresa pode solicitar (ao governo) o ressarcimento dos créditos acumulados e, depois, as empresas fictícias desaparecem. O Estado perde duas vezes. Primeiro, o IVA deixou de ser pago quando os bens foram “importados” ou, utilizando-se o jargão, houve uma aquisição intracomunitária, e, segundo, quando o Estado efetua o ressarcimento de algo

rado na etapa seguinte, quando da saída do bem ou do produto que ele integra no mercado interno. É este o sentido do diferimento: posterga-se o pagamento do imposto do momento da importação para o momento da sua circulação no mercado interno.

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que não foi (previamente) pago. Esta fraude é um grande problema. E qual seria a resposta para ela? Cada vez mais, a União Europeia aplica o chamado mecanismo da cobrança reversa (35), que é o oposto do próprio mecanismo do IVA e que, honestamente, não tem funcionado direito. O que realmente irá funcionar será a troca de informações, melhor cooperação entre as distintas administrações tributárias. Os países da União efetuam trocas de diferentes sistemas, a exemplo do VAT Information Exchange System. Eles têm diferentes programas como o fiscalis onde trocam práticas. Há realmente uma atitude ativa de cooperação, não tenho certeza de que seja eficiente, mas, com certeza, é bastante ativa. Há muita verba disponível para o aprimoramento de TI (tecnologia de informação, IT systems) proporcionando a realização de reuniões remotas, há mais comunicação entre as administrações tributárias. Mesmo assim, os problemas continuam lá: são IVA administrados por vinte e sete administrações tributárias e havendo quebras de cadeia na circulação de bens quando os mesmos se movimentam pela União Europeia. Ainda há alternativas teóricas para o design do IVA, o que poderá ser discutido em outra ocasião devido à limitação do tempo. Se houver interesse, muito tem sido escrito sobre este tema, a exemplo dos papers a seguir indicados.

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Bird R. (2013), Decentralizing Value Added Taxes in Federations and Common Markets, Bulletin for International Taxation, IBFD, pp.655-72 Bizioli G and C. Sacchetto, eds. (2011), Tax Aspects of Fiscal Federalism. A Comparative Analysis, IBFD, Amsterdam Brederode van, R. and P. Gendron (2013), The Taxation of Cross-Border Interstate Sales in Federal or Common Markets, World Journal of VAT/GST, Law, 2:1, pp.1-23 Cottarelli C. and M. Guerguil, eds. (2015), Designing a European Fiscal Union. Lessons from the experience of fiscal federations, Routledge, New York. Keen M. (2000), VIVAT, CVAT and All That: New Forms of Value-Added Tax for Federal Systems, IMF Working Paper, WP/00/83 Perry V. (2012), International Experience in Implementing VATs in Federal Jurisdictions: A Summary, Tax Law Review, 63:623, pp.623-38 Purohit M. (2002), Harmonizing Taxation of Interstate Trade under a Sub-National VAT- Lessons from International Experience, VAT Monitor, p. 169-19 Varsano R. (2000), Sub-National Taxation and Treatment of Inter-State Trade in Brazil: Problems an Proposed Solution, in: S. Burki and G. Peary (eds.), Decentralization and Accountibility of the Public Sector, World Bank, Washington

O mecanismo da cobrança reversa é semelhante aos regimes de diferimento previstos nas legislações estaduais brasileiras do ICMS. Por este mecanismo, a responsabilidade pela declaração do imposto é atribuída ao adquirente do bem ou serviço. No presente caso, nas aquisições intracomunitárias, a empresa adquirente do país de destino registra na sua própria declaração do IVA a entrada do bem importado e a identificação do remetente do país de origem, lançando a crédito 35

18 | Caderno Especial

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1TT52J9

o imposto nesta declaração. Ao mesmo tempo, para garantir o efeito da alíquota zero sobre a transação, registra o mesmo imposto a débito na própria declaração, nada recolhendo ao governo do seu país (de destino). Este mecanismo visa evitar a fraude carrossel por reportar a identificação dos remetentes às autoridades tributárias. A sistemática do mecanismo da cobrança reversa pode ser conferida em: http://www.vatlive.com/eu-vat-rules/reverse-charge-on-eu-vat/


O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Isaías Coelho

ICMS NO CENTRO

do furacão

Para Isaías Coelho, o ICMS está no centro do furacão das reformas pela importância que tem para a economia nacional, não apenas porque é a principal fonte de receita dos estados (São Paulo, por exemplo, tem cerca de 85% de sua receita tributária derivada do ICMS), mas também porque é um imposto que afeta diretamente o desempenho da economia. Com seus inúmeros problemas, o ICMS “atrapalha o nível de atividade”, o que, num efeito de causação circular, acaba provocando queda dos níveis de arrecadação. O ICMS, por múltiplos motivos, é um imposto ineficiente, tem elevada complexidade e cria desestímulos para as exportações e para os investimentos. Segundo Coelho, as pressões pelo financiamento do Estado não vão diminuir. Os estados brasileiros sofrem mais do que a União com a rigidez orçamentária, e as pressões pelo aumento de receita acentuam as distorções provocadas pelo imposto, que vêm se somar a problemas estruturais do próprio desenho original desse imposto. Somado a tudo isso, o ICMS sofre a concorrência do Governo Federal, que tributa a mesma base com as contribuições sociais, verdadeiros impostos, cuja base de tributação alcança também os serviços.

Isaías Coelho - Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV e ex-Diretor da Divisão de Política Tributária do FMI

O ICMS pertence aos estados, mas os problemas que provoca são nacionais. O interesse dos Estados é aumentar sua receita tributária e, ao fazer isso, os efeitos nocivos do imposto sobre a economia aumentam. Sem margem a dúvidas, uma parcela da queda constante dos indicadores de produção da indústria pode ser atribuída a distorções provocadas pelo ICMS. E o que faz do ICMS um imposto que provoca essas distorções? Entre os motivos, destacam-se: trata-se de um imposto que depende excessivamente de alguns setores, como comunicação e energia elétrica; depende de tributação monofásica (substituição tributária); tem elevado nível de isenção efetiva (Simples Nacional); assiste ao encolhimento de sua principal base de tributação, a indústria; tem problemas estruturais, tais como o crédito físiCaderno Especial | 19


co que gera cumulatividade residual, ou a tributação cruzada, com o PIS/COFINS, um incidindo sobre a base do outro. Por outro lado, a tributação do ICMS sobre a produção acarreta múltiplos problemas, entre os quais os mais importantes são a guerra fiscal e a resistência que os estados encontram para honrar os créditos acumulados, cujos débitos tiveram origem em outro estado. Os problemas não são poucos.

“Os problemas que ele (ICMS) causa não são problemas para o estado, são problemas para a nação; são problemas de competitividade, de estímulos à exportação, de estímulos a investimentos, que, por sua vez, causam menos emprego, menos expansão econômica, menos oportunidades, menos renda.” Saída para isso? Isaías Coelho defende uma solução estrutural, que passa por uma retomada do próprio conceito de valor adicionado. Com base nele, é possível estabelecer as bases para a reforma do ICMS. Alguns dos princípios por ele defendidos são:

Não cumulatividade. Um imposto sobre o valor adicionado não convive com qualquer forma de cumulatividade. Decorre daí que todo o ICMS que entra na base de tributação deve gerar créditos. O novo imposto terá que promover a completa desoneração das exportações e dos investimentos e a adoção do crédito financeiro no lugar do crédito físico.

Simplicidade. A simplicidade começa pela ampliação da base de tributação do novo ICMS, que deve incorporar os serviços prestados. Com isso, será desnecessário distinguir o que é produto e o que é serviço. Da mesma forma, uma alíquota uniforme daria maior simplicidade ao sistema. Segundo o palestrante, o IVA é um instrumento pobre para promover distribuição de renda. Um IVA com uma alíquota única é, ao mesmo tempo, fácil de administrar, difícil de evadir. Ademais, os impostos gerais devem ser aplicados em paralelo e não uns sobre os outros.

Tributação no destino. É o consumo que deve ser tributado e não a produção. Por isso, a tributação deve obedecer o princípio do destino. A alíquota nas operações interestaduais ou internacionais deve ser zero, com a garantia de devolução tão rápida quanto possível dos créditos

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acumulados. Qual o corolário disso? Isaías Coelho indica que, enquanto fundado apenas em razões tributárias, não cabe qualquer compensação aos Estados pela passagem ao princípio de destino. Quaisquer fundos compensatórios que houver estarão, portanto, fundados em razões não técnicas. •

Critério mais justo no rateio das receitas entre os municípios. A utilização do valor adicionado como critério de distribuição de receitas entre os municípios gera resultados tão absurdos quanto os verificados entre os municípios vizinhos de Paulínia e Santa Bárbara do Oeste, onde o primeiro tem direito a uma quota de ICMS 600 vezes maior do que o segundo. O critério de rateio das receitas do ICMS para os municípios teria que se basear fundamentalmente nos dados populacionais.

Uma nova Administração Tributária Isaías Coelho encerrou sua apresentação falando que o novo tributo representará um upgrade nas administrações tributárias, exigindo uma redefinição do seu “plano de negócios”. Evidentemente, as repercussões disso sobre as administrações tributárias e sobre o trabalho dos auditores fiscais são amplas. A principal delas é a que foi mencionada, que permite aos auditores dos fiscos estaduais fazer a apropriação de todos os processos de automação criados, de forma a substituir as tarefas rotineiras por “redes de inteligência fiscal”.

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1mTfipU


O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Bernard Appy

A REFORMA DO ICMS Nesta primeira parte de sua palestra, Bernard Appy retoma as questões das distorções do atual modelo de tributação do ICMS, muitas das quais já tratadas na palestra anterior proferida por Isaías Coelho. Segundo ele, o modelo atual de incidência do ICMS apresenta distorções que acabam prejudicando o funcionamento eficiente da economia e que afetam a produtividade do país. “O país é mais pobre e produz menos do que poderia produzir por causa da estrutura atual do ICMS”, diz. O ICMS afeta a competitividade da economia brasileira, prejudica as exportações, favorece as importações e tem efeitos muito negativos sobre a arrecadação dos estados, prejudicando o desempenho das próprias administrações tributárias. Para Appy, são muitos os problemas apresentados pelo modelo atual, a começar pela tributação na origem. Pelas características que deveriam aproximá-lo de um IVA, o ICMS não é um imposto adequado para se fazer política industrial, razão pela qual ele não deveria tributar a produção, mas sim o consumo. O ICMS é um imposto desenhado para arrecadar e para financiar as políticas públicas. No entanto, essa característica de tributar a produção acaba por expor o imposto a distorções provocadas por exceções diversas, regras diferenciadas, regimes especiais, inclusive como forma de fazer política industrial ou setorial, o que é a vocação desse tipo de imposto.

Bernard Appy - Diretor do Centro de Cidadania Fiscal e ex-Secretário Executivo do Ministério da Fazenda

Da mesma forma, o ICMS não é instrumento adequado para fazer política de desenvolvimento regional, mesmo que alguns estados tenham, no início, se beneficiado com o uso desse imposto como instrumento voltado para o desenvolvimento regional. Independentemente de se tratar de um conjunto de práticas ilegais que provocam grande insegurança jurídica para as empresas, a guerra fiscal é uma forma ineficiente de promover o desenvolvimento regional, uma vez que não explora as vocações regionais que deveriam estar na base de qualquer política de desenvolvimento regional. “Política de desenvolvimento regional boa é aquela que exCaderno Especial | 21


plora as vocações regionais”. Ao contrário, o que a guerra fiscal faz é dar um incentivo para que a empresa se instale num local onde a empresa não se instalaria se não recebesse o incentivo. O resultado disso é a má alocação de toda estrutura industrial do país. “Se incentivo fiscal fosse forma de fazer desenvolvimento regional, a Zona Franca de Manaus seria a coisa mais maravilhosa do mundo. Eu posso garantir que não é. Mais de 50% do custo da renúncia fiscal é custo de logística. Também no caso da guerra fiscal do ICMS, muito provavelmente mais da metade dos benefícios acaba se convertendo em custo de logística. O problema da guerra fiscal é um problema de eficiência econômica.” Hoje, o principal problema do ICMS é sua cobrança na origem. Além de favorecer a guerra fiscal, o ICMS na origem desestimula as exportações, na medida em que muitas vezes gera créditos em volta de estados que não são aqueles onde se dá a exportação. Por essa razão, os estados exportadores resistem a devolver para suas empresas os créditos acumulados nas exportações. O problema com as importações é semelhante. Para o estado importador, a importação de um insumo gera um crédito de 100% do valor do imposto, enquanto que, se o insumo for adquirido de outro estado, parte do imposto já terá sido recolhida em favor de outro estado.

regulamento de ICMS de qualquer estado seja um “calhamaço monumental”. “Não há regra, só exceção. A regra do ICMS é a exceção”, conclui Appy. Por último, a multiplicação da concessão de benefícios fiscais, sejam eles motivados pela guerra fiscal, pelo ressarcimento de créditos, por distorções provocadas por outros setores, etc, acaba por refletir-se sobre as administrações tributárias. Nos estados, o coordenador tributário tem um poder que não deveria ter. O coordenador tributário teria de ser um servidor público que tem como missão ajudar a cobrar imposto. Esse poder que lhe é concedido cria o risco de que se tenha atitudes não lícitas, além de abrir espaço para pressões setoriais de toda ordem. Além dos problemas já apontados, o ICMS acumula outros, tais como: •

Substituição tributária. Por si mesmo, o uso da substituição tributária “para a frente” é ruim, já que é impossível saber qual será o valor adicionado nas operações posteriores. Por isso, a substituição tributária afeta a neutralidade do imposto. No caso do Brasil, isso é muito pior porque cada estado tem a sua regra, o seu parâmetro de substituição tributária. Os usos abusivos da substituição tributária vão desde sua cobrança na fronteira dos estados, passando pela fixação discricionária das suas margens com o objetivo de atender às necessidades de caixa dos governos, chegando ao cúmulo de ser fixada com efeitos retroativos. Do ponto de vista das empresas, a confusão é enorme.

Contencioso. Outro problema é o enorme volume de processos no contencioso tributário provocado pela complexidade do imposto, o que, tanto para o contribuinte quanto para o fisco, resulta em enormes custos.

Base mutilada. O ICMS é um imposto que tem sua base mutilada em função da tributação dos serviços pelo ISS. Essa característica o afasta de um IVA, que pressupõe uma base ampla de tributação

Incidência “por dentro”. A questão do cálculo da alíquota “por dentro” do ICMS contribui para a falta de transparência desse imposto, tanto mais que o cálculo “por dentro” não envolve apenas o ICMS, mas também a parcela deste que incide sobre o PIS/COFINS, bem como a parcela de PIS/ COFINS que incide sobre o ICMS. Com isso, o que seria uma alíquota de 18%, se calculada “por fora”, torna-se 21,95 quando calculada “por dentro” e chega perto de 25% quando incluído o ICMS do PIS/COFINS. Para o consumidor, a alíquota paga que deveria ser comparada aos 15 a 25% do IVA europeu ou aos 5 a 8% do IVV americano, chega a 37,4% quando se somam o ICMS e o PIS/COFINS.

“O país é mais pobre e produz menos do que deveria produzir por causa da estrutura do ICMS.” Todos os problemas de renúncia fiscal provocados pelo fato de o imposto tributar a produção e não o consumo fazem com que ele seja ruim também do ponto de vista da arrecadação. Numa estimativa grosseira, Appy calcula uma perda de R$ 50 bilhões para os estados por conta dos incentivos fiscais do ICMS, talvez mais. Além do problema da tributação na origem, o ICMS apresenta diversos outros problemas, entre os quais as restrições à apropriação dos créditos na aquisição dos bens de consumo, nos investimentos e nas restrições ao ressarcimento dos créditos acumulados. A multiplicidade das alíquotas é outro dos problemas apontados, assim como a profusão dos regimes especiais setoriais, que comprometem completamente a neutralidade do imposto. Uma vez mais, aqui ressurge o problema do ICMS ser um imposto que incide sobre a produção e não sobre o consumo. “Num tributo sobre o consumo, a decisão do governo restringe-se a fixar a alíquota que o consumidor terá que pagar, de acordo com suas necessidades orçamentárias. O que eu decido é se quero cobrar mais ou menos imposto sobre o consumidor, e ponto.” Um tributo sobre a produção é um tributo que está aberto a um monte de um sem número de pressões setoriais, de setores que querem ter benefícios, o que faz com que qualquer 22 | Caderno Especial


O que está na mesa? As discussões que tratam da reforma do ICMS, hoje, têm o objetivo exclusivo de disciplinar uma saída da guerra fiscal. Esta terá que passar pela: •

Convalidação e legalização dos benefícios que foram concedidos ilegalmente no passado; Redução das alíquotas do ICMS na origem.

tras empresas, após a sua aprovação, de forma a garantir tratamento equânime a todas as empresas; 2. Estabelece prazo para a extinção dos benefícios. Não dá para acabar com todos os benefícios de uma hora para outra. Isso porque a estrutura das empresas, sua capacidade competitiva se apoia sobre os incentivos que foram dados por todos os estados, sejam esses incentivos ativos ou reativos. Os números correspondentes às alíquotas do imposto nas operações interestaduais (ver quadro abaixo) são resultado de negociação e não obedecem a nenhum critério técnico.

A partir daí, quais são os fatores que condicionam, hoje, a reforma do ICMS? O que está na mesa?

Convênio 70 A entrada em vigor do Convênio 70 está condicionada a uma série de exigências •

SÚMULA VINCULANTE Em 2012, o Supremo Tribunal Federal colocou em discussão uma proposta de Súmula Vinculante que declara inconstitucionais todos os benefícios concedidos sem a aprovação do CONFAZ. Essa Súmula Vinculante, que até agora não foi aprovada, gerou um grande temor nas empresas beneficiadas por benefícios da guerra fiscal na medida em que as obrigaria a provisionar recursos para o pagamento do ICMS dos últimos 5 anos. Isso gerou uma situação de grande insegurança jurídica para as empresas, criando pressão para que se resolvesse, o mais breve possível, a questão da guerra fiscal. Por outro lado, ainda que a Súmula Vinculante fosse aprovada com modulação, ou seja, ainda que seus efeitos venham a alcançar apenas as operações posteriores a sua aprovação, essas empresas sofreriam fortes impactos na sua competitividade.

• •

Edição de resolução do Senado reduzindo as alíquotas interestaduais ao ritmo de 1 ponto percentual ao ano para 4% em geral. 7% nas vendas dos estados “emergentes” para os estados “avançados” de produtos agropecuários e produtos industriais produzidos em conformidade com Processo Produtivo Básico. 10% na venda de gás natural (4% nas vendas avançadas para emergentes). 10% na venda de produtos da ZFM (7% para bens de informática) .

Uma das mudanças propostas no Convênio 70 falava em compensação de perdas pela redução das alíquotas interestaduais nas operações com não contribuintes. Essa alteração já foi contemplada com a aprovação da Emenda Constitucional (PEC) do comércio eletrônico. Por outro lado, o Convênio 70 estabelece algumas condições para a mudança: 1.

CONVÊNIO 70 Em 2014, 21 estados aprovaram o Convênio 70. Trata-se de um Convênio que não tem validade, que é apenas uma carta de intenções e indica apenas a forma como os estados pretenderiam tratar do problema da convalidação dos benefícios. O Convênio trata de dois problemas concretos: 1.

Admite a possibilidade de extensão dos benefícios para ou-

Criação pela União de um Fundo de Auxílio Financeiro destinado a compensar as perdas de receitas dos estados, com prazo de 20 anos e valor inicial mínimo de R$ 3 bilhões/ano, crescente até alcançar R$ 12 bilhões/ano a partir do 7º ano.

As compensações de perdas devem contemplar o efeito da redução das alíquotas interestaduais, da mudança na cobrança de ICMS nas operações para não contribuintes e da Resolução 13/2012. Para Appy, o estabelecimento de um valor mínimo para a compensação das perdas é uma coisa logicamente inconsistente, “estranhíssima”. Essa compensação atingiria não apenas as perdas derivadas das mudanças das alíquotas interestaduais, mas também a PEC do comércio eletrônico e da Resolução 13, de 2012. Caderno Especial | 23


2. Criação pela União de um Fundo de Desenvolvimento Regional com valor mínimo de R$ 296 bilhões (o texto não explicita o prazo, mas o objetivo é que seja em 20 anos), sendo 50% em recursos orçamentários. 3. Redução dos juros incidentes sobre a dívida renegociada dos estados, o que já foi aprovado nas alterações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

PLS-130 O PLS-130 tem basicamente os mesmos critérios de convalidação dos benefícios do Convênio 70, só que, ao contrário deste, a convalidação não está condicionada à redução das alíquotas interestaduais; ou seja, o projeto de lei do Senado convalida os benefícios, torna-os legais por um prazo de 20 anos, estende a possibilidade de conceder benefícios para todos os estados, propõe quorum reduzido para sua aprovação, mas não vincula a manutenção e convalidação dos benefícios à redução das alíquotas interestaduais. “Para as empresas, ótimo”, diz.

quotas interestaduais por um período de 8 anos, observado o valor máximo de R$ 1 bilhão/ano. Portanto, enquanto os estados propõem a criação de um Fundo de Compensação de perdas que tem um valor mínimo de R$ 12 bilhões/ano, a União propõe um Fundo que tem o mesmo objetivo, mas que estabelece um prazo de 8 anos e valor máximo de R$ 1 bilhão. “Como se vê, uma espécie de mercado árabe, um quer 100, outro oferece 10, na expectativa de ambos de fechar a negociação em 20”, declara.

“O problema da guerra fiscal é um problema de eficiência econômica, sim.” Há vários fatores que favorecem encontrar uma solução para o problema da guerra fiscal, sendo o principal deles o temor que têm as empresas de que seja aprovada a Súmula Vinculante por parte do STF que provocaria um desarranjo das bases produtivas dos estados.

Algumas considerações •

A percepção de todos os estados de que a guerra fiscal tornou-se disfuncional e que ela se tornou apenas uma fórmula de perder receita. Muitos dos estados que resistiam em sair da guerra fiscal, já aceitam os termos do Convênio 70.

A crise dos estados. Com a redução dos benefícios que resultará da redução das alíquotas interestaduais, haverá uma elevação significativa da arrecadação do ICMS dos estados, estimada em no mínimo R$ 20 bilhões. Os estados estariam, portanto, ganhando duplamente: com a redução da guerra fiscal e o correspondente aumento de arrecadação, e com a criação dos fundos pelo Governo Federal.

Neste momento, o grande problema para a aprovação da reforma é a dificuldade da União de assegurar a alocação dos recursos dos Fundos. A proposta é prover os fundos com a regularização dos recursos do exterior. Por conta da incerteza, os estados resistem a aceitar a proposta da União. Querem garantia de valor mínimo, o que esbarra nas dificuldades impostas pela situação fiscal, que impedem o estabelecimento desse valor mínimo por parte da União. Esse fato tem dificultado bastante a solução. Uma

MEDIDA PROVISÓRIA 683 Para completar, em julho deste ano, o Governo previu, por meio da Medida Provisória 683, a criação de dois Fundos voltados a facilitar as mudanças no ICMS: 1.

Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura (FDRI), com recursos aplicados em projetos apresentados pelos estados e aprovados por um Comitê Gestor, privilegiando os estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, além do Espírito Santo e Minas Gerais, ficando excluído o Distrito Federal e tendo como principal parâmetro o inverso do PIB per capita.

2. Fundo de Auxílio Financeiro para Convergência de Alíquotas do ICMS (FAC-ICMS), com o objetivo de compensar os estados que perderem receita por conta da redução das alí24 | Caderno Especial


alternativa tecnicamente viável para isso poderia vir da coordenação entre os estados. Se, no agregado, os estados ganham, seria possível dizer que ninguém vai perder. O problema para esse tipo de solução é que ele depende de uma improvável coordenação entre os estados.

A questão dos benefícios que serão convalidados com a aprovação do Convênio 70, alcança também os benefícios internos e essa é uma questão que trará problemas graves para a competitividade entre os estados, afetando o equilíbrio federativo.

Não existe solução boa para o problema da guerra fiscal. De qualquer modo, a saída negociada, via CONFAZ, Resolução do Senado e aporte de recursos da União, parece ser a menos ruim.

Ainda que aprovado o Convênio 70, o ICMS seguirá sendo um imposto ruim, daí a necessidade de seguir enfrentando as distorções que esse imposto apresenta, tais como:

Com a aprovação da Resolução 70 pelo CONFAZ, há a possibilidade de que, após quebrada a exigência da unanimidade entre os estados, haja uma mudança de forças que aceite a convalidação dos benefícios sem a exigência da redução das alíquotas do ICMS, tal como ocorre com o PLS130. Do ponto de vista das empresas, o que era ilegal passa a ser legal. Ótimo, portanto. Já, do ponto de vista dos estados, o resultado seria um desastre. Se isso acontecer, espera-se que haja uma explosão da concessão de benefícios, de um lado, e uma queda drástica da arrecadação agregada do ICMS, de outro. Se uma medida nos termos do PLS-130 for aprovada, não há dúvida de que teremos encomendado para os estados uma crise fiscal muito maior que a atual. É um problema sério. Aprovar a Súmula Vinculante no Supremo Tribunal Federal será uma saída traumática para as empresas, mesmo que seja aprovada com modulação e não haja cobrança dos 5 anos anteriores. Da noite para o dia, a competitividade das empresas estará rompida. Se isso acontecer, o mais provável é que tenhamos uns poucos meses de desarranjo para que, em seguida, o Congresso aprove uma lei nos termos do PLS-130, convalidando os benefícios sem redução da alíquota interestadual. Muito provavelmente, o resultado da aprovação da Súmula Vinculante estará muito próximo da aprovação do PLS-130.

A ideia de criar exceções para a unificação das alíquotas interestaduais é ruim, não fosse pelo fato de que é o custo político que se paga para viabilizar uma saída organizada para a guerra fiscal.

Com a redução das alíquotas interestaduais, os créditos acumulados das empresas deverão crescer. Isso significa que, se os estados continuarem a criar dificuldades para honrar esses créditos, as empresas estarão diante de um grande problema. O ideal seria que, junto à aprovação das alíquotas, fosse criado um sistema que garantisse a devolução desses créditos, ou que evitasse seu acúmulo.

O critério de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional entre os estados é bem ruim e agrava os problemas da má distribuição federativa dos recursos.

Garantia de crédito em todas as aquisições e desone- ração completa dos investimentos;

Necessidade de, no mínimo, harmonizar a aplicação da substituição tributária. Eliminar a possibilidade de cada estado criar suas próprias regras de aplicação. O ideal seria acabar com a ST,mas essa alternativa pare- ce fora do cenário provável;

Por uma questão de transparência e racionalidade, as alíquotas têm que ser calculadas “por fora”;

As diferenças entre alíquotas interestaduais são ruins, sendo necessário, no mínimo, unificá-las em 4% e, idealmente, reduzi-las a zero, transformando o ICMS num imposto sobre o consumo;

Ao final do processo, a legislação do ICMS deveria ser unificada e o imposto idealmente fundido com o ISS.

Appy cita um exemplo de uma empresa que tem estabelecimentos no Brasil e na Europa que mostra claramente a necessidade de caminharmos para um modelo de IVA moderno. Enquanto o sistema utilizado pelo estabelecimento europeu para controle do IVA tem 50 linhas de programação, o utilizado pelo contribuinte brasileiro para o ICMS tem 20.000 linhas.

No Brasil, os riscos com a sonegação advindos da implantação de um IVA seriam minimizados pela Nota Fiscal Eletrônica. Enquanto temos um sistema de controle avançadíssimo, mesmo para os padrões internacionais, temos uma péssima legislação, uma legislação horrorosa que impede o país de crescer.

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1l3I59R

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O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Fernando Rezende

A MARCHA DA INSENSATEZ “É preciso interromper a marcha da insensatez para introduzir racionalidade no debate tributário e recuperar a posição do ICMS no regime tributário brasileiro e a posição dos estados na federação.” A citação colocada em epígrafe é a frase com que Fernando Rezende encerrou sua apresentação no Seminário Internacional O ICMS e o futuro dos Estados. Sua palestra talvez tenha sido a que tratou do problema do estrangulamento dos estados dentro da federação brasileira mais de perto. Nela, são apontados inúmeros problemas federativos que têm levado os estados a perderem posição, notadamente em relação ao governo federal. Pela primeira vez na história do país, o fenômeno da centralização ocorre durante o regime democrático. Em todos os casos anteriores, a centralização acompanhava regimes ditatoriais, como foi o caso do Governo Getúlio Vargas e do Governo Militar de 64. Durante os períodos de democratização, a tendência sempre foi a da descentralização, coisa que, aliás, estava no espírito da Constituinte de 88. O que teria, então, ocorrido? “Em 88, nós criamos uma coisa que só existe no Brasil, que é a dualidade de regimes tributários. E o que aconteceu ao longo do tempo? A seguridade social atropelou a federação. Tudo aquilo que foi concebido em 65 e, em parte, recepcionado em 88, com a criação do ICM transformado em “S”… tudo isso foi sendo espremido na medida em que a ala da seguridade social teve que crescer”.

Fernando Rezende - Professor da EBAPE/FGV - RJ e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

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Se esse ponto central não for encarado, não haverá resposta para os nossos problemas. Não há resposta parcial para esse problema. Da mesma forma, é uma incongruência falar em reforma fatiada. “Se é reforma, não pode ser fatiada, e se é fatiada, não pode ser reforma”. Nesse debate sobre a reforma tributária, Fernando Re-


zende identifica os três tipos daquilo que chama de “pacientes do manicômio tributário”. Em primeiro lugar, há os conformados, que acham que nada vai mesmo mudar e por conta disso dizem: “Vamos brigar pelo aumento do Simples. Quanto mais Simples melhor’. E lutam pelo Simples, pela substituição tributária e pelo lucro presumido, tudo o que lhes parece simples. Ao lado desses, estão os inconformados que continuam brigando para que as coisas melhorem. E há, por último, os esperançosos, que “são aqueles que, toda vez que se anuncia alguma reforma, acreditam que será boa, mesmo que pontual, fatiada”. No centro do imbróglio está o ICMS, que, para Rezende, se transformou em algo impossível de descrever. “Ninguém consegue descrever que tipo de imposto é esse, tantos são os regimes especiais que regulam sua cobrança, tantas são as exceções. O ICMS sofre de uma doença gravíssima, de ordem neurológica que progressivamente compromete a capacidade de raciocínio”. A deterioração do ICMS é tamanha e tamanha é a marcha da insensatez que, mesmo tendo incorporado os produtos e serviços do “S” à sua base, sua participação relativa na carga tributária nacional está encolhendo.

O abraço dos afogados É natural, portanto, que os estados estejam andando ladeira abaixo na federação brasileira. Isso não só pelas mazelas do ICMS. Como já foi dito, a seguridade social invadiu a base de tributação do ICMS, alcançando inclusive os serviços que não estão na base do imposto estadual. Também o poder de decisão dos estados sobre seu orçamento se reduziu a quase nada, enquanto que o Poder Legislativo dos estados foi bloqueado pela invasão da Legislação Federal. Outro fator que contribuiu para isso veio do novo cenário federativo, com a mudança do papel dos municípios na federação e a formação de uma rede urbana concentrada em torno de grandes centros, que criaram uma nova configuração do mapa político e introduziram desequilíbrios intrarregionais que não existiam há 30 anos. A homogeneidade socioeconômica que havia nas regiões da divisão política do Brasil não existe mais. Muitas vezes, há maior identidade entre núcleos urbanos de diferentes regiões políticas do que dentro de uma mesma região, o que ajuda a embaralhar os caminhos da reforma. O que se constata é que não há rumo nos debates sobre a reforma. Os estados são colocados na posição de principais responsáveis pela dificuldade de remover os entraves tribu-

tários à competitividade da economia, enquanto o governo federal, que comanda esse jogo, não faz um esforço de coordenação para controlar a situação, preferindo adotar medidas que concorram ainda mais para a desunião, oferecendo créditos, orientando a ação dos órgãos regionais, concentrando investimentos, entre outras coisas.

Combinar experiência e ousadia Fica, então, a pergunta: qual a estratégia para 2016: manter a mesma atitude que já vem sendo tomada, ou buscar uma nova atitude? Em outras palavras, assumir a posição dos esperançosos ou definitivamente a dos inconformados? Como inconformado, Rezende entende que é preciso interromper a marcha da insensatez. “Hoje eu tenho discordado dos meus amigos, mas a discordância é salutar ao debate, e venho dizendo: ‘Espera aí, vamos parar um pouquinho para pensar. Será que essa discussão que nós estamos chamando de reforma tributária é boa para o futuro, ou é bom a gente parar a marcha, voltar atrás e perguntar qual é a nova estratégia?’ A meu gosto, chamar as mudanças no ICMS e PIS/COFINS de reforma tributária está muito longe disso”. Uma das questões fundamentais para essa discussão é a necessidade de inclusão na pauta de uma proposta de Política Nacional de Desenvolvimento Regional para o Brasil. A guerra fiscal, a partir de 95 basicamente, cresceu com a incorporação das novas bases tributárias, mas também com o fato de que o governo federal abandonou uma função que é essencial em qualquer nação, federal ou não, que é a de reduzir disparidades. Numa federação do porte do Brasil, isso se torna ainda mais importante. Na medida em que o governo federal deixou de cumprir essa função, as disparidades regionais se mantiveram estanques. A União Europeia, para promover o processo de criação do mercado comum, levou em conta duas coisas: a criação de um IVA para harmonizar a tributação e uma política de desenvolvimento regional, para reduzir as disparidades entre seus Estados-Membros. O caminho brasileiro andou em direção oposta, abandonando a política regional que havia. Rezende acrescenta duas questões que considera fundamentais para traçar uma nova estratégia na discussão da reforma. Uma delas é a seguridade social. Segundo ele, “um anátema, ninguém pode falar disso” e lembra que, desde o período do Império, a questão social sempre esteve associada à centralização do poder. Foi assim na ditadura de Getúlio Vargas, foi assim na Caderno Especial | 27


ditadura militar e está sendo assim, pela primeira vez em período democrático. Isso graças às contribuições sociais que foram o instrumento para a recentralização do poder no país. Outra questão diz respeito à administração tributária e às lições trazidas pelos 20 anos de modernização. O Brasil investiu na modernização de uma administração fiscal altamente qualificada, que se beneficia das novas tecnologias, ao mesmo tempo em que tem o pior regime tributário do mundo. “Por que é que nós não estamos aproveitando a qualidade da administração tributária para melhorar o nosso caótico regime tributário? O que essa longa prática com o ICMS nos ensina? Estou interessado em ouvir o que a classe tem a dizer. Nós nunca tivemos esse tipo de conversa. Precisamos combinar experiência com ousadia. Todas essas modernas tecnologias podem ser usadas em nosso benefício”.

A palestra é concluída com a convocação da classe fiscal dos estados brasileiros para discutir uma reforma tributária com a amplitude necessária para seu sucesso: “Insisto, este é um momento que eu nunca vi, onde se acham reunidas pessoas que estão há alguns anos, com outras que começaram há pouco tempo, para entender o que é esse nosso doente, o ICMS. Essa longa prática dos estados é uma prática que não foi sempre desmerecida. A leitura feita por uma boa parte do setor produtivo brasileiro de que a administração tributária não entende os deveres, o interesse do país, não me parece correta. O que houve foi um processo onde se dizia: ‘já que a guerra é suja, cada um briga com as armas que tem’. Acho que nós podemos, sim, usar essa experiência e esse conhecimento. Não é só a teoria que nos diz para onde a gente deve ir. É preciso combinar teoria com a prática e combinar teoria e prática dos estados da nossa realidade político-institucional.”

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1UMF2z0

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O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Ana Carla Abrão Costa

A reforma tributária

na visão dos estados Resenha da palestra conferida em 17 de setembro de 2015

Antes de começar a apresentação em si, a secretária se propõe a fazer um contraponto na visão de um estado que muito se beneficiou da guerra fiscal, sem, contudo, entrar no custo federativo e no custo dos estados vizinhos que a mesma ensejou. Entende que, no agregado, a guerra fiscal é um grande problema e que erodiu a base tributária da federação como um todo e também em relação aos estados. Passou trinta anos fora de Goiás. Saiu do estado quando os primeiros programas de incentivos fiscais foram lá introduzidos. Ao voltar, trinta anos depois, encontrou outro estado. Goiás era um estado agrário, de economia primária e, hoje, é um estado industrial. É igualmente certo que Goiás também se beneficiou muito da onda de commodities e conseguiu avançar e pegar carona no momento de prosperidade que o país viveu, mas certamente os incentivos fiscais tiveram a sua importância no desenvolvimento do estado. É a perspectiva de um estado que viveu e vive o benefício da guerra fiscal. Claro que houve excessos e, conforme costuma dizer ao governador, ficar rico custa caro. Goiás se desenvolveu, cresceu, mas a arrecadação não acompanhou em grande parte esse crescimento e, hoje, as demandas por serviços a cargo do estado são maiores do que a receita tributária permite devolvê-los à população. Existem distorções, existem problemas, mas o papel da secretária no seminário é fazer o contraponto e gerar o debate. É provocar dizendo que não houve uma política de desenvolvimento regional, não houve um protagonismo por parte do governo federal que permitisse aos estados periféricos se desenvolver. E se houve o pior dos instrumentos para fazer isto, que foi a renúncia tributária (por parte dos estados), pelo menos no caso de Goiás, ele (o instrumento do benefício fiscal) trouxe benefícios. Trouxe também distorções, mas, definitivamente, tem-se um saldo positivo a compartilhar. Ana Carla Abrão Costa - Secretária da Fazenda do Estado de Goiás

Falando um pouco de Goiás para ilustrar o discurso, relataremos um pouco do contexto da reforma tributária. Quando a secretária Caderno Especial | 29


assumiu, Goiás foi um dos estados que mudou a posição em relação à reforma do ICMS que estava à mesa. Hoje Goiás é o nono estado da federação em termos de PIB. É um estado forte, pujante e mesmo na crise está em posição econômica privilegiada. É um dos poucos estados com geração líquida de empregos mesmo na crise, pelo menos é esta a última posição no CAGED. Apesar de também ser atingido fortemente pela crise, ainda atrai investimentos com incentivos fiscais, é bom que isto seja dito. Hoje há, em sua mesa, pedidos de implantação de novas fábricas para 2015 e 2016, todos baseados em incentivos fiscais, mas há investimentos acontecendo no estado de Goiás. É um estado médio em termos de renda, a renda per capita também cresceu e obteve um crescimento médio de 5% nos últimos 10 anos. Hoje, Goiás tem a metade da produção industrial do Centro-Oeste, uma balança comercial superavitária e uma economia diversificada. Se tomarmos os setores primário, secundário e terciário, possui um terço da produção do estado em cada um deles. Claro que no setor secundário o domínio é da agroindústria, mas definitivamente hoje Goiás tem uma economia com uma pauta muito mais diversificada do que no passado.

“...no agregado, a guerra fiscal é um grande problema que erodiu a base tributária da federação como um todo, como conjunto, e também em relação aos estados.” Do ponto de vista fiscal, embora relativamente melhor do que outros estados, Goiás não está na melhor das situações. Apesar de ter conseguido atingir superávits primários e fazer cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, os desafios financeiros não são muito diferentes dos demais. A realidade financeira é tão ruim quanto a dos outros. Esta é a situação que todos os secretários de fazenda levam ao Confaz. Parece que há uma competição entre os estados para se ver qual está em pior situação. Goiás não obteve a queda real de arrecadação que houve em São Paulo, mas a sua situação de caixa é certamente pior do que a do estado paulista. Houve, sim, um arrojado programa de ajuste fiscal a partir de janeiro deste ano. Houve uma reforma administrativa realizada pelo governador iniciada no final de 2014. Com esta reforma, conseguiu-se cortar aproximadamente R$ 2 bilhões de custeio para um orçamento de R$ 20 bilhões. Considerando-se que há cada vez menos margens para cortes nos gastos, este é um esforço fiscal considerável, 10% do orçamento. Há um grande trabalho sendo realizado, um programa de desmobilização de ativos, com a venda de empresas estatais e alienação de ativos imobiliários. Mesmo assim, quando se olha para frente os desafios 30 | Caderno Especial

são grandes, pois há queda da arrecadação do ICMS mês a mês, principalmente a espontânea. Goiás tem conseguido não perder arrecadação em termos reais no primeiro semestre de 2015, mas com base em um grande fortalecimento de combate à sonegação por meio de ações fiscais bastante contundentes. Sabe-se que isto tem um limite, não se sustenta a arrecadação do ICMS somente com ações de combate à sonegação. Assim, chegou-se à situação de precariedade fiscal de hoje. Goiás, assim como os demais estados, está em crise fiscal e a União não ajuda e não tem como ajudar. Todo o debate sobre a reforma do ICMS começou a perder força, ele não avançou, no momento em que houve esta piora da situação fiscal dos estados. Perdeu-se o momento de dar o grande passo na reunião do Confaz de abril último deste ano em Goiânia em direção à reforma do ICMS, que foi o Convênio nº 70, já mencionado pelo Bernard Appy. Isto não aconteceu e, partir daí, a coesão dos estados perdeu força e agora estamos em um contexto bem mais complexo. Os estados estão todos em uma situação de deterioração fiscal e sem perspectivas. Como fazer, agora, uma discussão de uma reforma tão complexa com incentivos antagônicos, interesses antagônicos em um contexto econômico-fiscal mais complexo? A secretária diz estar mais pessimista, era muito otimista em abril, naquele momento em que Goiás, Espírito Santo e Santa Catarina alteraram a sua posição em prol da reforma. Mas hoje ela encontra-se bastante cética porque, além de se ter uma reforma que é ruim, mas é a reforma possível, pelo menos o era em abril, mas, mais do que isto, os estados têm hoje outras prioridades. Estão mais preocupados em sobreviver, com ou sem ICMS, com ou sem convergência de alíquotas, com ou sem convalidação de incentivos... Todo este debate começou a perder força diante da gravidade da situação fiscal dos estados. Não só perdeu-se o momento, como também a prioridade e, mais do que isto, talvez seja este o momento para se pensar em um recomeço. A reforma tributária não é boa, é uma colcha de retalhos, mas é a reforma possível e, pelo menos, destrava uma discussão que está parada há pelo menos dez anos. Goiás, por exemplo, em função dos benefícios que obteve da guerra fiscal, até o início deste ano tinha uma posição do tipo “não vamos mexer”, deixa-se como estar para evoluirmos. Chegou-se a uma situação em que “deixar como estar” também não resolve porque há o Supremo Tribunal Federal (com a edição da Proposta de Súmula Vinculante nº 69/2012) por cima dos estados, correndo-se o risco de desorganizar economicamente todos os estados. Hoje a secretária se pergunta se temos força e prioridade para avançarmos na reforma colocada. A agenda legislativa (do Congresso Nacional) assumiu um pouco este papel com a discussão do projeto de repatriação (de capitais), etc. Hoje há muito mais dúvidas se os estados teriam capacidade de se reorganizar para a realização da reforma do ICMS a exemplo da situação que existia em abril, ocasião em que havia mais incentivos e prioridades para que a mesma fosse feita.


Neste ponto, a secretária apresenta o quadro da situação fiscal no contexto dos dias de hoje, convidando a plateia a uma reflexão se há espaço para a discussão da reforma do ICMS com a mesma força que havia no início do ano. Pergunta-se como os estados chegaram até aqui nesta situação. De um lado, os estados fizeram renúncia tributária por muito tempo e isto pode ser uma boa explicação ou pode ser uma parte da explicação. No caso de Goiás, renúncia tributária responde a uma parte do problema. O estado fez renúncia tributária, cresceu, mas, como dito, as despesas também cresceram e a arrecadação não sustentou o crescimento das despesas. Isto explica parte do problema. Por outro lado, nos últimos três anos, houve uma expansão das despesas primárias que fez com que, no caso de Goiás, editasse uma Lei de Responsabilidade Fiscal própria. Discute-se uma nova Lei de Responsabilidade Fiscal no âmbito estadual. Quando a secretária assumiu o cargo, indagava e constatava que Goiás estaria cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, crescendo e, no entanto, não conseguindo pagar a folha de pagamentos no final do mês. Qual seria o motivo? Em uma discussão mais ampla, centrada na Lei de Responsabilidade Fiscal, limitando-se o corte de despesas de pessoal, trazendo o montante dos incentivos fiscais para dentro do orçamento do estado e procurando-se obter uma gestão fiscal de longo prazo mais clara e transparente, mas, independentemente disso, quando se olha com o que aconteceu com os estados com o superávit primário a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, lembrando-se que ela foi promulgada em 2000, houve claramente uma trajetória positiva do ponto de vista da capacidade dos estados em fazerem poupança ao longo do tempo. A partir de 2008, houve uma inversão desta tendência, lembrando que, muitas vezes, não basta enviar uma LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) com superávit primário, não é uma discricionariedade dos estados obterem superávits primários ou não, o fato é que, passada a crise, houve um novo ciclo de queda dos resultados primários dos estados e isto foi combinado com o governo federal. O outro lado da moeda desta combinação foi o crescimento do endividamento dos estados com base em excepcionalidades à Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente a partir de 2012. No caso de Goiás, por exemplo, houve acesso a R$ 7 bilhões em empréstimos durante 2013 e 2014 para a realização de investimentos no estado. Goiás conseguiu afastar todas as suas rodovias de escoamento da produção, conseguiu construir hospitais que são referência nacional, etc. Ou seja, os recursos foram investidos, não foram gastos em custeio, não foram gastos de forma irresponsável. Mas, por outro lado, gerou-se uma situação de iliquidez a exemplo do que ocorreu com as famílias. As pessoas se sobre endividaram em função do incentivo que o governo deu, primeiramente abaixando os juros, depois, incentivando o crédito consignado e políticas deste tipo. No caso dos estados, a nova matriz econômica fez a mesma coisa. Inundou de recursos os estados. Por um lado, isto gerou investimentos, mas, por outro, comprometeu a capacidade de investir dos estados com recursos próprios do Tesouro. Depois de 2011, as re-

ceitas estaduais com origem em operações de crédito sobem consideravelmente em relação ao PIB (nos dizeres da secretária isto foi levado ao extremo) ao passo que a capacidade de investir com recursos próprios (dos estados) apresenta uma curva diametralmente oposta. Desta forma, os estados passaram a comprometer cada vez mais seus recursos próprios (dos tesouros estaduais) com despesas obrigatórias (serviço da dívida). O problema é que, atualmente, o governo federal interrompeu esta política de novos empréstimos e os estados ficaram sem recursos para investimento e também sem recursos para dar conta de suas despesas obrigatórias. Afinal, investimento de ontem é custo de manutenção de hoje. Por exemplo, tudo que se investiu com recursos de empréstimos em 2013/2014 em asfaltamento de rodovias para possibilitar o escoamento da produção, hoje, pressiona o caixa do Tesouro para a manutenção destas rodovias. Principalmente, lembrando que Goiás é um estado produtor (de produtos agrícolas), e hoje há caminhões e mais caminhões circulando por estas rodovias. Ao mesmo tempo em que a produção do estado aumenta, o escoamento aumenta e a balança comercial apresenta melhora, os custos de manutenção das rodovias também aumentam e, com tudo isto, a pressão sobre os recursos do Tesouro também aumenta. Todo este movimento gerou hoje a situação que vemos nos estados. Goiás talvez seja hoje o lado bonito desta história, porque o estado se desenvolveu e investiu em infraestrutura e serviços para a população. Outros estados talvez não tenham tido uma gestão como houve no estado de Goiás. Mas a realidade é que hoje a realidade financeira dos estados é precária, difícil e que, mais uma vez, coloca a reforma do ICMS sob outra prioridade.

“...o problema é que os estados hoje estão aprofundando a crise e podem ser os responsáveis por aprofundá-la ainda mais na medida em que a reforma do ICMS perde prioridade em suas agendas.” Tratando da reforma do ICMS propriamente dita, a secretária costuma colocá-la em um tripé (nesta ordem de prioridade para Goiás): a convalidação dos benefícios fiscais, a criação dos fundos de compensação e de investimentos e a convergência das alíquotas interestaduais. Para Goiás, a maior prioridade é a convalidação dos incentivos fiscais. Do ponto de vista estritamente fiscal, poder-se-ia deixar as coisas como estão e o Supremo Tribunal Federal editar a Súmula Vinculante declarando inconstitucionais todos os incentivos fiscais do passado. Assim, a receita tributária de Goiás cresceria muito e o seu problema fiscal ficaria resolvido. No entanto, do ponto de vista da desorganização econômica do estado, isto seria um absurCaderno Especial | 31


do. Por este motivo, o que existe hoje de prioridade para Goiás é a convalidação dos incentivos fiscais, evitando-se assim os efeitos desastrosos da Súmula Vinculante. Mas, por outro lado, Goiás não vê mais a convalidação sozinha, mas dentro de um contexto onde outras coisas devem acontecer conjuntamente para que se tenha sentido. Se se fizer a convalidação sozinha, haveria tantas alterações no balanço de forças federativas que dificultaria destravar a discussão novamente. Mas a prioridade de Goiás hoje é a convalidação, embora entendamos que ela deve ser feita dentro de um contexto mais geral para que se permita que esta discussão se destrave. O segundo ponto é a criação dos fundos. Neste ponto, há uma enorme interrogação (como seriam financiados). Sem dúvida nenhuma, foi este o ponto que travou a discussão e a coordenação do processo todo em abril, porque afinal de contas não havia nada palpável, nada concreto na mesa. Andamos de abril a setembro e este ponto continua ainda como uma grande interrogação. Os recursos de repatriação virão? (¹) De quanto serão? Seria um bilhão? Limitar-se-ia o fundo de compensação a um bilhão por ano? Esta quantia seria suficiente para ressarcir os estados perdedores? Estas interrogações são o que trava o andamento da reforma, travou em abril e continua travando agora. Reportando-se a um ponto já colocado por Bernard Appy, se, com a reforma, no todo se ganha, os estados deveriam se coordenar e conseguir chegar a uma solução. Goiás tentou, mas é muito difícil, porque existe um componente político por trás de tudo isto e que complicou a saída para este grande fundo de compensações que os estados chegaram a desenhar e discutir internamente. Esta discussão foi colocada inclusive para o Ministério da Fazenda. Mesmo quando se considera que o todo ganha e que, portanto, a questão é de coordenação entre os estados para se fazer a distribuição dos recursos do fundo e, tirando-se o chapéu do estado de Goiás e colocando-se o chapéu federativo, a guerra fiscal provocou tantas distorções que, ao se computar quem ganha e quem perde, é contra intuitivo. Por exemplo, São Paulo perde (!) com a convergência de alíquotas interestaduais (para 4% e 7%) ao passo que Maranhão ganha! Como sentar com Maranhão e São Paulo e dizer: São Paulo, você perde, portanto será beneficiado com recursos do fundo de compensação e, Maranhão, você ganha e, portanto, comporá parte do fundo de compensação do qual São Paulo receberá uma parte? Não é que esta solução seja absurda, dado que o Maranhão perde e São Paulo ganhe recursos do fundo, o que seria a solução natural e intuitiva: socializar os ganhos para compensar os que perdem. Mas a distorção é tão grande, que é óbvio que não faz sentido que São Paulo perca com o fim da guerra fiscal e Maranhão ganhe. Estamos falando de uma discrepância tão absurda que a solução parte de um resultado que é um resultado errado.

Os recursos de repatriação de capitais no exterior consistiriam em multas e impostos sobre o retorno ao Brasil do dinheiro de particulares enviados irregularmente ao exterior. ¹

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Então, a discussão travou e chegou-se à conclusão de que, dado que o governo federal não propôs uma política de desenvolvimento regional que fosse crível, na verdade não houve política de desenvolvimento regional nenhuma, vamos jogar o problema para aquele que, em certa medida, também foi responsável por ele também. Foi aí que se abandonou a ideia da coordenação entre os estados para fazer a compensação interna e se transferiu o problema para o governo federal. Ou há um fundo constitucional para ressarcir os estados perdedores ou a reforma do ICMS não caminhará. Do ponto de vista conceitual, a solução foi boa. Faz-se um levantamento de quem perde e ganha e quanto cada um perde e ganha e estabelece-se um fundo de desenvolvimento para infraestrutura. Isto faz sentido, investir em infraestrutura ao invés de fazer mais transferência de renda para os estados. Já temos e tivemos Sudeco, Sudene, há o FCO, etc e já tivemos a experiência no passado de que transferência de renda muitas vezes não é a melhor solução quando se fala em desenvolvimento regional e ganho de competitividade. Pelo menos não é assim que Goiás vê. Goiás quer investimento em infraestrutura e vários outros estados, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, certamente também querem o mesmo para alavancar o potencial econômico que têm. A terceira perna do tripé da reforma do ICMS é a convergência de alíquotas que consta da Resolução que está no Senado. A agenda legislativa continua, embora os estados tenham tirado o pé do acelerador desta discussão transferindo-a para o Congresso Nacional. Politicamente não será fácil avançar, porque o nó que está no meio de tudo é a constituição dos fundos de compensação de perdas e de desenvolvimento regional. Quando São Paulo avança pedindo a votação da Resolução, que define a convergência das alíquotas, os outros estados seguram querendo mais garantias em relação aos fundos. Se o PLP avança na Câmara dos Deputados, São Paulo tenta avançar no Senado com a Resolução. Virou um jogo descoordenado e a secretária se vê muito pessimista em relação ao avanço da reforma. Neste passo, puxando um ponto colocado por Fernando Rezende e colocando também uma interrogação, até ontem (16/09), a secretária era defensora da solução que estava na mesa, o Convênio Confaz nº 70 de convalidação dos benefícios fiscais, costurada a duras penas, inclusive com a participação do Tostes, João Barroso Tostes Neto, então secretário da fazenda do estado do Pará, que trabalhou no assunto ao longo de uma década. Este convênio destravaria a discussão justamente por representar a figura do bode na sala. A partir dele, para colocá-lo em funcionamento, perceber-se-ia que o controle dos benefícios convalidados seria algo caótico, o que levaria os estados a uma discussão mais aprofundada. Até ontem, a secretária tinha esta visão. No entanto, depois da palestra de Fernando

É um projeto de anistia do governo federal cujos recursos, assim obtidos, comporiam o fundo de compensação dos estados que perderiam receitas com a reforma do ICMS.


Rezende, passou a colocar uma interrogação: será que já não é hora de se partir para uma discussão de reforma mais ampla do sistema tributário? É claro que a agenda legislativa não tem como prioridade a reforma tributária. Estão tentando resgatar projetos antigos de reforma tributária, mas haveria ambiente para esta discussão? Muito pouco. Porém é uma boa provocação. Vamos adiante e em que passo?

“Todo esse debate (reforma do ICMS) começou a perder força diante da gravidade da situação fiscal dos estados.” Para concluir, definitivamente, a reforma é necessária. As distorções que foram criadas ao longo do tempo são enormes. Colocar os incentivos fiscais dentro do orçamento dos estados é uma forma de dar sustentabilidade e segurança jurídica a esses orçamentos. Isto porque quando se explicita o quanto de incentivo Goiás tem, o quanto o estado arrecada devido a estes incentivos, qual a contrapartida dessa renúncia fiscal do ponto de vista de investimentos, de geração de empregos, qual a avaliação de impacto desses benefícios, tudo isto dá segurança para que mais adiante se saiba qual é a receita real que o estado tem. Isto gera segurança, responsabilidade fiscal e sustentabilidade para a política de incentivos. Percebe-se, portanto, que se perdeu o momento da discussão da reforma do ICMS. Goiás já está levando à Assembleia Legislativa do estado uma Lei de Responsabilidade Fiscal estadual que prevê que os incentivos fiscais continuarão. Mudou-se o sentimento de prioridade que passou a ser a colocação dos incentivos dentro do orçamento e dar transparência e sustentabilidade fiscal a eles. Mas a reforma é necessária. O momento é que ficou de fato prejudicado. Depois de ouvir a palestra do Fernando Rezende, a secretária questiona se o momento é o da reforma possível com a convalidação dos incentivos fiscais por meio do Convênio 70, inclusive porque o momento ideal parece ter passado. O status quo é, portanto, insustentável. O STF pode acabar com os incentivos existentes, a Resolução de convergência das alíquotas interestaduais pode ser aprovada, ou o PLP pode passar na Câmara, os fundos encontram-se na situação de indefinição. Definitivamente já houve momento melhor para a reforma do ICMS do que este momento. Com tranquilidade, esta convicção não é só de Goiás. Todos os estados que fizeram um esforço muito grande no sentido de conseguir a convergência das alíquotas interestaduais em abril deste ano, estão muito preocupados com muitas outras coisas e não tiveram tempo de se coordenar internamente para avançar na discussão da reforma do ICMS. Quando se olha para a situação dos estados, e a secretária tem repetido isto inúmeras vezes, principalmente em Brasília, conclui-se que não haverá superação da crise atual sem a supera-

ção da crise dos estados. Também, definitivamente, não haverá reforma estrutural neste país sem se pensar em uma reforma tributária em que o ICMS é parte muito importante. A secretária colocou um ponto fundamental. Ouviu de um empresário que a carga tributária neste país é altíssima, que é um absurdo. Mas ele gostaria que lhe custasse apenas a carga tributária. Além da carga tributária, o sistema lhe custa mais um tanto para se defender de processos tributários, ter uma estrutura administrativa grande para cumprir todas as legislações e ter um departamento jurídico igualmente grande para interpretar as 27 legislações do ICMS. Por tudo isto, a carga tributária hoje é muito maior do que os 37% do PIB. De fato, o país precisa avançar nesta reforma. Quando o ministro Levy disse lá trás que precisamos avançar na reforma do ICMS – porque irá trazer de volta os investimentos, a confiança dos empresários, vai simplificar e reduzir custos – não havia a menor dúvida de que esta agenda iria fazer a diferença. Hoje, ela faz ainda mais diferença, na situação em que estamos. No entanto, ela, infelizmente, está dragada por uma situação em que a crise se aprofundou tanto que é necessário primeiro fazer o básico. Mas isto não faz com que ela, a reforma, seja menos importante. Lá trás, já dizíamos que a reforma do ICMS ajudaria a superar a crise. O problema é que os estados hoje estão aprofundando a crise e podem ser os responsáveis por aprofundá-la ainda mais na medida em que a reforma do ICMS perde prioridade em suas agendas. Se a reforma do ICMS vier, e juntamente a ela os estados quebrarem em efeito dominó, a reforma se perde no meio da confusão financeira que é uma confusão muito maior. A secretária deixa, no final, uma mensagem de relevância, definitivamente, para a reforma do ICMS e, principalmente, da reforma tributária. Alerta que o seu pessimismo vem um pouco do momento e que é preciso encontrar formas de fazer os estados a respirarem e poderem novamente fazer a reforma do ICMS com a relevância e a prioridade que a mesma já teve momentos atrás.

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1TT5Ey8

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O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

Eurico Marcos Diniz de Santi

DESIGN JURÍDICO DO ICMS que

QUEREMOS PARA O FUTURO A maldição do lançamento por homologação

A indicação de que o direito não se presta a revelar a “verdadeira verdade”, não é uma varinha de condão com a qual todo e qualquer problema poderá ser resolvido, é o ponto inicial da palestra de Eurico de Santi. Segundo ele, o direito se presta a criar novos cenários, construir novos futuros e requer instituições. Portanto, sua apresentação fala da construção de um cenário de futuro e, para isso, convida todos os agentes fiscais de rendas da plateia para ajudar na construção desse cenário. Algumas perguntas iniciais são colocadas: “O que deve ser feito para melhorar? É possível mudar o atual cenário? Que ICMS nós queremos para daqui a 5 anos? Será que temos condições de pensar e redesenhar um novo ICMS?”

Eurico Marcos Diniz de Santi - Professor de Direito Tributário e Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

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Para introduzir o assunto, de Santi relata um episódio que indica bem a dimensão do problema. Diz ele que convidou Richard Bird, “todo poderoso Chefe do Departamento de Impostos do FMI, professor de Harvard e idealizador do Dual VAT do Canadá, para um evento na FGV. Depois de três dias de discussão com José Roberto Afonso, Fernando Rezende e outras autoridades sobre os problemas do Brasil, do ICMS, PIS/COFINS, IR, Richard Bird falou: ‘Em minha experiência profissional, conheci cada um dos problemas que foram levantados aqui. Conheço tudo o que ouvi. Só que, em toda a minha vida, em toda a minha experiência, eu nunca vi todos esses problemas juntos, num mesmo país’.” E reforça o exemplo com uma outra citação, desta vez do economista José Roberto Afonso, segundo o qual ‘os fiscais brasileiros aplicam cada vez melhor um sistema tributário cada vez pior’. “É isso o que está acontecendo. E o problema não será resolvido atacando-o pontualmente, por mais implacável que seja o combate. Nada disso resolverá. Buscando exemplo nos dois filmes da série Tropa de Elite, de Santi pondera: “Tropa de Elite I tinha um problema


conceitual. Ele atacava todo o problema em função do maconheiro, do usuário de drogas, do policial corrupto, do mau funcionário público, quando, na verdade, não são os agentes fiscais que são problemáticos, não é a polícia que é problemática, não é o Tribunal de Impostos e Taxas, não é o CARF. Na verdade, é o sistema que induz a tudo isso. Essa é a mensagem de Tropa de Elite II: o problema não é a pessoa, é o sistema. Não adianta atacar pontualmente a corrupção, não adianta aumentar a pena, não adianta colocar pena de morte, não adianta aumentar a multa, porque tudo isso tem um custo de aplicação, de prova, processo administrativo, processo judicial, processo executivo… O nosso inimigo é outro. Temos que mudar esse sistema juntos e para isso temos que pensar juntos”. Trazendo essa questão para nosso sistema tributário, de Santis desenvolve uma argumentação que mostra que, na tributação do consumo do Brasil, estamos trabalhando com quase 10 milhões de regras. Seu exemplo propõe que imaginemos um quadro em branco no qual desenhamos um traço divisor: “isso é uma obrigação, isso não é. Essa é a própria definição de direito. Isso é lícito, isso não é lícito”. Daí eu corto de novo: bem móvel, bem imóvel, bem fungível, bem infungível e vou criando cortes para criar configurações e categorias jurídicas. Um bom IVA tem um corte só, ou paga ou não paga em função de um determinado fato gerador”. No caso do ICMS, o corte multiplica-se por 27, um para cada estado. Cria-se lícitos e ilícitos regionais, cada estado tem seu conceito de mercadoria, de não cumulatividade, etc. Como o ICMS está contaminado pelo ISS dos municípios, esses 27 cortes são cortados transversalmente por outros 5.760, um para cada município. Para fechar a história, aparece a União para invadir a base dos estados, criando um novo tributo sobre o consumo que integra mercadorias e serviços, o PIS/COFINS, que incide sobre a base do ISS e sobre a base do ICMS. “Ou seja, para calcular o PIS/COFINS, eu tenho que saber quanto eu pago de ISS no município de São Paulo, ou em Santa Bárbara do Oeste, e eu tenho que saber quanto eu pago de ICMS no Estado de São Paulo”, exemplifica. Se existem regras diferentes para 56 setores do PIS/COFINS, então eu terei um total de 8.709.120 sistemas diferentes, ou seja, 56 (setores) X 27 (estados) X 5.760 (municípios). É com essa malha, em que cada quadradinho representa um sistema com milhões de regras, que estamos trabalhando. Para complicar um pouco mais, esses quase 10 milhões de sistemas terão de ser administrados e interpretados por 200 milhões de brasileiros. Cada um terá que interpretar a legislação de uma forma, constituindo seu próprio sistema. É pouco? Então retroajam em 5 anos, porque a cada dia eu tenho um novo sistema. Então, “como o prazo decadencial é de 5 anos, eu multiplico 5 por 365 e tenho a complexidade para quem vai aplicar um auto de infração hoje em dia. Eu crio essa supercomplexidade e obrigo o contribuinte a interpretar corretamente a legislação tributária. Isso dá ensejo ao que eu chamo a maldição do lançamento por homologação.” A ideia do lançamento por homologação foi inovadora há 50 anos, quando era difícil para o fiscal ir ao estabelecimento do contribuinte, quando não havia sistemas informatizados e a legislação era simples. Nada mais razoável, portanto, do que deixar para o contribuinte a responsabilidade por interpretar a legislação e pagar o imposto

devido. “Só depois de 20 anos escrevendo sobre o assunto eu me dei conta do significado do lançamento por homologação. Todo secretário de Fazenda está preocupado em garantir arrecadação. É a missão política dele. Se ele não consegue fechar o orçamento, está demitido. Então, ele pressiona o contribuinte. Só que cria uma lei hipercomplexa como essa que tem 10 milhões de critérios normativos. E, como ele não consegue interpretar e dar conta disso, faz o quê? Obriga o contribuinte a interpretar essa legislação… Ninguém merece!... Não existe mais critério.” “O que provoca o lançamento por homologação, além de ter gerado minha dissertação de mestrado? Mais interpretações, mais dificuldades, mais legalidade, mais generalidade. Cria insegurança jurídica, cria desigualdade, cria mais fiscalização, cria mais contencioso. O Brasil tem 200 vezes mais contencioso do que qualquer lugar do mundo. Aquilo que não damos conta de interpretar, delegamos para o contribuinte.” E prossegue apontando para o círculo vicioso criado: “e o que gera essa hipercomplexidade? Mais direito, mais regulamentação. Quanto mais direito, mais desaparece a diferença entre o que é lícito e o que é ilícito. Surge daí o que é chamado planejamento tributário, que é a forma de trabalhar dentro da complexidade do sistema. Tudo aí é jurídico, tudo aí pode ser lícito, depende da interpretação. Acabou o universo do direito. Nesse caso, não adianta prender, não adianta fazer norma antielisiva, porque o problema não é moral, de ética. O problema é a hipercomplexidade. O resultado disso tudo é menos arrecadação, menos direito, menos justiça”.

Melhorar o Brasil? Sim, nós podemos. Segundo De Santi, “é preciso criar um novo cenário a partir de desse pântano jurídico em que estamos mergulhados”. A saída deve obedecer a três princípios. O primeiro princípio é o da simplicidade e simplicidade significa menos critérios jurídicos. Impossível conviver com 10 milhões de critérios jurídicos. A simplicidade possibilita a aplicação do direito a todos os contribuintes. O segundo princípio é o da equidade, da justiça, e o terceiro, a neutralidade. O sistema tributário não pode interferir no mundo dos negócios. Não se discute a carga tributária. Se a carga tributária é 36% do PIB, vai continuar sendo os mesmos 36. A questão aqui não é a carga tributária, não é simplesmente a forma de dividir o dinheiro, mas a qualidade do sistema. A reforma qualitativa do sistema deve, então, partir de algumas ideias-força que ajudam a repensar uma reforma tributária de qualidade. Caderno Especial | 35


As ideias propostas envolvem uma engenharia institucional para colocar na Constituição definições como: 1.

Base de cálculo – receita líquida de impostos. Imposto não pode incidir sobre imposto. Cada imposto fica com seus próprios problemas. Para isso, propõe a criação de um período de transição para todos os estados, municípios e União convergirem para o novo sistema. Nesse período, cada um terá que ajeitar a sua legislação. Com isso, teremos criado um horizonte de futuro.

2. Crédito financeiro – O segundo argumento, especialmente para a tributação sobre o consumo, é o crédito financeiro, a não cumulatividade, que é a coisa mais simples dentro de um IVA. Em resumo, “pagou, toma crédito; vendeu, tem débito”. 3. Isonomia pessoal – São as pessoas físicas que pagam o imposto. Então, nada mais justo do que pagarem seus impostos na proporção de seus rendimentos. “Não é justo que sócios de grandes empresas não paguem nada, enquanto os assalariados pagam”. 4. Isonomia empresarial – “Não tem sentido um eletricista que ganha R$ 3 mil/mês pagar 1,6% se é MEI, enquanto se é empregado, paga 50%, incluindo imposto de renda e contribuição social. Um sistema assim não tem sentido”. A proposta é criar um novo diálogo de um sistema simples para não ter um “Simples” que cria um fosso entre diferentes regimes. É preciso criar um regime que seja um acelerador do crescimento, que favoreça o ambiente de negócios. Com base nisso, estão criadas as diretivas, as bandeiras para, em 5 anos, fazer um regime de transição para um sistema nacional. Para De Santi, “as empresas aprovam uma mudança como a que está sendo proposta, porque ela beneficia o ambiente de negócios, mesmo que as alíquotas do imposto sejam elevadas.” Prossegue com a provocação: “Se essa proposta fizer sentido para os auditores fiscais, é possível ter uma bandeira de convergência para ser trabalhada em conjunto, na direção da qualidade e discutir, a partir daí, mil coisas complexas que envolvem esse debate.”

IVA nacional versão 3.0 Por último, de Santi propõe a criação de um novo imposto, um IVA puro, tributado em paralelo com o ICMS, cuja alíquota cresce à medida que a desse último decresce, até que o novo IVA ocupe todo o espaço do ICMS, substituindo o que este tem de podre e de vícios, por um imposto de qualidade, simples, transparente, neutro. Mudar é difícil porque “eu tenho que garantir arrecadação, pagar as contas 36 | Caderno Especial

do funcionalismo. Ninguém pretende isso. Mas o governo precisa de dinheiro. Então, por que eu não crio um novo imposto, mas não mais uma CPMF? É hora de fugir da pauta do Governo e buscar novas formas de arrecadar. Eu não quero uma CPMF ruim para arrecadar. Eu quero um IVA que venha mudar a qualidade do sistema”.

“O Brasil tem 200 vezes mais contencioso do que qualquer lugar do mundo, é um absurdo!” A ideia, então, é: criar um IVA perfeito, não cumulativo, com uma alíquota única de 1% para todos os setores. “Com isso, eu rompo com essa concepção getulista de ter um regime tributário para cada setor e acabo com os lobbies dos setores. A alíquota é igual pra todo mundo: 1%”. E continua, “nós temos a oportunidade de criar um novo IVA, 1% igual para todo mundo, devolução imediata de todos os créditos. Mais do que isso, esse IVA vai se tornar modelo funcional e, com o tempo, eu vou reduzir o PIS/COFINS, vou assimilar esse referencial como tributação federal e vou incorporar o ISS no IVA. Com o tempo, teremos um hiperimposto que funciona bem. A gente aprende a trabalhar com ele, percebe o quanto ele pode arrecadar e, com isso, nós podemos ter os recursos para fazer a transição do problema do Governo Federal e do ICMS. Teremos o referencial de um imposto que funciona em termos de qualidade e que permitirá, em 5, 10 ou 20 anos, o tempo que for necessário, criar segurança jurídica e pactuar os acordos necessários para a passagem para o novo sistema. O direito pode desenhar um modelo em que o novo IVA cresce enquanto o ICMS, o PIS/COFINS e o ISS vão diminuindo até que convirjam para um único tributo de qualidade. Esse modelo permitirá fazer uso de todo o potencial dos sistemas da Nota Fiscal Eletrônica e do SPED, resgatando o lançamento de ofício e eliminando as obrigações acessórias. “O que poderia significar um novo custo para o contribuinte, na verdade, não é, já que a administração tributária faz isso por ele, todo mês calcula para ele a GIA, o DARF. Não se trata da criação de mais uma obrigação. Ao contrário, com a implantação do novo modelo, todas as obrigações serão suprimidas. O fisco é quem constituirá o crédito.” A partir daí, o fisco deixa de ser o “cobrador de impostos” para se tornar a “voz da legalidade”. De Santi pondera que, “no direito, uma das principais funções é a dos juízes, é a função da jurisdição, jus dicere, dizer o direito. É quem fala o direito que tem importância. Numa sociedade moderna, não é preciso ninguém tomando dinheiro, colocando a mão no bolso do contribuinte. Só é preciso ter critério, ter a lei e alguém que diga, que vocalize que lei deve ser aplicada a cada caso. Assim, resolve-se o nosso contencioso, resolve-se essa relação difícil entre fisco e contribuinte. E a tecnologia de informação, a NFe e o SPED podem ser usados a favor da reforma. Criamos assim uma nova concepção de transparência, uma nova sociedade em rede, uma nova lógica de tributar e uma nova lógica de agente fiscal. Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1ZiN18w


O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

José Barroso Tostes Neto

O BID E A MODERNIZAÇÃO DAS

ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS Por melhor que seja um sistema tributário, ele não terá nenhuma efetividade se não contar com uma administração tributária eficiente, bem estruturada, organizada com métodos modernos de gestão e com instrumentos que deem efetividade para o cumprimento de todas as regras daquele sistema tributário. Por outro lado, uma administração tributária, por melhor que seja, não vai conseguir esconder as deficiências e as dificuldades de gerir um sistema tributário tão complexo. As administrações tributárias no Brasil têm tido um desempenho extraordinário e têm “tirado leite de pedra”, fazendo com que, nesse ambiente de complexidade, nós tenhamos conseguido avançar, sobretudo, em métodos, procedimentos e recursos que têm propiciado um aumento de efetividade extraordinário.

“Não haverá um sistema tributário com efetividade se não houver uma administração tributária adequada.” As administrações tributárias passaram por dois grandes ciclos de modernização. O primeiro com o Programa Nacional de Apoio à Modernização Fiscal para os Estados Brasileiros – PNAFE (1996-2006). O segundo com o Programa de Apoio à Gestão e Integração dos Fiscos do Brasil – PROFISCO (2009-2015), este, ainda em execução.

José Barroso Tostes Neto - Especialista do BID, ex-Secretário da Fazendo do Pará e ex-Coordenador do CONFAZ

Os dois programas foram concebidos em momentos difíceis, de crises que o Brasil enfrentou. Em 96, com a luta para consolidar o processo de saída da inflação e, em 2009, imediatamente após a crise deflagrada nos Estados Unidos e Europa, que teve impactos significativos no equilíbrio fiscal dos entes do Brasil. Se em momentos normais já é preciso fortalecer o trabalho das administrações tributárias, mais ainda nos momentos de crise como esses. Caderno Especial | 37


A modernização das administrações tributárias é um processo permanente, razão pela qual o BID já está trabalhando na concepção de um terceiro ciclo, que deverá iniciar-se tão logo o segundo tenha sido concluído.

PNAFE

Gestão de pessoas e programas de capacitação.

Programas de educação fiscal.

Atendimento ao contribuinte, como um aspecto importante da gestão tributária que exige especialização.

Integração e intercâmbio de informação – SINTEGRA. A partir daí, disseminou-se dentro das administrações tributárias a consciência da importância e dos ganhos que podem ser obtidos com o intercâmbio de informações entre as administrações fazendárias. O SINTEGRA foi criado dessa fonte e, apesar de suas deficiências, foi determinante para a evolução posterior ocorrida na fase do PROFISCO.

Rede Fazendária – UCP e UCEs, que trouxeram aos estados a possibilidade de compartilhar conhecimento, experiências, trocar informações e, sobretudo, métodos e processos de trabalho. O PNAFE foi concebido como uma estrutura que tinha uma unidade de coordenação central dentro do Ministério da Fazenda, a UCP, e as unidades de coordenação dos estados, formando uma rede de compartilhamento de informações.

O ciclo do PNAFE teve como objetivo o aumento da eficiência da administração tributária e financeira, a racionalização e a transparência na gestão dos recursos públicos, de forma a contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços e para a criação de espaço fiscal para os investimentos públicos nos estados. O programa foi formado por 27 projetos tributários, 26 financeiros, além de projetos setoriais, que compreenderam projetos nas áreas de controle sistêmico do orçamento e gestão dos recursos humanos; administração do contencioso judicial; gestão do controle interno e externo e gestão do IPVA. Os principais produtos do PNAFE foram: •

Sistemas de administração financeira com a implantação do SIAFEM;

Controle eletrônico das declarações e pagamentos, que representou a passagem da entrega das declarações e do preenchimento de guias em papel para os meios eletrônicos. Esses estão entre os grandes produtos dessa fase da modernização.

Infraestrutura de tecnologia de informação. Produto extremamente importante para os avanços que se seguiram. Até então, as administrações fazendárias eram dependentes das companhias estaduais de processamento de dados, que não tinham capacidade de atender de forma razoável às necessidades das administrações tributárias, sobretudo pela especialização e pela necessidade de agilidade no desenvolvimento de produtos específicos, que exigiam uma expertise que essas empresas não tinham. O PNAFE permitiu às administrações tributárias criar suas próprias estruturas de gestão de informação e, a partir daí, promover uma evolução significativa em uma série de outros produtos.

Criação e fortalecimento das Escolas Fazendárias como um espaço acadêmico especializado e voltado para o recrutamento e seleção especializada, para formação e especialização de quadros, sobretudo, fazendários, dentro de um requisito de que a estrutura organizacional, os sistemas e processos de trabalho, os recursos de TI são importantes para uma administração tributária ser efetiva. São os recursos humanos que vão potencializar esses resultados; são eles que vão dar efetividade à utilização desses recursos.

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PROFISCO Em seguida ao PNAFE, veio o PROFISCO, programa ainda em execução. De todos os estados, 2 já concluíram seus projetos, 20 estão em execução, alguns em fase bastante adiantada de sua implantação, e 5 estão ainda na fase inicial do projeto. O PROFISCO surgiu após o projeto da Emenda Constitucional que trouxe o conceito da integração das administrações tributárias e sua caracterização como uma função de Estado e surgiu exatamente no momento pós-crise de 2008, com a finalidade de estimular e criar condições para a integração dos fiscos, a modernização da gestão fiscal, financeira e patrimonial dos estados. Entre os produtos que trouxeram avanços ao processo de modernização das administrações tributárias do Brasil, o PROFISCO proporcionou: •

A Nota Fiscal Eletrônica (NFe) e o Sistema Público de Escrituração Fiscal (SPED), dois produtos emblemáticos pela dimensão do seu impacto no âmbito dos estados. Ambos levaram a eficiência das administrações tributárias a um novo patamar. Esses projetos foram tão bem desenvolvidos e implementados que são, hoje, objeto de interesse no mundo inteiro. O próprio Fundo Monetário Internacional tem patrocinado a iniciativa de levar a experiência brasileira para vários países da América Latina e de outros continentes. Esses são dois projetos que ainda não mostraram


todo o seu potencial para a diminuição da sonegação ou da informalidade.

Cadastro sincronizado. Esse, apesar de não ter alcançado seus objetivos na sua plenitude, foi importante para alcançarmos o estágio atual nos chamados integradores estaduais.

Novo modelo de fiscalização em trânsito em vários estados.

Novo modelo de contabilidade pública.

Sistema de Integração, Planejamento e Finanças.

Redes Fazendárias. Estas foram aprimoradas, inclusive com a criação das comissões e grupos técnicos como a COGEF, o ENCAT, GEFIN e GDFAZ.

Programa de Capacitação e Desenvolvimento de Pessoal.

Gestão do Conhecimento.

No âmbito da cooperação técnica, o BID desenvolveu junto ao Ministério da Fazenda produtos emblemáticos, com um trabalho de gestão por resultados; as trilhas de capacitação para orientar a formação e a especialização dos quadros fazendários; o desenvolvimento do índice de transparência e cidadania fiscal, este, em parceria com a FGV; os indicadores de aferição de desempenho; software de gestão; estudos para criação da SEFAZ Nacional, tanto no aspecto tecnológico quanto no aspecto jurídico (a NFe e o SPED trouxeram a necessidade de os estados contarem com um espaço de compartilhamento de recursos de TI e bancos de dados); os estudos sobre gastos públicos e o novo modelo de contabilidade aplicado ao setor público.

Esse é o primeiro grande desafio. A visão a que se chegou é a de que os programas anteriores tiveram sua ênfase voltada para a administração fiscal. Hoje, constata-se uma clara necessidade de manter o foco nos investimentos, na gestão financeira, contábil, na gestão da dívida, dos passivos contingentes e na melhoria da qualidade do gasto público.

2. Como incrementar a receita tributária. O destaque aqui fica por conta da necessidade de simplificação. Um dos problemas identificados nas administrações fiscais é a natural tendência a uma complexidade maior do que a que é oferecida pelo próprio sistema, por meio da criação de obrigações acessórias, muitas desnecessárias, e com a não implementação das simplificações que já se fazem possíveis. Uma das grandes qualidade atribuídas à Nota Fiscal Eletrônica e ao SPED era a possibilidade de uma significativa redução do número de obrigações acessórias no Brasil. Até hoje, pouco ou nada aconteceu nesse sentido. Por incrível que pareça, há ainda resistências dos estados brasileiros em abrir mão de declarações e obrigações acessórias.

3. Como aumentar a eficiência da gestão fiscal. Estes são os três grandes desafios que estão postos no momento atual.

1. Melhoria da qualidade do gasto público O Programa deve contribuir para aumentar a eficiência no uso dos recursos públicos, nas dimensões de investimento e de custeio, permitindo a redução de desperdício de recursos públicos e a disponibilização tempestiva de bens e serviços de qualidade para a sociedade. Não se trata apenas de avaliar o quanto custou, mas o que trouxe de benefício e o que trouxe de resultado em termos de efetividade na implantação daquele programa e daquela ação pública.

2. Melhoria na gestão do crédito tributário

TERCEIRO CICLO: NOVO PROGRAMA DE APERFEIÇOAMENTO DA GESTÃO FISCAL

O Programa deve contribuir para aumentar a eficiência na arrecadação tributária, com simplificação de normas e procedimentos, que favoreçam o cumprimento das obrigações principais e acessórias pelos contribuintes. A simplificação é uma medida necessária. Ou nós fazemos a simplificação, ou ela será feita de fora para dentro.

O trabalho de elaboração das diretrizes e recomendações técnicas para o terceiro ciclo do programa de aperfeiçoamento da gestão fiscal dos estados brasileiros foi realizado durante todo o ano de 2014, em conjunto com o CONFAZ, o Ministério da Fazenda, através de reuniões preparatórias, workshops e seminário de preparação com a participação de todos os grupos técnicos, e teve como objetivo realizar um diagnóstico dos avanços trazidos pelos programas anteriores e definir os principais desafios encontrados hoje para continuar com o desenvolvimento da gestão fiscal no Brasil.

3. Fortalecimento da governança e da transparên- cia fiscal

Resumidamente, os grandes desafios identificados para as administrações fiscais no Brasil foram os seguintes:

1. Como conter a expansão e melhorar a qualidade do gasto público.

O Programa deve contribuir para a melhoria do desempenho fiscal, promovendo a transparência e a integração dos fiscos, com o apoio dos Conselhos Nacionais de Política Fazendária (CONFAZ) e seus grupos estratégicos. Transparência é hoje um requisito geral no mundo inteiro. A preocupação com a transparência é necessária, daí a necessidade de avançar na direção do aumento do nível de transparência e, sobretudo, da compreensão da sociedade sobre essas questões.

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1Q37mhz

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O ICMS E O FUTURO DOS ESTADOS

José Roberto Soares Lobato

ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

EM CHAVE INVERTIDA

De algum modo, todas as palestras do Seminário Internacional O ICMS e o futuro dos Estados formam a base sobre a qual o trabalho da Afresp veio se instalar. Isso porque o pressuposto básico de partida foi o de que sistema tributário, ou o nome que se queira dar ao regime de tributação do Brasil, e a administração tributária não são variáveis independentes como têm sido tratadas nas últimas duas décadas. A partir disso, o grupo técnico que elaborou o trabalho examinou os problemas por que têm passado as administrações tributárias estaduais, São Paulo em particular, à luz das distorções do modelo de tributação do consumo do país e dos desarranjos do federalismo fiscal brasileiro. As palestras do Seminário mostraram à exaustão o quanto a sistemática do ICMS prejudica o desempenho da economia e o ambiente dos negócios. Restava, portanto, a necessidade de mostrar o quanto todas as distorções mostradas afetam o desempenho das próprias administrações tributárias estaduais e o trabalho de seus auditores fiscais. Essa é uma discussão que o trabalho da Afresp apenas iniciou. O grupo técnico buscou a cadeia causal para um problema que foi enunciado da seguinte forma: a sistemática do ICMS prejudica o desempenho da economia, onera excessivamente o contribuinte e fragiliza a administração tributária. Para verificar essa hipótese de trabalho, o grupo fez uso do “momento explicativo”, tal como é definido na metodologia do Planejamento Estratégico Situacional, traçando a rede explicativa do problema declarado num fluxograma situacional, aqui denominado mapa estratégico.

José Roberto Soares Lobato - Diretor de Comunicação e Assuntos Estratégico da Afresp

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Esse mapa estratégico mostra a forma como se produz a dissociação da cabeça da administração tributária e do seu corpo. Enquanto alguns dos elementos da cadeia explicativa tomam parte dos processos decisórios, outros ficam total ou parcialmente alienados desses processos. Os primeiros são as engrenagens do processo de produção de arrecadação, já os segundos giram em torno de si mesmos, como engrenagens sem dentes. Importa res-


saltar dois dos planos em que essa dissociação se dá: um que é provocado pelo casuísmo que tomou conta das decisões em matéria de política tributária, sempre motivadas pela necessidade de arrecadar “a qualquer custo”. Esse casuísmo, que não vê no tributo outros predicados que não sejam o de promover a arrecadação no curto prazo, acabou por descolar a máquina administrativa do fluxo de formação dos créditos tributários, ou, pelo menos, transformou-a num elemento quase externo a esse processo. Mecanismos heterodoxos em termos das boas práticas de tributação, estranhos à natureza do imposto, foram e estão sendo utilizados à exaustão com o objetivo de gerar receita no curto prazo. Com isso, o mesmo casuísmo que introduz complexidade crescente no sistema, produz mecanismos de simplificação, que acabam por injetar camadas novas de complexidade num sistema já bastante complexo. De um lado, a substituição tributária foi o instrumento utilizado para elevar as receitas dos estados, ainda que a custo da introdução de uma altíssima complexidade, tanto maior quanto a expansão do recurso que esse instrumento se deu, na maioria das vezes, na contramão da lei e longe da coordenação do CONFAZ. O recurso semianárquico a esse instrumento fez com que as regras tributárias se multiplicassem, provocando quebra de isonomia e elevando, ao nível do improvável, as assimetrias entre contribuintes que têm atividades semelhantes.

“A sistemática do ICMS prejudica o desempenho da economia, onera o contribuinte e fragiliza a Administração Tributária” O problema da utilização de mecanismos disfuncionais de arrecadação e a multiplicação das regras, tal como está exposto no mapa estratégico, acabou por produzir uma torrente de demandas às administrações tributárias, sempre buscando a mitigação das assimetrias criadas, o que acabou fazendo das administrações tributárias verdadeiros “balcões de atendimento a reclamações e demandas”. A fragmentação legislativa e normativa provocada por esse movimento praticamente tem impedido a implantação de qualquer processo de gestão estratégica, reduzindo os processos de gestão ao tratamento dos benefícios e anomalias. Mais que isso, os métodos estatísticos de controle, tanto das atividades internas como do comportamento dos contribuintes, tornam-se ou inaplicáveis, ou, então, quando são aplicados, constituem-se meras formalidades. O segundo plano da dissociação entre administradores e administrados foi a interrupção do processo de modernização, a neutralização dos seus esforços, e, até mesmo, o retrocesso nos seus rumos. É verdade que algumas das conquistas proporcio-

nadas pelo esforço de modernização são definitivas e não são afetadas diretamente pela perda da qualidade dos tributos. É o caso da Nota Fiscal Eletrônica, do SPED, que aprimoraram o acesso à qualidade da informação, toda a base tecnológica instalada e toda a cultura de tecnologia de informação que os programas de modernização ajudaram a criar durante as duas décadas transcorridas desde seu início. Certamente, muitos dos produtos resultantes desse processo de modernização tiveram como estímulo o fato de terem de se contrapor a um tributo que perdia qualidade ano após ano. Muitas dessas ferramentas tiveram de ser desenvolvidas justamente para se contraporem à deterioração do ambiente tributário e das sequelas deixadas, tal como ocorreu com a tecnologia bancária, que encontrou no descontrole inflacionário o estímulo para desenvolver-se e colocar o Brasil na sua vanguarda mundial. Claro que, por mais positivo que esse avanço possa ter sido, não é suficiente para tornar desejável o descontrole inflacionário. O mesmo acontece no caso dos programas de modernização: ao lado dos importantes avanços trazidos, a deterioração do ambiente tributário tirou deles boa parte do élan inicial e neutralizou alguns dos efeitos buscados com os investimentos realizados. Lamentavelmente, muitos dos problemas de origem do ICMS, como o crédito físico, e dos criados mais recentemente impedem que as ferramentas mais importantes criadas pelos programas de modernização, como é o caso da Nota Fiscal Eletrônica e do SPED, sejam utilizadas com o potencial de simplificação e controle que têm. Essa questão nos ajuda a colocar os programas de modernização na perspectiva em que foram tratados no mapa estratégico. Neste, a avaliação da Afresp é que foram replicados sucessivamente sem levar em conta os distúrbios que o modelo de tributação poderia provocar sobre os projetos financiados. Preocupados em proteger as administrações tributárias contra a má qualidade dos tributos, os programas de modernização voltaram as costas para o problema da má qualidade dos tributos, que agora parece entrar pela porta dos fundos. Com isso, o sucesso inicial que levou as administrações tributárias estaduais a ocupar uma posição de vanguarda, mesmo para os padrões de uma economia globalizada, criou uma espécie de força inercial, que parece ter levado os estados a pensar que esse sucesso poderia se perpetuar de forma automática. O indicador de desempenho, “por excelência”, desses programas foi, desde o início, o crescimento do nível de arrecadação. Nesses 20 anos, em nenhum momento, a relação entre a qualidade do tributo e o desempenho das administrações tributárias foi colocada em questão. Em razão disso, talvez com a única exceção dos investimentos em tecnologia, todos os aspectos da administração tributária que deveriam ser reforçados pela modernização, saíram do foco desses programas, ficaram estagnados, ou, o que é pior, foram objeto de investimentos improdutivos, que não trazem qualquer resultado prático, porque são estranhos à “via real” da produção de Caderno Especial | 41


receita. Dessa forma, muito da ossatura e da musculatura das administrações tributárias parece estar sofrendo uma espécie de atrofia provocada pelo uso excessivo dos instrumentos heterodoxos de política tributária. Essa atrofia refletiu-se, entre outras coisas, em desequilíbrios funcionais diversos, na inadequação dos modelos analíticos à realidade criada e no uso dos instrumentos de controle com uma função meramente procedimental. Pior de tudo, a organização parece ter perdido a capacidade de refletir sobre si mesma. Um dos efeitos internos mais importantes ocorridos nas administrações tributárias foi a excessiva centralização das decisões. A hipótese para isso é que, uma vez que os processos de gestão estão em boa parte limitados ao atendimento de demandas setoriais não estruturadas, as decisões não se submetam aos critérios técnicos consagrados e nem, tampouco, esses servem para a tomada de decisão. Mesmo nos níveis superiores e médios de comando, os graus de liberdade para a tomada de decisão são mínimos. No final das contas, resolve aquele que dispõe de instrumentos para tal. Como esses instrumentos são quase sempre medidas de natureza normativa (concessão de isenções, créditos presumidos, anistias, financiamento de débitos fiscais, regimes especiais, etc), a decisão fica por conta de quem tem a caneta à mão. Cria-se uma espécie de círculo vicioso normativo, no qual cada norma gerada produzirá efeitos não desejados, que exigirá a edição de outras normas, e assim sucessivamente. Claro que, com isso, não sobra espaço para o desenho de estratégias ou para o uso de ferramentas estatísticas que mostrem o desempenho dos contribuintes em comparação com seus semelhantes ou do seu setor de atividade. A rigor, nas questões tributárias, o próprio conceito de “setor” se distancia do conceito econômico, tornando-se impreciso, fluido, tamanhas são as diferenças de tratamento tributário que recebem contribuintes do mesmo setor. Da mesma forma, multiplicam-se as oportunidades para o planejamento das empresas baseado em decisões de ordem tributária. Com tudo isso, nas administrações tributárias, os espaços existentes para a racionalidade dos processos de trabalho se tornam limitados. A multiplicação dos tratamentos de exceção acaba por provocar a multiplicação das tarefas de baixa relevância. Do lado do auditor fiscal, essa desordem se traduz em desmotivação, descompromisso e em uma espécie de descontentamento difuso e crescente. O reflexo se dá, por exemplo, no êxodo de servidores que, durante anos, acumularam conhecimento e experiência nos trabalhos de organização e gestão para a realização de tarefas operacionais na base da organização. Segundo o mapa estratégico, o empenho de “arrecadar a qualquer custo” provoca o uso excessivo de alternativas oportunistas de arrecadação, aí incluídos todos os programas que veem na anistia uma maneira de fazer receita no curtíssimo prazo; a fiscalização torna-se errática, bem distante das “redes de 42 | Caderno Especial

inteligência” que a complexidade da base produtiva exigiria de uma administração tributária que pautasse sua atuação em padrões de excelência.

“No centro da questão está o fato de que a capacidade de gestão da administração tributária tem se limitado à gestão de benefícios e de anomalias.” Os problemas inúmeros que ligam o frágil federalismo fiscal e o péssimo sistema de tributação de consumo às administrações tributárias dos estados do Brasil, somados à crise econômica, parecem indicar que não há atalhos que levem a uma saída rápida e sugerem que chegou a hora de encarar de frente os problemas de administração tributária à luz da qualidade de todo o sistema. Não é à toa que a literatura sobre o assunto ressalta a importância das outras qualidades do tributo além de sua capacidade de arrecadar. O período das soluções “mágicas” de produzir receita parece próximo do fim. Num momento em que aumentam as necessidades de obtenção de níveis maiores de receita, nada mais natural para os governos do que voltarem seus olhos para as administrações tributárias à espera de que possam apresentar soluções para o problema. Nesse mesmo momento, no entanto, a expectativa criada vem encontrar as administrações tributárias fragilizadas por um regime de tributação que a corroeu em seus alicerces. À semelhança do doping esportivo, as administrações tributárias estão esgotadas pelo recurso constante a práticas que se assemelham a anabolizantes, que privilegiam os resultados de curto prazo, em detrimento do modelo sustentável baseado no crescimento econômico. As administrações tributárias estaduais parecem não ter tido outra alternativa a não ser aceitar o chamamento dos governos pela produção de receita de curto prazo. Não é surpresa que a base econômica da tributação do ICMS esteja fragilizada, assim como não é surpresa que as administrações tributárias estaduais estejam também fragilizadas. São ambas produto de um mesmo processo. A saída terá necessariamente que passar por mudanças no sistema tributário e pela revitalização dos programas de modernização das administrações tributárias, que, de algum modo, terão que assimilar as discussões sobre a qualidade dos tributos no seu desenho, de modo a reduzir dramaticamente a complexidade do sistema, os custos que recaem sobre os contribuintes e fazer com que o imposto não seja empecilho para o crescimento econômico. De outro modo, o Governo e a Administração Tributária continuarão a bater cabeça.

Acesse a palestra completa: http://bit.ly/1JIBcqg




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