Revista Afromundo - Nº 1

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Povos Tradicionais • Natureza • Cultura Popular • Turismo • Sustentabilidade

AFROMUNDO Saya Afroboliviana Festança de Vila Bela Estrada da Morte

Expedição ao Território Afroboliviano Nov/Dez 2011 Nº 01 Distribuição Gratuita



Agradecimentos aos parceiros da Expedição ao Território Afroboliviano

Mineração Apoena SA http://twitter.com/minaapoena

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Fotos: Mario Friedlander

Mineração Apoena

Mineração responsável

Mina São Francisco e Mina São Vicente Municípios de Vila Bela da Santíssima Trindade e Nova Lacerda, Mato Grosso http://twitter.com/#!/mineracaoapoena



Nov/Dez - 2011 A revista Afromundo é uma iniciativa dos produtores culturais Mario Friedlander e Hélio Caldas com apoio do Instituto Caracol, da José Medeiros Imagem & Publicações e dos nossos diversos parceiros e anunciantes.

Instituto Caracol CNPJ: 10.711.743/0001-23 Rua: 900, Qd. 17 Nº 1111 Jardim Imperial 78075-725 Cuiabá - MT 65 3054-4294 icaracol@icaracol.org.br www.icaracol.org.br José Medeiros Imagem & Publicações (Medeiros & Borges Ltda CNPJ 08.708.717/0001-02) Av. Fernando Corrêa da Costa, 1610 Galeria Xavier - Sala 111 78065-000 Cuiabá - MT (65) 3054-1080 / 3054-3080 josemedeirosimagem@gmail.com

Editor Chefe & Editor de Arte: Mario Friedlander mariofriedlander@gmail.com

Textos: Imara Quadros imaraquadros@hotmail.com

Jornalista Responsável: Márcia Raquel de Oliveira DRT-MT 1132 marciaraquel_o@hotmail.com

Jackeline Silva jackeline.silv@gmail.com

Designer Gráfico: Luiz Arruda luizflavioarruda@gmail.com

Márcia Raquel de Oliveira

Edição de Texto: Márcia Raquel de Oliveira Revisão: Alda M. Q. do Couto aldacouto@hotmail.com Fotografias: Mario Friedlander Contato: revistaafromundo@gmail.com www.revistaafromundo.com.br

Impressão: Gráfica Print Tiragem: 3.000 exemplares

Mario Friedlander

Michèle Sato michelesato@gmail.com Luca Spinoza ideasyletras@gmail.com Consultoria: Hélio Caldas crauna@hotmail.com Ramon Carlini ramon@tantatinta.com.br Elaine Caniato elaine@tantatinta.com.br

Foto da capa: Mario Friedlander Angélica de Larréa Piñedo, esposa do Rei Afroboliviano Julio Piñedo Mururata - Nor Yungas Bolívia


Mario Friedlander

Revista Afromundo Estávamos há seis meses mergulhados no Projeto Paralelo 15 e percebemos claramente que ficou pequeno para a realidade que nos cerca, precisávamos ampliar nossas possibilidades de contato, interação e comunicação, com populações e paisagens; então decidimos criar um novo espaço, o Projeto Afromundo, que já se tornou a mãe adotiva do Projeto Paralelo 15 e deve abraçar outros mais por aí. Através deste projeto, pretendemos viajar mais longe, voar mais alto, sonhar mais e melhor, vamos buscar parceiros e amigos, vamos mergulhar mais fundo nas realidades que nos circundam. Esta publicação é o primeiro passo, através dela vamos ampliar nosso alcance e vamos nos fazer ouvir. Índice: Pag. 10 Pag. 16 Pag. 20 Pag. 26 Pag. 32 Pag. 38 Pag. 40 Pag. 41 Pag. 44

Expedição ao Território Afroboliviano A Saya Afroboliviana Vila Bela da Santíssima Trindade Estrada da Morte Festança de Vila Bela Indícios de uma gênese Afro-Brasileira Mulheres Negras em Mato Grosso Ano Internacional dos Afrodescendentes Carnaval de Oruro

www.afromundo.com.br - revistaafromundo@gmail.com 7


Em seu segundo ano de existência, hoje conta com algumas atividades realizadas e envolvimento em projetos em parceria com Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte [GPEA] da Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT].

Rua: 900, Qd. 17 Nº 1111 Jardim Imperial 78075-725 Cuiabá - MT 65 3054-4294 icaracol@icaracol.org.br www.icaracol.org.br

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Av. Fernando Correa da Costa, 1.610 - Galeria Xavier, sala 111 Jd. Kennedy - CEP 78070-000 - fotosdaterra@gmail.com Fones: (65) 3054-1080 / 3054-3080 - Cuiabá - Mato Grosso

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Foto: Mario Friedlander

O Instituto Caracol também conhecido como iCARACOL é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, com caráter socioambiental, que foi fundado em setembro de 2008. Nasceu pela necessidade de ter autonomia na gestão de recursos para as atividades de Educação Ambiental, bem como favorecer os espaços da sociedade civil para a militância, participação e controle social das políticas públicas relacionadas à dimensão socioambiental.



Mario Friedlander

Expedição

ao

Território Afroboliviano Texto e Fotos: Mario Friedlander Participaram da primeira viagem da equipe do Projeto Paralelo 15 à Bolívia o Escritor Chileno Luca Spinoza, que reside em Santa Cruz de La Sierra, o Guia de Turismo e Produtor Cultural Hélio Caldas, que reside em Chapada dos Guimarães no Mato Grosso, e o Fotógrafo e Documentarista Mario Friedlander, que reside entre Cuiabá, Chapada dos Guimarães e Vila Bela da Santíssima Trindade no Mato Grosso. A expedição foi realizada entre os dias 25 de fevereiro e 05 de abril de 2011, totalizando 41 dias em campo, sendo 40 dias na Bolívia. Nesse período, a equipe percorreu 5.500 km das estradas mais perigosas do País. 10

O objetivo principal da primeira viagem era a coleta de informações diversas e imagens para a conclusão de um projeto em parceria com a Carlini e Caniato Editora, visando à produção de um livro sobre os Afrodescendentes residentes na região dos Yungas na Bolívia e em Vila Bela da Santíssima Trindade. O projeto obteve apoio financeiro e institucional de diversos parceiros no Brasil e na Bolívia, que contribuíram para a realização desta trabalhosa viagem e o alcance do objetivo proposto. A partir de agora a equipe vai trabalhar as informações e imagens obtidas na expedição e concluir


o projeto para iniciar a busca por mais apoios para a produção do livro. Entretanto, na primeira viagem foram realizados muitos contatos favoráveis, o que mostrou o quanto o projeto é inovador e capaz de despertar intenso interesse nos dois países. Como o processo de elaboração, submissão ao Ministério da Cultura e busca de patrocinadores, se o projeto for aprovado, é muito longo e trabalhoso, a equipe decidiu dar sequência à coleta de mais informações e imagens sobre as populações Afrodescendentes em ambos os países, mesmo sem dispor dos recursos financeiros necessários à produção total do livro. Deste modo, realizamos mais duas viagens à região de Vila Bela da Santíssima Trindade, a primeira para percorrer trechos do Parque Estadual Serra de Ricardo Franco e a segunda para documentar a Festança de Vila Bela, a mais importante celebração dos Afrodescentes dessa região.

Também promovemos três exposições fotográficas sobre o projeto em Cuiabá, além de realizarmos novos contatos e estabelecermos o planejamento para as próximas viagens do Projeto Paralelo 15, que serão feitas durante o ano de 2012. A equipe do Projeto Paralelo 15 expressa aqui os mais sinceros agradecimentos aos parceiros, amigos e colaboradores envolvidos no projeto, tanto no Brasil quanto na Bolívia e ressalta que todos estão sendo promovidos através de nosso blog www.projetoparaleloquinze.blogspot.com, principal veículo de informação e contato entre o projeto e o público em geral. Agora, com a chegada da Revista Afromundo, poderemos expandir nossa atuação e conseguiremos, com certeza, todo o apoio necessário à continuidade e ampliação da área de atuação do projeto.

Hélio Caldas, Mario Friedlander e Luca Spinoza

Mario Friedlander

Bolívia

Trajeto percorrido na Bolívia Giovanna Gonzales, Edgar Gemeoz, Hélio Caldas e Luca Spinoza

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Mario Friedlander Mario Friedlander

Giovanna Gonzales , Hélio Caldas, Luca Spinoza e Edgar Gemeoz - Equipe da Expedição ao Território Afroboliviano

Vila de Mururata

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Manoel Barra - Toca単a

Mario Friedlander

Julio Pi単edo, Rei Afroboliviano - Mururata Mario Friedlander

Mario Friedlander Mario Friedlander

Macl坦via Barra - Toca単a

Coroico

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Mario Friedlander

ORISABOL - Organizacion Integral Saya Afroboliviana

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A Saya

Texto e Fotos: Mario Friedlander

Afroboliviana

Mais que uma dança ou estilo musical, a Saya Afroboliviana representa atualmente a identidade da população Afroboliviana. Todos são a favor da Saya, ela contagia de alegria os bolivianos de todas as etnias e também os estrangeiros que têm a oportunidade de assisti-la. Resultado da junção entre a cultura afro, que cheMario Friedlander

Mais que uma dança ou estilo musical, a Saya Afroboliviana representa atualmente a identidade da população Afroboliviana, seu cartão de visita, sua maior força política e cultural.

ORISABOL - Organizacion Integral Saya Afroboliviana

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Mario Friedlander

Domingo de Tentaciones em Yarisa

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Atualmente, muitos Afrobolivianos provenientes dos Yungas, mas residentes em La Paz ou outras cidades maiores, montaram diversos grupos de Saya, alguns são mais politizados que outros, mas todos se apresentam frequentemente nos mais diversos eventos, inclusive em muitos eventos fora da Bolívia. A expansão da Saya como elemento de promoção da autoestima dos Afrobolivianos e como um catalisador da sua cultura é inexorável e irreversível. No rastro dela, outros elementos culturais e religiosos das comunidades afrodescendentes irão surgir a público e, provavelmente, serão aceitos com facilidade, ampliando assim o universo de signos Afro na cultura boliviana. Mario Friedlander

gou à terra dos Andes com os escravos, no século XVIII, e as práticas ancestrais bolivianas, a Saya é composta de música, dança, poesia e muito ritmo, utilizando-se de metáforas e sátiras para tratar de temas que vão desde a escravidão até os dias atuais. Até poucos anos atrás a Saya era a manifestação tradicional e comunitária das populações de Afrobolivianas, principalmente aquelas que ainda se mantinham na região dos Yungas, seja ao norte, como em Tocaña, Mururata, Chichipja, Yarisa, todos nos arredores de Coroico, seja ao sul, como em Chicaloma, Colpar, Naranjani e outras nos arredores de Chulumani. Por ser ridicularizada por outras etnias da Bolívia, a Saya era mantida dentro dos clãs familiares e comunitários e nunca era apresentada fora deles. Isso mudou por volta da década de 1980 aproximadamente, quando durante uma visita do então Governador de La Paz, Fernando Cajías, a Coroico, um grupo de moradores e estudantes de Tocaña resolveu apresentar a dança durante as manifestações de boas vindas ao Governador. O sucesso da apresentação foi instantâneo e, a partir daí, inclusive por influência do próprio Governador, a Saya foi levada a diversos eventos dentro e fora dos Yungas e conquistou rapidamente os bolivianos, tendo sido inclusive transformada em Patrimônio Cultural Intangível de La Paz.

Músicos da Saya de Chichipja


NOLS Brasil Amazônia - Expedições na Amazônia Legal NOLS (National Outdoor Leadership School) é uma instituição educacional sem fins lucrativos cuja base são expedições em áreas silvestres remotas ou inexploradas. Desde 1965, quando a escola foi fundada, já ensinamos técnicas da vida ao ar livre, conservação e liderança a cerca de 70.000 estudantes em mais de dez países.

www.nols.edu

Rio Juruena-MT

Foto: Mario Friedlander

Chapada dos Guimarães, seu lugar no mundo

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Texto e Fotos: Mario Friedlander

Vila Bela da Santíssima Trindade Natureza exuberante, grandes paisagens e rios para serem navegados, experiências novas esperam quem se atrever a vir. Situada no oeste de Mato Grosso, próximo à fronteira com a Bolívia, às margens do rio Guaporé e aos pés da Serra de Ricardo Franco, Vila Bela da Santíssima Trindade encontra-se mergulhada em uma diversidade natural e cultural como poucos lugares do Brasil. Envolvida pelo Pantanal Amazônico do Alto Guaporé, possui muitas espécies faunísticas iguais às do Pantanal Mato-grossense e outras oriundas do ecossistema Amazônico, como o jacaré-açu ou caiman, o boto tucuxi e o boto-rosa, a ave cigana, muito abundante na região, o macaco-aranha e inumeráveis outras, inclusive mais de 472 espécies de aves já identificadas. O município concentra também as mais altas cachoeiras do Estado. 20

Em Vila Bela temos o Parque Estadual Serra de Ricardo Franco, com 156 mil hectares, e junto a este, o Parque Nacional Noel Kempff Mercado, já na Bolívia, com 1,6 milhão hectares. A ocorrência de quatro ecossistemas chama a atenção, pois além do cerrado, dos pantanais do Alto Guaporé e da Floresta Amazônica, temos o Bosque Seco Chiquitano, ecossistema riquíssimo e pouco conhecido no Brasil. Primeira capital de Mato Grosso, Vila Bela foi durante muito tempo área de conflito entre os portugueses e os espanhóis, que se enfrentaram militarmente na região inúmeras vezes. As ricas minas de ouro de Vila Bela alimentaram com ouro a Europa durante muito tempo e, por este motivo, milhares de africanos escra-


Mario Friedlander

Missa Solene da Irmandade de São Benedito durante a Festança de Vila Bela

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Mario Friedlander

Cachoeira do Jatobá com 250 m de queda, Parque Estadual Serra de Ricardo Franco, Vila Bela - Mato Grosso

vizados foram trazidos para cá, trabalhando duramente até a morte ou a fuga para o sertão, onde criavam quilombos e desenvolviam pequenos reinados. Os descendentes destes africanos se fundiram com inúmeras nações indígenas que habitavam o Vale do Guaporé e hoje compõem a maioria da população de Vila Bela. 22

A cultura local apresenta traços de puro encantamento, com danças, músicas, rituais religiosos, culinária, bebidas típicas e um modo de vida muito simples e humilde, mas também muito extrovertido e animado. Natureza exuberante, grandes paisagens, rios e pantanais para navegar, festas a serem vividas, comidas e bebidas suculentas e energéticas, experiências novas esperam quem se atrever a vir. Venha logo.


Mario Friedlander

Imperador e Imperatriz do Divino EspĂ­rito Santo rodeados pelos Mordomos e pelo Alferes-da-Bandeira

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Foto: Mario Friedlander

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Foto: Mario Friedlander

Participando do crescimento da Chapada dos Guimar達es - MT

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Um santuรกrio natural marcado pela morte em cada curva da montanha

Estradada

Morte Texto: Luca Spinoza

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Fotos: Mario Friedlander


Turistas Israelenses na lápide que homenageia outros Israelenses mortos num acidente no local.

Uma das emoções mais especiais que a nossa expedição vivenciou durante o trajeto de mais de cinco mil quilômetros de viagem, ao longo de quarenta e um dias de aventura repletos de experiências de todo tipo, foi, sem dúvida, o arrepiante percurso pela sempre perigosa, lendária e belíssima “Estrada da Morte”. Quando, no decorrer da primeira etapa da Expedição Paralelo Quinze, transitamos por esta estrada ao mesmo tempo fascinante e amedrontadora, ela fez trabalhar os meus sentidos ao máximo e ao longo do seu acidentado trajeto eu descobri, surpreendido e encantado, maravilhas que me abriram a percepção de uma maneira mágica e intensa: cromáticos e clandestinos silvos de aves invisíveis, fantasmas escorregadios transitando pelo labirinto das matas enigmáticas; indóceis quedas de água da cada vez mais escassa

neve dos Andes, trilhas pré-colombianas congeladas sob a mortalha das neves eternas, sugestivas rajadas de ventos errantes e poderosos, sombras fugidias e imprecisas vagueando entre paredões milenares e desconhecidos aromas florais, esvoaçando no ar puríssimo dos vales profundos. Isso sem falar da apavorante vertigem que tentava acovardar o corpo e o espírito, fazendo-me visualizar a dimensão exata da nossa fragilidade... 27


Mario Friedlander

A Estrada da Morte apertada entre a montanha e o abismo

Não, não pense, por favor, que me extraviei nas pantanosas profundezas das abstrações mais alucinadas, ao tentar descrever o trajeto de uma simples estrada. Na verdade, é impossível deixar de ser meio subjetivo e surreal, ao escrever sobre este extraordinário lugar que, além de nos seduzir, tem o poder de acordar adormecidos e primitivos instintos. Muitos são os estímulos sensoriais com que nos bombardeia a superlativa beleza desta serpeante e perigosíssima rota, literalmente esculpida na rocha quebradiça das exuberantes encostas orientais dos Andes bolivianos. Assim como nos maravilhamos com suas imponentes paragens, que também possuem comovedoras e trágicas histórias humanas, ali nosso instinto de sobrevivência nos mantém em alerta constante, pois há permanentes perigos camuflados no meio das paisagens estonteantes. Trabalhos forçados Incontáveis e lúgubres cruzes de madeira, assim como pequenas lápides de pedra cobertas de epitáfios, advertem que milhares de pessoas morreram ao longo de décadas de funcionamento da estrada. É que a precariedade e pouca largura dela, somadas à falta 28

de manutenção dos carros, desrespeito às regras de circulação, visibilidade reduzida, geografia abrupta, instabilidade geológica e condições climáticas usualmente adversas, fizeram com que centenas de veículos despencassem com os seus passageiros, se espatifando segundos depois (carne humana e metal) no fundo de assustadores precipícios de centenas de metros de profundidade. Se o nome popular desta rota nos carrega ao universo da fatalidade, ela também é um dos mais espetaculares e deslumbrantes cenários naturais do departamento de La Paz e da Bolívia. Esta vertiginosa estrada de chão se inicia no hoje fantasma arraial de Chuspipata, para depois atravessar as ladeiras dos bosques nublados de Sacramento e finalizar no alquebrado vilarejo de Yolosa, em um arrepiante trajeto que pela intensidade com que estimula a adrenalina e os reflexos, não deixa ninguém indiferente. Cinzelada diretamente na rocha com golpes de picareta e explosões de dinamite, é uma rota extremamente estreita e sinuosa, com incontáveis e fechadíssimas curvas que vão bordejando precipícios que chegam ao exagero de alcançar 1000 metros de queda livre.


íses, esses amantes do esporte radical e da aventura enfrentam motivados e sorridentes o desafio de descer 3500 metros de desnível através de um percurso de 64 km. Todo se inicia em La Cumbre, a 4700 gélidos metros de altitude, simbólico ponto de transição entre o planalto andino e os vales subtropicais de Los Yungas. Horas depois de uma descida arriscada e inesquecível, que faz valorizar a vida e a saúde numa nova dimensão, tudo finaliza em grande estilo no pequeno povoado de Yolosa. Todo aventureiro de alma de artista deve visitar pelo menos uma vez na vida esta maravilhosa estrada que, apesar de sua fatídica fama e das mortais estatísticas que lhe acompanham, é certamente um lugar muito especial, onde a potência e a magia da natureza se percebem em todo seu esplendor.

Mario Friedlander

Para dar um toque ainda mais pitoresco e quase irreal à aventura de descê-la, em meio do seu percurso descobrimos, atônitos, que uma belíssima cachoeira chamada de São João (San Juan) cai sobre o caminho desde um impressionante paredão de mais de cem metros de altura, coberto de bromélias, líquens, orquídeas, samambaias e musgos aveludados. Em um mirante que fica em frente dela, há uma grande lápide com inscrições em idioma hebreu, homenageando alguns ciclistas israelenses que caíram ao abismo há anos passados. Construída pelo trabalho forçado de desafortunados prisioneiros paraguaios capturados durante a sangrenta Guerra do Chaco, que envolveu a Bolívia e o Paraguai nos anos trinta do século XX, esta estrada foi durante muito tempo o único acesso àquela isolada região. Descida radical Antes que esta polêmica estrada fosse desativada definitivamente no ano 2006, centenas de veículos a percorriam diariamente, muitos deles carregados de frutas e madeira para abastecer a cidade de La Paz. O mais surpreendente era que, desafiando todas as normas de trânsito das nossas terras americanas, a descida era feita pela esquerda do caminho, para que os caminhões carregados transitassem grudados à rocha. O motivo dessa inusitada inversão das pistas de circulação era evitar que, ao se encontrar com outro veículo subindo, o peso dos caminhões ou ônibus fizesse ceder o terreno e os precipitasse ao despenhadeiro. Como, além disso, a chuva e a névoa são muito frequentes nessa região, diminuindo notavelmente a visibilidade, fazendo o chão escorregadio e afrouxando enormes pedras que caem das montanhas, em 1995 a rota foi batizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como a “estrada mais perigosa do mundo”. Apelidada por essas razões com o funesto nome de “Estrada da Morte”, atualmente transformou-se numa rota ecológico-turística, visitada por mais de 30.000 ciclistas ao ano. Chegados de diversos pa-

Guia boliviano especializado no Cicloturismo na Estrada da Morte

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Fotos: Mario Friedlander

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Texto e Fotos: Mario Friedlander

Festança de

Vila Bela A força da religiosidade e da tradição no oeste de Mato Grosso A Festança de Vila Bela, também chamada de Festa do Congo, é um conjunto de celebrações religiosas anual, em que o povo negro celebra o Divino Espírito Santo, o Glorioso São Benedito e as Três Pessoas da Santíssima Trindade. Estas festas tiveram início a partir da transferência da capital de Mato Grosso para Cuiabá (1835), quando Vila Bela da Santíssima Trindade foi abandonada pelos portugueses e brasileiros brancos, por padres e soldados. Negros forros, escravos velhos, escravos fugidos, e os que zelavam os bens dos senhores, permaneceram na ex-capital semideserta. Habitantes de arraiais de mineração, pressionados pela situação, transferiram-se para a cidade, ocuparam casarões vazios com santos padroeiros, abriram roças em mutirões solidários: eram comunidades rurais negras, na beira dos rios Alegre e Barbado. Quatro famílias, Leite de Brito, Profeta da Cruz, Ferreira Coelho e Leite Ribeiro, consolidaram o território vilabelense. O padre visitava Vila Bela, montado, com grande esforço, ficava um mês celebrando casamentos, crismas, batizados e missas. A comunidade negra busca32

va a benção do padre e daí surgiu a Festança de Vila Bela, a cada retorno do padre. À noite rezas cantadas nas casas dos festeiros, depois bailes de sanfona, cururu, siriri ou batuque, o chorado nos quintais. As roças eram generosas, carne de boi, porco, galinha, peixe e caça fartas. Pinga feita nos sítios, vinho de açaí nas matas; biscoitos de ramos, chicha e aluá, licores e chás aromáticos. A Festança aglutinou a comunidade negra pobre, simples, de fé ardente, apegada às tradições. Surgiam namoros e casamentos; encontro das crianças, quase todos parentes; trocavam informações e favores. Devoção aos santos, obediência às regras das irmandades, distribuição de alimentos e bebidas, alegria e tranquilidade, solidariedade, reconciliação entre os membros da comunidade: essa é uma centenária manifestação cultural e religiosa. Iniciando na penúltima semana de julho, ocorrem outras atividades: peregrinação da esmola do Senhor Divino, rezas cantadas, produção de alimentos em mutirões, alvoradas dançantes ou festivas, queima de


Mario Friedlander

Manoel Fraz達o de Almeida (In memorian), antigo Presidente da Irmandade de S達o Benedito

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Mario Friedlander

fogos, missas solenes, almoços e jantares comunitários, apresentação das danças do Congo e do Chorado, procissões ou cortejos dos festeiros. Destacam-se ainda: o café-da-manhã, chamado de quebra-torto, refeição reforçada para os dançantes do Congo e devotos participantes das Alvoradas Dançantes, terminando ao amanhecer, nas casas dos festeiros. No almoço e no jantar aparece o arroz carreteiro ou Maria Izabel. Mais os Bezéques, guloseimas simples, oferecidas após as rezas cantadas e as visitas da Esmola do Divino, ou nas visitas do cortejo às casas dos festeiros. Por tudo isso, turistas culturais assistem e acabam se envolvendo na Festança, que pode acabar nos banhos de cachoeiras, atrações naturais da Serra Ricardo Franco. Fonte: A Festança de Vila Bela da Santíssima Trindade - Mato Grosso Mario Friedlander Inventário Nacional de Referências Culturais - IPHAN Ministério da Cultura Cuiabá, Dezembro de 2001

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Mario Friedlander

Laurice Geraldes Nunes e Camilo Aranha, Rainha e Rei de São Benedito na Festança de 2000.

A pomba que encima a bandeira-pobre do Divino Espírito Santo


Mario Friedlander Mario Friedlander

Dona Lídia Leite (In memoriam), dançando o Chorado

Leopoldo Frazão de Almeida carregando São Benedito durante a Missa Solene da Irmandade.

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Foto: Mario Friedlander

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Foto: Mario Friedlander

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foto: Mario Friedlander

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Mario Friedlander

Indícios

Correntes utilizadas para aprisionar os africanos capturados e escravizados.

de

uma gênese Afro-Brasileira Texto: Imara Quadros e Michèle Sato Fotos: Mario Friedlander e Lúcia Kawahara

Uma expedição científica de cunho exploratório levou um grupo de pesquisadoras composto por Michèle Sato, Regina Silva, Michelle Jaber, Lúcia Shiguemy e Imara Quadros do GPEA/UFMT, Grupo pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte ao arquipélago de Cabo Verde no continente africano. Cabo Verde é um conjunto de pequenas ilhas localizado no Oceano Atlântico entre os paralelos 15 e 17 de latitude, apresentando uma área total de 4.033 38

Km2. É composto por dez ilhas, entre elas a ilha que visitamos, a de Santiago ou São Tiago, a maior delas (991 km2). Conta a história que estas ilhas eram desertas até a chegada de um genovês e um português a serviço da coroa portuguesa em1460, dando início à “colonização” por lá. Foi nas ilhas de Cabo Verde que os colonizadores portugueses forjaram a primeira cidade européia fora


Lúcia Kawahara

do continente europeu. Na ilha de Santiago, na Cidade Velha, foi implementado o mercado negreiro, onde os negros e negras de variadas etnias africanas eram arrancados de suas vidas nas aldeias, e levados com uma única identidade, a de “mercadorias”. De lá, uma vez vendidos, eram conduzidos para as Américas como “mão de obra escrava”. Segundo informações no campo de pesquisa, alguns cabo-verdianos acreditam na possibilidade do Brasil negro ter nascido a partir da Cidade Velha, pois os primeiros escravos podem ter saído do porto de Ribeira Grande, hoje Cidade Velha, para o Brasil (Porto Seguro - BA). Ficando bastante evidente que a cultura negra brasileira possa ter saído de Cabo Verde. Aproximadamente, dos 100% da população das Ilhas, 71% são “crioulos”, ou seja, descendentes africanos nativos ou da mistura com colonizadores portugueses; 28% são africanos negros e apenas 1% europeus (não negros). A maioria das mulheres negras na ilha de Santiago são analfabetas ou semi-analfabetas, letradas, que sustentam famílias e sofrem violência de toda ordem, veladas ou não. Algumas mulheres com quem conversamos contaram que o papel social feminino no passado cabo-verdiano estava totalmente atrelado ao “produto do ventre”, ou seja, ter filhos para se tornarem produtos de venda-lucro, com o objetivo de atender ao mercado da mão de obra negreira. A paternidade era sempre marginal/anônima, portanto, a identidade dos filhos estava ligada ao nome só da mãe, Pedro de Maria por exemplo. A mulher figurava como garantia da prole (mercado), ganhando mais milho se tivesse mais filhos homens. As mulheres eram como fábricas de filhos, produtos a serem vendidos no mercado próspero da época (o escravagista). Se pode dizer que os produtos que gerariam os lucros portugueses eram os “filhos da mães” africanas. Um triste começo!

Pelourinho na praça central da cidade Velha na Ilha Santiago, Arquipélago de Cabo Verde

Imara Quadros, Estudante de doutorado em Educação GPEA/ PPGE/UFMT, orientanda da Profª. Drª. Michèle Sato, bolsista da Capes e Profª. do IFMT Campus de Rondonópolis.

Mapa de localização de Cabo Verde

www.joaoquadrosaventura.blogspot.com 39


Mario Friedlander

Mulheres Negras em em

Mato Grosso Texto: Jackeline Silva Foto: Mario Friedlander

O Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso – IMUNE MT – é uma organização social (OS) sem fins lucrativos criada para combater a discriminação de gênero visando à promoção da igualdade racial. A atuação do Instituto é voltada à melhoria da qualidade de vida da mulher negra por meio de ações e projetos que buscam a inserção social, econômica e política das mulheres, desenvolvendo sua autoestima, tendo sempre como base a identidade étnica, o foco na ancestralidade e nas culturas africana e afro-brasileira. O IMUNE MT foi criado em 2000 e desde então vem fomentando ações afirmativas para inclusão de mulheres e também da comunidade afrodescendente nas áreas de saúde, educação, moradia, emprego, geração de renda e direitos humanos; utilizando-se de parcerias com Ong’s, associações, redes, grupos culturais, movimentos sociais, sindicatos e instituições públicas. No decorrer dos onze anos do Instituto de Mulheres Negras, podemos destacar as principais iniciativas: Mobilização e Rodas de Conversa Pró Saúde da População Negra; Ação Cidadania nas Comunidades Quilombolas; Palestras sobre o Dia da Consciência Negra, 40

Cotas e Gênero; Oficinas de Estética e Beleza Afro e Mobilização Contra Intolerância Religiosa. Nas áreas de cultura e educação destacamos um projeto recente, realizado em 2011 com recursos do Fundo Estadual de Fomento à Cultura, da Secretaria de Estado de Cultura de Mato Grosso: Projeto Aziza Artesanato Afro, que consiste na confecção de bonecos e bonecas negras que representam a cultura local, como forma de promover o resgate da identidade étnica e possibilitar geração de renda. O movimento de mulheres negras é pautado pela afirmação da identidade, pelo reconhecimento da diversidade (étnica, cultural, religiosa, sexual), buscando a superação das desigualdades sociais e discriminação de gênero, visando à defesa dos direitos e à ampliação da democracia, envolvendo a luta coletiva no combate ao racismo para promoção da equidade. Jackeline Silva, presidente do IMUNE - Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso www.imunemt.blogspot.com imunematogrosso@gmail.com


Arte: Arruda Arte Visual - Foto: Mario Friedlander

Reafirmando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual se proclama que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa tem todos os direitos e liberdades enunciados nela, sem distinção alguma, a ONU proclamou 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes. A intenção é reforçar as ações nacionais e a cooperação internacional para assegurar que as pessoas de ascendência Africana possam desfrutar plenamente de direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos. O secretário-geral Ban Ki-moon lembrou que os Afrodescendentes são vítimas de uma longa história de “erros fundamentais” e de negação de direitos básicos, iniciada com o comércio transa-

tlântico de escravos, que ultrapassou os limites da barbárie devido à sua magnitude, natureza organizada e negação da humanidade essencial das vítimas. Para a presidente do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre as Pessoas de Origem Africana, Mirjana Najcevska, é preciso falar do passado e da presente hierarquia racial que existe na sociedade e encorajar os países a se envolverem com o desenvolvimento através de ações positivas que assegurem a igualdade para os Afrodescendentes. Tida como uma oportunidade única para redobrar os esforços no combate a toda forma de intolerância que afetam os Afrodescendentes, a coligação de organizações da sociedade civil criada para promover o Ano está realizando memoriais, seminários, eventos culturais e outras atividades de sensibilização a respeito da contribuição desses povos para o patrimônio mundial, reconhecendo os obstáculos que ainda precisam ser superados.

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www.beneditomansur.com.br

Chapada dos Guimarães: Praça Dom Wunibaldo, Centro (65) 3301-1008 atendimento@beneditomansur.com.br

Av. São Sebastião, 2852 • Bosque • Cuiabá - MT fone: 55 (65) 3314 - 2700 • e-mail: receptivo@connancaturismo.com.br

Foto: Mario Friedlander

IMÓVEIS EM CUIABÁ e CHAPADA DOS GUIMARÃES



Mario Friedlander

Figura da cosmovis茫o andina representando "Huari" Deus das montanhas e o "Diablo" cat贸lico

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Texto: Luca Spinoza Fotos: Mario Friedlander

Carnaval de

Oruro Patrimônio intangível

O cortante frio das alturas não é obstáculo para que multidões de entusiastas dançarinos rodopiem em precisos e rápidos movimentos, ataviados com roupas fastuosas que, através de enfeites, bordados e motivos alegóricos, rememoram episódios do passado, mensagens religiosas, lendas regionais e a epopéia dos escravos africanos nas alturas hostis dos Andes... O profano e o divino Numa agreste planície varrida pelos furores dos ventos andinos, ao pé de áridas e desgastadas montanhas, ergue-se a velha cidade de Oruro, fundada no dia primeiro de novembro de 1606, por espanhóis seduzidos pelo fulgor dos minerais que brotavam do seu ressequido solo. Após ali terem descoberto ricas jazidas de prata, além da importância estratégica de se encontrar entre Potosí e La Paz, os entusiastas conquistadores levantaram o povoado e o batizaram com a altissonante denominação de Vila Real de São Felipe de Áustria, em homenagem ao então rei de Espanha: Felipe III. Com o passo do tempo esse pomposo nome foi ficando em desuso e o arraial continuou sendo chamado de Oruro, vocábulo derivado da antiga etnia uru, que habita a região desde tempos imemoriais. Ali, nessa áspera comarca vestida de lendas, enigmas e telúricas paisagens, milhares de pessoas, vindas das mais longínquas latitudes, participam todos os

anos de uma das festividades populares mais surpreendentes e ricas do planeta. Hoje em dia, o antigo arraial de Oruro tornou-se uma urbe de 250.000 almas, que oculta maravilhosos tesouros culturais e antropológicos. Designada capital folclórica da Bolívia, a UNESCO declarou, no ano 2002, que o seu carnaval é Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade. As peculiares características pagãs e religiosas desta festividade se originaram na época da Colônia e têm perdurado até hoje, numa fascinante mistura de tradição e originalidade. Dentro das atividades da primeira fase da expedição Paralelo Quinze, estivemos no Carnaval de Oruro e ao longo de vários dias o documentamos com entusiasmo, em meio de uma multidão sempre desbordante de empolgação e alegria. Lucíferes e escravos Como a história dos blocos do Carnaval de Oruro é muito profunda, rica e diversa, por estrita questão de 45


Mario Friedlander

A dança dos "Negritos" também chamada de "Tundiqui" representa a opressão contra os negros africanos trazidos para serem escravos dos espanhóis durante o período colonial

espaço, neste parágrafo citarei só dois dos seus protagonistas mais destacados. Uma das alegorias mais populares, simbólicas e características da festa é “La Diablada”, composta por um bloco de ágeis bailarinos vestidos de diabos da corte de Satanás, que seguindo um ritmo de marcha em compassos de 2/4 ou 6/8, tentam escapar das acometidas do justiceiro Arcanjo Gabriel, representando a eterna luta entre o bem e o mal. Nesta dança o demônio é sempre derrotado, junto aos sete pecados capitais e à singular “China Supay”, fiel colaboradora de Lúcifer, que tenta seduzir e distrair o arcanjo com provocativos movimentos do seu corpo. As máscaras dos bailarinos possuem narizes deformados, grandes e retorcidos chifres, olhos desorbitados e algum curioso ornamento na cabeça, como cobras, lagartos ou sapos. As suas roupas são fastuosas e cheias de caprichados bordados e detalhes de uma complexa iconografia. No meio da agitação carnavalera das ruas de Oruro, descobrimos, também, que o impacto da chegada dos escravos africanos à Bolívia manifesta-se nas músicas e bailes locais, gerando vigorosas danças como “Los 46

Caporales”, “Los Negritos”, “El Tundiqui” e “La Morenada”. Como revelou-nos o jovem pesquisador cultural de Oruro, Fabrizio Cazorla Murillo, esta última dança tem duas interpretações. Segundo a primeira, representa o pisoteio das uvas destinadas à fabricação do vinho, efetuado pelos escravos acorrentados e ameaçados pelo chicote do cruel capataz. A segunda simbolizaria o passo dos cativos agrilhoados junto aos seus algozes e suas carruagens, rumo às distantes minas de prata de Potosí. Nesta dança que segue um ritmo lento de dois tempos, desenhado sobre um campo harmônico menor, se destacam as melodias dos baixos e a batida de tambores e matracas, os escravos representados dançam transformando o ódio e o sofrimento numa melancólica alegria e regozijo. É interessante saber que de forma simultânea a estas emoções, os bailarinos debocham do capataz (caporal) através dos seus gestos e também das letras, como indicam alguns versos das canções que acompanham a dança: “pisa, pisa, negro velho/ orelha de macaco velho. Pisa, pisa, negro velho/barriga de barril velho. Pisa, pisa, negro velho/ pescoço de boi velho...” .


Mario Friedlander Mario Friedlander

O Arcanjo Miguel rodeado pelas "China Supay" e por uma tropa de "Diablos"

A figura do "Diablo"

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Um "Chunchu" do conjunto Tobas Sur

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Mario Friedlander

Os "Tobas Uru Uru" guerreiros do Chaco Boliviano Mario Friedlander

Mario Friedlander Mario Friedlander

Um "Negrito" figura que evoca um capataz

Uma Esquadra de "Diablesas"


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Fotos: Mario Friedlander

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Fotos: Mario Friedlander

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Fotos: Mario Friedlander

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