Cultura Popular • Povos Tradicionais • Sustentabilidade • Natureza • Turismo
AFROMUNDO
Desenvolvimento Etnosustentado Quilombola
Mamirauá Museu Afro Brasil A Tradição da Folha da Coca Mar/Abril 2012 Nº 02 R$10,00
Fotos: Mario Friedlander
Pousada no Distrito Bom Jardim, Nobres Mato Grosso Reservas e informaçþes: 65 9237-4471 / 9287-5676
Mar/Abril - 2012 A revista Afromundo é uma iniciativa dos produtores culturais Mario Friedlander e Hélio Caldas com apoio da José Medeiros Imagem & Publicações e dos nossos diversos parceiros e anunciantes.
Textos: Alda Couto
José Medeiros Imagem & Publicações (Medeiros & Borges Ltda CNPJ 08.708.717/0001-02) Av. Fernando Corrêa da Costa, 1610 Galeria Xavier - Sala 111 78065-000 Cuiabá - MT (65) 3054-1080 / 3054-3080 josemedeirosimagem@gmail.com
Luca Spinoza ideasyletras@gmail.com
Bené Fonteles benefonteles@terra.com.br Emanoel Araujo Museu Afro Brasil
Luiz Claudio Marigo marigo@lcmarigo.com.br Marcia Raquel Rubem Valentim
Editor Chefe & Editor de Arte: Mario Friedlander mariofriedlander@gmail.com Jornalista Responsável: Marcia Raquel de Oliveira DRT-MT 1132 marciaraquel_o@hotmail.com Fotografias: Mario Friedlander Luiz Claudio Marigo Ricardo Teles Adenor Gondim Ary Amarante Maurício Simonetti Ney Oliveira Monique Cabral José Caldas Marcelo Krause Zig Koch Haroldo Palo Jr Ricardo Siqueira Luciano Candisani Rui Faquini Silvestre Silva
Valdo França consultor.valdo@gmail.com Designer Gráfico: Luiz Arruda luizflavioarruda@gmail.com Revisão: Alda M. Q. do Couto aldacouto@hotmail.com Colaboradores Especiais: Antonio Kehl ackehl@uol.com.br
Homenagem póstuma ao líder Quilombola Cesário Sarat, Pai-de-Santo no terreiro de Umbanda da casa de São Benedito e Rei Perpétuo do Congo em Nossa Senhora do Livramento - MT Foto: Mario Friedlander
Jackeline Silva jackeline.silv@gmail.com Hélio Caldas crauna@hotmail.com Impressão: Gráfica Print Tiragem: 3.000 exemplares
Pag. 06 Museu Afro Brasil Pag. 18 Pantanal - De volta pra Casa Pag. 28 A Batida do Tambor Pag. 38 A Folha da Coca - Tradição Ancestral Pag. 46 A Geometria Sagrada
Nesta edição encarte especial com o mapa do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães em homenagem ao 23 anos de sua criação.
Pag. 54 Antes que a Natureza Acabe Pag. 66 La Paz - Aos Pés das Neves Eternas Pag. 80 Mamirauá: Fotografia e Conservação da Natureza Pag. 96 Desenvolvimento Etnosustentado para Comunidades Quilombolas
www.afromundo.com.br - revistaafromundo@gmail.com
Nesta edição encarte especial com o mapa do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães em homenagem ao 23 anos de sua criação.
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Povo Makonde, Mรกscara, 1960 / 70, Madeira pintada e cabelo, Moรงambique, Acervo Museu Afro Brasil
Museu
Afro Brasil
Um Conceito em Perspectiva Texto: Emanoel Araujo Fotos: Mario Friedlander e Adenor Gondim
A criação do Museu Afro Brasil se concretizou como resultado de mais de duas décadas de pesquisas e exposições exibindo como negro quem negro foi e quem negro é no Brasil, de séculos passados aos dias atuais. Esta foi, assim, mais uma etapa em um processo em curso. Criar um Museu que possa registrar, preservar e argumentar a partir do olhar e da experiência do negro a formação da identidade brasileira foi o desafio de uma equipe de consultores, especialistas em museologia, história, antropologia, artes e educação, diante de uma coleção inicial de 1100 obras entre pinturas, esculturas, gravuras, de artistas brasileiros e estrangeiros, além de fotografias, livros, vídeos e documentos para delinear um fio condutor desse ambicioso projeto já com algumas premissas definidas, mas ainda com muito a se trabalhar para torná-lo uma realidade consolidada.
No ponto de partida há a certeza de que não se poderia contar essa história por uma visão oficial já escamoteadora, que insiste em minimizar a herança africana como matriz formadora de uma identidade nacional, ignorando uma saga de mais de cinco séculos de história e de dez milhões de africanos triturados na construção deste país. Da perspectiva do negro, este não é um processo exclusivo ao Brasil, pois sua presença, aqui como nas Américas, é indissociável da experiência de desenraizamento de milhões de seres humanos graças à escravidão. Assim, assumindo essa perspectiva, o Museu Afro Brasil, sendo um museu brasileiro, não pode deixar de ser também um museu da diáspora africana no Novo Mundo. É a escravidão que, na diáspora, força o contato e o intercâmbio entre membros de diferentes nações africanas e produz as mais diversas formas de assimilação 7
turpadas e expressões ambíguas sobre personagens e fatos históricos relativos ao negro, fazendo pairar sobre eles obscuras lendas que um imaginário perverso ainda hoje inspira, e que agem silenciosamente sobre nossas cabeças, como uma guilhotina, prestes a entrar em ação a cada vez que se vislumbra alguma conquista que represente mudança ou o reconhecimento da verdadeira contribuição do negro à cultura brasileira. Este museu pretende unir História, Memória, Cultura e Contemporaneidade, entrelaçando essas vertentes num só discurso, para narrar uma heróica saga africana, desde antes da trágica epopéia da escravidão até os nossos dias, incluindo todas as contribuições possíveis, os legados, participações, revoltas, gritos e sussurros a que deu lugar, no Brasil e no circuito da diáspora negra. Um museu que reflita a herança na qual, como num espelho, o negro possa se reconhecer, reforçando a auto-estima de uma população excluída e com a identidade estilhaçada, e que busca na reconstrução da auto-imagem a força para vencer os obstáculos à sua inclusão numa sociedade cujos fundamentos seus ancestrais nos legaram.
Mario Friedlander
entre suas culturas e as de seus senhores, bem como de resistência à dominação que estas lhe impõem. Como um museu da diáspora, o Museu Afro Brasil, portanto, registra não só o que de africano ainda existe em nós, mas o que foi aqui apreendido,caldeado e transformado pelas mãos e pela alma do negro,salvaguardando ainda o legado de nossos artistas e foram muitos, anônimos e reconhecidos que nesse processo de miscigenação étnica e mestiçagem cultural contribuíram para a originalidade de nossa brasilidade. Entretanto, não se pode esquecer de a cultura mestiça que se forma na diáspora envolve relações entre desiguais, em se tratando de senhores e escravos. Da perspectiva do negro, esta é uma história de muito e doloroso trabalho, de incertezas, incompreensões e inconsciência, que ainda hoje persiste na mentalidade de parte da elite brasileira. Não é só uma história de preconceitos e racismo e descriminação, mas, sobretudo, uma história de exclusão social das mais danosas e permissivas, nesse abismo das desigualdades criadas e cristalizadas no Brasil como herança da escravidão. O Museu Afro Brasil tem, pois, como missão precípua a desconstrução de estereótipos, de imagens de-
Caetano Dias, Sobre a virgem, 2002, Instalação, Coleção Particular
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Mario Friedlander
Ex votos, Sem data, Esculturas em Madeira, Acervo Museu Afro Brasil
O Museu Afro Brasil é, portanto, um museu histórico que fale das origens, mas atento a identificar na ancestralidade a dinâmica de uma cultura que se renova mesmo na exclusão. Um centro de referência da memória negra, que reverencie a tradição que os mais velhos souberam guardar, mas faça reconhecer os heróis anônimos de grandes e pequenos combates, e os negros ilustres na esfera das ciências, letras e artes, no campo erudito ou popular. Um museu que exponha com rigor e poesia ritos e costumes que traduzem outras visões de mundo e da história, festas que evidenciam o encontro e a fusão de culturas luso-afro-ameríndias para formar a cultura mestiça do Novo Mundo, mas que também registre as inovações da cultura negra contemporânea na diáspora. Um museu de arte, passada e presente, que reconheça o valor da recriação popular da tradição, mas reafirme o talento negro erudito, nas artes plásticas e nas artes cênicas, na música como na dança. Sobretudo, o Museu Afro Brasil é um museu contemporâneo, em que o negro de hoje possa se reconhecer. Um museu que integre os anseios do negro jovem e pobre ao seu programa museológico, contribuindo para sua formação educacional e artística, mas tam-
bém para a formação intelectual e moral de negros e brancos, cidadãos brasileiros, em benefício das gerações que virão. Um museu capaz de colaborar na construção de um país mais justo e democrático, igualitário do ponto de vista social, aberto à pluralidade e ao reconhecimento da diversidade no plano cultural, mas também capaz de reatar os laços com a diáspora negra, promovendo trocas entre a tradição, a herança local e a inovação global. Um Museu que está na maior cidade brasileira e uma das maiores do mundo, e que por ser ela própria multicultural e multirracial, é o palco ideal para concretizar essa utopia, assumindo uma tarefa pioneira na criação de uma instituição que pode servir como instrumento para se repensar novos conceitos de inclusão social, e espelho para refletir uma sociedade enfim disposta a incorporar o outro nas suas diferenças. Afinal, foi nesta cidade de São Paulo que a herança de sangue, suor e lágrimas, de africanos que souberam conservar o patrimônio de sua cultura e sua memória, erguei os quilombos do Jabaquara e da Saracura, e gerou personalidades como André Rebouças e Luis Gama, cidadãos negros, heróis brasileiros na luta contra a escravidão. 9
Mario Friedlander
Povo Ngbaka, Máscara zoomorfa, Século XX, República Democrática do Congo, Acervo Museu Afro Brasil
Detalhe do Módulo Festas
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Mario Friedlander
Detalhe da obra de Nelson Leirner na exposição Sertão da caatinga, dos santos, dos beatos e dos cabras da peste
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Mario Friedlander Mario Friedlander
Detalhe da Exposição Sertão da caatinga, dos santos, dos beatos e dos cabras da peste
Hugo Negrini, Oxalá e Iemanjá, Sem data, Resina de poliéster e tinta automotiva, Coleção Casa Fanti - Ashanti
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Mario Friedlander Mario Friedlander
Estandartes de Maracatu, Golas de Caboclo de Lança de Maracatu e Bonecos (Detalhe do Módulo Festas), Coleção Particular
Iemanjá, Século XIX, Escultura em madeira, Coleção particular
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Um Débito Colossal
Mario Friedlander
A ESCRAVIDÃO de africanos e afrodescedentes no Brasil foi o crime coletivo de mais longa duração praticado nas Américas e um dos mais hediondos que a história registra. Milhões de jovens foram capturados durante séculos na África e conduzidos com a corda no pescoço até os portos de embarque, onde eram batizados e recebiam, com ferro em brasa, a marca de seus respectivos proprietários. Essa carga humana era acumulada no porão de tumbeiros, com menos de um metro de altura. Aqui desembarcados, os infelizes eram conduzidos a um mercado público, para serem arrematados em leilão. O preço individual de cada “peça” dependia da largura dos punhos e dos tornozelos. Nos domínios rurais, os negros, malnutridos, trabalhavam até 16 horas por dia, sob chicote dos feitores. O tempo de vida do escravo brasileiro no eito nunca ultrapassou 12 anos, e a mortalidade sempre superou a natalidade; de onde o incentivo constante ao tráfico negreiro. Segundo as avaliações mais conservadoras, 3,5 milhões de africanos foram trazidos como cativos ao Brasil. O seu enquadramento no trabalho rural fazia-se
pela violência contínua. Daí a busca desesperada de libertação, pela fuga ou o suicídio. As punições faziam-se em público, geralmente pelo açoite. Era freqüente aplicar a um escravo até 300 chibatadas, quando o Código Criminal do império as limitava ao máximo de 50 por dia. Mas em caso de falta grave, os patrões não hesitavam em infligir mutilações: dedos decepados, dentes quebrados, seios furados. Tudo isso sem contar o trauma irreversível da desculturação, pois todos os cativos eram brutalmente afastados de sua língua, de seus costumes e suas tradições. Desde o embarque na África, procurava-se agrupar indivíduos de etnias diferentes, falando línguas incompreensíveis uns para os outros. Para que pudessem se comunicar entre si, tinha que aprender a língua dos patrões, gritada pelos feitores. Foi esse, aliás, o principal fator de disseminação da “última flor do Lácio” em território nacional. Outro efeito desse crime coletivo foi a geral desestruturação dos laços familiares. As jovens escravas “de dentro” serviam habitualmente para saciar o impulso sexual dos machos da casa grande, enquanto na senzala homens e mulheres viviam em alojamentos separados. O acasalamento entre escravos era tolerado para a reprodução, jamais para a constituição de uma família regular.
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Adenor Gondim
Emanoel Araujo, nascido em 1940 na Bahia, é um consagrado escultor e produtor cultural brasileiro. Desde 1992, pelo período de 10 anos, dedicou-se a reerguer a Pinacoteca do Estado de São Paulo, tornando-a um museu de referência internacional e o mais visitado e querido dos paulistanos. A partir de 2006 dedicou-se a implantar o Museu Afro Brasil, do qual é diretor e curador.
Mario Friedlander
O Museu Afro Brasil localiza-se a Av. Pedro Alvares Cabral, s/n Parque Ibirapuera-Portão 10 São Paulo-SP Fone 11 5579-0593
Gargalheiras, Século XIX, Ferro, Acervo Museu Afro Brasil
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anos
Tel / Fax. 55 (11) 3034 1946 | 55 (11) 3034 1446 Email. contato@zanettiniarqueologia.com.br Rua EstevĂŁo Lopes, 133 - ButantĂŁ SĂŁo Paulo | SP | Brasil | CEP 05503-020
Pantanal
De volta pra Casa Texto: Marcia Raquel Fotos: Mario Friedlander
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Casal de Araras Canindé, Ara ararauna pousadas na entrada do ninho. A derrubada de árvores secas prejudica a reprodução de muitas espécies de aves que tem dificuldade em encontrar local apropriado para nidificação, como troncos ocos que possam abrigar ovos e filhotes.
co vai sendo vendida de poucas dezenas de reais aos capturadores, a centenas de reais aos atravessadores, até milhares de reais ao consumidor final”, observou o biólogo e analista ambiental do Núcleo de Fauna e Recursos Pesqueiros do IBAMA/SP, Vicent Hurt Lo. Mas, apesar de elevados, os números não desanimam os que acreditam na causa. Pelo contrário, mostram que cada vez mais é necessário conscientizar a população sobre a crueldade e o perigo que o tráfico de animais representa para a natureza. “Uma vez capturada a ave o seu retorno é muito difícil. Soltam-se 100 papagaios após anos e somente em uma temporada são traficadas milhares. O tráfico de aves é uma das atividades mais lucrativas porque há gente que compra e, portanto, gente que vende”, ressaltou Soraya Lysenko, da ONG Bichos do Mato, que possui sede em Itanhaém-SP. Com essa consciência, André Thuronyi não pensou duas vezes em aceitar o convite da ONG Bichos da Mata para firmar parceria com o projeto ASAS (Área de Soltura de Animais Silvestres). Desde 2009 já foram três solturas, totalizando 168 aves repatriadas. Infelizmente nem todos os animais conseguem se readaptar à natureza e alguns se tornam presas fáceis
Mario Friedlander
“A primeira arara que voou, foi em direção do mato e sumiu de vista, passados uns sete minutos ela retornou e, sentada na árvore em frente ao ‘gaiolão’, gritava como que incentivando as demais a seguirem seu exemplo e se soltar no céu”. É com essa sensibilidade que o proprietário da Pousada Araras Eco Lodge, André Thuronyi, descreve um dos episódios que mais lhe chamou a atenção durante uma das três solturas de Psitacídeos realizadas pelo IBAMA, em parceria com a ONG Bichos da Mata, no centro de soltura construído na pousada em pleno Pantanal. A grande diversidade de cores e a capacidade de imitar a voz humana faz com que os psitacídeos despertem o interesse de pessoas do mundo todo e, por isso, ocupem as primeiras posições no ranking dos animais que mais sofrem com o tráfico de fauna silvestre. Nesse grupo estão inclusos aves como papagaios, araras, periquitos, caturritas, entre outros. O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) não sabe quantas aves são capturadas pelo tráfico e nem quanto esse comércio ilegal movimenta, mas sabe que são números muito elevados. “Não temos idéia. ONGs falam de milhões de dólares. Uma arara canindé vinda do tráfi-
Arara Azul do Pantanal, Anodorhynchus hyacinthinus, saindo de ninho artificial feito em madeira, que supre a necessidade dos casais de Araras em realizar sua reprodução. O ninho da foto encontra-se em frente a Pousada Araras Eco Lodge em Poconé - MT
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Mario Friedlander Mario Friedlander
Arara Canindé sendo imobilizada para ser devolvida à natureza.
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César Soares, veterinário e chefe do Núcleo de Fauna e Pesca do IBAMA-MT, imobiliza uma Arara Canindé para sua marcação com tinta antes da soltura. A cor da tinta identifica o sexo das aves.
Mario Friedlander Mario Friedlander
Carlos Yamashita, biólogo do IBAMA-SP especializado em aves, observa um Papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) com coloração atípica, durante o processo de soltura na natureza
Arara Canindé ocupa ninho artificial feito de fibra e metal, que estão distribuídos na área de soltura na Pousada Araras Eco Lodge
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Mario Friedlander
para os predadores, mas a maioria sobrevive. “A média de sucesso nas três solturas foi mais ou menos a seguinte: 80% de rápido retorno aos hábitos nativos inclusive por meio da mistura com as demais aves da região; 10% mortes por predação dentro da área, e 10% seguem morando nos arredores da soltura, no caso temos nove papagaios e duas araras que estão sempre em volta, inclusive nidificando dentro de telhados, ocos e ninhos artificiais que distribuímos”, revelou Thuronyi. No entanto, conforme explica Carlos Yamashita, também do IBAMA-SP, que acompanhou as solturas na Pousada Araras, nem sempre o sucesso é tão grande. “Existem projetos em vários estados, alguns com maior área de vegetação natural e outros em que esta vegetação praticamente já se foi. Mas em quase todas as áreas onde houve soltura o acompanhamento dos indivíduos indica que pelo menos 50% 22
Mario Friedlander
André Thuronyi da Pousada Araras Eco Lodge interage com algumas aves que foram soltas e que ainda retornam para se alimentar
consegue sobreviver ao primeiro ano. Claro que essa porcentagem ainda pode melhorar e devemos sempre buscar aperfeiçoar as metodologias para acompanhar os indivíduos soltos”, pondera. Além disso, Carlos Yamashita ressalta que retornar esses animais à natureza é ir ao encontro de ações que já estão sendo adotadas no mundo todo. “O Turismo de natureza é uma das formas que causa menor impacto ao meio ambiente, e não existe turismo de natureza sem bichos”. E a Pousada Araras Eco Lodge já é prova disso. A soltura dos animais e o convívio próximo com essas aves se tornam também um atrativo para os turistas que frequentam o local. “Eles adoram e se mostram muito interessados”, assegura o proprietário. A devolução de 168 aves à natureza é um número inexpressivo diante da quantidade de aves que são apreendidas. Muito mais insignificante se comparado à quantidade de aves que são capturadas pelos traficantes, porém, demonstra que a natureza cobra caro para se recompor e continuar ofertando vida em abundância. Antes do Projeto ASAS, conforme relatam os analistas do IBAMA, o destino dos animais apreendidos pela fiscalização era em geral depósito em criadouros, zoológicos, ou às vezes até com o próprio autuado. De volta à liberdade o retorno das aves à natureza não é tarefa fácil. Requer todo um pro-
cesso trabalhoso e custoso. “Vai custar caro (energia, dinheiro, brigas técnicas etc). Mas é possível e pode gerar conhecimento, técnica, bem estar aos indivíduos que puderam voltar, conscientização dos cidadãos sobre esses problemas e, a longo prazo, poderemos ter algumas leituras de restauração de processos ecológicos como predação de sementes, dispersão, controle de produção primária, etc”, explicou Carlos Yamashita. Conforme observou Soraya Lysenko, a reabilitação de uma ave pode demorar de um a cinco anos, principalmente quando se trata de psitacídeos. Os cuidados nessa fase demandam muita atenção voltada à saúde, alimentação e condições físicas do animal. A segunda fase é o transporte dos animais para as áreas de soltura, que também deve ser cercado de cuidados. São necessárias caixas especialmente construídas para esse tipo de transporte. Ainda assim, a perda de penas ou o estresse desnecessário podem colocar todo o trabalho a perder. Os custos altos e a logística envolvida muitas vezes inviabilizam as solturas. Uma parceria entre a TAM e o IBAMA tem possibilitado esse trabalho. “Não podemos deixar de dar a devida importância à estrutura existente na área de soltura. A oferta de comida constante, o monitoramento das aves e a coleta de dados qualitativos e quantitativos são fatores 23
pode se tornar uma das tarefas mais difíceis para esses animais. “São muitos os fatores bastante estressantes. Por isto o suporte alimentar é importante para que a ave possa se estressar o menos possível e sobreviver. Aprender a voar e pousar sem se machucar, buscar alimentos e abrigo são tarefas muito difíceis para quem passou anos em cativeiro”, concluiu Soraya. Fiscalização Conforme os analistas do IBAMA, localmente as ações de fiscalização do tráfico de animais silvestres são feitas ostensivamente pelo policiamento ambiental/florestal do Estado. Porém, faltam ações de inteligência nessa área e de integração com outros órgãos de fiscalização. “Só para se ter uma ideia, no estado de São Paulo existem cerca de 2,5 mil policiais ambientais e no IBAMA 40 fiscais”, ressaltou Vicent Lo. Além disso, a fiscalização geralmente atende apenas demandas de denúncia e as apreensões ocorrem por “ocasionalidade”. Outro fator que contribui para o tráfico de animais é a legislação branda. “Portanto, não se tem constatado redução do tráfico. Ações de educação ambiental e conscientização deveriam ser estimuladas, em conjunto com a fiscalização”, finalizou. Mario Friedlander
fundamentais”, disse Soraya ao observar que quando isso não é seguido, perde-se o componente principal do trabalho, que é a mensuração do sucesso de uma soltura. Livres outra vez, porém, ainda dependentes de alguns cuidados. Conforme conta André, nas primeiras semanas algumas aves precisam de mais atenção. “Depois aquelas que sobrevivem seguem progredindo na sua experiência de liberdade e vão se afastando, diminuindo nossa tarefa de monitoramento, que segue com as aves que retornam”. Após a soltura os cuidados como alimentação e monitoramento seguem por um período de no mínimo um ano. As aves precisam de um tempo para se ambientar e saber buscar comida, principalmente as que permaneceram em cativeiro por muito tempo. Algumas espécies têm dificuldades de integração com as espécies habitantes do local, o que implica em mais tempo de adaptação, já que terão que constituir bando separado, com capacidade de se abrigar e buscar a sua comida. O monitoramento diário das aves nos períodos matutinos e vespertinos também é fundamental para avaliar o sucesso de uma soltura. “A sobrevivência dos indivíduos e o monitoramento de reproduções são fatores importantes na avaliação”, destaca Soraya Lysenko. Uma vez retirados da natureza, o retorno
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O turismo de observação de fauna nativa é o grande negócio em crescimento no Pantanal do Mato Grosso, atraindo pessoas de todas as partes do mundo
Mario Friedlander Mario Friedlander
Caminhão adaptado para facilitar a visualização da paisagem e da fauna pantaneira no Araras Eco Lodge
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Fotos: Mario Friedlander
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28 Tenda Espírita de Umbanda Rainha Iemanjá em Codó, Maranhão
A Batida do
Tambor
Uma homenagem às identidades afro-brasileiras Ensaio Fotográfico de Ricardo Teles Texto: Alda Couto
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Ricardo Teles
30 Festa da Libertação no 13 de Maio. Comunidade dos Arturos em Contagem, Minas Gerais
O Tambor é um projeto de pesquisa fotográfica iniciado há quatro anos e aborda as tradições afro-brasileiras, a identidade e a cultura de origem negra construídas no Brasil em mais de três séculos, com grande diversidade de interpretações: ecos do universo da mãe África no Novo Mundo. Naquele momento o fotógrafo considerava seu trabalho como uma viagem de resgate. A troca cultural, a influência mútua entre o Brasil e aqueles países entendidas para além do passado, chegando à atualidade dos lados de lá e de cá do Atlântico. Atualmente Teles desenvolve o projeto O Tambor que, ainda em andamento, já foi agraciado com a seleção (livro e exposição) da Fundação Conrad Wessel na edição de 2010 e com a exposição no Concurso Iberoamericano de Fotografia em 2011, sobre o tema Identidades Construídas e Compartidas, sob os auspícios da embaixada da Espanha em La Paz, Bolívia. Dos resultados finais surgirá uma grande exposição fotográfica sobre as principais manifestações culturais afro-brasileiras para as comemorações do dia da consciência negra em 20 de novembro de 2013. Estão documentados até agora a Umbanda na cidade de Codó no Maranhão e a festa de Iemanjá em
Ricardo Teles
Ao lado da Nigéria, o Brasil é a segunda maior nação negra do mundo, formada sob a influência de várias culturas africanas, os afro-descendentes somando 50% da população atual. Entre as muitas tendências que hoje se desenvolvem a partir dessa realidade, o trabalho de Ricardo Teles, documentarista e fotojornalista, apresenta peculiaridades especiais. Com o projeto “O lado de lá” (2005-2010), ensaio fotográfico, histórico e antropológico, registrou o cotidiano de sete países africanos ligados à origem das populações afro-brasileiras pelo tráfico negreiro. Apresentado pela Pinacoteca do Estado de São Paulo na exposição O Lado de Lá - Angola, Congo, Benin – 2011, revela cenas da vida cotidiana, celebrações artísticas e religiosas, retratos de pessoas e de monumentos históricos, como o Portal do Não Retorno, erguido na década de 1990, na República do Benin, em memória dos escravos que partiram para o Brasil.
Tenda Espírita de Umbanda Rainha Iemanjá em Codó, Maranhão
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Ricardo Teles
O Pai de Santo Bita do Barão em Codó, Maranhão
Praia Grande, São Paulo; o Terecô da Mata no Maranhão, as manifestações das Irmandades de São Benedito e do Rosário no sudeste (São Paulo e Minas Gerais); a festa da Boa Morte na Bahia e a festa do Lambe Sujo em Sergipe. Para dar continuidade, serão focalizadas as celebrações religiosas e as festividades populares que têm como ponto de partida o imaginário ligado às raízes africanas, abrangendo dez estados da União e apresentando um amplo panorama nacional. A Batida do Tambor, no ensaio fotográfico que acompanhamos, traz um pouco da especialidade do fotógrafo: os flagrantes compostos dos toques da percussão e dos cliques da câmera; o ritmo preciso e fascinante do pulso secular que estreita, profundamente, o passado e o presente, entre Brasil, Moçambique, Jongo, Marambiré, entre outros. Dos estudos e reflexões até agora reunidos por Ricardo Teles, na fundamentação teórica que embasa o projeto, com destaque para Pierre Verger, nas fonteiras entre a fotografia e a antropologia modernas, surgem as principais chaves que nos ajudam a adentrar a magnitude desse universo, para além do retratado e do retratista: o contexto do Tambor. 32
A brutalidade do tráfico, a violência multifacetada, distantes e no entanto tão próximas, no território nacional inteiro, são as notas mais dolorosas subjacentes a essa sinfonia. Em condições limítrofes, arrancados do seu meio social e natural, os africanos, ao longo dos trezentos e cinquenta anos de escravidão negra no Brasil, foram a mercadoria do “mais perverso, duradouro e lucrativo negócio do Novo Mundo”. Mas encontraram alternativas que garantissem o bombar da vida em seus peitos tantas vezes lacerados. Do autoaniquilamento, o banzo, aos levantes em massa que deram origem aos quilombos, sobreviveram. Da negação à transformação e ao surgimento de comunidades guetadas, chegaram aos dias de hoje, fortalecidos. As investigações apontam, nos cultos afro-brasileiros, como nos quilombos, algumas das formas de resistência mais significativas da disposição de perdurar, apesar da autodestruição, da guerra, das condições perversas que se multiplicam infinitamente, ao ritmo cardio das batidas compassadas dos seus tambores. A memória dos deuses ancestrais veio ao encontro dos deuses ultramarinos, no sincretismo das tradições afro-católicas, que começou a ser negociado nos po-
Ricardo Teles Ricardo Teles
Procissão em Codó, Maranhão
Festa da libertação, Comunidade dos Arturos em Contagem, Minas Gerais
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Ricardo Teles Ricardo Teles
Festa de Iemanjá no baneário de Praia Grande, São Paulo
Festa de Iemanjá na Praia Grande, São Paulo
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Ricardo Teles
Comunidade dos Arturos em Contagem, Minas Gerais
rões dos navios negreiros, e estabeleceu o pacto entre as divindades e espíritos tutelares de etnias seccionadas, em seus idiomas, modos de vida, guerras civis e profundas, na terra de origem, com o Deus monoteísta que permitiu a derrota e a escravidão perpetuadas no extremo ocidente. Assim, o banzo, os quilombos e os cultos remediaram as perdas, a dor e a solidão: lugares, sentimentos e ritos sagrados congregaram os africanos, seus descendentes e a população do Brasil. Renunciando às teologias e cosmologias originais, as etnias africanas estabeleceram a pluralidade da cultura afro-brasileira, hoje um caleidoscópio religioso e cultural que reflete e funde África e América. Ligado aos ciclos econômicos brasileiros mais duradouros, o dinamismo cultural mapeou a ocupação do país, expandiu raízes diversificadas, e implantou manifestações culturais e religiosas que até hoje se renovam e intensificam. O Candomblé e a Umbanda, com seus amálgamas, multiplicam as referências da cultura afro-brasileira. É o que registram as fotos de Ricardo Teles: a origem, as transformações e, principalmente, as consequências do
legado cultural africano no Brasil dos dias de hoje. As relações da arquitetura com a vegetação, as vestes, os hábitos, a angulação recortada em geometrias cromáticas estonteantes; as mandalas humanas dos rituais, os preparativos coloridos que reúnem peles brancas, pardas e negras; as personagens que restauram reinados e hierarquias; as cenas que esplêndidos artistas de todas as artes assinariam; e especialmente, a fusão imaginária, em nossos ouvidos encantados, das batidas dos tambores com a fúria mansa das ondas, que nos fazem compreender por que Iemanjá é homenageada no mar e qual é o destino das oferendas. Ricardo Teles é sócio fundador da Associação Arcapress de fotógrafos documentais brasileiros, participa de eventos e colaborações em diversos países. Tem obras nas coleções Pirelli/MASP e no Museu de Arte Moderna de São Paulo.É autor dos livros Saga - Retrato das Colônias Alemãs no Brasil, Editora Terra Virgem, 1997 (Prêmio Martius Staden1999) e Terras de Preto – Mocambos, Quilombos - Histórias de nove comunidades negras rurais do Brasil, Editora A Books, 2002 (Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo 2003). www. ricardoteles.com / contato@ricardoteles.com Alda Couto é doutora em Letras, especialista em Crítica de Artes Contemporâneas, autora do livro Lídia Baís: uma pintora nos territórios do assombro, Annablume, 2011.
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www.beneditomansur.com.br
Chapada dos Guimarães: Praça Dom Wunibaldo, Centro (65) 3301-1008 Cuiabá: Avenida das Flores, 343 - Jardim Cuiabá (65) 3622-1020 atendimento@beneditomansur.com.br
Foto: Mario Friedlander
IMÓVEIS EM CUIABÁ e CHAPADA DOS GUIMARÃES
A Folha de Coca Tradição Ancestral
Texto: Luca Spinoza Fotos: Mario Friedlander
Embora hoje seja anatematizada, condenada e perseguida, por ser a matéria prima principal para a elaboração de uma das drogas mais nefastas e difundidas do planeta, esta singular planta possui uma história milenar e uma vital importância para os habitantes originários dos Andes.
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Arbusto da Coca carregado de frutos em meio as montanhas da regiĂŁo Sud-Yungas, zona tradicional de cultivo 39todos da Coca. Ao fundo Ă direita, a pequena e antiga vila de Chicaloma, comunidade Afroboliviana onde trabalham incansĂĄvelmente no cultivo da folha da Coca
Mario Friedlander
A secagem das folhas da Coca é um processo fundamental, que vai determinar a qualidade e valor das folhas nos mercados de Coroico e La Paz
Chaskis, mochicas e aimarás Seiscentos anos atrás, um homem magro e atlético corria decididamente pela despovoada imensidão do deserto das costas austrais do Peru, carregando nas costas uma cesta com peixes recém apanhados das frias águas do oceano Pacífico. O ágil e veloz atleta que percorreria trinta quilômetros, até ser substituído por outro mensageiro transbordante de saúde, fazia parte dos famosos chaskis, a elite de infatigáveis mensageiros incas que, inseridos dentro de um eficiente sistema de comunicação, garantiam a circulação de noticias e pequenos volumes ao longo de todo o império. A eficácia deles era tão grande, que chegavam a fornecer peixe marinho fresco ao soberano, residente no palácio de Cuzco, distante centenas de quilômetros do litoral. Quem supria seus organismos de tamanha energia e disposição, ao ponto de desafiar distâncias, calor, vento, fome e sede, através de rápidos deslocamentos por uma topografia inóspita, agressiva e difícil, era o sumo verde das folhas de coca, que iam sugando enquanto corriam. Apesar de que no universo dos costumes incas, este 40
vegetal era restrito às castas superiores, os velozes chaskis tinham a prerrogativa de usá-lo, pelas duríssimas exigências do seu trabalho. Existem muitas evidências que demonstram que a coca vem sendo utilizada ao longo de milhares de anos, como as cerâmicas da cultura mochica (600 A.C) encontradas no norte do Peru, em que aparecem prováveis sacerdotes com as bochechas distendidas pelo clássico ritual do “acullico” (mastigação das folhas). Isto demonstra que seus vínculos com a religiosidade dos povos andinos provêm de épocas remotas. Hoje, como naqueles tempos em que a coca era de uso cotidiano nos feudos aimarás, ela é empregada nas oferendas às divindades ancestrais e na previsão do futuro, através de um médium que joga as folhas sobre um cobertor para depois interpretá-las. Além disso, elas são elementos fundamentais dentro da medicina popular dos “kallawayas”, os famosos curandeiros itinerantes andinos, cuja sabedoria foi reconhecida como Patrimônio Mundial pela Unesco e são conhecidos por suas infusões, cataplasmas e remédios para mitigar o “sorojche” ou mal de altura.
lano. Por sua vez, Francisco Pizarro, o temerário conquistador do poderoso império inca, comprovou em 1533, que os nativos peruanos mastigavam as folhas secas de um pequeno arbusto, que mais tarde seria denominado de Erythroxylon coca. Esta planta foi levada depois à Europa junto com o tabaco, desencadeando as mais diversas reações da sociedade local, desde a incondicional admiração de uns até a perseguição mais radical de outros. Enquanto isso acontecia no Velho Mundo, aqui na América do Sul, a igreja apelidava-a de “folha diabólica” que tinha que ser exterminada, já que estava ligada à religiosidade andina que os hierarcas católicos consideravam idólatra e demoníaca. Uns anos depois, quando o Peru e o Alto Peru tornaram-se ricas colônias, a classe dirigente percebeu que a coca era muito importante economicamente, já que sem o poder das suas folhas, os indígenas não suportavam as sub-humanas condicões de exploração a que eram submetidos. Além disso, a sua comercialização movimentava grandes fortunas em dinheiro e ironicamente, as maiores receitas da catedral de Cuzco e Potosí, procediam dos dízimos sobre sua venda.
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Um arbusto surpreendente Para entender um pouco o porquê da resistência de muitas comunidades indígenas a sua erradicação forçada, devemos nos despojar do preconceito que, sem dúvida, levamos com relação a esta controvertida planta. Para poder compreendê-la um pouco mais, temos que nos submergir no tempo até chegar a um contexto diametralmente oposto ao das problemáticas contemporâneas, em especial ao terrível flagelo das drogas. É que a história da cocaína é muito recente, se a comparamos com a trajetória que as folhas de coca têm no tempo, dentro da idiossincrasia dos povos andinos e onde o conceito de ilícito e proibido não era nem imaginável, pois fazia parte das suas necessidades básicas em um mundo hostil e complicado. Arbusto nativo de América do Sul, cultivado desde tempos imemoriais e cujas folhas são colhidas até quatro vezes ao ano e sem muitos cuidados, a coca disseminou-se desde a Argentina até a Nicarágua e inclusive chegou a algumas ilhas do Caribe. Com a chegada dos primeiros europeus, já no ano de 1499, o missionário dominicano Tomás Ortiz observou plantações de coca ao longo do litoral venezue-
A correta secagem das folhas, supervisada com concentrada dedicação, é um dos passos mais importantes dessa atividade milenar
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Vila de Cruz Loma nas proximidades de Coroico na região Nor-Yungas. A secagem das folhas da Coca é uma atividade corriqueira e de grande importância para a população local
Poderosos efeitos Porém, os poderes ocultos no arbusto denominado pela ciência de Erythroxylon coca já eram parte das tradições mais arraigadas nas inclementes alturas dos Andes, pois a intensa sensação de bem-estar e energia fornecida pela coca permitiu que durante milênios, os povos andinos superassem a fome, o cansaço e o abatimento. Este efeito “milagroso” se consegue mantendo as folhas dentro da boca durante um tempo, mais especificamente entre os molares e a face interna das bochechas, sempre acompanhadas de “lejía”, sólida bolinha elaborada com as cinzas de plantas como a quinua e outras. Este tradicional procedimento permite extrair todos seus alcalóides, além de ricos nutrientes como o caroteno, a tiamina, a riboflavina, o cálcio e o ferro, que a — em aparência modesta— folha de coca possui em índices surpreendentes. Assim aconteceu durante toda a história da mineração boliviana na região do altiplano, desde a época do apogeu da prata em Potosí, quando (explorados até 42
a última gota de suor) para conseguir enfrentar o frio, o esgotamento e a fome, os mineiros utilizavam a coca no labirinto de galerias perfurados nas montanhas. É que se não fosse pela companhia das folhas de coca, sustentáculo e alicerce da atividade mineira nas alturas dos Andes, a Bolívia jamais poderia ter montado uma estrutura extrativa da envergadura que teve na época colonial. Durante toda a viagem que realizamos pelos abruptos vales de Los Yungas, pudemos comprovar que as técnicas de cultivo da planta da coca possuem raízes tiahuanacotas e incas, pois essas duas grandes civilizações andinas estiveram presentes na região e fazem parte da sua história. Para ambas as civilizações, a coca era parte fundamental da sua forma de vida e tinham desenvolvido avançadas e eficientes modalidades de cultivo que perduram até hoje. Entre outros fatores de alimentação e organização, o controle das regiões de produção de coca garantiu a tiahuanacotas primeiro e incas depois, um abastecimento constante e fluido das suas energéticas folhas, permitindo-lhes alcançar com isso um elevado nível de
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movimentação e desenvolvimento. As excepcionais paisagens de Los Yungas, com milhares de terraços que como degraus de imensas escadarias, sobem pelos morros e permitem que haja plantações de coca numa topografia assustadoramente abrupta, são sem dúvida, uma das mais interessantes realidades rurais da Bolívia e do continente. Os afro-bolivianos fazem parte importante desses cenários e depois de serem explorados durante séculos, hoje são donos das suas próprias glebas e com a inesgotável energia, tenacidade e determinação que lhes caracteriza, são mestres na arte do cultivo da coca.
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Os frutos da Coca também são importantes para o fornecimento de sementes de qualidade, uma vez que a expansão da cultura tem sido avassaladora
Aspecto das plantações de Coca em meio as montanhas que são cortadas por uma perigosa estrada que liga Coroico a Chulumani
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Mario Friedlander Mario Friedlander
Entalhados nas íngremes montanhas disseminadas ao longo da abrupta região subtropical de Los Yungas, os terraços de cultivo chamados de “wachus”, se assemelham os degraus de descomunais escadarias
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Mosaico de vegetação nativa em meio as plantações de Coca. As plantações destinadas ao consumo humano tradicional não utilizam abertamente herbicidas ou produtos químicos ao contrário das plantações ilegais destinadas a produção da cocaína
Mario Friedlander Mario Friedlander
Paisagem da zona tradicional de plantio de Coca na região de Chulumani
Tão difundida como a leitura dos búzios no Brasil, a interpretação das folhas de coca é uma respeitada atividade no ocidente da Bolívia. Nesta cena; um adivinho lê o futuro de uma concentrada cliente
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A Geometria
Sagrada
A Arte de Rubem Valentim Texto: Bené Fonteles Fotos: Mario Friedlander, Rui Faquini e Silvestre Silva
As obras de Rubem Valentim – um dos mais importantes mestres da arte no país – são as melhores testemunhas do que um artista pode transformar ao recriar os signos e símbolos do seu meio cultural – no seu caso, a Bahia – gerado pela forte herança vinda dos povos d’África. Nascido baiano e mestiço em 1922 na cidade de São Salvador, Valentim freqüenta ainda criança, levado pelos pais, as feiras, festas populares e rituais de candomblé. Inspirado pela força mística e lúdica de uma Bahia índia, cabocla e negra, Valentim constrói sua obra inspirado primeiro pelos ex-votos ou pelas formas e cores dos brinquedos e utilitários artesanais do Recôncavo Baiano. Porém, a partir de 1956, o seu principal ponto de partida são as ferramentas dos orixás do candomblé – para assentamento das obrigações dos devotos – que ele chamava sabiamente de “emblemas ou logotipos poéticos” dessas entidades que também reverenciava. Sua grande contribuição à arte no país, na passagem do moderno ao contemporâneo, foi criar uma nova linguagem estética a partir desses símbolos dos ritos
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ancestrais. Ele os intercomunicou com outros signos e arquétipos universais das culturas de grandes civilizações e desenvolveu quinze desses signos-símbolos, cujo conjunto denominou de Alfabeto kitônico (A energia do centro da Terra). Com sua original e sagrada geometria, construiu e desconstruiu, combinou e recombinou com obsessiva maestria as peças deste novo e instigante alfabeto, compondo então centenas de obras entre as décadas de 1950 e 1990. São pinturas, relevos, objetos, desenhos, gravuras e esculturas. Algumas são monumentais, como a escultura em cimento armado na Praça da Sé em São Paulo, erguida na década de 1980, ou o painel em madeira pintada, o Templo de Oxalá, de 1977, instalado no Palácio do Itamaraty, em Brasília. Podemos ainda visitar suas obras nas salas especiais permanentes no Museu de Arte Moderna da Bahia em Salvador e em São Paulo, no Museu Afro Brasil e na Pinacoteca do Estado. Do artista, nos fala Mário Pedrosa: Dominado pela carga simbólica dos signos da liturgia negra em meio dos quais crescera, transfigurou-os em formas pictóri-
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cas abstratas, geometricamente belas em si e túrgidas. Ávido e pobre, procedeu por apropriação num instinto de possessão quase obsessivo. Há algo de antropofágico na sua arte no sentido oswaldiano – ser produto de deglutições culturais. Por sua vez, Giulio Carlo Argan acrescenta: O seu apelo à simbologia mágica não é portanto o apelo à floresta; é talvez, a recordação inconsciente de uma grande e luminosa civilização negra anterior às conquistas ocidentais. Por isso, a configuração de suas imagens é também mais claramente heráldica e emblemática do que simbólico-mágica. Nestes signos está a recordação de um grande espaço civilizado de antigas cidades, de impérios destruídos. Por outro lado, Reynaldo Jardim argumenta que: Anulando o conflito entre erudito/popular, nacional/estrangeiro, culto/não culturado, Mestre Valentim atingiu o ponto de mutação quando, ao expor as vísceras do real o torna impermanente e relativo, isto é: eterno. (...) Trata-se de um bruxo requintadamente sofisticado e um artista culto radicalmente feiticeiro. Ferreira Gullar observa, no primeiro texto escrito sobre a obra de Valentim em sua mostra de pinturas no MAM do RJ, em 1962, que: O que as torna inconfundíveis é esse eco indecifrável, esse silencioso eco que rola de uma forma para outra no ritmo de ângulos e das curvas, que brota dos azuis fechados, grita nos brancos, dissolve-se nas terras, e permanece vibrando em todos os pontos do quadro ao mesmo tempo. (...) Depois de ver os quadros aqui expostos, não mais nos libertaremos deles. É o próprio artista que depõe em seu Manifesto ainda que Tardio, de 1976: A iconologia afro-ameríndia-nordestina-brasileira está viva. É uma imensa fonte – tão grande quanto o Brasil – e devemos nela beber com lucidez e grande amor. (...) Intuindo o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento – e depois de haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos -, passei a ver nos instrumentos simbólicos, nas ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos oxês, um tipo
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de ‘fala’, uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design (RISCADURA BRASILEIRA), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade – a minha, pelo menos – termos de ordem sensível. Isso se tornou claro por volta de 1955-56, quando pintei os primeiros trabalhos da sequencia que até hoje, com todos os novos segmentos, continua se desdobrando. (...) Tenho a impressão de que criei e construí uma estrutura totêmica, um ritmo, uma simetria, uma emblemática, uma heráldica, um hieratismo, uma SEMIÓTICA/SEMIOLOGIA NÃO VERBAL, VISÍVEL. Isto tudo partindo das formas vivas da ‘fala’ não verbal do nosso povo, de uma poética visual brasileira... No catálogo da exposição antológica Artista da Luz, na Pinacoteca do Estado de SP em 2001, escrevi: Para perceber os “pontos” visuais de Valentim, é também preciso ter consciência de um Brasil com negritude ferida pela escravidão, da senzala à favela: ele nasce mulato e pobre em Salvador. Em suas obras, essas mágoas são resolvidas quando vestem a pureza e a paz de Oxalá – personificação do espírito crístico no candomblé, o solar orixá compadecido – ou quando ousa, índio e afro, a intensidade das cores fortes. Elas fazem profanas festas às divindades nos templos das civilizações onde mergulhou, ávido, além da herança natural advinda das nações kêtu, angola, jejê, yorubá e nagô. Daí a negra substância vital de sua obra. Ela, junto ao legado nativo, dizia ele, era o ‘tutano’ no caldo grosso da farta miscigenação brasileira. Seu projeto instrumental é fundamentado pelo equilíbrio da intuição mestiça, junto a uma percepção arguta das conquistas da história da arte. A ciência descobriu nos anos 70 a geometria fractal. Quem sabe, Deus seja um grande geômetra. A arte revelou, desde os anos 50 com a obra de Valentim, o mais sensível e genial artífice dessa geometria sagrada.
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Objeto Emblemรกtico 6; 1969 Madeira policromada (Acervo Museu Afro Brasil)
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Rui Faquini
Conjunto de 15 Signos-s铆mbolos denominado por Valentim de "Alfabeto Kit么nico" (A energia do centro da Terra)
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linhaça, os solventes, quebrei o cavalete e os pincéis a marteladas. Saí do ateliê, deixando atrás de mim parte de minha vida assassinada. Perambulei com dor na alma, odiando pela primeira vez a terra que amo, cheio de raiva contra uma sociedade em decadência e medíocre.Foram quinze dias de purgatório, durante os quais me perdi nas ruas de Salvador. Um dia acordei tranqüilo. Reencontrei o verde das árvores, ouvi de novo o canto dos passarinhos, voltei a amar o azul da Bahia. A pé tomei o caminho de volta ao ateliê. Senti então uma tristeza amarga, chorei de saudade dos meus trabalhos destruídos. E novamente aceitei meu destino. Com 50 cruzeiros dados por meu irmão, comprei material de pintura. Voltei a pintar. Descoberta da arte negra – dos signos-símbolos do candomblé: Oxê de Xangô, o machado duplo, no mesmo eixo central, recriado por mim e posteriormente transformado em forma fundamental de minha pintura, Xaxará de Omolu, Ibiri de Nana, Abebê de Oxum, ferros de Osanhe e de Ogum, Pachorô de Oxalá, os pegis com sua organização compositiva quase geométrica, contas e colares coloridos dos orixás. Na pintura buscava uma linguagem, um estilo para expressar uma realidade poética, extraordinariamente rica, que me cercava, para torná-lo universal, contemporânea. Pacientemente fazia o transpasse de todo esse mundo para o plano estético. Com o peso da Bahia sobre mim – a cultura vivenciada – com o sangue negro nas veias – a atavismo – com os olhos abertos para o que se faz no mundo – a contemporaneidade – cirando meus signos-símbolos, procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico e provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, tão ligado que sou ao complexo cultural da Bahia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem autêntica para me expressar plasticamente [...]” Silvestre Silva
Autobiografia de Rubem Valentim “Nasci num sobrado com sacada de ferro, à Rua Maciel de Baixo, 17, Distrito da Sé. De pais pobres, fui o primeiro de seis filhos. Custei a nascer e levei muitas palmadas para chorar. Em compensação comecei a gritar com força incomum, o que apavorou os presentes. Foi, ao que parece, meu primeiro grito de protesto comtra a violência. Dos quatro aos treze anos, vivi à rua Futuro do Tororó, onde morava gente de classe média e também gente muito pobre e humilde. Cresci tomando consciência das diferenças de classe, de dinheiro sempre escasso e das injustiças que marcavam meu pequeno mundo. Brinquei muito na rua. O prazer maior era empinar arraias e fazê-las com gosto. Durante as festas juninas era um não-acabar de fazer balões de papel colorido, bem como altares de Santo Antônio decorados com recortes de papel de seda e folhas douradas. Mas de todos meus encantos infantis nenhum se comparava ao de fazer presépios. Mundo poético, popular, de cor e riqueza imaginativas, que ficou em mim e influenciou profundamente minha arte. Me perdia na contemplação das igrejas: o ouro dos altares, as imagens, o silêncio, o cheiro de incenso e de velas queimando. Cantochão. Procissões. O Natal e a Paixão. Minha família, católica, de quando em vez ia ver um caboclo num candomblé. O baiano, para sua felicidade, é católico e animista. [...] Meu primeiro contato importante com a arte contemporânea ocorreu em 1948, na exposição de artistas nacionais e estrangeiros organizada por Marques Rebelo na Biblioteca Pública de Salvador. Fui vê-la várias vezes, deslumbrando, perdido, chocado com aquele mundo fantástico e tão novo para mim. Aluguei uma sala num velho sobrado de três andares, com sacada de ferro. Pela manhã desenhava composições com garrafas, latas, moringas, vasos, ex-votos e cerâmica popular. Elaborava esquemas de cor e valores. À tarde, fazia pesquisas formais – livres, imaginosas. Ou ia ao Museu de Arte conversar com José Valladares, que me emprestava livros e revistas sobre arte. Reproduzia imagens de um livro grosso sobre Cézanne, copiando-as à óleo, com valores em cinza. Com Cezanne aprendi a compor. Fiz cópias também de Modigliani, Matisse, Braque, Picasso e Chagal. Através de Klee compreendi a liberdade de expressão plástica e o valor fundamental da imaginação criadora. Sempre lutando para vencer as dificuldades de execução. Nunca fui muito habilidoso – felizmente. Vivia com sacrifício, sem dinheiro. Um dia, no ateliê, perdi a cabeça. Rasguei os cadernos de desenho, destruí todos os meus estudos, as telas, esvaziei os tubos de tinta, despejei os óleos de
Rubem Valentim 1922-1991 (In memorian)
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Antes que a Natureza
Acabe
A AFNATURA promovendo a conscientização da sociedade para a valorização o e o respeito à natureza Fotografias e Texto: AFNATURA Associação de Fotógrafos da Natureza
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Ary Amarante
55 do Um cardume de carapaus forma uma parede viva sobre os destroรงos naufrรกgio conhecido como Navio do Porto. Fernando de Noronha, PE
56 Folha de samambaiu莽u em meio a cip贸s no alto da Serra do Mar. Distrito de Paranapiacaba, SP
Maurício Simonetti
A AFNATURA é uma associação de fotógrafos de natureza que reúne alguns dos mais expressivos profissionais da área, além de amadores e simpatizantes da arte fotográfica e do meio ambiente. Tem como objetivo promover a arte fotográfica de natureza em suas diversas formas de manifestação, integrando sem distinção de qualquer tipo os que exercitam a fotografia, amadora ou profissionalmente, e atuando na defesa do inalienável direito de registro e difusão de imagens que promovam e ajudem a preservar a vida em sua plenitude. Para atingir seus propósitos, a AFNATURA atua sustentada por valores que justificam sua missão: Defender a vida, proteger o ambiente e disseminar o respeito pela natureza. Para conhecer melhor o trabalho da AFNATURA, visite a sua página:
www.afnatura.org.br
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Ney Oliveira
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PiĂşvas floridas no Pantanal. A florada costuma ocorrer em agosto e as flores duram menos de uma semana. Rodovia Transpantaneira -Fazenda Pouso Alegre - PoconĂŠ/MT
Monique Cabral José Caldas
Floração típica de restinga em Reserva da Biosfera. Arraial do Cabo, RJ
Teiú ou teju (Tupinambis merianea) na Praia de Martin de Sá. Ponta da Joatinga - Parati, RJ.
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Luiz Claudio Marigo Marcelo Krause
Pavãozinho-do-pará (Eurypyga helias) caçando na beira do rio Pixaim, no Pantanal de Mato Grosso
Um jacaré (Caiman yacare) abre a boca em sinal de ameaça quando o fotógrafo se aproxima. Muito caçado na década de 80, hoje em dia a população se recupera bem e é um animal bastante disseminado no Pantanal. Vazante do Castelo, MS
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Zig Koch Ricardo Siqueira
Nas margens do rio Juruena, no horĂĄrio mais quente do dia, milhares de borboletas ficam sobre as pedras alimentando-se dos sais minerais que ali se acumulam. Parque Nacional do Juruena, MT
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As finas e delicadas colunas de estalactites sĂŁo formadas gota a gota, num processo que dura milhares de anos. Caverna Desmoronada - ApiaĂ, SP
Haroldo Palo Jr Luciano Candisani
Bandos de ciganas (Opisthocomus hoazin ) frequentam os aningais do rio Uaรงa no Amapรก
Cobra Cipรณ-bicuda (Oxybelis aeneus), Jalapรฃo/TO
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Elaboração de planos de gestão territorial dos povos Manoki e Myky entra na reta final Em 2011, oficinas e eventos fomentaram participação indígena nas discussões sobre como querem gerir seus territórios. Em 2012 serão publicados planos de gestão territorial das terras indígenas Manoki e Myky, na bacia do rio Juruena, em Mato Grosso, como parte das ações apoiadas pelo Projeto Berço das Águas. A iniciativa é executada pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) com patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental. Os documentos serão importantes instrumentos para orientação e apresentação de demandas indígenas, após amplas discussões nas comunidades sobre as suas prioridades quanto ao uso, ao acesso e à ocupação de seus territórios tradicionais.
Todas essas são oportunidades de aprendizado e formação que visam a qualificação da interlocução entre os indígenas e os agentes governamentais, fortalecendo a construção de políticas públicas e a autonomia dos povos na gestão de seus territórios e práticas culturais.
A partir desta experiência realizada no Mato Grosso, tais ferramentas poderão ajudar a subsidiar a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI), que ainda aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff. Os indígenas participaram de rodadas de conversas sobre estratégias de uso e ocupação de territórios e diversos momentos de reflexão sobre a PNGATI a partir de suas referências de cotidiano, tempo, espaço, considerações sobre atitudes dos não índios do entorno e sobre o que esperam fazer no futuro. Em 2011, eles também elaboraram mapas a partir de seus interesses e foram convidados a participar de uma série de eventos como intercâmbios, seminários e cursos que aprimoram a capacidade dos indígenas dialogarem, acessarem recursos e elaborarem seus próprios projetos. REALIZAÇÃO: APOIO:
PATROCÍNIO:
Durante o processo de elaboração dos planos de gestão, foi possível ainda formatar um relatório inédito sobre os impactos ambientais na Terra Indígena Manoki, que já teve 20% de seus recursos devastados em decorrência de invasões. De posse desse documento, os indígenas foram a Brasília cobrar providências para a homologação de parte de seu território. Os planos de gestão territorial dos povos Manoki e Myky serão publicados durante o primeiro semestre de 2012. www.bercodasaguas.org.br
Bistrô da Mata
foto: Edilon Carmo
foto: Mario Friedlander
Um lugar incomparável !
Estrada do Mirante, Km 1 - Chapada dos Guimarães - MT (65) 3301-3483 bistrodamata@yahoo.com.br
La Paz
Aos pĂŠs das neves eternas Texto: Luca Spinoza Fotos: Mario Friedlander
Uma cidade de surpreendente geografia, com casas que se encarapinham nos morros desafiando a gravidade, deslumbrantes monumentos arquitet么nicos, grandes parques com primorosos jardins, ousados viadutos e uma intensa atividade cultural e comercial.
inesquecível paisagem de casinhas minúsculas e ruas de brinquedo. Os carros descem através de contínuas curvas que vão revelando panoramas irresistíveis, pelo que nos detivemos várias vezes para registrar, nas memórias digitais das nossas câmeras, a imponência da velha cidade estendida aos nossos pés. Tesouro arquitetônico Tentar compreender a idiossincrasia do habitante da frenética cidade, possuidora de uma acidentada topografia cheia de surpresas, talvez seja difícil para um brasileiro acostumado à relativa ordem do tráfego nas grandes urbes nacionais. É que nas ruas e avenidas de La Paz, as regras do trânsito parecem ser tão flexíveis como as contorções dos acrobatas e malabaristas, que topamos nos cruzamentos das principais avenidas, fazendo shows relâmpagos para receber moedas dos motoristas antes que abra o sinal. Se em alguns cantos do centro histórico da cidade, que ostentam inacabáveis subidas e descidas ao longo de estreitas ruas de velhos paralelepípedos, a circulação de veículos e pedestres é caótica, o viajante não demora em descobrir que isso é um mínimo e irrelevante detalhe, em contraste com o grande tesouro arMario Friedlander
Vertigem e poesia Quando depois de percorrer as melancólicas imensidões do seco planalto andino, açoitadas pela rudeza do vento e um sol inclemente e poderoso, chegamos àquela cidade mergulhada numa monumental e erodida cratera, sob a qual circulam incontáveis riachos subterrâneos de remota tradição aurífera, nos sentimos ao mesmo tempo assombrados e maravilhados. E não pode ser de outra maneira, pois ali, em um cenário miscigenado, excêntrico e sedutor, que funde o indígena, o mestiço e o europeu, descobrimos que a poesia e o caos convivem numa surpreendente harmonia que inebria os sentidos. Assim nos sentíamos quando, escoltados pela presença onipresente do Illimani, a majestosa montanha nevada de 6465 metros de altura e cartão postal da região, atravessávamos a cinzenta cidade dormitório de El Alto (a 4000 metros de altitude) para descer a La Paz, que parafusada numa profunda depressão do terreno, a 400 metros debaixo da planície do altiplano, se encontra mais protegida dos rigores do clima. As duas urbes se conectam através de uma moderna estrada de quatro pistas, que nos permite desfrutar, tanto de dia como de noite, de uma espetacular e
Vista do Monte Illimani e a cidade de El Alto, vizinha imediata de La Paz
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Mario Friedlander
Alguns erodidos cenários de La Paz lembram épicas paisagens de velhos filmes de bang-bang
quitetônico colonial espalhado pelo coração da urbe, que para desfrutá-lo só exige ter olhos atentos. Um dos lugares imperdíveis para conhecer nesse agitado núcleo histórico central, entre muitos outros que seria longo de enumerar, é o imponente templo e convento de São Francisco, erigido em 1549 com fina pedra burilada. Essa majestosa edificação destruída ao início do século XVIII por uma tormenta de neve, foi reconstruída na mesma centúria com uma magnífica fachada de estilo barroco mestiço. Dispõe de uma pinacoteca com uma valiosa coleção de obras artísticas renascentistas, barrocas, mestiças e neoclássicas. Localiza-se na movimentada Avenida 16 de Julho, conhecida popularmente como El Prado, uma charmosa via rodeada de populares restaurantes, prestigiosos hotéis, bem conservados jardins, concorridos centros culturais e prédios que congregam o centro financeiro e de comunicações de La Paz. Cultura e gastronomia La Paz possui um grande vínculo com a cultura e muitas alternativas de passeios temáticos em disciplinas como História, Arquitetura, Arqueologia, An-
tropologia, Paleontologia, Ecologia e outras. Quem quiser conhecer alguns de seus atrativos circuitos culturais, pode começar pelo complexo de museus localizados no setor central, que guardam boa parte do patrimônio do país, do departamento e da cidade. Infinidade de peças de ouro e prata da cultura tiahuanacota e civilizações anteriores e posteriores a ela, se exibem no Museu de Metais Preciosos Pré-colombianos, um destino incomparável para o visitante. Amostras de cerâmicas, líticas e tecidos tiahuanacotas podem ser apreciadas no Museu Nacional de Arqueologia, considerado o mais emblemático e antigo do país. Agora, se você for um amante das artes plásticas, da música e da natureza, lhe sugerimos conhecer o Museu Nacional de Arte, o Museu de Arte Sacro da Catedral, o Museu Nacional de Folclore, o Museu de Instrumentos Musicais de Bolívia e o Museu Nacional de História Natural. Além do fascinante universo dos museus, a atividade cultural da cidade é intensa e os interessados têm um variado cardápio semanal a sua disposição: lançamentos de filmes, concertos de orquestras sinfônicas, apresentações de obras literárias, exibição de peças de 69
(tradicional molho picante). Thimpu: carne cozida de cordeiro com arroz, ervilhas, chuño, batatas e pimenta amarela. Charkecán: charque de lhama preparado na frigideira, com grãos cozidos de milho, ovo cozido, pedaços de queijo e batatas com casca. Jak’onta: caldo de cordeiro com chuño, folhas de repolho, cebola, batata e orégano. Pesqhe: quinua fervida com leite, acompanhada de um refogado de pimenta amarela e fatias de queijo. Chácara de ouro Transcorria o ano de 1548, quando um militar espanhol chamado Alonso de Mendoza, chegou à comarca de Laja (a 37 quilômetros da cidade atual) e fundou o vilarejo de Nuestra Señora de La Paz, com o objetivo de consolidar um povoado de descanso e aprovisionamento de víveres, para os viajantes que transitavam entre as ricas minas de prata de Potosí e a célebre cidade de Cuzco, no antigo vale sagrado dos incas. No entanto, somente três dias mais tarde, Mendoza decidiu mudá-lo ao leste, na beira norte do planalto Mario Friedlander
teatro, desfile de modas, exposições de artes plásticas, etc. Como La Paz hospeda a sede do Governo, o Congresso Nacional, assim como diversas embaixadas, consulados e instituições e empresas internacionais, é sem dúvida a cidade mais cosmopolita da Bolívia. Esse caldeirão de influências de todo o mundo, somado ao rico acervo de tradições locais, se manifesta com especial ênfase na gastronomia. Em diversos bairros da cidade como Sopocachi, San Miguel, Miraflores, Calacoto, Obrajes, Irpavi e outros, podemos deleitar-nos com uma variada oferta de comida internacional, ou as mais singulares e deliciosas preparações da culinária boliviana, numa travessia pelo melhor da sua cozinha, uma saborosa miscigenação do indígena e do espanhol. Se você é amante da boa mesa e decide viajar a La Paz, saiba que entre as suas mais clássicas preparações, se destacam as seguintes: plato paceño: milho verde e favas cozidas, queijo derretido de ovelha, batata cozida com casca, chuño (batata desidratada no frio) e llajua
Passear pelas partes altas da urbe é descobrir espetaculares perspectivas que nos revelam uma alucinada e febril topografia
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Quando descemos desde El Alto, La Paz parece uma imensa cidade de brinquedo estendida aos nossos pés
andino, fronteira onde começam os erodidos e característicos cânions da região. Essa alteração se deveu a que o novo destino oferecia melhores condições para se estabelecer: um pouco mais quente e resguardado dos glaciais ventos andinos. Era um profundo vale que os indígenas conheciam como Chuquiago ou Choqueyapu, que na língua aimará significa chácara de ouro, em alusão ao áureo metal carregado pelas águas do turbulento rio Choqueyapu. O nome espanhol da cidade foi uma homenagem à ansiada restauração da paz, logo da cruenta guerra civil desencadeada pela insurreição de Gonzalo Pizarro contra o primeiro vice-rei do Peru. Esse conflito também envolveu a região em diversas batalhas, pois, naquela época, a região ocidental da atual Bolívia era conhecida pelo sugestivo nome de Alto Peru, revelando que era um mero apêndice territorial de Lima. O transcurso dos anos foi consolidando La Paz como uma importante e estratégica localidade que, séculos depois, liderou o processo continental de independência. Em dezesseis de julho de 1809, a cida-
de proclamou o primeiro governo livre do continente, quando o patriota Pedro Domingo Murillo e um grupo de heróicos idealistas se sublevaram contra o império espanhol. O poder da saya Quando deambulamos pelas agitadas e fascinantes ruas de La Paz, não é difícil se encontrar com cidadãos afro-descendentes, pois a partir da década dos setenta do século passado, eles começaram deixar as suas antigas comunidades da região sub-andina de Los Yungas, em busca de um nível maior de estudos, uma formação universitária, um emprego qualificado, uma melhor qualidade de vida e uma integração maior à sociedade boliviana e ao país. Foram eles que começaram a substituir o depreciativo conceito de “negro” com que eram chamados, pelo de afro-boliviano ou afro-descendente, garimpando, identificando e resgatando as características africanas das suas tradições e reaplicando-as numa interpretação contemporânea da sua miscigenada cultura afro-andina. 71
Mario Friedlander Mario Friedlander
No Mercado das Bruxas, as pessoas procuram inusitados elementos para elaborar desde beberagens de amor, até estranhas poções para afastar o mau-olhado
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A influência da antiquíssima cultura tiahuanacota é tão grande na região, que as estatuetas que a simbolizam são muito requeridas pelos turistas
Mario Friedlander Mario Friedlander
Os fetos de lhama são um dos insumos mais requeridos para as singulares cerimônias dos curandeiros aimarás
O funcionamento deste pitoresco mercado de amuletos, talismãs, plantas medicinais e artigos para oferendas, provém da época colonial, quando fazia parte dos primeiros bairros indígenas de La Paz
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Em um intervalo do trabalho, alguns operários se entregam à sedução do futebol há quase 4 mil metros de altitude
Hoje em dia, quarenta anos depois desses primeiros pioneiros que chegaram a La Paz, alguns dos seus filhos protagonizam um singular fenômeno social que, além de revesti-los do especial prestígio dos artistas, tem contribuído a tirá-los da invisibilidade que motiva ser menos de 0,5% da população do país. Esse fenômeno surgiu através de um ritmo afro-boliviano chamado saya, que faz muito sucesso em boates de La Paz e de outras cidades do ocidente do país, chegando a se integrar pouco a pouco às fechadas e tradicionalistas festividades andinas. Muitos jovens afro-bolivianos que cultivam esse ritmo com dedicação e paixão, ao finalizar suas atividades diárias na universidade ou no trabalho, se apresentam em diversos eventos sociais de La Paz, contratados como uma exótica pincelada de alegria, beleza plástica e autenticidade. No decorrer da impetuosa interpretação da saya, os tambores tocam um irresistível encaixe percussivo com poéticos refrões declamados por todos os parti74
cipantes, além de inspiradas estrofes de solistas. É um ritmo que estimula a dança, com letras que transmitem o amor à terra, a religiosidade, as reivindicações sociais, o cotidiano, os sentimentos profundos e a magia da vida. Os mais destacados intérpretes de saya de La Paz são os grupos Mocusabol e Orisabol. Atrativos urbanos A irregular e quase surrealista topografia dessa grande cidade oculta muitos fascinantes segredos que o visitante novato nem imagina. Além das inumeráveis construções antigas, das onipresentes instituições culturais, dos mercados populares cheios de curiosos insumos culinários e singulares comidas para conferir, La Paz abriga alguns pitorescos cantos que, se queremos nos assomar à alma da cidade, não podemos deixar de visitar e conhecer. Uma delas é a fascinante e pequenininha Rua Jaén, a mostra mais representativa do estilo arquitetônico colonial que ainda sobrevive em alguns setores
Subindo pela Sagárnaga, chegamos à minúscula Rua Linares, onde funciona o exótico e surpreendente Mercado de las Brujas. Ali se vendem alguns estranhos ingredientes utilizados pelos curandeiros andinos em seus rituais: fetos de lhama, carapaças de tatu, fósseis e outros ainda mais esquisitos, assim como ervas silvestres, folhas de coca, cinzas de quinua e amuletos diversos. No setor sul da capital e a só 12 quilômetros de distância, se encontra o célebre Valle de La Luna, onde a permanente erosão do vento e da chuva entalharam e esculpiram a rocha, até criar formas e crateras que nos sugerem a superfície lunar. Não obstante, La Paz é tão grande e tantos seus atrativos, que as páginas de uma revista se fazem poucas para citá-los todos. Só posso dizer que quem chegue àquela fascinante cidade, eleve seus olhos e se defronte com as neves eternas do Illimani, uma das deslumbrantes montanhas que fazem parte da Cordilheira Real, não hesitará em voltar na sua próxima viagem.
Mario Friedlander
da urbe. Localizada a poucas quadras do convento de San Francisco e da Plaza Murillo (em frente ao Palacio Quemado, sede do Governo), a ruazinha possui um belo calçamento com pedras de diferentes cores, sedutores museus e elegantes casinhas com portões de madeira, janelas com grades de bronze e balcões cobertos de enredadeiras floridas que nos transportam ao passado. Sem dúvida nenhuma, entre as maiores singularidades com que nos brinda La Paz, se destaca um longo cânion que atravessa parte da cidade, formando um espetacular cenário que alberga um de seus destinos mais fascinantes: o Parque Laikakota, também chamado Parque Urbano Central. Do alto de um erodido morro que surge do cânion, podemos desfrutar de um belo panorama de parte da cidade, que nos permitirá sentir a poderosa sedução de La Paz. Na movimentada Rua Sagárnaga, a um costado do convento de San Francisco, há uma grande quantidade de galerias, lojas e barracas que oferecem produtos artesanais de alta qualidade, fabricados em couro, madeira, prata, cobre e lã de ovelha, alpaca e lhama.
Construído entre 1845 e 1853, o Palácio de Governo da Bolívia é chamado também de “Palacio Quemado”, por causa de um incêndio provocado em uma revolta popular em 1875
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O erodido e surrealista “Valle de La Luna”, com panoramas que lembram a superfície lunar, é um dos maiores atrativos turísticos do perímetro urbano
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O prédio que acolhe o Congresso Nacional da Bolívia, que antes foi convento e universidade, é um bom exemplo da variada arquitetura da região central da cidade
O caudilho independentista venezuelano Simão Bolívar desempenhou um papel importante na história da Bolívia. Para homenageá-lo, se ergue uma estatua dele em El Prado
Considerado um dos mais antigos monumentos arquitetônicos coloniais do continente, a igreja e convento de San Francisco, é um dos pontos de encontro mais utilizados de La Paz
Hoje em dia, as cidades de La Paz e El Alto, possuem quase três milhões de habitantes; um terço da população total do país
Dizem que para evitar o pagamento de impostos, muitas das paredes exteriores das construções dos bairros populares da cidade, não tem nenhum acabamento final
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Arco-Ăris no Por-do-sol do lago MamirauĂĄ
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Mamirauá: Fotografia
e
Conservação da Natureza Texto e Fotos: Luiz Claudio Marigo
Minha primeira visita ao Mamirauá foi em 1983. Dois anos antes eu tinha feito amizade com Márcio Ayres, quando o conheci no INPA, e uma afinidade imediata levou-nos a combinar minha ida à sua área de estudos de doutorado para fotografar o uacari-branco. Márcio estava iniciando sua pesquisa de campo sobre a ecologia desse primata amazônico e eu vi uma oportunidade de fotografar uma espécie rara, espetacular e que nunca tinha sido registrada na natureza. Partimos de Tefé, uma pequena cidade a 500 km a oeste de Manaus, no estado do Amazonas. Essa é a única cidade com aeroporto comercial próxima da área de estudos, e após seis horas no Gaivota, um pequeno barco com motor de centro, chegamos no final do lago Mamirauá, junto da boca do lago Teiú, por onde andava o grupo de uacaris que Márcio tinha localizado. Apoitamos no final do dia, tomamos um banho no lago e fechamos todas as portas e janelas do barco para evitar a nuvem de mosquitos que recepciona os visitantes da várzea amazônica. Com o calor gerado pelo motor após a viagem, a temperatura no barco era de cerca de
40º! Jantamos e fomos dormir. Fomos tentar dormir! Mas até 1 hora da manhã, só suamos, exasperados pelo calor, esperando a temperatura baixar para descansar um pouco e sair de madrugada, com o dia ainda escuro, e procurar os macacos na floresta. A dificuldade de fotografar o uacari é que esses primatas são muito ariscos e andam no estrato mais alto da floresta, na copa das árvores. E a floresta da várzea amazônica tem árvores de até 40m de altura! A técnica do fotógrafo – ou melhor, o único jeito – é seguir o bando de cerca de 40 macacos e esperar as raras oportunidades em que um ou outro indivíduo desce um pouco para alcançar seu principal alimento, o fruto do matatamá, árvore da família do jequitibá, da sapucaia e da castanheira-do-pará. Mesmo com muita sorte de estar no lugar certo, no instante certo e com a luz certa, os resultados com filme (ISO baixo ou alta granulação) e na contraluz não me satisfizeram. Mas foram os primeiros registros de uma espécie ameaçada de extinção e essas fotos tiveram grande importância na história do Mamirauá. Foram a causa da criação da Reserva. 81
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Luiz Claudio Marigo
83 A sapucaia da comunidade Boca do MamirauĂĄ na ĂŠpoca da cheia
Luiz Claudio Marigo
Lago Mamirauá
Em 1985, Márcio estava terminando a coleta de dados para seu doutorado e eu quis voltar ao Mamirauá. Sempre queremos melhorar nossos resultados. Aproveitando uma visita do Dr. Paulo Nogueira Neto, o Secretário do Meio Ambiente na época, ao Rio de Janeiro, para uma conferência no Clube de Engenharia, abordei-o na saída, peguei um carona em seu táxi e pedi a passagem aérea para Tefé, na maior cara-de-pau mesmo. Isto é, ofereci uma barganha: pela passagem eu me comprometia a trazer uma proposta de uma estação ecológica na região. Já tinha combinado isso com o Márcio, que se mostrou disposto a utilizar seus dados para redigir um documento e propor uma área de conservação para proteger a várzea e os uacaris. Por outro lado, minhas fotos serviriam para compor essa proposta e mostrar a região, os macacos e outras espécies espetaculares. Conseguimos, e foi a nossa iniciativa, o trabalho do Márcio e as minhas fotos, que criaram a Reserva do Mamirauá. Ou, colocando a questão mais modestamente... em 1990, a Estação Ecológica do Mamirauá foi decretada pelo governador do Amazonas, Amazonino Mendes. 84
Lembro-me do telefonema de Márcio para me dar essa notícia e de sua preocupação ao ler o decreto e ver que a Estação Ecológica do Mamirauá tinha sido criada com 1.200.000 ha, em vez dos 220 mil ha da nossa sugestão. “Será que isso é bom? Como vamos fazer para proteger uma área tão grande?” Eu respondi: “É bom sim. Quanto mais melhor. Pelo menos já está no papel e depois a gente vê como fica!” E ficou muito bem, obrigado! Márcio e Débora, sua esposa na época, criaram o Projeto Mamirauá, e eu continuei visitando a região para fotografar. Juntos, criamos uma estratégia para divulgar o Mamirauá e ganhar apoios para subprojetos de conservação da natureza e extensão, visando a melhorar a vida dos ribeirinhos. Sugeri ao Márcio abrir totalmente o Mamirauá para qualquer fotógrafo ou equipe de televisão ou cinema e essa política gerou muita publicidade e prestígio. Nunca me arrependi de ajudar a concorrência! Percebendo a impossibilidade de proteger o Mamirauá se toda a região continuasse como uma estação ecológica (que exige a retirada de moradores) e a catástrofe social que seria expulsar os ribeirinhos de suas
cultiva sua própria roça, pesca seu peixe minutos antes da hora do almoço e não tem medo de políticos ou coronéis. É também contemplar uma natureza exuberante, que está do mesmo modo como o homem branco a encontrou há 500 anos. Mas é fotografar em cima de canoinhas frágeis, pois na época da cheia não há terra firme para se pisar, um movimento em falso joga o fotógrafo e seu equipamento dentro d’água, ou a água cai em chuvas torrenciais e o equipamento para de funcionar, num ambiente sempre úmido, de temperaturas altíssimas e níveis baixos de luz dentro da floresta, com animais tímidos que se escondem atrás da massa de folhagem. Mas a gente do Mamirauá – pela minha experiência, de toda a Amazônia – é uma dádiva para o fotógrafo. Gente bonita, descontraída, e que é atraída pela câmera fotográfica. Se o fotógrafo aponta a câmera para um adulto, recebe um sorriso de volta e se aponta para uma criança, em dez minutos tem dez crianças querendo ser fotografadas! O varjeiro (ribeirinho da várzea) é alegre, espontâneo e não se retrai com o fotógrafo. Não deve nada a ninguém e confia em outro ser humano.
Luiz Claudio Marigo
áreas tradicionais de subsistência e deportá-los (sim, essa é a expressão exata) para as cidades próximas, o pessoal do Projeto Mamirauá conseguiu transformar a estação ecológica em reserva de desenvolvimento sustentável. O apoio dos ribeirinhos foi conseguido através de uma confiança mútua que se firmou através de modos de gestão entre os pesquisadores e as comunidades, da forma mais democrática e responsável. Eu participei de algumas assembléias gerais com os cientistas e os caboclos e testemunhei as discussões de alto nível (nada a ver com nosso Congresso), cada um com seu conhecimento, os cientistas com números e dados científicos, os caboclos com sua visão prática e tradicional, todos trabalhando para as melhores soluções de como usar os recursos naturais sem destruí-los. Por exemplo, no Mamirauá, a pesca do pirarucu é legal e o maior peixe de escamas da Amazônia tem sua população cada vez maior enquanto os ribeirinhos vendem pirarucu para restaurantes em Manaus e Brasília com selo verde e preços mais altos. Fotografar no Mamirauá é viver a alegria de conviver com uma gente alegre, dona de seu nariz, que
Crianças da comunidade Boca do Mamirauá, nas raízes da sapucaia na época da seca
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Luiz Claudio Marigo Luiz Claudio Marigo
Pescador mostrando um pintado, e um paracari no fundo da canoa
Torrando a farinha de mandioca
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Luiz Claudio Marigo Luiz Claudio Marigo
Caçador com jacaretinga
Família almoçando a caldeirada de peixe com farinha de mandioca
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Luiz Claudio Marigo Luiz Claudio Marigo
Foto aĂŠrea mostrando as restingas e a floresta de vĂĄrzea inundada
Bando de ciganas, Opisthocomus hoazin, tomando sol na beira do lago MamirauĂĄ
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Luiz Claudio Marigo Luiz Claudio Marigo
Por-do-sol e nuvens pesadas de tempestade, no lago Mamirauรก
O uacari-branco
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Luiz Claudio Marigo Luiz Claudio Marigo
A Comunidade Sรฃo Raimundo do Jarauรก durante a grande cheia de 1993
Pequeno canteiro de temperos na comunidade Boca do Mamirauรก, durante a cheia
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Luiz Claudio Marigo Luiz Claudio Marigo
Morador levando capim para alimentar o gado numa maromba, na comunidade Boca do Mamirauรก, na cheia de 1993
Descascando a mandioca para fazer farinha, na comunidade Boca do Mamirauรก
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Luiz Claudio Marigo Luiz Claudio Marigo
Pescador com arpão, no rio Jarauá
Preparando o arpão para a pesca do pirarucu na comunidade São Raimundo do Jarauá
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Luiz Claudio Marigo
Jorge Tapioca com pirarucu, o maior peixe de escamas da bacia amaz么nica
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Fotos: Mario Friedlander
Fotos: Mario Friedlander
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Germaninho da Comunidade Porto Manga em Vila Bela da SantĂssima Trindade - MT, mostrando o crucifixo dos antigos
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Desenvolvimento Etnosustentado para
Comunidades Quilombolas Texto: Valdo França Fotos: Mario Friedlander
A construção de um plano nacional de desenvolvimento etnosustentado para quilombos é um passo importante nas políticas reparatórias para o povo negro brasileiro. Sua implementação minimizará o sofrimento dos afros brasileiros que ainda resistem no campo, e poderá possibilitar o retorno ordenado de quilombolas e seus descendentes. Vítimas do êxodo rural e do desemprego urbano, quilombolas desenraizados habitam acampamentos de sem terra nas beiras das estradas, cortiços, favelas, lixões e outras áreas insalubres do meio urbano. O retorno ao quilombo será a re-libertação e o resgate da alma negra brasileira, o reconhecimento e afirmação da identidade ancestral e a reconstituição da família negra perdida nos caminhos da injustiça. É uma forma eficiente e sem traumas para o Brasil desinchar os acampamentos de sem terra, com menores investimentos que qualquer tipo de assentamento de reforma agrária, já que os quilombolas são proprietários de grandes glebas de terra, necessitando apenas que o governo regularize seus títulos fundiários, e ofereça suporte e meios para o desenvolvimento. Além de já possuírem suas terras, os quilombolas formam comunidades rurais de caráter étnico, com tradições e valores ancestrais, formas de produzir e viver coletivo, e exemplares em sustentabilidade ambiental. Essas comunidades receberão de braços abertos seus parentes, dando o apoio e a solidariedade de irmãos, necessários para a fixação do homem urbano ao meio rural. Será mais fácil e mais barato para o país, o retorno dos desenraizados aos quilombos, que a fixação de trabalhadores urbanos sem tradição e raízes no campo,
em assentamentos perdidos no espaço e no tempo, sem história e sem o apoio de uma coletividade. O censo dos quilombolas Para o Brasil conhecer o potencial de inclusão sócio econômica de uma política pública de intervenção nos quilombos, será necessário que o censo a ser levado a essas comunidades, pergunte às famílias quilombolas quais são os filhos, netos, irmãos e sobrinhos que estão na cidade, há quanto tempo saíram da comunidade, quais são suas ocupações, suas idades, a situação sócioeconômica atual, e se conhecem o interesse deles em voltar às suas origens. Outra pesquisa poderá ser efetuada no cadastro dos candidatos ao programa de reforma agrária, procurando saber se têm origem em alguma comunidade negra remanescente de quilombo, quais são suas habilidades, e se têm disposição e interesse em retornar ao chão natal. Esses trabalhadores desenraizados e seus descendentes devem integrar uma lista especial, a ser contemplada nos programas de desenvolvimento dos quilombos, suprindo demandas de mão de obra necessária aos projetos que forem surgindo. Tecnologia habitacional para os quilombos O desenvolvimento nos quilombos deve respeitar a cultura local e ser plenamente democrático. O fato da maioria das comunidades terem resistido com integridade cultural as adversidades apresentadas ao longo da história, é mostra convincente da eficiência e sustentabilidade de seus saberes e fazeres. A construção de taipa e telhado de palha, a base de materiais renováveis existentes na própria comuni97
portante é que as novas tecnologias sejam plenamente compreendidas, apropriadas e reproduzidas pelas comunidades locais. Melhor que disponibilizar poucos milhares de habitações alienígenas e desconfortáveis a uma minoria quilombola, é enriquecer o saber local das comunidades, dando apoio através de cursos, assistência técnica e bolsas de materiais de construção, para que uma maciça maioria desses brasileiros possa por si mesma construir suas casas, o saneamento e outros confortos que necessitam ou desejam. Isso tudo sem negar o direito deles usarem alvenaria e outras formas construtivas, na medida em que decidirem por seu livre arbítrio e possibilidade. Tecnologia agrícola para os quilombos Muitos políticos, administradores e técnicos da área pública e dos movimentos populares se empolgam com as ofertas no campo da tecnologia moderna sofisticada. Acreditam e preconizam, simploriamente, a adesão e o acesso a essas tecnologias, como formas determinantes de se promover o desenvolvimento das comunidades indígena, cabocla e quilombola. Algumas comunidades quilombolas podem almejar tratores para facilitar a lida diária, mas uma análise e um debate abalizado podem mostrar que tal tecnologia não é a mais adequada para aquele meio, e que o mesmo capital pode ser utilizado na aquisição de reprodutores bovinos, caprinos e equídeos e tecnoloMario Friedlander
dade, é uma das formas tradicionais dos quilombolas construírem suas casas. Sabe-se que, após alguns anos, essas habitações perdem qualidade, deixando a desejar em conforto e salubridade para seus moradores. A substituição destas casas por construções em alvenaria e telhado de fibrocimento, porém, é uma forma invasiva insustentável, pois a grande maioria dessas populações não possui renda suficiente para adquirir os materiais e dependerão de paternalismo externo para terem acesso a esse modelo. Outro aspecto negativo é o baixo conforto ambiental no interior das habitações construídas com tijolo cerâmico e telha de fibrocimento, esses materiais não oferecem isolamento térmico adequado para as regiões tropicais quentes. É essencial apresentar aos quilombolas maneiras de melhorar a qualidade e durabilidade das taipas e telhados, e introduzir novas opções e formas de construir. Existem inúmeras tecnologias de baixo custo disponíveis no viés da bio-arquitetura, em voga na construção de “eco-villages” em todo planeta, onde materiais locais de caráter renovável, biodegradáveis e de custo acessível, possibilitam belas e confortáveis habitações. Tecnologias artesanais a base de solo e fibras vegetais, ferro e cimento, solo e cimento, solo e cal, cimento e fibras vegetais, propiciam a construção de paredes, pisos, calçadas, telhas, telhados, caixas d’água, tanques de roupa, pia de cozinha, canaletas, cochos, fossas sépticas, filtros anaeróbicos para efluentes e muitos outros bens importantes para a vida rural. O mais im-
Ana Luisa dos Santos da Comunidade Quilombola Capão Verde em Poconé - MT
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Manoel de Brito, morador do rio Guaporé, entre Mato Grosso e Rondônia, produzindo vassouras de cipó
gias de pequeno porte, como carroças e equipamentos a base de tração animal, pequenas carretas e cavalos mecânicos, pequenos e médios moinhos de farinha e cana de açúcar, fabriquetas de doce, equipamentos para pequenas irrigações e outros, poderão servir a mais pessoas, socializando recursos e condições para o desenvolvimento democrático da comunidade. A tecnologia tem a ideologia de quem a preconiza A tecnologia que se apresenta ao desenvolvimento da produção e ao conforto humano nem sempre liberta e possibilita a igualdade e a fraternidade entre os homens. A FUNAI introduziu nos anos 70, um programa de plantio de grãos em grandes áreas de cerrados arenosos das reservas xavantes, no vale do Araguaia. Esse grupo guerreiro destemido foi, até aquela época, o maior entrave à invasão dos fazendeiros sulistas na região. Viviam bem adaptados e autosuficientes, eram notáveis pela saúde e força física que apresentavam. Suas aldeias eram bem estruturadas, populosas e lide-
radas por caciques notáveis, na defesa de suas terras e direitos. A FUNAI levou tratores, adubos químicos e agrotóxicos para os xavantes saírem do “atraso” e da vida “selvagem”, para adentrarem na “modernidade”. A dita tecnologia moderna gerou novas relações de poder e dependência, levando à pulverização das aldeias, ao enfraquecimento das lideranças, à destruição das matas, à diminuição da água nos rios e fontes, à diminuição da caça, da coleta e da pesca, o que resultou em fome. O povo Xavante, outrora altivo e autosuficiente, tornou-se cliente dos programas de cestas básicas do governo. O trator passou a ser uma necessidade para o transporte entre aldeias, povoados e áreas de caça. Na mesma época e região, o INCRA assentou milhares de famílias de pequenos agricultores do sul do país, em glebas de 400 ha de cerrado e campos arenosos de baixa fertilidade, solos totalmente inadequados para o cultivo intensivo de grãos. Esses agricultores estavam sob forte tensão social no sul, pois não tinham 99
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Comunidade Quilombola do Coxipó-açú nas proximidades de Cuiabá - MT
áreas suficientes para plantar e manter suas famílias. A maioria se valia da enxada e do fogo para plantar em suas terras férteis e não tinham, portanto, experiência e domínio da mecanização e dos insumos modernos. Mesmo assim, receberam, do Banco do Brasil, financiamentos para compra de adubos, agrotóxicos e tratores de grande porte para época. O resultado foi catastrófico, com intoxicação de trabalhadores, morte de animais e peixes, e falência econômica da imensa maioria desses agricultores. Eles perderam suas terras, máquinas, veículos e economias oriundos da venda de suas propriedade no sul, tendo que amargar a volta à vida de peão, de meeiros e de bóias frias. A quem serviram estas ações governamentais? As propriedades falidas e desmatadas foram confiscadas pelo BB, postas a leilão e adquiridas por grandes fazendeiros a preços atrativos, para o semeio de braquiária e criação extensiva de gado. As indústrias e comerciantes de insumos e maquinários inadequados para aquela realidade não perderam um tostão, pois as vendas eram casadas com os empréstimos do BB. Nada se comentou ou resultou em responsabilização criminal e financeira dos técni100
cos e dirigentes do INCRA, pela concepção e implantação desses projetos de assentamento. As empresas de planejamento rural e agrônomos que atestaram a viabilidade técnica financeira de cada projeto frente ao BB ganharam altas somas de dinheiro e em nada foram penalizados pelo prejuízo dos agricultores. Grandes fortunas e carreiras políticas foram geradas pela corrupção, falta de patriotismo e desonestidade induzida pela ação pública. A perda de altivez e autonomia de um povo não tem preço, a contabilidade se perde no tempo e nas gerações, e até hoje, economistas não mostraram sensibilidade e capacidade para calcular custos relativos à danificação do meio ambiente e a degradação da vida humana, causadas pela irresponsabilidade e pela incompetência. Esses exemplos são alerta para necessidade de responsabilidade e competência para os que atuam e desejam atuar nas comunidades quilombolas. Valdo França - Engº. Agrº. Foi consultor da Associação Nacional de Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro Brasileiros para assuntos de desenvolvimento sustentado, planejamento, projetos e gestão das áreas quilombolas no GTI QUILOMBOS do GF. Contatos: (61)8144-8483 - Email: consultor.valdo@gmail.com - Skipe: valdofranca-
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Martinho da Comunidade Quilombola Retiro-Bom Futuro em Vila Bela da SantĂssima Trindade, mostrando o sistema tradicional de transporte de aves vivas, feito com folhas novas da palmeira Babaçú
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