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Solo: fonte de alimento e riqueza
O solo é um ser vivo que está sujeito a alterações de acordo com o manejo das lavouras. É responsável pela produção de mais de 95% dos alimentos consumidos pelo homem e ainda desempenha funções no ecossistema, como a regulagem do ciclo hidrológico, reserva de biodiversidade, estocagem de carbono, ciclagem de nutrientes, tamponamento ambiental. “Também é responsável pela biodegradação/ bioremediação de contaminantes”, explica o professor titular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Telmo Amado. Devido a todas as funções desempenhadas pelo solo, uma das preocupação atualmente é com sua degradação e a necessidade de preservação para esta e as futuras gerações.
Conforme o especialista, são vários fatores que levam à degradação do solo, sendo a maioria associados à ação do homem. “A degradação significa o comprometimento do solo em produzir alimentos e desempenhar suas funções no ecossistema. A degradação é um processo evolutivo e já alcança, aproximadamente, 30% dos solos agrícolas”, conta. As principais
Solo mais produtivo
causas são o preparo excessivo do solo, a falta de cobertura (proteção do solo), o superpastoreio e o trânsito de máquinas agrícolas pesadas de forma desorganizada, resultando em compactação. “A erosão hídrica e eólica promove a remoção da camada mais fértil do solo, que é a mais superficial.”
Apesar deste cenário, Amado reforça que o Brasil tem tradição na conservação do solo. “Um dos primeiros programas foi o do Serviço de Conservação do Solo e Florestamento criado em 1952, no qual meu pai, Telmo Amado, trabalhou como engenheiro agrônomo, e que realizou o planejamento conservacionista de lavouras do planalto em colaboração com os Estados Unidos. Após, seguiram-se várias campanhas como a de controle de queimadas, redução da intensidade de preparo do solo até a implantação do sistema plantio direto no início da década de 70. Recentemente, comemoramos 50 anos desde a primeira lavoura implantada por Herbert Bartz em Rolândia, no Paraná.”
Apesar de toda caminhada, o professor destaca que ainda há muito a ser feito. Entre os maiores desafios atuais, aponta a rotação de culturas; a ocorrência
O professor Telmo Amado ressalta que um solo mais produtivo e preservado passa por práticas de fertilização e calagem, além de outras práticas regenerativas que recuperem o teor de matéria orgânica, a atividade biológica e a estrutura do solo. Inclusive, o especialista em solos tem feito palestras que abordam o tema do biomanejo do solo. “É um chamamento a uma reflexão aos agricultores, técnicos e agrônomos da importância da atividade biológica do solo na melhoria da sua qualidade e da recuperação do potencial produtivo.”
Amado reforça que o solo é a base da produção de de chuvas torrenciais com volume de um mês em horas ou dias; o controle da enxurrada; o aumento do uso de plantas de cobertura em consórcio e policultivo; melhoria dos atributos físicos do solo, e o incremento de uso de insumos biológicos. Uma ferramenta aliada dos agricultores para manter a produtividade e preservar as lavouras é a análise de solo, que deve ser realizada a cada dois ou três anos ou quando a produtividade estiver aquém do desejável. “É uma ferramenta muito importante. Atualmente, já é possível fazer, além das análises químicas, as análises biológicas do solo através de enzimas indicadoras da saúde do solo”, destaca. alimentos, por isso é essencial para a vida na Terra. Com o passar dos anos e a redução da área agrícola por habitante, cada vez mais será necessário produzir mais na mesma área. “Isso só será possível se preservarmos os solos produtivos. O Brasil como um país com vocação agrícola e um dos mais importantes na segurança alimentar mundial, deve ter uma atenção toda especial com a conservação do solo. Possuímos uma das maiores áreas agrícolas do mundo e solos com uma diversidade muito grande. É importante desenvolver tecnologias adaptadas às peculiaridades dos principais biomas brasileiros. Este esforço deve ser compartilhado entre agricultores, consultores, técnicos, governo, empresas privadas e sociedade”, finaliza.
A população cresce e as áreas agrícolas diminuem. Cada vez mais é necessário preservar a riqueza do solo em favor da produtividade e da sustentabilidade.
Pela sustentabilidade dos sistemas agrícolas
Para buscar a sustentabilidade dos sistemas agrícolas produtivos, as atividades agrícolas têm que ser praticadas dentro de perspectivas de processos e não de produto. A opinião é do extensionista Josemar Parise, da Emater/RS-Ascar Regional Soledade. “Quando trabalho processos eu levo em consideração diversas variáveis na forma de fazer agricultura de tal modo que o conjunto contribui para a estabilidade da produção ao longo dos anos. Com isso, os sistemas não se degradam”, ensina. Os ganhos se estendem à produtividade das safras. “Se compararmos a resposta de produção agrícola de um solo bem manejado com áreas mal manejadas, a diferença é significativa tanto em anos normais como em anos de estiagem.”
Em períodos de seca, Parise ressalta que a produção chega a ser mais que o dobro quando comparada à produtividade de uma área com bom manejo em relação a outa. “Quando cultivo o solo na perspectiva de sustentabilidade é possível obter produção segura para o produtor, diminuindo a sua vulnerabilidade em caso de ocorrência de eventos adversos como estiagens”, avalia. Para o extensionista, trabalhar de forma sustentável é não degradar as propriedades físicas, biológicas e químicas da área cultivada – e isso passa também por uma boa conservação do solo e da água, com práticas mecânicas em complemento à diversificação de culturas. Atualmente, a Emater atua em consonância com a Política Estadual de Conservação do Solo e Água no Estado do Rio Grande do Sul, através do Programa Conservar para Produzir Melhor.
Na Expoagro Afubra
Parise explica que o programa é composto por três componentes: Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social (ATERS) em Uso, Manejo e Conservação do Solo e da Água; Programa de Reserva/Armazenagem de Água, e Programa de Apoio ao Ensino de Solo e de Água na Escola. “Esse programa continua sendo trabalhado em nível de Estado, porém o foco maior é o componente Uso, Manejo e Conservação do Solo e da Água, onde são implementadas práticas conservacionistas em Unidades de Referências Tecnológicas (URTs) com a finalidade de validar, demonstrar e transferir tecnologias geradas pela pesquisa”, explica. No sistema de produção de URTs, são implantadas lavouras com práticas de manejo para fertilidade e conservação do solo e da água. Nessas áreas, os técnicos avaliam o desempenho das culturas e os resultados são demonstrados através de dias de campo, que reúnem agricultores que podem replicar as técnicas nas suas propriedades. “O agricultor precisa se conscientizar que investir em solos é ter uma produção mais segura, com impactos menores quando ocorrer adversidades climáticas, como estiagens. Pode começar em pequenas áreas e ir aumentado gradativamente, conforme a sua disponibilidade de recursos financeiros”, indica.
Uma unidade de transferência de tecnologia para os agricultores fica no Parque da Expoagro Afubra. Na última edição da feira, por exemplo, foram implantadas parcelas com culturas econômicas tradicionais da região e parcelas com plantas de cobertura sem objetivos de colheitas. Através de trincheira aberta no local, foi apresentado aos visitantes da Expoagro Afubra como se desenvolve o sistema radicular das referidas espécies em condições de lavoura e em condições de solo bem estruturado, onde as raízes se desenvolvem sem o solo oferecer resistência. “Os agricultores puderam ver, na prática, o potencial que as plantas têm em desenvolver o sistema radicular quando as propriedades físicas do solo são favoráveis. Raízes das culturas mais desenvolvidas são segurança na produção. Com sistema radicular mais robusto, as plantas buscam água em camadas de solo mais profundas, resistindo mais às estiagens”, explica o extensionista Josemar Parise.
Mais produtividade, menos custos produtivos
Na localidade de Fontana Freda, em Jaguari, no interior do Rio Grande do Sul, o produtor Alesson Della Flora, de 39 anos, há anos vem fazendo calagem para melhorar o pH do solo e a neutralização do alumínio. Na propriedade de 60 hectares, também realiza análise de solo anualmente para definir a melhor fórmula de fertilizante a ser usado conforme a deficiência das áreas, principalmente de fósforo (P). Com relação à conservação do solo, a cobertura com palhada de aveia e azevém é uma das principais ações adotadas. Nos últimos anos, a rotação com o trigo no inverno tem sido também uma prática que vem contribuindo com a conservação da estrutura do solo, bem como o aumento dos teores de matéria orgânica.
“Estas ações de incremento de palhada sempre serão uma das mais importantes práticas na construção de perfil de solo, pois estão diretamente relacionadas na melhoria dos fatores físicos, químicos e biológicos do solo”, comenta o agricultor, casado com Vivian Sampaio Della Flora, pai de Camila Sampaio Della Flora. Na propriedade, são cultivados seis hectares de cana-de-açúcar, 50 hectares de soja, 30 hectares de trigo (cultura de inverno em rotação com soja), mais pastagens anuais e áreas de campo nativo. Entre as atividades, ainda estão a pecuária e a apicultura. Ao longo de mais de dez anos plantando na palhada e fazendo calagem das áreas, Flora comemora os resultados obtidos ano após ano.
Conforme o produtor, a maior percepção foi na última safra 2021/2022, quando se teve uma estiagem bastante severa. “Mesmo assim, nas áreas onde se vem trabalhando com práticas conservacionistas foi bastante expressiva a diferença de produtividade com relação às áreas sem coberturas ou exauridas pelo uso com pecuária no inverno”, revela. Diante de melhorias expressivas, o plano é seguir melhorando o manejo, sempre focando em aumentar matéria orgânica, que é um dos principais fatores de produtividade. Flora pretende seguir o monitoramento das áreas através da análise de solo para realizar as correções necessárias. “O objetivo destas ações é diminuir o volume de fertilizante anualmente, diminuindo consequentemente o custo de produção.”