Revista CORPOVÍTREO

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Revista experimental de jornalismo visual

CORPOVĂ?TREO - vOLUME UM


CORPO VÍTREO


PÁGINA 32 - Realidade e criatividade Aghata Gontijo PÁGINA 28 - Reportager narrativa visual Aghata Gontijo

PÁGINA 20 - Notícia ilustrada Aghata Gontijo PÁGINA 14 - Dos fatos aos traços Aghata Gontijo

PÁGINA 4 - Charge, cartum e caricatura Amaro Júnior

PÁGINA 8 - A rte de Aline Zouvi Aghata Gontijo

ÍNDICE

Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação Projeto final em Jornalismo Aluna: Aghata de Lima Gontijo Professora orientadora: Célia Matsunaga Imagens: Ilustrações: Aline Zouvi Corpas em Risco (LoveLove6 e Desalineada) Reportager (Veronica Lawlor) Alexandre de Maio Correio Braziliense (Meurenilson Freire, Lucas Pacífico, Kleber) Colaboradores: Amaro junior Projeto gráfico: Aghata de Lima Gontijo Diagramação: Aghata de Lima Gontijo Edição: Aghata de Lima Gontijo


cHARGE cARTUM E cARIcA TURA

Texto por Amaro Júnior As ilustrações pertencem aos autores creditados

S

eu significado vem do francês: “carga”. O que talvez já explique quase tudo. A charge é um peso grande na consciência de alguns políticos e celebridades. Um comentário gráfico impiedoso exposto à opinião pública com um único resultado: uma espécie de bigorna atirada sobre a cabeça de todos nós. A charge não ilustra um artigo, uma reportagem, uma crônica, ou qualquer gênero literário. Ela, a charge, literalmente ilustra um acontecimento. Não pode ser somente engraçada ou meramente ilustrativa. Ela

deve ser agressiva, pungente e perspicaz. Os chargistas costumam ter espaço diário em um veículo de comunicação e a ele, esbanjam a criatividade e o grafite sempre apurados. Muitas vezes acordam com um desenho na cabeça, outras dormem. Mas em grande parte tiram a ideia da cartola momentos antes de publicarem. Isto é fazer uma charge. Súbita como uma foto e prolixa como uma reportagem. Mas se charge é tudo isso, o que seria a caricatura? Existe diferença? Podemos dizer que sim. A caricatura é um desenho com proporções exageradas de uma personalidade. Quanto mais celebre

for a pessoa, maior será o impacto da caricatura. Em princípio, a caricatura não é uma crítica social. Ela apenas se concentra na figura do caricaturado. Ao contrário da charge que usa o recurso da caricatura de pessoas famosas para criar, por exemplo, um questionamento político. Humor Gráfico é o nome dado a estes dois gêneros de ilustração. Ainda podemos classificar um outro tipo. Isso mesmo! Existe um outro estilo, digamos ramificação: o cartum. É uma forma mais universal de se ilustrar uma situação. Geralmente não possui personalidades. Trata apenas do exagero, da criação de um cenário mais abrangente, onde a condição humana e problemas de ordem mundial são os pratos prediletos dos cartunistas. 4


Confira nos desenhos de humor gráfico que acompanham este texto e veja se é possível identificar a sutil diferença. Se não conseguir após essa breve explicação, talvez isso explica a razão de eu preferir desenhar a escrever. Pelo menos, ria se puder.

David Levine

André Dahmer

Laerte Coutinho

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6


D

A ARTE DE ALINE ZOUVI Texto por Aghata Gontijo As ilustrações pertencem aos autores creditados

esenhista e pesquisadora, Aline Zouvi é uma presença forte que liga a cena das publicações independentes e dos grandes veículos. A artista já publicou diversas vezes seus cartuns na Ilustríssima, do jornal Folha de S.Paulo e lançou, neste ano, o quadrinho Óleo sobre tela, pela editora Ugra Press. Atenta ao posicionamento das mulheres na produção de arte política e opinativa, participou da criação do projeto Políticas, coletivo de mulheres que produzem cartuns, charges e tiras de conteúdo político. O traço característico e as piadas tragicamente engraçadas são as premissas da arte de Aline Zouvi. Como começou a sua carreira e o que te trouxe até a produção atual? Sempre desenhe i , mas d e m o r e i anos para entender e aceitar que poderia desenhar profissionalmente. Me aproximei dos quadrinhos através da pesquisa acadêmica - fiz mestrado sobre os quadrinhos autobiográficos da Alison Bechdel. Depois de concluir o mestrado, decidi que não queria apenas pesquisar quadrinhos, mas queria também desenhar os meus próprios. Foi a partir de 2016, então, que comecei a me desenvolver na produção de quadrinhos, cartum e ilustração.

O que pensa sobre a presença dosdesenhos, cartuns e ilustrações no espaço jornalístico e sobre o potencial do desenho para transmitir informação? Vejo a presença da imagem (seja desenhada ou fotografada) como algo indispensável no espaço jornalístico, já que também é parte indissociável da nossa sociedade. A união entre texto e imagem produz c a m a da s de s ent ido que enriquecem o pensamento crítico do leitor, sendo, assim, de extrema importância como ferramenta de transmissão de informações. Acredito que o poder de resumo do desenho, assim como

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A sua produção para a Folha de São Paulo é bastante conhecida, como é trabalhar com um grande jornal brasileiro? Trabalhar para um grande jornal brasileiro é, para mim, enquanto quadrinista mulher, pessoal e politicamenteimportante. Considero essencial todo espaço dado a cartunistas e quadrinistas em jornais, sendo importantíssima a presença de mulheres nesta área. O processo da publicação do cartum é simples: o editor do caderno (no meu caso, o caderno Ilustríssima) me envia a pauta da semana. Dependendo do tema, envio algumas opções de rascunho ou uma versão já finalizada para análise, e faço alterações no texto ou na imagem, quando necessário, para uma aprovação final.

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Como é desenhar o país - no sentido de desenhar a atualidade - em um quadro? Eu diria que desenhar o Brasil em um quadro é, no mínimo, um exercício instigante. Quase de s e s p e r a d o r . A o mesmo tempo, é um ato importante, principalmente para cartunistas mulheres que, no Brasil, não têm muita visibilidade - motivo de eu ter participado da criação do projeto Políticas. Ressignificar a atualidade em imagem pode fortalecer tanto quem desenha quanto quem lê o que é produzido, ainda mais tratando-se da nossa atualidade bizarra e assustadora, que às vezes não temos mesmo ânimo de tentar apreender. Como você vê a produção nacional de cartum? A internet facilitou a proliferação de entusiastas do cartum - algo ótimo mas que, ao mesmo tempo, torna um pouco difícil

Aline Zouvi

seu possível viés humorístico, transformaram a charge e o cartum em instrumentos preciosos de comunicação política.

"desenhar o Brasil em um quadro é, no mínimo, um exercício instigante." 10


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enquanto que o jornal continua sendo o veículo mais importante para se ler e contextualizar cartuns, apesar da importância da internet. Fico contente, também, por observar a maior visibilidade dada à produção de cartuns feitos por pessoas pertencentes a minorias sociais.

Por que você faz cartum? Desenhar cartuns para o jornal é algo que faço com muito prazer, pois é uma das minhas paixões, ao lado dos quadrinhos. Sempre me interessei pelo poder de expressão que um só quadro pode conter, e fico fascinada ao observar artistas que conseguem dominar este nível de concisão. Faço cartum para me expressar e ser lida, de forma, direta e substituível, mesmo que haja vários sentidos em um mesmo desenho - acredito que esta forma de expressão também seja importante.

Aline Zouvi

Aline Zouvi

acompanhar toda a produção feita. De todo modo, fico contente em observar certa motivação nesse sentido - não obrigatoriamente para a produção de cartum, mas também de charges, tendo em mente o período terrível pelo qual o Brasil está passando. Tenho a impressão, pelo menos por

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Dos fatos aos traços

I

maginemos que você quer se informar, ler as notícias, saber tudo o que aconteceu hoje no seu país e no mundo. Você a) compra um jornal físico em alguma banca; b) liga a televisão em um canal de notícias; c) abre a página online do portal de atualidades mais acessado; ou d) acessa o perfil de um coletivo de ilustradoras? A quarta opção pode até parecer estranha, mas é tão real quanto as demais. A análise do fato, matérias e até mesmo coberturas jornalísticas já são feitas tendo o desenho como base de registro. Desenhistas se dedicam a capturar um momento ou mesmo um contexto nas pontas de seus lápis, canetas, e pincéis. Por meio das impressões, das expressões e das figuras (humanas ou não), cenas e acontecimentos são reconstruídos com nenhuma ou poucas linhas de texto.

Texto por Aghata Gontijo As ilustrações pertencem aos autores creditados


Organização digital A gênese do Corpas em Risco remonta a um outro coletivo de mulheres, como conta Daniela Marino, assessora do grupo. Daniela explica que a ideia do movimento surgiu dentro de um grupo do Facebook que reúne mais de três mil mulheres quadrinistas e “fanzineiras”: o Zine XXX.

Ilustração por Lovelove 6

As artes produzidas no período são de autoria de diversas colaboradoras. Os variados estilos mantém em comum o tema da descriminalização do aborto e uma paleta de cores constituída de variações de verde, cor que ficou conhecida como símbolo da luta pela descriminalização do aborto na América Latina.

A Audiência promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) discutiuotema da descriminalização do a b o rt o até a 1 2ª s e mana de gestação. Durante os dois dias de

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exposições, especialistas e representantes de diversos setores da s ociedade apresentaram seus argumentos e pontos de vista sobre o assunto. Toda as falas foram abertas ao público e também à imprensa que realizou a cobertura tradicional. Fora dos jornais, as artistas do Corpas em Risco produziram quadrinhos e cartuns que registravam, em imagem e crítica, as passagens mais marcantes da Audiência Pública.

Ilustração por Desalineada

O coletivo de arte visuais Corpas em Risco é um exemplo dessa prática. Inspiradas por uma causa, as participantes do grupo decidiram se dedicar, em agosto de 2018, à cobertura da Audiência Pública da ADPF 442 toda feita em desenho.

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“A partir das discussões dentro do grupo, várias artistas entenderam que era importante se posicionar a respeito da questão do aborto e começaram a articular as maneiras de fazer isso”, explica. O modo escolhido foi a divulgação dos desenhos em várias plataformas de redes sociais. Ao mesmo tempo que

a Audiência Pública acontecia, as desen hist as p ost avam seus trabalhos em favor da descriminalização. Por que desenhar? Os desenhos postados sob o nome do Corpas em Risco serviram a propósitos que vão além da arte e do jornalismo.

"As imagens comunicam mensagens de forma que muitas vezes a palavra escrita não consegue." 17

Produzidos acerca de um tema de recorrente debate no Brasil, o Coletivo precisou refletir quanto à melhor forma de colocar os registros, relatos e opiniões das colaboradoras.

paradigmas e desmistificar a ideia de que mulheres não falam sobre política ou de que mulheres não fazem quadrinhos sobre determinados temas”, pontua.

“As imagens comunicam mensagens de forma que muitas vezes a palavra escrita não consegue. Seu alcance costuma ser maior por ser mais facilmente assimilada do que um texto escrito. É mais impactante”, opina Daniela Marino.

O fato e a imaginação

“É por meio do ativismo e da arte que as mulheres consegu e m e xpressar experiências e sentimentos que costumam lhes ser negligenciados em grande parte das produções. Principalmente, é por meio desse ativismo que conseguimos quebrar

Durante a cobertura da Audiência Pública, as artistas produziram quadrinhos, reproduziram falas e registraram, em seus traços, imagens dos expositores em um tempo muito próximo ao da realidade dos fatos. Os desenhos, as notícias tradicionais e o próprio debate se entrelaçaram em um mesmo espaço temporal e acabaram por oferecer diversas formas e facetas de uma mesma cobertura. “A principal motivação em publicar as ilustrações e charges no momento da audiência, foi que além de informar quem nos acompanha, também podemos deixar registradas as impressões que tivemos ao longo do processo. Ou seja, ainda que a ideia tenha sido comunicar os acontecimentos em tempo real, as artes passam a ser um registro histórico de como muitas mulheres foram afetadas pelas audiência”, relata Daniela Marino. Aspas de falas reais distribuídas em balões de quadrinhos; imagens vivas adaptadas com cores fantásticas e traços simplificados. Assim, nessa interessante mistura de realidade e criatividade, o Coletivo Corpas em Risco cumpriu o seu objetivo de engajar, documentar e informar. 18


Texto por Aghata Gontijo As ilustrações pertencem aos autores creditados

Notícia

A

h, a vida nas redações! Esse habitat que abriga diversas espécies, por vezes extremamente diferentes entre si, depende mesmo de muito trabalho, respeito e doses extras de café para garantir uma existência harmoniosa no

dia a dia de quem produz as notícias Caminhando nesse espaço, por entre as telas de computador e os teclados barulhentos, logo depois das tevês com o volume no mínimo, entre algumas cabines e papéis de aquarela é possível encontrar uma espécie nativa das redações: os desenhistas.

Presentes aqui há muito tempo, divididos entre a produção de desenhos realistas, ilustrações chamativas, surreais e um certo garoto amarelo¹, os desenhistas conquistaram o seu espaço no jornalismo. A Corpo Vítreo foi explorar um pouco desse universo em uma visita aos profissionais do jornal Correio Braziliense, em sua sede em Brasília.

¹ The Yellow Kid (O Menino Amarelo) foi a primeira tirinha a ser publica. Estreou oficialmente no jornal New York World, em 1895.


"Eu transformo a informação que eles (jornalistas) mandam em algo mais visual"

Alívio da página Lucas Pacifico desenha para o veículo há quatro anos. Seu ingresso no Correio Braziliense veio logo após o estágio no Jornal de Brasília. Formado em Artes Plásticas, o desenhista conta que o trabalho que desenvolve hoje foi aprendido mais na prática do que na acadêmia. “O curso de Artes Plásticas não tem muito o foco comercial, tem o foco de estudar arte”, explica. Hoje, ele atua, principalmente, como infografista no jornal. Em suas próprias palavras, ele define a atividade: “A galera quer um mapa da dengue, aí manda as informações com os casos que teve no DF, por exemplo, e eu transformo a informação que eles (jornalistas) mandam em algo mais visual para não deixar só o textão jogado”.

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Lucas Pacífico para o Correio Braziliense em infográfico sobre folha de pagamento dos

“O infográfico funciona para sintetizar as informações

Três Poderes

Nessa atividade entra a sua formação como artista, uma vez que os infográficos podem exigir desenhos e também noções de diagramação, tudo para transmitir a mensagem de maneira concisa, o que, segundo Pacifico, é um prérequisito nesse tipo de arte.

porque, às vezes, o leitor não quer ler muito, quer ir direto na informação e o infográfico resolve isso para ele." Para o desenhista, a ilustração no jornal é uma questão de interpretação e também leveza. Nas páginas que, sem a ilustração, seriam lotadas de texto formando uma mancha cinza pouco atrativa, os desenhos podem chamar a atenção e também ajudar na leitura. “Na minha visão a ilustração dá uma aliviada e além disso

deixa a matéria mais atrativa para o leitor. O ser humano é muito visual, então ali ele para, dá uma olhada, e se for um assunto que interessa, vai ler. O desenho é como se fosse a isca”, reforça. Por um futuro mais visual Maurenílson Freire já habita a mesma redação há cerca de 18 anos. Com formação em publicidade, o trabalho no Correio Braziliense foi a sua primeira experiência com ilustração jornalística. Apesar da inexperiência, a empreitada foi um sucesso que lhe rendeu peças de qualidade reconhecida por especialistas e leitores. “Eu tive uma longa lua de mel no jornal porque eu sempre gostei muito de fazer desenho, mas eu descobri que gostava mesmo era de casar o texto com a arte. Quando você tira o texto de algumas artes fica um buraco, dá para ver nitidamente que falta alguma coisa, e muitos dos prêmios que a gente ganhou aqui na editoria de arte foram por conta desse casamento”, explica. A crise dos jornais, no entanto, também afetou o trabalho dos desenhistas. A equipe do Correio Braziliense passou por uma 22


"É um recurso visual muito poderoso, Você bate o olho e já vê do que se trata"

para o jornal, porque por mais rápido que ele seja, nunca vai alcançar a internet, então a gente devia ir para o lado da análise do acontecimento. É aí que entra, por exemplo, um infográfico”.

Maurenílson Freire para o Correio Braziliense em matéria sobre nomes que disputam a presidência e não têm filiação partidária

redução de mais da metade da sua força e com isso, a carga de trabalho aumentou, o que acabou afetando o tempo de produção. Além disso, o Correio Braziliense perdeu uma posição de extrema importância nesse trabalho: o diretor de arte. Em meio a tantas d i f i c u l d a de s , a q ual i d ad e d as páginas produzidas nem sempre é o principal e, muitas vezes, acaba perdendo para as soluções rápidas.

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“O diretor de arte faz uma falta muito grande porque a equipe muitas vezes tem que entrar em um embate com o editor de outra editoria. Você tem que lutar para fazer valer a sua opinião”, conta Maurenílson. “Graficamente, definitivamente, da época que comecei aqui até hoje, caiu bastante a qualidade’, opina. Mas o profissional não se dá por vencido. Para ele há uma

esperança para os jornais e ela está fortemente atrelada à compreensão da importância dos elementos visuais no jornalismo e à sua aplicação mais consciente. “Não existe, na minha percepção, a preocupação de formar uma nova geração de jornalistas com uma visão mais gráfica da informação. Eu acho que isso poderia representar uma renovação

Maurenílson atribui à ilustração o papel de formar, juntamente com o texto, o clima da matéria. Uma página onde imagem e ilustração dizem coisas diferentes, segundo ele, pode ser confusa, ao mesmo tempo que em uma situação onde ambos caminham juntos, a experiência do leitor será mais completa. Na opinião do profissional, o desenho ainda age como uma espécie de “embalagem” para a matéria e é crucial como ferramenta da síntese. “O papel da ilustração aqui no jornal é de chamar a atenção do leitor para a matéria. É um recurso visual muito poderoso, você não vai olhar uma página e entender sobre o que a matéria discorre. No desenho não. Você bate o olho e já vê do que se trata e ao mesmo tempo a ilustração também pode mudar completamente a cara do texto”, destaca.

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Em busca do lugar perfeito Sentado na mesma baia está Kleber Sales, artista que desenha para o Correio Braziliense há 21 anos. Bacharel em Artes Plásticas, o trabalho com jornais começou por uma necessidade. Em busca de se sustentar na faculdade, o jovem Kleber conseguiu um estágio em uma revista dos Correios e Telégrafos e encontrou na ilustração jornalística uma profissão. Contratado pelo Correio Braziliense para trabalhar com infográfico, Kleber apenas realizava pequenos trabalhos de ilustração no começo. Com a redução da equipe, no entanto, suas atribuições expandiram e hoje ele desenvolve, principalmente, ilustrações e charges. Para o desenhista, a crise do mercado de impressos abala o campo de trabalho, pois ainda não se conhece exatamente o lugar ou o melhor jeito para 25

empregar as ilustrações jornalísticas nas páginas digitais. “A ilustração dá outro tipo de dimensão, principalmente para artigos. No impresso ela já tinha um lugar estabelecido, mas quando passa para o digital, o uso ainda não equalizou, não tem a mesma importância do impresso”, considera. Para o artista, é importante que se mantenha a relação que existe entre o texto e a ilustração no impresso, onde a página é construída para que ambos existam com a mesma importância e destaque. Apesar de reconhecer a dificuldade, Kleber Sales já cita experiências que podem indicar um norte a seguir. “Eu fiz há um tempo atrás um desenho para a Revista Piauí e eles usam o desenho no site de forma um pouco parecida com o impresso, no sentido de que ele tem uma

importância como chamada. Isso já é uma tentativa de dar valor para o material que já está disponível para eles”, cita. Na opinião de Kleber Sales há um interesse e boa vontade por parte dos jornalistas e profissionais da redação de compreender a importância do trabalho realizado por eles. No entanto, existe uma dificuldade que ultrapassa os limites da redação: a falta de cultura visual. “Acredito que existe uma boa vontade de que as matérias sejam ilustradas, há uma importância que eu acho que todo mundo dá. Mas não há uma cultura visual. Nós damos pouco valor e difundimos pouco isso. As pessoas conhecem pouco a arte de forma geral e isso vai gerar um efeito também aqui”, esclarece.

Kleber Sales para o Correio Braziliense em uma charge do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha

"No impresso a ilustração já tinha um lugar estabelecido, quando passa para o digital, o uso ainda não equalizou, não tem a mesma importância"

26


O

jornalismo que tem como ferramenta principal o desenho não é uma novidade. Grupos de artistas repórteres já trabalham desta forma por todo o mundo. Páginas como a do Reportager, site britânico da Uiversity of The West of Engalnd, já atuam na reunião de narrativas e registros jornalísticos feitos em desenho.

REPOR TAGER

A iniciativa existe para “apoiar, iniciar e apresentar projetos que envolvam o desenho como reportagem, jornalismo visual, documentário e ensaio visual”, de acordo com o site oficial que hospeda o trabalho de variados artistas.

NARRATIVA VISUAL

A apresentação dada ao primeiro livro do projeto, Reportage Illustration - Visual Journalism, explica: “O poder da reportagem em desenho está na relação imediata das imagens criadas e na sensação da presença do ilustrador no local. Comparável de algumas formas ao fotojornalismo, ilustradores de reportagens estão atuando como jornalistas visuais, criando proativamente trabalhos narrativos sobre problemas e outros assuntos, traduzindo o que eles presenciam em imagens criadas à mão”. Na obra, de organização de Gary Embury e Mario Minichiello, os capítulos apresentam a história da reportagem em desenho, estudos de casos e entrevistas

Texto por Aghata Gontijo As ilustrações pertencem aos autores creditados 28


com profissionais da área, como os artistas Olivier Kugler e Julia Midgley. Além disso, o livro apresenta uma série de exemplos que mostram como desenvolver narrativas e também como se tornar um jornalista visual. Relato ilustrado Em 20018 o Reportager publicou uma coletânea do trabalho de mais de 20 artistas de reportagem ilustrada. O que uniu as produções foi o fato de todas elas terem sido criadas no local e no momento, sem correção ou embelezamento. A artista Veronica Lawlor aparece como uma das convidadas que integram a coletânea. Um desenho de sua autoria sobre uma greve de trabalhadores em Nova York, em 2012,

ocupa um espaço destaque na página.

de

Sobre a arte, Lawlor conta que a cena do protesto a capturou a ponto de leva-la a sair do seu estúdio para desenhar o que acontecia do lado de fora. “O que eu mais gosto sobre a reportagem ilustrada é a espontaneidade dela”, declara.

Artistas

Rachel

citados pelo

Gannon

Reportager

12

1

Jake Abrams

Sue Coe

13

2

Marshall

Melanie Reim

Arisman

3

14

Roderick Mills

George

4

Sander

Veronica

15

Lawlor

Chloé Regan

5

16

Dave Sparshot

Matthias

6

Beckmann

Mario

17

Minichielo

Michelle

7

Cioccoloni

Howard Read

18

8

Mitch Miller

Julia Midgley

19

9

Gary Embury

Daniel Zalkus

20

10

Feliks Topolski

Steve Wilkin 11

Veronica Lawlor Strike, NYC

29

30


REALIDADE CRIATIVIDA REALIDADE REALIDADE & CRIATIVIDADE

Texto por Aghata Gontijo As ilustrações pertencem aos autores creditados


Alexandre de Maio para o jornal Folha de S. Paulo em quadrinho sobre o futuro dos rolezinhos.

H

istórias reais retratadas pelo traço de um artista. As produções do jornalista Alexandre de Maio representam com fidelidade o que é o jornalismo em quadrinhos. Um gênero que vem sendo explorado recentemente por uma geração de profissionais que encontraram nesse caminho de intersecção entre a arte e a notícia, a resposta para uma carreira.

A

os 20 anos de idade, Alexandre de Maio publicou a sua primeira revista. O conteúdo era uma mescla de reportagens sobre RAP, cultura Hip Hop e 16 páginas de quadrinhos. Mas essa não foi a sua estreia. O primeiro quadrinho produzido por Alexandre f o i sobre uma briga entre traficantes no bairro em que morava em São Paulo. “Eu pensei: poxa, talvez eu goste de fazer histórias em quadrinho com acontecimentos reais. Talvez seja um caminho diferente de desenhar superheróis”, conta o artista. Em 2006, Alexandre publicou o seu primeiro quadrinho. ‘Os inimigos não mandam flores’ (Pixel Media) é fruto de uma colaboração entre o quadrinista e o romancista Ferréz, que busca retratar a periferia por meio de desenhos. Quatro 33

anos depois, o artista foi convidado pela editora Catraca Livre para produzir reportagens em quadrinhos sob o seu selo. A mudança permitiu que o desenhista juntasse suas duas paixões e publicasse constantemente, um quadro diferente do proporcionado pelo cenário de produção e publicação de quadrinhos no Brasil. “Publicar quadrinho no Brasil é muito demorado e demanda muito esforço, então você consegue publicar de dois em dois anos. O jornalismo em quadrinhos me deu a oportunidade de estar sempre desenhando e publicando uma história interessante”, esclarece. No tempo em que esteve produzindo para a Catraca Livre, Alexandre lançou mais de 40 publicações no gênero. A

produção robusta lhe concedeu experiência e qualificação para ser conhecido como um nome relevante da produção de jornalismo em quadrinho nacional.

a notícia em quadrinho. Para isso, é preciso seguir também os passos de produção, como elaboração do roteiro, balonamento etc.

Em 2014, a reportagem especial que realizou em parceria com a jornalista Andrea Dip, ‘Meninas em Jogo’, foi contemplada pelo prêmio Tim Lopes de Jornalismo.

O produto final é o melhor dos dois mundos: histórias reais e e mocion a n t e s , passadas de uma forma diferente, ideal para prender a atenção dos leitores e conquistar novos públicos.

“O jornalismo em quadrinhos é um campo do jornalismo. Assim como vocêtem a crônica, reportagem, jornalismo literário você tem o jornalismo em quadrinhos. Ele é mais um formato, mais uma forma de falar sobre um fato”, define.

“Acho que quando você usa os quadrinhos o desenho ele tem o papel de passar toda a informação. Assim como um ângulo escolhido pela fotografia o u c o m o a s p a l a v r a s escolhidas por um texto, na hora que você escolhe se é colorido ou não, se é preto e branco, o ângulo, o estilo do traço, a perspectiva da cena, tudo isso influencia.”

Alexandre destaca que na produção do quadrinho, a parte jornalística é a mesma, com apuração, checagem de fatos etc. a diferença está mesmo em transformar

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