Projeto de Pesquisa: Violência contra a mulher negra no Brasil – Estudo comparativo entre o Jornal Folha de São Paulo e o Portal Online Geledés Instituição: UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. FAAC – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Programa: Programa de Pós-Graduação em Comunicação Beneficiária: Agnes Sofia Guimarães Orientadora: Caroline Kraus Luvizotto Área: Ciências Sociais Aplicadas I RESUMO
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Apesar da existência de leis como a Maria da Penha (Lei 11.340) e a do Feminícidio (Lei 13. 104/15), a sociedade brasileira ainda precisa lidar com os índices cada vez maiores de violência contra a sua população feminina. Isso torna-se mais perceptível quando há o recorte racial, conforme resultados recentes de pesquisas como a última edição do Mapa da Violência, que observa o aumento substancial da morte de mulheres negras em comparação a um pequeno declínio de casos contra mulheres brancas. Enquanto este fenômeno torna-se uma pauta cada vez mais prioritária para ativistas e blogueiros dedicados ao movimento negro, o agendamento da Imprensa para o tema ainda encontra vários desafios; estudos apontam que a cobertura realizada pelos principais jornais do país ainda carregam estereótipos sensacionalistas e constroem narrativas que trabalham sobre os casos como ocorrências policiais isoladas e sem a contextualização social e histórica necessárias. O objetivo desta pesquisa é analisar a abordagem feita sobre as questões de gênero e cor, especialmente, as relacionadas à violência cometida contra a população negra feminina, pela imprensa tradicional e pela sociedade civil, que se manifesta em blogs e portais de notícia na internet. Especificamente, pretende-se a) identificar os temas e os valores presentes na cobertura noticiosa da Folha de São Paulo de casos de violência contra a população negra feminina e compará-los com o agendamento realizado por blogueiras negras filtradas pelo Portal Geledés; b) mapear as formas de apropriação do ciberespaço (fontes, ferramentas de produção de conteúdo utilizadas) feitas pelos blogueiros para a elaboração de seus textos, principalmente aqueles que denunciam casos de violência contra mulheres negras brasileiras; c) descrever, a partir de valores de noticiabilidade (editorias, fontes ouvidas, temas abordados, enquadramentos, entre outros elementos), a forma como ocorre a cobertura noticiosa dos casos dentro do jornal selecionado; e d) estabelecer critérios que possam contribuir para a elaboração de uma cobertura noticiosa mais comprometida com a denúncia dos principais problemas enfrentados por minorias sociais constantemente excluídas do agendamento.A pesquisa pretende alcançar seus objetivos a partir do estudo comparativo entre o material noticioso da edição impressa e online da Folha de São Paulo, o maior jornal do país, e o conteúdo de blogueiras negras divulgado pelo Portal Geledés, site que divulga o material produzido por blogs ligados ao movimento negro e que é referência internacional no combate ao racismo e suas violências.
Palavras-chave: Imprensa; Agendamento; Violência; Ciberespaço; Feminismo Negro
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1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Antes de abordar o tema da violência de gênero, seu recorte interseccional e a forma como é retratado pela mídia, é necessário conceituar o que é gênero, violência de gênero e sua forma mais incidente entre os casos da sociedade: a violência contra a mulher. No Brasil, a luta dos movimentos das mulheres começou a ganhar força a partir da década de 70, quando houve grupos feministas que se articularam com outros movimentos sociais da sociedade civil contra as arbitrariedades provocadas durante o regime militar, além de reivindicações por questões como moradia, reforma agrária e questões trabalhistas. Não havia um atendimento público para mulheres vítimas de violência doméstica, e o aumento de estudos e debates sobre o tema, durante a década de 80, contribuíram para o início de políticas públicas voltadas ao problema. Foi neste mesmo momento que o conceito de gênero passou a ganhar outro significado no país, segundo Santos (2011): a academia passa a usar o termo como categoria analítica em trabalhos de portes diversos, desde artigos até teses de doutorado, ainda que de uma forma destituída de sistematização. Segundo a autora, algo que também contribuiu para um contexto favorável às lutas foi o destaque que o tema recebeu a nível internacional, com a implementação do Ano Internacional da Mulher pela Organização das Nações Unidas, em 1975, acompanhando a articulação cada vez maior de movimentos feministas europeus e norte-americanos, intensificados com os movimentos estudantis da década de 1960 e com as lutas pelos direitos civis na mesma época, respectivamente.
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A discussão do uso do gênero como uma categoria analítica social foi reforçada pelos estudos de autores como Scott (1986), que atenta para o uso do conceito como uma forma de analisar o papel feminino e masculino em conjunto, reconhecendo que há uma influência do modo como a construção da masculinidade foi construída e perpetuada sobre o estabelecimento de padrões para as mulheres. Dessa forma, usar o gênero como método seria uma forma de identificar uma luta de controle social, em que a análise da opressão simbólica pela qual as mulheres foram vítimas do patriarcado, predominante ao longo da História, faria compreender a dificuldade, até hoje enfrentada, pelo combate à violência de gênero. Em outras palavras, pode-se dizer que o gênero possui duas frentes específicas: gênero é "um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder" (SCOTT, 1986, p. 21) . E a partir do momento em que, no Brasil, houve um esclarecimento maior sobre a natureza dessa violência, em consonância com o processo de redemocratização do país, políticas públicas contra o problema começaram a serem implantadas, com a criação de Delegacias para Mulher e a aprovação da Lei da Maria da Penha. Mas apesar das conquistas das últimas décadas, a população feminina ainda encontra dificuldades para o enfrentamento dessa violência, dada a grande carga simbólica de controle social que ela carrega, entre outras dificuldades. Ao mesmo tempo, há uma grande dificuldade para a formação de uma opinião pública que esteja pronta a rechaçar e a combater de forma mais incisiva esse problema social, tal como será exposto a seguir. Ao realizar uma pesquisa sobre a presença de temas ligados à mulher brasileira na mídia, a ANDI-Comunicação e Direitos, organização da sociedade civil dedicada ao monitoramento midiático, em parceria com o Instituto Patrícia Galvão e a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, chegou a dados que foram motivo de preocupação pelas entidades envolvidas na pesquisa. Sobre o tema “violência”, a pesquisa encontrou 1506 textos noticiosos publicados dentro de um período de 12 meses, e dentro deste corpus de pesquisa houve a constatação dos seguintes resultados:
Há uma espécie de individualização do problema, ou seja, segundo a instituição de pesquisa, os fatos são relatados “a partir de um viés policial, deixando de lado uma abordagem mais ampla do problema”. Ao todo, 73,78% das notícias foram contabilizadas dessa forma.
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A pesquisa conclui que há um viés sensacionalista no agendamento dessas histórias, já que o assunto vira notícia “especialmente quando a agressão for cometida por motivação passional e com crueldade”.
Apenas 2,13% das notícias sobre o assunto abordam políticas públicas, em que há um negligenciamento da Imprensa no que concerne a monitorar ações do poder público ao combate de problemas sociais.
Mais de 80% das notícias analisadas não apresentam as complexidades da violência contra as mulheres, e não oferecem uma análise crítica sobre o fenômeno A pesquisa dividiu-se em três eixos temáticos – Violência Contra a Mulher;
Mulher e o Trabalho; Mulher e o Poder. No entanto, apesar de sua importância devido ao envolvimento das instituições mencionadas – entre elas uma que pertence ao poder público (a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres), a pesquisa carece de conclusões sobre a presença de questões de raça e classe das vítimas nas notícias que foram analisadas. O dossiê ressalta que deve haver um cuidado maior à cobertura de casos de violência de gênero, mas não se atenta às particularidades dos tipos de violência contra mulheres brancas e contra as mulheres negras, ausência de discussão racial que, para Crenshaw (2004), além de ser uma lacuna comum entre as discussões sobre políticas públicas para mulheres, é um problema, pois negligencia as vulnerabilidades enfrentadas pela população negra feminina, duplamente marginalizada pela sua cor e pelo seu gênero. A afirmação da autora encontra dados reais na última edição do Mapa da Violência, pesquisa da Organização das Nações Unidas que constatou que, entre 2003 e 2013, houve a mudança de 1746 vítimas para 1576, representando uma queda de 9,8%, enquanto houve o aumento dos casos contra mulheres negras: 1864 para 2875, ou seja, um aumento de 54% (WAISELFISZ, 2015). Para Crenshaw (2004), é necessário mudar o lugar da vítima, a mulher negra, nos estudos de violência de gênero, para que haja o combate eficaz ao tipo de agressões que enfrentam. No entanto, a autora apenas enxerga isso por meio do protagonismo da vítima na sua narrativa sobre o crime que a acometeu, ou seja, uma abordagem reconfigurada até o ponto onde as práticas de subordinação interagem com, influenciam e são influenciados por outras formas de subordinação (CRENSHAW, 2004, p. 182).
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2. OBJETIVOS a. Objetivo Geral Analisar a abordagem feita sobre as questões de gênero e cor, especialmente, as relacionadas à violência cometida contra a população negra feminina, pela imprensa tradicional e pela sociedade civil, que se manifesta em blogs e portais de notícia na internet. b. Objetivos Específicos A) Identificar os temas e os valores presentes na cobertura noticiosa da Folha de São Paulo de casos de violência contra a população negra feminina e comparálos com o agendamento realizado por blogueiras negras filtradas pelo Portal Geledés. B) Mapear as formas de apropriação do ciberespaço (fontes, ferramentas de produção de conteúdo utilizadas) feitas pelos blogueiros para a elaboração de seus textos, principalmente aqueles que denunciam casos de violência contra mulheres negras brasileiras. C) Descrever, a partir de valores de noticiabilidade (editorias, fontes ouvidas, temas abordados, enquadramentos, entre outros elementos), a forma como ocorre a cobertura noticiosa dos casos dentro do jornal selecionado. D) Estabelecer critérios que possam contribuir para a elaboração de uma cobertura noticiosa mais comprometida com a denúncia dos principais problemas enfrentados por minorias sociais constantemente excluídas do agendamento. 3. MATERIAIS E MÉTODOS Uma metodologia de caráter quali-quantitativa será necessária para a proposta da pesquisa, que fará uso de etapas clássicas da análise de conteúdo, que, segundo Bauer (2002, p. 191) é uma “técnica para produzir inferências de um texto focal para seu contexto social de maneira objetivada”.
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Se o projeto propõe a comparação entre a publicação online e impressa de uma empresa jornalística (Folha de São Paulo) à produção independente de uma rede de blogueiros filtrada pelo Portal Geledés, também será necessária, portanto, uma revisão bibliográfica sobre a atuação, no ciberespaço, de ativistas, comunicadores e simpatizantes de causas de minorias sociais, e compreender como tais atividades enquadram-se dentro da proposta de uma ocupação não-hegemônica do ciberespaço e de outras hipóteses que investigam as relações da Imprensa e dos movimentos sociais com as novas possibilidades midiáticas proporcionadas pela virtualidade. O Portal Geledés é emblemático dentro do movimento negro, devido ao histórico do seu Instituto, de mesmo nome e que possui um papel de destaque na história do Movimento Negro brasileiro: “...is credited with leading the most significant anti-racism campaign in Brazil” (Morrison apud BEESON, 2009, p. 53). O site raramente produz material próprio, e funciona como uma filtragem de blogs e sites que produzam conteúdo voltado à temática racial. Para o corpus da pesquisa, faremos uso da seleção do site para textos que entram na categoria “violência” e com um link à questão da mulher (e que o site categoriza por meio do uso de hashtags como “violência feminina” ou “mulher negra”). 4. FORMAS DE ANÁLISE E RESULTADOS
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Realizada a elaboração do corpus de pesquisa e a investigação exploratória de material bibliográfico que possa ajudar a compreender os temas que norteiam a pesquisa, será necessário encontrar os elementos da cobertura noticiosa que estejam comprometendo a responsabilidade social da informação sobre os problemas enfrentados pelas mulheres negras. Para esta etapa haverá o uso dos resultados da investigação exploratória realizada por meio da consulta bibliográfica antes mencionada. Além disso, levar-se-á em conta os estudos em torno das questões defendidas por ativistas e pesquisadoras sociais que, apesar de presentes em pesquisas e políticas públicas de grande relevância, ainda se encontram ausentes na cobertura noticiosa. Crenshaw (2002) alerta para a necessidade para a formulação de “protocolos interseccionais”, que podem ser lidos como documentos ou tratados que abordam questões de gênero, raça e classe nos Direitos Humanos. Logo, os critérios sugeridos pela autora também podem ser pensados para uma comunicação cuja abordagem contemple as complexidades das violências sofridas pela população negra feminina. A autora ainda aponta os dois principais problemas das narrativas em torno dos problemas enfrentados pelas mulheres negras: a subinclusão e a superinclusão. Enquanto a primeira “faz a diferença tornar invisível uma série de problemas”, a última “torna invisível a própria diferença” (CRENSHAW, 2002 p. 176). Será necessário estabelecer categorias que estejam relacionados aos referenciais teóricos que investigam os aspectos ligados à noticiabilidade e ao agendamento, para que haja uma análise completa do processo da construção da notícia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUER, Martin. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In: BAUER, Martin W.; GASKEL George (orgs). Pesquisa qualitativa com texto: imagem e som: um manual. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002. BEESON, Anita Political Identities: The Indigenous and Afrodescendant Women's Movements in Bolivia and Brazil, a Case Study. ProQuest, 2009. CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013. CRENSHAW, Kimberle W. A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA. Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem, 2004. _____________________Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos feministas, ano 10, v. 172, 2002.
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