Escultor de palavras

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Escrita: uma forma de multiplicar os sentidos vol. 1

ESCULTOR DE PALAVRAS: INVENTAR PALAVRAS JÁ INVENTADAS

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Escrita: uma forma de multiplicar os sentidos. 1 – Escultor de Palavras. Inventar palavras já inventadas 2 – Do Método Natural ao Texto Livre: os sentidos (não)naturais em Freinet

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Aristides Custódio - Cláudia Xavier - Cristina Miranda - Dulce Barreiros Fernanda Santos - Mª Júlia Lousada - Mónica Teixeira - Paula Martins

Escrita: uma forma de multiplicar os sentidos

Escultor de Palavras Inventar palavras já inventadas Daniel Lousada (coord.)

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TÍTULO: Escrita uma forma de multiplicar os sentidos Vol.1 – Escultor de Palavras - inventar palavras já inventadas AUTORES: Aristides Custódio, Cláudia Xavier, Cristina Miranda, Daniel Lousada, Dulce Barreiros, Fernanda Santos, Mª Júlia Lousada, Mónica Teixeira e Paula Martins

© Daniel Lousada 2012 Euedito geral@euedito.com www.euedito.com Impressão: Euedito Depósito Legal: 314628/10 ISBN: 978-989-96852-0-8

Qualquer sugestão ou pedido de esclarecimento pode ser enviado para: agoragaia@gmail.com Desde já, agradecemos o seu interesse As(os) Autoras(es)

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No que respeita à pedagogia, não sabemos se haverá, ainda, alguma invenção por inventar, se teremos alguma técnica não experimentada já. Não estamos amarrados ao compromisso com a novidade, mas na expectativa de encontrarmos a inteligência que suporta as propostas de trabalho que vamos pensando. Tudo o que fazemos já foi experimentado. Mas isto não quer dizer que, nalguns momentos, não vivêssemos a ilusão de ter criado, se não uma proposta nova, pelo menos uma nova forma de a por em prática. Acreditamos que nem isto aconteceu! Mas como, em matéria de educação, não existe, até ver, um registo de patentes, podemos sempre, em dias cinzentos, pintar o céu de azul, desde que a busca da originalidade não seja o nosso propósito mas, tão só, o desejo de fazer um dia mais claro.

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO. .......... 11

1. ESCULTOR DE PALAVRAS: inventar palavras já inventadas: ………. 17 1.1. Introdução ou sobre a importância de ler bons livros e de os fazer falar. ………. 19 1.2. Escutador de Sophia. ………. 29 1.3. Escrever em voz alta: entre a interpretação e a compreensão. ………. 35

1.4. Quando Não Souberes Copia: ajudar a inventar palavras já inventadas. ………. 43

1.5. Aprisionar a mão para libertar a ideia. ………. 53

2. COMO ENSINAR A INVENTAR AS PALAVRAS JÁ INVENTADAS: as práticas de ensino tal como as vivemos. ………. 57

2.1. “Frutos” de Eugénio de Andrade. ………. 61 2.2. “Quási” de Mário de Sá-Carneiro. ………. 64 2.3. “Faz de Conta” de Eugénio de Andrade. ………. 68 2.4. “Atlântico” de Sophia de Mello Breyner. ………. 70 E “Aquela Nuvem” de Eugénio de Andrade. ………. 72 2.5. “O Verão Está no Fim” de José Agostinho Baptista. ……. 74 2.6. “Rifão Quotidiano” de Mário-Henrique Leiria. ………. 79 2.7. “Ou Isto ou Aquilo” de Cecília Meireles. ………. 86

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2.8. Entre as “Nuvens” de Jorge Sousa Braga. ………. 91 E “O Segredo do Rio” de Miguel Sousa Tavares. ………. 98 2.9.“Na Praia lá da Boa Nova” de António Nobre. ………. 101 2.10. “Boletim Meteorológico” de Mário Viegas. ………. 104

2.11. “Algumas Preposições com Pássaros…” de Ruy Belo. ………. 108

2.12. “Cabril” de Jorge Sousa Braga. ………. 110 2.13. “Eu Tenho um Cão” de Sidónio Muralha. ………. 113

CONCLUSÃO. ………. 115 - Entre a leitura e a escrita. ………. 116 - Motivar para a leitura. ………. 118

ANEXOS. ………. 123 - A Redação, o Resumo e o Reconto. ………. 125 - “Livro de Perguntas” de Pablo Neruda. ………. 128 - “Histórias de Chocolate” de José Jorge Letria. ………. 132 - A Sopa da Bruxa. ………. 134 - A Imaginação Aprende-se. ………. 136 - O Coelhinho que Nasceu de uma Couve. ………. 139 - Escrita Formal. ………. 141 - Estudar bem a lição para ler em voz alta. ………. 145 - Outros textos que podem ser objeto de trabalho idêntico. ……. 153

Obras que contêm os textos trabalhados. ………. 165 Conteúdo do CD com os textos ditos. ………. 167 Os(as) Autores(as). ………. 168

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APRESENTAÇÃO

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s textos que compõem esta segunda edição de “Escrita: uma forma de multiplicar os sentidos” mantêm, no essencial, a tese de que não há leitura sem voz. Pode acontecer que os olhos treinados para voar aceleradamente sobre o texto, na busca da informação apenas, não nos deixe ouvi-la. Mas ela mantém-se presente: só que, algumas leituras, na correria em que as embarcamos, não dão tempo ao texto para se fazer ouvir. Não é da leitura toda que tratamos, portanto, mas apenas daquela que procura a fala que está (porque o fez) no texto: a leitura como instrumento de escrita também, e a que só podemos aceder completamente, descobrindo a fala que a escrita tem. Um texto, como defendemos mais à frente, tem a fala que o escreveu assim. E se há textos que nada têm a revelar no modo como falam, outros há que precisam falar-nos ao ouvido para revelarem todos os segredos que têm para nos contar: precisamos fazê-los falar com a nossa voz na leitura que fazemos. A leitura e a escrita acontecem ao mesmo tempo, pensamos nós. Alguns de nós procuram mesmo ensinar a ler, ensi-

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nando a escrever (tema abordado no 2º volume).1 E fazemos dos textos que ensinamos a escrever os textos que servem o ensino da leitura. Nesta fase, ensinamos a escrever, começando por ensinar uma forma de dizer (e de ouvir) que é a forma de dizer usada pela escrita. Ora, a leitura que não se contenta apenas com a extração da notícia, é uma leitura que procura entrar bem fundo nesta forma de dizer, que só a fala feita da escrita tem. E é precisamente na descoberta desta fala que implicamos a voz, profundamente, quer na leitura da nossa fala que acabamos de ver escrita, quer na de outro texto qualquer, que alguém lê para nós e que experimentamos ler também. Por isso defendemos, na primeira edição, o percurso “da Cópia à libertação da escrita”. Não da cópia como reprodução de um produto, mas como instrumento que nos permite mexer nesta forma de dizer e, mexendo, dar conta das formas que a «palavra» pode tomar quando escrita. No entanto, a defesa deste percurso foi feita de um modo algo equívoco e contraditório, pelo que procuramos, agora, reconstruir os nossos argumentos num texto praticamente novo. Só a descrição das práticas desenvolvidas, excetuando a troca de uma ou outra atividade, não tiveram alterações de fundo. A tentativa (presente na edição anterior) de juntar, num único texto, conceitos tão diversos com as respetivas práticas (alguns pouco precisos e deficientemente explicados), como «escrita livre», «cópia», «texto livre», «leitura», «leitura da 1

A leitura é anterior à escrita. Antes mesmo da sua invenção já o homem era capaz de ler e interpretar signos. Mesmo nas sociedades sem escrita a leitura está presente. Ela faz parte do nosso instinto de sobrevivência. E sem a capacidade de ler a invenção da escrita não seria possível.

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escrita»…, e outros que agora não vêm ao caso, só poderia resultar num texto, em vários dos seus passos, contraditório e que, por vezes, confunde mais do que esclarece.

* Retomando o que então foi dito na apresentação e na introdução da edição anterior, esta publicação junta o trabalho desenvolvido no âmbito dos projetos de autoformação cooperada “Aprender a Escrever Para Aprender a Ler” e “Escrita: uma Forma de Multiplicar os Sentidos”. Dois projetos, como se depreende do nome que os identifica, preocupados com o ensino da língua. Questionarmo-nos sobre a nossa relação com a escrita, para além da que resulta da avaliação que fazemos das produções dos nossos alunos, foi o desafio que nos impusemos, permanentemente, na certeza de que só com uma relação descomplexada com esta forma de expressão é possível perceber os constrangimentos de muitas crianças e jovens na sua relação com a escrita. Através dos textos que trabalharam ou criaram connosco e da escrita que, sobre estes processos de criação, experimentamos entre nós, percebemos que defender a escrita, mesmo num processo mais alargado de expressão livre, não significa deixar quem escreve ao abandono, até porque a escrita só é realmente livre se tiver condições para se desenvolver, se tiver ouvidos que a escutem, ouvidos que a acompanhem e saibam compreender os impasses em que, por vezes, o texto cai!

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* Ninguém aprende a partir do nada. Avançamos no conhecimento a partir do conhecimento detido e não de conhecimento nenhum. E ninguém escreve com uma escrita que não aprendeu a escrever! E também não é a ler que se aprende a escrever. É verdade! Mas tal não significa que as leituras que fazemos dos textos dos outros nos sejam indiferentes quando escrevemos. O que acontece é que, nem sempre, a influência dos textos lidos se reflete, conscientemente, nos textos que vamos escrevendo!2 E, assim: NA PRIMEIRA PARTE – “Escultor de Palavras: inventar palavras já inventadas”3 –, que constitui o volume agora apresentado, assumimos a importância que a experiência adquirida na leitura tem para as formas de trabalhar a escrita, integrando-a nas nossas práticas de ensino: a leitura como instrumento que nos permite não só aceder à escrita do outro, mas a refletir sobre a construção da nossa própria escrita, num vaivém constante entre o ler e o escrever por cima da escrita do texto lido ou, como defendemos adiante, num esculpir de formas, tendo as formas do 2

José Luís Borges, por exemplo, “utilizava por vezes as leituras nos seus escritos. A descoberta de um tigre fantasma no conto de Kipling «The Guns of’Fore and’Aft», que lemos pouco antes do Natal, levou-o a elaborar uma das suas últimas histórias” – MANGUEL, Alberto (1998) “Uma Historia da Leitura”. Lisboa, Editorial Presença 3

“Nós não somos do século d’ inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d’ inventar outra vez as palavras que já foram inventadas” - Almada Negreiros.

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outro como modelo, num processo onde a voz que faz falar o texto assume um papel fundamental! NA SEGUNDA PARTE – “Do Método Natural ao Texto Livre: os sentidos (não)naturais em Freinet” – que constituirá o próximo volume, exploramos diferentes formas de convocar a escrita, que vão além da descoberta de uma forma de dizer, ou da experimentação de uma «técnica de tradução» de uma ideia, desenvolvida na primeira parte, investindo a consciência estética adquirida no confronto com a escrita do outro (aquele esculpir de formas), na criação dos nossos próprios textos. E confrontamonos com o “Método Natural” e o “Texto Livre” de Freinet.

* Concluindo, a escrita é feita, também, da convocatória dos textos que nos inspiram. E quando convocamos, dos autores que nos estão próximos, uma expressão, um poema ou um pensamento, fazemo-lo como se fossem um pouco nossos também. E parafraseamos ou recriamos as suas «vozes» nas nossas próprias frases, para chegarmos onde, sem elas, não teríamos condições de chegar. A pedra de toque deste projeto é, em todas as suas fases, a presença do leitor que aprecia o texto, inclusive, no decurso da sua produção. Um leitor que precisa ser real nas fases mais iniciais de aprendizagem da escrita, com o qual vamos construindo o leitor virtual (construído, também, com a ajuda dos autores que nos fascinam) e que, acompanhando-nos vida fora, garantirá a nossa autonomia na escrita. 15


NOTA:

Um texto coletivo não regista, necessariamente, experiências vividas coletivamente. Por isso quisemos deixar vincada a marca de uma experiência singularmente vivida, nos textos onde ela foi mais visível, decidindo que estes seriam registados na 1ª pessoa do singular, pelo autor mais velho.

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Escultor de Palavras: inventar palavras já inventadas

Não sabe ler, aquele que não faz gostar do livro que ele gosta, aquele que nunca leu senão para si próprio em voz baixa, à pressa, ele pensa ir mais depressa, ele devora, sim, mas não digere. É a leitura em conjunto que obriga a apreciar, a saborear aquilo que lemos Ferdinand Buisson

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1.1. INTRODUÇÃO ou sobre a importância de ler «bons livros» e de os fazer «falar»

É um conjunto complexo de experiências que dá a uma pessoa a possibilidade de dizer muito simplesmente: «É um Scrooge»4 Allan Bloom

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Personagem principal da história “A Christmas Carol”, traduzida na versão portuguesa por “Um Conto de Natal”. Narra a história de um velho rico e avarento, insensível a qualquer manifestação de afeto que, numa noite de natal, é visitado por três fantasmas (do passado, do presente e do futuro) que o obrigam a ver a sua vida sobre outras perspetivas.

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enho de confessar um pecado! Agora com dois terços da minha vida já passados (na expectativa muitíssimo otimista de chegar aos noventa!) não posso ser eleito para o grupo dos «bons leitores»: mentiria se dissesse que estou a reler os clássicos;5 e não sinto vergonha ao dizer que deixei «Os Lusíadas» esquecidos no meu quinto ano do liceu; e daí, talvez tenha alguma, já que me interrogo sobre as razões que não me puxam para a leitura de Camões. Na grande maioria, os clássicos que prenderam a minha atenção não são portugueses, e não costumam estar inscritos (ou pelo menos não costumam ser citados) no género a que vulgarmente chamamos de literatura. Mas «Os Lusíadas», não têm feito parte desta lista: até há pouco tempo, nem sequer sabia muito bem qual a cor da sua capa, ou em que estante estavam arrumados… E apesar das interrogações que, ciclicamente, me colocava, o meu afastamento da obra de Camões nunca me provocou qualquer tipo de incómodo. Até hoje! Num texto a que dei o título de “Aprender com trabalho, ou ter que sofrer para aprender”6 levantei uma hipótese psicanalítica para justificar o meu desinteresse. E, nesta apreciação, conclui que a minha relação com «Os Lusíadas» é o resultado que o tratamento escolar da obra produziu em mim: “estudei-os, obrigaram-me a dissecá-los do ponto de vista da sua gramática, e aprendi a afastar-me deles, 5

Hoje, muito boa gente da nossa praça mediática, quando se trata de confessar o que lê, parece estar com pelo menos um clássico na mão: não leem, releem. 6

Publicado na revista “Escola Moderna”, nº 28-5ª Série. Lisboa: Movimento da Escola Moderna, 2006

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provavelmente, porque alguém, no decurso do processo, se esqueceu de me ensinar a lê-los”. E, talvez, numa derradeira tentativa de entrar no «clube dos bons leitores», «gritei» que vou encontrando, de vez em quando, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner…,7 “talvez porque, fazendo parte do conjunto de homens e mulheres que não entraram na minha escola, tive a oportunidade de vê-los com a ajuda de outros olhos, porventura mais lúcidos, que me ensinaram simplesmente a lê-los, a apreciar as suas palavras, não apenas pelo que dizem mas também pelo som que produzem, pelo que fazem sentir!” O curioso é que, revivendo o meu primeiro encontro com esta obra de Camões, a coisa até parece que não correu assim tão mal: fixei as primeiras estrofes do «Canto Primeiro», investindo numa forma de dizer, que a minha memória diz não desmerecer ao estatuto da obra, sem dificuldade e, porque não dizê-lo, algum prazer. Mesmo hoje, consigo reproduzir, sem grandes auxiliares de memória, o que decorei então (“As armas e os barões assinalados / Que…”8). Mas, a partir daqui, aconteceu algo que não me deixou mais história para contar: a leitura feita do entusiasmo de 7

Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e muitos mais, pelo pouco tempo que estão fora do nosso convívio, não ganharam, ainda, o seu lugar no «clube dos clássicos». Este é, aliás, um clube que não sei muito bem como caracterizar: se é clássico pelo estilo que marca uma época, se pela intemporalidade de uma escrita, ou... 8

Quem não é grande fã de Camões, mas consegue dizer os versos que completam a estrofe, é bem possível que seja melhor leitor do que eu, haja esperança para ele e, quem sabe, venha ainda a pertencer ao «clube dos bons leitores».

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fazer mexer as palavras com a voz que lhes dava vida, eclipsou-se para dar lugar a intermináveis exercícios de divisão de orações e que, porque mobilizavam apenas o «olhar» não me puxavam a mão (não investia na escrita), não sabia o que fazer com eles.9 Como refere Eduardo Prado Coelho, “As crianças até que gostam de ler, até que a experiência de leituras obrigatórias gramaticalizadas, formatadas escolarmente as desvia das boas leituras”.10 Para mim, a questão não está tanto na obrigatoriedade da obra mas no modo como nos chega: se vem para se dar a conhecer ou embrulhada num exercício de gramática. No ensino da leitura e da escrita, há misturas que podem ser perigosas e de resultados imprevisíveis, que precisam ser feitas com muito cuidado. Algumas são mesmo de desaconselhar, principalmente na leitura de textos que, sabemos, darão imenso prazer, se abrirmos todos os nossos sentidos aos sentidos do texto, evitando desvios (identificação de nomes, pronomes… e outros que tais11) que só nos afastam da fruição a que a sua

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Estes exercícios são úteis (quando são) na escrita. E é na escrita que a lógica de atividades deste tipo se entende melhor, não como regra que condiciona a escrita, mas como conhecimento que mobilizo, quando tenho dificuldade em encontrar a forma que melhor serve o sentido que quero transmitir. 10

PRADO Coelho, Eduardo. Prefácio. Em DIDEROT, Denis (2009) “Jacques o Fatalista”. Lisboa, Tinta-da-China: pp. 9-11 11

Não me interpretem mal. Não sou contra o ensino da gramática! Como posso? Ensinei-a tantos anos! Ensino-a ainda hoje! Como refere Sílvia COLELLO é possível, sem deitar fora os compêndios de gramática, “fazer dos trabalhos escritos exercícios de reflexão sobre a língua, que, em vez de condenar a calar, incitam a ampliação e o ajustamento do dizer” (em “A Escola que não Ensina a

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leitura nos convida. Quer dizer, para aprender a dividir orações não teria sido necessário transformar o que começou por ser um prazer em sacrifício: entrar dentro daquelas estrofes, mexê-las, ver com as mãos como são as palavras de que são feitas, redesenhando-as num jogo semelhante à construção de um puzzle, teria sido, certamente, uma tarefa muito mais aliciante.12 Tudo isto para dizer que o prazer da leitura se cria e desenvolve, investindo no melhor que a leitura pode oferecer, ou seja, que os «bons livros», que deveriam acompanhar-nos vida fora, não podem chegar até nós contaminados de repelentes, que nos afastam e nos privam de experiências que só podiam enriquecer-nos. Dizer, por exemplo, que uma determinada pessoa é um «Scrooge» só faz sentido para alguém que conhece esta personagem que Charles Dickens criou. E “sem a literatura – defende Allan Bloom – nenhuma dessas experiências é possível e perde-se a fina arte da comparação”.13 Então eu, desconfiado ainda, obrigo-me a questionar as razões que me afastaram d’ «Os Lusíadas», num misto de rejeição e de curiosidade, na procura de saber que imagens terei perdido, ou que «Scrooge» está escondiEscrever”. São Paulo, Paz e Terra: 2007). Mas por favor, não me ponham a gramática à frente se me quiserem falar de leitura. 12

O processo criativo, na escrita, principalmente na poesia, apoia-se, muitas vezes, num jogo idêntico. “Assim algumas vezes – conta Sophia de Mello Breyner – o poema aparece desarrumado, desordenado, numa sucessão incoerente de versos e imagens. Então faço uma espécie de montagem em que geralmente mudo não os versos mas a sua ordem” (Arte poética IV. Em “Dual”. Lisboa: Editorial Caminho, 2004, pp. 76-79). 13

BLOOM, Allan (2001) “A Cultura Inculta: ensaio sobre o declínio da cultura geral”. Lisboa, Europa-América

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do de mim, porque alguém não soube como ensinar-me a lê-los, num longínquo quinto ano do liceu! E sendo certo, como refere Wittgenstein, que “os limites da minha linguagem fazem os limites do meu mundo”, talvez venha a sentir os limites que me cercam um pouco mais além.

* Não sei muito bem o que é um «bom livro» (quer dizer, nem bem nem mal, não sei mesmo). Este é um daqueles conceitos que, normalmente, só se conseguem definir pelo que não são: há sempre pelo menos uma voz «especializada» a dizer, de um «bom livro», que não é tão bom assim. Um livro que sabe só contar uma «estória», numa sucessão de acontecimentos apenas, não me cativa, não é um bom livro para mim. Os diálogos intermináveis, de personagens que dizem nada, aborrecem-me. E quando o livro não me merece um abandono imediato, corro logo para o fim, saltando páginas, lendo aqui e ali, na esperança de encontrar uma âncora que me agarre e me demore um pouco mais no caminho que me leva ao final da história. Nisto, pareço-me cada vez mais com os jovens a quem acuso, muitas vezes, de não trazerem para os livros a calma que a sua leitura precisa! Mas estes livros não me pedem calma, não me oferecem motivos para refletir, não me convidam a parar, a suspender a leitura para apreciar a surpresa de uma expressão. Aqui, talvez esteja um dos critérios que estão na base de um bom livro: ter uma escrita que convida a parar, não pela 24


dificuldade da leitura, mas porque tem muito mais para contar com o que encontrou dentro de nós. Mas esta é uma leitura que raramente aprendemos a fazer sozinhos. Durante muito tempo, quando “dava” um livro a ler, na escola, era sempre perseguido pelo receio de não saber apresentá-lo do modo mais adequado, de não conseguir cativar leitores para a leitura de textos de que tinha gostado tanto. Até que percebi que um livro tem um modo único de se dar a conhecer – apresentar-se como um livro – e que o erro estava em pensar que existe uma forma escolar para fazê-lo. Mas a forma escolar conhecida não apresenta o livro: circunda à volta dele, cerca-o de mil e uma coisas mas não apresenta o livro ao leitor com um “estou aqui, vê se gostas de mim”, sem equívocos, sem estragar o momento em desvios que, como qualquer desvio, começam por nos afastar do destino. E, quando tal, damos por nós sem interesse de voltar ao caminho. Nem tudo são amores à primeira vista. E há livros que não se amam num primeiro olhar. Há coisas que só se aprendem a gostar aos poucos, em pequenas doses, digeridas calmamente. Há livros que nos prendem à primeira e que lemos até ao fim de um fôlego. Mas, depois, não repetimos a leitura. Ela esgota-se no final e o livro nada tem para contar depois de lido!14 E daqui poderia sair, talvez, outro critério para identificar um livro que mereça a nossa atenção: o livro que, no fim, não é capaz de 14

Num ensaio sobre a arte de estudar, o erudito inglês Francis Bacon aponta, da seguinte forma, para a distinção entre os diferentes tipos de leitura: “Alguns livros são para saborear, outros para engolir de uma assentada, e alguns, poucos, para mastigar e digerir” – Citado por MANGUEL, Alberto (1998) “Uma História da Leitura”. Lisboa, Editorial Presença.

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deixar na memória uma ideia, um sentimento, uma única expressão que seja, não merece, talvez, ser lido. No entanto, por muito que mereça a nossa atenção, não basta por um bom livro nas mãos de uma criança. É preciso abrilo, folheá-lo com ela, mostrar espanto genuíno na leitura de uma expressão, começando por refletir esse espanto na voz que lhe emprestamos. Trata-se de educar o gosto, de ensinar a gostar. Qual é o adulto, hoje, que gostou de bacalhau em criança? Da minha geração, não conheço nenhum! Pois – alguém dirá – mas nesse tempo não tínhamos as receitas que temos hoje! Claro que um livro não é um bacalhau. Mas, tanto um como o outro, precisam da receita adequada para se darem a provar e deixarem marcado o desejo de repetir a experiência. E mais ainda: certo, certo… do que um texto não precisa é de vir carregado de sal! Ou será o bacalhau?!

* “A poesia é para ser ouvida, não é para ser explicada”, disse não sei quem. E eu atrevo-me a dizer que não é só para a poesia que este conselho é válido. Há textos em prosa que, para fazerem sentido, precisam de se fazer ouvir como se fossem ouvidos mesmo. Mas um leitor inexperiente não sabe como fazer o texto falar em silêncio: se Rubem Alves escreve o rumor das palavras, como diz escrever, é porque alguém lhe ensinou a ouvir o rumor que a palavra tem, primeiro. E aqui chegamos a um dos vários lugares onde a leitura se encontra com a escrita.

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Os textos que se seguem tratam, então, da exploração deste lugar particular, onde não entram todos os textos mas, apenas, aqueles que precisam de se fazer ouvir para serem apreciados. Sendo a sua principal preocupação a promoção da leitura, procuram, por isso, não confundir um livro com um bacalhau! Quer dizer, procuram não confundir a leitura com outros interesses escolares que gravitam há sua volta: quando se trata de promover a leitura, é na leitura, mesmo, que toda a atenção se centra, inclusive, quando se convoca a escrita nesta atenção. Quaisquer outras atividades que, a partir dela, se possam desenvolver, só se vierem como reforço do prazer do texto.

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1.2. O «ESCUTADOR DE SOPHIA»

(…) Uma pequena luz que vacila exata que bruxuleia firme que não ilumina apenas brilha chamaram-lhe voz e é muda. (…) Jorge de Sena

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Em “Poesia II”. Lisboa: Edições 70, 1988

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ophia de Mello Breyner Andresen diz, em “Arte Poética IV”16 que encontrou

“a poesia antes de saber que existia a literatura. Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar muito quieta, calada e atenta para os ouvir. Desse encontro inicial ficou em mim a noção de que fazer versos é estar atento e de que o poeta é um escutador”. Hoje, ao reler este texto, dei-me conta do engano que me acompanhou desde o meu primeiro contacto com ele: escutador virou escultor na leitura que então fiz! Foi um engano! Mas o que foi um engano, ontem, assumo agora como uma reescrita. Aquela reescrita de que nos fala Paulo Freire e que diz ser da responsabilidade do leitor que lê o texto. 17

16

ANDERSEN, Sophia de Mello Breyber. Arte Poética IV, em “Dual”. Lisboa: Caminho, 2004 17

“A leitura de um texto é uma transação entre o sujeito leitor e o texto como mediador do encontro do leitor com o autor do texto. É uma composição entre o autor e o leitor em que o leitor, esforçando-se com lealdade no sentido de não trair o espírito do autor, reescreve o texto” – FREIRE, Paulo e SHOR, Ira (2003) “Medo e Ousadia: o quotidiano do professor”. São Paulo, Paz e Terra. – A leitura é feita também da experiência que o leitor leva para o texto (Mas, como observou Humberto Eco, “os limites da interpretação coincidem com os limites do texto”). Por isso é que não há duas leituras iguais. E um texto em lugares e tempos diversos nunca é o mesmo texto!

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Esta reescrita leva-me a ver o poeta como um escultor. Um «escultor de palavras». Em certo sentido um escultor também é um escutador! Um escutador de formas. Está muito atento às formas que lhe chegam pelos sentidos. Não importa que sentido seja desde que, por ele, reconheça ou encontre a forma que procura. Toda a pessoa que escreve, e não só poetas ou escritores, é um escultor de palavras. Quem não é «escultor de palavras», atento ao escutador que o acompanha, não escreve de facto: apenas consegue «fotografar» as falas da sua fala. É isto que acontece com a criança de quem dizemos que escreve como fala: ela simplesmente fixa (desenha) o som que a palavra produz quando fala; ela não traduz (não molda) a fala para ser escrita; ela não sabe esculpir a palavra, “(…) riscando e emendando para traz e para a frente, num artesanato laborioso, perdida em pausas e descontinuidades”18 Como sugere António Lobo Antunes, a propósito de um texto que queria escrever, é fundamental estar atento às ideias que nos povoam a cabeça. Mas depois é preciso fazer com que nos apareçam na mão: “ (…) me anda na cabeça mas não me aparece na mão, e só consigo escrever com os dedos (…). Os miolos não pegam na esferográfica”.19 18

Sophia de Mello Breyner, Arte Poética IV

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ANTUNES, António Lobo. Não é meia noite quem quer, in “Visão”. Lisboa: 201101-27

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Quer dizer, há coisas que navegam nas nossas cabeças de um modo algo indefinido e para as quais nem sempre é fácil encontrar palavras capazes de as traduzir numa forma que reconhecemos. O texto tem a fala que fez a mão escrevê-lo assim, ou, como refere Paul Ricoeur20 “à partida somos tentados a dizer que toda a escrita se acrescenta a uma fala anterior. (…) O que é fixado pela escrita é, pois, um discurso que poderia ter sido dito, é verdade, mas que se escreve, precisamente, porque não se diz. A fixação da fala pela escrita surge no mesmo lugar da fala, quer dizer, no lugar em que a fala poderia ter nascido”. Ensinar a escrever é ajudar a descobrir este lugar (onde a escrita acontece no lugar da fala) que passa, também, por ajudar a caminhar o percurso que nos leva ao encontro das falas que constroem os textos que lemos, e no qual o «escutador de Sophia» adquire um papel fundamental. Então, quando digo que «copiar» os textos de autor, recriando-os, é fazer da forma escrita uma fala, que investimos, esculpida, na nossa escrita,21 estou a caminhar o percurso que outros fizeram antes de mim, lendo os seus textos como um mapa (com os desvios que qualquer mapa regista) que me aponta o «lugar» que faz um texto falar assim. E quando elejo, preferencialmente, a poesia, faço-o, citando Georges Jean, porque o poema é o texto onde a escuta (com a qual a

20 21

RICOEUR, Paul (1989) “Do Texto à Acão”. Porto, RÉS-Editora Ver adiante em “Quando Não Souberes Copia”, p. 43

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palavra começa a ser moldada) está mais presente a partir do momento, mesmo, da sua escrita: “Acredito na eficácia das aprendizagens baseadas na passagem direta dos signos para o significado na medida em que, necessariamente, a viva voz fixa o significado na sua continuidade, fluidez, fiabilidade e variantes. É por isso que a poesia é uma ajuda preciosa, e na maior parte dos casos, não existe (não existe plenamente) sem ser dita”. 22 A minha intenção não é criar poetas, nem tão pouco formar escritores (profissionais da arte de escrever?). A minha função, enquanto professor e educador, é procurar formar pessoas que utilizem a escrita, como escreventes e como leitores, com competência (sem a qual não se fazem escritores, também). Mas acredito, com Roland Barthes, que um «bom leitor» que não gosta de escrever dificilmente é um leitor atento a todos os fenómenos que envolvem a escrita e, em última análise, competente no modo como lê um texto! “De facto, o grande problema, agora, é fazer do leitor um escritor. No dia em que se chegue a fazer do leitor um escritor virtual ou potencial, todos os problemas de legibilidade desaparecerão. Se se lê um texto aparentemente ilegível, no movimento da sua escrita compreendemo-lo muito bem. Evidentemente, há que fazer uma transformação, quase diria uma educação; para isso, é necessária uma transformação social”.23 22

JEAN, Georges (1995) “Na Escola da Poesia”. Lisboa: Instituto Piaget

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BARTHES, Roland. Para / ou onde vai a literatura, em PILLAUDIN, Roger (dir) (1975) “Escrever Para Quê? Para Quem?”. Lisboa, Edições 70

33


Sem esquecer que muito do que nos mobiliza para a leitura é o acontecimento que o texto encerra (uma curiosidade, uma história interessante, um assunto que desejamos conhecer ou aprofundar …), aposto no desejo de entrar escrita adentro, apresentando a língua como um objeto que pode dar (e dá mesmo) imenso prazer explorar. E, então, pode ser que aconteça “algumas vezes (…) um desejo de escrever, «um estado de escrita» ”, 24 quem sabe, a partir das leituras que fazemos e nos fascinam.

24

Sophia de Mello Breyner Andresen, Arte Poética IV. Retomamos este tema no 2º volume, no capítulo dedicado ao texto livre.

34


1.3. ESCREVER EM VOZ ALTA Entre a interpretação e a compreensão

As palavras não existem fora da nossa voz as palavras não assistem palavras somos nós 25

Gastão Cruz

25

A doença, em CRUZ, Gastão (1999) “Poemas Reunidos”. Lisboa, Dom Quixote.

35


D

esde a “invenção da linguagem” que a nossa relação com o mundo é também uma relação com as palavras que o agarram; quer dizer, desde que o homem é homem que o mundo não existe, não existe plenamente, fora das palavras que lhe dão sentido; e a escrita transportou para um outro nível o desenvolvimento desta relação.26 Com a escrita as palavras deixam de ser apenas fala a chamar o ouvido que escuta, para serem também forma a carregar sentido pelos olhos adentro. Mas sendo certo que, na escrita, as palavras revelam-se através do olhar, é igualmente verdade que não dispensam o ouvido – aliás, o ouvido molda-lhes a forma com os espaços que desenha entre elas27 – e, mais do que isso, traz novos modos de ouvir (uma nova forma de escuta, para usar as palavras de George Jean), com palavras que podemos escutar pelos olhos, também. E aqui encontro a leitura, usando as palavras de Luís Miguel Cintra, numa ”intimidade que recria ou pelo menos imagina, o acto de escrever (…), com o som de uma voz que dá som às palavras”28

26

O meu mundo, mais do que das impressões que me chegam pelos sentidos, é feito do discurso que consigo fazer sobre ele; ou, repetindo Wittgenstein, “os limites da minha linguagem fazem os limites do meu mundo” e, com a escrita, estes limites passam a ser desenhados com outros instrumentos também, e de outro modo, portanto. 27

Houve um tempo (até ao século IX) em que a escrita era contínua e as palavras não eram marcadas com espaços entre elas, sendo o início e o fim da palavra marcado pela cadência da fala. 28

Em Apresentação dos “Poemas de Ruy Belo”, ditos por Luís Miguel Cintra. Lisboa, Assírio & Alvim. 2004

36


Em todas as definições de leitura, que a «ciência das línguas» nos traz, a voz está presente, mas sempre escondida (desvalorizada) nos outros fenómenos que a compõem. O que lhes sobressai, então, é uma leitura que retira o sentido da palavra como se fosse possível tirar sentido de uma palavra sem voz. E as consequências pedagógicas estão à vista: práticas de leitura que apostam na extração de sentido numa hipervalorização da leitura silenciosa e que esquecem que, mesmo silenciosamente, a leitura não é feita de silêncio. A leitura como pesquisa, que procura apenas a informação necessária à fixação do acontecimento, até pode esquecer que a palavra escrita tem um som que lhe reforça o sentido, mas a leitura que se faz com todo o prazer que a leitura pode dar, não se faz verdadeiramente sem “o som de uma voz que dá som às palavras”. 29

29

Claro que, diferentes tipos de texto, não se leem da mesma maneira. E as leituras não dão todas o mesmo prazer. O prazer que o texto dá não é exclusivo da literatura. O prazer está presente, também, na leitura de um texto científico ou num ensaio, mas é vivido de um modo diferente: o conteúdo é mais importante do que o som que faz a palavra mexer ou, dito de outro modo, a forma como está escrito (mesmo que esteja escrito com «estilo») tem pouco ou nada para dizer! Há outro aspeto que influencia o prazer do texto, não relacionado com o tipo de texto ou género literário, mas com o suporte que dá corpo ao texto. Nizza Villaça, por exemplo, defende que um dos grandes equívocos das histórias do livro e da leitura é não fazerem “uma distinção entre a leitura da necessidade e a leitura apaixonada”. E então, assumindo esta distinção, vê o texto eletrónico, com todas as suas vantagens, como muito apropriado para o primeiro tipo de leitura. A leitura por necessidade procura economia de esforço e a rapidez de acesso. E o texto eletrónico, organizado em plataformas, com motores de busca que eliminam barreiras de tempo, espaço e seleção, posiciona-se, claramente, a favor deste tipo de leitura. O prazer, a existir, não assenta no ato mesmo de ler, mas sim na satisfação da necessidade que o convoca. Mas a leitura apaixonada, de fruição e prazer, não se contenta com um texto atrás de uma tela; “ela se

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O prazer que o texto dá vive-se em múltiplas formas de ler. E lemos, tantas vezes, sem nos apercebermos, verdadeiramente, de que são feitas as palavras que o olhar nos faz ler: umas vezes, vemos apenas; outras vezes, paramos para ouvir o que vemos porque o “sentido” que nos entra pelos olhos parece não vir completo. Quando mobilizamos os sentidos todos na definição do «sentido» do texto o prazer parece ser total!

* O conceito de leitura não é indiferente às práticas de ensino. Quando nos dizem que a leitura não passa pela oralização da palavra, despreza-se a leitura em voz alta, uma vez que a voz alta não garante a leitura do texto. É verdade, não garante. Podemos, mesmo, dar voz a um texto sem percebermos nada do que estamos a ler. Élie Bajard conta, a propósito, um episódio, passado com o poeta inglês Milton quando, depois de ficar cego, resolveu voltar a ler os clássicos: “ (…) ele ensinou suas filhas a decodificar textos em grego, embora elas não pudessem compreender uma só palavra desse idioma. Podemos afirmar que Milton completa no contacto corporal com o livro”. Um “bom leitor” não é num documento digital que encontra o prazer que procura, assim como não é no computador que um “mau leitor” encontra o estímulo capaz de o fazer aderir ao texto, que não encontrou noutros suportes. Desenganem-se aqueles que acreditam que quem não gosta de ler em papel passa a gostar se as palavras estiveram dispostas no monitor de um computador ou num “leitor eletrónico”.

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estava lendo? Não, ele simplesmente ouvia a leitura feita por suas filhas. Mesmo se fosse analfabeto, mas soubesse o grego, ele poderia compreender. E as filhas de Milton, estariam lendo? Naturalmente que sim, elas estavam simplesmente lendo”.30 Nesta situação, a decifração, mais do que uma etapa na aprendizagem da leitura, é o próprio ato de ler (!), o que é ridículo. O texto até pode estar numa língua que eu domino bem, mas se o assunto me passar completamente ao lado, não haverá alta voz capaz de o fazer claro, e não será leitura, portanto. O meu argumento coloca a voz em outro nível: não acima, não abaixo, nem antes, nem depois… mas lado a lado com a leitura, quando esta não se contenta com a extração do sentido literal do texto. Quem ouve Mário Viegas, por exemplo, a ler o «boletim meteorológico»,31 não é apenas sobre o estado e a previsão do tempo que ouve ler; há um sentido que a voz viva acrescenta ao sentido literal, não presente no propósito do texto. Estamos em presença de uma leitura radical, dir-se-á! Ninguém procura intensidade dramática na leitura de um boletim meteorológico. E, mesmo admitindo que alguém procura experiências deste género, neste tipo de textos (Mário Viegas procurou-a), ela pode ser construída numa leitura silenciosa. Acontece que a leitura, como referi atrás, até pode ser feita em silêncio, mas a voz de que é feita precisa de estar presente. 30

Capovilla (2005), citado por BAJARD, Élie (2007) “Da Escuta de Textos à Leitura”. S. Paulo, Cortez Editora 31

VIEGAS, Mário (2006) “Palavras Ditas”. Porto, Publico (ver descrição da atividade que explora este texto na página 104)

39


Em bom rigor, deverá dizer-se que a questão está na capacidade que eu tenho de escutar a minha própria voz em silêncio, de ser capaz de “ouvir” o texto que tenho para ler, e não tanto na altura da voz que eu imprimo ao texto! Mas isto, só emprestando a minha voz ao texto é possível fazer. Algo que só aprendo a fazer se tiver a oportunidade de ouvir a voz que lê o texto; não aquela que se projeta apenas na minha mente, mas a que, saindo-me boca fora, me entra pelos ouvidos, de facto. A voz (alta, murmurada ou em silêncio) é um recurso que coloco ao serviço da leitura e da escrita. Ela é fundamental para sentir o pulsar e a respiração que o texto pede. Mas, poder-se-á argumentar, aqui é a interpretação e não tanto a leitura que está presente! É verdade! Mas como diz Paul Ricoeur, “a interpretação é uma província particular da compreensão”, que procuramos quando lemos um texto: pela interpretação chego à compreensão do texto (leitura e interpretação do texto, sumariávamos nós muitas vezes32); e compreendendo o texto estaremos em condições de o «interpretar» muito bem. Aqui, aproximo-me da interpretação como apropriação, tal como é descrita por Paul Ricoeur: 33 “ (…) ao caracterizar a interpretação como apropriação, pretende-se sublinhar o carácter atual da inter32

“Leitor, aquele que, além de compreender e «dialogar com o texto», é capaz de descobrir o valor e o prazer da leitura nas suas diversas possibilidades e situações; Interprete, em processos de leitura que, superando a mera decodificação, guia-se pela busca de sentido e, assim, resgata a dimensão dialógica do texto” – COLELLO, Sílvia (2007) “A Escola Que (Não)Ensina a Escrever”. São Paulo, Paz e Terra. 33

Ibidem

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pretação: a leitura é como a execução de uma partitura musical; ela marca a realização, a chegada ao ato, das possibilidades semânticas do texto. (…) este carácter de realização, próprio da interpretação, revela um aspeto decisivo da leitura, a saber, que ela completa o discurso do texto por uma dimensão semelhante à fala. (…) O texto tinha apenas um sentido, quer dizer, relações internas, uma estrutura; agora, tem uma significação, quer dizer, uma realização no discurso próprio do sujeito leitor; pelo seu sentido, o texto tinha somente uma dimensão semiológica, agora, tem, pela sua significação, uma dimensão semântica”.34

* “Escrever em voz alta” (ou, “ler como quem escreve, com o som de uma voz que dá som às palavras”, como refere Luís Miguel Cintra) sugere que a leitura e a escrita estão presas pelo movimento que a mão, apenas e só com a ajuda da voz, é capaz de fazer quando escreve. E é na tradução deste movimento que a voz se implica, também, na construção do sentido que o leitor traz para o texto; quer dizer, a voz está na leitura porque já passou pela escrita do texto. 34

Esta interpretação tem pouco a ver com a resposta que eu dou para demonstrar que sei muito bem de que assunto trata o texto. Interpretar, no sentido que trago aqui, é fazer o texto mexer com a leitura que eu imprimo ao texto e que só posso fazer, verdadeiramente, se antes tiver entrado na sua partitura, para usar os termos de George Jean, ou na sua pauta sonora, como refere Emilia Ferreiro (como sua pauta sonora, a escrita traz sinais que guiam o leitor no modo de lhe dar vida). Por isso se diz que não há duas leituras iguais: não falamos todos da mesma maneira e o modo como eu o faço falar influencia o sentido do texto.

41


Dir-se-ia que o movimento faz parte do sentido, e que este só nos é dado se fizermos o texto mexer com a leitura que o movimento da sua escrita nos pede. Então, como refere George Jean,35 antes de nos lançarmos na leitura, precisamos conhecer a música particular do texto que vamos ler (a sua partitura) e que só a voz nos dá: “A língua é para mim uma experiência sonora. Música. – diz Rubem Alves – Eu escrevo o rumor das palavras”.36 Ou, recriando Padre António Vieira, as palavras precisam da voz que as anima.37 Neste sentido, aprender a ler é, também, aprender a refletir na leitura, com a nossa voz, o movimento que a escrita imprimiu ao texto, feito das pausas e respirações que lhe dão vida. E não vejo forma de ensinar a sentir (ler) o movimento da escrita sem passar, em simultâneo, a experiência, mesma, de escrever! Ao integrarmos a leitura dos textos literários, em especial da poesia, no ensino da escrita, é este movimento que procuramos ensinar a descobrir, e que é possível encontrar na leitura se soubermos procurá-lo com a voz. Um movimento que, podendo ser apreciado em silêncio, só aprendemos a vivê-lo, escutando e falando as palavras que o revelam.

35

“Na Escola da Poesia”

36

Alves, Rubem (2004) “Gaiolas ou Asas”. Lisboa, Edições ASA

37

Os sermões “sem a voz que os animava, ainda que ressuscitados, são cadáveres” – VIEIRA, Padre António . “Sermões”, eBooksBrasil.org, 2008.

42


1.4. «QUANDO NÃO SOUBERES COPIA» Ajudar a inventar palavras já Inventadas

Nós não somos do século d’inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d’inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.38

Almada Negreiros

38

Em “A Invenção do Dia Claro”. Lisboa, Babel

43


Q

uando não souberes pergunta, aconselhamos tantas vezes! E fazemo-lo sem nos darmos conta do difícil que é, por vezes, seguir este conselho. É que, nem sempre, sabemos ao certo qual é a pergunta que nos faz sair de um impasse! Acontece que, na escrita, por vezes, somos confrontados com desafios deste tipo: ter um texto para escrever e não ter a pergunta que nos faz prosseguir ou, mesmo, iniciar a tarefa.39 Ora, Fernando Tordo tem, no título de um dos seus livros, um conselho ótimo para este problema: “Quando não souberes copia”. Eu, na minha escola, fiz muitas cópias. Julgo, aliás, ter sido através de atividades deste género, conjuntamente com o ditado, também ele uma forma de cópia, que entrei no mundo da escrita. Mas não copiei muitas vezes! Copiar exigia outros argumentos (copia quem pode, não quem quer!), e não copiava qualquer coisa, mas apenas o que desejava ou sabia que precisava, mesmo, de copiar, arriscando na transgressão. Com a «cópia» era uma história diferente: quase nunca copiava o que queria, mas apenas o que me mandavam copiar, num ritual que tinha muito pouco de escrita.40 39

“Escrever é apenas o reflexo de uma coisa que pergunta” – Clarice Lispector, citada por: SOUZA, Solange (1994) “Infância e Linguagem: Bakhtin, Vigotsky e Benjamin”. S. Paulo, Papirus Editora 40

O «fazer a cópia» e o «copiar» não têm o mesmo sentido para mim. Fazer a cópia começava por ser uma repetição de gestos na busca da forma perfeita que desenha a palavra. O importante não era a palavra, a frase, o texto… mas a perfeição do contorno da letra. E depois, ou em simultâneo, era ainda o instrumento que ajudava a gravar na memória. Por isso copiava, às vezes, vezes sem

44


Momentos houve (quase sempre fora do espaço escolar) em que a cópia que fazia se assemelhava ao ato de copiar, mas sem o sentimento de transgressão que lhe estava associado. Aqui, não era a cópia do desenho de um texto já escrito que prendia a minha atenção. Embora dela não resultasse outro produto de escrita, era, no entanto, uma forma de fazer um pouco meu o texto que lia e relia com prazer. E acontecia, às vezes, na poesia, a reescrita de um verso ou a mudança de uma rima, numa espécie de «cópia livre» que me fazia sentir o texto não apenas pelo que os olhos trazem mas também pelo que pode fazer uma mão que escreve. Estaria a entrar no “século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas”, de Almada Negreiros? 41 Não sei! Talvez tenha chegado, apenas, às «palavras-próprias-alheias» de que fala Bakhtin, quando, refletindo sobre a dimensão criativa da linguagem, argumenta que esta se desenvolve “a partir de «palavras-alheias» que, pelo jogo dialógico, se transformam em «palavras-próprias-alheias»

conta, tantas vezes, também, por castigo, as palavras que errava no ditado. Mas «Copiar» foi, e ainda é, visto como transgressão: copia quem não sabe e quer apenas mostrar saber; copia do outro, num teste, um saber que não é seu; imita do outro um gesto, fazendo-o passar por seu, de facto. Entretanto, Emília Ferreiro coloca em evidência a nossa dificuldade em reconceptualizar a cópia nas nossas práticas presentes, o que nos impede de descobrir quando ela nos pode ser útil como instrumento ao serviço do desenvolvimento da escrita e das leituras que dela e sobre ela podemos fazer, libertando-a da condição de reprodução de um produto que a fez nascer. 41

Em “A Invenção de um Dia Claro”. Lisboa, Babel

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para, finalmente, se transformarem «palavras próprias»”.42 Será possível uma prática de escrita assente num percurso idêntico? A minha experiência com escrevente, e não tanto como professor, leva-me a acreditar que, tal como desenvolvemos a nossa fala na fala que temos com o outro, é possível desenvolver a nossa escrita com a escrita que o outro tem connosco. Copiar, neste sentido, é entrar na escrita do outro e deixá-lo «orientar» a nossa, atuando nessa zona de “apropriação criativa não plagiadora” que, no dizer de Eduardo Prado Coelho, é “a zona indecisa em que as palavras dos outros são as nossas e as nossas são ainda as palavras dos outros”43, num jogo dialógico idêntico ao contido na preposição de Bakhtin. A hipótese que procuro aprofundar é a «cópia» impregnada daquele ato de copiar, como possibilidade de acesso a uma escrita que não domino ainda: um instrumento que me ajuda a encontrar a forma de dar forma às minhas ideias, numa busca que procura, no modo como o outro organiza e faz mexer as suas

42

COLELLO, Silvia (2007) “A Escola que (Não) Ensina a Escrever”. S. Paulo, Paz e Terra. “ (…) a experiência discursiva de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros (…). Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos”. BAKHTIN (2003) “Estética da Criação Verbal”. S. Paulo, Martins Fontes 43

PRADO COELHO, Eduardo. Prefácio, in DIDEROT, Denis (2009) “Jacques o Fatalista”. Lisboa, Tinta da china.

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palavras, uma espécie de chave de acesso a um modo de escrever que procuro: “ (…) Entretanto copiava amorosamente o meu primeiro livro de versos. Mau, claro. (…) Nesse tempo a graça da poesia era o fugir da infância para as palavras dos outros”44 Mas, ao mexermos num texto que não é nosso, não estamos, propriamente, a escrever; apenas tiramos a mão do seu estado de repouso para a fazermos tomar palavras de empréstimo. E, pode acontecer, a seguir a uma frase, a uma palavra que a mão copia, abrir-se um desvio, em nós,45 onde encontramos palavras que, instantes antes, não víamos que tínhamos para escrever o que sentimos. “Às vezes – diz Forrester ao jovem Jamal, sugerindolhe a copia de um texto seu, ao verificar o impasse em que o jovem se encontrava – o simples ritmo da dactilografia, leva-nos da primeira à segunda página. Quando sentires as tuas palavras começa a dactilografá-las”46 Na escola, esquecemos com frequência que, no que respeita à aprendizagem da escrita, o importante é escrever nem que, para tanto, coloquemos quem aprende em contacto com 44

Excerto de “Calçada do Sol”. FERREIRA, José Gomes (2000) “Raízes de Granito: antologia de poesia e prosa sobre o Porto”. Lisboa, Dom Quixote. 45

Realço esta expressão porque encontro nela uma espécie de cópia de uma expressão de Vergílio Ferreira e que, ao vê-la escrita, recordo agora: “perguntar é abrir a distância que está sempre em nós” (Em “Pensar”. Lisboa, Bertrand Editora: 1992. 46

Em “Descobrir Forrester”. Um filme de Rob Brown, 2000

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palavras que não são suas, numa espécie de convite a sentir a fala de que são feitas, tateando-as com a mão num processo que se assemelha, de certo modo, ao processo que o escultor experimenta na presença do modelo. Num processo assim, fazemos do texto de autor um modelo, e recriamo-lo, fazendo da forma escrita uma fala que investimos, esculpida, na nossa escrita.

Frutos

Pêssegos, peras, laranjas, morangos, cerejas, figos, maçãs, melão, melancia, música de meus sentidos, pura delícia da língua; deixai-me agora falar do fruto que me fascina, pelo sabor, pela cor, pelo aroma das sílabas: tangerina, tangerina. Eugénio de Andrade FIGURA 1

Lemos, então, este modelo através (ou à procura) da fala que o fez assim. Não se trata, apenas, de ler, mas de “ler como um escritor”, para usar as palavras de Francine Prose,47 com uma leitura só possível se a fala que escreveu o texto estiver presente!

Olhando os “Frutos” de Eugénio de Andrade (FIGURA 1), percebemos uma escrita independente das palavras de que é feita, que não depende, apenas, das palavras que o poeta escolheu, e que podemos replicar com outras palavras. 48 Quer dizer, 47

PROSE, Francine (2007) “Ler Como um Escritor”. Cruz Quebrada, Casa das Letras. 48 É mais visível nos textos mais utilitários, como requerimentos e formulários, nos quais a forma, à partida, orienta quase tudo o que há para saber.

48


há uma escrita que, quaisquer que sejam as palavras de que é feita, permanece igual ou quase igual. Se observarmos a passagem dos «Frutos» para o «Inverno» (FIGURA 2) verificamos que o que mudou foi o acontecimento, mas a escrita que o conta é quase a mesma! Ou seja, não é, propriamente, uma cópia que o «inverno» regista; no entan- Inverno to, alguém copiou, de Eugénio de Andrade, a sua escrita, fazendo uso daquele processo que faz do texto lido uma fala que investimos, esculpida, na Gelo, granizo, geada, nossa escrita.49 vento, vendaval, trovoada, Com este modo de nuvens, chuva, tempestade, ó música dos meus sentidos solicitar a escrita, o que busco pura delícia dos olhos; é, essencialmente, uma forma deixai-me agora falar de incutir o prazer de fazer da paisagem que me fascina, entrar as nossas palavras num pela cor, pelas brincadeiras, pela frescura das sílabas: jogo de palavras, que esconde neve, neve. sentidos a revelar, a partir do FIGURA 2 jogo proposto nas palavras do outro. O texto (se for poético mais intensamente) precisa de um leitor que aceite entrar neste jogo, que esteja disponível para apreciar as diversas combinações que as palavras podem tomar na frase. É o encontro do texto com um leitor que, no dizer de C. 49

Ver descrição da atividade na página 61

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S. Lewis,50 mais do que querer saber o que se passa a seguir, quer saber tudo o que as palavras, na forma como se arrumam, lhe querem dizer. Com os «frutos» de Eugénio de Andrade, podemos dizer que temos uma escrita onde as palavras surgem à cadência da evocação dos sentidos. E os significantes que as revelam remetem-nos para significados que não se afasQuasi tam muito, ou não se Um pouco mais de sol – eu era brasa, afastam mesmo, dos Um pouco mais de azul – eu era além, Para atingir, faltou-me um golpe d’asa… seus significados liteSe ao menos eu permanecesse aquém… rais. Mário de Sá-Carneiro

Em «Quasi» (FIGURA 3) de Mário de Sá-Carneiro, são outras as sensações presentes. São estados de alma, nada fáceis de Um pouco mais de cor trabalhar nestas idaUm pouco mais de cor – eu era flor, Um pouco mais de alma – eu era fantasia, des, pois os sentidos Com um sorriso mais das palavras que os Encontrarei o sonho. revelam não estão FIGURA 3 mediatizados, somente, por significantes relativos a significados literais. Dizer, por exemplo, “um pouco mais de azul - eu era além” recusa um significado literal (nem o 50

LEWIS, C. S. (2000) “A Experiência de Ler”. Porto, Porto Editora.

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significante «azul» é aqui relativo a cor, nem o significante «além» refere, neste caso, uma distância ou afastamento), antes remetendo, na expressão que os integra, para um sentido nãoliteral, que uma informação visual, apenas, não comporta.51 Então, ao jogarmos a nossa escrita na extração do sentido deste ou daquele verso, verificamos que não é no significado desta ou daquela palavra que o sentido procurado se encontra, mas na relação que conseguimos estabelecer entre elas, e que só a experiência nos traz: não é sobre a falta de «sol», que não o deixa ser «brasa», que Mário de Sá-Carneiro escreve, mas sobre o estado de alma que um desejo não cumprido lhe provoca. E atrevemo-nos a mexer no excerto do poema, experimentado copiar a «escrita» que o fixou, para lhe dar outro sentido (FIGURA 3: um pouco mais de cor). 52

* Ruy Belo diz, em Poesia Nova, que o “poeta serve-se das palavras como o pintor mistura as suas tintas”53, ao que Gastão Cruz contrapõe que melhor seria dizer que “serve as palavras”.54 Eu diria que a maior parte das pessoas que escrevem servem-se 51

“A leitura sempre envolve uma combinação de informação visual e não-visual. Ela é uma interação entre o leitor e o texto”. – SMITH, FranK (1989) “Leitura Significativa”. Porto Alegre, Artmed – E quanto mais informação não-visual (feita do saber que a experiência nos dá) trouxer para a leitura do texto, mais fácil se torna esta interação, ou seja, esta leitura. 52

Ver descrição da atividade na página 64

53

Obra Poética de Ruy Belo, vol. 3. Lisboa, Editorial Presença, 1984: pp. 59-96

54

Múscia de som e sentido. Em, “A Vida da Poesia: textos críticos reunidos”. Lisboa: Assirio & Alvim, 2008, pp. 29-32.

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das palavras. Servir as palavras é privilégio de uns poucos que aprenderam a fazê-lo, servindo-se delas primeiro. O que fazem os professores, na escola, quando ensinam a escrever, é apresentar as palavras que chegam escritas nos livros ou são escritas na aula, para que os seus alunos aprendam a servir-se delas. Aprender a servir as palavras faz parte de um outro percurso só ao alcance daqueles que, tendo aprendido muito bem a servir-se delas, querem também aprender a retribuir: a servir as palavras de que se servem. Por isso é que a função de professores e educadores (pelo menos no ensino básico) não é fazer escritores mas escreventes: pessoas que se servem das palavras com competência nas várias funções que a escrita tem. Ao escrevermos, copiando uma «escrita» que serve a nossa escrita, abrimos a porta para entrarmos bem dentro das formas que a limitam e, uma vez dentro, criamos as condições para, um dia, descobrirmos as saídas que a libertam, em nós: só nos libertamos dos gestos alheios se soubermos que os copiamos um dia na procura dos nossos próprios gestos.

52


1.5. “APRISIONAR A MÃO PARA LIBERTAR A IDEIA”

“De todas (…) as atividades, é a escrita que deixa à mão, menos liberdade, mas é ao mesmo tempo a mais plena, porque fixa a linguagem e pode deixar o traço descritivo de tudo o que ela pode exprimir” 55

Ajuriaguerra

55

AJURIAGUERRA (1998) “Escrita Infantil – evolução e dificuldades”. Porto Alegre, Artes Médicas.

53


N

o ato de escrever é legitimo “ aprisionar a mão para libertar a ideia”, refere Sílvia Colello,56 citando Ajuriaguerra, como se o movimento que impomos à mão funcionasse como chave para desocultar a ideia que, de outra forma, não conseguiríamos libertar plenamente! Prendemos a mão à caneta e ela não mexe mais sozinha. E, onde quer que vá, deixa marcado o caminho seguido. A escrita, diferentemente da fala, fixa permanentemente o discurso. Na fala, o discurso é pensado para ser dito depois do que se esfuma no ar; permanece, apenas, enquanto permanece no ouvido, e apaga-se se a memória que o fixa não o conseguir mais guardar. Mas, na escrita, ele fica para ser lido uma e outra vez, e pode seguir outros caminhos, refletidos nas leituras dos leitores que o acolhem. Por isso é que a escrita é tão importante com instrumento de reflexão: com ela a palavra não se evapora no ar, e permanece, comportando-se, “(… ) como móbil cuja massa, por muito pouco que se reduza, nunca pode ser vista como nula e pode sensivelmente infletir a sua direção”.57 E adquire, então, uma certa plasticidade, ao deixar-se moldar pela mão.

56

COLELLO, Silvia (2007).

57

Julien Gracq, citado por JEAN, Georges (2000) “Leitura em Voz Alta”. Lisboa, Instituto Piaget.

54


“Considerando que a escrita não é cópia nem registo de um código fonológico, cumpre admitir que existem, portanto, formas e formas de escrever, que correspondem a diferentes níveis de relação entre o pensamento e a linguagem”.58 Claro que os diferentes níveis desta relação, pensamento/linguagem, não precisam da escrita para se darem a conhecer: eles são visíveis a partir do momento, mesmo, da fala.59 Mas a mão, aprisionada pelo pensamento, é envolvida num movimento que procura a forma que liberta a ideia escondida numa forma de dizer que só se diz depois de escrita. Então, quando escrevo, por vezes, é porque a palavra que me faz pensar (desenhada na cabeça apenas) não chega para fazer a ideia; ela precisa de chegar-me «ampliada» pelo movimento da mão que a regista, numa espécie de eco onde eu possa encontrar a forma da ideia que pensei. “De repente” – diz Jorge, personagem central do romance “Sinais de Fogo”, de Jorge de Sena – “ouvi dentro da minha cabeça uma frase”: “ «sinais de fogo as almas se despedem, tranquilas e caladas, destas cinzas frias» (…). Que sentido tinha aquela frase? (…). Repeti mentalmente: «sinais de cinza os homens se despedem, lançando ao mar os barcos desta vida». (…) as palavras eram outras, ou quase as mesmas diversamente. Tirei um papel do bolso, e escrevi: «sinais de fogo os homens se despedem, lan58

Sílvia Colello.

59

A fala como verbalização do pensamento de que nos fala Vygotsky – VYGOTSKY, L. S. (2007) “Pensamento e Linguagem”. S. Paulo, Martins Fontes.

55


çando ao mar os barcos desta vida». E depois? (…) «nas vastas águas» … Era absurdo. Eu fazendo versos? Porquê?”60 Como a palavra escrita conserva a memória que o pensamento ditou, se não reconhecer o lugar onde me encontro, posso sempre parar, e procurar outras falas possíveis no caminho que a mão traçou e que, porque não «ouvi», deixei passar.61 Quer dizer, com a escrita, a fala permanece para ser vista e, se preciso for, revista: uma fala que, antes de ser dita, foi moldada pela mão numa escrita. E, aqui, entende-se melhor Ajuriaguerra quando refere o ato de escrever como o “aprisionar a mão para libertar a ideia”. A escrita traz um elemento adicional para a interação da ideia com o modo de expressá-la, mantém a fala, ali, para ser pensada e repensada até, ao ser dada como pronta (reconhecida pelo sujeito que a pensou), sujeitar-se ao juízo do leitor que a procura.62

60

SENA, Jorge (1995) “Sinais de Fogo”. Porto, Edições ASA

61

“A escrita oferece a pausa que o pensamento necessita. Como não deixa que a palavra se dissolva no ar, conserva a memória que o pensamento revela. E então, quando não reconheço o lugar onde me encontro, posso sempre parar e, olhando o caminho, procurar o desvio escondido que deixei passar” (Lousada, Daniel. A propósito de texto livre: a criação de um espaço de liberdade psicológica não decretada mas materialmente instituida. In, “Escola Moderna”. Lisboa, Movimento da Escola Moderna, 2007, pp. 20-27). 62

A escrita permite pensar melhor as palavras que traduzem a ideia, ou ver se o modo como estas se arrumam na frase traz o sentido, ou o sentir, tal qual o pensamento pensou.

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2. COMO ENSINAR A INVENTAR AS PALAVRAS Jร INVENTADAS As prรกticas de ensino tal como as vivemos

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U

m trabalho de texto sobre um «texto de autor» (editado e publicado, portanto, definitivo), que somos convidados a ler, distingue-se do trabalho de texto onde somos convidados a entrar com a nossa leitura, no decurso da sua produção, pelo papel representado pelo autor. Um texto, ao dar-se como definitivo, separa-se de quem o criou, não tem a seu lado o autor para ler a pergunta ou a perplexidade estampada no rosto do leitor, na sua voz, nos seus gestos… e dialogar com ele ao encontro do texto que escreveu. Neste trabalho de texto, o autor não vem em «socorro» do leitor para o ajudar a ler o texto. No trabalho de texto, centrado nos «textos de autor», o processo de tradução (fazer corresponder duas formas de dizer – uma falada e outra escrita – num mesmo significado) de que se faz a leitura da escrita, é da inteira responsabilidade do leitor. Claro que o autor não deixa de ser convocado, mas é-o de um modo diferente: em diferido. E o objeto da interpelação passa a ser, apenas e só, o texto “como mediador do encontro do leitor com o autor do texto”.63 Assim, o leitor não interage em direto com o autor, no processo de tradução que leva à leitura do texto: a escrita traduzida numa fala de significado equivalente. Por isso é que entendemos ser tão importante ouvir a fala (ou falas) que fez o texto. Como julgamos ter demonstrado até aqui, diferentes formas de fazer falar um texto dão-nos, dele, outras tantas leituras possíveis. Neste sentido, abordar o texto literário, num programa de ensino da escrita, passa por ensinar o que podemos fazer com 63

Paulo Freire: ver nota de rodapé nº 17, p. 30

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as palavras quando escritas. Podemos lê-las, obviamente, traduzindo-as com as nossas falas, e mais: podemos manipulá-las, juntá-las às nossas, trocar-lhes as voltas, sentir-lhes a forma e o peso para descobrir como são feitas. E depois, escrevendo-as, fazê-las nossas como se as inventássemos outra vez. O desafio está em não fazer de tudo isto um mero exercício de escrita. Mas será possível ensinar a ler e a escrever sem dar exercícios de leitura e de escrita? Talvez não! Mas para isso não faltam exercícios de leitura e de escrita por aí! Não precisamos de inventar mais um! Então, não são exercícios que propomos, se bem que o exercício de escrita aconteça, também, no processo mais alargado que faz da apropriação do texto lido uma experiência, que podemos investir nos textos que somos convocados a escrever: naquele «estado de escrita» de que nos fala Sophia de Mello Breyner, ou noutro estado qualquer. Quem espera, portanto, encontrar a seguir, um texto metodológico com indicações precisas de resultados garantidos, ficará, certamente, desiludido. Embora se possam encontrar indicações que se aproximam de um guião de trabalho, as propostas aqui apresentadas devem ser lidas com as cautelas que indicações deste tipo sempre aconselham. Elas são, apenas e só, descrições de um conjunto de práticas, que não podem ser lidas, de forma alguma, como prescrições (não fazem uma «gramática», portanto) de sucesso garantido.

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NOTA:

A “imagem” do CD Áudio com a gravação dos Textos Ditos, que completam algumas das atividades descritas, pode ser descarregada a partir de:

www.agoragaia.pt.vu Estas gravações pretendem ilustrar, apenas, a leitura como apresentação de um produto, neste caso, de escrita. Os meios técnicos, rudimentares, usados na captação do som, afetaram, obviamente, a qualidade das gravações. Podem ser descarregadas, do mesmo endereço, algumas apresentações multimédia usadas nalgumas das atividades propostas.

Nestas sessões é importante, se possível, a presença do livro que contém o texto, independentemente de outros recursos que coloquemos ao serviço da sua leitura.

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2.1. “Frutos” de Eugénio de Andrade (1º a 4º ano de escolaridade) As listas de palavras, porque organi- - Escrever/ler listas de palavras zam a informação de acordo com um de acordo com um atributo critério seleccionado, ajudam o dado escritor aprendiz a trabalhar numa - Identificar palavras que comedas mais importantes funções da çam/terminam pela mesma escrita: a função de memória. Por letra/sílaba outro lado, como evidenciam mais - Reconhecer globalmente facilmente a dimensão sonora na palavras relação com a extensão gráfica da palavra, são frequentemente utilizadas nos anos de iniciação à escrita.

Desde o jardim de infância que as nossas crianças se habituaram a identificar listas de palavras com os seus nomes, com o material que podem usar, com os brinquedos que têm para brincar, com os ingredientes do bolo que decidiram fazer, etc. Nestes frutos de Eugénio de Andrade, que vieram até nós pela voz de FerFIGURA 4 nanda de Freitas, encontramos outro uso para as listas de palavras que escrevemos. 61


Primeiro ouvimos o poema todo, para depois repetirmos, de memória, a sequência dos frutos. E experimentámos escrever, os seus nomes, a partir dos sons que as palavras, ao dizê-las, nos traziam (FIGURA 5). Quem quis, e apenas quem quis, foi convidado a dizer o poema com os frutos que mais gostava, fizessem ou não parte do poema. Finalmente, recriamos o poema com outras listas de palavras. E como estávamos envolvidos num projeto sobre alimentos, começámos pelos pratos de comida que conhecemos.

FIGURA 5

Primeiro fizemos a lista dos alimentos e depois dos pratos que podemos fazer com eles (FIGURA 6).

Arroz, carne, almondegas, douradinhos, batatas, queijo, massa, vitela, pudim, bolo, peixe, camarão, bife, ovos, salsicha, couve FIGURA 6

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Arroz com carne Arroz com peixe Sopa de pedra Arroz de marisco Arroz de pato


FIGURA 8

FIGURA 7

Cada um escolheu o prato que mais gostava, e reescreveu o poema, aplicando a f贸rmula dos frutos de Eug茅nio de Andrade (FIGURA 7). E outros poemas chegaram at茅 n贸s vindos de outras turmas, recriando os mais diversos temas (FIGURA 8).

Ouvir faixas 4, 5 e 6 do CD descarregar a partir de: www.agoragaia.pt.vu

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2.2. “Quasi” de Mário de Sá-Carneiro (3º/4º ano de escolaridade) “O primeiro momento é o da leitura de fruição-prazer, no qual todas as impressões, a emoção estética, afloram, sensibilizando o leitor para as próximas etapas. No segundo, sugere-se a elaboração de uma paráfrase” (Gebara, A. 1998). E é neste momento que fazemos entrar a nossa escrita.

- Ler em voz alta - Dizer poemas de memória - Identificar palavras da mesma família e da mesma área vocabular - Explorar a escrita de poemas - Descobrir soluções alternativas

O momento de fruição, de leitura prazer, chegounos, primeiro, através dos sons que a voz de Germana Tanger nos trouxe. A nossa voz chegou depois, recriando FIGURA 9 diferentes modos de ler. E passamos ao momento Um pouco mais de sol - eu era brasa um pouco mais de____- eu era_____ seguinte: olhar as palavras que o texto tem, Um pouco mais de azul - eu era além procurando perceber a Um pouco mais de____ - eu era____ importância de cada uma na frase. Nalguns textos, FIGURA 10 esta importância pode medir-se pela falta que a palavra faz. Foi o que experimentamos nos dois primeiros versos, para descobrirmos que o sentido deles 64


se esconde na relação entre sol/brasa e azul/além (FIGURA 10). E fomos à procura de outras palavras capazes de se associarem a estas numa relação idêntica (FIGURA 11).

FIGURA 11

Uma vez percebida a lógica da relação entre as palavras que dá sentido aos dois versos, partimos à descoberta de outras palavras com as quais podemos produzir sentidos semelhantes (FIGURA 12). Felicidade/amizade; estrela; cor/arco-iris; lua/luar;carinho/amizade sol/luz; vida/alegria; verde/floresta; flor/jardim/primavera; mar/maresia; pintura/quadro; preto/escuridão; fogo/chama/ calor FIGURA 12

FIGURA 13

Então, ao recriarmos estes versos com as palavras listadas, verificamos que o sentido deles não se alterava. Ou seja, há palavras que contribuem para a construção do sentido que procuramos, não pelo seu significado literal, mas pela relação que estabelecemos entre elas (FIGURA 13). 65


Saber procurar no dicionário o - Saber consultar um dicionário significado de uma palavra adequada - Saber usar o contexto para à expressão que estamos a trabalhar, aceder ao significado de palanão é uma competência que se vras e expressões adquire com facilidade. O dicionário não dá resposta para todos os problemas de interpretação que temos pela frente, exigindo do utilizador o esforço de reflexão que permite decidir sobre o termo certo. Precisamos, então, de proporcionar aos nossos alunos múltiplas experiências de leitura em que o uso do dicionário se justifica.

Passando aos versos seguintes, detivemo-nos no “golpe d’asa” para perceber o que faltou a Mário de Sá-Carneiro. E fomos ao dicionário ver o que nos diz: Asas têm os pássaros, os aviões, os tachos e panelas; Golpe pode ser um corte, uma pancada, pequeno movimento, um crime... E o debate instalou-se: – Para atingir (alcançar, conseguir) faltou-me… Só pode ser pequeno movimento… Mas será da asa? “Faltou-lhe um bocadinho assim”, alguém disse, lembrando uma expressão tirada da “publicidade” (aproveitamos para recordar outras expressões do mesmo género, que os ditados populares e os provérbios nos trazem). E continuamos: “Se ao menos eu permanecesse aquém” – como não atingiu o que queria, desejou ter ficado aquém (na parte de cá, diz o dicionário) – Desejou não ter tentado, concluímos.

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Compreender o texto não é outra - Recriar textos coisa mais do que reescrever o texto, - Descobrir soluções alternativas mostrando, num outro jogo de - Partilhar ideias, sentimentos, palavras, o sentido que o texto tem. sensações Mas podemos, num jogo idêntico, criar alternativas ao sentido que o texto propõe.

A Mário de Sá-Carneiro faltou-lhe, então, “um bocadinho assim”, para chegar onde queria chegar. Ficou tão desanimado que, em vez de tentar de novo, preferiu lamentar a sua sorte. Mas nós não nos lamentamos e nunca desistimos. Vamos escrever sobre o que precisamos para chegarmos onde queremos chegar: Com… … … atingirei, alcançarei, conseguirei… …

FIGURA 14

FIGURA 15

Ouvir faixas 1, 2 e 3 do CD Descarregar a partir de www.agoragaia.pt.vu

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2.3. “Faz de Conta” de Eugénio de Andrade (1º a 4º ano de escolaridade) Não é possível criar a partir do nada. Mesmo no mundo do faz de conta os ambientes que criamos são sempre projecções de experiências vividas, recriadas numa história que inventamos. O desenvolvimento da capacidade para inventar histórias alimenta-se, pois, desde muito cedo, de pequenas incursões a estes mundos, num diálogo permanente com as experiências que vivemos.

- Faz de conta que sou abelha - Eu serei a flor mais bela - Faz de conta que sou cardo - Eu serei somente orvalho - Faz de conta que sou potro - Eu serei sombra em Agosto - Faz de conta que sou choupo - Eu serei pássaro louco Pássaro voando e voando Sobre ti vezes sem conta

Faz de conta, faz de conta

- Fazer de conta - Inventar a partir de real - Identificar palavras da mesma família e da mesma área vocabular - Reconhecer/aplicar adjectivos

A leitura de Mário Viegas com Manuela de Freitas apresentou o poema. A seguir toda a turma, aos pares, numa leitura que recria a leitura ouvida, repetiu a leitura. Individualmente, cada criança escreveu no seu caderno, “faz de conta que sou” (o que entendeu ser), escondendo dos colegas os versos que recriava. À medida que cada criança lia o seu verso, perguntava se havia alguém com um verso de resposta, já escrito ou inventado na hora:

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– Faz de conta que sou pássaro – Eu serei espantalho que mete medo – Faz de conta que sou cão – Eu serei a tua casota – Faz de conta que sou cavalo – Eu serei o teu cavaleiro …………………… E o diálogo desenrola-se, convidando todos a aceitar o desafio. Esgotadas as ideias, procuramos os versos que podíamos trabalhar para serem a última resposta: – Faz de conta que sou cão – Eu serei a tua casota Casota que te abriga Vezes sem conta – Faz de conta, faz de conta

Ouvir Faixas 7 e 8 do CD descarregar a partir de: www.agoragaia.pt.vu

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FIGURA 17


2.4. “Atlântico”de Sophia de Mello Breyner Andresen e “Aquela Nuvem” de Eugénio de Andrade (1º a 4º ano de escolaridade) Interpretar é saber entrar no sentido profundo da palavra – “saber revelar a metáfora por trás dela” –, no exercício de um saber que precisa de entrar bem dentro dos segredos da escrita e que só o escrever permite plenamente: há impressões para as quais não temos palavras que cheguem para descrevêlas, e que só com a pausa que a escrita força é possível procurar.

- Identificar palavras da mesma família e da mesma área vocabular - Escrever palavras relacionadas com o tema - Ler palavras através de reconhecimento global - Identificar o sentido global de textos

Como sempre iniciei a atividade com a minha leitura. A leitura dos meus alunos vem a seguir. Voluntariamente, um a um experimenta diferentes formas de projetar a voz, deixando rapidamente de ser leitura para ser apenas dizer.

FIGURA 18

O sentido do conteúdo que o poema nos traz merece então a nossa atenção. Qual será a palavra mais importante deste poema? “Mar” recolheu o consenso. A razão da escolha não foi explicada, mas concordei. E, então, interpelei:

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– É de mar que fala o poema? – Não é da alma. Diz que a alma é feita de maresia Alguém diz que maresia é coisa do mar, mas não sabe o quê. E fomos ao dicionário investigar. Para Sophia de Mello Breyner, o mar tinha de ser muito importante, para dizer que metade da sua alma era feita de maresia, concluí. O desafio foi recriar um poema igual com as palavras de que mais gostamos. Encontradas as palavras exemplifiquei no quadro a proposta (FIGURA 19). E, individualmente ou a pares, outras recriações surgiram com as outras palavras que listámos.

FIGURA 19

*

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“Aquela

Nuvem”

teve

um

Aquela Nuvem

tratamento idêntico ao realizado com o “Atlântico”. Mas aqui, depois da leitura, recriamos, apenas, as duas primeiras estrofes, aproveitando as palavras usadas no “Atlântico” (FIGURAS 21 E 22).

FIGURA 20

FIGURA 21

É tão bom ser borboleta Ter um corpo de mil cores E voar voar

É tão bom ser sol ter um corpo raiado e brilhar, brilhar

Leva-me contigo Quero ver o céu Quero ver as flores

Leva-me contigo Quero ver o mundo Quero ver as estrelas

FIGURA 22

Ouvir faixas 9, 10 e 11 Descarregar a partir de www.agoragaia.pt.vu

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E, por fim, experimentámos relacionar Sophia de Mello Breyner com Eugénio de Andrade através dos dois poemas (FIGURAS 23, 24 E 25). Vimos como escritores diferentes podem ter ideias que se podem cruzar. E, então, juntámo-los em recriações nossas. Para isso, propusemos um trabalho de pares, unindo os autores com as recriações que se ligam melhor.

ESTRELA Metade da minha alma é feita a brilhar É tão bom ser estrela Ter um corpo brilhante E piscar, piscar…

FIGURA 23

CRIANÇA Metade da minha alma é feita de brincadeira É tão bom ser criança Ter amigos e amigos E crescer, crescer…

FIGURA 24

BORBOLETA Metade da minha alma é feita de vontade de voar. É tão bom ser borboleta Ter um corpo colorido E voar, voar…

FIGURA 25

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2.5. “O Verão Está no Fim” de José Agostinho Baptista (3º e 4º ano de escolaridade) Quando falamos de utilização de modelos de escrita ou contacto com a escrita do outro, é de contacto com a escrita do outro mesmo, que falamos e não com a leitura dos seus textos apenas. E isto só se faz se nos apropriarmos desta escrita, fazendoa nossa numa reescrita que integra o que queremos escrever. E esta aproximação à escrita do outro fazse em sessões de trabalho coletivo, fortemente diretivo, que convoca a participação de todos: lançamos pistas, fazemos perguntas, iniciamos frases…

- Identificar palavras da mesma família e da mesma área vocabular - Escrever palavras relacionadas com o tema - Relacionar ideias

Depois de ler o poema, que seria a proposta de “trabalho de texto” do dia, passei ao seu registo no quadro para ser copiado nos cadernos de FIGURA 26 escrita. Ainda não tinha acabado de escrever a segunda palavra do poema e vem logo o reparo da letra minúscula que inicia o primeiro verso. “Faço-me de novas”. Volto a olhar para o livro e observo: pois é o 74


Agostinho Baptista escreveu assim. Já não era a primeira vez que trabalhavam situações estranhas como esta, e as observações ficaram por aqui – mais tarde voltaríamos ao assunto, à semelhança do que já fizéramos no trabalho com outros textos. Sucederam-se leituras repetidas, que recriam diferentes modos de ler e, de seguida, passámos à descoberta de frases e palavras e expressões que identificam elementos associados ao: – Verão: tardes ainda quentes, esplanadas, uvas de Setembro – Outono: ventos, memória dos temporais E propus um poema idêntico que falasse do fim do Inverno e anunciasse a chegada da Primavera. Recordamos, então, algumas características e outros elementos que costumamos associar ao Inverno e, em seguida, fizemos o mesmo relativamente à Primavera. Registamos o que encontramos de mais significativo, procurando, neste registo, estabelecer uma relação com o conteúdo de “O Verão Está no Fim”, que pudesse ajudar-nos a recriar o poema Entre o Inverno e a Primavera (FIGURA 27).

Verão

Inverno

Primavera

tardes quentes esplanadas cães, Uvas de Setembro

frio, neve, chuva, temporal, lareira, aquecedores gatos (Fevereiro e Janeiro meses dos gatos)

dias mornos, amenos flores, andorinhas, borboletas, cerejas

FIGURA 27

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Auxiliados pelos elementos recolhidos, iniciamos a recriação do poema, começando por transformar o fim do verão em fim do inverno: Restam poucas tardes ainda quentes frias algumas esplanadas lareiras cães gatos e as uvas de setembro e as laranjas de março Para deslocá-lo um pouco do original fizemos alguns acertos: As tardes passaram a dias: Restam pouco dias ainda frios Com a pergunta, quando temos mais tempo para estar à lareira?, surgiu: algumas noites à lareira, gatos e as laranjas de março. A segunda parte de “O Fim do Verão” anuncia a chegada do Outono. Aqui anuncia a primavera. - Identificamos os ventos que sopram do atlântico, que trazem chuva (a memória dos temporais que as areias trazem) - Tomamos nota de outros ventos: vento sul, vento norte/nortada, vento leste (FIGURA 28) - Falamos sobre outras memórias e de quem as traz (FIGURA 29)

Ventos

Memórias da Primavera

sopram de outro sitio, lugar, mudam de direção, sentido, ficam mais fracos, leves, perdem a força

andorinhas, céu azul, borboletas, jardins, flores, nuvens brancas, brisas

FIGURA 28

FIGURA 29

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O vento mantém-se mas.. muda de direção, perde a força, fica leve… E o poema fica pronto (FIGURA 30)

FIGURA 30

Ouvir faixas 12 e 13 do CD Descarregar a partir de www.agoragaia.pt.vu

Finalmente desafiamo-nos a compor outros textos (em prosa ou em verso), adotando este como guião, mas não sem antes nos debruçarmos, uma vez mais, sobre o que faz o inverno e a primavera serem aquilo que dizemos ser (FIGURAS 31 e 32).

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FIGURA 31

Restam poucos dias frios. A neve deixou as serras da Estrela e do Marão e o vento já não sopra tão gelado. De vez em quando o sol e as nuvens cinzentas juntam-se para fazer um arco-íris e alegram-nos com as suas cores. As nuvens choveram tanto, tanto, que resolveram parar para não desaparecerem de vez e viraram brancas e leves como cama de algodão onde apetece deitar. Os rios sem as águas das chuvas, andam tranquilos, bem dispostos, sem o compromisso de chegar rapidamente ao mar. As andorinhas, ao longe, trazem a memória da Primavera. FIGURA 32

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2.6. “Rifão Quotidiano” de Mário-Henrique Leiria (do 1º ao 4º ano de escolaridade) A escrita criativa está na moda. E - Combinar passado e presente muita coisa, por vezes, muito pouco nos textos que escrevemos criativa, se tem escrito sobre ela. “É - Identificar/aplicar regras uma expressão que não me agrada, básicas de pontuação embora me surpreenda, com fre- - Identificar o sentido global de quência, a dizer que ‘fulano tem uma textos escrita muito criativa’. Talvez fosse mais bem dito dizer que ‘fulano é muito criativo na sua escrita’. Em bom rigor a criatividade é de quem cria e não do produto criado” (Lousada, 2005). Portanto, não ensinamos escrita criativa mas a escrever com toda a criatividade que for possível colocar no texto. Acontece que o ser criativo não é uma construção espontânea. O ser criativo (A. Menéres, 2003) é feito de um aprender a olhar para além das aparências, compreendendo que não passam de aparências, através de um processo puramente imaginário mas que, nem por isso, ou até por isso, não deixa de ser feito de experiência.

Hoje trabalhamos o “Rifão Quotidiano” de Mário-Henrique Leiria, lido por Mário Viegas (FIGURA 33). A leitura provocou o riso generalizado. E a adesão ao texto foi total, com quase todos a desejarem recriar a sua leitura de imediato! 79


Rifão Quotidiano Uma nêspera estava na cama deitada muito calada a ver o que acontecia.

Chegou a velha e disse: - olha uma nêspera e zás comeu-a. É o que acontece

às nêsperas que ficam deitadas caladas a esperar o que acontece. FIGURA 33

Será que se fosse apresentado sem a leitura de Mário Viegas teria provocado a mesma reação? Aqui recordo George Jean quando diz que “o prazer do texto reside, por vezes, no prazer da escuta.” Que tem este texto para nos divertir tanto? - A maneira como foi lido… - O texto é mesmo para fazer rir… - Nós não lemos assim e rimo-nos na mesma… Provavelmente, a escuta que Mário Viegas despertou em nós continuou a sentir-se no modo como recriamos a sua leitura! Não houve outro tipo de exploração, nenhuma outra atenção ao conteúdo, nenhum lugar a perguntas de interpretação. Apenas ler e recriar modos de ler, tendo como mote a leitura de Mário Viegas. Nem o título mereceu, inicialmente, qualquer reparo. Só a proposta “vamos aproveitar esta história para inventarmos outros rifões quotidianos” provocou a pergunta, “o que é um rifão quotidiano?”

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E outras histórias surgiram, umas decalcadas do texto original (FIGURA 34). E outras interpretando uma ideia (FIGURA 35). Um velho estava na praia deitado muito calado a ver o que acontecia chegou o crocodilo e disse - Olha um velho e zás comeu-o É o que acontece aos velhos que ficam deitados calados a esperar o que acontece

FIGURA 35 FIGURA 34

Curiosamente as crianças que evitaram o decalque, recriando a ideia num outro contexto, foram as que esqueceram o maior número de detalhes. Mas também foram as que, provavelmente, melhor souberam interpretar a intenção e o conteúdo do rifão original. No entanto, ao esquecerem os detalhes, produziram textos menos interessantes ao ouvido. Com efeito se são as ideias principais que dão sentido à história, é nos detalhes que a ideia a transmitir ganha força. 81


Aparentemente, as propostas apresentadas pretendem apenas (re)contar uma história com outros atores num outro contexto, sem ter em conta a forma e os detalhes que caracterizam o ambiente. As reações à leitura em voz alta foram o pretexto para analisar os textos. A comparação com o texto original foi a estratégia encontrada para puxar a debate os problemas formais, observando-se o papel representado pelos detalhes na definição da forma de um texto e na criação do clima que se pretende passar. O exercício de ajustamento dos textos à estrutura do rifão original permitiu, por um lado, perceber as diferenças na sua forma, possibilitando, por outro, encontrar no conteúdo as analogias necessárias ao seu enriquecimento.

ORIGINAL

PROPOSTA DO ALUNO AJUSTADO AO ORIGINAL DEPOIS DE TRABALHADO

Uma nêspera estava na cama deitada muito calada a ver o que acontecia.

um aluno estava ___________ distraído a ver O que acontecia

Um aluno Estava na sala a olhar para o ar muito distraído a ver o que acontecia

Chegou a velha e disse: - olha uma nêspera e zás comeu-a.

e o professor disse: - olha um aluno distraído e deu-lhe um cachaço

chegou o professor e disse - olha um aluno distraido e zás deu-lhe um cachaço

É o que acontece às nêsperas que ficam deitadas caladas a esperar o que acontece.

É o que acontece aos alunos ___________ Distraídos ___________ ___________

É o que acontece aos alunos que ficam sentados distraídos a esperar o que acontece

FIGURA 36

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-

Que diz o texto sobre a nêspera? Que diz o texto sobre o aluno? ORIGINAL

DO ALUNO AJUSTADA À ESTRUTURA ORIGINAL

Uma nêspera estava na cama deitada muito calada a ver o que acontecia.

O pedro estava na rua a jogar bola ____________ ____________ _____________

Chegou a velha e disse: - olha uma nêspera e zás comeu-a.

Chegou a mãe e disse: - Pedro anda para casa

É o que acontece às nêsperas que ficam deitadas caladas a esperar o que acontece.

É o que acontece a quem não diz à mãe aonde* vai * Na proposta do Pedro está escrito “onde”, permitindo explorar as situações em que se escreve um e outro termo

FIGURA 37

No trabalho de texto sobre o “Pedro” (FIGURA 37) não esteve apenas em causa a integração de uma ideia numa estrutura préexistente, exigindo, assim, um esforço de reflexão mais profundo sobre o seu conteúdo. Contrariamente à acção desenvolvida com o “aluno distraído” que, pela sua semelhança (passividade), permitiu colocá-lo com a 83


mesma expectativa (ver o que acontecia), apontando para uma conclusão idêntica, a mensagem retida do texto do Pedro vincula uma moral diferente. A expectativa não está, aqui, no “ver o que acontece”, mas nas consequências da violação de uma regra, implícita no desenrolar da acção. ORIGINAL

DO ALUNO DEPOIS DE TRABALHADO

Uma nêspera estava na cama deitada muito calada a ver o que acontecia.

O Pedro estava na rua a jogar bola muito contente e a mãe sem saber

Chegou a velha e disse: - olha uma nêspera. E zás comeu-a.

Chegou a mãe e disse - olha o Pedro na rua sem eu saber. E zás, mandou-o para casa

É o que acontece às nêsperas que ficam deitadas caladas a esperar o que acontece.

É o que acontece a quem fica na rua a jogar bola sem dizer à mãe aonde vai

FIGURA 38

Que fez o Pedro?  Foi jogar bola sem a mãe saber.  Foi para a rua sem dizer à mãe onde ia.  Foi jogar bola às escondidas da mãe.  Foi jogar bola sem dizer à mãe onde ia. 84


A nêspera, o velho e o aluno distraído estavam à espera do que acontecia. E o Pedro estava à espera de quê?  Jogar a bola sem a mãe saber.  Não ser apanhado.  Jogar bola todo o dia. Compiladas as ideias sugeridas pela história do Pedro, reescrevese o texto, auxiliado pela comparação, linha a linha, com o rifão original (FIGURA 38). Finalmente voltámos ao rifão original para explorarmos outras interpretações, outros sentidos que ele nos traz:   

Há pessoas que não se interessam com o que se passa à sua volta; Não devemos deixar para os outros o cuidado dos nossos interesses; …………………

Descarregar apresentação multimédia a partir de: www.agoragaia.pt.vu

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2.7. “Ou Isto ou Aquilo” de Cecília Meireles (3º e 4º ano de escolaridade) O saber também é feito das memórias que guardamos da história das histórias que aprendemos a contar. De vez em quando, desafiamo-nos a registar tudo o que acontece no decurso de um trabalho de texto. E, então, registamos tudo o que é escrito no quadro. E registar tudo significa registar tudo, mesmo o que acabamos por concluir que não está certo (ou gostamos menos) e então apago do quadro. Mas nos cadernos dos alunos leva um risco por cima, para que se perceba onde está o engano ou como era a frase de que não gostamos tanto: são registos que servem para escrevermos a história (uma espécie de ata) do texto que escrevemos em conjunto.

- Identificar/aplicar pronomes e adjetivos - Identificar/aplicar discurso direto e discurso indireto - Identificar estrofes e versos

Este relato é a história de um destes textos, que escrevemos para ensinar/aprender a escrever e a chamar as coisas pelos nomes que elas têm

Hoje a professora leu-nos o poema “Ou Isto ou Aquilo” de Cecília Meireles (FIGURA 39). A seguir lemos nós, tantas vezes, que quase sabemos de cor. E como já é costume, experimentamos escrever sobre o mesmo tema. 86


A professora pediu-nos para escrevermos palavras de coisas que podemos ver, sentir e ouvir – só palavras, frases não. Quando acabou o tempo para esta tarefa, ditamos as palavras para a professora escrever no quadro. Mas a professora só escreveu as que achamos que serviam para o poema que íamos escrever. Com estas palavras, escrevemos os nossos versos com coisas que não podemos ver, ouvir ou sentir ao mesmo tempo.

FIGURA 39

A professora escreveu no quadro os versos que mais gostámos de ouvir e lemos para ver se continuávamos a gostar. Ou se tem o brilho do sol e não se tem o brilho da lua Ou se tem o brilho da lua e não se tem o brilho do sol Ou se tem o brilho do diamante e não se tem o brilho da estrela Ou se tem o brilho da estrela e não se tem o brilho do diamante Ou se tem o arco-íris e não se tem o céu azul Ou se tem o céu azul e não se tem o arco-íris FIGURA 40

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Comparámos os nossos versos com o poema original e achamos que estava bonito, mas a professora não gostou que estivesse quase igual. E então disse: – E se trocássemos o verbo “ter” por outro verbo? E experimentamos várias formas (FIGURA 41). Ou se é brilho do sol e não se é brilho da lua Ou somos o brilho do sol e não somos o brilho da lua Ou sou o brilho do sol e não sou o brilho da lua Ou brilho como o sol e não brilho como a lua. FIGURA 41

Em seguida observamos a lista de palavras que escrevemos no início, para ver se conseguíamos outras combinações que não fossem: -

brilho ……… brilho ter …….. ter ver ……. ver

FIGURA 42

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A Cecília Meireles escreveu no seu poema que não é possível estar ao mesmo tempo em dois lugares. Para escrevermos uma coisa um pouco difeMas há coisas que posso rente, resolvemos Fazer ao mesmo tempo: escrever sobre o que Ou caminhar e sentir o ar na cara podemos ter ou fazer Ou sentir o ar na cara e caminhar ao mesmo tempo Ou ver o céu enquanto subo a montanha (FIGURA 43). Ou subir a montanha enquanto vejo o céu Ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo e passo o dia a escolher o que quero FIGURA 43

Lemos o poema todo para ver como ficou e fizemos mais algumas alterações (FIGURA 44).

FIGURA 44

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E a professora disse que tínhamos que arranjar outro lugar para a última estrofe, porque os versos anteriores falavam de coisas que podemos fazer ao mesmo tempo. Depois de descobrirmos o melhor lugar para esta estrofe, completamos a última começada pela professora (FIGURA 45).

E em vez de ou isto ou aquilo Tenho, então, isto e aquilo FIGURA 45

E o poema ficou pronto Ou brilho como o sol e não é noite Ou brilho como a lua e não é dia Ou brilho como um diamante e não sou estrela Ou brilho como uma estrela e não sou lua Ou vejo o arco-íris e não tenho dia claro Ou tenho dia claro e não vejo o arco-íris Ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo E passo o dia a escolher o que quero. Mas há coisas que posso Fazer ao mesmo tempo Ou caminhar e sentir o ar no rosto Ou sentir o ar no rosto, caminhando. Ou ver o céu enquanto subo a montanha Ou subir a montanha enquanto vejo o céu E em vez de isto ou aquilo Posso fazer, então, isto e aquilo FIGURA 46

Ouvir faixas 14 e 15 do CD Descarregar a partir de www.agoragaia.pt.vu

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2.8. Entre as “Nuvens” de Jorge Sousa Braga e “O Segredo do Rio” de Miguel Sousa Tavares “Tive a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura. (…) Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar quieta, calada e atenta para os ouvir. Desse encontro inicial ficou em mim a noção de que fazer versos é estar atento e de que o poeta é um escutador” (Sophia de Mello Breyner Andresen, 2004).

- Escrever listas de palavras de acordo com um tema - Identificar substantivos e adjetivos - Saber associar os sinais de pontuação ao ritmo pedido pelo sentido da escrita - Exprimir ideias, sentimentos, emoções…

“Nuvens” (1º a 4º ano de escolaridade) Comecei por ler as duas primeiras linhas do poema em prosa (Nuvens), de Jorge Sousa Braga. Depois repeti a leitura frase a frase. Mas, antes de repetir o poema,

FIGURA 47 – “NUVENS”

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disse que gostava que ouvissem com os olhos fechados e que os abrissem, apenas, quando encontrassem a resposta para a pergunta que lhes iria fazer depois. “Sinto-me como se vivesse dentro de uma nuvem. Branca. Fecho os olhos e deixo-me arrastar. Pelo vento”. Onde foi que o vento nos deixou? (Para algumas crianças o local encontrado confunde-se com um objecto de desejo – FIGURA 48)

FIGURA 48

Continuei com as perguntas para abrir lacunas que dão continuidade à história que propus recriar (FIGURA 49).

FIGURA 49

e com as primeiras respostas preenchi as lacunas (FIGURA 50), como exemplo do que queria que fizessem, também, nos seus cadernos.

FIGURA 50

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E cada um preencheu as lacunas com as respostas que encontrou. Finalmente li o poema todo para ver as reacções: – Não perceberam nada, pois não? – Não – responderam-me em coro. – Mas é lindo, não é? – É é é é é… E com o 1º ano o trabalho ficou por aqui.

* Com a turma do 4º ano o processo foi idêntico, iniciado, também, com a leitura das duas primeiras linhas. Mas, aqui, com a primeira pergunta, quis que as crianças descobrissem o que sentiam se vivessem dentro de uma nuvem (FIGURA 51). A indicação do lugar para onde o vento empurrou a nuvem foi a pergunta que se seguiu (FIGURA 52) para, finalmente querer saber o que fizeram no local onde o vento a deixou (FIGURA 53)

Sinto

Fui até

conforto, calma, feliz, vento no rosto, relâmpagos, calor, a voar, descansada, dormir, relaxada, paz, sossego, leve

destino, paraíso, outra nuvem, espaço, além, campo do dragão, céu, sol, alto das montanhas, palácio de cristal, pólo norte, imaginação, arcoíris, outro lado do mundo, florestas, montanhas grandes

FIGURA 51

FIGURA 52

Fiz buscar cor para o meu quadro, visitar outros países, bolas de nuvens, ver o futuro, despejei a nuvem, falei com o sol, brinquei às caçadinhas, corri na montanha FIGURA 53

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Com as respostas registadas no quadro, propus, então, que arranjassem forma de as integrar no poema original: primeiro, localizando o lugar apropriado para cada resposta e, depois, fazendo os ajustes necessários para trazer ao texto todo o som próprio de um poema. É nesta fase do trabalho que a expressão “esculpir a palavra” melhor se aplica. Mas este é um processo que dificilmente uma criança consegue aprender sozinha. E, aqui, o verbo ensinar agarra todo o seu sentido. Para dizer o que sentimos podemos começar a frase com o verbo sentir, ou podemos começar com a palavra que indica o que sentimos. Mas para isso, ela tem que ser transformada. Verificamos, então, que apenas algumas palavras se deixam transformar na forma que nos agrada.

FIGURA 54

Completamos esta parte do poema com as expressões que encontramos, e lemos para ver se gostávamos do que ouvimos (FIGURA 55).

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Sinto-me como se vivesse dentro de uma nuvem. Branca. Uma calma enorme toma conta de mim. Invade-me. Sintome como se estivesse deitada numa cama. De algodão. FIGURA 55

Passamos à escolha do local onde a nuvem parou e do que fizemos enquanto lá estivemos. E escrevemos frases para continuar o poema (FIGURA 56).

FIGURA 56

Sinto-me como se vivesse dentro de uma nuvem. Branca. Uma calma enorme toma conta de mim. Invade-me. Sintome como se estivesse deitada numa cama. De algodão. Fecho os olhos e deixo-me arrastar. Pelo vento. Chego Paro ao no arco-íris. E encho uma lata de cores para pintar o meu quadro. FIGURA 57

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Lemos e relemos o que escrevemos para encontrarmos o tom certo. E fizemos mais um acerto: trocámos “chego” por “paro” (FIGURA 57). Finalmente voltamos ao poema original, todo. E comparamo-lo com a nossa escrita.

Ouvir faixas 16 e 17 do CD Descarregar a partir de www.agoragaia.pt.vu

* Enquanto o poema foi apenas ouvido, não houve lugar a reparos quanto à forma de pontuação usada. Mas quando passei o poema a escrito, para ser trabalhado, perguntei se não havia nada de estranho, na forma de pontuar usada pelo poeta. Então, alguém chamou a atenção para uma Sinto-me como se vivesse pontuação que ia contra tudo o dentro de uma nuvem que, até então, lhes tinha branca. Fecho os olhos e ensinado: nunca separamos um deixo-me arrastar pelo nome (substantivo) da sua vento. qualidade (adjetivo)! FIGURA 58

Então, sugeri que reescrevessem o poema com a pontuação que achavam correcta. E, a seguir, pedi que lessem com a leitura que a pontuação encontrada pedia. A diferença entre ter ponto final ou não ter, foi o tema do debate que propus.

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Que passou pela cabeça do poeta para separar o adjetivo do nome? Às tantas – sugeri – quis chamar a atenção para a palavra “branca”. Que terá esta palavra de tão importante para ser destacada? Com o impasse instalado, vou lançando contributos para o debate: - “Branca” é a cor da nuvem. Mas as nuvens podem ser de outra cor. - Ela é branca e não cinzenta por alguma razão. - Quando é que a nuvem é branca? E quando é cinzenta? Recordamos outra forma semelhante de organização do texto, que experimentamos noutras ocasiões, para reforçar uma ideia. E analisámos o ritmo a dar à leitura, que esta pontuação pedia. Sinto como se vivesse dentro de uma nuvem. Uma nuvem branca. FIGURA 59

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“Debruçar-se sobre a língua em funcionamento, lendo textos, debatendo temas, esquematizando intervenções, fazendo anotações, revisando conceitos e conceções: eis a preparação para escrever textos: conviver com a expressão e não analisar ou descrever os recursos de expressão” (Geraldi).

- Saber antecipar (prever) uma informação - Aprender a fazer as perguntas necessárias para completar uma informação

”O Segredo do Rio” (2º a 4º anos de escolaridade) Que relação tem “O Segredo do Rio” com as “Nuvens”? Nenhuma! Mas relacionam-se num dos modos que utilizamos para ensinar a escrever: têm uma estrutura que ajuda, a partir da sua leitura, a ensinar a fazer as perguntas que nos auxiliam a descrever uma cena (FIGURA 61). “O Segredo do Rio” teve assim um tratamento idêntico ao FIGURA 60 tratamento usado com as “Nuvens”: de vez em quando parávamos e, convidávamos a imaginar o que se passava a seguir. E continuávamos a leitura, comparando as respostas encontradas

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com as respostas que Miguel Sousa Tavares encontrou para escrever o seu texto.

As Nuvens

O Segredo do Rio

“Sinto-me como se vivesse “Era uma vez um rapaz” dentro de uma nuvem. Branca”. - Como era o rapaz? - Que posso sentir mais? “Fecho os olhos e deixo-me “Que morava numa casa de campo”. arrastar. Pelo vento”. - Como era a casa de - Até onde vou? campo? FIGURA 61

A “Nuvem”, sendo um poema, esconde a história numa espécie de jogo de descoberta. É uma síntese, para usarmos o termo de Sophia de Mello Breyner Andresen, que “exprime experiências mais ou menos transpostas”. Podemos lê-lo todo, ou dá-lo a ler, antes de qualquer pergunta, que os espaços a preencher abremse vazios a convidar a escrita feita das respostas às perguntas que temos para fazer. Mas com “O Segredo do rio” os espaços que se abrem, com as perguntas que vamos fazendo, estão já preenchidos pela história. Podem ou não ser preenchidos por outras respostas; mas se fazemos as perguntas depois do texto lido, elas vêm condicionadas pelas respostas que a história já traz. Daqui fazermos acompanhar a leitura do texto com estas perguntas que marcam os espaços a preencher, permitindo apenas a resposta que vem da experiência do leitor. E, então, de vez em quando, surpreendía99


mo-nos ao ver que, aqui e ali, parecia termos vivido experiências idênticas: só as palavras e o seu jogo eram, muitas vezes, diferentes (FIGURA 62). “O rapaz ouviu aquela conversa e ficou gelado de terror e sem saber o que fazer”. Porquê? “Se avisasse o peixe e ele fugisse nessa Se não avisasse, o noite, ficava na mesma sem o seu seu pai pescava-o e amigo e a família ficava sem comida. ele era comido. Se Por outro lado, se deixasse o pai pescar avisasse ele fugia e a carpa, ele não conseguia imaginar-se já não teria um capaz de comer aos bocados aquele amigo para brincar peixe que agora era seu grande companheiro de conversas e brincadeiras” FIGURA 62

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2.9. “Na Praia lá da Boa Nova” de António Nobre (3º e 4º ano de escolaridade) A experiência de ouvir diferentes formas de ler um texto permite perceber o que a voz lhe pode fazer. Nenhum texto tem uma única forma de ser lido. E cada uma traz o seu entendimento próprio: o entendimento de quem emprestou a voz ao texto. A voz, principalmente na poesia, é fundamental neste processo.

 Perceber que o modo como lemos não é indiferente  Saber usar o contexto para aceder ao sentido de um texto  Saber utilizar a escrita dos outros na nossa escrita  Saber usar metáforas

1. Apresentação do poema através do vídeo com a leitura realizada por Cláudia Effe. Com esta apresentação pretende-se, apenas, sentir o poema através do som que o dizer das palavras nos traz; não há lugar a “interpretações”, apenas impressões que as leituras seguintes irão aclarar, de acordo com a ideia FIGURA 63 de que a poesia é, em primeiro lugar, para sentir e depois, se possível, compreender. -

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2. No segundo momento, repetimos a leitura acompanhada da palavra escrita.64 -

Aqui procuramos colher as primeiras impressões que o poema colocou em nós: em que atmosfera nos coloca, que sentimentos nos traz…

3. Ensaiamos a nossa leitura, acompanhados pela leitura da Cláudia Effe 4. Convidamos voluntários a acompanhar a leitura da Cláudia Effe com a sua leitura. E, em seguida, experimentamos ler com a nossa leitura apenas (intercalando com as nossas leituras, fomos passando os vídeos com as outras formas de ler). 5. Iniciamos a procura da estória que a poesia nos traz; não a estória escondida nas metáforas do autor, mas a estória que navega à superfície: - O local onde se desenvolve a ação (a praia da Boa Nova está ali – em Leça – bem perto de nós: podemos vê-la em vários sítios da net; ou podemos, se possível, programar uma visita); - As personagens; - ……………………………… - Procuramos o significado de palavras desconhecidas, começando pelo levantamento de hipóteses alternativas (se até então não tivermos sido interpelados neste sentido). Compa64

Se formos interpelados sobre o significado de palavras desconhecidas, convidamos a levantar hipóteses, a procurar alternativas de acordo com a nossa experiência, deixando a procura dos significados para mais tarde. Com esta atitude procuramos ensinar a utilizar o contexto para aceder ao sentido de um texto, quando o significado de algumas palavras não está, no momento, acessível.

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ramos as hipóteses com os significados que encontramos no dicionário. 6. E entramos no poema com a nossa escrita também: - Preenchendo as lacunas que abrimos: Na praia lá da Boa Nova, num dia quente de Verão - Modificando palavras: construi um grande castelo feito de… … …

Na praia, lá do areinho, um dia Construi (foi esse o grande mal) Papagaio colorido, o que é a fantasia Todo pintado a tinta e lápis de cor Naquelas redondezas não havia Quem se gabasse dum papagaio igual Oh papagaio tão lindo! Parecia Grande pássaro comigo a voar. Um dia (não sei quando nem sei donde Um vento forte vindo da montanha Deitou por terra o meu sonho de voar O meu sonho, o meu sonho sim Porque eu sonhei estar a voar Enquanto via o papagaio a bailar.

7. Posteriormente, quando analisamos as produções, pudemos procurar o sentiFIGURA 64 do mais profundo deste soneto65 escondido na metáfora que lhe dá a forma: sonhar não é condição suficiente para a concretização dos nossos sonhos. E procuramos a escrever outros poemas com outros sonhos (FIGURA 64) Descarregar apresentação multimédia a partir de: www.agoragaia.pt.vu

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Podemo-nos referir ao soneto como a forma de determinados poemas: duas quadras, seguidas de dois tercetos.

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2.10. “Boletim Meteorológico” de Mário Viegas (2º a 4º ano de escolaridade) Não é indiferente, para a compreensão - Saber usar variações expresside um texto, o modo como abordamos vas da língua, na leitura de a sua leitura, como fazemos mexer as textos, com diferentes objetipalavras na frase, como as fazemos vos respirar com a nossa respiração. - Modificar o seu sentido Com a nossa leitura, podemos transformar um texto inócuo ou neutro, num outro que diz muito mais do que o significado literal das suas palavras e frases sugere. Então, não é leitura apenas, no seu sentido mais restrito, que propomos.

O programa do 1º ciclo propõe que proporcionemos, às nossas crianças, a possibilidade de experimentarem “variações expressivas da língua oral, variando a entoação de uma frase, dizendo-a como quem ri, como quem chora, como quem manda, como quem pede”… Então, com a atividade aqui proposta, começamos por transpor esta experiência para as leituras que fazemos. Com esta abordagem pretendemos dotar a leitura de uma dimensão que é vista, tradicionalmente, como algo que vem depois da leitura, integrando-a no ato mesmo de ler: a interpretação. Quer dizer, queremos que a leitura seja, também, interpretar, imergindo em todas as possibilidades que o texto dá, para além daquelas que o navegar na sua superfície nos traz, e chegar além da extração do acontecimento.

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Um boletim meteorológico é feito para nos informar sobre o estado do tempo. E quem o lê, normalmente (para não dizer sempre), é esta informação que procura. Mas isto não significa que este tipo de texto não tenha algo mais para nos dizer. Com efeito, um texto informativo tem muito mais do que as informações que regista. Ao lermos, por exemplo, que nas Penhas da Saúde a temperatura é de 6 graus podemos concluir que o tempo está frio por lá. E, no entanto, o boletim meteorológico diz-nos apenas que a temperatura mínima é de 6 graus: a interpretação sobre o tempo que faz, resulta da nossa experiência com este tipo de temperaturas. Quer dizer, na leitura, interpretar significa trazer a nossa experiência para o texto. FIGURA 65

“A leitura de um texto – diz Paulo Freire – é uma transação entre o sujeito leitor e o texto, como mediador do encontro do leitor com o autor do texto. É uma composição entre o autor e o leitor em que o leitor, esforçando-se com lealdade no sentido de não trair o espirito do autor, «reescreve» o texto”. Como refere Paul Ricoeur, “a compreensão pretende coincidir com o interior 105


do autor, igualar-se a ele, reproduzir o processo criador que originou a obra”. Quais são os limites de um texto e quem os define? Atrevemonos a defender que os limites de um texto são os limites definidos pelo leitor, na condição de este não colocar em causa o espírito do autor: o leitor deste boletim meteorológico pode dizer que faz frio nas Penhas da Saúde ou que em Monte Estoril está «frescote», mas não pode transformar um vento forte num furacão. É esta reescrita que, de certa forma, ensinamos a fazer com esta atividade, criando as condições para que as nossas crianças aprendam a definir os limites de um texto, desfiando-as, também, a ultrapassar estes limites com a sua leitura. ENTÃO… (dependendo do nível de escolaridade, a atividade vai da simples experiência de ouvir ler até…) 1. Apresentamos a leitura de Mário Viegas, mantendo o título escondido. 2. Interpelamos sobre as impressões que a leitura causou, sobre o tema que trata… 3. Repetimos a leitura mas, agora, acompanhada do texto (na forma que Mário Viegas lhe deu) e de um vídeo que ilustra o ambiente criado pela leitura. 4. Interpelamos sobre a estória (ou estórias) que o texto pode contar, ajudados pelas ilustrações oferecidas pelo vídeo 5. Convidamos alguns voluntários a recriarem a leitura.

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E, FINALMENTE, 6. Recreamos o mesmo processo na leitura de receitas culinárias, que pedimos previamente para este efeito, organizando os seus textos de acordo com a leitura que pretendemos realizar. Exemplo Bacalhau com natas Receita de bacalhau com natas Uma posta de bacalhau demolhada ………………………… FIGURA 66

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2.11. “Algumas Preposições com Pássaros

e Árvores que o Poeta Remata Com uma Referência ao Coração” de Ruy Belo (3º e 4º ano de escolaridade) “Se, na leitura, não existia uma coisa - Identificar analogias e detetar a lógica da sua construção chamada «a última palavra», então nenhuma autoridade nos poderia impor uma leitura «correta»” (Alberto Manguel) Um dos erros na exploração de textos poéticos é pretender tudo explicado como se, para cada pergunta que o texto levanta, houvesse algures a resposta que tira todas as dúvidas

Os pássaros nascem na ponta das árvores As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores Os pássaros começam onde as árvores acabam Os pássaros fazem cantar as árvores Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal Como pássaros poisam as folhas na terra quando o outono desce veladamente sobre os campos Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores mas deixo essa forma de dizer ao romancista é complicada e não se dá bem na poesia não foi ainda isolada da filosofia Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros Quem é que lá os pendura nos ramos? De quem é a mão a inúmera mão? Eu passo e muda-se-me o coração FIGURA 67

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Manuela Azevedo apresentou o poema. E na apresentação, a curiosidade do cenário (Parque Biológico de Avintes), revelada pelo vídeo, despertou a nossa atenção. Para além da leitura em voz alta, este poema não teve outra exploração relevante. Só que desta vez, optámos por experimentar a leitura em grupo: grupos de três crianças organizados livremente, distribuíram entre si os versos que iriam ler. Como as palavras de significado desconhecido não serão utilizadas nos seus textos em tempos mais próximos, não investimos muito na sua análise. Procuramos apenas uma ou outra analogia: pássaros/folha de árvore; fruto/pássaro.

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2.12. “Cabril” de Jorge Sousa Braga (3º e 4º ano de escolaridade) Há textos que pedem apenas “lê-me e - Antecipar/prever o conteúdo segue comigo sem cuidar de saber para de um texto através do seu onde”. Outros há que são eles mesmo título uma pergunta a que o leitor responde - Distinguir significado literal de com uma viagem. não literal - Deduzir o significado de uma palavra através da sua família - Consultar o dicionário (reconhecer critérios de pesquisa

A apresentação do título do poema e a antecipação do respetivo conteúdo, levanta o primeiro desafio: Que significa cabril? -

Antes de consultar o dicionário: vem de cabra; é da família de cabra. Depois de consultar o dicionário: é uma cerca de cabras. Esta noite sonhei que era um rio. Um rio pequenino, é certo, que nada mais conhecia além das montanhas onde nascia, dos amieiros e dos juncos que nele se debruçavam. Como todos os rios, o que eu mais ardentemente desejava era desaguar. Comecei a perguntar onde ficava o mar, mas ninguém me sabia responder. Apontavam-me com um gesto vago ora o este ora o oeste. Escolhera já uma forma de desaguar – em delta, claro – mas não recolhera ainda o menor indício da proximidade do mar. Uma noite em que estava acampado entre as dunas cheguei finalmente a uma conclusão (a mesma a que todos os rios chegaram talvez antes de mim). O mar não existia. (E essa conclusão era salgada) FIGURA 68

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Vimos e ouvimos a interpretação realizada por Anabela Mota Ribeiro, uma e outra vez…, acompanhando-a com a leitura das legendas. E verificamos que o poema não fala de cabras, nem de cercas (aparentemente). No entanto, por sugestão minha, deixamos este assunto em suspenso e avançamos para o reconto da história que o poema encerra: -

Sonho que sou um rio Quero desaguar no mar mas ninguém me diz onde ele fica Descubro que o mar não existe e que esta descoberta é salgada.

Voltamos a ouvir o poema e convidamos quem quis a interpretálo com a sua leitura. Lemos o poema silenciosamente para listar as palavras que levantaram dúvidas no seu significado: amieiro; delta; indício; debruçar; junco; ardentemente (desejar ardentemente) Do conjunto de palavras listadas, apenas “ardentemente” não precisou de consulta do dicionário (que arde, que queima) mas verificamos que no poema apresentava outro sentido. Quanto à palavra delta, dos significados encontrados, selecionamos a forma que o rio pode tomar quando chega ao mar, mas ninguém conseguiu descrevê-la. E prosseguimos: Porque disse o rio que o mar não existe? -

Estava a dormir quando chegou ao mar Passou a fazer parte do mar Estava dentro do mar e, por isso, não via o mar.

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Depois de nos desafiarmos a escrever uma expressão que explicasse a transformação do rio no final da viagem, e antes que esta leitura virasse desprazer num trabalho escolar interminável, voltámos à leitura do poema, procurando a surpresa do rio na conclusão a que tinha chegado, com as nossas interpretações.66

Dormia quando chegou ao mar. E, dentro dele, passou a ser ele também. FIGURA 69

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Convém não esquecer que este tipo de atividades são promovidas para desenvolver o prazer da leitura. Uma exploração mais escolar, que incida sobre conteúdos relacionados com o funcionamento da língua, até pode surgir com os textos explorados neste espaço, mas não no dia em que se dão a conhecer: não é preciso estragar o momento com propostas que não trazem o prazer que procuramos.

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2.13. “Eu Tenho um Cão de Corda” de Sidónio Muralha (1º a 4º ano de escolaridade) Aprender a fazer inferências é aprender a olhar para além da superfície do texto, observando não só os seus indícios mas trazendo, para a leitura, os conhecimentos próprios também. E o trabalho com adivinhas, ou textos dentro do mesmo registo, é uma excelente forma de desenvolver a capacidade de inferir.

Eu tenho um cão muito pequenino que me cabe na mão e não é ladino.

- Ser capaz de convocar conhecimentos próprios para a leitura de um texto

Nem come sopinha por mais que lhe dê, e não bebe leite antes que se deite na sua caminha.

Só se põe a correr se o menino lhe mexer.

E que coma açorda ninguém se recorda, nem papa-farinha.

Não come carne nem peixe mesmo que o deixe, nem tinha chocolates e bolos Como os cães tolos.

E sabem porquê? Ninguém adivinha? É que o patetinha é um cão de corda.

FIGURA 70

Este poema funciona como uma adivinha. E é em jeito de adivinha que o propomos. Ouvimos a leitura de Mário Viegas até ao ponto em que ele suspende a resposta.

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E deitámo-nos a adivinhar como é que o poema acaba. Registadas as hipóteses, prosseguimos com a audição da leitura de Mário Viegas. Ensaiamos, como de costume, as nossas leituras. E lançamos as nossas adivinhas, já conhecidas ou inventadas na hora.

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CONCLUSテグ

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E

NTRE A LEITURA E A ESCRITA

A história da leitura dá-nos exemplos de pessoas que aprenderam a ler antes de aprenderem a escrever uma palavra que fosse: “Descobri pela primeira vez que sabia ler aos 4 anos” – diz Alberto Manguel,67 acrescentando que só aprendeu a escrever “muito mais tarde, quando tinha sete anos”. E concluiu dizendo que talvez pudesse viver sem escrever, mas que achava não poder viver sem ler. Alberto Manguel diz, desta forma, ter descoberto que a leitura precede a escrita e que uma sociedade, podendo existir sem escrita (e muitas existem), não pode prescindir da leitura:68 “Mesmo nas sociedades que registam a sua existência, a leitura precede a escrita: o escritor em potência tem de ser capaz de reconhecer e decifrar o sistema social de signos antes de os inscrever na página”. Numa outra linha de análise, Paul Ricoeur diz que a leitura e a escrita são separadas pelo livro em duas vertentes: 67

MANGUEL, Alberto (2010) “Uma História da Leitura”. Lisboa: Editorial Presença.

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A leitura, aqui, aparece num sentido lato que não se esgota na leitura da escrita. “O jogador de cartas lê os gestos do seu parceiro antes de arriscar a carta decisiva; os pais leem no rosto do bebé sinais de alegria, medo ou surpresa (…). Todas estas pessoas partilham com o leitor de livros a capacidade de decifrar e traduzir signos” (Alberto Manguel, idem: 2010). A leitura, neste sentido, faz parte do nosso instinto de sobrevivência, quer dizer, para que possamos fugir de um perigo, que surge perante nós, é necessário saber ler os sinais que o anunciam. Foi esta capacidade, talvez instintiva, de ler, que permitiu ao homem inventar a escrita tal como hoje a conhecemos. Não é de leitura da escrita que Alberto Manguel trata aqui, portanto; mas de uma leitura que, no dizer de Paulo Freire, se inscreve na “leitura do mundo”, sem a qual a leitura da escrita não seria possível.

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“O livro separa em duas vertentes o ato de escrever e o ato de ler, que não comunicam; o leitor está ausente da escrita; o escritor está ausente da leitura. O texto produz uma dupla ocultação do leitor e do escritor; é deste modo que ele toma o lugar da relação de diálogo que liga, imediatamente, a voz de um ao ouvido do outro”. Sendo certo, por um lado, que a leitura precede a escrita e que uma pessoa para aprender a escrever precisa de aprender a ler, e, por outro, que a leitura de um livro é a leitura que convoca não é a escrita, procuramos, no entanto, nas nossas páticas de ensino, o «artifício didático» que junta no leitor o que Paul Ricoeur vê separado pelo livro. E defendemos com Cèlestin Freinet e Paulo Freire (entre outros) a impossibilidade de uma prática de ensino da leitura sem o ensino da escrita, que procura, no ato de ler, saber de que é feita aquela escrita. Quer dizer, mesmo quando julgamos ensinar apenas a ler um texto, a escrita está presente no modo como interpretamos, com a nossa voz, o movimento que o escritor imprimiu às palavras na sua escrita: a leitura em voz alta assemelha-se à escrita do texto; não conseguimos escrever um texto sem o ouvir. A escrita não se aprende, apenas, com uma caneta na mão! A escrita está presente, também, a partir do modo como percebemos a nossa fala depois de escrita por um outro que a traduziu connosco, precisamente para ser escrita. Neste processo, a fala sofre uma transformação, e a perceção desta transformação é já uma etapa na aprendizagem da escrita E quando dizemos que o desenvolvimento da escrita alimenta-se (não só mas também) dos textos que lemos ou ouvimos ler, é esta perce117


ção do que a escrita faz à fala que procuramos apurar, pegandoos e transformando-os numa outra fala que investimos na nossa escrita. A leitura dos textos de autor, tal como a apresentamos na descrição das práticas que promovemos, faz parte deste percurso que procura fazer falar o texto para melhor percebermos como foi feito. Uma forma de exploração do texto, de entre as várias formas possíveis, que procurou retirar o livro e a leitura da “forma escolar” de se darem a conhecer.

M

OTIVAR PARA A LEITURA

Motivar para a leitura e para a escrita nunca foi tarefa fácil. E, agora, neste mundo globalizado pelas tecnologias da comunicação e informação, a tarefa é pouco menos que imensa. Os motivos que nos afastam do livro são mais que muitos: para quê investir esforço na leitura de uma história se a podemos encontrar num qualquer clube de vídeo, pronta a consumir, sem o trabalho de imaginar o que as palavras, só por si, não são capazes de mostrar; para quê investir horas, folheando livros e enciclopédias, na procura da informação, se a revolução informática nos coloca o conhecimento (?) à distância de um click? Talvez por isso, há quem aposte no fascínio das novas tecnologias como meio de promover a adesão das crianças e jovens à leitura e à escrita. Não cremos, no entanto, que este seja o melhor motivo para fazer entrar na escola uma tecnologia que não tem no prazer de ler mas na aceleração do acesso à informação, se não o seu propósito, pelo menos a sua principal motiva-

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ção. A pesquisa da informação, num qualquer promotor de busca, com certeza que tem leitura também, que é preciso acompanhar e ensinar a fazer. Mas esta leitura será, quando muito, um instrumento mais, na busca de um prazer que não reside na leitura, mesmo.69 69

Refletindo sobre o que caracteriza o tempo que hoje vivemos, Joel Rosnay identifica o «tempo longo» e o «tempo curto». O tempo longo pode ser o tempo do trabalho, da profissão, das férias, do fim de semana; é o tempo das sequências temporais que se sucedem linearmente e de que precisamos para nos mantermos “sincronizados com o tempo social”. O tempo curto é o tempo do instante, do flash feito de prazer; “é o tempo mediático do zapping, do replay, do surfing, tanto do agrado dos jovens”; um tempo de forte implicação com a noção de consumo. Este tempo curto é um «tempo sem tempo», intruso no nosso tempo, que se mostra no spot publicitário, no vídeo-clip, ou no flash informativo e que, consumido sem critério, acelera o nosso tempo, contribuindo, muitas vezes, para a poluição de um espírito sem tempo para refletir. Então, face à velocidade que caracteriza a vida dos nossos dias, Joel Rosnay propõe que conservemos “a possibilidade de introduzir nas nossas vidas, a lentidão, a perenidade, em saber dar tempo ao tempo, para nos construirmos passo a passo e poder assim conferir sentido às nossas ações”. E introduz a noção de «tempo largo», associado não à experiência vivida, como acontece nas noções clássicas de tempo, mas a um “capital-tempo acumulado, destinado a produzir interesses temporais” e que tem nos motores de busca da Net, nas bibliotecas e nos arquivos e, de um modo geral, nos diversos instrumentos de memorização da informação, as ferramentas que intervêm na sua constituição. Enquanto que os tempos longo e curto trazem a sensação de distância, de caminho percorrido ou a percorrer, com marcas de direções ou sentidos, neste tempo largo os caminhos estão ainda por definir; sendo largo, tem inúmeras direções e sentidos que é possível desenhar. E temos a possibilidade de um «tempo suspenso», um «tempo em devir» ou, para usar os termos de Rosnay, de um «tempo potencial», que podemos investir na realização de novos projetos. Num mundo condicionado por uma informação incontrolável produzida pela velocidade de acesso aos media, Joel Rosnay vê, então, na constituição daquele capital-tempo o segredo que permite “recuperar espaços de tempo, respirações, silêncios que podem voltar a dar sentido à nossa existência” (Citado por Daniel LOUSADA – a propósito do texto “O Pixel e o Papel”, de José Manuel Furtado –, em “Tempo da Escola, Neste e Noutros Tempos”. V. N. Gaia: Texto fotocopiado, 2010).

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Ler e escrever por prazer são atividades que parecem incompatíveis com o tempo acelerado que vivemos hoje. Por isso mesmo, leitura e escrita nunca foram tão necessárias pela pausa a que obrigam e de que o pensamento necessita tanto. Mas para que a escrita recupere o lugar que foi perdendo, a favor de outras formas de expressão mais expeditas, é necessário equacionar o trabalho sobre as suas funções em função das necessidades da vida presente, sem dogmatismos ou preconceitos, conscientes da distinção, que o texto digital tornou mais evidente, entre “leitura da necessidade” e “leitura apaixonada”, distinção esta que procuramos alargar, também, à escrita: “(…) vamos mostrar para ele (…) porque é que as palavras que escrevemos para nós são muito melhores do que as palavras que escrevemos para os outros” – diz Forrester ao jovem Jamal).70 O que procuramos, até aqui, foi a promoção do livro e da leitura de uma forma apaixonada, investindo numa prática de trabalho capaz de trazer o prazer do texto. Mas isto só é possível se ensinarmos a ler e a escrever de facto, incorporando este prazer numa forma de viver a aprendizagem da língua construída ao longo de todo o processo, e não como um qualquer conteúdo que o programa nos obriga a transmitir.71

70

Em “Descobrir Forrester”, um filme de Rob Brown, 2000

71

Muitos têm criticado o lugar que os programas de língua portuguesa reservam ao prazer da leitura e da escrita, afirmando que a escola primeiro tem que ensinar a ler! É verdade! Mas não é em primeiro ou em segundo. Tem de ensinar e pronto. Não percebem, ou não perceberam então, que a primazia do

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* A escola precisa de (re)aprender a ser a pausa de que escrita precisa tanto e a não descartar sistematicamente para «a casa», a responsabilidade de acompanhar os seus alunos na sua escrita: «a casa», com a velocidade dos horários a condicionar as vidas dos que lá vivem, tem cada vez menos condições para «ensinar» a escrever; e a escrita é tarefa demasiada para se aprender a gostar sozinho. Isto não significa que a escola seja o único espaço de escrita e que a casa de cada um não possa ser esse espaço também. Mas, podendo (e devendo) ser um espaço onde a escrita e a leitura acontecem, não pode ser nela a recair a responsabilidade do controlo da sua aprendizagem.72

prazer que “o programa” dá ao ensino da língua, não é conteúdo que se ensina mas uma forma de vivê-la que se constrói ao longo do processo todo. 72

No segundo volume, no capítulo dedicado ao texto livre procuramos desenvolver este tema.

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ANEXOS

A Redação, o Reconto e o Resumo - O “Livro de Perguntas” de Pablo Neruda - “Histórias de Chocolate” de José Jorge Letria - A sopa da bruxa - A imaginação aprende-se - “O Coelhinho que Nasceu de uma Couve” de Pedro Oom - “Escrita formal” Estudar bem a lição para ler em voz alta Outros textos que podem ser objeto de trabalho idêntico.

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A REDAÇÃO, O RESUMO E O RECONTO

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A

redação (com tema livre ou sugerido) tem sido, tradicionalmente, a forma escolhida pela escola para convocar a escrita de um texto. A esta forma de solicitar a escrita, acrescenta-se também, com frequência, o resumo ou o reconto de um texto lido. Tratando-se, por um lado, de produções textuais, com rotinas de trabalho consolidadas nas nossas práticas presentes e, por outro, de uma escrita muito marcada pela escola (fora do âmbito das preocupações que nos juntaram), optámos por incluir, em anexo, as poucas produções enquadradas nesta forma de convocar a escrita, que beneficiaram do trabalho desenvolvido no âmbito deste projeto. Entre estas duas últimas formas – resumo e reconto – e as práticas que descrevemos existe, aparentemente, uma semelhança: ambas têm a leitura como o ponto de partida das suas propostas de escrita. No entanto, a diferença entre elas, parecendo mínima, assume-se, para nós, com uma importância fundamental: enquanto que no reconto e no resumo é o conteúdo que monopoliza a nossa atenção, nas propostas que apresentamos, não é no acontecimento (embora ele esteja presente na procura) que reside a nossa principal preocupação, mas na busca das falas de que são feitas as diferentes formas de escrita. E, sabendo de que são feitas e como são feitas as palavras que fizeram os textos que lemos, melhor podemos manipulá-las na nossa escrita. Não temos, aqui, qualquer preconceito contra o resumo ou contra o reconto de um texto. Achámo-los, aliás, fundamentais, como estratégia de estudo, ou como exercício do desenvol126


vimento da nossa capacidade de síntese. Mas só muito dificilmente farão parte de uma estratégia de desenvolvimento do gosto pela leitura e pela escrita. Quanto à redação, procuramos atualizá-la nas nossas práticas presentes, como exercício, também, para aprender a desenvolver um tema numa espécie de debate que queremos seja escrito. Na redação, contrariamente ao “texto livre” (com tratamento especial no 2º volume), a escrita é obrigatória. Mas nem por isso tem que aparecer desprovida de prazer.

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“O Livro das Perguntas” de Pablo Neruda Ensinar com textos coletivos (Do 1º ao 4º Ano) Mesmo na escrita de histórias que se - Aprender a fazer “boas” inventam, a investigação é muito imperguntas portante. É preciso aprender a procu- Identificar o lugar que o rar a informação que dá conteúdo às adjetivo pode ocupar na frase histórias. E daqui, a importância de - Identificar/aplicar o presente aprender a fazer a pergunta que traz a do indicativo e/ou o pretérito informação que precisamos. perfeito Num encontro sobre a organização de - Identificar/aplicar sinais de pequenos projetos de investigação na pontuação sala de aula, discutia-se a importância de ensinar as nossas crianças e jovens a fazerem “boas” perguntas. Quando é, então, que uma pergunta é boa ou má? Para Vergílio Ferreira, “perguntar é abrir a distância que está sempre em nós. E quando essa distância é máxima, a resposta está no infinito” (1992). Ora, se esta distância máxima não trouxer outras distâncias, que podemos abrir com perguntas de resposta ao alcance de um «olhar», a pergunta não é, certamente, uma boa pergunta. Então, perante uma pergunta que coloca a resposta num lugar que pressentimos mas não conseguimos alcançar, precisamos encontrar a pergunta que ajuda a encurtar a distância.

Que acontece às andorinhas que chegam tarde ao colégio? Como as primeiras respostas serviram, apenas, para por as andorinhas de castigo, observei: – até parece que é o que eu faço, quando alguém chega à sala atrasado! 128


Vamos lá… nada de castigos. Se chegar tarde muitas vezes... – Não aprende. Então, que pergunta precisamos fazer (ou que precisamos saber), para responder a Pablo Neruda? – O que é que as andorinhas aprendem no colégio? E cada um escreveu no seu caderno tudo o que pensa que as andorinhas podem aprender. Acabado o tempo para esta tarefa, registei as respostas que nos iriam dar algumas das ideias de que precisávamos para escrever a nossa história. Ao analisarmos as respostas, elogiei a criança que indicou “golpe d’asa”, por recordar o que aprendeu com o trabalho de texto sobre o poema “Quasi” de Mário de Sá-Carneiro.73 E destaquei “orientação”: falamos dos pontos cardeais, da posição das estrelas, do sol…, de mapas, de GPS…, que iríamos estudar futuramente. INICIÁMOS A HISTÓRIA: Era uma vez uma andorinha [Não. Era uma vez, não] Uma andorinha [pois…, mas a andorinha tem nome] chamada Salomé [Oh… chamada?!] Salomé é uma andorinha [como é a andorinha?] 73

Um exemplo da importância que a leitura pode ter para a escrita, se esta estiver presente num processo implicado com a fruição do texto.

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jovem, muito gira e brincalhona [às vezes soa melhor se um dos adjectivos vier antes do nome]. Salomé é uma jovem andorinha, muito gira e brincalhona, mas com um grande defeito: nunca chega a horas ao colégio, porque é muito dorminhoca e por isso não acorda a tempo [recordamos o que aprendemos sobre os dois pontos]. Experimentos outras formas: Há duas palavras que não fazem falta

porque é muito dorminhoca e por isso não acorda a tempo

Podemos substituir porque por como. Que acontece à pontuação?

Como é muito dorminhoca, não acorda a tempo [de quê?] de voar a horas para o colégio

Para ajudar a resolver o problema da Salomé, os pais obrigaram-na a ir cedo para a cama [cama?] para o ninho. Mas de manhã [voltava a chegar tarde, era sempre o mesmo castigo, a preguiça falava mais alta, o quentinho sabia tão bem…] Um dia, a professora disse: – Hoje vamos saber o que aprendemos sobre orientação [deu um teste, fez um exercício, mandou a andorinha encontrar um lugar no mapa, levou a andorinha para um lugar escondido e mandou-a regressar ao colégio sozinha] Levou as andorinhas para um lugar distante e mandou-as voltar para o colégio sozinhas. [que aconteceu à Salomé?] E a Salomé perdeu-se [porquê?] porque não assistiu às aulas de orientação. [Se quisermos substituir “porque”, como escrevemos?] A Salomé, como faltou às aulas de orientação, perdeu-se.

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O principal estava feito (responder à pergunta de Pablo Neruda). E antes que o entusiasmo esmorecesse demos por terminado o trabalho coletivo. O que ficou por contar foi remetido para uma ficha de escrita, que desafia a procurar a pergunta, que traz a resposta que é precisa para continuar a história. Salomé é uma jovem andorinha, muito gira e brincalhona, mas com um grande defeito: nunca chega a horas ao colégio. Como é muito dorminhoca, não acorda a tempo e voa sempre atrasada para as aulas. Para ajudar a resolver o problema da Salomé, os pais obrigaram-na a ir cedo para o ninho. Mas, de manhã, o quentinho sabia tão bem… Um dia a professora disse: – Hoje vamos saber o que aprendemos sobre orientação. Levou as andorinhas para um lugar distante e mandou-as voltar para o colégio sozinhas. A Salomé, como faltou às aulas de orientação, perdeu-se.

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Histórias de Chocolate de José Jorge Letria “O Céu de Chocolate – 1º Ano Num mundo de conto de fadas não é preciso explicar a razão de tudo; podemos sempre dizer que aquilo é assim porque a fada quis assim: é magia. Daqui apreciarmos este tipo de propostas de escrita quando se trata de ensinar a escrever em fases de iniciação, pela possibilidade que dá de sair rapidamente do impasse em que por vezes o texto cai: quando o enredo corre o risco de se arrastar podemos sempre convocar a personagem mágica que traz o fim, sem serem necessárias grandes explicações.

- Identificar personagens - Identificar, no enredo de uma história, o problema descrito e a solução encontrada - Identificar soluções alternativas - Resumir e recontar uma estória

Deste conjunto de histórias recriamos o “Céu de Chocolate”, optando por uma primeira abordagem mais tradicional: identificamos as personagens, o problema que a história descreve e a solução encontrada, para, de seguida, passarmos à escolha do que iríamos alterar. Decidimos que o céu de chocolate deixaria de ser céu para passar a ser 132


nuvens de cacau, que não deixam ver o céu azul, mantendo, no geral, o enredo da história. E de céu de chocolate passou a nuvens de cacau.

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A Sopa da Bruxa (do 1º ao 4º Ano) “A ideia que temos sobre a produção de textos escritos é muitas vezes a de uma atividade individual, a ser realizada solitariamente, em oposição a uma atividade coletiva própria da fala, de uma conversa na qual diversos interlocutores constroem o discurso.” (TEBEROSKY, ANA 1990) “O diálogo sela o ato de aprender que nunca é individual, embora tenha uma dimensão individual” (FREIRE, Paulo. e SHOR, Ira, 1986)

- Usar frases complexas para exprimir sequências e relações

A turma foi dividida em dois grandes grupos, e dentro de cada grupo constituíram-se pares de crianças para realizar a tarefa. Um grupo foi responsável pela bruxa 

Era uma vez uma bruxa. Como era a bruxa?

O outro grupo foi responsável pela sopa da bruxa.  Um dia a bruxa resolveu fazer uma sopa. Que meteu no caldeirão? Para um e outro grupo propôs-se a escrita de palavras: um escreveu os nomes dos produtos da sopa da bruxa; o outro escreveu palavras que diziam como a bruxa era. No quadro completam-se as frases com as palavras propostas. Aqui e ali acertam-se pormenores:

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Era uma vez bruxa má, feia, desdentada, de cabelos cinzentos despenteados. Um dia resolveu fazer uma sopa. Então meteu, no caldeirão, batatas, couve cenouras feijão, patas de rato, aranhas, baratas e cozinhou tudo com água (só com água? É a sopa de uma bruxa!) e sangue de galinha.

E agora, quem vai comer a sopa? Quando a sopa ficou pronta mandou-a para a turma do 4º Ano. Aceite o convite, a história é devolvida depois de pronta. Com esta forma de escrever histórias, trazemos para a escrita, o que fizemos muitas vezes na “hora do conto”, num modelo em tudo semelhante ao modelo que utilizamos na leitura-escrita de “O Segredo do Rio”, de Miguel Sousa Tavares” ou da “Nuvem” de Jorge Sousa Braga. Só que, neste caso, não é a leitura de um texto que solicita a escrita.

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A Imaginação Aprende-se (1º ao 4º Ano) É verdade que não há limites para a imaginação. E sem limites, não se lhe reconhece princípio nem fim. Aparece e pronto. Mas isto não significa que não seja necessário aprender a detetar os sinais que anunciam a sua chegada. Alberta Menéres conta que, conversando com um grupo de crianças, uma lhe perguntou onde dormia o verde! Ora, é com perguntas como esta que, tantas vezes, a imaginação se agarra e desenvolve.

- Experimentar percursos individuais ou em grupo que proporcionem o prazer da escrita - Usar frases complexas para exprimir sequências e relações

Onde mora o azul, o amarelo, o verde, o vermelho? Em pequenos grupos, elaboramos listas de palavras que nos indiquem onde podemos encontrar estas cores De seguida mudamos as cores de grupo e colocamos outras perguntas: Com quem moram? Que gostam de fazer?

Verde

Azul

Mora Estádio do Dragão Céu Mar Olhos Borboletas Folhas Erva Olhos Algas Arco-íris Relva

Com Sol Estrelas Nuvens Pássaros Árvores Periquito Tartaruga Arco-íris

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Gosta de Voar Vento Futebol Nadar Vento Brincar


Vermelho Amarelo

Fogo Benfica Sangue Arco-íris Morangos Sol Malmequer Canário Lua O meio do ovo

Lareira Fogão

Areia Canário Pintainhos Arco-íris

Estar à lareira Calor Pôr-do-sol Dançar Morangos Estar ao sol

As crianças são sempre desafiadas a escrever autonomamente, a registar antes de dizer, ensaiando, de acordo com o seu nível de desenvolvimento, as suas hipóteses. Para o efeito, socorrem-se dos diversos instrumentos disponíveis: listas de palavras conhecidas, quadros silábicos, cartazes de letras, analise dos sons das palavras que a fala nos traz… Enquanto as crianças ensaiam os seus registos circulo, pela sala respondo às perguntas que me são colocadas, muitas vezes, com novos desafios, dou pistas…   

Quantas vezes abres a boca para dizer essa palavra? Como se pronuncia (como dizes) o primeiro bocadinho? Que outras palavras conheces que começam da mesma maneira?

Registadas as palavras construiu-se, no quadro, uma tabela de dupla entrada com as propostas sugeridas para cada cor para, finalmente, se escrever uma frase para cada uma delas, tendo a tabela como guia:

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O Azul mora no céu com as estrelas e gosta de voar Fazem-se mais perguntas que permitam continuar a frase:  

Com quem? – com os pássaros; Quando? – em dias de sol

Convidam-se voluntários para lerem os textos depois de prontos, discutindo-se sobre a leitura que nos dá mais prazer ouvir: o ritmo empregue, a entoação… Desafiam-se as crianças a dizer os textos como se fossem, elas mesmas, as cores, reescrevendo-os, depois, na primeira pessoa:

Sou o azul moro no céu com as estrelas e gosto de voar com os pássaros em dias de sol

Analisam-se as diferenças verificadas na escrita. Entretanto, leio os textos do livro de Maria Alberta Meneres.

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“O Coelhinho que Nasceu Numa Couve” de Pedro Oom ( 4º ano de escolaridade) “Para se falar em inferência, é preciso que o leitor passe para além da compreensão literal, isto é, que ele vá mais longe do que aquilo que revela a superfície do texto” (JOCELYNE GIASSON).74

- Ser capaz de inferir a partir dos indícios do texto e do conhecimento próprio - Antecipar/prever o final de uma estória

Era uma vez um coelhinho que nasceu numa couve. Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem a couve passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse. Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando o coelhinho dentro do seu seio até que este passou a procurar a sua própria alimentação. O coelhinho, que tinha um coração muito bondoso, retribuindo o afeto que a couve lhe dedicava considerava-a como sua verdadeira mãe. A mãe couve e o seu filhinho adotivo foram vivendo muito felizes até que um dia uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras. O coelhinho ao ver que aqueles insetos vorazes devoravam tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco dano lhe fizessem. Quando aqueles insetos daninhos levantaram voo os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de areias e pedra. O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas proximidades da sua mãe couve, teve de deslocar-se para muitos quilómetros de distância a fim de procurar comida. 74

Em “A Compreensão na Leitura”. Porto: Edições Asa, 1993

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Mas já nada havia que se pudesse mastigar naquelas terras. Passaram muitos dias e o pobre coelhinho cada vez mais magro mais magro e faminto. Então a mãe couve disse-lhe assim: “Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar o lugar aos mais novos, por isso só vejo uma solução: assim como tu viveste durante algum tempo no meu seio passarei a ser eu a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu quero dizer?” O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande tristeza na alma não teve outro remédio, comeu a mãe.

Ouvimos a leitura da estória na voz de Mário Viegas, fazendo uma pausa antes do parágrafo que revela o final. Levantamos hipóteses sobre o final a partir dos indícios do texto (inferir a partir dos indícios do texto). Concluímos a audição: – Que final mais maluco – comentei. E discutimos sobre as razões que teriam levado o autor a dar à sua estória o final que deu (inferir a partir do conhecimento próprio). E prossegui: – não é nada bonito ver o coelhinho a comer a sua mãe couve! Propus, então, a reescrita da estória, procurando encontrar um final menos estranho.

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Escrita Formal (3º e 4º Ano) “A língua é para mim uma experiência - Descobrir aspetos fundamensonora. Música. Desrespeito sabendo tais da estrutura e do funcioque estou a desrespeitar o que dizem os namento da língua, em situacientistas da língua. (…) Eu escrevo o ções de uso rumor das palavras”. (ALVES, Ruben. 2004). “Mas desrespeitar a gramática obriga a saber como. O desrespeito não se baseia na ignorância. O desrespeito nasce de uma intenção. Só desrespeitamos quem ou o que queremos. Se é feito de ignorância é um sem querer. Em certo sentido o que fazemos agora é um desrespeito: ‘um sem querer’ não existe. ‘Sem querer’ não é um nome, não leva determinante atrás” (Lousada). Mas há textos que se dão mais ao desrespeito que outros. Daqui o preferirmos os textos que se dão mais ao respeito para submeter à ditadura da gramática: recados, avisos, notícias…

Receitas, atas, requerimentos, petições, etc., são textos com uma forma fixa; uma vez entendida a lógica da sua organização apenas com um olhar é possível antecipar muito do seu conteúdo, sem grandes esforços de interpretação. São textos de trabalho que cumprem uma função muito precisa, sem qualquer compromisso com o prazer de ler ou escrever: a economia de esforço é a sua principal característica.

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Então, de vez em quando, centramo-nos num destes textos e, pegando num parágrafo, refletimos coletivamente sobre a sua forma e o seu conteúdo até à exaustão, apoiados numa orientação diretiva. É um tempo em que o “professor ensina” gramática aos seus alunos. Como sempre, as intervenções das crianças, quando interpeladas, são sempre feitas com base nas propostas alternativas de escrita. Quer dizer, antes da resposta às interpelações é obrigatório testar a escrita das hipóteses. No dia 12 de Outubro de 2006 realizou-se uma reunião com o 4º ano para falarmos sobre o jornal escolar, “A Padeirinha”.

1. Vamos dizer “realizou-se uma reunião” com uma só palavra. – perante a perplexidade dos olhares vem a pista – É uma forma verbal. No dia 12 de Outubro de 2006, o 4º Ano reuniu para falarmos* sobre o jornal escolar, “A Padeirinha”. * Falar ou falarmos: registou-se a dúvida na concordância para trabalhar mais tarde.

2. Se nos reunimos claro que é para falar! Mas o que é que queremos com a conversa?

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 Encontrar outro aspeto para o jornal 3. Sim… Outras palavras para aspeto.  vista, imagem 4. Imaginem que estamos a olhar para o aspecto de alguma coisa ou de alguém.  cara, rosto, look 5. Look? Podia ser! Mas não estamos na Inglaterra! Vamos lá… toca a escrever propostas. No dia 12 de Outubro de 2006 o 4º ano reuniu para falar sobre o jornal escolar, A Padeirinha, para encontrar outro imagem, rosto, vista cara, look para o jornal

6. Há aqui qualquer coisa que não soa bem…  Muitos “para” 7. Lembrem-se que estamos a escrever uma notícia…  Uma notícia não é um romance. 8. Pois. Vamos lá poupar as palavras e dizer o necessário. No dia 12 de Outubro de 2006 o 4º ano reuniu para falar sobre o jornal escolar, A Padeirinha, para encontrar outro rosto para o jornal a Padeirinha.

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9. Encontrar? Até parece que está ali à nossa espera! Vamos lá… uma palavra com mais força que indique como estamos a trabalhar…  fazer construir, fabricar, criar, imaginar. 10. Vamos substituir “outro”.

No dia 12 de Outubro de 2006, o 4º ano reuniu para criar um novo rosto para “A Padeirinha”.

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ESTUDAR BEM A LIÇÃO PARA LER EM VOZ ALTA 75

75

Em: LOUSADA, Daniel e SOBRAL, Filomena. “O Tempo da Escola, Neste e Noutros Tempos”. Texto Fotocopiado, s/d

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C

omo todas as crianças da minha geração que frequentaram a escola, vivi experiências intermináveis de sessões de leitura em voz alta. Uma vezes lia em coro, com todos os meus colegas da turma, numa leitura coletiva feita exercício de memória – fixar uma regra, uma definição ou um poema, “cantar a tabuada”… –, outras vezes, lia para demonstrar que sabia ler o texto que tinha ficado de estudar em casa. E, enquanto lia em voz alta, as restantes crianças da turma seguiam a minha leitura em silêncio. Numa ordem determinada pelo lugar ocupado, e à voz de comando do professor, o leitor seguinte pegava na leitura onde eu a tinha deixado, num ritual muito parecido com a passagem de testemunho numa corrida de estafetas. Mas, de vez em quando, pressentindo uns olhos mais distraídos (ou mesmo para prevenir distrações), o professor, ignorando a sequência «contratada», mandava entregar o testemunho numa cabeça que julgava navegar noutras paragens. Geralmente, quem era assim surpreendido, só podia deixar cair o testemunho, que lhe tinha sido tão repentinamente entregue no meio de uma frase (o normal era fazer-se esta entrega no final de um parágrafo). E as consequências?… bem…, estas dependiam do tempo que o distraído demorava a retomar a «corrida» e, claro, dos humores do professor. Se ler podia ser divertido, quando levava a lição bem estudada, já esperar a minha vez, principalmente quando me encontrava no fim da corrente, e fingir depois atenção ao texto, para não receber a oferta de um «testemunho» inesperado, não tinha graça nenhuma (é que, nesse tempo, era vulgar uma turma rondar os quarenta alunos); o prazer, se alguma vez teve condições de existir, esfumava-se nesta espera: que surpresa me 146


poderia chegar (ou ser oferecida) numa leitura que estava farto de ouvir e seguir com os olhos? Nestas condições, para alguns de nós, estudar a lição não era fazê-lo, apenas, de forma a ler o texto muito bem, sem enganos; era também ter a imagem do texto gravada na mente, para prevenir a surpresa de um estafeta não esperado! Mas, curiosamente (ou talvez não), sujeitei as minhas primeiras turmas a experiências iguais, no pressuposto de que a leitura, antes de ser coisa que se aprende a gostar, é uma habilidade que se aprende a fazer, até me dar conta desta irracionalidade que impunha aos outros e a mim mesmo:76 quantas vezes deixava um ou outro dos meus alunos, na minha distração em tudo igual à deles, ir além do limite do pedaço de texto que lhes tinha secretamente fixado para ler e me via à procura do ponto 76

Pierre Clanché, referindo-se à transmissão das bases doutrinárias da Pedagogia Freinet, defende que estas “são transmitidas mais pelo contacto direto com a prática dos professores ligados durante certo tempo a esta pedagogia do que pela leitura e exegese dos textos.” E afirma, então, que a observação do nível de adesão de um professor a um determinado modelo pedagógico assenta em “critérios de atividade pedagógica e militante mais do que em critérios de adesão teórica. Isto para dizer que não é fácil abandonar a escola que nos formou enquanto alunos, sem uma experiência equivalente noutro tipo de práticas! Não basta rejeitar uma prática que sofremos penosamente: “Assim como uma prática instrumental que não fosse confrontada com outras práticas e com novos instrumentos se diluiria numa rigidez escolástica, também um conceito cujo estatuto epistemológico não fosse regularmente posto em discussão se tornaria um fetiche ideológico” – CLANCHÉ, Pierre (trad. de Júlia Soares). L’Evolucion du texte libre à l’École Elementaire: contribution à une genetique de la textualité. Lisboa, “Escola Moderna”, série 2-volume 4, 1990: pp.10-16. Como refere Sérgio Niza “(…) uma nova escola, um novo sistema educativo e de formação só poderá multiplicar-se quando o discurso sobre a nova escola se vier a realizar no interior dessa nova estrutura, nesse novo estilo organizacional” – Em, “Formação Cooperada. Lisboa, Educa, 1997.

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onde a leitura seguia, para poder ordenar a passagem de testemunho, sem correr o risco de ser desmascarado – um professor não podia (nem pode), de forma alguma, ser um distraído! Concluíra então que, ao fim de umas tantas leituras (quantas, nunca soube precisar), é apenas uma voz que fala e o texto já não diz nada. E nenhum texto merece esgotar-se em leituras repetidas que lhe esvaziam o sentido. Poucos anos depois, numa conclusão idêntica, talvez, como que se instalou um “movimento” que quase baniu a leitura em voz alta das escolas, numa irracionalidade, agora, de sentido contrário, no pressuposto de que não é a voz, por si só, que eu empresto à leitura que me traz a compreensão do texto. E é verdade, não traz, como se percebe no exemplo das sobrinhas do poeta inglês Milton que, sem perceberem uma palavra que fosse de grego, «liam-lhe» textos nesta língua, que o poeta lhes tinha ensinado a fazer depois de cegar. No entanto, insisto em fazer da voz alta um instrumento necessário à aprendizagem da leitura. Acho até muito importante a promoção de sessões de leitura em voz alta, com textos que mereçam ser ouvidos.77 É que há leituras que só aprendemos a fazer (e a gostar de fazer) se alguém se dispuser a ler o texto connosco, a convidar-nos a juntar a nossa voz à sua, numa partilha solidária: – Perceberam? – perguntei aos meus alunos depois de lhes acabar de ler um poema. 77

Penso com Georges Jean que, em certos textos, em que “o som da palavra faz frente ao sentido” o ouvido do leitor é necessário. Mas se ele não foi treinado a ouvir de facto, não vejo como possa ser convocado em leituras silenciosas.

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– Não – responderam-me em coro. – Mas é lindo, não é?! – observei em seguida. E eles concordaram comigo, sem qualquer condicionamento. Se assim não fosse, não teriam desejado repetir a leitura comigo, uma e outra vez, e outra ainda… Quem não se lembra do que disse a beata no fim do sermão? – “Não percebi nada do que o padre disse, mas que ele falou bem, lá isso falou!” E aqui chegado, recordo Sophia de Mello Breyner quando dizia, numa das suas cartas a Jorge de Sena, “em verso não preciso compreender mas em prosa sim”. Não quero especular sobre o significado que o verbo «compreender» teria para a autora de «A Fada Oriana». Talvez que Sophia de Mello Breyner quisesse dizer que de um texto em prosa, diferentemente de um poema, esperamos sempre se não a resposta à pergunta que fazemos, pelo menos, uma sugestão que nos aproxime dela. Em qualquer caso, parece-me claro que, independentemente de serem poéticos ou não, os textos não nos pedem todos a mesma leitura; e que a leitura de um poema se distingue de qualquer outra pelo que pede de nós. E começa por pedir-nos muito pouco (ou muito, consoante a perspetiva): a nossa disponibilidade para escutá-lo, para deixá-lo entrar e completar-se em nós. Quando dou tanta importância à voz alta, é esta disponibilidade de escuta que procuro promover, na convicção de que todos os texto, em maior ou menor grau, precisam de ser escutados para se darem a conhecer completamente: uma escuta só possível se deixarmos o texto tomar a nossa voz de empréstimo.

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Um texto pode oferecer-nos um sentido que vai além das palavras de que é feito (que parece escapar às palavras que o fizeram), se estivermos disponíveis para escutá-lo, sem perguntas de interpretação à mistura que perturbem a escuta, «dando um tempo» para que o texto se revele: 78 não leio os textos todos com uma leitura que busca apressadamente o significado preciso da palavra como se de uma qualquer definição se tratasse. Às vezes, faço-o pelo puro encantamento que o ecoar da palavra me traz, pela música, como refere Rubem Alves: “Eu escrevo o rumor das palavras”. Quando ouvimos uma canção de que gostámos tanto e desconhecemos a letra que nos chega numa língua que dominamos mal, nem sempre nos preocupamos em encontrar o significado das palavras: talvez que a música venha «iluminar» o sentido da palavra até a dispensar do seu significado; e eu não sei se em certos textos, principalmente se forem poéticos, as palavras não terão a «música» de tal forma impregnada em si, que nos dispensa da procura de outros «holofotes»: basta fazê-la soar, fazê-la falar! O problema da leitura em voz alta, na minha escola, não estava na voz alta, portanto, mas na ausência da leitura: a voz não vinha para iluminar a palavra, não trazia qualquer tipo de holofote, cumprindo apenas uma missão errada. A voz é um recurso que eu coloco ao serviço da leitura: não é a leitura, é 78

A este propósito, dizia Delfim Santos a Jorge de Sena: “Há opacidade e (há) transparência na compreensão da poesia. Hoje visitou-me a opacidade” – SANTOS, Delfim e SENA, Jorge de (2012) “Correspondência 1943-1959”. Lisboa, Guerra & Paz.

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certo! Mas ela está lá «escrita» e, em certos textos, eu preciso de ouvi-la para que o texto me chegue inteiro, o prazer seja total e consiga ler de facto! Não se lê em voz alta “por dá cá aquela palha”! Lemos em voz alta quando achamos importante fazer falar o texto para o dar a conhecer ou conhecê-lo melhor. O centro é o texto, portanto; não é o leitor. Mesmo quando o leitor se “atravessa” no caminho e a nossa atenção se vira na sua direção, o texto precisa de rapidamente reocupar seu lugar (o centro). É o que acontece quando o professor ensina a ler: entre a leitura e o texto atravessa-se o leitor (o aluno) numa leitura hesitante; mas se o professor quer de facto ensinar a ler, procura recentrar-se, rapidamente, com o seu aluno, na voz que o texto encerra. Se assim não for, a voz alta não cumpre a sua função, tal como não cumpriu na minha escola: fazer-se ouvir para nos mostrar o texto. A leitura em voz alta tem associada uma certa dimensão de espetáculo que é necessário encarar com cuidado. É uma dimensão que precisa de ser contida na exata medida de não deixar que o sentido da palavra se perca. Dizer que esta dimensão de espetáculo, presente na leitura, precisa de ser contida, significa que o objetivo do espetáculo é dar a conhecer o texto. Se em vez do texto é o leitor o foco da nossa atenção, o espetáculo montado à sua volta não cumpriu a sua função e o texto não foi apresentado. E, aqui, recordo os últimos dez minutos das aulas de português, no meu primeiro ano do liceu, quando a professora lia para nós, em episódios, o pedaço de uma história. Mas, de vez em quando, ela dava a ler a história a um dos meus colegas que 151


(imagino eu) considerava dos mais «dotados». Que desilusão! Ele até lia seguidinho, sem enganos, mas a história já não chegava até nós com o mesmo entusiasmo. A culpa não era do leitor, claro: não lhe tinha sido dado tempo, nem espaço, nem recursos, ou qualquer outro tipo de ajuda, para encontrar a voz que a leitura da história pedia. E não creio, a julgar pelos traços que lia no seu rosto, que fosse grande apreciador da tarefa. Não é crime nenhum, portanto, pedir a uma criança que “estude a lição” em casa, que faça um esforço e traga para a escola a “lição” bem estudada para ler em voz alta, desde que sejamos capazes de fazê-la sentir a importância da tarefa. Mas precisamos, também, de ter consciência do que ela consegue fazer e não lhe dar uma tarefa, sem sentido, que ela não conseguirá cumprir sozinha: é que há crianças que leem um texto em voz alta, num fôlego; outras há que fazem um esforço enorme para emprestar a voz a uma só frase: não vamos, portanto, expôlas sozinhas, frente à turma, com uma tarefa que, sabemos, ela não conseguirá cumprir. Vamos, antes, juntá-la com colegas, incumbindo-a de ler um parágrafo, ou mesmo só uma frase de um texto de que irá partilhar a leitura com eles.

Ouvir a faixa 18 do CD, Cacau Quentinho Descarregar a partir de www.agoragaia.pt.vu

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OUTROS TEXTOS QUE PODEM SER OBJETO DE TRABALHO IDÊNTICO

Os textos sugeridos aqui, podem ser encontrados, em versão áudio, uns ditos por Mário Viegas e Manuela de Freitas em: Mário Viegas, Discografia Completa, Edição do Jornal Público 2006, Vol.03 - “País de Abri” Vol.10 - “Poemas de Bibe” outros ditos por Aurelino Costa em: Miguel Torga. Numérica, Editora Discográfica

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Verão + Canção de Leonoreta Eugénio de Andrade Aquela Nuvem e as Outras Porto: Campo das Letras, 2006 Também: Mário Viegas, Discografia Completa, Vol. 10, “Poemas de Bibe” Jornal Público, 2006

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O Pastor Eugénio de Andrade Aquela Nuvem e as Outras Porto: Campo das Letras, 2006 Também: Mário Viegas, Discografia Completa, Vol. 10, “Poemas de Bibe” Jornal Público, 2006

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Canção Final Teixeira de Pascoaes Em: Mário Viegas, Discografia Completa, Vol. 10, “Poemas de Bibe” Jornal Público, 2006

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Chove José Gomes Ferreira Em: Mário Viegas, Discografia Completa, Vol. 10, “Poemas de Bibe” Jornal Público, 2006

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Levava Eu um Jarrinho Fernando Pessoa Em: Mário Viegas, Discografia Completa, Vol. 10, “Poemas de Bibe” Jornal Público, 2006

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A Morte do Rato Tóssan Em: Mário Viegas, Discografia Completa, Vol. 10, “Poemas de Bibe” Jornal Público, 2006

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As Palavras Manuel Alegre Obra Poética Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000 Também: Mário Viegas, Discografia Completa, Vol. 3, “País de Abril” Jornal Público, 2006

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BRINQUEDO + SEGREDO Miguel Torga Antologia Poética Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 Versão áudio em: Miguel Torga, por: Aurelino Costa e Antº Victorino D’Almeida. Numérica, Editora Discográfica

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OUTRAS PERGUNTAS DE PABLO NERUDA Pablo Neruda O Livro das Perguntas Porto: Campo das Letras, 2008

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OBRAS QUE CONTÊM OS TEXTOS TRABALHADOS Quasi: “Poemas de Almada Negreiros, Fernando Pessoa e Mário de SáCarneiro”. Antologia de poemas ditos por Germana Tânger. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004

Frutos: “Aquela Nuvem e as Outras”, de Eugénio de Andrade. Porto: Campo das Letras, 2006

Faz de Conta: “Aquela Nuvem e as Outras”, de Eugénio de Andrade. Porto: Campo das Letras, 2006.

Atlântico: “Poesia” de Sophia de Mello Breyner Andresen, Lisboa: Caminho, 2007

Aquela Nuvem: “Aquela Nuvem e as Outras”, de Eugénio de Andrade. Porto: Campo das Letras, 2006.

O Verão está no Fim: “Deste Lado Onde”, de José Agostinho Baptista. Lisboa: Assírio & Alvim, 1976.

O Isto ou Aquilo: “Cecília de Bolso: uma antologia poética”, de Cecília Meireles. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008

Rifão Quotidiano de Mário Henrique-Leiria. “Poemas de Bibe”. Antologia de poemas ditos por Mário Viegas e Fernanda de Freitas. Porto: Jornal Público

O Céu do Chocolate: “Histórias de Chocolate” (CD), escritas e contadas por José Jorge Letria. Lisboa: Ovação, 2009

Que Acontece à Andorinhas que Chegam Tarde à Escola: “O Livro das Perguntas”, de Pablo Neruda. Porto: Campo das Letras, 2008.

O Segredo do Rio, de Miguel Sousa Tavares. Lisboa: Oficina do Livro, 2004

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Nuvens: “O Poeta Nu”, de Jorge Sousa Braga. Lisboa: Assírio & Alivim, 2007

Cabril: “O Poeta Nu”, de Jorge Sousa Braga. Lisboa: Assírio & Alivim, 2007

Algumas Preposições com Pássaros: “Poesia Completa” de Ruy Belo. Lisboa: Assírio & Alvim. O Coelhinho que Nasceu de uma Couve de Pedro Oom. Antologia de poemas ditos por Mário Viegas e Fernanda de Freitas. Porto: Jornal Público

Eu Tenho um Cão de Sidónio Muralha. Antologia de poemas ditos por Mário Viegas e Fernanda de Freitas. Porto: Jornal Público

Segredo: Antologia Poética de Miguel Torga. Lisboa: Dom Quixote, 1999 Brinquedo: Antologia Poética de Miguel Torga. Lisboa: Dom Quixote, 1999

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CONTEÚDO DO CD COM OS TEXTOS DITOS

A imagem do CD mp3 pode ser descarregada em www.essentia.pt.vu 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18.

Quasi (excerto) – original de Mário de Sá-Carneiro Quasi flor – recriação de “Quasi” Quasi luz – recriação de “Quasi” Frutos – original de Eugénio de Andrade Ementa – recriação de “frutos” Primavera – recriação de “frutos” Faz de Conta – original de Eugénio de Andrade Faz de Conta – recriação Aquela Nuvem – original de Eugénio de Andrade É Tão Bom Ser Borboleta – recriação de “Aquela Nuvem” É Tão Bom Ser Sol – recriação de “Aquela Nuvem” O Verão Está no Fim – original de José Agostinho Baptista A Primavera Está a Chegar – recriação de “O Inverno Está no Fim” Ou isto ou aquilo – original de Cecília Meireles Ou Isto ou Aquilo – recriação Nuvens – original de Jorge Sousa Braga Nuvens – recriação Cacau Quentinho – recriação de “O Céu de chocolate” de José Jorge Letria

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OS AUTORES ARISTIDES CUSTÓDIO Concluiu o curso de professor do 1º ciclo na Escola Superior de Educação Jean Piaget, em 1995, e a licenciatura na variante de Matemática e Ciências da Natureza, exercendo, atualmente, a sua atividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores e publicado artigos sobre educação, em revistas da especialidade ■

CLÁUDIA XAVIER Concluiu a licenciatura em professora de 1º ciclo variante de português/francês na Escola Superior de Educação de Bragança, em 1995, exercendo atualmente a sua atividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores ■

CRISTINA MIRANDA Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola do Magistério Primário do Porto, em 1978, exercendo atualmente a sua atividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Concluiu a licenciatura de Complemento de Formação Científica e Pedagógica para Professores do 1º ciclo do Ensino Básico, Especialização em Estudo do Meio, na Universidade Aberta, em 2005 ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores ■

DANIEL LOUSADA Concluiu o curso do Magistério Primário do Porto em 1973, tendo exercido a sua atividade, como professor do 1º ciclo do ensino básico, até 2005 ■ Especializouse em educação especial, na área da deficiência mental e dificuldades múltiplas, na ESE Jean Piaget de V. N. Gaia, em 1994, e concluiu o mestrado em ciências da educação na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto, em 2002 ■ Foi professor de educação especial e membro de uma equipa de coordenação de apoios educativos, do concelho de V. N. Gaia ■ É sócio do Movimento da Escola Moderna, tendo participado ativamente nos seus projectos de formação até 2003 ■ Lecionou na Escola do Magistério Primário de Chaves e na ESE Jean Piaget. Atualmente é formador certificado pelo IEFP, em cursos de formação pedagógica de formadores ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores, e publicado artigos em revistas de educação que refletem sobre a prática pedagógica ■

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DULCE BARREIROS Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola do Magistério Primário do Porto, em 1978, exercendo atualmente a sua atividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Especializou-se em Gestão e Coordenação pedagógica, em 1999, encontrando-se, atualmente, a concluir mestrado em ciências da educação ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores ■

FERNANDA SANTOS Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola do Magistério Primário do Porto, em 1979, exercendo atualmente a sua atividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Especializou-se em Direção Pedagógica e Administração Escolar, na ESE Jean Piaget – V. N. Gaia, em 1993 e em Educação Especial, na área da deficiência mental e dificuldades múltiplas, em 1995 ■ Foi professora de educação especial ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores e publicado artigos sobre educação, em revistas da especialidade. É sócia do Movimento da Escola Moderna, tendo feito parte da coordenação do Núcleo Regional do Porto ■

Mª JÚLIA LOUSADA Concluiu o curso do Magistério Primário do Porto em 1973, tendo exercido a sua atividade, como professora do 1º ciclo do ensino básico, até 2006 ■ Especializou-se em animação cultural de escola, na ESE Jean Piaget – V. N. Gaia, em 2002 ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores ■ É sócia do Movimento da Escola Moderna, tendo participado ativamente nas atividades do Núcleo Regional do Porto ■

MÓNICA TEIXEIRA Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola Superior de Educação Jean Piaget de Vila Nova de Gaia, em 1997, exercendo, atualmente, a sua atividade no Agrupamento de Escolas Anes de Cernache, em Vila Nova de Gaia ■ Especializou-se na área de Estudo do Meio, em 2005, na Universidade Aberta ■ Foi coordenadora de vários estabelecimentos de ensino. É atualmente conselheira no Conselho Geral do Agrupamento de que faz parte. Tem participado em projetos de formação contínua de professores ■ Atualmente é formadora certificada pelo IEFP.

PAULA MARTINS Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola Superior de Educação do Porto, em 1995, e a licenciatura na variante de Educação Física, exercendo atualmente a sua atividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Tem participado em projetos de formação contínua de professores.

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