Pensando com Florestan Fernandes

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Pensando com

Florestan Fernandes

1a. edição


Série Realidade Brasileira Pensando com Florestan Fernandes Realização: TV Educativa do Paraná / Governo do Paraná Ministério da Cultura / Governo Federal Parcerias: Escola Nacional Florestan Fernandes Fundação Darcy Ribeiro Coordenação: Elson Faxina Evelaine Martines Ficha técnica do caderno no. 2: Pensando com Floretan Fernandes Autores: Vladimir Sacchetta e Carmen Castro Organizadores: Elson Faxina e Evelaine Martines Ilustração: Anderson Augusto de Souza Pereira Projeto gráfico e diagramação: Bernardo Vaz Diagramador assistente: Rafael Gregório

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Sacchetta, Vladimir Pensando com Florestan Fernandes / Vladimir Sacchetta, Carmen Castro; Ilustrado por Anderson Augusto de Souza Pereira. – Guararema, SP: Escola Nacional Florestan Fernandes, 2010. Acompanha material audiovisual sob o título Pensando com Florestan Fernandes. ISBN xxx-xx-xxxxx-xx-x 1. Sociologia - Brasil. 2. Ciências Sociais - Brasil. 3. Intelectuais - Brasil. 4. Educação – Brasil. I. Castro, Carmen. II. Escola Nacional Florestan Fernandes (Brasil). III. Título. CDD: 301.981 CDU: 316 (81)


Apresentação Pensando com Florestan Fernandes é um caderno que faz parte da série Realidade Brasileira – grandes pensadores, composta, nesta primeira fase, de seis documentários produzidos para televisão e, ao mesmo tempo, destinados a universidades, bibliotecas públicas, pontos de cultura e movimentos sociais brasileiros comprometidos com a democratização estrutural da realidade política, econômica, social e cultural do país e da América Latina. Esta série tem a finalidade de documentar e incentivar a discussão das idéias, obras e práticas sociais dos principais pensadores brasileiros que marcaram o século XX, propondo leituras críticas profundas da realidade de seu tempo e vislumbrando novos caminhos que deveriam ter sido trilhados naquele momento por governantes, lideranças políticas, empresariais, sociais, culturais e religiosas para que as transformações de base, que visassem à construção de uma nação independente, soberana, livre e democrática, pudessem ter tido ali o início de sua construção. São todos, necessariamente, pensadores já falecidos, mas, acima de tudo, aqueles cujas ideias não envelheceram e continuam incontestavelmente atuais a desafiar as lideranças deste limiar de novo milênio. Assim, nesta primeira fase, foram produzidos documentários sobre os seguintes pensadores: Caio Prado Junior, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Madre Cristina e Paulo Freire. Cada documentário audiovisual trata de um único pensador, tem em média 54 minutos de duração e está dividido Apresentação

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em três blocos para veiculação em uma hora de televisão. Cada documentário é acompanhado de um caderno, que busca ampliar o conhecimento e as reflexões referentes ao respectivo pensador, a fim de estimular e orientar professores e monitores em como usar este documento audiovisual em sala de aula, grupos de estudos, pontos de cultura ou comunidades que se reúnam com o objetivo de conhecer a realidade brasileira e encontrar formas de contribuir na transformação social, de maneira a garantir que vivamos em uma sociedade justa e, portanto, radicalmente democrática. Esses cadernos devem ser tomados como uma ferramenta de trabalho, que possa ajudar a aprofundar os conteúdos dos documentários. E, para isso, foram reproduzidos oito mil kits, distribuídos a televisões públicas, bibliotecas públicas, pontos de cultura, organizações sociais e culturais e pró-reitorias de extensão das universidades públicas de todo o país. Espera-se, com isso, possibilitar aos estudantes, aos militantes dos movimentos sociais, aos frequentadores dos pontos de cultura e à audiência das televisões do campo público conhecerem o pensamento, as obras e a atuação política, social e cultural de pensadores que marcaram a história do Brasil, e que são pouco difundidos hoje pela grande mídia, levando-os a compreender os princípios básicos e elementos fundamentais do pensamento do respectivo autor e estimulá-los à leitura de suas obras. Nosso horizonte é estimular o público jovem a ampliar o conhecimento sobre a sociedade brasileira, bem como fomentar a consciência crítica ao pensamento hegemônico ora vigente. Esta série de documentários e respectivos cadernos se justifica pela inexistência de um material com esses objetivos didáticos e, ao mesmo tempo, de difusão e aprofundamento


do pensamento, obras e práticas desses pensadores, que possa alcançar tão amplo leque, que vai do público televisivo aos estudantes e militantes de causas sociais. Por isso, graças ao apoio do Ministério da Cultura (MinC), a TV E-Paraná e a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em parceria com a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar), deram início a esse projeto. A produção desta série surge da experiência da ENFF em organizar cursos sobre a realidade brasileira, por meio de parceria com diversas universidades, e tem o objetivo de completar, numa segunda fase, 20 documentários e respectivos cadernos que possam nos ajudar a pensar questões políticas, econômicas, sociais e culturais de nosso país, tomando por base a vida e obra de 20 dos mais renomados intelectuais, pensadores e pesquisadores brasileiros. Para assegurar a qualidade técnica de conteúdo e linguagem tanto impressa quanto audiovisual dessas produções foi constituída uma coordenação geral, com a orientação de diversos consultores, intelectuais que têm conhecimento científico sobre os pensadores selecionados. Com isso, os conteúdos trabalhados nos documentários foram indicados pelo respectivo consultor, que também produziu um caderno, com informações e reflexões referentes ao pensador. No caso deste Caderno, referente a Florestan Fernandes, o consultor foi Vladimir Sacchetta, profundo conhecedor de Florestan, de quem foi colaborador durante anos, autor de diversas obras, com destaque para o trabalho de organização de A contestação necessária: perfis intelectuais de inconformistas e revolucionários, obra póstuma de Florestan Fernandes. Vladimir contou com o apoio da cientista social Carmen Castro, que assina esta obra em co-autoria. O caderno traça uma trajetória Apresentação

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de Florestan Fernandes e apresenta trechos de várias de suas obras, bem como a palavra de alguns pesquisadores que escreveram sobre ele. Por outro lado, coube a nós também o acompanhamento da produção dos documentários para TV, a fim de garantir uma qualidade final que compatibilizasse a densidade do conteúdo e das reflexões do autor com a leveza de ritmo narrativo do audiovisual. Nossa preocupação foi manter um rigor técnico e profissional que dessem a cada documentário condições de ser veiculado em qualquer canal de televisão de sinal aberto, assim como em salas de aula e ambientes específicos de projeção audiovisual. Esperamos que este conjunto, formado por documentário audiovisual e caderno, possa nos ajudar a aprofundar um pouco mais o conhecimento sobre um dos pensadores brasileiros mais importantes do Século XX. Um homem que nasceu pobre, foi sempre fiel a suas origens e é a partir delas que pensou o Brasil como nação, um país novo, diferente, mais justo, de respeito à cidadania, de busca de autonomia dos cidadãos e da classe trabalhadora. Curitiba - Paraná, fevereiro de 2012 Elson Faxina Professor UFPR Assessor de Comunicação da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos/PR Evelaine Martines Educadora social ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes


Florestan Fernandes É falsa a idéia de que a história se faz, que ela se determina automaticamente. A história é feita coletivamente pelos homens e, sob o capitalismo, através de conflitos de classe de alcance local, regional, nacional e mundial.

Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

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Contribuição para compreender a realidade social

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Textos de estudiosos sobre Florestan

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O pensamento de Florestan Fernandes

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Apresentação

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Florestan Fernandes Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

Florestan Fernandes nasceu em São Paulo no ano de 1920. Filho da trabalhadora Maria Fernandes, que emigrou de Portugal para as fazendas de café no Brasil e do campo para a cidade para trabalhar de doméstica. Ele fez o curso primário incompleto devido às dificuldades financeiras e trabalhou desde menino fazendo biscates como engraxate, entregador, entre outros serviços. Cresceu na São Paulo que se transformava com a riqueza gerada pelo café e a industrialização. A década de 1920 trata-se de um período marcado pelos levantes tenentistas, que acabariam pondo fim à chamada República Velha (1889-1930), pela fundação do Partido Comunista do Brasil e pela Semana de Arte Moderna. Vale lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho foi aprovada por decreto em 1º de maio de 1943 e entrou em vigor em novembro daquele ano. O que significa dizer que as condições dos trabalhadores careciam de reconhecimento por parte do Estado. Florestan cursou as matérias do ensino Secundário e do Complementar pelo regime de Madureza, diplomando-se em 1940. Mas já tinha uma bagagem intelectual apreciável, devido às leituras abundantes que sempre fez, com a colaboração de Florestan Fernandes

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Florestan Fernandes com avós maternos, tios e a mãe.

Com colegas da Madureza, 1936

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pessoas que lhe ofertavam livros, pois viam seu empenho nos estudos. Em 1941 iniciou o curso de Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), na qual obteve o grau de bacharel em 1943 e o de licenciado em 1944. Enfrentou as exigências de trabalhar para se manter e de poder estudar. A experiência


da vida de dificuldades, de escassez de recursos materiais, de casa e alimentos adequados, de dinheiro para se locomover, além da discriminação social sofrida, impulsionou Florestan a estudar intensa e profundamente. Precisava construir um caminho próprio. Encontrar-se no trabalho, no fazer de pesquisador, produzindo novos fundamentos para reflexão social que deu origem à sociologia Formatura na Faculdade de Fiolosofia, 1943 crítica no Brasil, base da sua interpretação sobre realidade brasileira. Seu esforço, dedicação e talento desenvolvidos foram logo reconhecidos. Ele foi nomeado, no começo de 1945, assistente da cadeira de Sociologia II, regida por Fernando de Azevedo. Inicia-se sua trajetória de professor universitário na qual se empenhou arduamente para construir a pesquisa e a teorização de uma sociologia brasileira, com uma vasta produção que ultrapassou mais de 50 livros publicados. Em 1945 e 1946 fez o curso de pós-graduação na Escola Livre de Sociologia e Política, obtendo, no ano seguinte, o grau de mestre depois de defender tese sobre A organização social dos tupinambá. Em 1951 doutorou-se na USP com a tese A função social da guerra na sociedade tupinambá. Nessa altura, coordenou com Roger Bastide, por encargo da Unesco, uma importante pesquisa sobre o negro em São Paulo. Em 1952 transferiu-se como assistente para a cadeira de Sociologia I, junto à qual conquistou em 1953 o título de livre-docente, tendo apresentado a tese “Ensaio sobre o método de interpretação funcionalista na Sociologia”. Em 1954, substituiu o Professor Roger Bastide como titular na disciplina de Sociologia. Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

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Obstinado pesquisador, traçou um caminho para a sociologia brasileira Indomável, Florestan não poderia se conformar e se acomodar em ser simplesmente um funcionário da Universidade. Como sociólogo foi implacável em desenvolver o conhecimento da realidade social. Seja nos aspectos que envolvem o ofício da sociologia. Seja na produção de ferramentas analíticas e na institucionalização de uma sociologia voltada para o estudo da realidade brasileira. Seja no âmbito de compreender e interpretar a formação do capitalismo no Brasil e na América Latina com compromisso militante. Dedicou-se à construção de uma sociologia brasileira para entender as questões do País, abrindo espaço de autonomia para interlocução do trabalho sociológico acadêmico com a realidade social e política e a reconstrução da realidade brasileira a partir das suas contradições sociais. Nesse sentido, produziu A etnologia e a sociedade no Brasil: ensaios sobre aspectos da formação e do desenvolvimento das ciências sociais na sociedade brasileira (1958); e Fundamentos empíricos da explicação sociológica (1959). Florestan re-interpretou temas da história do Brasil que são apresentados nas escolas desde as primeiras séries, como a relação entre colonizadores europeus e indígenas, a colonização portuguesa, a escravidão negra e a abolição da escravatura, a participação e a luta dos trabalhadores no campo e na cidade, entre outros temas. Para isto, ele se empenhou no rigor científico e metodológico. Como “reconstruir a realidade social”, a história da formação do País, de modo que se aborde a verdade, a realidade social concreta?

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Foram permanentes o cuidado e o zelo com os procedimentos de pesquisa, a análise das informações e a produção de resultado nas suas elaborações sociológicas. Para conhecer a realidade se faz necessário construir níveis, “instâncias empíricas”, camadas de informações. Segundo Florestan, é necessário produzir perguntas para indagar, interpelar sobre o fenômeno social, para reconstruílo no seu conjunto, para ir se aproximando da realidade social. Neste sentido, a pesquisa empírica, da realidade concreta, o trabalho de campo, as fontes documentais, as entrevistas, os questionário, são instrumentos fundamentais. Florestan, ao mesmo tempo, retomou e desenvolveu reflexões esboçadas por Euclides da Cunha, Manoel Bonfim e Caio Prado Júnior, entre outros autores. E, a partir desse diálogo, funda uma interpretação inédita de Brasil. Inaugura um estilo de pensar o passado e o presente e de como projetar um futuro com liberdade, igualdade e, especialmente, felicidade, como gostava de frisar. Realizou trabalhos sobre a compreensão da realidade brasileira, como: Mudanças sociais no Brasil: aspectos do desenvolvimento da sociedade brasileira (1960); e Sociedade de classes e subdesenvolvimento (1968); A Revolução Burguesa no Brasil (1975), entre outros. Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

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O lutador por um país democrático, moderno Florestan montou um grupo de pesquisa com diversos pesquisadores, entre eles, Octavio Ianni, Marialice Mencarini Foracchi, Fernando Henrique Cardoso, Maria Sylvia de Carvalho Franco. Em 1962, iniciou o projeto de pesquisa Economia e Sociedade no Brasil: Análise Sociológica do Subdesenvolvimento, que aprofundou diversas problematizações sociológicas sobre escola pública, a modernização das relações sociais e do Estado no Brasil, a extensão dos direitos sociais. Em Florestan: Sociologia e Consciência Social, o sociólogo José de Souza Martins, que também foi seu assistente de pesquisa, afirma que “o centro das preocupações desse projeto era a questão da resistência às mudanças, um tema muito forte em sua sociologia quando tratava das dificuldades para transformar o país em um país democrático, moderno.” (MARTINS, 1998, p. 153). Este grupo de pesquisadores ficou conhecido como Escola Paulista de Sociologia ou “escola sociológica de São Paulo”, e buscou estudar as tendências, as possibilidades e os limites históricos do capitalismo no Brasil. Florestan se debruçou sobre as “mudanças sociais” para compreender as transformações profundas que ocorriam na economia, no modo de produção do País. Para exemplificar, de 1500 a 1930, as bases da produção de riqueza foram rurais, extrativistas, agrícolas, pecuárias. A partir dos anos de 1930 as mudanças nas relações de produção capitalistas foram se expandindo por conta de uma incisiva atuação do Estado brasileiro. De 1930 a 1980, acontece uma inversão da maioria da população brasileira que vivia no campo e passou a morar e trabalhar na cidade. Isto mudou a face do Brasil. Assim, Florestan Fernandes não apenas abriu horizontes

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Banca de Octavio Ianni, 1961

para a reflexão teórica, a compreensão e a interpretação da realidade social, como também forneceu chaves para uma releitura crítica de tudo o que havia sido produzido no país até então. Graças ao instrumental que criou, conforme destaca Octavio Ianni, sociólogo brasileiro (1926-2004), um de seus principais assistentes de pesquisa na USP, podemos ler e analisar, sob uma perspectiva nova, teses de pensadores brasileiros que vão de Silvio Romero e Oliveira Vianna a Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. O fato de ter nascido na pobreza, marcado pelas privações, não o impediu de inaugurar uma nova era na história da sociologia. Isso porque, como relembrou Antonio Cândido, intelectual e companheiro de trajetória de Florestan Fernandes, havia na sua personalidade poderosa uma espécie de titanismo, em seus dois sentidos: o de força hercúlea e de ânimo de revolta contra as potências superiores sem jamais perder suas raízes. Florestan fazia sempre questão de relembrar: “Acho que a coisa mais difícil que fiz foi permanecer fiel à minha classe de origem”. Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

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O militante socialista incansável No início da década de 1960 foi um dos líderes mais ativos da Campanha em Defesa da Escola pública. Percorreu diversos estados brasileiros, denunciando a falta de acesso dos trabalhadores a uma educação pública, gratuita e de qualidade. Através de palestras, debates e manifestações, Florestan chamou a atenção para os graves problemas educacionais do país e defendeu ideias inovadoras para que o Estado assumisse de fato a responsabilidade de promover educação de qualidade para todos. Publicou neste período: Educação e sociedade no Brasil (1962) e A sociologia numa era de revolução social (1962). Também se dedicou a refletir sobre o papel da universidade na sociedade, como atestam os trabalhos nas décadas seguintes, entre eles: Universidade brasileira: reforma ou revolução? (1975); A questão da USP (1984). Em 1964 efetivouse como professor catedrático, tendo apresentado no concurso a tese A integração do negro na sociedade de classes. Com o Golpe Militar de 1964, a sua produção tomou a perspectiva do confronto Campanha da Escola Pública, 1960

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com o regime autoritário. As exigências de interpretação da realidade concreta entraram na pauta de Florestan com o impacto da ditadura militar. Como nos adverte sua filha, e também socióloga, Heloisa Fernandes, ao analisar a produção intelectual, sociológica e militante de Florestan Fernandes: O fato é que a obra mais volumosa de Florestan foi escrita depois de 1969. Ademais, embora reconhecendo que sua identificação com a Sociologia e com os papéis intelectuais do sociólogo sofreram uma crise, mesmo assim nunca deixou de se reconhecer sociólogo; socialista, mas sociólogo! Não só afirmou a existência de uma “sociologia marxista”, como nunca defendeu que os métodos de investigação e interpretação devessem ser escolhidos por critérios políticos. Ao contrário, sustentou que a sociologia fornece diversos instrumentos de investigação, que são escolhidos por critérios fornecidos pelos problemas investigados. (ENFF, 2009, p. 44).

Além disso, Heloisa Fernandes frisa que “mais ainda, para Florestan, os conceitos são instrumentos de trabalho, são ferramentas às quais ele recorre por sua riqueza explicativa, independentemente das teorias de onde são retirados” (ENFF, 2009, p. 44). Florestan Fernandes foi obrigado a sair do país a partir da promulgação do Ato Institucional n. 5 (AI-5) de 1968. Decretado pelo governo militar do Marechal Costa e Silva, o AI-5 deu condições legais de cassar definitivamente as liberdades e ampliar ainda mais os poderes repressivos e econômicos das elites e classes dominantes. Florestan foi afastado da universidade, através da aposentadoria compulsória, e foi morar em Toronto, no Canadá (1969-1972), onde continuou as suas reflexões. Algumas das suas produções deste período foram: Sociedade Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

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de classes e subdesenvolvimento (1968); Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina (1973); A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (1975). Do exílio, combateu a Ditadura Militar dando conferências e participando ativamente de manifestações. Em 1977, foi novamente professor visitante na Universidade de Yale (EUA), função que já havia desempenhado de 1965 a 1966. A partir de 1977, lecionou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 1985 recebeu o título de professor emérito Título de Professor Emérito, 1985 da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Reconhecido como um dos maiores sociólogos do seu tempo, Florestan foi galardoado com dois importantes títulos estrangeiros de Doutor Honoris Causa: pela Universidade de Utrecht (Holanda) em 1986, e pela Universidade de Coimbra (Portugal) em 1990.

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Passeata contra o ensino pago

Florestan Fernandes sempre esteve ligado aos movimentos sociais e reivindicatórios, e às organizações políticas de esquerda, clandestinas ou não. Militou nos anos 40/50 no Partido Socialista Revolucionário e, décadas depois, ingressou no quadro de militantes do PT em 1986, ano em que foi eleito deputado federal. Atuou na Assembleia Nacional Constituinte na Comissão de Educação, defendeu as bandeiras históricas pelas quais sempre lutou: expandir, modernizar e, especialmente, fortalecer a escola pública, dando o melhor de si na elaboração do projeto da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Foi reeleito para o Congresso Nacional em 1990 e pautou temas defendidos pelos movimentos sociais como as reformas de base, a defesa da escola pública, igualdade racial, medidas socialistas de combate às desigualdades econômicas, sociais e políticas. Assumiu a atividade parlamentar numa perspectiva da oposição de esquerda e procurando defender uma plataforma Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

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socialista durante os dois mandatos que lhe foram conferidos. Faleceu em São Paulo em 1995, vítima de erro no encaminhamento médico no Hospital das Clínicas, quando foi submetido a um discutível transplante de fígado. Sua filha Heloísa Fernandes destaca que:“Florestan foi inúmeros sujeitos, sua vida esteve marcada por conquistas e vitórias, mas recuperou seu destino, enfrentando as circunstâncias da sua vida com coragem, imaginação e muita dignidade.” (ENFF, 2009, p. 42).

A relação com o lugar onde viveu, a cidade de São Paulo Em São Paulo, Florestan Fernandes nasceu, cresceu, viveu e trabalhou. Do bairro pobre à USP. Formou-se sociólogo e socialista naquela cidade. Lá lutou e lá morreu, em 1995, na sua terra, coerente com o seu lugar. O professor universitário, intelectual e militante elaborou reflexões também sobre São Paulo, como um espaço relevante para entender as mudanças ocorridas no Brasil; para entender a nação, o território em seu conjunto. São Paulo como um espaço de intervenções sociais, políticas, econômicas e culturais, a serem pesquisadas e analisadas. Suas obras sobre a organização social desse estado foram: Brancos e negros em São Paulo, em colaboração com Roger Bastide (1959) e Folclore e mudança social na cidade de São Paulo (1961).

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Manifestação em Brasília com Genro e Lula [de Ivaldo Cavalcante, JBr]

Florestan refletiu, sobretudo, sobre o Brasil; o capitalismo no País e na América Latina; as classes sociais; os trabalhadores e suas resistências, lutas e organizações, elaborando uma “sociologia crítica e militante”. Ao voltar a viver em São Paulo, no ano de 1972, retomou pari passu os trabalhos. Na Universidade, com aulas e pesquisas. Nas revistas científicas e políticas aprofundando temas e analisando as conjunturas nacional e internacional. Nos jornais de grande circulação como a seção Tendência/Debates da Folha de São Paulo, onde realizou o “papel de publicista” no combate ao “reacionarismo burguês”, como ele mesmo se definiu. Tornou-se deputado federal da bancada paulista do PT, entretanto, voltou-se para questões que diziam respeito a todo o povo brasileiro. A partir das suas raízes de classe trabalhadora, ele contribuiu para que se firmasse uma produção científica, uma sociologia brasileira sobre a realidade brasileira. Desta maneira, Do menino de biscates ao sociólogo rigoroso, aplicado

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pôde compreender as relações sociais, econômicas e culturais que dividem a todos em classes e estamentos sociais através da exploração do trabalho e da dominação ideológica. Um dos intelectuais brasileiros que mais se empenhou em transformar o pensamento em ação política e social, Florestan Fernandes sempre se orgulhou das suas origens humildes de homem do povo. Eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o meu passado e sem a socialização pré e extra-escolar que recebi, através das duras lições da vida. Para o bem e para o mal, [...] a minha formação acadêmica superpôs-se a uma formação humana que ela não conseguiu distorcer nem esterilizar. [...] Iniciei a minha aprendizagem sociológica aos seis anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse um adulto e penetrei, pelas vias da experiência concreta, no conhecimento do que é a convivência humana e a sociedade. (FERNANDES, 1977, p. 142).

Para trabalhar em grupo: 1. Destaque aspectos que considere importantes para entender a trajetória de Florestan Fernandes como sociólogo, pesquisador, estudioso da realidade brasileira e militante político.

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2 O pensamento de Florestan Fernandes Veja a seguir trechos de alguma das obras de Florestan Fernandes.

Apresentação do livro Que Fazer? (LÊNIN, 1979, p. XIII-XV).

Dadas certas dessas condições, o que depende dos próprios socialistas para que o seu movimento se consolide, se irradie e, através das massas populares e das classes trabalhadoras, se converta em força política revolucionária? Excluindo-se Cuba, a experiência chilena e algumas manifestações verdadeiramente políticas da guerrilha, a América Latina foi o paraíso da contra-revolução (da contra-revolução mais elementar e odiosa: a que impede até a implantação de uma democracia-burguesa autêntica). Hoje, mais do que nunca, ela continua a ser o paraíso da contra-revolução, só que, agora, conjugando o “terrorismo burguês interno” com o “terrorismo burguês externo”. Os partidos que deveriam ser revolucionários (anarquistas, socialistas ou comunistas), devotaramse à causa da consolidação da ordem, na esperança de que, dado o primeiro passo democrático, ter-se-ia uma situação histórica distinta, em suma, bateram-se pela democracia-burguesa, como se fossem os campeões da liberdade. Trata-se de uma avaliação O pensamento de Florestan Fernandes

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dura? Quanto tempo as burguesias nacionais ter-se-iam agüentado no poder se fossem atacadas de modo direto, organizado e eficiente? Ou estamos sujeitos a uma “fatalidade histórica”, que prolonga o período colonial e a tirania colonizadora depois da Independência e da expansão do Estado nacional? O diagnóstico correto, embora terrível para todos nós, é que nunca fizemos o que deveríamos ter feito. Os “revolucionários” quiseram manter seus privilégios ou os seus meio-privilégios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes dominantes. Formaram a sua ala radical, sempre pronta a esclarecer os donos do poder sobre o que certas reformas implicariam, para evitar uma aceleração da desagregação da ordem e os seus efeitos imprevisíveis (...) Não estou inventando. Voltamos as costas à organização da revolução e auxiliamos a contra-revolução, uns mais outros menos, uns conscientemente, outros sem ter consciência disso. E a “massa” da esquerda tem os olhos fitos no desfrute das vantagens do status de classe média. O que ameaça esse status entra em conflito com o socialismo democrático (...) Todas essas reflexões pungentes precisam ser feitas e refeitas. Que Fazer? Desvendar essa realidade incômoda. Não fomos fascinados pelo “espontaneísmo” das massas: estas exerceram pouca atração sobre o pensamento político propriamente revolucionário, sempre preso a fórmulas importadas de fora, com freqüência fórmulas com alta infecção burguesa (para usar outra expressão de Lênin). Fomos paralisados pela idéia do gradualismo democrático-burguês e pelo poder de coação da ordem. O que quer dizer que, na era da polivalência no “campo socialista”, ainda não sabemos quais são os caminhos que levarão à desagregação do nosso capitalismo selvagem e a soluções socialistas apropriadas à presente situação histórica. (...) Depois de setenta e seis anos, Que Fazer? continua válido. Todavia, a teoria revolucionária e a organização

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do movimento revolucionário precisam ser adaptadas a uma situação política muito diversa. Os que esperam que o “campo socialista” resolverá todos os problemas e dificuldades cometem um equívoco. A cooperação e o auxílio efetivo só poderão amparar os movimentos revolucionários viáveis, que comprovarem sua vitalidade e sua eficácia. Em outras palavras, é urgente superar a nossa circularidade e a nossa fraqueza inventiva. Os que são socialistas precisam devotar-se à tarefa de construir a teoria revolucionária exigida pela situação atual da América Latina. (...) Oitenta e nove anos de “regime republicano” já nos ensinaram o bastante. Não serão as classes possuidoras, especialmente os seus setores privilegiados nacionais e estrangeiros, que irão favorecer e levar a cabo a revolução democrática. E esta não pode ser pensada, por um socialista, como um desdobramento de etapas. Onde as massas populares e as classes trabalhadoras se afirmam como as únicas alavancas da revolução democrática, esta só poderá conter uma transição burguesa extremamente curta. Cabe aos socialistas dinamizar a “revolução dentro da revolução”. Hoje, mais que no passado, a civilização de consumo de massas constitui um ópio do Povo. As massas populares e as classes trabalhadoras só podem ser educadas para o socialismo através de um forte movimento socialista, dentro do qual elas forneçam as bases, os quadros e as vanguardas, e através do qual elas disputem o poder das classes dominantes, deslocando-as do controle do Estado e do sistema de opressão institucional, “democrático”. O que assinala que, se os caminhos são diversos, várias lições de Que Fazer? preservam toda a atualidade, sob a condição de que a opção pelo socialismo seja tomada para valer. São Paulo, 19-20 de março de 1978.

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O que é revolução?

(FERNANDES, 1985, p. 14-26).

No nível mais amplo, a noção de revolução tem de ser calibrada pelas classes trabalhadoras em termos das relações antagônicas entre burguesia e proletariado dentro do capitalismo da era atual. A época das revoluções burguesas já passou; os países capitalistas da periferia assistem a uma falsa repetição da história: as revoluções burguesas em atraso constituem processos estritamente estruturais, alimentados pela energia dos países capitalistas centrais e pelo egoísmo autodefensivo das burguesias periféricas. Estamos na época das revoluções proletárias e pouco importa que elas só tenham aparecido nos “elos débeis” do capitalismo. O que se configurava como um processo que iria dos países centrais para a periferia, de fato caminhará da periferia para o centro! Por isso as burguesias dos países centrais se organizam como verdadeiras bastilhas e promovem seu “pluralismo democrático” ou seu “socialismo democrático” como se fossem equivalentes políticos do socialismo revolucionário e do comunismo. Neste nível, a linguagem e a mensagem de O Manifesto Comunista permanecem plenamente atuais. Marx e Engels enunciaram o essencial: sob o capitalismo e dentro do capitalismo a revolução de sentido histórico se dá contra a sociedade burguesa e o seu Estado democráticoburguês. Uma revolução que, em sua primeira etapa, substituíra a dominação da minoria pela dominação da maioria; e, em seguida, numa mais avançada etapa eliminará a sociedade civil e o Estado, tornando-se instrumental para o aparecimento do comunismo e de um novo padrão de civilização. (…) Isto quer dizer que a revolução proletária não terá um eixo revolucionário curto, que se esgote na substituição de uma classe dominante por outra (o proletariado como substituto e

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equivalente da burguesia, o que esta realizou com referência à nobreza feudal). O proletariado deverá ser ainda mais revolucionário depois da conquista do poder e da derrota final da burguesia. Essa é a condição histórica para que a transição para o socialismo e o chamado “socialismo avançado” possuam uma dinâmica democrática própria, de tal modo que cada avanço socialista represente um aprofundamento comunista na negação, seja do período de transição, seja do “socialismo avançado”. (…) O que distingue o marxismo, a esse respeito, é a tentativa de compreender a revolução como fenômeno sociológico de classe. Isso não significa “nivelar a história por baixo” ou “pôr em primeiro plano o estômago”, com descuido do espírito e da razão. Os corifeus da teoria idealista da história escrevem tantas sandices que o melhor é ignorá-los e partir diretamente de uma concepção objetiva do lugar que a luta de classes confere à revolução em uma sociedade intrinsecamente antagônica. Isso não impede, antes o exige, que se evite cair no mal oposto: um “obreirismo” rudimentar e o “redentorismo” do partido revolucionário. As dimensões da luta de classes não são determinadas exclusivamente por uma das classes – mesmo a classe operária, ou por sua vanguarda e o seu partido; elas constituem uma função do desenvolvimento do capitalismo e da vitalidade que as classes em conflito demonstram no aproveitamento das oportunidades históricas. (…) (…) Em suma, quem faz a revolução é a grande massa proletária e quem lhe dá sentido é grande massa proletária. Não se trata de uma categoria social como “Povo” - mas da parte proletária o Povo e daqueles que, não sendo proletários, identificam-se politicamente com o proletariado na destruição das formas burguesas de propriedade e de apropriação social. Em suma, a maioria descobrindo por seus próprios meios que a ordem burguesa não é a única possível e tentando, também por seus próprios meios, O pensamento de Florestan Fernandes

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a conquista do poder e de uma nova forma de democracia, a democracia proletária. A nova época inicia-se, portanto, mediante uma revolução através da qual o proletariado, convertido, em classe dominante, “destrói violentamente” as antigas relações de produção e, com elas, “as condições dos antagonismos de classes e as próprias classes em geral”, abrindo caminho para extinguir, assim, “sua própria dominação como classe”. Utopia e ideologia caminham juntas, já que ambas extraem sua realidade histórica de uma condição de classe revolucionária instrumental para revolução, mas condenada ao desaparecimento pela concretização paulatina da própria revolução. Isso permite a Marx e Engels um vaticínio ousado: “Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, haverá uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos”.

Os papéis intelectuais do sociólogo Em A sociologia como afirmação (IANNI, 2004, p. 206-215). À luz da tradição científica da era liberal, seria descabido analisar e discutir os papéis intelectuais dos sociólogos como e enquanto cientistas. Eles estariam ligados às obrigações decorrentes dos cânones da investigação científica. Contudo, à medida que os dados e as descobertas da ciência foram assimilados pela vida prática, alterou-se o padrão fundamental de relação do cientista com a sociedade e surgiram novos papéis sociais que regulam o aproveitamento das energias intelectuais do cientista pela coletividade. Doutro lado, nas nações subdesenvolvidas, o atraso cultural força ajustamentos peculiares, graças aos quais os cientistas acabam sendo absorvidos em vários ramos de atividades variavelmente extracientíficas. Os sociólogos se viram envolvidos nesses

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processos em escala atenuada, quando se compara sua situação com o que está ocorrendo com os economistas e os psicólogos. Ainda assim, as obrigações intelectuais com que defrontam, institucionalmente ou apenas de forma potencial, põem diante de nossos olhos um complexo quadro, em que se misturam os papéis clássicos do cientista-investigador e os papéis recentes de “técnico” e de “reformador social”. (…) Daí resulta que precisamos robustecer a nossa fé na ciência e na capacidade do homem comum de elevar-se até ela, forjando no Brasil uma civilização. A parte que devemos tomar nesse processo define-se, de forma objetiva e inequívoca, nas obrigações que assumimos tacitamente, ao nos tornarmos cientistas sociais, de preparar a sociedade brasileira para uma era na qual os problemas sociais e humanos podem ser largamente submetidos a controle racional. Todas as oportunidades que auxiliem, efetivamente, a alargar o horizonte cultural dominante ou a aumentar a confiança dos leigos no pensamento científico devem ser aproveitadas construtivamente. Ao contrário dos cientistas sociais de outros países, temos de aceitar um ponto de partida obscuro e arriscado nas cogitações concernentes aos problemas práticos. Não podemos aguardar que as oportunidades se constituam. Temos de fomentá-las para tirar delas o proveito possível. Em suma, se aos papéis do sociólogo é inerente algum momento político irredutível, na cena histórica brasileira é inevitável que esse elemento ganhe nítida preponderância nas reflexões de cunho abertamente pragmático. Para que a ciência, a tecnologia científica e a educação fundada em ambas possam exercer influência construtiva no crescimento econômico, no desenvolvimento social e no progresso cultural do Brasil, cumpre modificar primeiro o arcabouço estrutural e o sistema organizatório da sociedade brasileira. Sem margem de ambigüidades, isso significa que O pensamento de Florestan Fernandes

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o sociólogo precisa empenhar-se diretamente, como e enquanto cientista, nos processos em curso de mudança sociocultural, com o objetivo imediato de cooperar na instauração de um novo padrão civilizatório na sociedade brasileira e com objetivo remoto de suscitar o aparecimento de papéis sociais congruentes com as responsabilidades intelectuais do cientista no mundo moderno. Desse ângulo, as obrigações práticas do sociólogo distinguemse apenas em grau e em magnitude das obrigações que pesam sobre os demais cidadãos brasileiros. Porque é capaz de “enxergar melhor certas coisas”, cabe-lhe incentivar o interesse, o apreço e a lealdade por comportamentos sociais que respondem produtivamente às exigências da situação. O sociólogo aparece, assim, como uma espécie de elemento de vanguarda na consciência dos problemas sociais, não podendo elidir-se dos pesados encargos decorrentes, mesmo sob o preço do sacrifício de alguns projetos de estudo pessoalmente importantes. Com o correr do tempo, o ônus resultante de tais sacrifícios se distribuirá por número crescente de especialistas e o seu impacto negativo sobre o desenvolvimento da sociologia será quase nulo. Acresce que as experiências colhidas pelo sociólogo por essa via não são menos relevantes para o conhecimento dos mecanismos sociais da sociedade brasileira que outras experiências realizadas no âmbito do ensino ou na esfera da pesquisa.

Para trabalhar em grupo: 1. Escolha um dos trechos de texto de Florestan Fernandes e debata no que o tema nos ajuda a entender a realidade brasileira, as mudanças ocorridas e como podemos interferir?

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4 Textos de estudiosos sobre Florestan Fernandes Veja a seguir trechos de algumas obras de estudiosos que se debruçaram sobre a vida e a produção intelectual de Florestan Fernandes, a fim de entender melhor esse grande pensador brasileiro.

A atualidade sociológica de Florestan Fernandes1 Em O Legado de Florestan Fernandes (ENFF, 2009, 91-106), Heloísa Fernandes2 Quero falar da atualidade de Florestan Fernandes porque penso ser possível atravessar a obra que ele nos deixou puxando todos aqueles fios que o mantém ligado ao nosso presente fazendo 1

Texto apresentado em 2007 durante a Primeira Conferência: Vozes de Nuestra América, realizada em Fortaleza e dedicado aos meus colegas, amigos e alunos da Escola Nacional Florestan Fernandes. 2 Doutora e Livre-docente em Sociologia, professora aposentada do Departamento de Sociologia da USP - Universidade de São Paulo, e professora da Escola Nacional Florestan Fernandes, Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.

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com que ele permaneça nosso interlocutor, nosso amigo, nosso vizinho, nosso companheiro. Paradoxalmente, é possível que ele seja ainda mais atual por causa daquelas teses que, na sua época, eram mais difíceis de aceitar, como aquelas onde denunciava que estaríamos assistindo ao avanço de tendências regressivas e conservadoras de uma nova fase histórica do capitalismo, exatamente quando muitos de nós pensávamos que a luta contra a ditadura militar nos deixaria a um passo das portas de um futuro socialista! Ainda recentemente, Carlos Nelson Coutinho reconheceu que, somos forçados a constatar que muito daquilo que, para alguns de nós, parecia, na época, manifestação do ‘sectarismo’ do velho Florestan era, ao contrário, a confirmação da sua lucidez analítica e da sua capacidade de previsão (COUTINHO, 2000, p.263). Para falar da atualidade da sua análise sociológica, começo selecionando um fio que nos diga quem ele pensava ser e o que ele queria fazer. Encontrei uma entrevista de 1977, tão longa que se transformou no livro A Condição de Sociólogo, onde ele é bastante enfático sobre si mesmo: “se fui alguma coisa em minha vida, fui um universitário (...). A tal ponto que, quando deixei de ser universitário – com a aposentadoria compulsória, pela ditadura militar -, fiquei desarvorado. Eu não sei para onde vou.” (FERNANDES, 1978, p.70). Disse também que se sentia muito insatisfeito por não ter conseguido superpor os dois papéis que gostaria de preencher. Eu gostaria de ser um cientista social ao mesmo tempo vinculado com a universidade e com o socialismo. Todas as tentativas que fiz para combinar as duas coisas falharam. E falharam porque não existe movimento socialista bastante forte na sociedade brasileira que sirva de substrato e de apoio para os intelectuais que tenham uma posição socialista (FERNANDES, 1978, p.77).

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Por isso mesmo, diz ele, fiquei “uma pessoa dividida ao meio, entre o sociólogo e o socialista” (FERNANDES, 1978, p.79). São afirmações fortes, provocativas, e são estratégicas para uma discussão sobre a atualidade da obra de Florestan. Ademais, pretendo mostrar que ele estava errado; ele não foi uma pessoa dividida ao meio; muito pelo contrário, sua obra revela que o sociólogo e o socialista eram suas duas faces inseparáveis, um não fazia sentido sem o outro. De todo modo, Florestan estava certo num ponto: acima de tudo ele foi um sociólogo, reconhecido, aliás, no ano de 2006, pelo Congresso Nacional como o patrono da Sociologia no Brasil. Um título honroso e muito justo para quem deixou mais de 50 livros, a maioria com edições esgotadas e quase todos sendo reeditados. O próprio Florestan reconheceu que sua pesquisa mais importante como sociólogo e como socialista, porque marcou decisivamente sua interpretação da sociedade brasileira, foi a pesquisa sobre relações raciais no Brasil, realizada no começo da década de 1950, quando tinha pouco mais de 30 anos de idade e começava sua carreira como docente da Universidade de São Paulo (SEREZA, 2005, p. 99; PEREIRA, 1996). (...) A escravização de seres humanos é o sinete marcando o mais fundo daquilo que fomos e daquilo que continuamos a ser. Os negros são os testemunhos vivos da persistência de um colonialismo destrutivo, disfarçado com habilidade e soterrado por uma opressão inacreditável. O mesmo ocorre com o indígena, com os párias da terra e com os trabalhadores semilivres superexplorados das cidades. (FERNANDES, 1989, p.8).

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A escravidão, como padrão de relação entre classes, persistiu no modo de exploração da força de trabalho e no modo autocrático e violento como são tratados os trabalhadores. Como diz Florestan, a escravidão desapareceu, porém subsiste num mandonismo estreito, que converte a dominação de classe em equivalente da dominação estamental e de casta. (FERNANDES, 1976, p. 77). (...) Não por acaso, negro, pobre e prostituta são, ainda hoje, as maiores vítimas da intolerância, brutalidade e selvageria (...) Como sociólogo, as descobertas da pesquisa estão presentes naquela que considero sua obra mais importante, A Revolução Burguesa no Brasil, na qual formula pela primeira vez o conceito de capitalismo selvagem, uma máquina de exploração, de opressão e de discriminação, sem consertos, nem saídas, porque, quanto mais o capitalismo se desenvolver, tanto maior a exploração, a opressão, a discriminação, a exclusão, agravando a selvageria que é sua própria condição. Não só mantivemos as estruturas herdadas da era colonial e da escravidão como estas mesmas estruturas foram sendo revitalizadas pelo capitalismo (competitivo e monopolista) porque se revelaram funcionais à “intensidade da acumulação de capital”, à “continuidade de privilégios, que nunca desaparecem” e à “exploração externa, que sempre muda para pior” (FERNANDES, 1976, p. 4-5). É o Florestan sociólogo que assume plenamente as consequências das suas descobertas sociológicas quando defende a alternativa do projeto socialista. Numa sociedade como a brasileira, uma sociedade de classes, dependente, subdesenvolvida e periférica, a revolução dentro da ordem, como ele a chama, ou seja, a revolução democrática, tornou-se uma tarefa histórica que só pode ser realizada pelos “estratos da população

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que sempre foram excluídos, como os trabalhadores do campo e da cidade, e todos aqueles que não têm peso e voz na sociedade civil”. Para Florestan, a Segunda Abolição3, precisará enfrentar e derrotar o “superego nacional” de modo a poder realizar as “reformas capitalistas (como a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma educacional, o combate àwmiséria, às desigualdades extremas, à fome, à exclusão, etc.)” (FERNANDES, 1989, p. 31). Desencadeado o processo de construção de uma democracia de participação ampliada, as classes trabalhadoras terão conquistado o terreno político no qual podem se expressar numa linguagem própria e, através do socialismo e do comunismo, começam a lutar pela “reforma e revolução sociais dentro de uma ótica não-capitalista ou anticapitalista” (FERNANDES, 1982, p. 122-3). (...)Democrático, socialista, libertário, Florestan disse que queria “colocar o homem como valor supremo” e desejou que “a felicidade tivesse lugar no mundo do homem na Terra” (FERNANDES, 1987, p.317). Esse sonho que morde o futuro continua sendo a sua maior atualidade.

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O negro continua nos ‘porões da sociedade’ e ‘emparedado’. Um século depois de sua ‘emancipação’, ele continua (...) preso aos grilhões invisíveis da tutela do branco e às cadeias visíveis da miséria da exclusão dissimulada e da desigualdade racial. (...) a exorbitância da persistência do passado: por que esse passado não desaparece de uma vez (...)? (...) a Segunda Abolição também não seria necessária somente para o negro (...) é exigida por uma enorme massa de pessoas (...) todos os deserdados da terra. (FERNANDES, 1989, p.49-50).

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Amizade com Florestan Depoimento de Antonio Candido em 22 de maio de 1986 na Jornada de Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus Marília, em homenagem a Florestan Fernandes. Em Florestan (SOUZA, 2001, p. 26-67). “Nossa amizade começou em 1943 de maneira curiosa. (...) Um belo dia eu o conheci no corredor da Faculdade, carregando uma enorme pasta de livros, encostado na janela e lendo, como já contei noutro lugar, uma vida de Buda, sobre a qual começou a falar com volubilidade. Também essa maneira por que o conheci se tornou paradigmática para mim, porque Florestan foi e é um homem que lê praticamente sobre tudo. Engana-se quem supõe nele uma cultura puramente sociológica. Ele não só tem vasta informação filosófica, econômica, histórica, como também grande formação literária e artística. De modo que aquele livro sobre Buda se junta como terceiro traço na prefiguração do que seria o Florestan maduro. Em seguida ele se tornou, como eu, assistente da cadeira de Sociologia II, e assim fomos companheiros de trabalho durante muitos anos. Companheiros continuamos de certo modo até hoje, e agora em sentido mais específico, porque ele acaba de entrar para o meu partido político, o dos Trabalhadores. (...) A partir de 1947 fomos postos em regime de tempo integral. Fazíamos plantão das oito da manhã ao meio-dia e das duas às seis da tarde, em princípio. Quando saíamos, eu estava esgotado e só pensava em tomar o ônibus para casa. Mas ele mais de uma vez me disse que ia para a Biblioteca Municipal ler até ela fechar. “Não espanta que tenha dominado não apenas a

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bibliografia da escola sociológica francesa (como se dizia), mas do funcionalismo inglês e americano, além de outras correntes, como o marxismo, e de autores como Freyer e Mannheim”.

Nota Final do livro: “Falando de Florestan Fernandes, é preciso assinalar que, além da obra de sociólogo e da ação de intelectual empenhado nos problemas do tempo, além da atividade de professor, de formador de equipe, de criador de rumos na teoria e na investigação, ele realizou outra obra não menos admirável: a construção de si mesmo. Quem leu as entrevistas em que conta a sua infância e a sua adolescência, as duras batalhas travadas para sair da mais extrema pobreza e alcançar posições elevadas, impondo-se à opinião culta do país e do estrangeiro; quem leu tais entrevistas sabe de que esferas partiu e a que esferas chegou. Mas talvez não avalie o trabalho consciente de aperfeiçoamento pessoal, sob todos os aspectos, que caracterizou a sua vida. Com efeito, armado desde menino para a campanha da sobrevivência difícil, ele manifestou frequentemente a sua energia por meio da combatividade e da intransigência dos lutadores íntegros, animado pelo “orgulho selvagem” – bela fórmula com que definiu a fibra que permitiu a Lelé e a sua mãe, a indomável dona Maria Fernandes, sobreviverem com dignidade e vencerem o mundo adverso. (...) Não estou querendo, é claro, sugerir que Florestan Fernandes se tenha “domesticado” em benefício de um comportamento convencional. Quero sugerir que canalizou o temperamento explosivo de maneira a trocar o rompante pela energia serena,

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mas implacável quando era preciso; e a só desamarrar a combatividade no momento oportuno, foi como se tivesse adquirido um golpe de vista certeiro para avaliar quando e como era preciso saltar com pertinência a barreira do respeito humano. Assim, no ano anterior ao de sua morte, em sessão meio solene e muito concorrida, eu o vi manifestar com serenidade cortante juízos devastadores e oportunos, envolvendo tabus locais e mesmo pessoas presentes, com uma franqueza viril que pareceu congelar a respiração do público numeroso. Mas, por fim, este rompeu em aplausos ante a sua bravura justiceira. Penso que este exemplo ilustra o que considero o seu amadurecimento harmonioso, obtido por meio da experiência de vida aproveitada com lucidez, de modo a combinar a força da paixão com a boa forma da conduta. Ele foi, portanto, um homem excepcional sob todos os pontos de vista. Homem excepcional cuja semente alguns vislumbraram imediatamente sob o verdor meio agreste do rapaz cheio de vibrante flama, que conheci na Universidade de São Paulo no começo dos anos 40 e já deixava entrever o destino de rara grandeza que seria o seu. Foram aquela semente e esse fruto que desejei evocar, procurando caracterizar o perfil intelectual e moral de um homem que sempre estimei e admirei, como um dos mais nobres que conheci.

Para trabalhar em grupo: 1. Qual é a atualidade de Florestan Fernandes e de suas características de sociólogo e socialista? 2. Argumente sobre a importância da leitura, dos estudos, para a vida?

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Educação e democracia na trajetória de Florestan Fernandes4 Em O Legado de Florestan Fernandes (ENFF, 2009, p. 55-68). Eliane Veras Soares5 A grandeza de um homem se define por sua imaginação. E sem uma educação de primeira qualidade, a imaginação é pobre e incapaz de dar ao homem instrumentos para transformar o mundo (Florestan Fernandes). O tema “educação e democracia” talvez seja aquele, entre os selecionados para este seminário, que suscita de maneira mais contundente a dialética do cientista e do político presente na trajetória de Florestan Fernandes. (...) Proponho aqui analisar de modo breve a dimensão que a educação assumiu nas diversas etapas da vida de Florestan Fernandes até chegarmos ao último período no qual desenvolveu suas posições frente à Assembléia Nacional Constituinte e ao Congresso Nacional. Podemos dizer que o lugar da educação na trajetória de Florestan Fernandes é crucial, fundamental. Ela surge já na infância, quando o menino Florestan ainda era chamado por sua madrinha de Vicente. Foi Dona Hermínia Bresser de Lima quem literalmente colocou o lápis na mão do pequeno Florestan. O convívio com esta família burguesa revelou ao futuro sociólogo 4

Artigo apresentado originalmente no Seminário “Florestan Fernandes e o Brasil”, organizado pela Fundação Perseu Abramo, em outubro de 1998, na PUC de São Paulo. 5 Eliane Veras Soares é Professora de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco. Autora do livro Florestan Fernandes, o militante solitário (Cortez, 1997).

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que o mundo não se restringia ao universo dos cortiços nos quais vivia, mas que havia algo muito além do fundo do poço no qual ele e seus companheiros de rua se encontravam. Florestan abandonou a escola antes de completar a terceira série primária, mas já adquirira os padrões mínimos da curiosidade intelectual e do interesse pela leitura, bases que possibilitaram posteriormente, mediante a realização do curso madureza, seu ingresso na Universidade de São Paulo. A passagem pelo Ginásio Riachuelo funcionou como uma espécie de ressocialização e, ao mesmo tempo, como ponte para um novo patamar de realizações: Se não era uma comunidade-escola tínhamos uma escolacomunidade, sob o seu impulso, a minha imaginação se abriu para além do imediato, do cotidiano e para os grandes problemas da literatura, da filosofia e da época [...] fugíamos das limitações intrínsecas à escola secundária brasileira, completando o ensino que recebíamos, aliás de bom nível em termos relativos, pela improvisação de uma fraternidade de estudantes voltados para a sistematização e intensificação dos estudos. (...) No início dos anos 60, com a eclosão da Campanha em Defesa da Escola Pública, Florestan Fernandes experimentou uma sorte de reencontro com seu passado. O sociólogo não estava apenas desvendando os dilemas da realidade ou colocando seu conhecimento a serviço da racionalização do sistema de ensino face às necessidades do desenvolvimento do país, tudo se passou como se me transformasse, de um momento para outro, em porta-voz das frustrações da revolta dos meus antigos companheiros de infância e juventude. O meu estado de espírito fez com que o professor universitário falasse em nome do filho da antiga criada e lavadeira portuguesa, o qual teve de ganhar a sua vida antes mesmo de completar sete

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anos, engraxando sapatos ou dedicando-se a outras ocupações [...]. Nesse sentido, assumi nos debates travados uma posição análoga à que Patrocínio desempenhou nas lutas abolicionistas, descontados naturalmente os coeficientes históricos e pessoais. [...] Como ele, coube-me o dever de levar ao mundo cultivado do Brasil as angústias, os sentimentos e as obsessões dos esbulhados, e honro-me ao lembrar que não trepidei, por um instante, diante dos imperativos deste dever. Professor, sociólogo e socialista – não foi de nenhuma dessas condições que extraí o elemento irredutivelmente inconformista, que deu sentido à participação que tive na Campanha de Defesa da Escola Pública. Nos anos 60, uma série de fatores irá contribuir para uma radicalização do pensamento sociológico de Florestan Fernandes em relação ao marxismo. Um deles é o surgimento do grupo de estudos de Marx formado pela nova geração de cientistas sociais, filósofos e historiadores que Florestan Fernandes ajudara a formar. Excluído do grupo antes de tudo por sua própria posição de mestre, Florestan nem por isso ficou à margem do que estava acontecendo, como ele mesmo afirma: Diante de um grupo orgânico de sociólogos-pesquisadores, os quais se dispunham a interpretar o Brasil e a periferia do mundo capitalista à luz de novas categorias sociológicas, que precisava refazer as minhas metas para ter o direito de continuar à testa do grupo [...] Eu tinha de recomeçar, gostasse ou não, reciclando a minha concepção de sociologia e redefinindo o que eu vinha admitindo como sociólogo [...] Eu era obrigado a penetrar mais a fundo na compreensão do elemento positivo intrínseco à sociologia como ciência, despojando-me, de modo crescente, de resíduos deixados por uma longa contaminação naturalista, ligada principalmente ao período de aprendizagem e aos começos de minha formação sociológica. O que fizera, Textos de estudiosos sobre Florestan Fernandes

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no sentido de livrar-me desses resíduos, através de Mannheim, da primeira leitura de Marx e de outros autores, mostrava-se insuficiente e ia ficando cada vez mais para trás. (...) Na verdade Florestan Fernandes não só avançou em sua concepção sobre a educação, mas também conservou suas preocupações iniciais, uma vez que considerava que as reformas republicanas, burguesas, enfim, democráticas da educação nacional ainda não haviam sido atingidas. Costumava dizer que nos anos 1980 e 1990 ainda lutávamos (e lutamos) por ideais republicanos do século 19. Isso graças às elites que se colocam até hoje contrárias a uma verdadeira revolução democrática no campo educacional. Para Florestan Fernandes isso se justifica pelo fato de as classes dominantes não poderem ceder terreno no campo da educação escolarizada sem arriscar-se a permitir que as classes trabalhadoras, os estratos radicais ou proletarizados das classes médias ganhem acesso a técnicas de controle, de competição, de conflito que ameaçam de maneira crescente os que mandam. A consequência disso é a institucionalização da exclusão por meio da educação, revelando, assim, sua faceta antidemocrática: O aparato institucional da educação escolarizada é, por isso, excluidor e colide com os princípios de distribuição igualitária e democrática das oportunidades educacionais. [...] As portas se abrem no ensino fundamental, para se fecharem sem tréguas no ensino médio e superior. Os pobres e humildes, os estigmatizados pela raça e etnia (como os negros, os mulatos e os indígenas), os excluídos e marginalizados (como os despossuídos do campo, os favelados, os sem-teto, os prostituídos, os menores abandonados e violentados etc.), vítimas do isolamento e extrema opressão secular, sequer aprendem a necessidade e o

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valor da educação escolar. Assim a resistência das elites produz a fetichização da educação: alardear o amor à educação desvincula-se da devoção ao ensino propriamente. A educação eclode como o seu contrário, mistificando-se, comercializando-se, alienando-se de seus fins específicos. Como um fetiche, ostenta um valor e encerra outro e ao negar suas aparências afirma um contravalor que sofre apropriações espoliativas. O circuito educacional fecha-se, assim, à imensa maioria: é uma deturpação pedagógica normal ou natural. Na cúpula do processo, que se irradia da sala de aula à escola, sobrepõe-se um aparato institucional complexo, que articula entre si a família, a empresa de ensino ou o ensino público, múltiplas instituições da sociedade civil empenhadas em aferir o valor do ensino e em aproveitar os seus produtos, e o poder público. (...) No prefácio de O desafio educacional, escrito em 1989, Florestan Fernandes afirma que o livro é constituído de artigos que focalizam “aspectos da erupção de um vulcão que parecia extinto” e chama a atenção para o fato de que o mais importante “não é a opinião do autor, mas o contexto histórico, os problemas e dilemas educacionais, as contradições pedagógicas de uma sociedade capitalista periférica tensionada por processos históricos que requerem o socialismo”. Neste momento a questão crucial é colocar os trabalhadores, excluídos e oprimidos no sistema escolar, em suas palavras: o principal desafio socialista na esfera educacional é ainda calibrado pelas ‘reformas burguesas da educação’, que os pioneiros não conseguiram viabilizar [...] No limiar da nova era, o Brasil marcha para o socialismo ou para a fragmentação interna. A pedagogia volta a ser a chave para a decifração do nosso Textos de estudiosos sobre Florestan Fernandes

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enigma histórico. O que a Constituição negou, o povo realizará. Mas ele não poderá fazê-lo sem uma consciência crítica e negadora do passado, combinada a uma consciência crítica e negadora do futuro. E essa consciência, nascida do trabalho produtivo e da luta política dos trabalhadores e dos excluídos, não depende da ‘educação para um mundo em mudança’, mas sim da educação como meio de auto-emancipação coletiva dos oprimidos e da conquista do poder pelos trabalhadores. (...) Florestan, em sua modéstia, revelava a grandeza dos seus ideais, dizendo que tudo o que fazia parecia para ele ainda muito distante do que realmente tinha em mente. Como o que realizava sempre foi reconhecido como monumental, expoente máximo de uma dada circunstância histórica, podemos fazer uma ideia do quão grandiosos eram seus verdadeiros propósitos. Um deles, que está diretamente ligado a este debate, era o desejo de que todos os homens tivessem uma educação de qualidade que os levasse a superar a heteronomia e conquistar a autonomia moral, intelectual, criando condições efetivas de luta pela superação da miséria humana. O socialismo surge como fim, enquanto a educação ocupa a função de meio, meio revolucionário no qual a dinâmica cultural da sociedade se realiza.

Para trabalhar em grupo: 1. Qual é a situação da educação brasileira hoje? 2. Qual a importância da educação para transformar e realidade brasileira? 3. Construa um texto, uma poesia, uma música, etc. sobre Florestan Fernandes.

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3 Contribuição para compreender a realidade social A sociologia produzida por Florestan Fernandes dialogou com muitos autores internacionais das principais correntes de pensamento universal, entre eles Hebert Spencer, Robert Merton, Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Karl Mannheim e Talcot Parsons. Entre os trabalhos que Florestan refletiu sobre o fazer do sociólogo, podemos citar Fundamentos empíricos da explicação sociológica (1959), Ensaios de sociologia geral e aplicada (1959) e A natureza sociológica da sociologia (1980). Florestan Fernandes incorporou diversas vertentes do pensamento marxista, de Karl Marx e Friedrich Engels até Vladimir Lênin, Leon Trotski, Rosa Luxemburgo e Antonio Gramsci. Em período posterior, dialogou com reflexões de José Martí, José Carlos Mariátegui e Ernesto Che Guevara. José de Souza Martins destaca em Florestan: Sociologia e Consciência Social que: É aí também que está o núcleo de sua preocupação com o atraso das consciências em relação às possibilidades de mudança social que são abertas pelo processo histórico. Para compreendermos esse aspecto central de sua sociologia é necessário levar em conta que Florestan Fernandes, Contribuição para compreender a realidade social

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apesar de militante e confessadamente revolucionário, tem uma concepção dinâmica e propriamente sociológica das classes sociais. Na verdade, acima de classes e categorias sociais, há para ele, como para os clássicos da sociologia, o ser humano, o destinatário por excelência das condutas sociais e do agir histórico. Por isso, desde os trabalhos mais antigos até os mais recentes, o que o preocupa nas classes sociais, tanto as que constituem as elites, quanto a classe trabalhadora, é a competência para compreender ou não a missão histórica que lhes cabe no sentido do que poderíamos chamar de emancipação do homem de suas carências e misérias. (MARTINS, 1998, p. 93).

Uma sociologia brasileira crítica para interpretar o Brasil Florestan Fernandes elaborou o que viria a denominar “sociologia crítica e militante”, marcada pela consciência política e voltada para os problemas que afetavam os “de baixo”, como costumava referir-se aos oprimidos, tomando de empréstimo a expressão de Mariano Azuela, forjada no calor da Revolução Mexicana. Octavio Ianni (2004), em Florestan Fernandes: Sociologia crítica e militante, destacou a postura questionadora e criteriosa do estudioso. Para Ianni, Florestan lançou um olhar crítico ao analisar: as relações raciais entre negros e brancos; as questões dos índios, da escravatura e da abolição. E a partir dos anos 1960, enfrentando o regime militar, tratou dos temas da educação, da revolução burguesa no Brasil, da perspectiva da revolução socialista. Florestan Fernandes interpretou a formação sócio-histórica do Brasil a partir do desenvolvimento do capitalismo, das lutas e

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dos conflitos das classes sociais em formação e das perspectivas do povo brasileiro. Neste sentido, quem são aqueles que compuseram e compõem o povo brasileiro? Um povo formado por indígenas, conquistadores portugueses, africanos trazidos como escravos, imigrantes europeus, árabes e asiáticos. Uma história brasileira cujas raízes assentam-se no escambo e na escravidão, no colonialismo e no imperialismo, na urbanização e industrialização, na sociedade de castas que posteriormente converte-se na sociedade de classes sociais. História permeada por lutas sociais da maior importância, que vão desde as revoltas indígenas contra os colonizadores às lutas abolicionistas contra o regime de trabalho escravo e que, no século XX, amadurece com os embates dos trabalhadores da cidade e do campo pela conquista de direitos e pela transformação das estruturas sociais. Ianni chama a atenção para os termos como “interação, organização, sistema e mudança” aprofundados por Florestan Fernandes, a fim de que pudessem instrumentalizar a explicação da realidade brasileira. Os conceitos e categorias teóricas são as ferramentas na oficina deste sociólogo que os tratou com zelo. Desta maneira, os estudos do autor vêm possibilitando que se entenda a história da formação do Brasil de outro jeito, que se desmistifiquem ideias, pré-noções e pré-conceitos que justificam a exploração, a dominação e a desigualdade. E cita de Florestan a seguinte formulação: “Ainda hoje se mantém o ‘mito’ de que os aborígenes, nesta parte da América, limitaram-se a assistir à ocupação da terra pelos portugueses e a sofrer, passivamente, os efeitos da colonização. […] Nos limites de suas possibilidades, foram inimigos duros e terríveis, que lutaram Contribuição para compreender a realidade social

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ardorosamente pelas terras, pela segurança, pela liberdade, que lhes eram arrebatadas conjuntamente” (IANNI, 2004, p. 40).

O pensamento de Florestan se constituiu com e no movimento da história e produziu uma sociologia que conjugou as relações, processos e estruturas sociais. “A interação social constitui o fenômeno básico da investigação sociológica”. (IANNI, 2004:30). A contribuição de Florestan passa pela importância dos estudos com rigor metodológico. Ele trata da importância durante a pesquisa de produzir a aproximação com a realidade social concreta através de categorias e conceitos, para que o conhecimento não seja fruto dos sentidos, sensações, do pesquisador, de sua subjetividade que também atua na investigação e na elaboração dos resultados da pesquisa. Isso para que se produza conhecimento objetivo, de modo que haja controle e conscientização do pesquisador sobre “as etapas” de investigação e seu produto final. A pesquisa de campo teve papel importante. Ele propõe a construção de “instâncias empíricas” para selecionar os “momentos” que traduzissem o fenômeno social na sua totalidade, como pode se verificar em Fundamentos empíricos da explicação sociológica (1959). Florestan dedicou-se a construir uma sociologia que abordasse criticamente as condições de trabalho e de vida da grande maioria da sociedade. Uma sociedade que se encontra organizada de forma extremamente desigual, distribuída em camadas, estamentos e entre classes sociais. Dividida, apartada, entre os que precisam se submeter à exploração e à dominação e os que vivem desta exploração e dominação.

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As relações raciais no Brasil O tema das relações raciais pode ser encontrado em diversos trabalhos de Florestan Fernandes. Em A integração do negro na sociedade de classes (1965), o autor chama a atenção para as relações entre negros e brancos. Ele rebate a ideia difundida de que o Brasil é um país de democracia racial. Considera que as relações entre brancos e negros tornam-se “democráticas” nos espaços populares, das classes trabalhadoras do campo e da cidade. Como os lugares em que se realizam as religiões de origem africana, como o candomblé e a umbanda, as festas populares como o carnaval e os espaços de trabalhos comuns entre negros e brancos. Contudo, a desigualdade de condições de vida e de trabalho em que os negros historicamente foram obrigados no País nega a ideia de que haja uma “democracia racial”. Lançado ao trabalho livre sem que Estado, Igreja ou qualquer instituição que assumisse alguma responsabilidade por sua manutenção e segurança, o liberto foi convertido em senhor de si mesmo, responsável por sua pessoa e pelos seus descendentes, despojado dos meios materiais e morais para realizar essa proeza, razões pelas quais a Abolição adquiriu o caráter da mais extrema espoliação e de uma atroz ironia. (FERNANDES, 1965, p. 1).

Os quatro séculos de escravidão deixaram brutais marcas sobre os trabalhadores negros. Largados à própria sorte, depois de gerações superexploradas na extração de ouro e nas plantações, principalmente de cana e café, não obtiveram as condições mínimas de estabelecerem uma vida descente no campo e na cidade.

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Na obra Circuito Fechado: quatro ensaios sobre poder institucional (1976), Florestan contesta as teses e interpretações sobre a escravatura no Brasil e a organização do trabalho. O autor estabelece um embate de ideias com a forma com que Gilberto Freyre, entre outros autores, compreendeu a organização social reduzida ao universo da fazenda, ao invés de entender as relações sociais dentro do contexto histórico da economia colonial e da plantacion voltada para o mercado europeu e as circunstâncias sociais, políticos, econômicas e culturais da abolição da escravatura.

Para trabalhar em grupo: 1. Como os índios, os negros, as mulheres e os trabalhadores de um modo geral aparecem, ainda hoje, na história do Brasil? 2. Em que concordamos ou não com as reflexões de Florestan Fernandes sobre a inexistência de democracia racional no Brasil?

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O olhar de Florestan Fernandes sobre as mudanças no Brasil Entre complexos problemas sociológicos e políticos, Florestan abordou profundamente a realidade social do Brasil e o contexto histórico da América Latina. A formação do capitalismo dependente, periférico e desigual norteou a interpretação da industrialização, das migrações, das organizações, dos movimentos sociais e dos partidos políticos. Entre os anos de 1960 e 1970, as elaborações de Florestan Fernandes sofrem o impacto das ditaduras militares na América Latina. O autor retoma conceitos teóricos de Karl Marx e da tradição do pensamento marxista para compreender o que ocorre neste período. Revolução e contra-revolução são peças chaves na análise intelectual de Florestan para entender os rumos do capitalismo periférico e dependente. No livro A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica (1975), Florestan Fernandes se dedicou a compreender as mudanças e as contradições que ocorreram no Brasil. Este trabalho foi iniciado em 1966, interrompido, retomado em 1973 e publicado em 1975, conforme esclarece o autor no prefácio do livro. Representa bem o esforço de vinculação da “investigação sociológica à transformação da sociedade brasileira”. A interpretação sobre a formação e desenvolvimento do capitalismo e das classes sociais possibilitou a análise do lugar que o Brasil veio a ocupar no capitalismo mundial. Juntamente com outras economias latino-americanas, no Brasil se desenvolveu uma economia “dependente e periférica” frente aos países centrais do capitalismo – como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, entre outros – que determinam as políticas econômicas. Contribuição para compreender a realidade social

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Dessa acomodação resultou uma economia ‘nacional’ híbrida, que promovia a coexistência e a interinfluência de formas econômicas variavelmente ‘arcaicas’ e ‘modernas’, graças à qual o sistema econômico adaptou-se às estruturas e às funções de uma economia capitalista diferenciada, mas periférica e dependente (pois só o capitalismo dependente permite e requer tal combinação do “moderno” com o “arcaico”, uma descolonização mínima, com uma modernização máxima). (FERNANDES, 1975, p. 176).

Da colonização, passando pela transição de políticas, definidas por Florestan como “neocolonizadoras”, até a intensificação da dependência econômica brasileira, a história da república é uma história inacabada, que está por se realizar, por força dos trabalhadores. As oligarquias agrárias e a política dos governadores não reconheceram os trabalhadores no regime burguês. A denominada Revolução de 1930 é um marco do período que o Brasil iniciou transformações profundas nas bases econômicas. No âmbito político, o chamado “populismo” se estendeu até o golpe de 1964 e instaurou um pacto social entre as classes sociais, freando o quanto pode as pressões sociais e as reformas políticas. O golpe militar implantou a ditadura. Os governos militares promoveram ilegalidades com a cassação das liberdades e dos direitos sociais. Perseguições, proibições, torturas e assassinatos foram cometidos. Segundo Florestan Fernandes, a história do Brasil ainda carece de efetivar a construção de uma “nação” voltada para as necessidades do seu “povo” e que dependerá da organização, das lutas da classe trabalhadora e da sua participação no destino político do Brasil. Neste sentido, há necessidade urgente de construção de projeto político pelas classes trabalhadoras para propor ações efetivas para o conjunto da sociedade brasileira.

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As reflexões de Florestan, num esforço de compreender a realidade brasileira no contexto da América Latina, produziram um olhar sobre as contradições sociais, econômicas políticas e culturais, conforme destaca a socióloga Miriam Limoeiro Cardoso no artigo Capitalismo Dependente, Autocracia Burguesa e Revolução Social em Florestan Fernandes (1994-1995): “Uma das contribuições maiores de Florestan Fernandes às Ciências Sociais reside na sua capacidade de problematização e na problemática inovadora que soube construir para pensar o Brasil e o subdesenvolvimento em termos de capitalismo dependente” (www.iea.usp.br/artigos). Míriam Limoeiro Cardoso diz que nas suas análises Florestan “nunca” deixou de fora as relações entre classes sociais, pois “Nas sociedades de classes, portanto, a explicação da história se encontra nas relações de cooperação ou de luta entre as classes sociais.” (IEA, 2010, p. 2). Ela faz referência ao trabalho de Florestan Fernandes, Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina (1973), que apresente que neste continente: quer se trate das metrópoles, das cidades ou do campo, as classes sociais propriamente ditas abrangem os círculos sociais que são de uma forma ou de outra privilegiados e que poderiam ser descritos, relativamente, como ‘integrados’ e ‘desenvolvidos’. Tais setores coexistem com a massa dos despossuídos, condenados a níveis de vida inferiores ao de subsistência, ao desemprego sistemático, parcial ou ocasional, à pobreza ou à miséria, à marginalidade sócio-econômica, à exclusão cultural e política, etc.” (CSAL, 37). Trata-se de uma “realidade sócio-econômica que não se transformou ou que só se transformou superficialmente, já que a degradação material e moral do trabalho persiste

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e com ela o despotismo nas relações humanas, o privilégio das classes possuidoras, a super concentração da renda, do prestígio social e do poder, a modernização controlada de fora, o crescimento econômico dependente, etc. (CSAL, 42). (IEA, 2010, p. 5).

Este tipo de capitalismo que se desenvolveu na América Latina tem na origem histórica o dinamismo de subordinação e comprometimento às economias dos países centrais, como nos explica a pesquisadora e educadora popular Patrícia Ferreira, no artigo A Dimensão Libertária da América Latina no Pensamento de Florestan Fernandes, na Revista Libertas On Line da ESS/UFJF: O capitalismo, que, segundo Florestan, nasceu na América Latina, tem no passado colonial, neocolonial até o presente desdobrar do imperialismo, extensas raízes históricas que vão estar na origem da formação das classes sociais. Estas irão se desenvolver no ambiente histórico marcado pelo sentido de colonização e, posteriormente, pela formação do capitalismo dependente, que surge como pilar do tipo de dominação externa que caracteriza o período imperialista. Sob o imperialismo, a burguesia latino-americana se converte numa engrenagem do sistema capitalista mundial. (FERREIRA, 2007, p. 149).

A compreensão do imperialismo é elemento essencial para compreender o capitalismo periférico, dependente e desigual que se expandiu nos países latino-americanos, como segue a explicação de Ferreira: A drenagem de riquezas, a concentração do capital e a transferência de altos lucros para as nações hegemônicas, determinam a extensão da assimetria social, a intensidade da exploração do capital sobre o trabalho e a posição próimperialista, que a classe burguesa assume nos circuitos

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políticos, interno e externo. Trata-se de um tipo de capitalismo incapaz de gerar por si mesmo processos de descolonização da ordem social existente. (FERREIRA, 2007, p. 149).

Para trabalhar em grupo: 1. Quais são os elementos que Florestan Fernandes apresenta para realização de uma pesquisa crítica? 2. Qual é a sua importância desse tipo de pesquisa para a compreensão da realidade brasileira?

O contexto da América Latina Nas reflexões que fez acerca dos movimentos sociais da América Latina, Cuba mereceu um livro de Florestan Fernandes. Depois de uma visita à Ilha em 1979, onde conheceu de perto o processo revolucionário, organizou um curso na pós-graduação da PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, em seguida, na USP - Universidade de São Paulo, a convite do Diretório Central dos Estudantes e do Centro Acadêmico de Ciências Sociais. Dele resultaria o livro Da guerrilha ao socialismo: a Revolução Cubana (1979), onde ele destaca “que o trabalho intelectual também pode assumir as feições de uma guerrilha”. Ressaltando que “temos de estudar Cuba se pretendemos desvendar o futuro e conhecer a história de ritmos fortes que se abre para a frente e assinala uma nova época de civilização no solo histórico da América Latina”, Florestan lotou o auditório da USP, de onde fora expulso pela ditadura militar 10 anos antes. Recusando-se a pedir sua reintegração aos quadros da universidade onde construíra a carreira, conforme sugeriu então a Reitoria, Florestan não hesitou em realizar um curso livre sobre Contribuição para compreender a realidade social

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Cuba. Este, sim, marcaria simbolicamente sua volta à USP, pelas mãos das entidades estudantis. No livro Poder e Contrapoder na América Latina (1981), ao analisar as “revoluções interrompidas”, Florestan tira lições da Revolução em Cuba para o conjunto dos povos e classes trabalhadoras da América Latina para que planejem e construam propostas políticas para o seu futuro: Portanto, a questão global não é a de uma suposta ‘debilidade da burguesia’. Ela é, concretamente, dos marcos e do significado da revolução na América Latina nesta época histórica. A bandeira revolucionária não poderia ficar nas mãos de uma burguesia que se plantava obstinadamente no mesmo circuito histórico da reação metropolitana dos EUA. Ela se deslocara para ‘os de baixo”, se encontrava nas mãos das mesmas massas populares que exigiam que o governo revolucionário se lançasse imediatamente à reforma agrária e à concretização rápida dos demais fins da Revolução. [...] A principal lição de Cuba é essa. Ela mostra, ao resto da América Latina, qual é o caminho que pode e deve ser seguido no presente, presumivelmente em condições diversas e muito mais difíceis. A “revolução burguesa em atraso” possui três pólos distintos - um forte pólo econômico, financeiro e tecnológico internacional; um pólo burguês nacional [...]; uma forma absolutista de Estado burguês [...].A Revolução Cubana revela a natureza íntima da revolução em avanço, que tem de desagregar e de destruir toda a ordem preexistente até o fundo e até o fim, para lançar as bases da formação e da evolução históricas de um novo padrão civilização. [...] Estes só poderiam brotar tardiamente, em função do aparecimento de classes dominantes revolucionárias saídas da massa de toda a população e representantes de toda a população. (FERNANDES, 1981, p. 101-104).

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Por ocasião do lançamento do livro Nossa América no Brasil, em 1984, Florestan escreveu sobre José Marti: um homem modesto e sincero, amante de Cuba, identificado com os pobres, os excluídos e explorados, tão capaz de ser sensível aos encantos de Marx, de um Bolívar, de um Whitman ou de um Wilde, quanto de mostrar-se rude diante dos maus e extremamente duro diante da opressão; objetivo e realista a ponto de combinar a intuição do poeta à sensibilidade do jornalista e à precisão do cientista social; acima de tudo um lutador e um educador, pronto a servir, a colocar seu talento e seu ardor revolucionário a serviço da liberdade de Cuba e a emancipação da nossa América. (FERNANDES, 1984, p. ).

Em sentido recíproco, José Marti teria composto, sem dúvida, um perfil semelhante de Florestan Fernandes.

Brasil, período recente da “reabertura política” No livro Nova República?, de 1986, o último de cunho ensaístico, Florestan desvenda o que veio a ser o período que se abriu com a instauração da democracia burguesa e o novo pacto social. A dissolução de uma ordem social iníqua, de um dado antigo regime, depende da existência de uma classe (ou de um estamento ou de uma casta) que possa tornar-se revolucionária na luta pela liberdade e contra a opressão. O antigo regime sempre se recompôs no Brasil. Aqui não ocorreu uma desagregação da sociedade colonial: só a sua transformação. Os estamentos senhoriais formaram o controle do poder central, através do Estado ‘nacional’, e realizaram uma revolução social e política dentro da ordem, preservando as estruturas da produção escravista e

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restabelecendo os vínculos coloniais através do mercado mundial (pela dominação indireta, a ‘indirect rule’, a partir da qual foi montado todo o sistema de uma economia de exportação de bens primários e de importação de utilidades, do capital financeiro, etc.). (FERNANDES, 1985, p. 74-75).

A partir dali, dedicou-se a escrever sobre diversas questões sociais, políticas, culturais e econômicas da atualidade na grande imprensa. Só na Folha de S. Paulo foram mais de 300 colunas, entre 1986 e 1995, ano de sua morte. Dessa atividade, sempre coerente com seus princípios, recordaria: “No fundo, cada artigo surgia como se eu estivesse escrevendo cartas aos leitores, largando a pele de sociólogo em troca do papel de publicista, agarrado com tenacidade às causas das classes oprimidas, à ótica socialista da luta de classes e à difusão da desobediência civil como patamar inicial de uma revolução democrática de cunho proletário e popular”. Nos diversos artigos que escreveu para jornal, Florestan construiu a possibilidade de pôr a limpo momentos recentes da história do Brasil. O compromisso com a verdade histórica e a análise crítica lançaram o escritor a buscar as contradições políticas que pretendiam comprometer o futuro e os fios de superação do período pós ditadura militar no País. No prefácio do livro Que Tipo de República? da Editora Brasiliense de 1986, Antonio Cândido ressalta que a coletânea de artigos presentes neste livro “parece arma de luta”. E destaca que “O autor escreve com tensão combativa, mas canalizada nos limites rigorosos da análise política e sociológica – combinação difícil que é todavia uma das marcas de Florestan Fernandes”. E mais adiante revela: “Carregado de paixão e convicção, ele ataca, mostra o

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que está embaixo da aparência, localiza em cada problema o núcleo que pede reflexão e passa daí à posição de luta. Embora solitário, desligado até bem pouco de partido ou organização, ele orientou a militância no sentido de mostrar a necessidade imperiosa de participação do povo”.

Nos seus artigos, Florestan analisou a conjuntura questionando a realidade política que se desenhava, retrucando as “verdades democráticas” que os intelectuais da ordem propagandeavam com a abertura político institucional. E denunciou a democracia no pacto da Aliança Democrática da Nova República em artigo intitulado Pacto social à brasileira (FSP – 14/05/1986): Em nosso país não existe democracia. Nem no tope. [...] Não existe democracia, porém palavrório democratizante. Os de cima não podem oferecer aos de baixo aquilo que eles sequer logram dividir entre si. A regra é os que podem mais choram menos (ou mamam mais). [E conclama] Uma classe dominante que não tem coragem de encarar de frente e discutir publicamente os problemas da Nação não pode escapar disso e, muito menos, esperar algo melhor. A história dá saltos, caminha por saltos. Se as forças que a movimentam não são as de cima nem as que poderiam nascer de um entendimento muito amplo, elas terão de ser as de baixo, quando estas passam de bigorna a malho. (FERNANDES, 1986, p. 28).

Por uma revolução democrática Em outro artigo, Além da mistificação (FSP 20/05/1985 – 103106), o pensamento dialético de Florestan Fernandes – nos termos que o filósofo Henri Léfèbvre definiu como sendo importante para compreender a realidade social em seu movimento e Contribuição para compreender a realidade social

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em sua dinâmica de contradições – se fez presente ao abordar o adiamento das questões sociais e políticas fundamentais para o País que se refletiria na Constituição de 1988 e produziria os impasses para toda a sociedade brasileira. Ele diz: “O pior procede da mistificação calculada e dirigida. Diante dos riscos de ‘explosões sociais’ iminentes, as classes dominantes substituir a história real”. Mais a frente, no artigo, se refere às lutas sociais nas ruas do País, e lança seu olhar crítico e aguçado. A partir de seu papel de educador militante ou de formador, trata da experiência da classe trabalhadora gerada na relação entre classes sociais, na luta de classes, e intra classe, no processo de classe em si e classe para si. De um lado, temos a dominação cultural, que não se detém diante de nada e que espera do momentâneo o que não pode criar, porque ele se esgota em um átimo do vir a ser. De outro, os proletários assumindo energicamente as tarefas de sua autodefesa coletiva, moldando uma nova sociedade civil e, através dela, abrindo os caminhos brasileiros de sua auto-emancipação como e enquanto classe. Esses contrastes são sintomáticos, pois evidenciam, de um lado, uma retórica política, que promete a democracia, porém, ao mesmo tempo, a protela e adultera, teimando em manter rotas históricas sepultadas pelo recurso à ditadura e por sua impotência crassa. E mostram, de outro lado, uma experiência coletiva concreta, que arranca da massa do povo e de sua única classe revolucionária (a dos proletários das cidades e do campo), o potencial transformador que poderá subverter os dinamismos da sociedade civil e engendrar uma Nova República. [...] Por sua própria relação com a ordem existente, os proletários precisam e querem transformá-la de alto a baixo; e o seu devir não é o do

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tempo morto, mas o do tempo vivo, que se relaciona com a conquista da igualdade, da liberdade e da desalienação da pessoa. O seu tempo é a conquista do futuro, ou seja, o da revolução democrática, que se abre para a frente e para a construção de uma nova sociedade. (FERNANDES, 1986, p. 103-106).

Para trabalhar em grupo: 1. O que entendemos sobre o período democrático que se iniciou nos anos de 1980 até os nossos dias?

Lutadores do povo Em seus artigos, Florestan também homenageou intelectuais, militantes, lutadores do povo. Entre estes: Gregório Bezerra (FSP – 27/10/1983) – dizendo que fazia parte daqueles “que não cedem e não se vergam”. “Militante firme, exemplar, que dava de si tudo que tinha, no entanto ele era o contraste natural e incisivo de qualquer modalidade de comunismo enlatado” (FERNANDES, 1986, p. 222). Também homenageou Carlos Marighela (FSP – 12/11/1984) - valoroso dirigente do PCB, foi deputado constituinte em 1946. Fundador da Aliança Libertadora Nacional, foi combatente da ditadura militar que enfrentou “corajosa e lucidamente aquelas contradições”, assassinado em 1969 por uma equipe do DEOPS chefiada pelo delegado Fleury. Florestan fez menção honrosa a Frei Betto (FSP – 26/03/1984), quando da publicação do seu livro Batismo de Sangue, que revela o poder da ação da ditadura e do Estado brasileiro. E se solidarizou com Leonardo Boff (FSP – 26/03/1984) quando da

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difusão da Teologia da Libertação e a atuação junto às comunidades eclesiais de base – CEBs - pelo País, ressaltando que: “Não há como ser solidário com o pobre e o espoliado e ignorar o que é a luta de classes” (FERNANDES, 1986, p. 236). A morte de Florestan Fernandes, este intelectual politicamente responsável e militante teoricamente crítico, não significou o limite do seu trabalho, da sua teoria e da sua prática. O vigor de suas reflexões e de sua militância se mantém. Seja através das pesquisas realizadas por outros estudiosos, no Brasil e no exterior, comprometidos com o rompimento com o capitalismo e a construção de outra sociedade mais justa e igualitária, seja nas lutas de diversos movimentos sociais que buscam nas reflexões críticas orientações para atuarem na direção da emancipação humana e da construção de um projeto político das classes trabalhadoras, Florestan definiu a tarefa: “Trata-se de converter a teoria em força cultural e política (ou em força real) fazendo-se com que ela opere a partir de dentro e através de ações concretas de grupos, classes sociais ou conglomerados de classes.” (IANNI, 2004, p. 36). Muitas homenagens foram realizadas a Florestan Fernandes em vida e após a sua morte. O legado de Florestan Fernandes é imenso. As lições são muitas com os exemplos de ser humano que foi. O significado da sua trajetória vem sendo aprendido por muitos. A coerência com os valores éticos, de respeito e compromisso com a luta cotidiana de trabalhadoras e trabalhadores faz parte da luta de muitos movimentos e organizações sociais, como nos frisa Ademar Bogo: A vida de Florestan Fernandes apresenta uma tal riqueza de trajetórias que poderíamos abordá-lo por inúmeras vias. Contudo, para nós, do MST, importam especialmente

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a persistência e a coerência do espírito revolucionário que o acompanharam em todos os momentos da sua vida, até mesmo antes de ele ter assumido plenamente uma consciência socialista. (ENFF, 2009, p. 109).

Uma escola com o seu nome A Escola Nacional Florestan Fernandes sintetiza e materializa, mas não encerra, o legado deste homem, estudioso e militante. A ENFF foi inaugurada em janeiro de 2005, por iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Atende a milhares de trabalhadores da América Latina e de outros continentes nos estudos de sociologia, filosofia, economia, política, cultura, direito, artes, e outros conteúdos que venham a ser importantes para organização e a luta por um mundo mais justo e igualitário. No Caderno ENFF n. 4, sobre O Legado de Florestan Fernandes (Agosto de 2009), um dos aspectos que relaciona o estudioso da realidade brasileira aos movimentos sociais é “a prática dos novos valores éticos e morais”. Podemos dizer que a dignidade, a solidariedade, a integridade são os valores que caracterizam Florestan. Mais ainda, colocou em prática esses valores na sua atuação como homem de princípios revolucionários; por isso, nunca fez concessão aos dominantes e lutou para não se deixar vergar aos poderosos ou a interesses mesquinhos. Foi um homem de coragem e persistência. (ENFF, 2009, p. 19).

Sempre preocupado e questionador, Florestan refletiu o processo de luta “dos de baixo” e as condições de transformação radical. A revolução confrontando-se com a barbárie como uma necessidade urgente dos trabalhadores construírem saídas Contribuição para compreender a realidade social

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sociais, políticas, culturais, e hoje, mais do que nunca, também ambientais, para toda a humanidade: Porém, o que dizer da barbárie que daí poderá resultar se as populações pobres e as classes trabalhadoras não estiverem armadas para lutar por si próprias e pela HUMANIDADE de explorados e exploradores? Com frequência, surpreendo-me a pensar sobre essa questão e estabeleço paralelos, por exemplo, entre o que acontece em Cuba antes da Revolução e o que poderá acontecer na América Latina sob os tentáculos de uma dependência que possui a voracidade demonstrada concretamente, sem limites, no México e no Brasil (para fixar dois “casos clássicos”). A ilusão do made in Brasil, as inconsequências e as extravagâncias do consumismo, a corrupção moral e mental da pessoa, a interiorização plena do agente dominador, de seus interesses desumanos, de suas corporações, mercados e poder etc. (FLORESTAN,1981, p. 111).

Para trabalhar em grupo: 1. Destaque algumas características que você ache relevantes de Florestan Fernandes. 2. Argumente sobre o que você acha que precisa mudar na realidade brasileira e como pode ser mudada. 3. Qual a importância das classes trabalhadoras construírem um projeto político e social?

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Bibliografia Livros de Florestan Fernandes: A organização social dos Tupinambá. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949; 2ª.ed., São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963. A função social da guerra na sociedade Tupinambá. São Paulo: Museu Paulista, 1952; 2ª ed., São Paulo: Pioneira, 1970; 3ª ed., São Paulo: Editora Globo, no prelo. A etnologia e a sociedade no Brasil: ensaios sobre aspectos da formação e do desenvolvimento das ciências sociais na sociedade brasileira. São Paulo: Anhembi, 1958. Brancos e negros em São Paulo. Em colaboração com Roger Bastide. São Paulo: Editora Nacional, 1959; 4ª ed., São Paulo: Global Editora, 2008, com apresentação de Fernando Henrique Cardoso. Ensaios de sociologia geral e aplicada. São Paulo: Pioneira, 1959; 3ª ed., 1976. Mudanças sociais no Brasil: aspectos do desenvolvimento da sociedade brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960; 2ª ed., refundida, com um ensaio introdutório, 1974; 3ª ed., 1979; 4ª ed., São Paulo: Global Editora, no prelo. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Anhembi, 1961; 2ª ed., Petrópolis:Vozes, 1979; 3ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2004, com apresentação de Maria Arminda do Nascimento Arruda. A sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Editora Nacional, 1962; 2ª ed. ampliada, Rio de Janeiro: Zahar, 1976; 3ª ed., São Paulo: Editora Globo, no prelo. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo, Dominus Editora, 1965, 2 v.; 3ª ed., São Paulo, Ática, 1978, 2v.; 3ª ed., São Paulo: Editora Globo, no prelo. Bibliografia

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Educação e sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus, 1966; 2ª ed., São Paulo: Editora Globo, no prelo. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. São Paulo: Editora Nacional, 1959; 2ª ed., 1967; 3ª ed., Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978; 4ª ed., São Paulo: T.A Queiroz, 1980; 5ª edição, São Paulo: Editora Globo, no prelo. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968; 2ª ed., 1972; 3ª ed., 1975; 4ª ed., 1981; 5ª edição, São Paulo: Global Editora, no prelo. Elementos de sociologia teórica. São Paulo: Editora Nacional, 1970; 2ª ed., 1974. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972; 2ª ed., São Paulo: Global Editora, 2008, com introdução de Lilia Moritz Schwarcz. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1973; 2ª ed., 1975; 3ª ed., 1981; 4ª ed., São Paulo: Global Editora, no prelo. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, 1975; 2ª ed., São Paulo: Global Editora, no prelo. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975; 2ª ed., 1976; 3ª ed., 1981; 4ª ed., São Paulo: Nova Aguilar, 2000; 5ª ed., São Paulo: Editora Globo, 2007, com prefácio de José de Souza Martins. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: AlfaÔmega, 1975; 2ª ed., 1979. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Hucitec, 1976; 2ª ed., 1977; 3ª ed., São Paulo: Editora Globo, no prelo. A sociologia no Brasil: contribuição para o estudo de sua formação e desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1977; 2ª ed., 1980. As classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. A condição de sociólogo. São Paulo: Hucitec, 1978.

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O folclore em questão. São Paulo: Hucitec, 1978; 2ª ed., 1989; 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005, com apresentação de Maria Arminda do Nascimento Arruda. Da guerrilha ao socialismo: a revolução cubana. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979; 2ª ed., São Paulo: Expressão Popular, 2007, com prefácio de Antonio Candido. Apontamentos sobre a “teoria do autoritarismo”. São Paulo: Hucitec, 1979. Brasil, em compasso de espera: pequenos escritos políticos. São Paulo: Hucitec, 1980. A natureza sociológica da sociologia. São Paulo: Ática, 1980. Movimento socialista e partidos políticos. São Paulo: Hucitec, 1980. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. O que é revolução? São Paulo: Brasiliense, 1981 (seis edições). Clássicos sobre a Revolução Brasileira, com Caio Prado Jr.. São Paulo: Expressão Popular, 2000, com apresentação de Plínio de Arruda Sampaio Jr e Plínio Arruda Sampaio. A ditadura em questão. São Paulo: T.A.Queiroz, 1982 (duas edições). A questão da USP. São Paulo: Brasiliense, 1984. Que tipo de república? São Paulo: Brasiliense, 1986 (três edições). São Paulo: Editora Globo, 2007, com prefácio de Fábio Konder Comparato. Nova república? Rio de Janeiro: Zahar, 1986 (três edições). A constituição inacabada: vias históricas e significado. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. O desafio educacional. São Paulo: Cortez, 1989. Pensamento e ação: o PT e os rumos do socialismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. São Paulo: Editora Globo, 2006, com apresentação de Paulo Henrique Martinez. O significado do protesto negro. São Paulo: Cortez, 1989. Bibliografia

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A transição prolongada. São Paulo: Cortez, 1990. O PT em movimento: contribuição ao I Congresso do Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1991. Democracia e desenvolvimento: a transformação da periferia e o capitalismo monopolista da era atual. São Paulo: Hucitec, 1994. A contestação necessária. São Paulo: Ática, 1995. Em busca do socialismo. São Paulo: Xamã, 1995.

Bibliografia consultada CARDOSO, Miriam Limoeiro. Capitalismo Dependente, Autocracia Burguesa e Revolução Social em Florestan Fernandes (19941995). Disponível em: <www.iea.usp.br/artigos>. CARDOSO, Miriam Limoeiro. Para uma História da Sociologia no Brasil: a Obra Sociológica de Florestan Fernandes – Algumas Questões Preliminares. Disponível em: <www.iea.usp.br/artigos>. CERQUEIRA, Laurez. Florestan Fernandes: Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2004. ENFF, Cadernos, n. 4. O Legado de Florestan Fernandes. São Paulo: ENFF, agosto de 2009. FERREIRA, Patrícia M. B. A Dimensão Libertária da América Latina no Pensamento de Florestan Fernandes. Libertas On Line. Edição Especial. Fevereiro de 2007. www.ufjf.br/revista libertas. IANNI, Octavio. Florestan Fernandes: Sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004. LÊNIN. Vladimir. Ilitch. Que Fazer?: as questões palpitantes do nosso movimento. Apresentação. São Paulo: Editora HUCITEC, 1979. (Páginas XIII-XV). MARTINS, José de Souza. Florestan: Sociologia e Consciência Social no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1998. SOUZA, Antonio Candido de Mello e. Florestan Fernandes. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.

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