F É D É R A T I O N
F R A N Ç A I S E
D ’ A I K I D O
A I K I B U D O
E T
A F F I N I T A I R E S
AÏKIDO magazine
Nadia KORICHI “Je crois en la
communication, la tolérance et l’indulgence. L’Aïkido aide sans aucun doute à approfondir ces notions…”
Décembre 2007
ENTRETIEN
LUC MATHEVET la rencontre des corps
AïKIBUDO
BUDO, chêne ou 1 roseau ?
Entrevista com Nadia
Korichi
Os caminhos que nos levam ao Aikido variam de acordo com cada pessoa. Para Nadia Korichi, Karaté, esporte de combate e competição estão todos três na base da busca que a levou ao Caminho da Harmonia e a seus dojos, foi lá que encontrou um universo do tamanho de sua generosidade, de seu sentido e de seu desejo de compartilhar. Nesta entrevista, nosso encontro será com uma aikidoka tão apaixonada quanto lúcida de quem todos testemunham, em Sainte-Geneviève-des-Bois, onde é professora, ou em outros lugares, seu fervor e a sinceridade de seu engajamento, tanto no tatame quanto em seu quotidiano.
escolher o caminho A senhora se recorda de suas sensações a primeira vez que subiu no tatame?
A
Lembro-me sim, tanto mais porque antes de iniciar o Aikido, eu havia praticado Karaté e Full-contact alguns anos antes no clube de Sainte-Geneviève-des-Bois e na faculdade. A abordagem é completamente diferente,
pois não há competição, portanto não há oposição, somente a busca da harmonia ocupa o primeiro lugar. Os que eram graduados agiam de tal forma que você pudesse estar confiante, para iniciá-lo, o que é reconfortante e animador. É preciso que tal mérito seja ressaltado, pois num meio competitivo, você não encontrará seu lugar com tanta fa-
oposição. Quando subo no tatame, não penso
de força. Não há necessidade de nenhuma força
nesta relação de homem/mulher. Tenho sim-
física no Aikido, razão pela qual esta arte marcial
plesmente um parceiro na minha frente e uma
se dirige a todos: homens, mulheres, crianças, jo-
oportunidade de trabalhar com as qualidades
vens, menos jovens. A única força que me parece
e restrições que me são propostas. É o que
necessária de desenvolver, é a do espírito.
dá todo sentido à prática do Aikido. Para mim troca onde as qualidades e o potencial de uma
A senhora trabalha, especialmente, com algumas técnicas?
mulher são minimizadas, o mais das vezes por
Ainda que seja incontestável que aprecio algumas
preocupações de galanteio ou de gentileza.
técnicas mais que outras, certos ataques mais que
Nem todas as mulheres são frágeis, nem todos
outros, eu me consagro a trabalhar diferentes técni-
os homens são fortes.
cas com a mesma atenção. Todas as técnicas, todos
não há nada de mais frustrante do que uma
Como a força física pode ser vencida?
cilidade.
Sinceramente, não devemos usá-la. Não se
Pareceu-lhe normal praticar uma arte marcial frente a um homem?
trata, na hora da prática, de criar uma relação
Nadia Korichi junto
Em todo caso, não me pareceu anormal, ten-
de alguns de seus
do em vista o estado de espírito e a filosofia
numerosos alunos,
do Aikido. A ausência de competição, a qual
de Sainte-Genev-
é encontrada em todos os aspectos de nos-
iève-des-Bois,
sa vida, favorece a troca entre os indivíduos
segundo clube em
e, portanto, o prazer de praticar juntos. No
números efetivos,
Aikido não há a categoria de peso, de idade
na região de Île-de-
ou de sexo, é o que precisamente enriquece
France.
nossa prática. Os homens e as mulheres têm qualidades diferentes nos permitindo assim, muitas vezes, realizar um trabalho complementar. Parece-me que o Aikido nos propõe ultrapassar todas as relações de
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os ataques são formadores. São ferramentas que possibilitam que nos estruturemos e possamos estudar todos os princípios. Entretanto há certamente uma progressão que deve ser observada.
E as armas são um bom auxílio ao desenvolvimento? bom auxílio ao desenvolvi-
O que a senhora pensa trazer para a edicação do Aikido? Qual seria seu trilhar próprio nesta busca de harmonia que é o Aikido?
mento. É complementar ao
No decurso destes últimos anos, considerei
trabalho com as mãos va-
o caminho já trilhado, mas, sobretudo avaliei
zias. Permite desenvolver
o caminho que me resta a percorrer, então,
qualidades tais como a
com toda sinceridade, considero ainda prema-
vigilância,
confiança
turo responder a estas questões. Não penso
em si, a concentração,
nisso… Não tenho nem a experiência, nem as
entre outras. Há um tra-
competências para atualmente poder preten-
balho
der trazer qualquer coisa a
As armas podem ser um
a
sobre
a postura
edificação
do
que é importante. No que
Aikido, a não ser minha presença no tatame
me concerne particular-
e meu entusiasmo para praticá-lo. Se um dia
mente, trabalho as formas
eu estiver em medida de fazê-lo bom, en-
que Christian Tissier nos
tão, tudo se fará naturalmente e com grande
propõe, ou seja, o Aikiken
prazer. Cada qual tem seu trilhar, o meu hoje
e o Kenjutsu, pois eles
é bastante claro… Prefiro me concentrar em
têm uma estreita relação
minha prática e em minha formação.
com a prática do Aikido. no trabalho com armas, é
Quais senseis a guiam melhor em sua prática?
evidente que houve uma
Não sei se o fato de encontrar senseis oca-
influência importante em
sionalmente me permitiria afirmar que eles
minha prática.
me guiam. Como muitos praticantes, costumo
O que me fez compreender
encontrar certos senseis por ocasião de está-
melhor noções como a dis-
gios uma vez por ano, mas estes encontros
Trabalhar ou se concentrar mais especifica-
tância, os deslocamentos,
não provocam realmente impacto ainda que
mente em certas técnicas não é uma boa fon-
as direções, os cortes, etc.
eu os considere interessantes. No início de
Desde que me aprofundei
te de crescimento nem uma boa compreen-
O trabalho com as armas não se improvisa,
minha prática, os cursos no meu dojo não me
são de nossa arte. Além disso, e na medida
pelo contrário, é uma arte na íntegra. Se ex-
bastavam. Então eu ia praticar por toda parte
em que ensino o Aikido, é imperativo que eu
plorarmos seriamente todas as pistas que nos
— aliás, agradeço os professores de Morsang,
não imponha a meus alunos escolhas ligadas
são oferecidas pelas armas, teremos evidente-
Draveil e Morangis por me terem encorajado
a meus gostos.
mente muitos benefícios.
— e, além disso, eu fazia todos os estágios possíveis e imagináveis.
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Entrevista com Nadia
Korichi
Percebi rapidamente que estava me dispersando e comecei a sentir dúvidas sobre o que eu fazia, cheguei até mesmo a pensar em parar com
a meu ver, é digno de apreço. Não sei se elaboro
tudo. Atualmente, estou intimamente convencida
este Aikido excepcional —assim o espero— mas
de que somente o sensei que você segue regu-
estou certa e convencida de que com seu contato,
larmente é que será seu guia. Há vários anos,
aprendo enormemente até mesmo para além do
aquele que melhor me guia é incontestavelmente
tatame. Minha cabeça fica cheia de belas imagens,
Christian Tissier. Ele me faz estruturar minha
então…
prática, progredir, creio eu e, sobretudo, abordar
Tanto em seu
o Aikido com outro estado de espírito. Sim, se-
dojo como no
guramente, este encontro mudou muita coisa. E
estágio com
por outro lado, não me esqueço do trabalho que
Christian Tissier,
fiz com Pascal Guillemin e Bruno Gonzalez que
Nadia Korichi,
estão diretamente ligados ao de Christian Tissier.
professora ou
Enfim, há pessoas que admiro e que, a sua ma-
praticante,
neira, me guiam tais como Philippe Bersani ou
aproveita de
Dominique Mazereau. Cada troca, sempre muito
cada instante
enriquecedora, me traz certa serenidade. Nunca
de prática para
eles buscam impor um ponto de vista, mas irão
avançar em seu
ajuda-lo a se aproximar, o mais possível, de seu
caminhar.
É preciso procurar criar para progredir? tem o dom», mas isto está
Morihei Ueshiba, o fundador do Aikido, desen-
aquém do que ele real-
volveu certo número de técnicas que emanam de
mente é e não basta para
princípios naturais. A seguir, seu filho Kisshomaru
explicar seu brilho. Ele é
Ueshiba codificou todas estas técnicas que por sua
simplesmente excepcio-
vez se declinam numa infinidade de variações. Aí
nal. Tive oportunidade de
já temos material suficiente com o qual nos ocupar
encontrar pessoas exími-
e por um bom tempo. Na verdade, não se trata de
as em outras disciplinas
inventar, mas de descobrir e de redescobrir estas
esportivas, e é o que me
técnicas. Com o trabalho, acabaremos por adquirir
objetivo. Ou ainda Micheline Vaillant-Tissier,
um conhecimento e este conhecimento nos possi-
Yoko Okamoto que, através de seus respectivos
permite dizer que Christian Tissier, segura-
bilitará operar uma nova leitura destas técnicas, o
percursos e suas personalidades, me inspiram
mente, pertence à categoria de homens que
que nos aproximará paulatinamente das variações.
admiração, respeito e constituem verdadeiros
marcam para sempre sua disciplina. Com seu
Por que inventar ou reinventar o que já existe? O
pontos de referência para mim.
rico itinerário, sua experiência e seus encon-
progresso está certamente ligado a este conheci-
A senhora segue Christian Tissier com muita delidade. Qual Aikido ele faz nascer na senhora? A senhora pensa digerir este Aikido notável e poder pouco a pouco criar o seu, o de uma mulher que escolheu tornarse uma prossional do Aikido ?
tros, sabe cativar, simplificar e tornar acessí-
mento e ao que fazemos com ele.
vel o Aikido até mesmo ao simples espectador
Sua pesquisa passa por outra prática?
Sim é verdade, como poderia ser diferente?
nas tribunas. Constantemente nos convida a nos questionarmos, a não nos satisfazermos
Atualmente não, o campo da pesquisa proposto
com o que já aprendemos. É preciso traba-
pelo Aikido me parece suficiente e completo. E
lhar o corpo, desenvolver o espírito e colocar
ademais, francamente, eu não tenho tempo su-
tudo isso em concordância. Dia após dia fico
ficiente para me consagrar, de maneira séria, à
cada vez mais deslumbrada e espantada pelo
outra prática. Gostaria de poder fazer outra coisa
que vejo, por tanta inteligência. Cada curso
simplesmente por curiosidade, mas não necessa-
Quando se tem a sorte de poder trabalhar com
nos traz novos eixos de reflexão, de trabalho.
riamente para complementar minha pesquisa em
um dos maiores mestres, a gente não se ques-
Nunca ficamos entediados. Cada aspecto do
Aikido. Entretanto, quando tenho a oportunidade
tiona, vai em frente! Gostaria de poder trabalhar
trabalho é bem distinto, não há ambiguidade
de observar outras disciplinas, eu o faço sempre
mais ainda com ele! Tenho um profundo respeito
entre os exercícios educativos, as técnicas
com grande interesse, pois algumas vezes esta
pelo homem e pelo mestre que ele é. Quando
de base e as aplicações. Não há trapaça no
observação me leva a melhor compreender algo
comecei o Aikido, ouvia dizerem dele «ele é forte,
Aikido que Christian Tissier nos propõe e isto,
relacionado com o Aikido.
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A senhora abriu seu próprio espaço para ensinar, como isto aconteceu, imagino que diversas diculdades surgiram, diculdades estas que precisavam ser ultrapassadas? Na verdade, não pude levar à cabo este projeto de
abrir
meu
próprio
dojo,
mas
A quem se dirige seu ensino? Aos que acreditam que posso lhes trazer alguma coisa!
…É quando se cria a frustração que se propicia a violência e a radicalização. Acredito na comunicação, na tolerância e na indulgência. Não há sombra de dúvida que o Aïkido ajuda a aprofundar estas noções… nos armar da melhor maneira possível com vistas
O Aikido quer situar-se numa universalidade. Ele a ajuda a entranhar-se nesta harmonia no próprio cerne de sua identidade?
à vida adulta e eles foram felizes neste intento. Na realidade, o Aikido não me permite aprofundar o que quer que seja com relação a minhas origens ou a minha identidade simplesmente porque isto
assumi outros cursos, além dos que adminis-
Neste ponto, você está (leve sorriso) fazendo
não se faz necessário no cerne de minhas origens
tro em Sainte-Geneviève-des-Bois, no clube
alusão a minhas origens magrebinas e à mi-
ou de minha identidade. É precisamente porque
de Longpont-sur-Orge que acabara de ser
nha dupla cultura. Na verdade, nasci e me
o Aikido quer situar-se numa universalidade que
fechado. Fui particularmente confrontada a
criei na França. Naturalmente meus pais me
deveria possibilitar a todos de aprofundar a noção
olhares cépticos de algumas pessoas. Mas
transmitiram nossos costumes e nossa cultura
de harmonia. É exatamente quando se cria a frus-
para mim, não se tratava de demonstrar o
ao mesmo tempo em que me deixavam evo-
tração, que se propicia a violência e a radicali-
que quer que fosse. Propus simplesmente um
luir na cultura francesa. O que muito cola-
zação. Acredito na comunicação, na tolerância e
ensinamento, o mais sincero possível, e por
borou para meu enriquecimento. Cresci como
na indulgência. Não há sombra de dúvida que o
testemunhar real interesse por meus alunos,
muitas outras pessoas de origem magrebina
Aikido ajuda a aprofundar estas noções. Li no livro
um clima de confiança se instalou com natu-
num lar tolerante onde os valores não eram
Aikido oficial de Kisshomaru e Moriteru Ueshiba o
ralidade. Algumas vezes, há os que não com-
assim tão diferentes daqueles vividos nos
seguinte: «A etiqueta é uma criação do homem e
preendem a troca proposta e a tornam estéril.
lares franceses. Meus pais estavam sempre
não existe em nenhum outro lugar no reino animal.
Felizmente o Aikido não se assenta numa
atentos à saúde, à educação e à instrução de
A noção do que é correto com relação à etiqueta
relação de oposição!
cada um de seus filhos para que pudéssemos
varia enormemente de uma cultura para outra, e é impossível afirmar que um modo de comportamento particular é o modo de referência correto. A abordagem do Aikido consiste em deixar o sentido da etiqueta se desenvolver naturalmente...» Isso é realmente verdadeiro para todos os aspectos da vida, os relacionamentos entre as pessoas. Eu Tento sempre compreender a cultura dos outros e nunca os ofender com falsas interpretações. Não me deixo nunca levar por japonaiseries no dojo e nem fora dele, alguns diriam japonaiseries, que me obrigariam a negar quem sou realmente. Para mim, isto também é o Aikido. ●
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Nota do tradutor: A tradução manteve estas palavras em francês pois constituem um trocadilho intraduzível baseado na quase homonímia das palavras em francês: a primeira, japonaiseries, pode ser traduzida por japonismo, já a segunda, é uma criação, a partir desta palavra mais niaiseries, em português, tolices, bagatelas. A autora, com muita fineza, responde com alguma ironia a quem lhe coloca tal questão. Tradução para o Português: Marisa ROSSETTO Tradutora Juramentada e Intérprete de Conferência