A paixão de Jesus Cristo Escândalo, loucura ou revelação do amor de Deus
Para os sábios, a Paixão de Jesus Cristo é um escândalo. Para os cristãos, é a prova do "amor louco" de Deus.
As reações dos que se julgam sábios e inteligentes foram as críticas que haviam sido feitas pelos judeus e pelos gregos no tempo da pregação de São Paulo, descritas na primeira carta aos Coríntios com estas palavras: "Os judeus pedem sinais, os gregos buscam sabedoria. Nós, porém, proclamamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens" (1Cor 1,21-25).
Na Paixão de Cristo. Contemplamos as torturas sofridas por Jesus de Nazaré, na qual está presente e atuante o amor com que Deus nos ama. Esse amor venceu o pecado e a morte.
Essa vitória é apresentada com uma imagem que mostra os lugares das feridas feitas pelos pregos e pela lança no corpo de Jesus Cristo como os troféus da vitória do Senhor ressuscitado sobre a maldade humana
A Ressurreição de Jesus Cristo é, como escreveu Santo Inácio de Antioquia,
"a medicina que nos cura da morte".
Os críticos não aceitam que Jesus Cristo seja apresentado como nosso Salvador e como o Filho do Pai misericordioso, que acolhe e perdoa os pecadores e nos exorta a amar os inimigos; não aceitam que Deus nos ama com um amor que foi até "dar a vida pelos amigos" (10 15,13), com um "amor louco", que faz "loucuras" pela pessoa amada". A ressurreição de Jesus Cristo ao amanhecer do terceiro dia depois de sua morte na Cruz provou que o Amor venceu o pecado, que a morte foi vencida pela Vida.
Nós queremos contemplar longamente a Paixão, deixando-nos envolver pelo amor de Jesus Cristo, que entregou sua vida à vontade do Pai para realizar nossa salvação. São Paulo diz: "Não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado" (1 Cor 2,2); "Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo" (Gl6,14).
A graça a ser pedida na contemplação da Paixão é: "Pedir o que quero: será aqui dor, sentimento e confusão porque o Senhor vai a sua paixão por meus pecados" . A graça a ser pedida é formulada com estas palavras: • pedir "dor com Cristo doloroso, • abatimento com Cristo abatido, • lágrimas, com pena interior por tanta pena que Cristo passou por mim".
Depois de contemplar como Jesus Cristo "padece tudo isso por meus pecados", devemos nos perguntar: "O que devo fazer e padecer por ele?".
Iluminados pela contemplação dos mistérios da Paixão de Jesus Cristo e olhando a situação em que nos encontramos, neste retiro e na semana santa que se aproxima, dialoguemos com Jesus Cristo agradecendo sua entrega e entregando-lhe nossa vida.
A contemplação da Paixão de Jesus Cristo, "como ele padece tudo isso por meus pecados etc.", nos revela as profundezas do mistério do amor de Deus e de nosso mistério, nos dá a conhecer as consequências da Encarnação. Para conhecer e viver a riqueza e a beleza do mistério do amor de Deus e de nosso mistério é necessário "sair do próprio amor, querer e interesse".
É identificarmo-nos com Jesus Cristo na Paixão
Peçamos ao Senhor que arranque nosso coração de pedra e nos dê um coração de carne, rezando esta oração:
"Tu, purificador dos corações e amante dos corações puros, apossa-te do meu coração e habita nele envolvendo-o e enchendo-o. Tu, mais alto que o que tenho de mais alto, mais íntimo que o que tenho de mais íntimo! Tu, forma da beleza e selo da santidade, marca meu coração com a tua imagem, sela meu coração com a tua misericórdia, Deus do meu coração e meu quinhão, minha herança para sempre. Amém'".
S達o Bernardo expressou com estas palavras a compaix達o de Deus com os filhos que sofrem:
"Deus n達o pode padecer, mas pode compadecer-se'". "O amor criativo 辿 sempre amor sofrido."
F. Varillon comenta as palavras de João 3,16 "Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho único" dizendo:
"Entregando seu Filho, o Pai dá de alguma maneira mais que Ele mesmo, pois só é Pai por e para o Filho. É Jesus quem se entrega, mas é também o Pai quem o entrega. O Espírito é o beijo que une o Pai que crucifica e o Filho crucificado'". Os "crucificados da terra" que receberam o dom da fé sabem que não estão abandonados, sabem que são amados por Deus. Por isso, cada um deles pode dizer: Jesus Cristo "me amou e se entregou por mim" (G12,20)
Nossa resposta ao amor de Jesus Cristo deve ser a de um amor incondicional, mas discernido e movido pelo EspĂrito Santo.
A vivência da compaixão O relato da ressurreição de Lázaro (Jo 11,33-38) descreve a comoção de Jesus pela morte de seu amigo e pela dor das irmãs dele, Marta e Maria. O relato diz que Jesus tremeu, respirou fundo, faltou-lhe ar (Jo 11,33). Diz que diante do sepulcro de Lázaro Jesus "se comove" de novo, "se perturba interiormente" (10 11,38). As duas palavras do versículo 35 dizem: "Jesus chorou". As lágrimas deslizaram pelo rosto de Jesus. A compaixão que sentiu moveu Jesus à ação.
A vivência da compaixão A compaixão que atingiu Jesus deve atingir seus discípulos. Eles devem ter os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, que "se despojou assumindo a forma de escravo e tomando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto humano humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte - e morte de cruz!" (FI 2,5-8).
A vivência da compaixão Santo Agostinho disse que o pecado é o "encurvamento sobre si mesmo". A compaixão, ao contrário, move o coração, os pés, as mãos e o coração das pessoas e muda as estruturas. As pessoas que a praticam se encurvam diante dos que estão encurvados e dão de comer aos famintos, de beber aos sedentos, curam as feridas dos doentes, dão carinho aos marginalizados em nosso mondo cane
A vivência da compaixão Os discípulos de Jesus Cristo devem ir, e vão de fato, ao encontro dos famintos, dos doentes, dos presos, dos abandonados (Mt 25,31-40). Olham-nos com os olhos da fé e da compaixão nos infernos em que eles se encontram e praticam com relação a eles a práxis do amor. Os discípulos de Jesus Cristo são anjos de luz num mundo de trevas, e nesse mundo anunciam a Boa-Nova do Reino de Deus aos oprimidos e marginalizados.
A vivência da compaixão
Os sofrimentos de Jesus Cristo na Paixão estavam enraizados no olhar compassivo com que a Santíssima Trindade olha o mundo. Isso é o que diz este texto de Origenes:
A vivência da compaixão "Se desceu à terra, é porque se compadeceu do gênero humano. Sim, padeceu nossos sofrimentos antes de ter sofrido a Cruz, antes de ter se dignado assumir nossa carne. Porque se não tivesse sofrido não teria descido para partilhar conosco a vida humana. Primeiro sofreu, e depois desceu e se manifestou. Mas que paixão é essa que padeceu por nós? É a Paixão do amor"!' . As pessoas que vivem o amor deixando-se envolver, penetrar e mover pelo amor de Deus e amando e servindo aos irmãos transformam os sofrimentos em glória eterna. Isso diz São Paulo em 1 Coríntios l3,1-8.
A vivência da compaixão
Para experimentar a compaixão na contemplação dos mistérios da Paixão de Jesus Cristo precisamos beber nas águas do "amor louco" com que Deus nos ama. R. Guardini comentou esse amor dizendo: "Só o amor faz coisas assim". O amor de Deus por nós desceu do céu, saiu da fornalha ardente do coração de Jesus Cristo, seu Filho, e foi parar no coração da tempestade da Paixão.
A vivência da compaixão As pessoas que contemplam esse amor nos mistérios da Paixão de Jesus Cristo sentem-se movidas a amar e a servir a Deus e aos irmãos, amor e serviço que são vividos no seguimento de Jesus Cristo que carrega a Cruz.", e que estão enraizados no amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo!". Como discípulos de Jesus Cristo, também nós devemos carregar sua Cruz pelos caminhos do "esvaziamento" e do "sofrimento". Quando seguimos "o Cristo desfigurado", disse Santo Agostinho, somos "configurados" por Cristo.
Primeira Colocação
O LAVA-PÉS E O MANDAMENTO NOVO
O lava-pés e o mandamento novo "Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim" (13,1). O evangelho de João não nos transmitiu a instituição da Eucaristia, mas nos transmitiu o lava-pés (l3, 1-20), que nos revela o sentido profundo da Eucaristia como "memorial" do amor com que Jesus Cristo nos amou. "A celebração da Eucaristia como anúncio da morte do Senhor (1 Cor 11,26) deve ser a proclamação do amor extremo de Jesus, que se entregou à morte para dar à comunidade a participação em sua vida eterna"!
O lava-pés e o mandamento novo
Sabendo que chegara a hora de voltar para junto do Pai, Jesus se levanta da mesa, "depõe" o manto, "cinge" uma toalha à cintura, derrama água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos.
O lava-pés e o mandamento novo Lavar os pés dos hóspedes era um serviço feito pelos escravos. Os servos judeus não podiam ser obrigados a lavar os pés de seus patrões. "Toda a existência do Senhor", diz Charles Hauret, "está resumida, recapitulada na cena do lava-pés. Ao vir ao mundo, o Verbo toma o uniforme dos escravos. Esta cena ilustra e simboliza o programa da vida do Salvador: resgatar o mundo pela entrega absoluta. Esta ação de Jesus resume toda a sua existência e antecipa - misteriosa antecipação - a Eucaristia e o Calvário, onde Jesus se entregará, para proveito de todos, para a remissão dos pecados'",
O lava-pés e o mandamento novo O divino desce até nós na forma do serviço mais humilde para nos mostrar que somente servindo com toda a humildade alcançamos o divino'". A vida de Jesus Cristo foi desde o seu nascimento num curral de Belém até sua morte na Cruz uma vida de amor e de serviço. O lava-pés é mais uma epifania das "loucuras" do amor com que Deus nos ama
O lava-pés e o mandamento novo A reação de Pedro quando viu Jesus ajoelhado diante dele para levar-lhe os pés foi de espanto: "Senhor, tu vais lavar-me os pés?" (v. 6). Jesus lhe disse: "O que faço, não compreendes agora, mas o compreenderás mais tarde" (v. 7). A atitude de Pedro, porém, não muda, mas torna-se mais radical: "Jamais me lavarás os pés!". No entanto, quando Jesus lhe disse: "Se eu não te lavar, não terás parte comigo!" (v. 8), Pedro lhe disse: "Senhor, não apenas os pés, mas também as mãos e a cabeça!" (v. 9).."
O lava-pés e o mandamento novo
Santo Agostinho comenta esta cena dizendo que Pedro ficou "ferido entre o amor e o temor, assustado mais pela ideia de perder Cristo que por vê-lo prostrado aos seus pés'". "Este Deus jogado aos pés dos seres humanos é um Deus que não conhecíamos.
O lava-pés e o mandamento novo Ele, ajoelhado, "lava os pés de Judas com mãos de mãe". Ele é um Deus que "nunca pudemos imaginar'". Judas, em cujo coração "o diabo já havia insinuado o propósito de entregá-lo" (10 13,2), se fecha ao amor de Deus que nos é revelado em Jesus Cristo. Pedro não aceita o gesto de Jesus porque não compreende seu significado, como não havia compreendido o anúncio da Paixão e da Cruz. Jesus diz então a Pedro: quem não aceita o caminho da Cruz "não terá parte comigo" (10 13,8).
O lava-pés e o mandamento novo Detenhamo-nos na contemplação dos gestos de Jesus, de Pedro, de Judas e dos outros discípulos. Ouçamos as palavras de Jesus, de Pedro e dos outros discípulos, deixemos que elas ressoem em nosso coração. Depois de ver, de olhar e de ouvir, reflitamos em nós mesmos perguntando-nos como reagimos ao comportamento e às palavras de Jesus. Peçamos-lhe que nos dê a graça de sermos iluminados e conduzidos pelos reflexos de suas palavras e de suas ações. Se nos deixarmos conduzir assim nos sentiremos movidos a ajoelhar-nos diante dos pobres, dos doentes e dos necessitados para a eles servir.
O lava-pés e o mandamento novo "Depois que lhes lavou os pés, retomou o seu manto, voltou à mesa novamente e lhes disse: 'Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e de Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se eu, o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais" (10 13,12-15). Mais adiante diz: "Eu vos dou um mandamento novo: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (10 13,34-35).
O lava-pĂŠs e o mandamento novo
O comportamento de Jesus naquela noite ĂŠ exemplo para eles, que devem comportar-se como se comportou Jesus, o Servo de Deus (Is 52,13-14).
O lava-pés e o mandamento novo Para praticar esse serviço, é necessário fazer a experiência de ser amado por Jesus e de amar Jesus, que mostra aos discípulos o caminho que devem percorrer para serem salvos e para colaborar na salvação dos outros. Nosso Salvador carregou a Cruz e foi crucificado entre dois bandidos, mas ressuscitou ao terceiro dia. Seus discípulos seguem Jesus, que agora é o Senhor ressuscitado, o Vivente que nos dá a vida eterna.
O lava-pés e o mandamento novo O "novo mandamento" é o cartão de identidade dos discípulos de Jesus. O serviço aos pobres vivido pelos discípulos e pelas discípulas de Jesus Cristo tem sua fonte no amor apaixonado a Jesus Cristo.
O lava-pés e o mandamento novo
Quando vivemos o "novo mandamento" dado por Jesus depois de lavar os pés dos discípulos, vivemos a unidade entre o amor a Deus e o amor ao próximo. A prova do amor a Deus, que não vemos, está na práxis do amor aos irmãos, que vemos e com os quais convivemos.
O lava-pés e o mandamento novo
Peçamos a Jesus, nosso Salvador, que nos dê a graça de viver a práxis do amor, que todas as nossas ações sejam movidas pelo amor. Quando são movidas pela dinâmica do amor, nossas ações têm um valor eterno.
A INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA POR JESUS CRISTO
"Instituiu o santíssimo sacrifício da Eucaristia, em grandíssimo sinal de seu amor, dizendo: 'Tomai e comei''' (EE 289,5). A Ceia celebrada por Jesus com os discípulos foi, segundo os evangelhos sinóticos, uma ceia pascal. Segundo o evangelho de João, essa ceia foi celebrada antes da Páscoa e Jesus morreu na Cruz na hora em que os cordeiros eram imolados no Templo. Essa imolação acontecia, no Templo de Jerusalém, na tarde de 14 de Nisan; a seguir as famílias judaicas celebravam a ceia pascal.
A morte de Jesus Cristo na Cruz foi uma morte expiatória "pelos muitos". As palavras que Jesus disse e os gestos que Jesus fez nos foram transmitidos pelos quatro relatos da instituição da Eucaristia. Ao abençoar, partir e distribuir o pão aos discípulos, Jesus se entrega a si mesmo e edifica a Igreja, que é a comunidade de seus discípulos e de suas discípulas. Jesus Cristo é a fonte de toda bênção, é o mediador da salvação que se realizou por sua morte na Cruz.
Na Eucaristia celebramos a vitória, realizada pela entrega de Jesus Cristo à morte na Cruz, do amor sobre o pecado e da vida sobre a morte.
Jesus Cristo, nosso Salvador, está presente e atuante na celebração da Eucaristia. Quando, ao celebrar a Eucaristia, os cristãos abrem seus corações ao amor de Deus, são movidos a viver esse amor nas comunidades das quais fazem parte e anunciá-lo aos que ainda não o conhecem. A riqueza da Eucaristia está em que ela é o "memorial" do amor de Deus, que nos foi revelado e oferecido na vida, na morte e na ressurreição de Jesus Cristo.
Na celebração da Eucaristia está presente o mesmo Jesus que viveu em nossa terra e agora vive como o Senhor glorioso, que é nossa vida. O evangelho de João diz que do lado de Jesus Cristo crucificado aberto pela lança do soldado saíram sangue e água, que são símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia (cf. Jo 19,31-37). Na Eucaristia celebramos a vitória do amor sobre o pecado, da vida sobre a mortes. Dessa celebração fala também a constituição Sacrosanctum Concilium do Vaticano 116 e o Catecismo da Igreja Católica: "Nosso Salvador, do seu Corpo e Sangue para perpetuar o Sacrifício da Cruz ao longo dos séculos até sua volta'".
Na celebração da Eucaristia vivemos o que a palavra "eucaristia" significa: agradecemos a Deus pelo amor com que nos amou, um amor que foi até a morte na Cruz. "O que salva o homem", disse dom Luciano Mendes de Almeida, é o amor fiel e sempre novo de Deus", um amor que ninguém pode destruir. Santo Agostinho disse: "O Deus Sapientíssimo não soube dar-nos nada melhor, o Todopoderoso não pôde dar-nos nada mais excelente, o Riquíssimo não teve mais nada a nos dar. A Eucaristia é a obra mestra da sabedoria, do poder e do amor de Deus".
A Eucaristia, disse Santo Tomás de Aquino, é "o sagrado convívio no qual recebemos Cristo, celebramos a memória de sua paixão (acontecida no passado), a alma é inundada de graça (acontece no presente) e nos é dado o penhor da glória futura (dimensão do futuro)".
Os cristãos das primeiras comunidades eclesiais celebravam a Eucaristia em suas casas como uma refeição de amigos':'. Porque a Eucaristia é o memorial da entrega de Jesus Cristo, é celebrada como oferenda, isto é, como entrega da vida de Cristo e dos cristãos; é celebrada como ação de graças e como o viático, isto é, como alimento no caminho que desemboca na comunhão eterna com Deus.
Os cristãos celebram a Eucaristia em comunhão com todas as outras comunidades eclesiais, porque os cristãos que pertencem a elas fazem parte da Igreja Católica, que está presente e atuante em todas as comunidades, nas quais está presente o Espírito que edifica a Igreja. Dessa dimensão "católica" da celebração da Eucaristia fala a Didascália síria dos apóstolos com estas palavras: "Que cada um dos fiéis tenha muita preocupação por ir à assembleia, porque é lá que o Espírito Santo dá seus frutos". E diz também que quando os fiéis "estão ausentes privam o corpo de Cristo de um de seus membros". .
Os cristãos de todos os tempos e lugares precisam conhecer, como as conheciam os cristãos das primeiras comunidades eclesiais, as razões de sua fé e de sua esperança. Eles precisam ser alimentados com a Eucaristia, beber nas águas do amor de Deus para viver como filhos de Deus, louvar e servir a Deus. Esse alimento e essa bebida lhes dão a felicidade verdadeira. A celebração do Memorial da vida, da morte e da ressurreição de Jesus Cristo deve mover os cristãos a lutar pela justiça do Reino de Deus, para que o mundo em que vivemos, com tantos marginalizados e oprimidos, seja um mundo mais solidário e mais fraterno. .
PRIMEIRA CONTEMPLAÇÃO O lava-pés e o mandamento novo A instituição da Eucaristia por Jesus Cristo
Segunda Colocação
ORAÇÃO DE JESUS NO HORTO DAS OLIVEIRAS
A obediência de Jesus à vontade do Pai na oração do Horto das Oliveiras é enfatizada pelos evangelhos sinóticos (Mt 26,39- 46; Mc 14,32-42; Lc 22,40-46).
Jesus, que fez sempre a vontade do Pai (cf Hb 10,5-10 e FI2,4.11), também a faz, suando sangue, na oração do Horto das Oliveiras.
Oração agônica de Jesus
A tristeza e a angústia experimentadas por Jesus naquela noite refletem-se em seu rosto e no tom de sua voz. Antes de afastar-se dos discípulos, Jesus os anima, abraçandoos, olhando-os e sorrindo para eles. Não consegue, porém, amainar as ondas do mar de tristeza que haviam invadido os corações dos discípulos.
Oração agônica de Jesus Jesus ia com frequência no fim do dia ou de madrugada para lugares retirados, e nesses lugares orava conversando com o Pai. Na última noite de sua vida, sabendo que havia chegado "sua hora", Jesus orou no Horto das Oliveiras "como era seu costume" (Lc 22,19). Quando chegaram lá, Jesus disse aos discípulos: "Sentai-vos aqui enquanto vou orar" (Mc 14,32). E continuou caminhando e partilhando com três discípulos sua tristeza e sua angústia dizendo: "Minha alma está triste até a morte. Permanecei aqui e vigiai" (Mc 14,34). Os três discípulos que acompanharam Jesus no Horto das Oliveiras eram os mesmos que haviam visto sua transfiguração no monte Tabor.
Contemplemos as costas fortes de Jesus, encurvadas pelo sofrimento, a cor de sua túnica que vai sumindo na escuridão da noite. Jesus de Nazaré não foi um superman; o Verbo que assumiu a nossa carne sentiu medo e angústia diante da morte iminente, sentiu-se abandonado, o peso dos pecados do mundo o fez cair no chão (Mc 14,34). Com o rosto na terra e suando sangue, o Filho orou dialogando com seu "Papai muito querido:".
Depois de contemplar essa cena, "reflitamos em nós mesmos" perguntando-nos: oramos como orou Jesus no Horta das Oliveiras? Fazemos a vontade do Pai como a fez Jesus? Somos fiéis a Deus mesmo nas situações de abandono e de angústia?
JESUS CONVIDA OS DISCÍPULOS A ORAR Jesus interrompeu três vezes a oração para ir ao encontro dos discípulos que dormiam, e lhes disse: "Vigiai e orai, para não cairdes em tentação" (Mt 26,41). Ao falar da oração de Jesus, Lucas usa a palavra "agonia", que significa agitação da alma, angústia.
Naquela hora de angústia, o coração de Jesus precisava da companhia dos amigos. Por isso, interrompeu a oração três vezes e foi ao encontro dos discípulos. Estes, porém, dormiam. Quando Jesus os acordou, os discípulos "não sabiam o que lhe dizer" (Mc 14,40). Quando foi pela terceira vez ao encontro deles, Jesus lhes disse: "Vede, o Filho do Homem está sendo entregue às mãos dos pecadores. Levantai-vos Vamos!
Aquele que vai me entregar está chegando" (Mc 14,41-42). Contemplemos a solidão de Jesus e peçamos-lhe que nos conceda a graça de buscar e encontrar Deus nas horas de angústia e de abandono, de encontrar o Deus que mendiga nosso amor batendo na porta de nosso coração (Ap 3,20).
Jesus fez a experiência de não ser amado por seus discípulos. Judas o entregou por trinta moedas, Pedro o negou três vezes, os outros discípulos o abandonaram. Quando Jesus disse: "A mão de quem vai me entregar está perto de mim, nesta mesa" (Lc 22,21), os discípulos retiraram as mãos da mesa. Com mais ou menos dor, a solidão é experimentada pelos discípulos de Jesus. Peçamos a Jesus que nos dê a graça de contemplar seus sofrimentos na Paixão, sermos fortalecidos para vencer a solidão, que ele cure as feridas de nosso coração, que sejamos fiéis a Deus nas horas de nossa solidão e nos sintamos movidos a ajudar as pessoas em suas solidões. Essa foi a práxis de Jesus na Paixão e ao longo dos três anos de seu ministério.
CONDENAÇÃO E FLAGELAÇÃO DE JESUS, E OS ULTRAJES QUE SOFREU
Jesus é abandonado pelos discípulos, traído por Judas, negado por Pedro, condenado e ultrajado no Sinédrio "Judas, o traidor, tinha combinado com os soldados enviados para prender Jesus este sinal: 'É aquele que eu vou beijar. Prendei-o e levai-o com cautela'. Jesus ainda falava, quando chegou Judas, um dos Doze, acompanhado de uma multidão com espadas e paus; eles vinham da parte dos sumos sacerdotes, escribas e anciãos" (Mc 14,43). Judas se aproximou, disse: Rabbil, e beijou Jesus. Contemplemos como Jesus olhava Judas e ouçamos as palavras que lhe disse: "Judas, com um beijo entregas o Filho do Homem?"
As mãos que haviam curado os doentes, dado de comer aos famintos, abençoado as crianças, foram presas como se fossem as mãos de um ladrão: "Então, eles lançaram as mãos em Jesus e o prenderam" (Mc 14,46). E os discípulos o abandonaram e fugiram (cf Mc 14,50).
''Ao amanhecer, os anciãos do povo, os sumos sacerdotes e os escribas reuniram-se e levaram Jesus ao Sinédrio" (Lc 22,66). "Os sumos sacerdotes e o Sinédrio inteiro procuravam um testemunho contra Jesus para condená-lo à morte, mas não encontravam" (Mc 14,55). "Então, todos o sentenciaram réu de morte. Alguns começaram a cuspir nele. Cobrindo-lhe o rosto, batiam nele e diziam: 'Profetiza'. Os guardas, também, o receberam a tapas" (Mc 14,64-65).
Quando Jesus estava sendo julgado pelo Sinédrio, Pedro estava fora, junto ao fogo. Ele havia afirmado sua fidelidade a Jesus dizendo: "Mesmo que todos venham a cair, eu jamais" (Mt 26,33); "Ainda que eu tenha de morrer contigo, não te negarei" (Mt 26,35; Mc 14,31); "Senhor, eu estou pronto para ir contigo até mesmo à prisão e à morte" (Lc 22,33). No entanto, agora negaria Jesus três vezes (Mc 14,66-72). Uma criada do sumo sacerdote disse a Pedro: "Tu também estavas com Jesus, esse nazareno!" (Mc 14,67). Pedro lhe disse: "Não sei nem entendo de que estás falando". Na segunda negação, Pedro negou ter qualquer relação com Jesus: "Não conheço esse homem". Pedro negou Jesus pela terceira vez diante da gentalha: "Ele começou então a praguejar e a jurar: 'Nem conheço esse homem de que estais falando ", (Mc 14, 7l).
Contemplemos o olhar carregado de tristeza, de compaixão e de perdão com que Jesus olhou Pedro. Depois de negar Jesus três vezes, Pedro chorou. As lágrimas que deslizaram por seu rosto saíram de seu coração arrependido. Pedro chorou até a morte por ter negado Jesus três vezes.
Encontro de Jesus com Pilatos
Flagelação de Jesus
Os condenados à flagelação recebiam nas costas nuas, amarrados a uma coluna, os golpes dos flagelos. Os legionários romanos usavam para a flagelação o flagrum, que cortava a carne, ou o flagellum, que tinha nas pontas tiras de couro, com pedaços de osso ou bolas de metal. Muitos condenados à flagelação morriam quando eram açoitados com esses instrumentos.
Contemplemos essa cena da Paixão de Jesus Cristo ouvindo os golpes das chicotadas, a respiração dos carrascos, que respiram fundo para bater com mais força; ouçamos o som das bofetadas e das cusparadas no rosto de Jesus, sua respiração ofegante e seus gemidos. Contemplemos as feridas nas costas de Jesus, o sangue e a sujeira em seu rosto. Nessa hora, Jesus se identifica com as pessoas que sofrem torturas físicas e psicológicas, com os condenados à morte, com as crianças abandonadas, com os doentes, com as pessoas idosas; em suma, com todos os que sofrem.
Eis o homem! Ao dizer "Eis o homem!", a intenção de Pílatos era ridicularizar Jesus e os seus inimigos: Olhai o Jesus que vos amedronta, vede seu corpo rasgado pelas chicotadas, a coroa de espinhos em sua cabeça, o manto de púrpura sobre seus ombros: Na expressão "Eis o homem:" há uma relação com a investidura do Filho do Homem descrita pelo profeta Daniel: "Notei, vindo sobre as nuvens do céu um como Filho do Homem. Ele adiantou-se até o Ancião e foi introduzido à sua presença. A ele foram outorgados o império, a honra e o reino; e todos os povos, nações e línguas o serviram.
Seu poder é um poder eterno que jamais passará, e seu reino jamais será destruído" (Dn 7,13-14) Nesse "homem das dores", apresentado por Pilatos como um farrapo humano, nos é revelado o amor com que Deus nos ama, nos é revelada a relação de Jesus com o Pai e de Deus conosco. Detenhamo-nos na contemplação dessa cena e peçamos a graça de aprofundar o conhecimento da pessoa e da missão de Jesus, de crer no amor de Deus que nos foi revelado na figura "de um homem acossado e entregue à crueldade dos homens. A realidade divina de Jesus, seu poder e seu amor estão inteiros, presentes e atuantes no seu semblante ensanguentado'".
O Verbo encarnado é a epifania em nosso mundo e em nossa história do amor apaixonado com que Deus nos ama. Jesus Cristo foi tratado como um malfeitor (1018,12), como um louco (Lc 23,11); foi torturado, zombado e crucificado junto com dois bandidos. O amor com que Deus nos ama nos é revelado nesse rosto esbofeteado e cuspido, nesse corpo rachado pelos golpes das chicotadas. Jesus Cristo, nosso Salvador, carrega os pecados do mundo e as dores das pessoas injustiçadas e torturadas.
Eis o vosso rei! Era o dia da preparação da páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: 'Eis o vosso rei" (10 19,13-14). Pilatos repete mais uma vez que Jesus não cometeu nenhum delito (Jo 18,29.38; 19,4.6), mas entrega Jesus aos que pedem sua morte. O evangelho de João repete dez vezes a palavra "rei". "O rei dos judeus" (Mc 15,2) é submetido a um processo de linchamento em praça pública e é rejeitado com os gritos "Crucifica-o! Crucifica-o!" (10 19,15).
Até esses abismos desceu o amor condescendente de Deus por nós. Peçamos a graça de descobrirmos e acolhermos esse amor. Quando estão em jogo o egoísmo, a ambição do poder e o ódio, é inútil invocar a lei. Contudo, seguindo o exemplo de Jesus, devemos defender os inocentes, sejam quais forem os sofrimentos a que sejamos submetidos por defendê-los, Devemos defendê-los ainda que as multidões peçam aos gritos sua condenação e sua morte.
SEGUNDA CONTEMPLAÇÃO Oração de Jesus no Horto das Oliveiras Condenação e flagelação de Jesus, e os ultrajes que sofreu
Terceira Colocação
JESUS CARREGA A CRUZ, É CRUCIFICADO
Jesus carrega a Cruz atĂŠ o monte CalvĂĄrio As mulheres acompanham Jesus, que carrega a Cruz
Depois da flagelação, Jesus não tinha forças para carregar a Cruz. Então, "os soldados obrigaram alguém que lá passava voltando do campo, Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo, a carregar a cruz" (Mc 15,21).As mulheres acompanharam Jesus Cristo e permaneceram ao seu lado quando foi crucificado: "Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena" (10 19,25). Lá estavam também Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes, Susana e outras mulheres que haviam seguido Jesus pelos caminhos da Galileia e da Judeia "para servi-la" (cf Lc 8,3; Mt 27,55). Elas não fugiram como haviam fugido os discípulos, mas permaneceram ao lado de Jesus até que seu corpo foi sepultado.
O comportamento dessas mulheres é mais significativo se levamos em consideração o lugar que as mulheres ocupavam no judaísmo de então e no mundo antigo em geral. Elas observam “de longe", isto é, da distância que lhes era permitida, os sofrimentos de Jesus na Cruz. A elas se aplicam as palavras que disse Jesus ao comentar o comportamento da mulher pecadora que lavou e beijou seus pés na casa do fariseu: "Ela mostrou muito amor!" (Lc 7,47). Seus soluços "foram o único som amigo que chegou aos ouvidos do Salvador, seus olhares pousaram com amor e compaixão nele'".
Depois de contemplar a subida de Jesus até o alto do monte Calvário carregando a Cruz, reflitamos em nós mesmos. Blaise Pascal disse que "Cristo estará em agonia até o fim do mundo". Perguntemo-nos: Como carrego minha cruz? Como ajudo a carregar as cruzes que carregam os pobres, os doentes, as crianças abandonadas, os drogados, os bêbados e tantos outros escravos? Essas pessoas são acolhidas nos corações de incontáveis discípulos e discípulas de Jesus Cristo, que cuidam delas com todo carinho e toda dedicação.
Crucifixão e morte de Jesus no monte Calvário As mãos de Jesus de Nazaré, que haviam sido postas nos olhos dos cegos, nos lábios dos mudos, nos ouvidos dos surdos, na pele dos leprosos, nas cabeças das crianças para abençoá-las, foram pregadas na Cruz. Na Cruz foram pregados os pés que haviam percorrido os caminhos da Galileia, da Samaria e da Judeia anunciando o Evangelho do direito, da justiça e da misericórdia de Deus, que haviam ido ao encontro dos cativos para libertá-las, dos famintos para lhes dar de comer, dos pecadores para acolhê-los e para lhes perdoar seus pecados. Como disse São Pedro na casa de Camélia, os pés de Jesus caminharam pelos caminhos de nossa terra fazendo o bem a todos (At 10,38).
O grito de Jesus: "Eloi, Eloi, lemá sabactâni?", "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?", expressa a solidão de Jesus. Expressa também a confiança do Filho no amor do Pai. Esse grito de Jesus na Cruz nos revela também a profundidade de seu sofrimento e de seu abandono (Mc 15,37) e sua confiança no Pai querido. Jesus confia no amor do Pai ao ser batizado nas águas da morte, ao beber o cálice da Paixão (Mc 15,33-37), quando é crucificado entre dois bandidos como um "maldito" (GI3,13). Com sua entrega nas mãos do Pai, Jesus Cristo venceu a morte e nos deu a vida.
A morte de Jesus Cristo na Cruz nos revela que Deus nos amou com um amor que foi "até o fim'? O Deus da fé cristã não é um deus justiceiro que exige a morte de Jesus Cristo na Cruz como reparação por nossos pecados. A morte do Filho amado na Cruz nos revela o amor com que o "Pai querido" de Jesus nos ama. A comunhão com Deus, nosso Pai, não é o resultado de um movimento ascendente feito por nós, mas é fruto do movimento descendente de Deus nosso Pai, que veio ao nosso encontro no Filho que assumiu nossa humanidade para nos fazer participantes de sua divindade. Jesus Cristo, o verdadeiro sacerdote, não ofereceu sacrifícios de coisas ou animais, mas realizou nossa redenção com seu próprio sangue (cf Hb 9,12).
No mundo em que vivemos, somos continuamente tentados a oferecer sacrifícios aos ídolos. A prática dessa idolatria não nos deixa espaço nem tempo para fazer na oração a experiência da relação amorosa com o Deus que seu Filho amado nos revelou, com o Deus que "é Amor" (110 4,8.16), com o Deus que "nos amou primeiro" (lJo 4,19), com o Deus que é nosso "Pai querido". A morte de Jesus Cristo na Cruz nos revela que quando acolhemos o amor de Deus somos libertados de todas as escravidões. Assim vivem os cristãos que creram e continuam a crer nesse amor de Deus (cf 1Jo 4,16).
Nesse amor está a resposta à pergunta: "Por que Deus permite o sofrimento dos inocentes?". Na viagem de quatro dias à Polônia, Bento XVI foi ao campo de concentração de Auschwitz, visita que para o papa, como cristão alemão, foi "estarrecedora", mas que não podia deixar de fazer. Numa cerimônia religiosa em memória das vítimas do Holocausto, Bento XVI disse com a voz embargada pela emoção estas palavras: "Por que, Deus, o Senhor se calou? Como pôde tolerar tudo isso? Onde estava o Senhor naqueles dias?". O rabino Henry I. Sobel assim comentou essas palavras: "Antes de perguntar-nos' onde está Deus', cabe-nos formular a outra pergunta: 'Onde está o homem?'. O que está fazendo o homem com o mundo que Deus lhe deu?".
A MORTE DE JESUS NA CRUZ E A ABERTURA DO LADO PELA LANÇA
Para os romanos, o crucificado era um criminoso; para os judeus, um maldito. Os corpos dos crucificados n達o eram enterrados, mas devorados por c達es selvagens e por aves predadoras. E na Cruz, "Cristo morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus" (1Pd 3,18).
Dizer que a morte de Jesus Cristo na Cruz foi consequência da vontade do Pai é uma afirmação falsa. Com efeito, Jesus Cristo não nos revelou um deus dominador, um deus violento, um deus repressor, mas nos revelou o Deus que nos amou com um amor primeiro e eternamente fiel. A morte de Jesus de Nazaré na Cruz foi a consequência do não acolhimento do direito, da justiça e da misericórdia do Reino de Deus, que o Filho amado de Deus proclamou com suas palavras e suas ações.
Junto à Cruz em que Jesus Cristo está crucificado está a Igreja, que é a comunidade dos discípulos e das discípulas de Jesus, estão a Mãe de Jesus, João e as mulheres que seguiram Jesus nos anos de sua vida pública e permaneceram junto a ele quando foi crucificado. O Filho de Deus assumiu nossa carne e padeceu por nós. Santo Inácio de Loyola diz: "Por meus pecados vai o Senhor à Paixão" (EE 193). "Ele padece tudo isso por meus pecados". A pessoa que contempla a Paixão de Jesus Cristo deve se perguntar: "E o que devo eu fazer e padecer por Ele" (EE 197).
A resposta a essa pergunta é amar e servir às pessoas que sofrem. Nos sofrimentos da Paixão, Jesus não pediu a Deus que enviasse legiões de anjos (Mt 26,53) para destruir os que o fizeram sofrer na Paixão, mas bebeu o cálice dos sofrimentos até o fim. A mística do seguimento de Cristo está enraizada na experiência de sermos amados por Deus e de amar a Deus.
O LADO DE JESUS TRASPASSADO PELA LANÇA? Do lado de Jesus traspassado pela lança do soldado saíram sangue e água
O LADO DE JESUS TRASPASSADO PELA LANÇA?
"Para que os corpos não ficassem na cruz no sábado, os judeus pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas dos crucificados e os tirasse da cruz. Os soldados foram e quebraram as pernas, primeiro a um dos crucificados com ele e depois ao outro. Chegando a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas" (Jo19,31-33).
Jesus Cristo é apresentado como o Cordeiro pascal do qual o livro do Êxodo e o livro dos Números dizem: "Não lhe quebrareis osso algum" (Ex 12,46; Nm 9,12). Os ossos de Jesus não foram quebrados, "mas um soldado traspassou-lhe o lado com a lança, e imediatamente saiu sangue e água. Aquele que viu dá testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro; ele sabe que diz a verdade, para que vós também creiais. Isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura que diz: Não quebrarão nenhum dos seus ossos" (10 19,34-36).
O discípulo que o Senhor amava foi testemunha ocular desse fato, compreendeu seu significado e o relatou para que fosse conhecido pelos cristãos. A maldade, a mentira e as trevas não conseguiram vencer a bondade, a verdade e a luz da vida e da morte de Jesus Cristo. A água e o sangue que saíram do lado aberto de Jesus crucificado são símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia, por meio dos quais nos é dada a vida eterna. Do lado de Adão que dormia foi formada por Deus a primeira mulher; do lado do segundo Adão que "dormia", que estava morto na cruz, foi formada a nova Eva, a Igreja.
Diante de Jesus Cristo crucificado, oremos como Santo Agostinho orou e recomendou orar: "Ensina-me o amor e a dor. Senhor, escreve tuas chagas no meu coração para ler nelas teu amor e tua dor; o amor, para desprezar por Ti todo amor; a dor, para suportar por ti toda dor. Olhai com os olhos da alma as feridas do Crucificado, as cicatrizes do Ressuscitado, seu sangue de moribundo. Que fique cravado nos vossos corações aquele que por vós está pregado na Cruz'".
A carta de São Paulo aos Hebreus diz que a morte não tem mais poder sobre nós depois que o Filho de Deus assumiu a nossa carne. No entanto, a pessoa que é amada tem a liberdade de acolher ou rejeitar o amor. Assim, depois de contemplar esse amor de Deus que nos foi revelado na vida, na morte e na ressurreição de Jesus Cristo, façamos as três perguntas propostas por Inácio de : "O que tenho feito, o que faço e o que devo fazer por Cristo?". Contemplemos demoradamente o amor com que o coração de Jesus nos ama.
"OLHARÃO PARA AQUELE QUE TRASPASSARAM" Em Jesus Cristo crucificado nos é revelado o amor com que Deus nos ama, o amor que moveu o Pai a entregar seu Filho amado à morte para destruir a morte e nos dar a vida eterna. Esse amor nos foi revelado na Paixão de Jesus Cristo, que começou com a oração agônica no Horto das Oliveiras e terminou com sua crucifixão entre dois bandidos, fora dos muros de Jerusalém. Em sua Paixão se realiza o que Jesus havia dito: "E quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim" (10 12,32).
Nela se realizou a vit贸ria do amor sobre o pecado, da vida sobre a morte. Depois de sua "descida" (kat谩basis) realizouse sua "subida" (an谩basis), realizou-se a gl贸ria que Jesus havia anunciado: "Pai, chegou a hora. Glorifica teu filho, para que teu filho te glorifique" (Jo 17,1).
Ouvindo as palavras: "Olharão para aquele que traspassaram" (10 19,37), perguntemo-nos como, para onde, para quem olhamos. Olhamos as pessoas e os acontecimentos com os olhos da fé, ou olhamos os ídolos da riqueza e do poder que Jesus rejeitou?
Olhamos para os pobres, os doentes, os famintos, para as crianças e para as mães abandonadas? Quem é cativado pelo olhar de Jesus ama e serve aos crucificados da terra praticando no relacionamento com eles gestos de ajuda, de carinho, de libertação.
TERCEIRA CONTEMPLAÇÃO Jesus carrega a Cruz, é crucificado A morte de Jesus na Cruz e a abertura do lado pela lança
Quarta Colocaテァテ」o AS DORES DA Mテウ
NA PAIXテグ DO FILHO
OS SOFRIMENTOS DA MÃE NO NASCIMENTO E NOS PRIMEIROS ANOS DA CRIANCINHA O Menino Jesus foi apresentado no Templo quarenta dias depois do nascimento. O ancião Simeão havia tido "uma revelação de que não morreria sem ver o Ungido do Senhor" (Lc 2,26). Segurando o menino em seus braços, Simeão olhou para o futuro. Ele disse à Mãe que uma espada de dois gumes lhe atravessaria o coração.
A profecia de Simeão fortalecerá a Mãe para carregar as dores na Paixão do Filho. A virgem de Nazaré, a "Agraciada" por Deus, acreditou nas palavras do mensageiro do Senhor e carregou a Cruz que o Filho carregou na Paixão.
A Mãe de Jesus sofreu também quando teve de fugir para o Egito com José porque Herodes procurava o Menino para matá-lo. Maria de Nazaré sofreu a dor das mães cujos filhos saem dos países onde nasceram e são engolidos pelas ondas do mar, ou perambulam buscando trabalho nos países aos quais chegam. Contemplemos as lágrimas derramadas da Mãe do Menino Jesus ao longo dos caminhos do deserto, como segura nos braços a criancinha ameaçada de morte, como o Menino encosta a cabecinha no peito da Mãe. Maria e José sofreram no Egito as dores que sofrem os refugiados em países estrangeiros, cujas línguas não conhecem, que não encontram um lugar onde morar, que não conseguem um emprego. Sofrendo essas dores, a Mãe de Jesus foi a "Mulher forte" da qual fala a Escritura.
As dores da Mãe na Paixão e ao pé da Cruz"
A Mãe acompanhou os sofrimentos da Paixão sofridos por Jesus quando carregou a Cruz na subida para o monte Calvárío, olhando o Filho e derramando lágrimas. No alto do Calvário, ela estava junto à Cruz. O Filho também olhava para a Mãe. Os dois viveram a comunhão do amor na dor. A Mãe de Jesus é também nossa Mãe. Por isso, está ao nosso lado quando carregamos nossas cruzes. Derramando lágrimas, Maria viu como os soldados pregaram na Cruz as mãos e os pés de seu Filho, como lhe tiraram a roupa, como sortearam a túnica que ela havia tecido em Nazaré. Ouviu as burlas dos que crucificavam seu Filho e as zombarias dos que o olhavam na Cruz. Ouviu também as sete palavras que ele disse na Cruz. O amor compassivo da Mãe é modelo de comportamento para os discípulos de Jesus.
Depois de contemplar essas cenas, reflitamos em nós mesmos perguntando-nos como acompanhamos as pessoas que carregam cruzes: crianças abandonadas, pessoas doentes, idosas, sem casa onde morar, escravas das drogas. Perguntemo-nos como olhamos essas pessoas, como conversamos com elas e como as ajudamos. Depois de contemplar e de refletir, peçamos a Jesus, por intercessão da Mãe das Dores, sua Mãe e nossa Mãe, a graça de viver a compaixão em nossas vidas. Se pedirmos essa graça por intercessão da "Serva do Senhor" que acolheu e conservou em seu coração de Mãe as palavras e as ações de seu Filho, essa graça nos será dada. Peçamos, pois, essa graça pela intercessão da Mãe dos condenados, torturados e crucificados, pela intercessão da Mãe de Jesus, da Mãe da Igreja, da nossa Mãe.
A dor da Mãe ao receber o Filho morto nos seus braços e ao ser sepultado
João, Nicodemos e José de Arímateia, depois de tirar os pregos dos pés e das mãos, puseram o cadáver de Jesus nos braços da Mãe. A Mãe limpou o rosto ensanguentado e sujo do Filho, acariciou as feridas da cabeça, dos pés e do lado traspassado pela lança; acariciou as mãos do Filho, as mesmas mãos que haviam acariciado tantas vezes o rosto da Mãe, as mesmas mãos que haviam sido postas nos lábios dos mudos, nos olhos dos cegos, nos ouvidos dos surdos, na pele dos leprosos, as mesmas mãos que haviam abençoado o pão e o vinho nas refeições com os discípulos e com os pecadores, as mesmas mãos que haviam abençoado as crianças. Contemplemos como a Mãe beijou as feridas do corpo do Filho e como fechou seus olhos. A mesma Mãe que olhou e acariciou Jesus, seu Filho, nos olha e acaricia também a nós, que somos seus filhos.
O evangelho de João conta como foi sepultado o corpo de Jesus no jardim do Monte Calvário (Jo19,8-42). Jesus foi dado à luz num curral na periferia de Belém e foi sepultado numa sepultura que não era da família. Contemplemos o último beijo dado pela Mãe no Filho morto e ouçamos as palavras que lhe disse lembrando as experiências dos trinta anos de convivência em Nazaré, experiências que a Mãe guardava no coração. .
Maria, a Virgem de Nazaré, que havia sido saudada pelo anjo Gabriel com as palavras: "Alegra-te, Cheia de graça", está agora com o coração da Mãe atravessado pela espada da dor. Depois que a pedra do sepulcro foi rodada, a Mãe de Jesus passou a viver a noite mais escura de sua vida. Ela é exemplo e força para todas as mães e para todas as pessoas que sofrem. A Mãe de Jesus sofre, mas crê que o amor de Deus vence todas as dores. .
Peçamos a Deus, pela intercessão da Mãe Dolorosa, a graça de crer que o amor de Deus que nos foi revelado por Jesus Cristo vence todos os sofrimentos e vence a morte, a graça de crer que, crendo nesse amor, nossas dores desembocarão no gozo da comunhão eterna com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, da comunhão com Maria, Mãe de Jesus, nossa Mãe e de todos os filhos e filhas de nosso "Papai querido". .
Com sua ressurreição, Jesus Cristo venceu o pecado e a morte
A morte de Jesus Cristo na Cruz venceu a morte. Por isso, a morte dos cristãos não é o fim da vida, mas é a passagem para a vida eterna. A Igreja não celebra o dia do nascimento dos Santos, mas celebra o dia de sua morte. A hora da morte é para os cristãos a hora de "descansar em paz" no encontro com o Senhor. .
O evangelho de João foi chamado "evangelho semiótico" porque enfatiza os sinais feitos por Jesus. Quando chegou a hora de sua morte na Cruz, Jesus entregou sua mãe ao discípulo amado dizendo-lhe: "Eis aí a tua Mãe". "O discípulo a quem Jesus amava" representa a Igreja. De fato, a Mãe de Jesus cuida da Igreja com o carinho com que as mães cuidam de seus filhos. A Mãe de Jesus cuida com amor de Mãe dos incontáveis filhos e filhas que são membros do Corpo de Cristo. .
Numa oração ao Coração de Jesus, Henri M. Nouwen escreve: "Teu coração, aquele coração humano transbordando amor divino, está partido. Rejeitado, desprezado, cuspido, escarnecido, açoitado e coroado com espinhos, tu estás suspenso na tua cruz. Todos aqueles que encorajaste com tuas palavras, livraste dos demônios e curaste de suas enfermidades foram embora. Teu amigo Judas te traiu; teu amigo Pedro te negou. Ninguém pôde ficar de vigília contigo em tua agonia e não puderam nem mesmo perceber a profundidade de teu amor por eles". E acrescenta: "Eu te contemplo, Senhor, e vejo teu lado ferido, o lugar onde teu coração está partido. E quando eu olho meus olhos começam a reconhecer a angústia e a agonia de todas as pessoas por quem tu te entregaste. Teu coração partido torna-se o coração de toda a humanidade, o coração de todo o mundo [ ... ]. O Senhor compassivo, teu coração está partido por causa de todo o amor que não é dado nem recebido"!" .
QUARTA CONTEMPLAÇÃO A oração ao pé da Cruz A oração Alma de Cristo