odos os dias nos chegam imagens de diferentes tipos de atropelos aos direitos humanos em todo o mundo, da violência policial, um dos temas assustadoramente mais frequentes, aos conflitos que estravazam e alastram. Este número da AGIR mostra-nos como as leis protetoras dos direitos humanos são ignoradas ou simples e afrontosamente desrespeitadas, em Ferguson ou Baltimore, nos EUA, no Brasil e mesmo em Portugal, demonstrando como esta é uma realidade comum a várias partes do mundo. Nos Estados Unidos, 50 estados falham no cumprimento dos padrões internacionais sobre o recurso à força letal por parte das autoridades policiais, que supostamente deviam ser as garantes do Estado de Direito, das liberdades e das garantias. Freddie Gray, após os acontecimentos de Baltimore, é um nome difícil de esquecer. No Brasil, 56 mil pessoas foram assassinadas, maioritariamente jovens de comunidades marginalizadas, que morreram às mãos da polícia. No dia 5 de fevereiro de 2015, na Cova da Moura, na Amadora, um jovem testemunhou na esquadra o que descreveu como “um ódio, em estado bruto”, como nunca tinha assistido. São reflexos do racismo que ainda persiste em Portugal, demasiadas vezes relativizado entre nós. Confirma-se o quão importante é o trabalho da Amnistia Internacional na investigação, responsabilização e advocacia, neste e noutros casos de violação dos direitos fundamentais, de que são exemplo os mais recentes relatórios da AI, que denunciam crimes de guerra na Síria, exigindo a que o Conselho de Segurança das Nações Unidas imponha sanções a todas as partes envolvidas, ou à divulgação dos casos de desaparecimentos forçados na Líbia e no México e ainda a investigação dos raides aéreos na Líbia, responsáveis pela morte de civis e destruição de suas casas. Ainda no cenário da violência policial, refiram-se ainda os casos dos refugiados, dos requerentes de asilo e dos migrantes que todos os dias chegam às fronteiras da Europa, como na Sérvia ou Hungria, e são também vítimas de detenções e abusos por parte das autoridades policiais. Investigadores da Amnistia estão no terreno a documentar estas violações. Este é o primeiro editorial da nova direção e também o primeiro desde a decisão dos novos objetivos estratégicos para o próximo período de quatro anos – 2016-2019, aprovados no International Council Meeting (ICM), que decorreu de 7 a 11 de agosto, em Dublin, na Irlanda. As novíssimas metas, que começarão a ser trabalhadas no primeiro dia do próximo ano, são o reflexo da nossa Visão e da nossa Missão: a proteção dos defensores de direitos humanos, a igualdade de direitos, a resposta às crises, a responsabilização, e, por último, o crescimento – a ambição de sermos cada vez mais e com mais recursos – por forma a tornar a AI numa organização ainda mais forte, criando um maior impacto na defesa dos direitos humanos. Convidamos-vos a ler o resumo dos trabalhos ICM, bem como sobre outras atividades que decorreram nos últimos meses e são uma inspiração para o rumo que queremos continuar a seguir, por exemplo na Educação para os Direitos Humanos, no âmbito das Escolas Amigas dos Direitos Humanos, e no projeto STOP Bullying. Passados cinco meses das últimas eleições, encontramo-nos numa fase de acerto da nova estratégia para o rumo da AI Portugal, com os contributos da nossa experiência no ICM, mas também com os da nossa equipa executiva, estruturas, membros e ativistas. Nunca a presença da Amnistia Internacional no mundo foi tão importante, ao conseguir fazer ouvir a voz daqueles que, por diferentes infortúnios, se calam ou são calados. Este é o fundo do nosso trabalho e do qual não nos poderemos distanciar. Por esse motivo, não podemos deixar de apelar à vossa participação nas ações em curso, a começar pelas sugeridas neste número da AGIR. Por fim, sugerimos a leitura das páginas dedicadas às boas notícias, fonte de inspiração e motivação, pois são estas que nos certificam, todos os dias, que o nosso trabalho importa.
Susana C. Gaspar Presidente da Direção
CRIMES DE GUERRA AMPLIFICAM O SOFRIMENTO DE CIVIS EM GHUTA, NA SÍRIA
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Amnistia Internacional divulgou um relatório onde aponta os constantes ataques aéreos e de artilharia feitos pelas forças governamentais da Síria como causadores do elevado sofrimento dos civis que se encontram cercados e enfrentam uma crescente e grave crise. O documento aponta para claros indícios de crimes de guerra e descreve como o cerco das forças governamentais, na zona de Ghuta oriental, nos arredores de Damasco, faz parte de um ataque sistemático e generalizado sobre a população, constituindo crimes contra a humanidade. Além de expor a agonizante luta pela sobrevivência de mais de 163.000 pessoas que se encontram naquela zona, documenta ainda os abusos cometidos por grupos armados sem ligação ao Governo. É urgente que o Conselho de Segurança das Nações Unidas imponha sanções a todas as partes envolvidas. Ler o artigo completo aqui http://bit.ly/CivisSiriosGhuta
AI DENUNCIA OS RAPTOS DE CIVIS POR GRUPOS ARMADOS NA LÍBIA
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AI investigou centenas de casos de raptos ocorridos no último ano na Líbia, e lançou uma campanha visando o fim desta prática que assola o país. Desapareceram mais de 600 pessoas entre fevereiro de 2014 e abril de 2015, e o paradeiro e destino de pelo menos 378 continuam desconhecidos. Estes números estarão muito aquém da realidade. O colapso do Governo na Líbia, a ausência de forças de segurança e um sistema disfuncional de justiça criaram um clima de impunidade que tem permitido aos perpetradores destes raptos escaparem impunes. A tomada de civis como reféns é proibida pela lei humanitária internacional e quando ocorre em contexto de conflito armado constitui um crime de guerra. A AI instou a comunidade internacional a apoiar o Tribunal Penal Internacional para que investigue os crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos na Líbia. Ler o artigo completo aqui http://bit.ly/RaptosLibia
REVELAÇÃO DE VALAS COMUNS NO MÉXICO DEMONSTRA O FALHANÇO DAS AUTORIDADES
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confirmação por parte das autoridades mexicanas da descoberta de numerosas valas comuns nos meses recentes, no âmbito das investigações ao desaparecimento de 43 estudantes no estado de Guerrero atesta a gravidade da crise dos desaparecimentos forçados no país. Para a AI, tem sido fundamental a determinação persistente das famílias dos estudantes, assim como dos defensores dos direitos humanos e jornalistas, que exigiram uma resposta das autoridades sobre os desaparecimentos forçados. Sem esta pressão provavelmente não se viria a saber da existência destas valas comuns e da real dimensão do problema. O caso dos estudantes é apenas um dos vários emblemáticos numa longa linha de desaparecimentos no México. Segundo os números oficiais, nos últimos anos mais de 25.700 pessoas desapareceram ou estão sem paradeiro conhecido no país. Ler o artigo completo aqui http://bit.ly/DesaparecidosMexico 06
EM FOCO
NOVA LEI DE VIGILÂNCIA EM FRANÇA É UM DURO GOLPE CONTRA OS DIREITOS HUMANOS
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AI alertou para as implicações em matéria de direitos humanos que terá a lei aprovada em julho e que confere novos e extensos poderes que permitem às autoridades francesas monitorizar as atividades dos cidadãos "online" e fora do universo digital. A lei surge na sequência dos ataques de Paris no início deste ano e foi apresentada pelo Governo francês como uma medida antiterrorismo. A lei permitirá a autorização de operações de vigilância intrusiva com objetivos alargados e indefinidos, como “interesses essenciais de política externa”. Não foi esclarecido se este termo vago poderá, por exemplo, visar pessoas que organizem manifestações pacíficas. Durante o processo de discussão, vários grupos de defesa dos direitos e liberdades de cidadania, juízes, empresas de tecnologia e organizações internacionais como a AI tinham manifestado preocupações, que foram ignoradas. Ler o artigo completo aqui http://bit.ly/LeiVigilanciaFranca
SREBRENICA: 20 ANOS PASSADOS DESDE O GENOCÍDIO NEM JUSTIÇA NEM VERDADE PARA AS VÍTIMAS E FAMÍLIAS
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o início de julho assinalaram-se 20 anos desde o massacre de mais de oito mil homens e rapazes em Srebrenica, no culminar de três anos de uma guerra brutal marcada por crimes de guerra e genocídio. A AI lembrou a data e alertou para a cortina de silêncio e a falta de verdade e de justiça que são ainda patentes. Steve Crawshaw, diretor de Política Internacional da AI, contou o que viu e ouviu há 20 anos durante a guerra nos Balcãs e o que ali reencontrou agora. Homens e rapazes bósnios foram mortos numa série de execuções e massacres que aconteceram nos dias que se seguiram à tomada de Srebrenica pelas forças militares sérvias bósnias, a 11 de julho de 1995. Nesta ocasião, a AI lançou uma campanha pelas estimadas 8.000 pessoas que continuam dadas como desaparecidas por toda a Bósnia, incluindo os mil de Srebrenica. Ler o artigo completo aqui http://bit.ly/Srebrenica20anos
INVESTIGAÇÃO A RAIDES AÉREOS NO IÉMEN PROVA A MORTE DE CIVIS
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ma investigação feita pela AI ao armamento usado nos recentes ataques no Iémen demonstra as consequências sobre os civis que têm representado os raides aéreos levados a cabo pela coligação liderada pela Arábia Saudita contra diversas zonas do país. A investigação também expõe o incumprimento pelas forças militares dos requisitos impostos pela lei internacional humanitária, que prevê que as forças beligerantes tomem todas as medidas possíveis para evitar ou limitar as vítimas civis. Os peritos da AI examinaram oito ataques aéreos que causaram 54 mortes e 55 feridos, na maioria crianças e mulheres. Alguns dos alvos - casas que pertenciam a familiares do ex-chefe de Estado - não parecem ser alvos militares ou, pelo menos, não têm importância suficiente para justificar os riscos que tais ataques representam para os civis. Ler o artigo completo aqui http://bit.ly/Raidesaereos 07
PolĂcia de choque em Hong Kong durante a greve de estudantes pedindo democracia, em setembro de 2014
DOSSIÊ
LICENÇA PARA MATAR
Por Tiago Carrasco
o passado mês de abril, as imagens de uma turba enfurecida a vandalizar a cidade de Baltimore, no estado de Maryland, despertou mais uma vez o mundo para a violência policial e a tensão racial existentes nos Estados Unidos da América (EUA). Um nome ficará para a história como o rastilho de um dos maiores motins registados no país nos últimos anos: Freddie Gray. O afro-americano, de 25 anos, foi detido por posse de arma branca por seis agentes da polícia na manhã de 12 de abril; segundo testemunhas, foi espancado, transportado na carrinha das autoridades até dar entrada em coma no hospital, cerca de 90 minutos depois, com vértebras fraturadas e um profunda lesão na coluna, que lhe provocaria a morte. Os seis polícias foram suspensos de funções e estão a ser investigados por detenção ilegal e homicídio em segundo grau, mas a população negra de Baltimore não quis esperar pelo desfecho do processo. “Gray não foi o primeiro negro a ser morto pela polícia e, se nada mudar, não será o último”, diz à Amnistia Internacional (AI) Mark Puente, jornalista do diário Baltimore Sun. Em 2014, um ano antes da morte de Gray, Puente realizou uma investigação que apurou que o estado de Baltimore gastou, de 2011 a 2014, mais de 5 milhões de euros em indemnizações compensatórias para vítimas de agressões policiais. 09
“E há um custo muito mais elevado”, acrescenta o jornalista. “A perceção de que os agentes são violentos envenena a relação entre os cidadãos e a polícia”. De acordo com os dados (limitados) fornecidos pelo Governo americano, os afro-americanos, que constituem 13% da população, representam 27% das mortes cometidas pela polícia. As estimativas indicam que os agentes da lei são responsáveis pelo assassinato de cerca de 1000 cidadãos por ano. Números que não impressionam Robert Cherry, presidente da Ordem Fraterna da Polícia de Baltimore: “Os nossos agentes não são brutais. Os criminosos pretendem apenas aproveitar-se dos tribunais para pedir dinheiro”, disse, ao Sun. O caso de Venus Green mostra o contrário: a afro-americana, de 87 anos, foi detida ilegalmente na sua própria casa por um agente branco que, para a algemar, lhe encostou a cara ao chão e lhe partiu um ombro com uma joelhada. “Cabra, não és melhor que todas as cabras pretas que já prendi”, gritou-lhe. Maxilares partidos, fraturas de costelas, insultos xenófobos e detenções injustificadas: apenas uma parte do vasto leque de atrocidades descritas nas mais de 300 queixas contra a brutalidade policial analisadas pelo Sun no estado de Maryland. A larga maioria dos queixosos pertence à comunidade negra. A AI EUA, que conta com uma missão de observadores em Baltimore, revelou em junho que os 50 estados norte-americanos e o distrito federal de Columbia falham no cumprimento dos padrões internacionais sobre o recurso à força letal pela polícia. Nove desses estados, e também Columbia, nem sequer têm leis sobre essa matéria. “O Congresso deve assegurar que todos os agentes ao serviço da lei limitam o uso da força letal aos padrões da lei internacional”, diz Jamira Burley, ativista da AI EUA contra a violência com armas de fogo. Infelizmente, a morte de Freddie Gray é só uma gota de água no oceano de crimes cometidos pelas autoridades no mundo inteiro. Só este ano, já se recolheram provas de atuações abusivas da polícia em inúmeros países, como a Turquia, Irão, China, Myanmar ou Zimbabué (ver caixa), principalmente na dispersão violenta de manifestações. Nas fronteiras da Europa esta problemática atinge contornos macabros. Segundo um relatório da AI1, milhares de refugiados, requerentes de asilo e migrantes – incluindo crianças –, que fazem
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http://bit.ly/Refugiados_e_migrantes_espancados
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perigosas viagens através dos Balcãs, estão a ser sujeitos a abusos violentos e extorsão às mãos das autoridades e de grupos criminosos, além de vergonhosamente deixados ao abandono por um sistema de asilo e migrações em rutura na União Europeia, que os deixa encurralados sem nenhuma proteção na Sérvia e na Macedónia. O número de pessoas detidas só na travessia fronteiriça entre a Sérvia e a Hungria aumentou em mais de 2.500% desde 2010 (de 2.370 pessoas para as 60.602). Os refugiados – metade deles sírios – relatam episódios de detenções arbitrárias, agressões e esquemas de extorsão por parte dos oficiais fronteiriços na Macedónia, Sérvia e Hungria. Um refugiado oriundo do Afeganistão contou aos investigadores que estivera num grupo que foi obrigado a voltar à Grécia pela polícia da Macedónia: “Alguns dos homens foram fortemente espancados. Bateram até no meu filho de 13 anos. Bateram-me a mim também”. No centro de refugiados de Gazi Baba, na Macedónia, há testemunhas de agressões a uma mulher grávida de cinco meses. Quando um grupo de sírios ameaçou entrar em greve de fome devido à sobrelotação e precariedade do centro, um guarda respondeu: “Se morrerem aqui não virá ninguém à vossa procura. Deitaremos fora os vossos cadáveres”.
OUTROS CASOS DE VIOLÊNCIA POLICIAL TURQUIA A polícia turca voltou a responder com violência às manifestações comemorativas do 1º de maio. No passado recente, as autoridades têm sido reincidentes no uso abusivo da força; em 2013, os protestos em defesa do Parque Gezi, em Istambul, foram brutalmente reprimidos e, em 2014, 50 pessoas morreram no sudeste do país na intervenção policial contra manifestações pacíficas. As leis antiterrorismo implementadas pelo Governo este ano dão ainda mais legitimidade à polícia para continuar a cometer abusos.
IRÃO A polícia investiu violentamente contra um grupo de manifestantes em Mahabad, uma cidade curda na província do Azerbaijão Ocidental. Os curdos mostravam a sua indignação perante a morte misteriosa de uma mulher curda num hotel da cidade. 25 pessoas ficaram feridas. A polícia iraniana tem um longo cadastro de repressão contra minorias étnicas.
ZIMBABUÉ Em abril, o ativista pelos direitos humanos Sydney Chisi foi cruelmente espancado por dezenas de polícias. O ataque foi gravado por um telemóvel e difundido pela Internet. Chisi, que ficou com lesões graves, liderava uma manifestação em Harare contra os ataques xenófobos de que os zimbabueanos têm sido alvo na África do Sul.
MYANMAR Os protestos contra uma lei educacional implementada pelo Governo foram violentamente dispersos pela polícia em Yangon, no mês de março. Alguns dos estudantes que se manifestavam foram detidos arbitrariamente, sem que nenhuma queixa formal fosse apresentada.
CHINA Em fevereiro, a AI relatou a força abusiva com que a polícia chinesa bloqueou, agrediu e deteve alguns dos 300 manifestantes que exibiam o seu apoio a Fan Mugen, um homem que matou dois funcionários de uma empresa de demolição. Fan diz que agiu em legítima defesa depois dos homens terem entrado em sua casa, ordenado o desalojamento e agredido a sua mulher. A polícia já deteve inclusive o advogado de defesa de Fan.
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“BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO”
Por Tiago Carrasco
erezinha de Jesus estava em casa quando ouviu um disparo e o berro do seu filho Eduardo, de 10 anos: “Mãe!”. “Nisso, eu corri para a porta e encontrei essa cena horrível do meu filho lá caído”, diz a mulher, de 40 anos, à Amnistia Internacional (AI). Terezinha entrou em desespero, viu uma fila de polícias militares e gritou: “Você matou meu filho, seu desgraçado maldito”. O agente respondeu: “Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar porque eu matei um filho de bandido, um filho de vagabundo”. Depois de apontar a pistola à mãe, o polícia sugeriu aos colegas levar o cadáver ou colocar uma pistola junto ao corpo, para justificar o assassinato. “Eu disse que eles não iam tirar o meu filho de lá porque eu não ia deixar. Eles estão acostumados a fazer isso, carregar o corpo e dar sumiço. Eles dando sumiço, não acontece nada. Aí fica na imprensa que fulano desapareceu e nunca acham”, diz Terezinha. Os vizinhos impediram que a cena do crime fosse alterada. Eduardo nem sequer pertencia a qualquer rede de tráfico de droga. Naquela tarde de 2 de abril de 2015, estava calmamente sentado à porta de casa, aguardando pela irmã mais velha para brincar com o telemóvel dela. Não havia troca de tiros nem indícios de intervenção policial na favela. Terezinha desabafa: “Meu filho foi brutalmente assassinado. Isso não é justo. Você entrar dentro de uma comunidade e o primeiro que vê pela frente você pegar e atirar. Não se faz”. Um dia depois da morte de Eduardo, os polícias responsáveis pelo tiro que o atingiu foram afastados e as suas armas recolhidas para análise pericial. A família foi ameaçada e teve de abandonar a sua residência no Complexo do Alemão, com medo de represálias. O caso está a ser investigado pela Divisão de Homicídios do Rio de Janeiro. Contudo, isso não significa que os autores do crime cheguem a ser julgados: a impunidade policial no Brasil é endémica. Nos últimos 10 anos, a polícia brasileira foi responsável por 8.466 mortes. Em 2011, dos 281 agentes indiciados por homicídio no Rio de Janeiro, apenas um
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foi levado à justiça. Em todo o país, apenas 8% dos assassinatos chegam a ser julgados. “O foco da polícia de segurança pública é a guerra às drogas e ela é a justificação para a grande maioria destes crimes”, diz Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da AI Brasil. “Além disso, não há delegacias especializadas nos casos de homicídios, há grandes problemas na investigação, falta de proteção às testemunhas e um Ministério Público muito ineficiente. Os processos demoram, em média, sete anos. E quanto mais tempo passa, mais probabilidades de impunidade”. Os números refletem os preconceitos da nação: dos 56 mil homicídios registados em 2012, 30 mil são jovens entre 15 e 29 anos e, desse total, 77% são negros. A sociedade brasileira relaciona os jovens negros moradores nas favelas com a criminalidade. “Bandido bom é bandido morto”, é uma frase comum no Brasil. Segundo pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 43% dos brasileiros concordam com essa afirmação.
Polícia Militar no Complexo da Maré, Rio de Janeiro
Com o objetivo de mobilizar a sociedade e romper com a indiferença, a AI Brasil lançou a campanha Jovem Negro Vivo. Além de um vídeo e de um manifesto, a organização está a promover encontros nas favelas com jovens e grupos culturais. No passado dia 3 de agosto, praticamente um ano antes do arranque dos Jogos Olímpicos do Rio, apresentou o relatório "Você matou meu filho", uma extensa investigação sobre os alegados “homicídios decorrentes de intervenção policial”. As conclusões foram arrepiantes: dos dez crimes cometidos pela polícia na comunidade de Acari, no Rio de Janeiro, nove reúnem indícios claros de execuções extrajudiciais. Há ainda relatos de uso de carros blindados -“caveirões”-, mortes por balas perdidas, destruição de cenários de crime, ocultação de cadáveres, ameaças a testemunhas e defensores dos direitos humanos e uso inusitado de força letal. Até constam testemunhos de estratégias premeditadas de execução -“tróia”-, em que os agentes se escondem dentro da favela ou de uma casa à espera de um morador com o intuito de assassiná-lo. “Este relatório é uma oportunidade para a mudança de política do Governo na questão da guerra às drogas”, diz Ciconello. “Devem determinar que todos os casos de homicídio decorrentes de intervenção policial sejam investigados pela Divisão de Homicídios para a realização de uma investigação completa, independente, célere e imparcial”. Algo que a família de Gustavo*, 31 anos, ainda aguarda sem resultados. Ele foi morto em Acari, em fevereiro de 2014, uma semana depois do Carnaval. Entre as 7h e 8h, Gustavo foi a casa buscar uma mala de que se tinha esquecido. Assim que entrou num beco, levou o primeiro tiro. De acordo com os moradores, não havia nessa ocasião nenhum confronto com os BOPE (Polícia de Operações Especiais). Uma testemunha ocular afirmou que Gustavo caiu rendido, com os braços para cima, e gritou: “Perdi, perdi, perdi!”. Foi quando um polícia se aproximou, pegou na mala, viu o que estava lá dentro e disse: “Perdeu nada. Eu quero a sua alma!”. Nesse momento, executou-o com mais um tiro. *Nome fictício
A campanha Jovem Negro Vivo pretende pedir às autoridades brasileiras que assegurem aos jovens negros o seu direito a uma vida livre de preconceito e de violência. Ajude-nos a chegar mais longe. Assine o manifesto aqui: https://anistia.org.br/entre-em-acao/peticao/chegadehomicidios/
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QUANTO É PRECISO PARA O RACISMO SER PUNIDO?
Celso Lopes: – Disseram-nos várias vezes que nós, os africanos, temos de morrer. Que se a legislação permitisse nos executariam, que devíamos estar pendurados pelos pés. Quando os fui entrevistar uns dias depois deste episódio à Cova da Moura, Flávio Almada e Celso Lopes estavam ainda perturbados. As descrições dos jovens são chocantes. Há uma frase de Flávio Almada que fica na memória: – Tenho curso superior, sou ativista, conheço muita gente e muita gente acredita em mim. Agora um jovem que tenha pelo menos um antecedente criminal: ninguém o iria apoiar.
Por Joana Gorjão Henriques, jornalista - Público
ois membros da associação do bairro Moinho da Juventude, premiada por várias organizações pelo seu trabalho a favor da comunidade, deslocaram-se à esquadra para saber de Bruno Lopes. Flávio Almada e Celso Lopes acabaram detidos, com mais outros jovens que se lhes juntaram para saber do amigo. Nesse dia, a PSP emitiu um comunicado a acusá-los de terem invadido a esquadra. A versão dos jovens foi outra: foram agredidos fisicamente e vítimas de violência racial pela polícia. Flávio Almada contou na altura: – Consegui ver a expressão de um dos polícias, quando disse com uma convicção que eu não consigo reproduzir: ‘Se eu mandasse vocês seriam todos exterminados. Não sabem o quanto eu odeio vocês, raça do caralho, pretos de merda’. Nunca tinha visto um ódio, em estado bruto, daquela forma. Nunca tinha visto e já vi muita coisa. A expressão dele era de um ódio completamente cego e aquilo assustou-me: como é que uma sociedade anda a produzir indivíduos deste tipo?” 12
Ela espelha particularmente bem o tipo de racismo que persiste em Portugal. Porque a palavra de um negro habitante num bairro da Cova da Moura não tem credibilidade, precisa de ser testada, verificada e validada mais do que qualquer outra até que seja ouvida. Porque a associação dos negros à violência ainda faz com que alguns órgãos de comunicação social nem questionem se um comunicado enviado pela PSP a acusar os jovens de “tentativa de invasão” é, de facto, verdade. Porque são diminutos os casos em que a denúncia de discriminação racial chega a condenação e mais raros ainda os agentes policiais que são punidos. Depois de a Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) ter investigado este caso, a ministra da Administração Interna instaurou processos disciplinares a nove agentes – três deles ficaram suspensos por 90 dias. Mas a pergunta que fica é: e condenações por racismo? Perdeu-se uma boa oportunidade para fazer deste caso um exemplo para quem comete um atentado aos direitos humanos com esta dimensão. Numa instituição que é suposto proteger os cidadãos – a polícia – dizer a alguém que a sua raça devia ser exterminada só poderia ter consequências à altura da gravidade de tal afirmação.
A SUA ASSINATURA TEM MAIS FORÇA DO QUE IMAGINA Todos os dias milhares de pessoas veem os seus direitos humanos serem violados. Em cada edição da revista, a Amnistia Internacional Portugal dá voz a algumas delas – nas páginas centrais – pedindo a quem lê as suas histórias que não fique indiferente e envie os postais em seu nome. O mesmo está a ser feito em muitos outros países do mundo. Este envio massivo de apelos tem o efeito que é bem visível nestas páginas.
MOSES ESTÁ LIVRE! oses Akatugba tinha 16 anos quando foi detido em 2005 e acusado de assalto à mão armada. Relatou à AI ter sido espancado pelos polícias, agredido com catanas e bastões, atado e dependurado durante muitas horas seguidas, e que lhe arrancaram unhas das mãos e dos pés com alicates. Foi repetidamente torturado para que assinasse duas “confissões” previamente escritas. O caso de Moses Akatugba é um dos mais emblemáticos da campanha global STOP Tortura da AI e foi também um dos que integraram a Maratona de Cartas de 2014. No total, mais de 800 mil assinaturas recolhidas em todo o mundo instavam o governador do Delta do Níger, Emmanuel Uduaghan, a comutar-lhe a pena de morte. Após dez anos no corredor da morte de uma prisão na Nigéria, Moses Akatugba, agora com 26 anos, diz ter ficado “maravilhado” com o anúncio do perdão total. Antes de terminar o mandato, o governador Emmanuel Uduaghan comutou também as penas de morte proferidas contra outras três pessoas. A AI instou o novo Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, a declarar imediatamente uma moratória oficial às execuções com vista a abolir a pena de morte no país. Obrigado a todos quantos assinaram e enviaram os apelos pela libertação de Moses. Este magnífico resultado não teria sido possível sem a colaboração de todos. Partilhamos as palavras e o agradecimento de Moses.
“Estou maravilhado. Agradeço à Amnistia Internacional e aos seus ativistas pelo enorme apoio que me tornou um vencedor nesta situação. Os membros e ativistas da Amnistia Internacional são os meus heróis. Quero garantir-lhes que os grandes esforços que fizeram por mim não serão em vão e que, com a graça especial de Deus, vou estar à altura das suas expectativas. Prometo ser um ativista de direitos humanos – e lutar pelos outros”. continua na página 16
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DEFENSOR DOS DIREITOS HUMANOS E JORNALISTA ENFRENTA UM JULGAMENTO INJUSTO POR TER ESCRITO UM LIVRO Rafael Marques de Morais é um jornalista angolano que tem sido perseguido pelo Governo de Angola devido à denúncia de casos de alegada corrupção e injustiça social no país. Em 2011, Rafael Marques publicou um livro em que descreve alegados abusos de direitos humanos por parte de militares angolanos e de empresas privadas em minas de diamantes. Apresentou também uma queixa-crime contra os alegados responsáveis pelos abusos descritos no livro, procurando justiça para as alegadas vítimas da indústria de diamantes do país. Em consequência, foi formalmente acusado de denúncia caluniosa em julho de 2014. A 19 de maio, os generais angolanos retiraram as acusações contra Rafael Marques e o ativista prescindiu de apresentar as testemunhas e provas de defesa na sessão de 25 de maio, considerando que as acusações haviam sido retiradas na totalidade. Foi, no entanto, surpreendido quando nessa sessão o Ministério Público pediu pena de prisão. A sentença final foi proferida a 28 de maio, e condenava-o por denúncia caluniosa a seis meses de prisão com pena suspensa por dois anos. A 3 de junho foi interposto um recurso, em relação ao qual se aguarda uma decisão. A Amnistia Internacional considera que Rafael Marques está a ser alvo de perseguição por exercer o seu direito à liberdade de expressão protegido pelo direito internacional. Vamos apelar às autoridades angolanas para que se certifiquem que são respeitadas todas as garantias de um julgamento justo durante o recurso e que as acusações contra Rafael Marques sejam retiradas. Assine o postal destacado nestas edição e envie-o para a morada da AI Portugal que depois se encarregará do seu envio para as autoridades angolanas.
ESPANCADA, SUFOCADA E VIOLADA ATÉ CONFESSAR Em julho de 2012, Yecenia Armenta transportava familiares até ao aeroporto quando polícias à paisana a mandaram encostar. Tiraram-na à força do carro, vendaram-na e levaram-na. Acusaram-na de ordenar o assassinato do marido. E não se pouparam a nada para a fazer confessar. Yecenia foi suspensa pelos tornozelos de pernas para o ar, sufocada e espancada. “Disseram que trariam os meus dois filhos, que os violariam e os cortariam em pedaços,” disse à Amnistia. “Após muitas horas de tortura e depois de me terem violado, assinei a confissão. Continuava vendada. Nunca li o que assinei.” A sua provação durou 15 horas. Enquanto estava detida, médicos do mesmo escritório do Ministério Público que a deteve examinaram os ferimentos de Yecenia, mas não os documentaram. Meses mais tarde, uma equipa médica forense do gabinete do procurador-geral federal também a examinou e concluiu que não tinha sido torturada porque os anteriores examinadores não tinham encontrado sinais. Desde então, peritos médicos independentes examinaram-na duas vezes e concluíram que foi de facto torturada. Yecenia passou os últimos três anos na prisão, acusada sem provas com base na sua “confissão” por um crime que ela diz não ter cometido. Yecenia merece ser libertada e ver os seus torturadores levados perante a justiça: “Não quero passar nem mais um dia aqui,” disse. “Quero que a minha história seja ouvida, e peço que me ajudem.” Vamos apelar às autoridades mexicanas para que retirem as acusações contra Yecenia, que a libertem imediatamente e que levem os torturadores à justiça. Assine o postal destacado nesta edição e envie-o para a morada da AI Portugal que depois de encarregará do seu envio para as autoridades mexicanas.
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APELOS MUNDIAIS
ESPANCADOS POR ESTAREM APAIXONADOS Em agosto de 2014, Costas e o seu companheiro, foram brutalmente espancados por rufias no centro de Atenas, no que constituiu um ataque homofóbico e racista. “Penso que perceberam que eramos um casal e atacaram-nos por isso e pela cor de pele do meu companheiro,” afirmou Costas. Como resultado das repetidas agressões, Costas ficou com a perna fraturada. O trauma mental ainda não desapareceu: “A perna agora está ok, mas quando vejo qualquer tipo de violência, volta o horror e o medo.” As autoridades gregas não estão a tomar medidas para resolver o problema do aumento de violência motivada pelo ódio. Estão a tratar os casais do mesmo sexo como cidadãos de segunda classe e não estão a investigar convenientemente todos os motivos por trás destes ataques nem a proteger todos os afetados. “Quando chegou a polícia, fui tratado como se tivesse algo contagioso,” disse Costas. Mais de um ano depois, ainda não foi identificado qualquer suspeito, muito menos punido, e tanto Costas como o seu companheiro vivem em constante medo pela sua segurança. Em março de 2015, Costas e o companheiro foram atacados de novo. A falta de reconhecimento dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo tornam a relação de Costas e a comunidade LGBTI sentir-se ainda mais vulnerável: “É como se o Governo fosse conivente com os ataques ao não os reconhecer como reais,” disseram-nos. “É como se não existíssemos.” Vamos apelar ao ministro da Justiça grego que ordene uma investigação exaustiva a estes crimes de ódio e para assegurar que Costas e o seu companheiro recebam a compensação a que têm direito. Assine o postal destacado nesta edição e envie-o para a morada da AI Portugal que depois de encarregará do seu envio para as autoridades gregas.
RAPARIGAS FORÇADAS A CASAR Aos 13 anos, Maria* foi forçada a casar com um homem de 70 anos de idade e que já tinha cinco outras mulheres. Quando resistiu, o pai disse-lhe: “Se não vais para junto do teu marido, mato-te.” No Burkina Faso, milhares de raparigas e adolescentes, como Maria, são forçadas a casar precocemente. Uma em cada três raparigas é obrigada a casar antes de completar 18 anos. Algumas têm apenas 11 anos de idade. É esperado que tenham tantos filhos quantos os maridos desejem, independentemente dos seus próprios desejos ou da ameaça que possa representar para a sua saúde a gravidez precoce. Uma vez casadas, espera-se que cozinhem, limpem, que vão buscar água e que trabalhem nos campos de manhã à noite. Muito poucas têm a possibilidade de ir à escola. Algumas raparigas fazem o que podem para escapar aos casamentos forçados, apesar da enorme pressão dos seus familiares e da sociedade mais alargada. Maria caminhou quase 170km durante três dias para procurar refúgio num abrigo para jovens raparigas. Os casamentos forçados e precoces são proibidos pela Constituição do Burkina Faso e pela lei internacional e as autoridades continuam a ignorar. *Nome fictício
Vamos apelar ao ministro da Justiça e dos Direitos Humanos do Burkina Faso, instando a que as autoridades deixem de ignorar esta situação e que cumpram as obrigações do país de impedir os casamentos forçados e precoces. Assine o postal destacado nesta edição e envie-o para a morada da AI Portugal que depois de encarregará do seu envio para as autoridades do Burkina Faso.
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PENA DE MORTE MAIS PERTO DO FIM! esde o início de 2015, três países aboliram a pena de morte para todos os crimes. Madagáscar em janeiro, Fiji em fevereiro e o Suriname em março. Três outros países estão perto de abolir a pena de morte: o Parlamento mongol está a apreciar um projeto de Código Penal para abolir a pena de morte, o Burkina Faso e a Coreia do Sul estão a apreciar projetos de lei semelhantes. A tendência abolicionista está a ganhar força nos Estados Unidos da América. Mais um estado, o Nebrasca, aboliu a pena de morte, tornando-se no 19º estado abolicionista nos Estados Unidos da América. Em fevereiro, o governador da Pensilvânia anunciou a suspensão de todas as execuções. No mundo, mais de metade dos países aboliram a pena de morte, 101 dos quais para todos os crimes. 33 países são abolicionistas na prática – o que significa que não executam pessoas há pelo menos 10 anos e têm uma politica de longa data de não executar pessoas. Apesar do aumento das execuções em alguns países, as nações abolicionistas representam a clara maioria. Por esta razão, não podemos deixar de prosseguir a nossa luta e para tal precisamos de todos para erradicar esta prática, cruel, desumana e degradante que é a pena de morte.
“CORRER CONTRA A TORTURA” CHEGOU AO UZBEQUISTÃO! ara assinalar o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, 26 de junho, a AI Portugal pôs Portugal a mexer para "percorrer" 7.514 km, a distância entre o nosso país e o Uzbequistão. Quisemos com este número simbólico fazer chegar o mais longe possível o apelo: #StopTortura. O Uzbequistão é um dos países sobre os quais a AI está a trabalhar na campanha STOP Tortura e onde a tortura é usada regularmente pelas autoridades, para extrair "confissões" ou obter subornos. Há no Uzbequistão celas de tortura à prova de som, e a asfixia, a violação, os choques elétricos, a privação do sono, de comida e de bebida e os espancamentos são métodos usados rotineiramente. Por isso quisemos dizer: basta! Para tal pedimos a Portugal que andando ou correndo se juntasse a esta causa. A resposta foi entusiástica e o objetivo foi largamente superado uma vez que alcançámos os 13.760 km com a participação de 259 pessoas. Muitos dos contributos de quilómetros doados vieram de ativistas de grupos e núcleos locais da AI, associações e grupos de atletismo e desporto como a Correr Lisboa, a Correr Viseu, a Associação de Academia Desporto Futiba de Chaves, o MoveBonus, o Portugal Running, a jornalista Andreia Vale, e ainda atletas de renome como Dulce Félix, Rui Silva e Miguel Moreira. A AI trabalha há décadas pela erradicação da tortura, que continua a ser usada em pelo menos 141 países no mundo. A campanha STOP Tortura, lançada em 2014, realizou várias investigações sobre as práticas de tortura com enfoque em cinco países em particular: México, Filipinas, Marrocos e Sara Ocidental, Nigéria e Uzbequistão. Obrigado a todos os que nos apoiaram nesta iniciativa. 16
Ação de rua em Lisboa em solidariedade com os ativistas angolanos presos
EM AÇÃO
RAFAEL MARQUES CONDENADO NUM JULGAMENTO PARA SILENCIAR O JORNALISTA E DEFENSOR DE DIREITOS HUMANOS
Por Redação AI Portugal
stas preocupações foram levadas pela AI Portugal a uma reunião no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), a 8 de julho, durante a qual frisou que a sentença, proferida em maio, restringe gravemente o trabalho do jornalista e constitui uma violação do direito de liberdade de expressão. Para a AI, a acusação e julgamento de Rafael Marques em consequência do livro que escreveu – “Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola” – foram politicamente motivados e concebidos para silenciar um ativista que se tem dedicado a expor a corrupção e as violações de direitos humanos naquele país.
Para a AI, Portugal deve ter uma palavra a dizer sobre a liberdade de expressão em Angola – o que é tanto mais relevante no quadro do mandato que Portugal exerce, até 2017, como membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. A repressão da liberdade de expressão em Angola está patente também nas detenções de mais de 15 ativistas em Luanda, em junho passado, quando se reuniam pacificamente para conversar sobre a situação de direitos humanos no país, assim como na condenação a seis anos de prisão efetiva do ativista José Marcos Mavungo, em Cabinda, em setembro, por organizar um protesto contra violações de direitos humanos e a governação naquela região angolana.
Rafael Marques foi condenado por denúncia caluniosa de 12 pessoas, incluindo membros do Exército de Angola, na sequência da publicação daquele livro, em 2011, no qual descreve que generais e duas empresas mineiras foram cúmplices em abusos de direitos humanos alegadamente cometidos nas regiões diamantíferas da província das Lundas. O jornalista chegou a ser visado com um processo em Portugal, pelos mesmos generais e empresas mineiras, mas o Ministério Público português entendeu, em 2013, que a publicação do livro estava enquadrada no “legítimo exercício de um direito fundamental – a liberdade de informação e de expressão, constitucionalmente protegida”.
A AI Portugal sublinha que as autoridades angolanas falharam em garantir um julgamento justo a Rafael Marques em primeira instância, e que é imperioso que assegurem agora que serão respeitadas todas as garantias de um julgamento justo durante o recurso do caso, que foi apresentado pela defesa do jornalista a 3 de junho.
A AI Portugal entregara ao MNE português, ainda em maio, cerca de 11 mil assinaturas a favor do jornalista, numa petição em que eram destinatários não só as autoridades angolanas mas também o primeiro-ministro português, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, no sentido de encorajarem o Estado de Angola a retirar as acusações contra o jornalista.
Nas ruas de Lisboa em solidariedade com Angola A AI e outras organizações juntaram-se numa ação de rua em Lisboa em solidariedade com os prisioneiros em Angola, a 29 de julho, a mesma data para a qual estava marcada uma manifestação em Luanda pela liberdade de expressão e de reunião, e defendendo a libertação dos 15 ativistas detidos em junho naquele país. Mais de 150 pessoas responderam a este apelo solidário da AI Portugal, da Transparência Internacional, da Solidariedade Imigrante, entre outras organizações e grupos de cidadãos – onde a palavra “liberdade” se fez ouvir pelos muitos intervenientes que subiram ao palanque montado no Largo de São Domingo, perto do Rossio. 19
PODE O CINEMA SERVIR O ATIVISMO PELOS DIREITOS
HUMANOS?
Por Redação AI Portugal
edição do prémio decorreu de 23 de abril a 3 de maio, integrada no 12º Indielisboa 2015, e teve um júri composto por um elemento da AI Portugal, a Presidente da Direção, Susana C. Gaspar; pela jornalista do Público Sofia Lorena, e pelo cartoonista António Antunes. A presença de um cartoonista no júri pretendeu homenagear as vítimas do ataque ao Charlie Hebdo, no início do ano, em Paris. A concurso estiveram três longas e três curtas metragens de vários géneros ou temáticas: documentários, animação e ficção. Deste universo, o júri distinguiu em particular um documentário sobre os “informadores” durante a ditadura em Portugal, que eram recrutados com o intuito de vigiar para denunciar. Distinguiu-o porque nas suas próprias palavras: “41 anos depois do 25 de Abril ainda há caixotes por abrir, porque a realizadora tomou a iniciativa de abrir alguns deles e de, com isso, nos trazer a experiência dos que viveram, ainda ontem, num estado policial. Porque o medo que hoje espreita é outro mas também existe. Porque a tortura é tão atual no mundo de hoje como era há 41 anos em Portugal.” O júri premiou “O medo à espreita” de Marta Pessoa. Além do vencedor, o júri considerou que um outro filme merecia uma menção especial, um documentário sobre o luto de pessoas após um naufrágio que matou mais de 360 refugiados, em 2013, ao largo de Lampedusa. E justificou porquê: “Foi em Outubro de 2013, é hoje. O Mediterrâneo transformado em cemitério. A impotência de quem assiste à dor, entre gritos e sussurros. A apatia da Europa perante esta tragédia que assim continuará a ser inevitável.” A menção honrosa foi para “Shipwreck”, de Morgan Knibbe. Esta escolha tornou-se mais 20
António Antunes, Sofia Lorena e Susana C. Gaspar, júri do Prémio Amnistia Internacional
pertinente com o recente aumento brutal do número de incidentes e vítimas dos naufrágios que agora vitimam aos milhares pessoas que procuram segurança e refúgio na Europa. A lista completa de filmes, e as suas sinopeses podem ser consultadas aqui: http://bit.ly/Premio_Amnistia_Indielisboa_2015 O Prémio Amnistia Internacional integra-se numa rede de festivais e prémios de cinema de direitos humanos promovidos por várias secções da AI em todo o mundo. O prémio tem um valor monetário de 1.250 euros e é patrocinado pela Fundação Serra Henriques. A AI Portugal agradece ao Indielisboa e à Fundação Serra Henriques a parceria e o apoio que têm possibilitado premiar filmes que contribuem para o nosso trabalho de promoção e consciencialização para os direitos humanos.
EM AÇÃO
ICM 2015
Por Susana C. Gaspar, Presidente da Direção da AI Portugal
encontro ocorre num momento em que o mundo enfrenta enormes desafios em matéria de direitos humanos, como a redução da liberdade de expressão em inúmeros países, um aumento dramático de novos conflitos, mais pessoas deslocadas, impelindo a Amnistia a reagir em tempo-real e a ser cada vez mais atuante. Talvez por isso os objetivos estratégicos da AI para os próximos quatro anos foram aprovados por unanimidade, destacando o sentido de urgência de cada um dos temas. Assim, ficou decidido que a Amnistia Internacional irá trabalhar rumo a um mundo onde todos conheçam os seus direitos e possam exercê-los, onde possamos garantir direitos iguais para todos e em que todas as pessoas sejam protegidas durante os conflitos. Fomos inspirados por discursos de ativistas convidados, alguns presencialmente, outros por via de videoconferência, incluindo Nabeel Rajab, ativista de direitos humanos e prisioneiro de consciência, do Bahrein, recentemente libertado, que falou ao coração de quem estava presente naquela sala, dizendo: “por vezes, poderão não saber o impacto que as vossas ações causam, mas, da perspetiva de um prisioneiro de consciência, posso garantir-vos que o vosso apoio teve um impacto imenso”, mencionando o orgulho por se sentir parte da “família Amnistia”. Ouvimos a ativista síria Yara Badr, que partilhou a sua angústia não só pela atual situação na Síria, mas também pela detenção do seu marido, o advogado e ativista Mazen Darwish. Algumas horas após a intervenção de Yara via skype, recebemos a notícia de que M. Darwish fora libertado, mensagem que foi recebida com grande felicidade por todos os presentes, que puderam, assim, brindar à liberdade. Também Ensaf Haidar, esposa de Raif Badawi; Justine Ijeomah, líder e ativista na Nigéria, o Alto-Comissário dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Zeid Ra’ad
Delegação da AI Portugal ao ICM (da esquerda para a direita): Teresa Pina, Daniela Jerónimo, Fernando Faria de Castro, Susana C. Gaspar e Filipa Santos
Al Hussein, entre muitos outros, abordaram os desafios atuais refletidos nos objetivos estratégicos em debate. Contámos ainda com a presença de Michael D. Higgins, Presidente da Irlanda, que, na sessão de abertura, afirmou ser este “o tempo da Amnistia Internacional”, numa sociedade cada vez mais fragmentada e de tantas pessoas “adormecidas”. Por tudo isto, a AI saiu revigorada deste encontro, após debates construtivos e corajosos, mensagens inspiradoras e muitas ações no horizonte, para que continuemos a escrever cartas por todos os que destas dependem, a defender os direitos de todos sem qualquer discriminação mas, também, a impactar governos e decisores políticos. Igualmente a secção portuguesa irá continuar o seu percurso, contribuindo para o crescimento do movimento a nível nacional e internacional, e a marcar presença no debate sobre os direitos humanos no nosso país, elevando a visão e missão da AI, tendo os objetivos estratégicos como compasso. 21
PROJETO STOP BULLYING: Uma abordagem baseada nos direitos humanos para combater a discriminação nas escolas
Por Nelson Lima, Coordenador do Projeto STOP Bullying
Com base nesta visão, a Amnistia Internacional decidiu abraçar o projeto “STOP Bullying! Uma abordagem baseada nos direitos humanos para combater a discriminação nas escolas” enquadrado no programa de Educação para os Direitos Humanos da Amnistia Internacional, com a duração de dois anos, entre setembro de 2014 e setembro de 2016. Este projeto pretende contribuir para a redução do bullying e das atitudes discriminatórias em quatro países europeus (Itália, Polónia, Irlanda e Portugal), através da integração dos direitos humanos em todos os aspetos da vida educativa das seis Escolas Amigas dos Direitos Humanos (EADH) participantes a nível nacional. ndependentemente de onde se possa viver, do estatuto social que se possa ter ou da instituição que se possa frequentar, já fomos testemunhas de agressões físicas, verbais ou psicológicas continuadas nas relações de proximidade que se estabeleceram durante o nosso crescimento pessoal e escolar, por motivos étnicos, religiosos, físicos, ideológicos ou culturais. Por esses atos discriminatórios, a Amnistia Internacional considera que nenhum jovem deverá, em nenhum momento da sua evolução natural, ser excluído ou tratado de forma agressiva e diferenciada em relação a qualquer vertente da sua dimensão humana, por qualquer colega ou adulto. 22
Pretende-se assim capacitar as comunidades escolares com mecanismos de prevenção e sensibilização adequados, que possibilitem a resolução de problemáticas emergentes relacionadas com o bullying e a discriminação entre jovens em contexto escolar, envolvendo os principais atores envolvidos nessas situações (alunos, professores, assistentes operacionais e assistentes técnicos) em momentos de reflexão, através de um conjunto de metodologias ativas e participativas. “(…) este (o bullying) é um dos problemas que mais afeta o séc.XXI e a vida social de alguns adolescentes nas escolas.” Aluno da Escola Secundária Reynaldo dos Santos Vila Franca de Xira
EM AÇÃO
A ESCOLA É O SÍTIO IDEAL PARA MUDAR O MUNDO
Por Luisa Marques, Escolas Amigas dos Direitos Humanos
Durante o ano letivo de 2014-2015, o projeto focou-se em três vertentes no sentido de potenciar esta mudança: a integração dos direitos humanos no currículo, a governança e a sensibilização para a questão do bullying.
Integrar os direitos humanos nos programas curriculares, é possível? á se tinha feito este paralelismo e está bem presente nos programas” referiu uma das professoras participantes no workshop sobre o tema, na Escola Básica 2,3/Secundária Pedro Ferreiro, em Ferreira do Zêzere, quando foram debatidas as ligações existentes entre os programas curriculares e os temas de direitos humanos. “Todavia, apesar da sua abordagem, existe uma grande limitação em relação aos tempos letivos para o fazer”, foi a opinião de outra professora sobre os obstáculos em tornar esta prática mais frequente. Em todas as escolas a opinião foi unânime de que é possível e desejável esta integração.“A escola é o sítio ideal para mudar o mundo” refere Cláudia Proença, professora coordenadora do projeto na Escola Secundária Dr. Serafim Leite, em São João da Madeira. Informar e consciencializar os alunos é também motivo suficiente para promover a discussão destas temáticas em contexto de sala de aula pois “os miúdos têm grande desconhecimento de outras realidades” (…) precisávamos de trabalhar muito mais com eles (…) quando chegam ao secundário, as personalidades já estão muito vincadas....” justifica uma professora da Escola Secundária Rainha Santa Isabel, em Estremoz. Uma realidade que suporta outra das principais conclusões destes workshops: estas temáticas devem ser trabalhadas em idades mais precoces. Um desafio a que daremos especial atenção no próximo ano letivo.
Participação ativa de todos Uma EADH é um espaço em que todos são encorajados a participar, incluindo na definição de
políticas, independentemente do seu estatuto ou posição. Partindo deste princípio basilar do projeto, foi também dedicado um workshop à questão da governança participativa, no qual se procurou analisar o nível de participação dos diferentes elementos da comunidade educativa. “Como alunos todos temos o direito de estar a par de algumas das decisões tomadas pela escola, especialmente se as mesmas nos envolverem” refere uma aluna da Escola Básica e Secundária de Levante da Maia. Os resultados dos workshops diferem de escola para escola, no entanto é possível identificar alguns aspetos comuns: a pertinência de promover um maior envolvimento de todos os elementos da comunidade educativa na governança da escola, aumentando o sentimento de pertença assim como a partilha de responsabilidades entre todos, ou a necessidade de encorajar os professores a adotarem metodologias de ensino mais participativas que permitam a troca de ideias e estratégias e a relevância de envolver os alunos na definição das regras da escola. Questões a que o projeto pretende dar resposta e que começam a dar os seus frutos: “O que senti – eu e penso que também os alunos – é que pela primeira vez comunicámos (…) Os alunos agora também ouvem o ponto de vista dos professores. E estes, por sua vez, mudaram a perceção que têm dos alunos. Bastou isso para muita coisa ter mudado. A consciência mudou. A comunicação entre as várias pessoas na escola mudou muito.” refere Isabel Costa, professora coordenadora do projeto na Escola Secundária Gama de Barros, no Cacém. 23
A MARCHA DA REAJ
Por Ângela Ferreira, Coordenadora da Rede de Ação Jovem da AI Portugal
suas vidas, gostos pessoais, e até influência que exercem nos outros, como se ser "diferente" fosse contagiante… No fundo, a nossa sociedade ainda continua com alguns conflitos em lidar com a diferença, e perante a falta de reflexão corremos o risco de continuar a assistir a um desrespeito brutal pelas pessoas que são LGBTI, não permitindo que estas “saiam do armário”, originando uma minoria que vive em repressão, com medo que todos os seus direitos lhe sejam negados.
as afinal o que é isto de orientação sexual diferente? É assim tão importante? No fundo não são pessoas iguais a todos os outros? Perante a discriminação que algumas pessoas ainda sofrem, não podemos deixar de ir para a rua gritar e alertar consciências! É incrível como tanta gente ainda é vítima de comentários e atitudes discriminatórias, chegando até a serem perseguidos e insultados por pessoas que insistem em não compreender que Amar é um dos direitos humanos mais básicos, e que também as relações LGBTI têm como base o amor! Apesar de todas as conquistas vividas ao longo dos últimos anos, este ainda é, infelizmente, um problema de estigmatização e preconceito social, que por este motivo representa uma preocupação dentro das diversidades culturais que hoje vivenciamos pela Europa e pelo Mundo todo. O que acontece é que diariamente estas pessoas são vítimas de variados juízos de valor, relativamente às 24
Por isto, é importante educar as pessoas face à diversidade sexual, contribuindo para uma sociedade menos preconceituosa, construindo gerações de jovens e adultos mais informados e integrados na comunidade, abandonando a visão reducionista e mistificada de que ser LGBTI é um desvio. Foi contra a homofobia e o preconceito que os voluntários da ReAJ participaram em mais uma marcha e arraial LGBTI, fomentando a luta pela igualdade de direitos, gritando e apelando à dignidade humana, e garantindo que o direito à família é para todos, e que é importante relembrar, e nunca deixar esquecer que “Amar é um direito humano”!
GRUPOS DA AI PORTUGAL
LEIRIA E OS DIREITOS HUMANOS
Por Mariana Violante, Coordenadora do Grupo 32/Leiria
m Leiria, no Grupo 32, acreditamos que é essencial a sensibilização de mais pessoas para a importância deste trabalho e, por isso, decidimos apostar tudo na Educação para os Direitos Humanos. Na nossa apresentação à cidade, Junho passado, delineámos os nossos objectivos, que passam, sobretudo, por estar presentes na vida cultural da cidade e na educação dos jovens Leirienses, para que possam estar preparados para perceber o que é a injustiça e lutar contra ela. Construir cidadãos conscientes, solidários e activistas significa construir um futuro na cidade com massa crítica para enfrentar e derrubar obstáculos aos valores dos Direitos Humanos que, como sabemos, são ainda demasiados. Esse é um trabalho que nunca acaba, e por isso precisamos de mais activistas – de todos!
No final de Agosto, tivemos a nossa primeira acção pública, com a bateria da campanha STOP Tortura, no festival Entremuralhas, onde falámos com centenas de pessoas que nos apoiaram, assinaram petições e nos deram mais força para continuar. Ainda este ano iniciaremos as nossas sessões de direitos humanos nas escolas do distrito. Tudo se encaminha, portanto, para que Leiria continue a dar cartas na defesa dos valores da Amnistia Internacional. Esperamos por mais Leirienses que se juntem ao grupo, por enquanto pequenino, mas com muita vontade de fazer coisas! Juntem-se a nós! https://www.facebook.com/amnistiainternacionalleiria amnistiainternacionalleiria@gmail.com Texto escrito de acordo com a antiga ortografia
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CURSO DE VERÃO DE DIREITOS HUMANOS DA AI PORTUGAL “Direitos, desigualdades e responsabilidades dos Estados” A segunda edição do Curso de Verão de Direitos Humanos esgotou o auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com mais de 280 participantes na assistência. O programa centrou-se novamente nos direitos económicos e sociais (DES) mas com destaque para as obrigações internacionais dos Estados bem como a proteção de grupos vulneráveis. Por Antónia Barradas, Relações Institucionais e Politica Externa
A presidente do Conselho Português para os Refugiados, Teresa Tito de Morais, centrou-se nos efeitos da crise sobre grupos vulneráveis como os refugiados, referindo que, na prática, obrigações internacionais dos Estados em matéria de acesso à habitação e serviços de saúde constituem uma dificuldade, tendo destacado a importância do contributo da sociedade civil para o possível acolhimento de 1.750 refugiados no contexto da crise no Mediterrâneo – saudou, por exemplo, a disponibilidade já revelada por algumas autarquias para receberem refugiados. Ignacio Jovtis, investigador da AI Espanha, apresentou casos concretos de como a crise tem prejudicado o gozo do direito à saúde e à habitação em Espanha, e de como a lei tem sido invocada para contornar as obrigações internacionais. Apontou ainda recentes alterações legislativas sobre a organização de manifestações como um “dano colateral da crise”, pois para a AI, constituem um retrocesso no gozo dos direitos civis e políticos em Espanha.
Seguiu-se Frederico Cantante, Investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, segundo o qual têm sido os mais pobres –, os mais vulneráveis e que mereceriam mais proteção em contexto de recessão – a suportar os efeitos das políticas de combate à crise em Portugal, onde o investigador refere que mais de 25% da população se encontra em risco de pobreza. Por fim, Pedro Delgado Alves, docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, reafirmou que os DES em Portugal são direitos fundamentais nos termos da Constituição, e que, apesar de terem uma maior indeterminabilidade de conteúdo por estarem mais dependentes da densificação através da lei ordinária, são sindicáveis junto dos tribunais, e têm igualmente consagração no plano supranacional: o da União Europeia e o da própria lei internacional, tanto mais importante quanto Portugal é nesta altura membro do CDH da ONU.
O Curso de Verão de Direitos Humanos resulta de um protocolo celebrado entre a AI Portugal, o Instituto Europeu e o Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
AMNISTIA INTERNACIONAL EXPRESSA PREOCUPAÇÕES SOBRE ACESSO À JUSTIÇA NO CONTEXTO DE CRISE EM PORTUGAL Por Antónia Barradas, Relações Institucionais e Politica Externa
A Amnistia Internacional (AI) levou às Nações Unidas uma série de preocupações sobre o acesso à justiça em Portugal no contexto de crise económica no país, numa intervenção feita a 18 de junho. O representante da AI na ONU em Genebra, Peter Splinter, frisou que a AI “partilha as preocupações sobre a crescente pobreza” que já tinham sido expressas pela Relatora Especial das Nações Unidas para a Independência dos Juízes e Advogados, Gabriela Knaul, que visitou Portugal no final de janeiro deste ano. “O acesso à justiça tem sido prejudicado devido ao aumento dos custos (…) E isto é de particular importância quando o sistema de justiça é chamado a pronunciarse sobre a constitucionalidade das medidas de austeridade que afetam os direitos económicos e sociais”, sublinhou Peter Splinter na sua intervenção no Conselho de Direitos Humanos da ONU. 26
Por sua vez, Gabriela Knaul referiu nas observações preliminares feitas após a missão a Portugal que “o risco de pobreza atinge hoje um em cada cinco portugueses”. De acordo com a perita, “num contexto de pobreza crescente, os aumentos nos custos da justiça constituem uma gravíssima preocupação, já que impedem o acesso à mesma por parte de significativas parcelas da população. A Relatora Especial salientou também que “é sabido que o Tribunal Constitucional (TC) está sob fortíssima pressão devido à fiscalização que fez a medidas adotadas pelo poder executivo a fim de reduzir gastos públicos, e tidas por muitos como inconstitucionais”. Gabriela Knaul recordou que o (TC) português “declarou a inconstitucionalidade de algumas dessas medidas” e que isso lhe foi “mencionado por diversos interlocutores como um importante indicador da independência do sistema de justiça em Portugal”.