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Silva, Marianna Xavier da (1883), Na Madeira. Offerendas

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A sii~çclae modesta dcspretenção d'este titulo é j& urn allraclivo para quem se proponha abrir o livro, mcsmo antes de saber quc cspccie de preilicados o recommendam e que merito possa lisver n'elle para conseguir prender, por espaço c10 algumas 110ras, o escluivo c distraido leitor conlcmpoi~aneo,produelo fatal da Cpoca do vapor c da ~lecl~ricidadc. Ha ainda n'csle livro oillra rnritlarle: é cscripto .pela pcnna dclicncla clc uma scnhora, cm urn paiz


em que as senlioras tecm o cliscreto boi11 gosto de só se servirem das penn;is para enfeitarem com elIas os seus chapeus. Cons~ituiráesse facto excepcional um elemento que dê roça ao livro, e premiari o exito, pro\~cnienle do favor publico, a applicnção cla auciora, o louvavel desejo quc ella tem de acertar, os esforços com que procura, por todos os modos, aperfeiçoar o seu espirito e a esperança com q~ic,a medo, atira o seu nome ao revolto oceano da publicidade? Não ouso asscçi~ras-111'0. O livro da srSaO. Marianna Xavier cla Silva tem, entre outras quulidrides apreciaveis, a rara prenda de ser urna ohrn gci~tiirialnenlcporlugucza. As singclas ~rari.alivasem que a, auctora 110s descreve a Rilacleira, onde residiu por espaço cle alguns annos, corn a linlia pilloscscn dos seus usos, coslumes, tradições o lingoagein, csião escripias em um estylo de uma simpliciclade encarilaclora, ondc Iloreste a espaços, como um doce aroma dc violctns,


recatando-se no espesso manto da folhagem, a sensilsilidacle feminina. São esses contos, pela sua fórma singelissims, pelo seu intuito moral e pelo interesse que se.liga á formosa ilha de que tratam, que constituem a perola do livro. Destacar-se-hia talvez melhor a nota caracteristica, das Offcrendns, (que a auclora quiz preceder do meu nome), se clesapparececem das suas paginas os versos, deslocados, como intrusos, no ajardinado terreno onde triumplianl as narrativas. Emfim, as Ofereizdas são um preludio. Aguarclemos a syrnphonia de aberlura, o livro que liade seguir a prometledora estreia, e em que a intelligonte escriplora, já familiarisada com o proscenio liltcrario, que vac pela primeira vcz pisar, sc apresentará, tenho a cerleza, emsncipacia de lodos os defeitos. Lisboa, 16 do derombro do 1883.

gU.iawat, % ~ ~ v [ m .



O formoso livro que acabo de lor, nasceu da intima allianรงa do uma pastoral do Glessnor com um idyllio d e Florian, tendo sobro os piogoniboree a vantagem do substituir o artiricio por uma vordade adoravel o sirnplcs. Aos quadros dobuxados com fideliclade ndmiravol, d'npvhs natzws, nas paginas das OFFE~~ENDAS, sente-se bom que cleu vida iiin coi.aรงEo do mi~llier:- s8o todos impregnados do sentiinento o do amor;-mas a penna que os trac;ou bebeu iiispiraรงEo e forรงa ii'unia intelligencia osclarecicla o robusta o a'uin suporior osl~iritoclo obsorvac;Eo, Assim 6, que, duranta n loitura do livro do v. , julguei ou aspirar o aroina do um ramallielo sodnctor onde. tivessoin vindo oiltrolaรง:~i-iloroti o ilosso mallogrado Julio Diriiz, Goorgo Sand o Gustavo Droa.


XII

CARTA-PROLOGO

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Que verdade nas locuções !- que brilho no colorido das l~aisagens! - q ~ ~ e singeleza no osty10 !- que santa moral n a simples urdidura d a acçKo!-E, para mim sobretudo, que impress6es suaves, que Iembraiips dulcissimas vieram trazer-me as moclulações formosas das limpidas e frascas arias dos campos d a minha terra! Por isso me liouro em accecler aos desejos d e v , expressos n'um pedido arnavcl e lisongoiro, e francamente exponho a minlia opinizo, que nunca ao amoldou a a d n l ~ ~ õ mentirosas es nem a menos rectas expansões. Q~iantoh introducyilo para o livro, permitta-me v. , que eu transcreva um periodo de rnadame Sand, que o prefacinrzi brilhantemerite, casando-se com a sentidissima queixa archivada a paginas 84 das OFPERENDAS. Escreveu aLi v. : uQuizera que tudo o que nos rocleia fosso terno, meigo, sincero. . . . . mas. . . vejo o despreso substituir a ternura onde ella devia ser mais acrisolada; vejo o trato brusco occupar o logar da meiguice; vejo o indifferentismo onde s sensibilidade carecia do ser sxcessivai a ingratidão avassalla os que tinham obrigapão da ser dedicados; a maledicencia ataca os caracteres mais clignos; e, o que B maior espanto, os maldizentes são

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CARTA*PIZOLOGO

XIII

os qiie rrfais favores hão recebido de n6s ! Como é triste e arido este mundo !» Com isto defronto o trecho seguinte do prologo da Petite Fndette, que Luiz Ratisbonne com tanta raszo incensou : UNOStempos que v50 correildo, em que o mal provem do indifferentismo, dos odios e inalqi~arenças,a missHo do artista 6 celebrar a confianpa, a ternura, a amisade, e fazer assim Ieiiibrar aos descrentes pelo desanimo que os coutumes puros, os sentimentos ternos e a equiclade primitiva existem ou podem ainda oxistir n'eete mund0.x Felicito-a, minha senliora, por tEo bem haver comprehendido esta santa misslo e por tão gloriosamente a ter cumprido.



DUAS P A L A V R A S

Seria Lalvcz conveniente publicar uma especic de oglossarios, onde desse alguns Icrmos usados popularmente na ilha da Madeira e que divergem coniplclamenle da significac50 que no conlinente Ilies damos, ou quc s3o aqui totalinenlc descoi~liccidos;porem, receio quc m e alcunliem de sabicl~ona e dc querer dar a cstc ligeiro escripto uma feição muito outra da quc Ilie perterice. Comtutlo, 6 indispcnsavel dizer algumas palavras para qualquer leitora mais exigente. MEo pozcmos cm as Na~~ralivastanta abundancia de qzles, como usa a gcnlc dos campos da Rladeira, que abusam muito dc tal palavra: dizcndo de continuo-oa que dcsculpea-#tu quc COnlaSJJ((tu que t e as~ciitcs,-«etc., tambem nEo dizem cm geral a ultima syllaba d a palavra casa -por cxcmplo nfui e m ca... de fulaninho;~scslive cnz ca ... il'cllan, etc. Os dois 11 valcm sempre de 111 cm quasi todas as frcguczias; assim, dizem, villru, nqzcillio, uaam muito do j, em vez do z, ou do s, com egual valor,proiiunciando qu?jer; e em oulras palavras supprimem o u como cm acaji; subslilucm por x os dois ss, proiiuncianclo (lixe, Lroirxe; enlcrrur a6 s e cmprcga para os cadaveres dos sercs racionncs, a l i ~ p i l para ' os irracionaes; assim como d'aquelles dizem: a car a ou resto, c a dos irracionacs, atb mesmo quadrupedcs, cliamam bico.


As gallinlias são exclusivamente deiiorninadas- aves, assim, dizem: num caldo d'aue. comprei duas aves*, etc. hrcas cliamam aos quadris; gerne, de que não coiilieco eqiiivaleiite juntam sempre 6 negativa ~juaiid0querem designar a absoluta falta de qualquer coisa. Co~npcçare usado em vez de começar, carapicho em vez de capricho, graxa em vez dc maiileiga ou banlia de porco. Em geral o tratamento B de vds, principalmente entre pessoas da mesma classe. Ponclla cliamam a uma bebida composta d'agua-ardente, assucar e limão, de que fazem muito uso os barqueiros e ùomens de rcde; -grog, B o uomc que dão a um copinlio de agua-ardentc;-Convile, cliamam z i gratificacão que se da depois dc reccbermos qualquer servico, al8m da paga ajustada. Se lograr fazer nova etlicáo, empregarei nas Narrativas maior copio de termos peculiares da illia, e talvcz ei~lãome resolva a escrever o glossario. Alguns erros cscaparain, sendo um dos principaes a pag. 23, nota, onde se repete a preposição da na palavra Fade retro. Para todas estas faltas imploro a benevolcncia dos leitores.


1$ 24!LlHA AliíIGA

D.VIRGINIA AMELIA D E BARROS

Dcpois cle quinze aiiaos cle ausencia, oilcontramo-nos (18 novo. Tiniidas avesiiihas saicles do ninlio paterno, rounimo-nos nmbas rio mesnio collegio, o do Santa Cecilia, pnsa, dcssedentar-nos do clcsejo do saber. No fiin de convivermos ali longo teinpo, cada, zinn de u<is desferiu. o voo crn procura c10 outras regiGos, as c10 amor, que é a vida, inteira, da rnulher, tenclo apeilas para variar essa nota, o sacrificio, o soffrimonto, a cleclicação, T u sncoritraste o amor o a riqiiesa; eu, se n3o achei as riqucsas, sorriu-mc por6m aqiielle sentimento ineíkvcl que enebria a nossa alma e quo 110s aligeira a cruz d a existencin, ainda a mais pesada, fazendo q i ~ oentrcsn1


chadas com os carclos do camiillio se nos c~epareinalg11"aS floriiilias de cor brilhante e mimoso aroma.

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E r a iiecessario que a reunião clo nVs aiiihns, depois de tso grande separac)%o, ficgsse assignnlacla com uru singelo p:~dr30 que a uma o outra recordasse ein todo o teiiipo o intenso affucto que nos invadiu a alina ao abraçari~io-110s. Xós as mulheres vivemos cl'isto, d'estas affeiçCes intimas, cl'este sentir~ientalismo, cleisa-in'o dizer assim, que a iiossos olhos poetiss 11otnc~,logarcs, clatns ! Quizesta que eu, artifice moclesta e li~iinilclelcvantasso um moiiumentosinlio comnicniorntivo d'aqiielle dia de felicidadu, e As miillias evasivas rosponcleste-me apon~aildo para as ligeiras procluc~cieu aqui e alem dispersas, e que agrupadas darisin m a t ~ r i a lpara a obra. htravez do prisma d a aiiiisncle afigurou-se-te do marxnoro finisuimo o informe bloco, pczrocerarn-to coloridas e irisaclas flores, estas paginas estnaecidas. Iluito da proposito simulaste nX0 vvêr os erros e defeitos que por todos csscs escriptou av~iltain, e quando, satisfazendo os teus ílescjos, te apresentei o que devia ser livro, acolheste-o coin a singular benevolencis, a santa alegria o a oscesuiva gouerosidade das almas supe riores.


Assim a critica soja bencvola descnlpando-ine a ousadia de aproscntar-mo n a imprensa sei11 meritos de poetisa, ou prosadora, attendendo só It idka qiie prosidiir B l~ublicnç%# e s t e livro. Referi-te a origeiil d'estas paginas, coilvein por6m que n exponha :i leitora para i?3o mo S L I P P O ~ vniclosn. Nos iilomcntos cle ocio, e digo mornciitos gorqiie a sesl)"to de lioras poucas niulheres a s disfractam, sobre tudo qunndo absorvo os seus dias o os s e ~ i scuidados ii, cloco tarefa cla inatorilidade. N'esses ~noinciltosdo clestrinco, dizia, ao pensar n'uiiln pessoa do miiihn fainilin oii de iiiinlis atniundo, lançnrnin-so fugitivnmuiitc ao p,i1x1, para offcrtar-llios, m~iitoaclos escriptos q ~ i ov30 lersu, alguns cios quaos virnin a luz piiblica nos periodicos cln Madeira, ondo niiiitos ailnos rcsicli. Eis egualinente expiicaclo o motivo por quc ao livro dei o titiilo clo OFFEI~ENDAS. Qiiizesto mais acccder no dasídLjoqiie manifestei do dodicar aste trabalho a outrein quc n%ofosses tu, para qn~; poclesse ao lado do teu nome fig~iraro de nin clo rneas irrubos, comme~norczniloassim ii'estas singelas paginasp duas das mais verdacleiras e intiman ainisados d a ininlia vida. Lisboa - fevereiro clc 1832. Tiia dsdicsda

~.ba%ifll t~za.



ESPERANÇA

Ao brilliar rla lua cheia, que ondeia, por sobre o iiiar praLe:ldo, vB.so um barco dcslisar e a reuiar um innnccbo contristaclo. Quem ser:\ que ali s6siiih0, no barcluinlio vae t.50 triste a rneclitar ? Puclia os remos, feridu a vaga, e da plaga vac distalite navegar.


Quem serii? Ouvi n voa que cllc a scis nolta B brisa quc esvoaรงa Serno cantos de vciitura? Dc tristnrn ? Scrzo cnrmcs dc desgraรงa?

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entrc o ncgrunic cln noite, ciilbora o vcnto 1110 a p i t o n fricc, o as ri,jan lufadas do copioso aguncciro, sobre as vcstes jti molhndas, lho gnlcm o corpo inteiro ; ciiibora, r~ij:to trovzo coiii o seu estalar hcrrivcl, e , na rlcnsa cscuriil20, so torne o raio visivel, inclo clistante cair no adusto roblc curvado, n?io trepida; sc luzir, entra as sotribrns, n'urii eirado, v6 a luz, que ilenuncia n casinlia 1iospit;lleira; onclc a nieillc presngin vasto luino na larcira,


repouso nos mcmbros canรงados c10 boa gente os cuidados que o cerquem ali; entiio, ergue ao c60 os ollios seus, e fervorosa oraรงno sol ta por ter crido em Dous. u

Eii sou qual o viajante, tanho esp'ranรงa no porvir ; embora milito distante, a luz amiga 11% de vir.

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HORAS DE ALLIVIO

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Er."'"r."

D. IIIilllld DO Ci1RILIO VASCONCELLOS

O ciutue n a mullier B qual modo nos fracos. Vae O viajante desternido caminhando palas serras o desfiladeiros, alta noite; nEo lha pesa que a cscuridto o envolva, qiie baloucem os galhos da arvore, que sussurre o ~inheiral, cicie a aragem, pio o agonrento 3 mocho, regouguo a raposa a s t u t i ; scgne o seu caminlio attentando s贸 n'olle, com o, ponsamento entrogiie 4s suas crenpas, affei莽玫es o11 negocios; o o aniiiio clesassombrado ! Ap贸s ellc segue o viageiro inedroso e pusilanime. A noite escura nssustii-o, as trovas fazeni-no tremer; o rairialhar d a s franpas afigura-sc-llia rumor clos passos d e geiite mal intencionada, o ondular clau arvores, vul-


tos que se movem; os troncos, phantaçn~asque o esperam; as pedras grandes a alvejarem tcniieinente aqui e a l h , almas do outro mundo que em paradas o aguardam. Alonga a vista para os mnttos com receio lhe surja d'eiitro elles algum IadAo, alg~iinassassino, algum lobis-homem. Desconfia de tudo; tudo teme. O pio do mocho &-lheagouro; o esvoaçar de qualquer ave desperta siquellas horas, sobresalta-o; o grito da raposa toma-o pelo uivar do lobo, E tremem-lhe os membros, vergam-lhe as pernas, batem-lho os queixos, rangorn-llie os dentes, latejamlhe as foiites, dilatam-se-lhe as pupilas, acelera-se-lhe o pulsar rlo coraçzo, agita-se-lhe todo o organismo. T a l como elle 6 a mulher ciumenta. Tudo a assusta, tudo a intimida, tucio receia, de tudo treme. Nas coisas mais naturaes que a outrem se façam, v ê provas de amor; noa acasos, vê propositos; ns, que é desfarce, á s vezes para seu proprio bem, vê paixão ... N'uxn olhar de curiosidade, affirma e teima que houve ternura; na saudn~iio exigida pela, delicadesa, supp0e declaração de sympathia; um aperto de mllo cerernonioso é para ella um signal para qualquer fim; encara, julga, avalia, quasi todas as cousas pelo contrario.


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IlOltdS UE ALLIPIO

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Os zelos na mulher 5x0 a sua chaga incuravel, mas chaga ulcerante. Que fazer-lhe 3 Se o Creadoi a formou assim!



NARRATIVAS MADEIRENSES A i체EU

IRBIBO J.

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MARIA XIIVIER DA SILVA

6D rrnynzimlio dra Loi~nlilctiln

A Lombacla clos Esi~oralclos,Jd o disse u i n a vez o repotil-o-hci, agora o scmprc, 6 a perola c10 concelho da Ponta do Sol. k propricdnde bein coiuo o vasto terreno qua tem aqucllc nome, do Conclo do Carvnllial opulento fidalgo niadeirense. Foi a Lombada dos Esrneralclos crtXo celebre por oinoiue como por fama pclas muitos assuc:Lrcs qiic n'ella I Ila liiigungcrn rallntla ~ i c l o s 1inl)itaiitcs das Irrgi~cxiosiuracs rln Il,~tlrir:i.c ii'nlgiiiis do scus iisos c costiiii~cs,Lciittrmos ii'cslcs c ri'olitr.i~scsci'iplos (iliic nein lodos v50 ~ ~ u b l i c a d oii'estc s livro) (lar iiiiia 1i;roiia iilda a s Iciloras r10 coiiliiiciilr. S51i Iruclos dc ~ I g u i i i a siiolas tuiiiada; duranlc a nossa loiiga rcsi첫cncia ii'atluclla ilha.


cso reco!hem qiio foi aniio em que deu vinte mil arroabas cl'clle, a qual Lonibada o capitam tomoii para aseus filhos o depois correu taes transes que agora nennliiim cl'e!les a ~ O S ~ L Ipor C so dividirem c a veric~erem <-horarip de R ~ l iGonsalvcs cla Camara que a aforou xa JoEo ICsmeraldo fidalgo flaincugo que n'ella instituiu ctdols iaoi~gaclos.I) 2 NZo longe da epreja qiie se cleva sobre uin vasto adro coin espar;osa c alta escaclaria cle peclra ergue-se o palacio, vclho solar dos niorpclos de Santo Espirito q t ~ coiitr'ora tiiiha i~iaiade oitcnta escravos, entre inouros, niulatos, ilegros, negras e canarios, aincla lioje Iiiagestos0 a querer luctsr com as r~iinasque o anlcaqain de perto. Niio hn casal q ~ i sn:lo tenha um jarclimsinlio, onrle, quasi iein cultura, clcsabroc11all-i o se osteiitam ao sol espleridoroso da Madcira, as rosas riibrns entrelaçadzs com inil tiges ein que so baloupa, perfumanclo os aros, a rnadresilva (10s antigos nainorados. N'rim do? sitios mais pittorescos alveja a capella, do Espirito Santo, fundada ein 1808 por JoEo Esiueraldo; tomplo elegante i10 exterior e clecorado da bcllissiinas imagons e ricas obras de talha do portas a clentro;

'

' Joõo GonçriiJes .arco

d a Caniara

tari! cla illia da Blatleira. Pr. Ciospar liruclui~so.

1.0

desciiliridor c capitiio dona-


capella que muitas fregiiezins da Macleira desejariam possuir para egre,ja parochiaI. .

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No anno c10 187 fui passar o verao para a Loinbadiz lia choup:iniaha que havia pouco clcixdra de ser habitada por ui11 sacorclote digi~issiilio,ainda lioje cliierido pelos Iinlitantes cl'aqticlles casaes, o por quem ainda chorani. E n찾o julgiieru que o digo ri~ctnphoricaiiicntoo ~para i arredondar o periodo: presenciei em inuitas occasiCcs, os cainponezes a q u e lia Madeira 630 o feio nome de uill천ss o .~.illuas,vi, repito, chegaroin as lagrimas aos ollios do muito lavraclor probo, o de muita Iavradora sisuda e lionesta, quando sc Ilics fallava c10 sciihor 11adre ciira, o revcreiido Luia Quiroga. Eram lagrimas de iiltin~nsaudade, do iildclevel gyaticl30, pelo digno iniaistro do Senhor, tao escellcnto padra corno boin filho tem sido se1upl.o.

Passava todos os dias por defroilte da niinlia porta, & liora ein que as avesiiilias entoain scns pririiciros hyinnos, quando o sol nasce o a natnresa revive, uin rapazinlio dos se~isq~iinzeanilos, q u o tisava pai.:ir ao pii


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OBFERENDAS

da casa para lavar a cara na agiia d a levada, de Entre-caminhos, que corre limpida, junto do jardimsinho contiguo. l habitac;Eo. Succedeu em uma das manhIs formosas de agosto que ali passei, estar 9, porta uma das villoas minha visinha, na occasi2io em que o rapaz tratava da obluçEo matinal. Quando elle voltoii costas tomando pelo caminho do JangZo, a visinha disse em TOE alta, som se dirigir a mim, mas provavelmente com muita vontade de o fazer: -Coitado cl'aquillo! j 5 nRo tem L ã o nem pae! -Ha muitos assim-respondi, fechando as Rosas Pazlidas, inimoso livro de D. Guiomar TorresRo, publicado recentemente. Conhecêra o clesejo da mulher em querer conversar comigo, e quiz onvil-a. Deiwlhe .a co~zJimga,como 6 uso dizer nos campos, em casos identicos. -Ha sim, minha senhora, acucliii prompta ao reclame a cilloa; mas aqaelle! Coitado cl'aquillo ! foi desinfeliz quasi Li nascença. A minha senhora é Id de fora da ilha de Lisboa, disse-me o moa velho 1, nHo conl~ecc aqui, nem gerne; eu 1110 conto 4 minha senhora a

d assim qiie na ilha da AIadcira a mullier trata o marido e viccvcrsa, [liler na presença cluer na ausencia. Sara evitar maior numero de iiotas aclvcrlimos cle iiovo que a linguagem I: egual a que usam os Iiabitantes do campo.


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NARRATIVAS ~YIADEIRENSES

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Iiistoria cl'aquelle rnl3azinho a do pae e da m%e... que a do triste é ir ajuntar alguma gavelinlia dc comar p a r a a rez o arruniar inalhõcs c10 ti Claudio Rabolla, em casa de quem cstd, quando n gavcIa n5o O grande, ou quanclo o pequeno toin fome o n%o se contenta s6 com uma garft~dinhade coives c0113 11111 pé cle inhaine, uma batata 011 uma seinilha oxtreme I. Abeirei-me do niuro e sentei-me n'tim dos bancos da pedra q~10deitam para o caininho. A rninhs intcrlocutora clisse clnas vozes o usual ((com liceilpa da senhora)) que 6 fasticliosamerite rcpcticlo em quasi toclas as frases da gciltc (10s cqinpos, a sentou-so no chto, tendo proviainente reparado se haveria por ali algum ((matton que lhe pozcsse pecha n a saia de 1% de riscas azues, ainarollns o cscarlaies, fiacla, tecicla e O que mais é tinta por ella, com Iicrvas do cainpo, com tonta mostria que lhe nKo mcttom inveja os ti*nballios de tinturaria do Mr. P. Cairibournnc, annunciados pomposnmcnte nos jornaes o nlmanaclis. -A senhora vigia cl'alii, aquella vista a16111 B bancln de riba d a cgroja, onclc astb um piquinho cheio de pereiros 2 Qiiando nahIaclcira se cinprcga a palnvra nljatata,~cnlcnde-se ue E a b d a a <loco, c qiic constiluc iiiii dos priilci~iacsalimentos ùn e a batata cominum clinnia-sc so)nilha, c 6 ali merios vulgar e mais cap do que i10 coriiiiiciite.

e


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OFFERENDAS

-Vejo, sim. -Ha 14 uma casinha c10 colmo. -Todas as casas que vejo estilo cobertas de colmo. -& verclade, é ordcm do senhorio; aqiii, na Lombada, nilo ha licenr,a do sr. rnorgaclo para fazer casas de telha. Abafadas de telha 56 a egrcja e o palacio velho ali alén~, e a casa I4 em riba, c10 Sr. morgado d o Jangao o Sr. Agostinho. -Isso cntXo porque é ? -Eu sci, senhora ! SZo coisas de outro tempo; nem o Sr. conde, nem o sr. morgado foram d'essa idéa; aqiiilho jii foi impribido pelos ficlalgos antigos, ,a ~ 1 t Iioje 6 ainda nK0 horive l i c e n ~ aem toda n Lonibada. para ningueni. A casa que eu digo esth abafada clo novo e tcin clutis iiesproiras grandes n a portada. -Vejo, rejo. -Ali morou em solteira .z inHe cl'aquellc rapaz, a Naricas do tio Teixeira. Ern bonita ~ U nem O uma iii~agem. Era ~1111 gosto vê1 a. E oiro quo aquillio tii?lial Era contas, cordFio, laço cadeados2 tudo bom. M~iitosrai hlorgado do Junpão é o digno Par do Reino o sr. dr. Agosiinlio de Ornellas, que tanilicm na Loinbada possue diver~osterrenos, uma Boa casa c unia capella com a invocnc3o de Nossa Srriliora da Pirrlade; aitm d'esle tem s er.x mais inorgados cm outros ponlos da illia. Os camponezcs da Madeira, mtlsmo na ausencia das ppssoas iis tr+m por senlior ii exccpção das que con~icleramseus cguaes ou in..

feri?ces.

- O que chamamos brincos das orellias.,


pazes a clncriain ; ellx si, gostava de uiu, e o pae do nenliurn. LB a sua ncjiiclla era quo a r,zpm-iga liavia do casar c0111 um lavraclor bem ~ i c oe que tivesse mais c10 que elin. A ii~ullicrdizia-lho ás vezcs: -E se a iíI:iric~lrnr?o gostar, ineu velho? -Quer goste, cliicr n8o gostc, aiilcln te11110 uni arco de cautanlieiro para Ihc desaiicnr as cadcirns.

-Uin dia, pd:~ITestnt, coiltinuou a iiliilha visiiilia com aq~icllnvolubilidarlc no f~tllnrqiia bem clciiiincín ((a pura ib:i;:~ do algnrvios» de q ~ i odcscei~cle,11:~ siia nlaior parto, a plobo i~indoirciisc,se bcin que ostcs d a Loiiibntln, scjn~utiilos pelos das oiitrns froguezias coiuo clescei~cleiltcs c i i ~geral dos ii~oui.o.rG 0scrnv03 coni rluc JOZO Esinercildo e soiis herdeiros povo:lratn n v:lst:i, Sesmnl'id c o ~ u l ~ a c aos l a Cainnrns. Tanto nssirn que ainda hoje B irijiirin clintiinr-lhes o s c ~ ~ p t i u odo s Loniòc~tlc~. -Uii1 din, pela fcsta, continoii n villGa, qua C o tcnipo rlinis alegro que a gciitc tcnios, o qrinndo briilcai.ilos mais, cst:iva o ilaiiiorticlo da hlnricns ali alCm, B porta n tocar n'uiii raj2.o 2 e a trovail) quauclo o p a o vein

' O Xatal. ' O rajlo c o inacliete rlo .Craga são uns iiistrunientos peculiares


l i de dentro da cosinha e cornpeqou a brig,zr com elle, dizendo que nZo queria que lhe botasse trovas h filha, que queria mais patacas o menos cantigas, e que tirasse o sentido da rapariga, q u e n8o estava ali para nenhum trabalhador somenos, sengo para um lavrador que tivesse arranjos. Dito d e ch, dito de lá, acaji que investiam: o que valeu B q u e passou o sr. juiz das levados e os acommodou. Feio homem, Deus lhe perdoe! A rapariga, essa chorava, q u e e r a uma coisa!. No outro dia o pae disse-lhe : -Vigia, Maricas! se o P s d r o dos Zimbreiros torna a apparecer aqui na portada, ferro-lhe um tiro n'elle, e em ti dou-te um malh?io. Vigia lá, o que fazes! I-Iomem para ti jd tenho, nFio faz mingua aquelle reles. A senhora me defictilpe. Passado urn mez, a Maricas arrecebia-se com o Fi~anciscodo Bosario que emprestava dinhoiro a pre. mio e tinha mais de um alqueire de patacas, como'a olles disiam.

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Nunca mais riu a Maria d a Calqada, sempre triste, que fazia pena! O marido dizia-lhe para a acompanhar dos campos da Madeira: raro 6 o vilão que não possue um d'elles ou ambos e que os não saiba tocar para acompanliar já osirn: rovizos e cantigas ao desa[io, a que chamam trovas já as xacaras e [istorias em verso a que chamam arengas. da gente


:i8 roinarias. L&liada ! Ella virava-lhe, com licençada scnliora a s costas e... busio. Uill clia era j6 sol nado, a Mkricas i ~ appapecia o 1):~ra O almopo, procurarain-n'a, ninguern a encontrou; o ruiirido tinha icio cicb~ilharuns trigos, o pao não lhe dcu cuidado; alla costumnva ir aos tnlos de inbnine para n rcz lobo CIOiiiniil~%, C ficava por 19 horas esquecidas a vigiar para o xnar. l2llcs diainrn qiio ern olhacio: j,Z a, tinham benzido, iii:is f6rn o i~iesinoque nada. Scc6 estivesse ainda o sr. padro cura, n5o a lienziain, IA nncls ! Olhe a minha senho~ilioi~n, o si. padrc cura clizia quo as ~null.icresqua benziitili oram somenos, o quando a gente perdia alguma cwit;n o fallnva or11 ir tcr com a, tia Jristina Pestana, que (lciln cartas 15 lia Ponta c10 Sol; e a casa de quem vão :~ti1:algil~nasíicla.lgas da villa, ello brigava comnosco a iiiai~inzo l~oclcr,a senhora O qtle diz ? -Aclio qiio o sr. pndro Liiiz fazia muito bem em a ncoilst:lli:il-as s qilo n3o desseru credito a tacs einbustiCCH; 113:i8 var~ios liistori,z. -A sonliora, ~ L I Ofayn favor de osperar um rtaclinha, t\inquanto vou por o inhaine lia tampa a esfriar e coser i ~ i i i :coi~icluita ~ cle atum para inandar o almoço' e o jiLilini no inoir. voiho cluo anda nos carniilhos; a ceia, $0 NOABO S ~ n l l o rq~i,jor,vai SCP u m nadinha de milho com coivc? quo i: do que elle gosta rnclhor.


Aproveitando 21 auseucia da iniilher, sai atb o Pico da Amendoeira, d'onde se avista um liildissinio panorama, e quedei-rne tambein a olhar para o luar, q110 15 ao longo estendia as vastas aguas, illnilliilaclas por iim sol forinosissimo de aposto. Passados instantes regressei, e a narradora viillin tambcin chegnndo & porta coin uma cesta, na inzo. -Prompto, disse elln pousando a cesta no chno -o Xabido n8o tarda para ir levnr o comer ao meli ~ e l h o . A sonhora h n de conhecer o Xrnbicln, ello anda. I & ein baixo na escola: arluillo sempre ĂŠ sahiclo ! As artes que olle tem. .. Ah, feio pequeno I -EtitCio ngo acaba a sna Izisto~ia? -A iniilha souliora que ospare, fapa favor, de r n g z r se vae ao longo, coiilo clil-o o outro. Moniontos depois chognva o 8ahiclo & porta do casal sssoliui~douin tailgo que a philarmonica do Camara de Lobos tochra no anno antecedente na festa do Livramento, em que fora thesoiireiro o JoĂŁo .da 12elva da LomlSada. Se a gente cl'ali lesse este fofolhetirn, c10 certo que nĂŁo deissriam de sorrir ao vBr o 1101110 do rapaz que elles ciirisniaraiu de r5Libido 0m lctpa rccloilda.


-P6ga e caminha, disse a, villoa, vigia n"u t e detcnhas a rotoigar com os outros rapazes. -Qual rctoigar, senhora ! amecê estzí zoiubando? ELIqueria inesnlo levar panclime do ti Antonio !. E alii vac o Sabido. Atiro~i~ i u apodra ,z iim «cachorro)) que lho passou ao alcarico o correii por n estrada f4ra arremedando ein cni altn voz o iiioçlo de fallnr c10 Tonto: ctEii fui d j'onta Dclgacla beijar o pé no Scnlior J c s ~ i s s E desapp:irccea. -Vaet'nrrcq~ie Sntido, ainda nho vi coisa assim. E sentou-se a rir a iniriha, visiilha. -A sorilioi~a cst:l onviildo? A Maricas na0 aliparcccu n'aqucllc clin, nem no outro. Elleu disseram qiio na vcal~ei-aclla npaiilil'ira do niaridu, que bobia o sou. grog~icsitiliobem bom, o dava panijuisso nn mullicr, qiie era urna coisa Ao cnlio do qiiatro clins corrcu na frcçiiezia a noticia que &Iaricas oinbarcdra para Dciilcrnra. O 1100 nEo qiicria acrcditai, a, in%e teve uina frciilia que acnsi morria u aC4 proinctteii ir ao Sclilior J c s ~ i sdo l'ont:~ Dolglicla, se a iilhs apparoccssc.

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' Euyircss%opopiilnrissiiiin c!m todo o coricellio [lu. L)ont:i dii Soli'ai.Lc arrcqiiu siLrniiiira cr~i'i'kipti!lla tlc I'~liletlc wlr'u? Igiioro, iii:is siil)li~rilio-o; o ccilo 6 (lu" ç~s"alaiiáo só pclos ca:iilioriezcs iiins tailriiciii pcld gciita niais illustrada.


Mas qual! A Maricas Aio mais voltou.. A mle o que fazia era attentar o marido dizendo-lhe que elle 56 e que era o culpado por casar a filha tLo novinha coin um homem de quem ella nLo gostava; o pae raivava a saia de casa.

-Um dia, tinham passado dez annos, O marido de Maricas .morrera dois annos depois d'ella desappâreoer, com uma bebedeira de aguardente : veiu uma carta para o ti Manuel da Calgada. N'aquelle tempo n?io havia ainda isto que chamam vapores, nem esta historia do fio; que 11s poucos dias fizeram e que o sr. Nuno da Ponta do Sol, disse quer era uma coisa muito boa, porclue falla para toda a, toda a parte : aquellc Sr. Niino é ministraclor ha muitos. annos G Q bom C& para a gente do povo. E a mLe S aquilho 6 uma santinha, como dil-o o outro, s elle 6 amiguissimo d'ella, em a tendo em casa, nLo parace 0, mesino. -E verdade, é, mas diga-me o resto da historin, que desejo ir almoçar. -Eu digo, a senhora que oiga. Veiu a carta, e o ti Manuel tremia que fazia d6, foi procurar um sobrinho


NARRATIVAS MA DEIRENSES

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que andava aprendendo com o sr. Profirinho 18 da villa e deu-lha a Iêr. Aquillo era chorar, que foi uma coisa ! Chorava 0 pae, a mãe, os moços, os visinhos, tudo o que ouvia. lêr a carta chorava. Era da Naricas; estava ein Demerara, casada com o Pedro. NBo podendo soffrer o marido, e clesinquiotada por uma amiga, fugiu para Demerara ; ali andou pricneiro a servir em casa do um o outro, até que quando soubo da mortc c10 inariclo, fez tengzo Clc voltar c8 para a ilha. Acloeceu, e lembrando-se da amisade quo o Pcdro lhe tinha, escreveu para Barbiça ', ondd ello estava, clizendo-llie que GcBra viuva e só, n'nquella terra. O Pedro largou tudo, e veiii ter com clh, que passado teinpo estava cTe sande, e casaram-so. Agora é que isto é mais tristc seilhorn! Mandou ella pedir pord8o ao pae; que ji de ha muito lhe havia perdoado, e dizia-lho que no primeiro navio o vinha abraçar com o seu Pedro e um filhinho. -Todos os dias o velho e a velha, iam além para aquella vista vigiar para o mar, h cspcra do navio que Ihes trouxesse a fillia. O sr. padre Luiz jA uma vez contou ti hora cla missa, que 0110 scinpre fazia fallas ao povo, para bcm, C jL sa


sabe, uma historia assim de um velho e de uma velha, quo esper:i.\?tim por iim filho, niio mo alembra agora, O nome parece-me que era Mathias Tobias, i: quo havin do ser. -fi verdadti, 6 ; isto quem sabe ler, sempre d tims prenclii! ELIainda conipecei a aprender, depois casei; casastes, escravisastoà-te, como dil-o o oatro.

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-Teu@ vez. Um dia vieram dizer ao ti Uanel, que chegavn s filha mnl'o genro, em um navio dos que andam d'aqui para DernoraraIae de 16 para aqui, Olho a minha senhora, que é muita ,z fhmilia ctt da ilha qLI5 vae para aquellas terras. H a annos em que vFio mais de dois centos de pessoas: I& tinha eu tambern dois irm8os o urna irmz. -E que v30 fazer para ld? -Eu sei senhora! Alguns teem trazido umas patacas, a ent3o os outros maginain que hLo de enriquecer 14; mas quantos vtto depois de venderem o que por aqui tinham para a passnge, vivem por 19 pobres o nunca mais, nem ao menos mandam escrever. É tima cegueira Deus me perdoe. Eu ir para Deinorara? Lh nada! aqui fui nada e criada, aqui hei de acabar a vida,


n Deus cluercr. O ti Manuel, qunndo Ihes clerarn a ilova que n 1Inricas estavn na cicladc i1Zo c,zbia cri1 si cle conicnte, n r n k qiinsi ~ L I Oeutu~ltacia:-Fornni logo para a cidacle. O Peclro juntarn alguin dinheiro a vinlin comprar umas buinfoitorias, que terra c10 cliziino 3 Detis, 6 coisa qiie ii?m se nchn na Lombacla, neiii gkrne. Aqui 1130se compra o terreo liem por bons l~ntncns. --M%e, A 111%e, tcnlio foino, bradon iiin vilZosinlio vestido agoiias coili unia cniiiisa que chegava nos l~eso um colete muito cuniprido a qiio cli:iiiiam vcstia. -Tu que espore~J O ~ ! Ancln O nqvi para o i ~ i ~116. ir O rapaz; vciii e ,acocorou-se ao pé cln iii3c olhnnclo de scoiifiaclo para mim. Felizmonto tinlia n'aqiiolla occasiZo uns biscoitos na algibeirn o atirei-os ao pequciio, qno se lancri~ia clles coin :ilrgi.in. - òInito obrigacla h seilliora. Fn.~aum cri:iclo Jo5o. JoKo ~ ~ V O I aI li130 nbeiita A boccn cm ncqIio do hcijnr a paliiin abxisanclo ao niesmo tenipo a cnbeyn. -Ajui~ta os cloces, j6 teris com qiie qiicbrnr ojejutu: -disse a nino sorrindo dn gracinlia do poilu~iio:clepois continuou : Este cá afilhado do sr. l3elicinno Teiseirn; n uiialia sorihora 2incle conhecer, Aq~iillo6 que ó uma boa

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pessoa. Tambem digo Q senhora que, nto h a muitos com'a elle, quando nEio faz um favor, é quando masmamente nao p6de ser. Elles dizem que tem uns filhos IA f6ra 110s estudos, que sabem muito. Cd n a cidade osth um que B o sr. conego d a SB, jd aqui tem estado na Lombada, a senhora hsde conhecer, é um padre de muito respeito. Conheci-o, e r a um gorgulhinho com'a este- e indicou o filho -muitas vozes os vi pela mão da criada a J o ~ e ~ h i n h aque , levava o outro ao c0110 o menino JoBosiriho e que dizcm que, já esth aquagi doutor. Tambem poucos merecem que Deus os ajnde como o mou oompadre O Sr. Felicinno. T U gostas do padrinho João? O rapaz riu-se, e disse que sim tres vezes com a cabeça. - Elle quiz que osto meu crianço se chamasse Jogo por ser O nome do filho.

Vigio n minha senhora a alegria d'aquelles pobres, havera a senhora ouvir a Zabelinha do Palame que estove d presencia. Ai, filhos, filhos I S6 quem os não tem é que OS 1180 eatima!


O pae, a mle, Peclro, Maricas e um filhinho arranjaram o seu governo e rnarcharaiii para aqui. lietterain-so n'uin barco da Calheta que os havia clc deitas no Logar cle Uaiso, e s~ibiampelo camiilho do Luzir20 para o casal. Os barqueiros vinham contontcs do bebida, com Iicenga da senhora, porque o Peclro deu-lho poncha a hrtar; nias vinham contentes cle mais. Ali na Poilte da Cr~ie,a senhora sabe aoncle é -n'aquella ponte aonde quando se passa todos tiram o carupi1ç.o ou O chapéo para resar; ld mesino o barco cleii n'nma Laixa e abriu, Quatro Iiomens e cluas inullicres foram-se logo. LI, sc foi o Pedro. A Maricas, por via cla saia ~ L I Clevava vestida, aguentou-se il'agria um pouco aboiando e erg~ionclorios braços o filhinho quo s o ~ r i a - coitado cl'nqiiillo ! Afinal foi afundhudo e por ultinio s6 so llio viam os bracos de fora cl'agua, a p r r a n d o aiilcla a crjaapa. Uin homem que estava nas suas sinas c que ailaclnva para ella, conscguiii desapegar-llie as iilKoa do piqucno e salval-o, eni inentes o mar o não Icvava tninbern. Diz elle que lhe parecia ouvir clebnixo cl'agna a voz cla mão pedindo qno lhe snlvassein O filho. O lioiuem ndanon para umaftirnn, porcliio ali lia muitas, e esperou que chegasse outro b a ~ c oque orccolhcsse,


O pequeno, coitado d'aqnillo, o que fazia era gritar pela m?ie e dizer que tinha frio, e que qneria aglia. Coitado. do triste. O t i bEailuel perdeu o siso, ficoii tonto do todo, a iiiulher tambem se afogka; O casal para ahi ficou; as bemfeitorias passaram para outro dorio, o rapazinlio dizem elles qiie tem esse dinheiro na arca dos orplios, mas do que lhe serve? O titor, o ti Itntolla, ha Se ter artes para lho tirar todo. Alii se tem criado, Deus sebe como. Eu nunca passo por aquellc sitio que a20 esfrie toda, que ncni rocha da ribeira, e reso sempre um pndrenosso ao Senhor 'Jcsus dos Nilagres por alma ile tantu5 que ali tem morrido sem padre, nem sacramento Agora vigio, a sonliora a modos que tem os olhos chorosos. -EntZo queria que me risse? -L4 nada, senhora, o caso não B para isso. &Ias, minha senhora, se tiver illglim trapinho vellio do sou senhor, dê Bquelle pobro que estd bem carecido. Sem iu%u, neril pao! Deus Nosso Senhor clê melhor sorte a este pola divina misericordia e a Virge do Moilte, clue E! a in8e de nós toclos: E apcrtou a si o filho, traduzinclo em um fervoroso beijo todo o seu amor maternal. T i ~ ocerto E! que o coraçzo da m3e & egaal em todas as mulheros.

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Madeira- 1678.


Mテウ E FILHA

Vi

uiil c1iapi.o tao boilito h tiicninn que passava, ~ L I Oso CC" tivcssc dinliciro, coiii ccrtcse cliie comprava iitn cgnal ao sou... Doixnvn ? Dcixnvn mniii8, clue on sei, bom vojo 110 sol1 olhar. J:Z 1130 picciso mais rinda pnrii, canz a110 contar.


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OFFERENDAS

e o tal chapéo i'abas largas de sotim cor de roina,! E... as minhas botas novas quo o pxpd mandou fazer? Fica o pó t8o pequenino, tão gentiI, tXo airosinho que i: mesmo um gosto... Vae vêr ! -Sou das minhas companheiras do collegio a mais bonita: -Como tu vens bem vestida! Que bem te fica essa fita!Disse-me um dia, mui triste, a filha da dona Eita. Ella que 13 feia s valer, não havia de chorar! Que servo o muito enfeitar se o nosso espelho nos mostra uma cara de aterrar? E se chega a ser senhora fogem d'ella, nzo é certo? Pois tendo a cara tão foia ninguem a quer vêr de perto. -Has, mama, porque essas lagrimas a vejo verter assim 3


SEo d e enfaclo ou de praser? JLL n3o gostar8 cla mim? ???to SOU j& n filha querida, sua alegria cla via a, scxi anjo, seu clicruliiin 3 Q u e h que tela? NZo se apoquente, cii qiioro vG1-a, contente nb~ayar-moternainente, t~ sorrir-se para mim t

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-ClitS~o sú por v6r-te alegre, qx~ando,olliaildo ali p'rn a rua, vqjo rotn,, quasi ndn, a filha dri, tacedeira ! A iii';íe, de t:ii~tn cnnceira iioin jd p6de trabalhar; vc!iii lionl(:i~i, a chorar, :iclui lmlir-1110, 110~Deus, q u ~r~lgunsclos vosticlos teus (Icsso ii filha, p'ra tapar OH RCLIS 1iionl1)ros delicados, (1no tlci frio rcgelaclos i~Lújtl roxos estão !.

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OFFERENDAS

Ai f filha, e tu tXo alegre, qual avesinhs palreira, a fallar... Foi uma asneira,.. &Ias, lembr'ou-me se algum dia te visses em tal desgraça sem fato a lareira fria e tendo s6 de quem passa, As vezes, pequena esmola l Eis o que me descunsola, n$o saber, aba, o futuro; ser4 brilhante OU escuro o que Deus para ti reserva ? -MamE, maml, niEo observo Que com esse pensamento a sua bella alma aaige? Olhe, escute-me um momento : m ji nKo quero o chapéo, o dinheiro que elle eueta chega, talvez mesmo A justa, para comprar um vestido á filha da tecedeira. Harn3, p'la sua saude, o meu desejo nTio mude: dê-lhe um vestido de 13; o se acaso nXo chegar,

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póde vender p'r'o compi.ar o meir vesticlo do seda, minha capa, d'astralr,zn~. E digo saclcusu satisfeita ao chapéo cGr de roinli.

A niãe beijou-a na teeta, a filha abrapou a ~ntlc, o foi um dia, de festa para a visinha d'além ! Madeira- 1875.



SANTA CRUZ

AO I~x."" Sr. CONE(i0 ALPREDO CESAR D'OLIVElRft

So cn quizossu cscrovor um folliotim massuclo e com miis iti'cs (10 Iiistorico, sorvia-mo osto titulo, para, comr)~~lsniido aci Su~~dc~cZes da l'evrn, 31istoria Iiuzriana, e o i i t r o ~qiinosquor voliirncs q ~ tilatnm i ~ da &Iacleira, dizor nqai viirias o clivcrsas coisas da origem e antiguidado i l i ~villa rroi~dotacnLo cle cliogar. Fallaria no Zargo o ii'orilros xsaiii~iptosconcci*i~entosh clescobcrtn da ilha o rio coiiioço (11~8l)ovoayões; mas doixo isso aos escrip10rot3 CIO ~ i ) x oforto, ;I qllo nzo chamo foi0 para não ser iii,y,.n~t,:l ii nrrin1)ilidnria coiri cluc 0110s danominam em geral HII ~i!lll~c)i~trs ( ( O bollo sosoa, sandc cllie nlgiimas de l i c ' , ~ , l i ) l * r ; t ~4 corili>ssal-o, 880 innis feias do quo n noite i l o ~trovtios, c01110s» diz vulgnrmento na Madeira. Asai111ropolirc!i ~iiigolrinioi~to o qac pensei ao :~vistnl.a. (Jostoi i113 Snnh C ~ L I80 B nl~par~cci*.rne alvejaiite pas-


sada a Ponta cla Oliveira, por entre os arvoredos, as plnntayões da canna de assucar e as moitas de inliame. Gostei de vêl-a reclinada i beira-mar, sentada na falda de uma inontania qunsi até ao cimo cultivada. O seu aspecto agradou-mo sobremodo; é Santa Cruz a villa mais bonita da Nadeira, de quantas tenho percorrido. Ha quem não goste das grandes cidades, lia quem diga de Lisboa, por exemplo, qiio 6 urna cidade de alegrias e gosos para os felizes, mas nin foco de dores para os desgraçados; que n% 6 terra para as almas a quem o desgosto opprime; essas shmente nas cidades seminiortas do oriente se compraseriam de habitar. Ali, onde nem o sino de broi~zoatira pelos ares as fortes vibrações, ali onde nno rodam os estrepitosos vehiculos que a civilisapio enropea tem inventado; ali onde todo o viver se concentra no lar, onde a mulher nppareeo a furto e o homem prefere um molle coxim em que se recline indo!eute sob o tecto dourado do harem, fumando silepcioso e meio adorineciclo, ds ruidosas conversa~0esdos passeios ou dos boulevards. H a talvez alguma rasão n'iuto. Para as almas tristes e victimas de uina dor immensa, antes, mil vezes antes, a villasinha debriiçada sobre o mar; é preferivel aos grandes e populosos centros; porque embora essas villas tenham


SANTA CRUZ

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om gora1 o inconveniente cio maior malcilicencin, são comtudo mais soccgadas e remannosas. Além, a dois passos, está o campo com toda a sua bellesa poetica e fascinadora, com o silencio apenas interroilipido pelo cliilrenr de algaina avesinha ou pelo bala^ da ovelha que chaina o cordoiiinho perdido. O campo, onde as arvores n%orelatam OS gemidos que algucim soltou sob sua copada folhagem, nem a relva diz as lagrimas com qno foi regada. Os que soffrein amam tanto a golid2o dos bosques! Alliam-se tZo ~ O L I I com SOU espirito atlx~ollessons abafados - Xo?zs q t ~ q ~ n s s a-quacs ez os cleiiominou o siiblime poeta Thomaz Ribeiro; harmonias cluo ninis nos convidam a iriaditar, o nEo nos distraeiii dos pensamentos com que apesar dc a tortiirai7cm, a alina se compraz quando assoborbada por amargos desgostos. EiitEo de certo se preferem as penhas e arredores do Cintra, os ccdros altcrosos c10 Bussaco, As maraviIlins da arte a da industria que cobrom o solo das grandes cnpitaos. E o lilar? Com tocla a ~olidiloimponenta e magestosa; .coiii o seu ruiclo monótono o tristo do quebrar das vagas e a amplid20 immensa qiio leva a nossa alma A contomplaqão do infinito! -Mas, Santa C ~ L I Zair& ? a leitora.-Mas, Santa Cruz? dir6 o redactor d'cste periodico, um dos mais


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OFFERENDAS

distinctos filhos d'esta villa, o primeiro orador sagrado da Madeira e uin:dos seus escriptores mais notaveis e a quem agradaria decerto a descripรงtio da siia poetica terra natal. -Santa Cruz? Santa Cruz Q a villa mais bonita da Madeira. ..

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Madeira i877.


NARRATIVAS MADEIRENSES A EIIIiSIlB 1 1 1 ~ ~àiillll.4 1 ANTONA DA SILVA

- Seu filho scmpre caminha Antoniqiiinha?

- fi vcrclade: ld vao por

esses mares de Deus Nosso

Saillior 118 seguricla feira. -A Virgom Soilhora da Guia, e Nossa Senhora do Monta, que 6 1Ilo cle nds todos o acompanhe. -Coitado d'acluillo. É iim gorgirlhinho ainda! A liInricns o que quer ? A gcnte semos pobrcs ; o 11ac b um triste qixe anda sd a beber poncltc~ e raro vac no rtiar : o padrinho qirer levnl-o e c11 ainda que me fica ch por dcntro o cornçZo a estalar, deixo-o camii~har porque talvcz faça fortuna. - Tem-so visto, tein-se visto, redarguiu com modo acntoncioso a tia Maricas dos Ilheiis.

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Este curto dialoga passava-se ao pO da fonte dos ilheus na villa da Cnmara de Lobos em uma tarde (le agosto de 18. . . Era o caso, que o filho da Antonia do tio José da Ignacia ia partir para Domorara em companhia do padrinho. O Joséi cla Ignacia fora nos seus tcmpos um bom l)escndor, como om gora1 o 880 todos da sun freguezia, abuncla~tissiman'ellcs, d'onde vem aos naturnes a alcunha do Pesqzlitos com que os apodam os Iiabitnntos das outras fi-oguezias ; porhin o José da Igilacia, que havia tido de seu dois barcos, um de pesca e outro da Deserta e que se ia goveri~andomiiito bem, coinogou a entregar-so ao vicio do beber e passava q~lasitodo o dia n a vonda c? tomar cangiqdes doponcha e gvogs: bcLia, pagava a nm e a outro, n8o ia A posoa, nBo ia aos gaiados d Dcsorta, no teillpo proprio, o coniopou a iniseria a bater-lhe h porta. A pobro da, mulher cliornva, ralava-se, rosafra o poclia n Deos que o filhinho crescesse, para valor ao sou casal, qao via ir.se arruinalido. Os dois barcos j d tinliarn sido vendidos e o marido cada vez pcior. F8ra padrinho do pequeno um ainigo do José dn Ignacia, quo partira teinpos dcpois para Doinarara e ld ganhd'a alguns contos de patacas como so usa clizor ; voltou a vor a sua fi'egnoaia o a comprar uns poclaços d e terra onde tencionava fnzor uma casa quanrlo viosso


NARRATIVAS 1);IADEIREhTSES

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de todo para a ilha clisfructar, com descango, o que tanto lhe custara n ganhar; gostoii da espertesa do aGlhado e l~ropozao pae e B mãe levnl-o comsigo. O pae accedeu de proinpto ; a m h , essa, custou-lhe mais; porém forçada pela necessidade, consciltiii por fim. k n'esto ponto que cornega a nossa singela narrativa que i~adatcm cle iiotavel, desde já, previilo a leitora, mas que 6 vcrclacleira; e escrevi-a para satisfazer a um pedido dos proprictarios d'este joriia11 qiie com tanta benovolencin teem acolhido os meus singclos rabiscos.

Dias aiitcs do dialogo com qne eilcetzímos esta historia passava-se ein casa de Antonia ~ i m ascenn beni triste. A boa ninlhcr, era quasi ao anoitecer, bordava aincla para acabar urnas tiras que p r o i ~ x t t ê ~para a o dia seguinte, cluanclo o marido cntrou c.n casa. Aiitonicn, que foi c10 teu curJ5oP Vcndi-o Josb ! - Qno 6 do dinlieiro ? -Gnstci-o, tu bem sabes.

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' O Diario

de Nolicins, do funclial.


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OFFERENDAS

-Então n"a ficoii sequer riieio schelilig? - Ficoii algum dinheiro; mas tu beiu sabes para que é. -Quero o dinlicii~o,nRo mc importa mais nada. - Oh homem, tu que me deixes -o dinheiro é para o c r i a n ~ olevar i10 canto da. arquinlia. DGUSsabe se lhe ftirh mingua. - O rapaz nzo lera nem gwne; IA tcm O padrinho que lhe dB tudo. E o Josb, nioio embriagado dirigiii-se para a arca; a mullier poz-sc-lhe defronte para n8o deixar abrir a caixa aonde estava o fatinho que o iillio havia de levar e que ella compr~iracom o proclucto do cordi'io. O hoinecn sem d6 da infeliz deitou-llie as m9c OS nos cnbellos pucliando-os com tal violencia quo a misera caiu no cliLo. Bateu-lhe ainda apesar cle s v6r n'aqucllo estnclo, E o filho que estava com medo atreveu-sa a dizer: -O pae q ~ i on£io riiallie iiiais a mâe. -Tu que tc calles quanclo não dou-tc urn murro que te aivd.xnto. Abriu a caixa o de clentro tiron um saquinho cio chita novo em folha, atado com um cordgo brni~coc no qilal se conhecia qiio devia ostnr algum dinlieiro, mcttc.ci o sacco no Bolso c partiu ilesponclenclo com grossorias h niulher que do ,joellios lho podia que a80 gristnssc o dinheiro do filho.

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NARRATIVAS MADEIliEKSES

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Saiu:-na vencla esperavam-no tres amigos com umas cartas cncobadas para jogarem & bisca de nove, de quatro pai,cairos a cangi~õesde po7~cha;clivertimento favorito do JostS da Ignacia e de tantos outros pescadores; e que bom era d'clle se abstivessem pelo mal que fazem A si G :Is 1)obrcs fimiiias. Deixeinol-O e~iti~eg~ic Aqilelln vida estragacla e voltemos a casa aonde ficaram a mullier e o filho.

-A iiifie que nSo chore, eoitadinlia. --Não liei de cliorar, filho, eu que te criei coni tanta ainisaile; bom basta vêr-te ir embora, qiinilto mais iicm seclucr o clinlieirinho, que era do cord2o que tiia RVU m e deu, quando mo casei, ncin sequer osse tu levas para cornl~rai.uin boccaclo cle niillio se tiveres fome. -A 1n2o que deixe: n5o ine tem ensinaclo que Deus scmpro vale A gente se 1110rosa? Pois eu se tiver forno rcso, o Deus ha de dcparar-me comer. A rnão i120 responileu, estava lieasativa; de repente lovailtou-sc c10 cliiio nonclo ainda jazia, foi a iiina arca, tiroti uils objectos, cmbr~ilhou-ose voltou para junto do fill10. -Vigia, Josi.1 toliia; - sAo os meus cadeados de oiro


e o meu 1890, giiardo-os bem; tinha-os para dar B nossa Maricas quando fosse a primeira vez B confissfio, levaaos tu que vaes caininhar; se um dia precisarus vende-os e lembra-te de tun mao. Esconde-os no teu bolso. -E se o pae a malhar? -RZo malha, não, deixa estar. O rapaz agarroil no embriilhinho, guardou-o, abraçou a mEe. -Assim me Deus salve, disse olle, em coino a nossa Maricas airida ha de p6r estcs cadeados e O lago com um cordão d e quatro ~ o l t a sque lhe hei de dar e outro a c2niecG. -Coitaclo d'ioto! exclamou a mHe sorrindo por entre lagrimas com o santo affecto e nobro orgulho das mães.

Ji ae balouça nas aguas do Funchal o brigiie Jllária prestes a partir para Demerara, atracando a um e outro lado botes concluzindo os passageiro3. Tristo scena ! Alguns voltam os olhos com saudaclo para a terra que os viu nascer, outros estão ainda dizendo o ultimo adeus ao pae, h mãe, Q irm8; muitos pensam na estens?io cla viagem. Quantos dias sobre as aguas do mar1


NARRATIVAS iKADEIREPr'SES

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Do porto cle Camara da Lobos saiu um barco triptilado por dois valentes pascadoies, levando a bordo o tio JosC:, s mtilhor, o filho a o padrinho. O barco C: o mesmo que pertencera ao pescador; o rapaz dcsojara ir n'olle, porque era aquelle onde brinchra em peguci~o,,aonde pela priirieira vez fora fi pesca, aondc ]?:is8dra muitas noitas trabalhosas, n'aquelle arduo miater.

Atrncoii ao brignc o barquinho cio pesca; subiram ps ~ a s m g c i r o sa escada de corda do portaló e entraram n a coberta. Por toda a parte liavia prantos, beijos, bençLos, abra$053.

A familin do rspaaito conservou-se a bol*do até se dar o signal cia partida: o pne uoio ernbriagaclo conversaizdo caril o coinpadrc, n rnZo abiapada ao $lho mirando-a com sanclxclo o amor. A clcsl~cdids, o paclriillio cle lisniiol, disse ao José dn Ign~icia: -Vigie IS, compadre, o barqx~inlioé outia vez seu, f q a por 1 ' 0 conta que 6 aeu filho quem 111'0 dá porque foi 0110 quo in'o pecli~i;n&o o vencia p a ~ abebida; antcn qiicro snber quo ao virou, sam perigo de pessoa al-


g u q a jB.ae vê, do que ouvir que o compadre o vendeu. -Dê cd esse abraso, Iioine; n5o fique para ahi calado como o atum na praça. O José da Ignacia abraçou niacliinalniento o compadre, contavii. ello depois qua a primeira leinbrança que lhe occorrêra, fora a quantidade do grog que tinlia para beber com o proclticto da venda do barco. O filho abeirou-se d'elle, chamou-o d parte, falloii-lhe algum tempo e abraçoii-o. Reparou alguem que o homem trazia os ollios Iiumidos de lagrimas.

-Entrio IA se foi Antoniquinha? h verdade, Maricas, tenho este coraç5lo mais

negro que uma ba5ta. Coitado c10 crianço! Quer saber o que alle disse ao pac antos da gente carninl~a~ para a terra? - A mecê que conte. -Chamou-o da banda Ifi do navio e fez-lhe esta falla : JB que eu vou para loilge cle si, cluero peclir-llie cliias coisas s6. Não malhe mais a nossa mEe e nrYo boba muita aguardente. O pae que me prometta isto para cu ir descnnçado.


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NARRATIVAS IIIADEIIZENSES

-Ai crcdo! a mecê o que me diz ? aquillu 6 que 6 a bondade do mundo cle rapaz; 18 juizcliilho sempre elIe teve; e n b ora estropclla; em quanto os outros andavam na retoipa estava elle estudando a cartilha ou brincanclo alii ao se11 pé.. . Mas agora reparo, a Antonicn vai vaiTrer a casa sendo já noite? -E verdade não atremei: com a lernbranga do nosso I\iIailuel. . -NBo varra, não, que sae o cliiihoiro de casa; sempre assim o ouvi dizer. D'ahi a pouco entrou o Jose cla Igilacia; vinlia triste, d: com seu cliapéo dc palha, pintado cle tinta de oleo vorcle, caiclo sobre a testa. -Boas noitos A coii~pailliia. - Dcns lhe dê as iiicsmas, visiiiho. A ccia est8 pi,omph, Antonica? perguntou it intiIher. -Vou apromptal-a, é unia sol~iniiados chixarros qiie tu mandastes. -Foi o meu quinhzo : sc pesca. foi someaas : O mar jA 1150 coi~liccc o JouB da Iilaiça ! ás vezes at8 tcnho vontaclu de pedir-lhe pragas. - Calla-tc c10 ahi hori~edo Deus. - Pragas ! visiaho, actidiu a &Iaricas -pragas com rasa0 nein ao meu cão : o que não voin om dia de Santa, &1arin v emn'outro.

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(L


O JosB ficou-se para ali callndo A espera d s p i a , -A Antoniquinhn que passe bem a noite mais o sou velho. S e a visinlia quer cear, a visinha quo iiEo saia. -- Obrigada a Autonica; acleus. A visinha saiu; veio a ceia, que se compunha coii~o dito fica de uma sopa de chixarros muito usada n a Madeira, maxime na freguezia de Cairuara do Lobos: junta h sopa o peixe cosido, com um molho de azoite e agna do peise a que cliamam caldo. O azeite porĂşiu ein vista, d a sua caresbia, porque nrio hn oliveiras un Macleirn, nem soinprs figura n a mesa c10 pobre. Fiilclb, a ccia, o marido e. a mulher foram selltar-60, a coser, elIn algiima roupa cle casa, elle a coiicortar uilia japoila de oleado. E n'easa noite cjiie cra n iinineclinta B d a partida clo filho, faltou B venda nqiielle freguez (p i bisca o habitual l~arceiro.

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ĂŁfiiclarn bastalite o Jos6 da Pnniga, como lhe aliama. vam bebia muito pouco etpescava xninito mais. Toclos os dias das tres para as quntro horas da ma. drugacla, 16 iam Li porta o AgriZo, o A i ai, o Pae Paudos, o AyoZica ou outro qudqzier i.rithr pclo arraes, 0


NARRATIYAB NADEIRENSES

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j b o achavam prompto para a lida quo[hdiaiia: rino passava, verdade seja, sein tomar no botcqniin do sr. Roquinho ccque no tempo d'csta veridica liistoria aincla exisiia)) o seu copiiiho de agiiarclente para nqiiecer; mas ficava por ali; uin grog, e nada iilais. R Ilitaricns andava inais satisfciia. J B Ilie luzia o dinliciro do Lorcladinlio, que sc i a acuiniilando ao canto (1s :Lrc!a. Os i~ia(loirciisesilKo estrnnliaiii vcr n gciitc do povo bordar, i50 usual B iin illin aquclla inclastl*i:i; mas os continontaes, tu mialia querida irma, a qiiení dcdico esta iiarrativa para que fracamonte possas J:~zer ligeira id6a CIOS costames da illia, decerto t e adinirnrhs ao saber qiie esses bordnrlos quc se veern nas montra? clns lojas erii Lisboa, csses borclados c~ijnperfeiçrio iios erileva, sâo.ixiuitas.vcze~fcitos por uma pobre ~iliiihw',mal arraiijacla, clescillga, qiie vac corn o Lorclaclu na in8o at6 o calhau, at8 á rod:~ da i~iaré,vigiar sc o loarqninho, onde aida o seli vellio B pesca, j(i vein para o porto. E rcpai3n que emquaiitn a niRe faz nin bortlaclo, a filha, criaiicinlin de dez oii doze annos, faz iinia t i l a e está b porta, toda seria coiil 3 tlicsoiira eilfi:icla n'cirna fita ao pescoço, ganhniirlo uiis tristes vii~tei~s. Oritras mullici~esburc1,zm coin o filhiillio no collo ; oil eniqilaiito es~eraiiipara eiiclier o pote ou vnsillia dri agua, qiia 60bi~scará foiite; finalrilenta pclos cainpoY, por toda a


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OFPERENDAS

parte encontramriasas bordadeiras como otitr'ora pelas nossas terras se encontravam as mulheres a fazer meia. E miraculosa a maneira como o bordacio sae limpo, aceiado, perfeito, de inĂŁos que parecem s6 proprias para os misteres os mais! rudes e que n'ellos empregam alternadamente muitas horas do dia. NLio fiques d'aqui suppondo que B s6 a gonte de mais baixa esphera a q u borda ~ na Madeira; ha milita menina e muita senhora de educar,lo, que buscam n'essa industria meios para acudir Ls necessidades da vida. Aqui da-se uma tira cle panno, uma agulha o uma liriha a uma crianqa para brincar, fazondo um bordadinlio, como 11 pelas nossas temas, se Ihes dĂŁo uns retalhos para fazoi. um vestido 4 boneca.

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Desculpe a leitora madeirense os parentliesis d'estas narrativas, que cle certo nlo lhe interessam, s6 podem ter algum merecimento aos olhos dos estranhos, por Ihes dar a conhecer, embora impoyfoitamento alguma coisa dos usos o costumes da ilha,

Entrou uma noite em casa o JosB da Tgnacia pensativo e como quem vinha assoberbado por uma idĂŠa importante, tomou unza banquinha e sentoumse.


NARRATIVAS IIADEIRENSES

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A mulher e a 6lbinha borclavam. -Sabes, Antonica, que tcnho pena do crianço; jtl 1& vão mais de tres mezes e nao dB copia de si como dil-O ji sahiu de outro. Elles dizem, que o brigue MUTZU, Demerara, mas que partiu de 18 com melaço para Lisboa e 96 na volta vi1.8 aqrii. -Tainbcm eii j B ouvi fallar n'isso. -A mim d8s que o rapaz se foi até jd me n8o sabe a aguardente; ioinci enjôo S bebida. -Tão ponco tenlio eu resacio B Scnhora do IYIonta e ao santo Servo cle Deus 1 para qoo affastasse cls venda o meu velho! -Pois sim: mas vigia; tcnho andado com a idéa de ir atO d Deserta no barco do Angelica pascnr uma. por9% clo gainclo e cavala para manclar salgada ao rapaz. -Ai, llome, credo! -JB estlis velho para ires tl Deserta, alembra-te d a (tdisgraciau qne aincla nLo ha muito aconteceu no Porto da Cruz. -Ora o arraes aia uni criango e os compan21eiros asoinenos))valheu-lhes o Sei~liorBom Jesus, que B bom pae. O scrvo de Dciis nome popiilar porqiie O coiiliccido em Carnara Lobos o licalo Srci iJcdroda Guarda coiri queui os moradores tem grandc dcvoçHo. 1)'elleescrcvcinos um dia a lerida. 1

dc


-ElIes jA mandaram por a ckuz nova ila rochz~? -J6 sirJ.1, foi promessa c10 arrnes qiiando se viu quas afogado; eiitรฃo i~Kohavia cle inandal-a pSr? Mas eu LI muitas vezes h Doserta e nnncn me aconteceu dainno graรงas a Deus. -O meu velho quc faga o que qiiizer; inas 0111s se mandares o peixe ao rapas eatAo h ~ l scle me acomp1.ares> Lima cuscuzaira parri. Maricas iue fazer uiis casens para eu msnclnr tambem.

-E

JIaliuel? Pobre crianp! Morren-lhe o padriillio na, vingein sem fazer disposiรงXo alguma, o O pequeilo, clua era jรก mnl olhado pelos ~oin~~anlieiros por ~ L I Gtiilha a ~rotecรงLio de uin clenzer,a~.isiccrico, viti-se c10 reponte isolado no meio d'aqiielln goate, sein apoio ncm arrimo. Deseinbarcou o pobresito n a cid~iclacle Gcorgo-Town, expulso de bordo com asperos modos' polo cnpittlo do brigue. -Tu para que sarvcs? diziain-1110 os marinheiros. -Eu sei poscar, sei i r aos n covas)) . . . -Pois siin, sim, governa tua vida. L6 foi o tristesinho, proc~~ranclo de porta cin porta arrimo.


NARRATIVAS MADEIRENSES

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Ninguem queria seus serviรงos e a infeliz crianc;a uin dia, gastos os ultimoa vinteils que possuia, teve

fome! Pobres mรฃes! Crearnios com tanto amor, tantas lagirnas, sacrificios tainnnhos, uin filho para elle se ver assim ao desarnl>aro oin estranhas terras! Certo dia o pcqneiio tenclo passado q~iaientae oito horns scm outro aliinento mais do que algumas bananas j& muito innduras, que apailhdre no chXo c10 mercado, e seiitindo a foine roer-llie as entranl~as,levou a mgo ao bolso, c achou os cadeados e o lago. EntBo alegrou-ss o foi procurar quem lhe comprasse ccacluollas prenclas~ quo c110 18 cle si para si determinlra n"a vender llI111Ca. Mas a primeira pessoa a quem se dirigia perguntouIlie brliscamonte. -Tu aonde roubaste isto rapzl~? -Senhor eu d o roiibci ((foi quc a nossa mIeu me dcii . -Vae-te cl'aqni cluo nzo compro ob.jectos roubados, se 1x10 appareces outra vez entrego-te 6 policia. O rapaz toinou medo e gir~rclonas joias. Extcnuailo, coin foino, sem saber que fazer, Icmbrouse c10 scus pacs c Ieinbrou-se de Deus. Passava entzo por unia cgrcjcz cuja porta estava absrta.


-Eu - contava elle depois - clizia comigo, a nossa mãe ensinou-me a que quando tivesse fome rezasse a Nossa Senhora., qiie Ella me acudiria. Paz-se de joelhos, ergueu as inãos e rezou; rezou o Padre Nosso, Ave Maria, a Salve Rainha, unica reza que sua m3e lhe ensinara. Quando com todo o fervor pcdia a protecpão do Pae Ceieatial, que do céo nos vê e contcinpla com amor, entrou na. egreja uma senhora edosa, que ia levar um cirio h Virgem. Attentou no rapazinho e adiuirou-se de o ver tLo novo e dando signaes de tXo verdadeira devogão. Quando o pequeno se ergueu ella dirigiu-se-lhe e perguntou em portuguez. -Tu de qu8m As? A creanpa ao ouvir fallar o seti idiomn, e conliecando. n a acentuaçto cle voz qiio tratava cbm possen da &Iadeira, respondeu chorando: -Eu senliora sou o 11aniiel filho do Jos6 d a Inaipx da freguezia de Cainarn de Lobos. -Entlo nto esths em uaaa de ninguem? -Nlio, senhora; vim com mou padrinlio; elle morreu no mar, e vae, para aqui fiquei sem conhecer pessoa alguma, e sem ter ainda ganho nem gerne. -Vem comigo. Suiram ambos: a caritativa senhora era viuvn de um


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NARRATIVAS hIADEIRBNSES

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-madeirense que embarcira para Demernre, fizera fortuna no paiz e ti sua morte deixára alguns bens. O Manuel ficou. em casa d'ella a titnlo de creado e nIo foi infeliz.

-Boas noites t i visiiiha disso a Mayicas. -Deus Nosso Senhor lhe dê a5 n~esmas,respondeu Antonia. Que frio faz, visiilha, até teilho os ((beiços arreguad0s.u -Eu? iiin anno assim nunca vi, graças a Doiis. -E o seu Manuel? -&Inildoa escrever visinha, e conta que esteve em casa de um8 senhora; gostou d'ello que foi iiiua coisa, servi11 I& de crendo e agora poa-lhe u,ma vendn. -Ora vejam! ainda ha familia boa por esse mundo clo Deus. -E elle, visinha, mandou clez patacas ao pae para comprar uma japona e pedi~i-llieoutra vez qnc K I ~ Obobesse agua-ardente de mais. -Coitado clo crcanço! Vigie Antoniquinha que cabecidaclo qiie elle tem! quem havera de dizer! -Elles dizem que o rapaz vem para ahi mais rico do que o sr. Roquiaho; eu j6 me conte%to em elle tra-


zer com que nos ajude a passar o resto clos clins. O meu velho nunca mais toinou a bebec!eira, 6 verclade; nonl me inal'uou, mas anda triste, triste, que é uma coisa1 -E digam IA, acudiii a Maricas -sim: digam que 0s pnes n b tem amor aos filhos; O amols (10luzo 6 iiitiito, mas o do pae nlo b'sornenos. -A visii-ilia sabe, tenho lioja ticlo uma cl8r 110 estamago, a só comi de manlit uma coisinha C ~ Cinillio com coive e graxa, nem mais gerno em todo O dia. -Ai isso ha de ser azis; a visinlia que espera, clisse a Antoniquinha, que era, cnrandeira e tambein ds veacs deitava cartas,- isso vae-lhe passar, clê-mo um cnngir50 d'agiia. Levanton-se a Maricas, e foi ao cnilto C ~ L Lcasa aonda estava uma bilha (a cliic chamam pote) e trouxe um cangirão (que tcm no continente o noma de p11cu.o). -Antoniqoinlia que se poilha o m 116, a v6 bobcnclo aos goliiilios agua ein quanto eu cligo a orap2o. E coinegou: Azia, azia, tres vezes azia. Nossa Senhora tinha tres novolhinhos. Um com quo fiava, outro com cluo torcia. Outro com que passava o m i l da azia. isto o que vos pego. $ Para mo tii'dr a agonia.


-NARRATIVAS MADEIRENSES

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A visinha que repita tres vezes esta oraçEo e rzi bebendo em mentes lhe não passar.

N'aqtielle calhau de Camara de Lobos, clieio de barquinlios de pesca, aglomerava-se uma grande multidão. E r a perto das tres horas da tarde. O c60 estava lindo e sereno como costuiila ser o céo d'esta terra de flores : a face aziilada o tranqiiilla dns aguns da pesiiena bahia, a, mais excellente da ilha, retratava as escuras rochas que forinain o porto. Entre aquelle povo, via-se um vellio de cabellos brailcos, as faces crestaclas pelo ar do mar e pelas agtias salgadas: vestia uma jnpona de panno azul, nova, cdca da 1nesn)t-t fazenda, e com um grande cliapéo de pnllia. Estava sentado no ixiuro ou cortina qiie defronta com a porta lateral, da erinida do Espirito Santo; junto d'elle estava uma inullier tarnbem edosa, tisajando nZio ao uso de o~itrasiregaezias da ilha, mas ao da cidade, vestido de chita, ehaile de cazemira, e leaço de seda na cabeça acompanhava-os uma formosa rapariga, que de quando em quando olhava a furto para um iilocet"a que estava sentado na bo11da de um barco de pesca.

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-JB vem para cB do Cabo GirBo; nLo vigias Antonica ? --Nf10 havéra dc vigiar, parece que tenho hoje dois tantos d s vista. Estou enorme, meu velho; não sei o qiie isto é. -Ora o que ha clo ser? 6 alegria, como aqiiella que a gente c6 por dentro ao sabor que iamos ver o nosso Manuel, que ha um ror d'annos estava 14 fdra. Grapas a Nosso Senhor e ao Santo Sorvo de Deus, que nos deixou cllegar atb hqjo. A minha velha sabe? Ainda tenho medo de riu@elle nRo venha, a de o abraçar. -Lá isso nEo; vigia É: aqciolle; tenlio uma, coisa que me diz, que 6 elle, que vem no barqtiinho &.I&-mar do Cabo BirLo. Ora se é, inte! Estou mesino co~lhecenclo-o. -Tu, sim; olhem voc6s agorct n rapariga, julga que o nosso &Ianuel, vem o moamo tal qual foi1 -Feia baboza! disso o pae sorrindo. -Ajunta o lenço que te caiu Mnrioas, n l o oiives ? - A m8e que desculpe, nBo t s t r e m e i . ~

O barquinho chegou perto do calhau: os tros oorraram, e j h quatro robustos pesoaclores tinham posto os pnraes n'um momento, mcttendo.so pola agua pare aju+ darem .a varar o bxrao.


NAXRATIVAS NADEIRENSES

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O Manuel saltou em teria. Vinha um figurao. Quem ouvisse depois a visinha Maricas a contar 4s outras: Elle trazia o bom fato de cazemira azul, a boa calpe de cazen-iira arnarellzl, o bom chapéo de pallia d'abas largas, e siia corrente cle oiro posta por cleforn do casaco prendendo o relogio inettido no bolso-só anneis de oiro, grandes, eram tres: dois na in50 direita e uin na esqiiorda. Eu fiquei rnttxima, visinhn, fiquei maxiinn quando vi aquillo! Era verdade: o Ilanuel dera-se bem com o negocio, e voltara á freguezia a cnmprir uma promessa, e comprar uma casa. Ao desembarcar no calhau, o pae apertou-o nos bpa90s o saltaram-lhc as lagrimas; a mKe como pasmada não se cançava de coctemplar o filho ; parecia-llie impossivel, ser o seu rapaz aqaelle mocetlo perfeito e aceiado que ali via.

-EntBo, Autoniquinlin elle trouxe imitas patscas? -Ora se trouxe, Maricas : e jíi clisse que este auno se ha de fazer a procissão do Senlior S. Peclron e qna hade apparecer uma ubarquinliau que vae cleixar todos admirados. Mas o melhor, visiilfis, foi que o rapaz, coi-


.---@k

-OFPEFE1SDAS

ta& dktiuillo! trouxe-ine outra vez O ~ l a ç oa os cade&d@~,deu-CM A irmil ; e a mim deu-~ueestes ; quer vt.2

- Oh, lindas prendas! disse a Xaricas arregalando -1s-o cuo;tuu para mais de trinta patacas. - E o cord.'ro, visinha, o corda0 que elle botou ao

úti 0lfiaj.s.

1%&08;*r~da Írjiid, 6 qutlsi t2o grosso como O meu dedo uiaituiliho. -Isso 4 que se chama um filho, olhe quem tLlo nova j6 acsrripe~ai,s ter assim fortuna, em senclo velho t: rnaie rico que o morgado da Nazareth.

- E olho ariiece que nBo se esqueceu de a g r a d e eer ao yav n2o ter bebido de mais: o meu ~ e l h ochoraiva com'a um erianpo com as palavras que elle lhe disw, E o &eu~ e l h onão lho fez falla neohiima? -Coitado d'aquillo ! s6 lhe respondeu que fora a amisade que lho tinha, as saudades que sentia e o favor da Virgmn do Monte que llie tinhain tirado o maldito vicio, Deus me perdoe,

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Tiido era alegria na polre casinha dos pescadores : alegria que compartilhavam os visinhos e de qiie participou no dia de S. Pedro toda a freguezia. Nunca em atino algiiiu no dizer dos velhos se fez procisslo


mais bonita: abriram o prestito quatro rapazes aos mais bem postos, nlontados n cava110 e vestidos ci turca com sua calça eucarnacla lililito larga, scil tiirbante muito alto, que l era uxn gosto ver e segurando cada um sua bandeira de cores, que esvoaprs ri brisa. da tarde. Logo apoz i s uma dança em que tomaram parte mais cie vinte homens, iiietacle dos qunes vcstillus de mulher, e com fatos cada qunl mais estravagante, levando todos 11ma carapLiGa a a uso da itiin, imito enfeitada de fitas e fiores: em segiiicla qu:itro raparigas vestidas :i inoda a n t i p da illis e que ainda hoje iiguraui nas festas c10 Espisito Santo e a que chainarn ~(saloiass. Levavam o p i t o cheio de joias, o pescoço qiiasi coberto pelos cordões de oiro, e as carapucas artisticamente enfeitadas com fios de porolns e flores. Quatro homens do niar dos luais valentes coudiiziam ein segilicla a barquinha, que ia cheia de duces, fsiictns, miihares de ramos de flores, miiitgs ovos, grande quantidade de p3es cle assuear, muitas garrafas de vinho, tiido disposto coni a maior arte. AO pé da barqninha iam os doze aapostolos)) levando uma rede d e pescar, nova, e resticlos de modo a qiieiei iiilit3.r O trajo dos coinl~anheirosdo Divino llestre: seguiam depois as irmandades, sendo a idtima coilfsaria a do


$&timimo. A imagem de S. Pedro ostentava se enf&k& conz grande variodade de flores. Atraz da imae m o antes do pdio, lli se via com a sua capa de d o r rrovrr. e vara de prata o nosso Manuel. Ao Indo o velho pescador, que G o sabia se havia de rir, 5~ chorar; e pxwava de uma para a outra mIo s reirios, t2o distrahido caminhava, a rever-se no filho. A mueíca da cidade aiegrevs com seus harmoniosos mams q w l h festa, o da quando em quando estalejaPW fopebs e dinviam-se os tiros da apedreiros.~ Fiada ei procissk a bbarquinha foi depositada no m ~ i ad r %reja para quem a quizesse ver; e recolhida dspie pelo sanhor vigario a quem pertence todos os BnDUs. *.

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Ainda hoje quem fGr a Camara de Lobos, no Caminho Grande e Precos, v& entre as franças dos arvoredw, alvejar a casinha com que o Dfanael presenteou o p m c a mãe, ao pmtir de novo para Demerara. O vdho morreu annos depois abençoando o filho; a rei% ainda lhe sobreviveu.


NARBASICAS BIADEIRENSES

G5

XIII

-Senliora Antoniquinha,

ainecĂŞ na, vilha hoje? verdade, senhora Maricas, vim com o meu netinho 4 missa, rezar pela alma do meu velho, que trio amigo foi do pae d'este cccreanGou o nosso Manuel, que int8 perdeu o vicio da bebida. - A visinha que entro e descance um nadinha.

-h

Camara de 1,obos - Bladcira 7 de maio.



DOR D'ALMA

A E X . Sr.a ~ ~ VISCOIYDESSA DOS

OLIVilPS

Eu sogro, ,e esta ùbr que me atormenta E um supplicio atroz! E para cantal-a h l t n ,i lyra coi*das E aos labios meus a voz!

Oiiti*'ora, nos ergastulos horrendos ao martyr torturado alitnentava uma esp'rança, que aprís dias tromonclos n aurora. resplendento inda aguarclavn. I-Icje, porém, meu Deus, que luz de esp'rangn n'esta alma angiistinda verterds 7 no meu viver da horror verei aind,; o amor, a compaixão, a clitn, a paz? D'esta alma que p'ra ainar Senhor, fie cléste quem foi que a flôr clilecta me arrancou ?... Ai flor, ai virgem flôr, no c1180 fanacln, ai, sonho, sonho bello quo passou !..

.


U m dia, n'am oceano embravecido am qtte eu mm ramo saccumbia. já, brilhm propicia e s h l l a l Inda a Teu moto n@r ( M J tormenta ~ b ~ i l h a dP.. St3 d'mm &tm fomos0 O movimento k tu admcrnta, oh Deus ! que determinas, qae d45 f m n r r r á brisa, o canto 4s aves, o dum m m i l h roaas purpurinas; -se tudo LZ Tua voz suprema escuta, porque hrr de em duro anceio agonisar mta d m s que me d h e ? alma de martyr ? C$I~ é msn mime? E mime, oh Deus ! amar?!


NO ALBUM DA E x . " ~SrSaD. CAIILOTA DE N O R ~ N HIIENRIQUES ~ DE ACUIAR Se a flor se iinpressionasse e podcsse aifiar o regato que deslisnndo juiito cl'ella lha nutre a rtciva; se O arnbiente conhecesse e podesso ser grato aos effiuvios com que 6 dor o embalsama; se a ovelhinlia percebesse o bem que o pogureiro 1110 quer quando a conduz ao vi. rente pascigo: se a avesinh'a aclorasse os 'tronquinhos e pallias de que construo o ninho onde ha do conchegar a tenra prole; se tal succedesse, todos esses nffectos e gratid達o'seriam um pnllido reflexo dos que t e consagro. Camara de Lobos. -Madeira 1875.



DESESPERANÇA

aÉ como o outono R minha vida triste, como o sepulchro, solitaria a nua», sempre batida por coi~trariosveiltos, B como a nuvein que no wr fl~ictua. Senhor! Sonhor! porque me clésto a vida se em hora iilfausta para a dur nasci? So apoz o sonho de iiioritido gozo oin negras soiiibras por meu ninl mc v i ! QLICIBP ~ I I Oos dins'disfr~1~ta~ alegre ? sd cj1ie.m nEo sabe o qiic estc inupclo 6 ; sd qiiein não prova do mnrtyrio a taga, quem aliineiita no seu peito a fd.


krw noits! N'este horror infindo

&%e

@ida qw

eeprsnรงa, minha luz fenece; defira, compassivo, em breve, d"am pita d i c t o a fervorosa prece.

H&

ni

.ai nr caw do rigor que soffro;

4 m h , 6 santo do meu peito o amor O

crime aonde crima existe, mpe~ttnรงa,por quem Bs, Senhor!

a ~ i s&-me B


NARRATIVAS MADEIRENSES

Cantava o papinho nos cannaviwes alegrando a hora suave c10 crepusculo vespertino: do tecto de colmo da cabana elevava-se ein espiral o fumo. Pela estrada, que conduzia a um casal, caminlinvam duas raparigainlias, quasi da mesma adade. O rosto de uma, suave e encnntndor, cienuncinva a santidade de um caracter Loudoso, A outra, formosa tambem, tinha no aupccto algiima coisa de repulsivo, e os seus olhos negiqos seriarii mais lindos se n8o tivessem uina exprsss50 de nialclade. Acliante d'ellas ia: aUmn vaq~iinhaleiteira. de alvas malhas, pello nedio~


74

OFFE13 ENDAS

aqui e aldm a bocca para apanhml alguma giesteira viçosa, quo se balouçava A boira da estrada. impacjentava Joanninha, a linda rapariga do ,-,lhos negros, e cada vez que O animal baixava, a cabeça para colher a planta, puxava-lhe violentamente corda, a 8s vezes batia-lhe com ùma vergasta. - Joanninha, nLo faças mal 4 Joia, -dizia a outra peq~~enita.-Joanninha fazia ouviclos de mercador. Chegaram ao casal. A ni%e esperava-as, com n santa alegria com que as mâes*aguardam os entes a qneni dcraiu. o sor. -Ondo estR a Join?-perguntou. -Prendi-a a uma arvore, para nLo comer mais; veio pastando todo o caminho -disse a Joanninha. -E d6ste-lhe com a vergasta para te vingares d'ella, - acudiil Rosinha pesarosa. -Fizeste inal, Joanaa, os snimaes sentem e conhecem quem Ilies quer bem. Joanninlia não respondeu; entrou para a cabana e sentou-se a um canto. Siia irmL seguiu-a com os olhos, e dirigiu-se para s arvore aonde a Joia eatava presa, mirando cubiçosz oe tufos de verdura luxuriante que vegetrhva ein torno d'ella. Desprendeu-a, e não $6 a deixou passeiar, mas, correndo pelo campo, qual ligeira gazella, colhia o ~ oin a


um ora em outro sitio um punhado do herva e vinha trazer Ct Joiu quo Ili'a tirava da mbo coin toda a brandura, como se rccurisse offendel-a. A creanpa Latia as palmas e corria do novo s continuar a tarefa agradnvel.

As soinbras da rioito iilvaciiram n turra; brilharam n o cÊo os ii~ilclininankes que se cngastain no firmamanto; o pintasilgo viera tainbein .gorgear nas bananeiras, enchendo o espaço coin scti iunvioso canto. No dia segniilto apenas por detrrls daa serranias irradiava siia primeira luz o clar2o da inadriigada, fui ao casal.

-Joanninha, - disse-lho, -vem

iuugir a, vaccn; dB-

me um copo do leite. Rosiriha, cercada por um bando c10 gallinlias e frari&os, distrib~iia-lhosiilillio, sorrindo contento. Jonniiinha, com mllo rnodo, ei~camitiliou-se para o sitio ondo estava a Joirr, Mal que a viu aproximar-se, o nniiiial brarriin zangado, e agitou a cabcgn. -Vou buscar a vei*gastn, Assim o fez, a vcrgnstorr-a. Tornou 3 a1)roximar-se;


76

OFFERENDAS

porfm a vncca, B forga de movimentos desesperados, quebrou a corda e deitou a correr. - E s t i damnada a Join, gritou Joaaninba em altos brados, algum cachorro damnado a mordeu. Acudirsin o pae, a mIo e o moço do casal. Conta-lhos a pequena o caso, aiigmontado com seus pontos. Eosinha niio disse palavra. Olhei-a, vi-a sorrir. O lavrador entrou em casa, foi buscar uma espingarda, e voltou dizendo para a mulhor: -Bem me custa dar cabo do animal. É: tÃo bonita, e depois.. . . Deue sabe quando poderoi coniprar outra. Rosinha correu para o pae: -Não mate a Joia, pae; eu vou buscal-a. b Não, que eu nIo consinto,- acudiu a mLo, ooin n solicitude do coiqação, de oiro qiio todas ns mil08 possuenl. -Deixe-mo só chamal-a, a vor se ella vom. E sem esperar acquiosconcia ao pedido, corrou a apanhar uma porqão de taloa de inhame, a vcloz qual Iavandeira por entre os prados, aproxiinou-so da Joiu, chamando-a. 0 - p a e e a ni2e seguiram-na, c mais atraz Joanninha. Eu fiquei s6, contemplando aquelle quadro.

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NARRATIVAS IKADEIRENSES

Já, o sol

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Í77

se apresentava coin toda a sua bellesa por sobre as montanhas: as aves pipilava7n; saiam do redil a s ovelhas o ouvia-se ao longe - o rumor da orchestra dos trabalhos ruraes. Meia hora depois, voltaram todos. .Ouvi a maviosa voz da Rosinha que me chamava: Vigie! vigie, - gritava. A Joia, ruiaiiiaudo uma folha de canila il'assucar, vinha pausadamonte atrnz d'ella, segura por lima, cortla. kQoiroii-se de niim a pcquenita. -VOLI mugir a minha vaquinha, e a senhoi-a rao tomar o leite. Jo~nninhnaproxiinou-se, a a Joiu virou o focinho e deti mostras de impaciencia. Tira-to Joanninha, disse a inZCe, - agora sei as mnldaclas que tons feito ao pobre do animalsinho. A pequena retirou-se para a porta do casal, que mil rosas e madresilvas esmaltavam. A mãe, erguendo a voz, continuou: -A Joia nBo se esqueceu dos teus mdos tratos. Os animaea, mal conipara.ndo, em certas coisas 8% como a gente. Conhecem o bem o o mal, nrlo se asquecem de um, nem da outro, Vea? Vigia como se deixa mugir.

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Tomei o leito. Rosinha afagou a Joia que lhe lambia as rnEos. Retirei-iue.

.Dias clepoia voltei ao casal das madresilvas e 110aeiras. Joanninha, inugia a vacca, Admirei-me! F o i ainda a mãe quem me explicou, o m sua lingungem desenfeitadn, o milagre: -Vê, minha senhora? O animal O que 1110 deix umn lipão. A Joanninhn vae mudando de genio, AS m4s acgães sempre teem castigo. Deus aborrece os %{os, tanto quanto ama os bons. Esth em toda n parte, iudo vê e tudo póde. Para recompensar os bons e castigar os máos faz mover as proprias padrarc e fiillnr os animaes: n l o acha, minha senhora? Beijei Joanninha, e deixei-nie levar por sua ira3 que, puxando-me pelo vostido, mo clizia: -Venha vêr s minha gallinha de poiipnl Ribeira-Brava-Iradeira, 1877.


TOUJOURS A TO1

A ti que cm niivcns retratei nos ares A t j que em astros retratei nos teus A ti que crn ondas retratei rios inares A ti nicu anjo o derradeiro adeus. Jo達o iic I)EUS.

Deixa dizer-te, repetir, ineu anjo, tuao qiie soffro t80 s6sinlia aqui: a ti ineus cwtrmes dedicar sb dovo, a ti, bom anjo, semljre s6 a ti.

A ti que 6s raio

~ ' ~ S Ssol C que brilha nas sombras nogras cl'este mou v i v a r ; a ti que animas a minlia nlina exhausta entre as tortui-as d'uin cruel soffrer,

A ti quo sm flores desenhei nos prados, a ti que em maguns, por meu bem achei, a ti que em sonhos divisei t達o caros, a ti, meu anjo, qiio t?io codo amei.


A ti que e11 aino com paixto vehemente, que és luz, que és vida, que 4s amor, prazer, a ti quo és norto que na vida sigo, ente adorado ein qiio só posso crer.

Deixa dizer-to, repetir, meu anjo, quznto meri peito sente dentro em si: amor profiindo, dedicado sempre a ti, bom anjo, sempre só B ti.


H.OR.AS D E A L L I V I O

A MEU I R X ~ O SBVIER DA SILVA

Encontram-se nossos pensamentos, como so adivinham nossas presanpns, como se compreheiidem nossas alinas, para confirmar mais urna vos o dizer cle Alfreclo cle Vigny :

11 a'est troiiv8 par fois..

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Deux mnes s'elova~itsuis les plainas clii mpnda, Toujours l'une POLI^ 1>autre existenca fcconde; DouSle et briilant rayon nC d'ua xnĂŞme soleil, Vivant; coinme un senl etro, intime et piira meiaage, Semblriblea dana leur v01 nux cleux ailles cl'un xnge Ou telles qiio dos nuits les jnineaiix radieux D'nn frateinel bclat illiimiiieilt les cieux. 6


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OFPERENDAS C _ -

Almas que a multidzo vozeadora, mesquinha, egois. ta, não coniprehende: que os adoradores do abezerro de ouro^ não descortinatn, porque lhcs offuscam a vista os fulgores que projecta o seu idolo.,. Almas que na terra similham as perolas da rocio que o sol absorve das petalas da flor, para as transformar, acumuIando-as, em nuvens, suspenclendo-as no espaço. Almas que ~ o d e i nama vez por acaso tombar e conspurcar-se, mas para que erguidas rebrilhem mais limpidas, aclareadas pelo passar do v40, que as purificou da vasa esparrinhada pelas que no lodo se revolvem Soffrcin, porque se estremam das volgaridades: pndecem, porque quasi sempre 820 alvo cla turba parvoa, que torqe a bocca n'um alvar sorriso a quo cliarne d6, oii distende os Iabios n'um esgar brutal, a que dá o nome de despreso! D6 do que não avalia; despreso pelo que não comprehende! Quando se encontram duas d'essas almas, attrahoinse como gotas de agua perdidas no espaço; aproximamse, fundem-se n'uina s6!

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IIORAS DE ALLIVIO

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Paz o dia de lioje, osplendido c iilagnifico, lembrar aquelles versos do teu querido poeta cego como Milton, su maior do que elle no dizer dos entenclidos, que não no meu; em taes materias nLo tenho voto. Cego que vê tudo como disse d'elle o poeta enorme; d a Franpa, Victor Hugo, por quem egualmente sou fanatica. k o Cantico da m a n h b u que allndo. aQue alvor ! que ainar ! que musica ! Nos céos, em mim, no ar !u Posso qnasi exclamar como o poeta, por que sinto t ~ ~ i quanto io descreveu. N'estes dias ha mais calor no sangue, no coração; mais fogo no amor, mais amor n a alma, mais alma no viver, mais vida nos affectos, nos movimentos, nos transportes intimos do existir. Pelo menos em certas nature.sas, e a minha (1 uma d'ellas. Mal que despertei, na beira do telhado chilreavam andorinlias o seu canto d'amor : ali junto dos ninhos que annuaiinente construem. O sol espalhava os mais bellos dos seus raios, que para mim são estos da primavera, e coando-se pelas vidragas do meu quarto, traziam-nie luz e calor !


A alma elevou-se-me n'um delicioso arrabo e pensei em ti, amoravel quaes essas aves que ouvia pipi1ar;pensei em ti, e ergui os olhos marejados de Ingrimas ao azul do c60 a pedir ao que n'Elle habita menos torturas para n6s ambos Tens rasgo, enganei-me, quieera O mundo tal como o sonhei, como o vi atravez d'um prisma de illns0es. Qiiizera que tiido o que nos rodeia fosse terno, meigo, sincero, grato para eu poder ser assim sem mQ ver ludibriada,. Mas succede o contrario. Vejo o despreso substituir a ternura ondo ella devia ser "mais acrisolada; v 4 0 o trato brusco occupar o l o p r da meiguice; vejo o indiffereutismo onde a sei~sibilidadecarecia de sor excessiva; a ingratidgo avassala os que tinham obrigagzo de rier cledicados; a iiialediconcia ataca os caracteres mais dignos; e, o que B maior espanto, os maldizentes a80 os que mais favores h30 recebido de n6s! Como Q triste e arido este mundo!

...

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Porque, n'um momento, lialito, menos puro empanou, a larnina de aรงo brilhante e limpida, n2o se clesvanecerd jamais a mancha?


HORAS DE ALLIVIO

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Porque a nuvem, pei.passando uma hora, obscnreceii a cstrclla, n2o fulgir$. o astro nunca mais? Porqiie furioso o siil, com violento furncno, encrespa as aguas do rio, rsvolvendo-as do alveo á superficie, turvando-as e irnpellindo-as a innilndnr a margem, não ro1vei.d a deslisar tranquiiia a cauclal formosa? Porqiie, ao revoar por entre os tojaes, a pomba nivoa feriu s ligeira aza, e um laivo do sangue purpnreou a aIvura das pennas, 1350 malhorard a mimosa avesinha, nEo desapparscerrl O signal do damilo? Se eu fui o bafo que te empanou a alma, nuvem que te enluto~io espirito, tojeiro que te espinhou o corngão7 não coiiseguiroi que volte a ser qual foi ,z alma que soffreu, o espirito que cleliro~i,o peito qtie se opprimiu, o corapgo que ia quasi estalnndo? Não digas que n8o: nem t u o ssiites, nem eu o croio

...

Madeira -- Campanario, 1876.



BOM EXEMPLO

AO

E X . ~ O

Sr. Dr. BilRTlRfIO DA IiUCIIB G U I U B R ~ E S CAIIĂ•BS VoItsndo a meiga andorinha a casa do lavrador, viu que nem gr8o tinha a tiilha; nem o lar tinha calor.

A lavradora, coitada, chorava os moveis perdidos e os brincos cl'oiro vendidos para pagar ao crbdor. Levou-lho tudo o imposto I Correu-lho o anno ruitn, e o anml do casamento, at8 empenhou por fiin I


Prostrado, o pae cle familia, dizia, com voz magoada : uNão posso suster a enxada, xnão sei que será de mim !

...

Depois, mulher e marido, trocavam tristes olhares, exprimindo seus pesares, que eram peior que morrer.

E emquanto os pobrcu choravam a beindita viajeira na janellinha ti3apeii.a ia o seu ninho fazer.

Do lavraclor os filhitoa B jnnelljnha, cliogados, «H30 cíintarhss 11113 diziam, ((visto sermos desgrngadoa : ccvae longe, para bem longe nfazer o teu novo ninho; ntudo 6 triste passarinho, «aqui nos nossos telhados.


E vae, o volta a operaria, proseguir o riinbo vem ! co'a palliinlia clelicad~, que fura culliêr aléia. Porem o vento soprava e a palha no longe cahia, i ~ a sa aildorinhn porfia. . . E o campo mais palhas tcin.

N"a desaninin, B assidiia; p a r i o ninho cm todo o dia, a nuiicia da pririíavera, novas palliiillias trnzin.

E cliilrcxva contento, batendo as Azas gentis, conio dizendo:-- O que fiz, torno n fazer. Que ~legria!

O Izvraclor isto vendo, diz - «Se aii podesse imitar a aquelln ave aornjo~a, ctiusistiiido etn trabslliar;


rque ernhra o reato lhe leve ado ninho a palha inda solta, car

&%r o rninho volts

awmpra em continuo lidas!. . .

#Fui eu que fiz n d r a , &outrosccrrnersim-lhe o grPo, ae t~ filha8 e n companheira gdexcslr;mrr v g o B sem pito ! ! .

..

~0que junbi pma ellw rssimrtlb sr達s pdhm do ninho, qu~es,O venb dairnninho, rmal p"5, hngs no chgo..

.

uiE n6s pedimos a morte, ancm scquer luetar tentAmos, ce ao duro rigor ds mrte adesanimadoa verglmm!. .

.

<Nas, quem sabe, oh andorinha! a e o &SenhorBondoso Deus, ate enriou junto doe meus, rpma ver se te imitamos?. ,

.


---

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Bohr EXEMPLO

uEnviou! Tomemos forテァas, abusquemos o fuso, s enxada; ua ave que Deus nos manda ((seja por n6s imitada. &ia, filhos! ao trabalho ! ((deixae acabar o ninho: ucinge a roca, fia o linho atu, mulher; tristesas nacla li,

E d'entre a afflicta familia fttgiu da incligencia o horror; robustez lhe deu, e forpa confianテァa no Sei~hor! テ《 vexes, nos dias tristes, sentindo os membros cansados, diziam : Basta! - enfadacios do seu trio rncle labor:

-

e ao c60 os olhos erguendo viam na trapciia o linho, apesar de t2o pobrinho tornado agora thesouro.

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E sempre ao vel-o sentiam ao trabalho mais affecto, que Ihes deu viver quieto, sustento, e paz, duraclouro. Ponta do Sol-bradeira, 1876.


NARRATIVAS MADEIRENSES

h ExSrna SrSa D. MARIA ARSPNIQ DE ANDRADE

Ha quarenta annos urna tempestade liorrorosa caiu sobre a cidade do Fuilchal. Algrins navios surtos no porto levailtaram-se a poderam fugir ao temporal, outras vieram dar iL praia, ou perdesaiu-se no mar alto. Em um d'estes ultimos passaram-se taes scenas, que n.30 se apagaram da memoris dos madeironses por longo tempo; a ainda hoje B releiubrado com mngoa, por iziuitos, o ho~rivelsinistro. A testaiuunha ocular ouvi a historia que passo n contar.


E r a em dezembro; chegltra havia pouco ao porto d'esta ciclade a barca franceza IIiroolzdelle. O eapitno e dono era viuvo e trazia duas filhas, que estremecia, para verem a Madeira tão justamente fallada no estrangeiro. inutil fazer retratos: oram duas creanpas urna de quinze e outra de dezesete annos: airosas, sympatliicas e com aquelle donaire tgo notavel nas frailcezas. Acompnnliavam-nas duas criadas; o que B facil d e snppor, porque o rico proprietario não queria faltar com os maiores coinmodos e regalos fis suas idolatradas filhas. Ainbas erain jA noivas déja $uncées com dizia M. de Marignio ao apresental-as ás pessoas de suas relapões. Se nElo o cegava o orgulho cle pae, as noivas eram umas perolas; deux arais òijoux como elle usava denominal-as. E n2lo exagerava de certo, porque suas palavras eram mais quo confirmadas peles criadas; peasoas sempre dispostas a dizer mal dos amos. A primeira sociedade do Funchal, a elite como se dizia entno S franceza, ou o high-1% como se usa hoje, á inglesa, recebeu as duas Marignie com a maxima affabilidad e , que t: um dos ~aracte~isticos da familia madeirerise.

~


M. de Marjgnie, era filho de um conde c70 iliiperio e peu pae morrora almirante. Grato ao fidalgo acolhimento da sociedade iuadeirense, o distincto cavalheiro qniz corresponder-lhe, offertanclo zcne nzntinée dansante a bordo da ~ r o ? z d e ~que ~ e , foi engalanada para a festa sumptuosamente. A marinhagein do navio vestida de novo, recebia no caes, então airida nBo arrilinado, os convidados que os esca!eres da barca empavezaJos de flamulas e galhaidetes e flores, conduziam para bordo. O luxo, a graça e elcgancia franceza, via-se em toda a parta. Nunca os madeirenses tiveram festa d'aq~lellaordem, mais esplendida. k ocioso referir os promenores; a leitora imagina de certo o enthusiasmo que reinava n'aquelle dia, as danças, os ditos espirituosos, os cantos, tudo o que poderia arrebatar os coraçí3es, enebriar as almas!

Proximo da tarde o immecliato, que ,gstivercz algum tempo fora do salão, chegouase a M. c10 blarignie e disse-lhe: CapitSio o tempo ameapa trovoada. N3o é iniiito seguro o porto, seria bom ir para terra.

-


-Vou dar o signal da partida C agradeço-lhe o cuidado. Pouco clepoi; o grtipo alegre dos convivas, descia pela escacla c10 portal6, e e~nba~cavzva nos escaleres com direcção ao calhhu. Corrcrn tiiclo bein at6 ali. M. cle Mnrignie acornpanliára os conviclados a torra, Oregress4ra n bordo para buscar as filhas e as criadas. Quando por8rn abordoli ao navio j& o vento era rijo B O mar começava s encapellar-se. -Que lhe pnrecc M. Fri~ncntesperaremos que isto abonance, por ser difficil o desembarque das minhas filhas, ou vnnios j B para torrti? - CnpitSo, te11110 otivido dizer que as tempestncles no porto do E'unclial 1130 s8o de longa duraç2io; e As vezes riWo psssain cl'estes golpes de veiido, a que OS do pai^ chamain tvouondns, eiiibora nEo faça trovõos, acho pi*udento esperar, e so coi~tinua~, levai~tar-nos-hemos para traz da illia como iisain aqui fazer. - Esperomos pois. As daas meninas tinham largado os seus carnarotcs o chegavam nhsto morneiito: &I. c10 Marignio fez signal no immediato que se nff~~stasse G correu a tranquilisar 2es jeunes fia~zc&es, O vento angmentnva sempre; o mar bramia com LIris.


31. de Marignie ligeiramanto pallido, deu coin voz segura as orclans para o navio se l e ~ a n t a i *teildo ~ mandado recolher aos camarotes suas fillias. O navio obedeceu perfeitainente; porém qirrindo j 4 ia uin POUCO distante perdeii o leme que o mar lhe quebrou e foi eacalhar n'uina baixa. Partiii de todos os peitos iiin grito angiistioso ; miilti~licavan~-so os sigi1a.s pedindo auxilio : mas se :i hora em que escrevo nincla os soccorros para estes sinistros s3o quasi nenliuns, o que faria ha quarenta annos? A terra, estava ali a beni peqlieiia distancia, a 111111tidno enchia o cnlhiiu afflicta o clese,josa de poiler salvar aqiielln gente! A noite descia ral~ida;o mar einbravecia cacla vez mais; o vento redobrava da 'fiiror a as ondas batiam n a barca c0111 forpa espai~tosa.Eram serras d'sgua: assim o diziam n a praia. Eiii terra não faltava boa vontade de valer ao navio; faltavam apparelhos, BIuitos hoinens intrepidos tcutarnm lançar ao mar UIII barco coiil algails cabos; inas o oce$iio, aqiielle gigante inedoriho, torrivel, cruel, balcl8ra szns exforgos,

.............................................

D'ali a pouco s6 11113 l l o i n c ~ ,a que se enlaqavanl duas meninas, ag.arrado a um pedaço da mastro, 1 ~ 1 ~ tavn da balde para gailliar a praia. 7


Os mil fachos acccsos no call~áu,os brados de animnE%, os trabalhos arrojados dos madeirenses para ciinse-

guir auxiliar aquelles infelizes, mostravain quanto interesse tinham pelos ilaufragos. Passou rapido o drama,

Um golpe de mar palktira ao meio a Bi~.oade7le; e emergiram do tiirbilhão das vagas acluelles tres eiltcs. Um velho lobo do mar, como dizem os francezcs, fdra por 31. Marignie encarregado, além de oiitros, de vigiar pelas suas filhas, ses deux Õijoztx, como lhes chnmon ainda pela derradeira vez. Nas a tempestade nada coilsentiii; o clepositario dos theaoiiros do capitão francez viu-se cle repente agarrado elas duas meninas a tentou ainda Iangnr mão ao niadeiro. -NBo possó salvar ambas se me n3o largam o seguram ao mqstro, para ou ao menos ver se comsigo ir nadando com um clos bragos e dirigindoeo com o outro. - NWo tenho forças para agarrar-me a si e segurar-mo ~ s t r o ;Jarin deixe.ine morrer, e salve a minha quermã, dizia uma das meiiinas.


-N?io, ia?io, snlm a Elisa: 6 mais nova, cn morro. E clzs~irorideiido-sec10 cinto c10 rilariniieiro a declicadn irmZ fecl1ou os 01110s: a onda revolta embrulhou-a lia iiiortalhn d'agiia. Jnrin deitoa uma ilas iiiBo3 a Elisn: irias esta que virn clcsal~p~recer n ir~riWclesinniou e abandonou o apoio qiici lhc d u v n o mnrinheiro. O i-iial*cagoliii outra victiriia! - -iãT01i2 d'1in Zlieu! praguejou Jariii. 2bat est f i l z i . E largando o peclaco de mastro ergiieu as rnzofi ao c60 e i s nfiindar.sc quanclo uin valente Lnrqneiro o agarrou i,elos caballos e conseguiu segurnl-o; de terra piicharnm o cabo qiie prendin o corajoso fillio da &Iadeirli, o Jsriii voltando uril poiico a si o sendo mais forto ~i'c!le o iizstincto cle snlvap20 do quo a cl6r pela pcrcla das fillias c10 seu capitXo, logrou pôr p6 ein terra. O iioinc c10 cornjoso ba~qtieiro,ficoir ignorado coino o c10 tantos outros!

Cartas de F ~ a n ç arecebidns mais tarcle por &I,B1aii;e consiil nx Madeira, contavam qilc uni dos iloivos fGrn para Argelia fazarm malnr 11010s arabcs, o outiqo011-


100

OFFEKENDAS

louqneceu e qnebroii n cabeça de encontro aos vnrõcs d e ferro da janella do seu quarto. Na parede acharam-se cscriptas a lapis estas duasquadras de tiin outro loiieo sublime, Gerarcl cle Nervalr

((Ou soiit 110s amoureusas? ctElles sont dans le ciel! ctEllas aoiit plus heureuses aDans un liea plus bel. Elles sont prés dos anges tAu fond du ciel bleu «Et chnntent les luanges ~rDoIa BIére de Dieu!


QUEIXUMES

A 0. COLUAíBil DE NlCNiCZES BORGES

Borque nos Bstos cl'uma dor imi~ei.isa nie opprimis Senl-ior? 'Porque claes h minha a l m i ~ein inagua imniensa continuo aini~i-gor?

Eu creio que sois Pae, que clnes pieclacte sempre no fillio afllicto; cj11e tom sempre qiiinhao essa boiidncle coraç%o contricto.

Se é crime, o11 Deus, o aiuoi., porqno h ininlin alma cheia, da B~%c<;%o, deste o fogo sem fim, que iiaila ncnlina, o fogo dn pnix2ol


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OFPERENDAS

--Porquo revolto como o ocoano irado, &to sempre o peito? E o c o r a ~ kgcrn~ildo,angustiado, eiu perlaรงos f'iito? ! . .

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Se das miseras sou a qileiil a sorte repartiu a d8r; desclitosa cle rniiii, antes rnorte ine deis jA, Senlior I . fifadcira-Funclial.

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A FAMILIA ALBERGARIA ROMANCE RISTORICO ORIGINAL

E n t r e s pleiado de eacri\itoras, clue actuali~entoesrnnlt:ii~i a litterat~iraport~igobza, figura em primeiro logar 11). G~iioiunrTorres&o. Longo vao a &]?ocaem qiie o escrever, e mais ainda, o publi~,zralgutn escripto, 110s era defeco. Quantas e c~uaritaspagiiiaa iiitiinas, perfuruaclas, ~iootic~ts, se perderam rasgadas pela mulher, qne, a medo, uiil dia as liav i a traรงaclo ! ? . Quaiitos o cliial~toatnleiitos dcvados, que pocleriam ter cntliiiaiasninclo o :iri.cbatado ns niul ticlijes, brilhnrams e l>rilkiai.am! npui~nsne couvivcncin do d i i a ~oli trc4 ,zmig.i~,que sc enuoiidiniil todas sol> n arvoro fs~lidos:i clo lwado, oo ei~trea iiiui,ta c10 jardim, par8 oiivirein as euli.op11cc" inclocliosns, o u um trcclia do prosa de qunlqiiei.

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10.1,

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OFPEIIENDAS

d'ellas, e as coitadas, com o coragno palpitando de snsto, interrompiam a espaços a leit~irapara lanparein olhares a furto e temerosos em torno de si, csperarido do qualquer parte vêr suiagir o rosto severo da i~llae,

tis ou goveriiaiite, que Ihes ceilsiirasse asperail-iciite aquella pel.igosa distracç80 ! . . Quantos e quai~tospaes se nLio horrorisavain c0111 a idda d e qiio sua filha fosse dada Q leitura?. . Quantas e quantas rn8es nxo aproveitavaili o somiio da filha, l~orgi?oadorada da sua a l ~ n para ~ , llie tirar e 6sconder para todo o sempre o livro coln que a irieilina sc deliciava ; coilf~indiiidoa boa iliãe niuitas vezes, i10 seu excesso de cautelosa tcrvura, o bom com o 1360, O iililocente com O perigoso ! ? . I-Iouve paes que votarain suas filhas $ ignorai~cia,e que -i-iotavcl aberraçbo c10 cspirito hnmailo ! sciiclo illustrados, iicgnvain 6s fillias o direito de aprcnder n 10r 1 ! So o homclil, a queiii Deus accendêra no esyiirito a chn~iima s~ibliiile da poesia, era inenoucabndo, o com ii1tent;Po alounhaclo dc poeta, coirio se queixoti Alnieida Gni'rett no Cmz5es; qno auccecleria ti poetisa? ! . . , Acolliixm-il'a sorrisos cle db, quando 1-60 de desdein e meuosprcso; os liornens zonibavaiil d'ella a occultas, cliainnvnin-lhe sairicho?zn, o para vurgoiilia do liosso sexo ~ O V Gclize~+-se~ que em niais c16 nrn coiiciliabnlo feinini-

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no a inveja e o dcspeito ving:rvain-sol caIuinnianùb em baixa) rzqaella q n e n3o podiam egualar ! Ae inais baiievolas olhavain, com certo panico mesclado de a d m i r a ~ ã o ,para a mulher quu ous8ra revoltarse contra a obsc~ii~idncle a que entendera dever coizclcinnal-a o sexo forte. E iiiais de uma senlioro afidalgada, nno podendo clesforgar-se d e outra sorte d a mulher corajosa que se atrevia a quebrar as algemas cor11 que iiiteiltavnin irnl~edi1.a de pogar n a pcniin, ein iioine cle niio sei que precoilcoitos, vingiiva-se, se era iube, ein aconselhar os í~lhosque ntlo busoassem taes in~~lhares para compaiiheiras do sou lar. Levava at6 o seu rancor a proliibir As fillias rolar,Tiou com siniilliantes seiilioras. lks iii~ilhcr, licasava se entno - sê ignorante ; saffre, chora ; roga coin 1agi*iinas a tiin alcova de virgoin quando os vagos receios do porvir te assdteiii! Iri~inda co.1 t e ~ i s prantos, st; 6s mhe, o b e r p c10 filhinlio, cm quanto dorrna, o tti esperas o esposo, que só alta: noite recolh~:r:l saciado cle prazeres criiuirios~s. hIas se D c ~ i stc cloton uma alina de tanta intelligeneia, que vencea n proprin ipnorancia a que intentaram coi~daini-it~r-to, 110111 por isso c o i ~ l i n ~ n i q ~ ao~ papel es teus clesgostos, ncin por isso lnilcea ii'ulle as alcgrias ou cl6res que to v30 i10 ii~tiino,e se f6rcs assfis temeraria para fazor tal, por D o ~ i s! n?io entreg~iesd luz pnblica essas VOZ

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OPFERENUAS

fi6ras cla tua intelligencin, essas perolas do teu enge-

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nho, esses friictos dn tua iilspii.ag8o ! hligiisl;ias ou alacridades conserva-as em ti, e nzo as trniisinittas Requer como deanfogo It folha branca do papel. So, por distracp50, buscares na escripta passatempo, alc~ii~har-te.liZode vaidosa, de louca, rir-se-Lba de ti ! fio és ~iobre,R nobreaa Q bastante para seres hdniirade; se é3 plebeia confunde-te coin a m~ilticl80ignára ci> n(io tentes grangear coin a tua peiina pergaminhos do iicihrcsa litteraria que te distingam. Iristruir a mulher ! Pnrn quo? ! Pnra sa rcvoltar (pobre escrmn da força I) contin as violencins e grosserias do inarido ? Pnrn a fazer libertina? I'cnsavn-so nssiin, salvo honrosas excepções ; a nEo se recorclt~vnincllia a miilher, buscando nn leitura rofugio As nlnguas, 1x50 se desviaria jiiiids do caininho do cie~ 0 1 , . E n3o se letnbravam, quo embora a sociadade se fosso praverte~iclo, R riiullier iiistr~iidaperisaria, seupro que nlio restava no ineio cl'esss corruppilo scnÃo a sua puros%; « c ~ L I Odevia csrnagar o coração paila n2o clescer jtlrxinis do pedestal onde os respeitos s sandasse1n.n Pobro iizulhar! tens siclo victiius pacifica a resignada


c10 egoisino de um sexo qiio entcnclcii ser tEo sdinento partilha sua quanta sciemia Deiis osp:~llio~ino mundo ! !

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Ia-me descaindo a pennn para. considerações bem diversas do meli fim,RO ti8apr estas linhno pobrissiiuas do iiispirag20 : consideragCus que ilie suggeri~ia leitura, do iiovo c formcisissiruo livro do D. Guioiunr Torres30. Gracns B civilisaph d'este seculo, a niiilhor tein iclo tomai~cloo sou vordaàciro logar na sociedade, deixaizdo ao homem o qua é de suas attribiiições, nAo abaido. naiiclo ileilliuinn dnu virtudes ou eilc,zi*g)squc 1110 60 \)razão e g1oi-ia, O compartilliando coin elle as lirles littornrias, trazenao h Iiia piiblica, as priiiiic:iau do sou tn1el1t.n~som que O seu i-~otnedeixe de ser estimaclo e i,espei tndo. Haverti ainda. irnl oii o~itíocspirito cntursa, Iiaverií aiilcla riizl 011 oiitro cziracter frio c cxlculaclailieilt~cgoistn q11o sc i~evolte;mas d liora ein que escrevo o seli 11~1mero deve ser climinutissiino. E protesto aq~ii, desde jR, em iiome dos habitantes d:~ furinosa cidade do F~inchal,u quem ainda n5o ha muito ouvi alcunhar de daspresaclorcs dou talolitos feminis, o de qiiem ouvi clizor qiic iiKo estiinariarn uin livro qualqrier oscripto por lima senhora ! Pi'otesto, pai*que os cavnllieiros inacleii.cilscs coin quom ath Iiqje liei


conversado, sei que tributam sincei,o preito ds producções littorarias do sexo a que pertengo. Protesto, porque 56 quem nLo conhece^ o ostado de civilisapão o adiantamento d a Macleira poderá irrogar-lhe ta1 censura; fazer.llie similhanto injustiça. E tenho fé que o ronlatice iiiagnifico cle D. Guiomar TorresXo h a de achar il'csta virenta ilha o acolliimento do que é merecedor. Espleildido livro na, verdade ! Não me cega ao confessal-o o culto quc 118 muito dedico B illiistra eucriptorn, n3o me illude n sympatliid que 111.e tributo, .ambos fillios clas producgõos mimosas do seu peregPino taleiito. Os ascriptos da poetisa li~boilensesão para mim encailtadores ; e no obscuro retiro aonde vivo, sigo a par e 11asso as nmanifestações cada vez mais radiantes e viviclas cl'aqnelle astro formoso d a nossa hodierna litterntura. O primeiro livro de D, Guiomxr T o r r e s k foi a Alma da ?~zidher.Tinlia 18 nnnos quando O publico^^ ; o estylo O mimoso e singelo, revelando-se n'essa primeira, tentativa on dotes litterarios que exornavarn om tão juvciiil edndo, a siia auctora. Julio Cesar Machaclo, uin dos nossos primairos litteratos, sem duvida o primeiro folhetinista portiiguez, 6 ç1uori-1 1veí'acia aqiiella obra. As ZZosas PuZEidas são um primor ; o corap5io dn inu-


Ilier traiisparece n'aqnelle livro com toda a poesia, com toda a suaviclade; e se me n%o vissc forpacla a resuinir estas iiisignificai-ites linlias, que o entl.iusinsino pela cscriptora e 1150 a minha competencia lua levou a escrever, se qiiizesse a melhores artigos roubar espago, coiii tSLo inesquinho trabalho qual o meu, apresentaria aqui a l g ~ ~ nexcerptos s cl'essas bellas paginas, e aIguris trechos dd Thornds Ribeiro, o poeta notavel c10 D.J c q n ~ s , e cla Delphina do Bful, peiina anctorisncla que escreveu o prologo das Rosas Paliiclds. A Ipunzilin Albel.gavia B roinance da mais siibicla plana, e para dizer d'elle tiido o que merece, necessario fora o talciito de Piilheiro Chagas ou Latino Coelho, e O estylo brilhsnto de qrialquer cl'essos dois escripto,es. S6 uin critico elevado e sabcdor poderia avaliar o analysar uin romanco como é a .P1uvziliaAlbevguvia. O romance historico 11%tido ein Poi.tuga1 desvcladoa cultores; inas senhora algiima, me parece, tentira ainda encetar aq~iellegenero. Abalaiqou-se á einpresa D. Guiomar Torresâo, e do ti111 modo que nos veio mostraiTO inl~itoque vale, e o quanto pocleinos espeivnr cl'esse talento enorme, coti~que a Yroviclencia n doto~r. Corre a acpão de 1324 a 1824, tempo ein clue sa travou em Portugal unia luctn ingente. E a anctora descreve as sceiias d'csstt bpoc,z coin tal


veriladc e impxrcialidade que jtilgo i150 Iinverh motivo para lxotcsto c10 noi~hurndos dois partidos. BcrtLa d'Albcrgaria BIoiltoiiegro do Serija é iima cscnç8o fclicissimn e o vulto que inais attrae o enleva. no romance : depois d'clla Alvaro desperta-nos a rnaioi sympathia. &tio clevapEo de sentimento em ambos ! Que grandesa d'alrna, ! Qao nolresa de caracter ! O typo cle D. Mendo, o chefe da nobre farnilia Albergaria, cst8 firlalgainoute clescsipto. O sou clialogo com o duque da LafUes é sobcrl-io ; 0 6 im~ossivelclcixar do admirar n'esaas paginas, locm cotiin c111 muitas outras, o profundo saber cle D. Gt~iomar Torres3o. 3i'inrgarid:~ impressiona pela auzl clodioap30, pelou seiis soffriin eiilos. As sconns entre olla e Bertha s8o cheias do iiltcrcsse e comrnovem sempre. O dialogo 170 pi.csbytcrio, oiido Mnrgnridn vae procurar o padro Hci~riquepara quo dissuncln D. Mcndo da a casar com hlvr\i*o, clos maie liein escriptos, no inou liuwiilclc iuodo do vOr, c10 lirecios,) romancc. E padro I-Ionrique ? Qiiam 11Eo 11x cle alnnr e<respeitar o sacorclotc t:tl qual o clesci~evon anctorn ?


Nzo é dos iilais ii>ferjores pewonageas Riiy dc Bledeiros, e R ndrnirng?io do lcitor ac01111)aiiha O i l l ~ ~ s t 6ro dalgo, desde que elle npparece na tellzt c10 romance até qiie 1nol:re. E m todos os outros typos creados pela auctorn lia verdade e rigoroso desenho. O ar. D. Migncl, o si. D. Pedro, o corido de Bn:;to, gr,ziide nninero cl'esses vultos qiio liginrn~.nniaa senda politica portugiieza, no lapso de tempo de 1824 a 1834, ap~nrecemno ronlniice esboçados rapidamei-ito, é vcrdado, mas esboços ondc se rcvela 11150 dc mcstre. O estylo do livro é inagaifico o ndaptndo aos pcrsosagsns que a'cllo figuram. Serinino a r r e ~ ~ n d i d ae ter comegado. Irreflectidamente cedi ao impulso do escrever Acerca do livro cle D. Gniomar Torres20, e bem pouco, qnRsi n ~ d ndisse, tendo tanto a dizcr! Mas ... sd ngiiias acoiiipanhain no v60 as outras aguias ; a avesita, qua adqja proxiino da terra, i15o ptide clerar.8~até onde se Sibra n rainha clo espaço.



AQUI

Viraçzo embalsamada, perpassa ii'este logni*; e V&SQao longe do mar correr a onda, anniladn.

No cimo cl'altivo monto divisa-se o e~emiterio; e vĂŞ-se no cemiterio o c y p r e ~ t eerguenclo a fronto.

O insecto voa siibtil serpea o nrroyo delgado e o pintasilgo a meu lado clc~cai~ts as iloitcs d'abril.


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OFFERENDAS

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Um echo s么a distante, repercute na quebrada da ovelliinlia tresmolhndn terno bnlir incessante:

Tudo isto me seclua, ine cnptiva in'arrebata; mas cl'uili tuu ollhi. yuo iriata, mais poesia se traduz, P(,nla d~ Sol.-Livramento.

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ALDA OU A FILHA DO MAR

Lembra-me tar lido ha annos em um folhetim da ~ e u o l u g ã ode. Setem6r0, assignado pelo sr. Luciano Cordeiro, que ara inutil em Portugal occnltar-se qualquer eseriptor sob um psaudonymo, pois que o mysterio durava menos tempo do que a vida das rosgs dos tão conhacidos versoe francezes de hiIalhei*l.m:- O espapo de lima s6 manhL. EBectivamente uma liora depois da priblicado o artigo, toda a gente sabe o nome vercladeiro do aiictor que o pseudonyino esconde. Becordo-me tamboru do ter visto um folhetim que fez certa sensaçno em Lisboa que vinha aasignado- Carolina; Ii, noito no theatro jd corria de bocca em bocca que - Carolina - era Julio C. Maohado. Ultimamente Christovgo de 55, appareceu mystoriosamente assignando folhetins e revistas cla se-


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OFFERENDAS

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mana não sei pelo que, todos disseram que OS folhetins eram do sr. Cunha Bellem e não se enganaram. E a Valentina de Lucena do Dia?-ioPoplbZar? Quem nIo soube que era D. Maria Amalia Vaz de Carvalho ? Ora, quando isto succedeu nos grandes centros d~ populapão, o que far4 n'uma area pequena como ó O Funchal! Apenas o jornalsinho transptie os umbraep, da typographia, trazendo folhetins assignados com pseudonymo, desconfia logo a primeira pessoa que o lê quem é o auctor. Ainda nSio ba muitos dias appareceu toda embugada a Rita da Purificapão e afinal um pequeno periodo tornou-a bem conhecida e vein segredar-me baixinho quem era o auctor : um cavalheiro muito conhecido, de muito merito, Salvador Gainito de Oliveira. Ainda não comprehendi a vantagem dos pscudonymos. Vem isto a proposito do pseudonymo - Cesar Ortigão - adoptado pela intelligente escriptora de cujo drama vou dizer duas palavras. Apenas veiu B luz publica o primeiro folhetim cle Cesar Ortigão, n'esse mesmo dia soube quem era a auctoraTenho lido com interesse todas as outras prodncgões da distincta escriptora, e ou eu estarei muito engnnada, ou S. e ~ lua. de ~ occupar, ainda um dia, um dos primeiros logares entre as senhoras que cultivam as. lettras.


ALDA OU A FILEIA DO MAR

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Eu sei que nos censuram por isto, eu sei que principalmente o sexo que se apellidn forte, na sua maior parte, ci7itica desapiedadamente a mulher qtie tem a louca vaidade, dizem elles, de communicar ao papel a s suas impressões, e a vaidarle, ainda mais stulta, de publicar o que escreve. Seria com receio cl'essa critica que a auctora occiiltou o seu nome, e seriu para adular o sexo forte que foi escolher Lim pseudonyrno masculino? Se assim foi, a minha illustre collega na collaborapão d'este jornal, pordoe-me a censura, não audou bem. 'Que mo importa que critiquem? se eu n"a queria expor-me ti critica n3o mandasse para a imprensa os meus artigos, nZo enviasse para o palco os meus dramas. Mas furtar o meu nome á censiira ou ao elogio, isso é que nunca farei. Quem não quizer lêr, n"n leia, 1x20 obrigo niaguem sconssllio até OS que nEo gostaroril dos meus escriptos, a fazer uma coisa milito siinples; ir vêr no final do folhetini se traz a iniiilia aasignatora, e ac11ando.a porem o jornal clo lado; por isso nZo Ihes quero mal.. . Voltando a Cesar Ortigzo, ou antes á festejada escriptora madeirense D. Olympia Pio, posso dizer francamente quo de proposito ftii ao Fiinchd vêr o sou drains, A fama trouxe at6 mim envolto n'uma aiirBola de enthusiasmo o nome da auctora e o titulo do dra-


m a ; e isto era o bastante para desafiar a curiosidade de vêr a producçiio de um talento feminino do qual, como j i disse, era ha muito admiradora. E depois, talvez esteja dizendo a esta hora algum prnguento por exemplo, o que censurou o meu folhetim a Santa C ~ Zparapliraseando um dito celebre : ccCuriosidade, o teu nome, 6 mu1her.u A verdade 6 que-mo agradou sobre modo o arama-e apenas senti, que o enthusiasrno dos espectadores nlo chamasse d'esta vez ao palco a auctora para eu ter o gosto de a conhecer pessoalmente. O drama ressente-se, 6 mister confessal-o, d e inexperiencia de um primeiro escripto n'aquelle gonero, escripto de uma senhora que, segundo consta, não saíu ainda da Madeira, onde não ha recitas de actorcs do pisofi~sãoe raras vezes representam OS curiosos algumna coniedias triviaes, niio podendo ter visto, por consequencia, as obras dos grandes mestrcs ti luz da ribalta. Differe bastante a comedia quando a lêtnos n'um gabinete, de quando a vemos no palco, o muitas occasiões os auctores, apesar do terem lido as suas producp0es perante auditorio selecto,' têem-se visto forqados, depois da primeira recita, a cortar um ou outro dialogo, a eliminar uma ou outra scena. E dizendo-se isto, que seria inutil para a maior parte dos leitores, esti clada a desculpa de qualquer falta, que alguns dos taes pra-

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ALDA OU A FILLIA DO

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unn

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guentos tem por.uso esmerilhar, em tudo quanto se publíca, para achai* motivo de critica malevolente. E talvez precipitada a scena do reconl~ecimento,o não percleria o drama se o panno caisse na occasi2io em que o navio sossobra, e o segundo acto ficasse reservado para o encontro do pae e da filha, sendo facil a o robusto talento da auctora imaginar q.ualquer episodio que alongando o segunclo acto conservasse por mais tempo o espectador d~ividosoe sem poder adivinhar o resultado d'aqiielle naufragio. E uma vez que fallci do nnufragio, permitta-se-inc um ligeiro reparo, que nacla, to111com a auctora, B qnestfto de mis cn-sc8ne: O pac de Alda que acaba de lutar com as ondas vem tso bem trajado, o vestido com tEo poucos aignaes de naufrngio, que parece ter estado na praia a fazer a toilette para se poder apresentar em casa de D. Mathilcle. Alcla é uma bonita creaçLo, B um vulto sympatliico, e a niictora aclornou-o com toclas as grapas do seu fino espirito. Conhece-se lili o corapflo da, miillier qiia ama, e que sente w alma, avassalada por uma paixzo infinitn. O amor é a flor cla vida: C ~ u sans r amour est iin jardin sans fle~irs.


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OFBERENDAS

A actriz encarregada d'esse papel, interpretou-o perfeitamente. Além de escripto com o maior mimo, são sempre commovedoras e bem desempenhadas todas as scenas entre ella e Gabriel. Este papel foi representado com uma naturalidade notavel ! O drama revela na sua auctora as mais pronunciadas tenclencias para a litteratura dramatica, e com a franquessl e sinceridade que me orgulho depossiiir, felicito-a e convido-a a que nos dê mais prirnicias c10 $eu brilhante talento. Despedace por& . a mascara ; deixe de clamar-se Cesar OrtigBo. Pois não ser8 Olympia nome muito mais syinpathico? Ao'terminar, devo dizer que o drama foi recebido co~iiniuitos applausos, e que nilo era nocessario o nieu despretencioso elogio. Nilo precisava d'elle a anctora. «Pois quem tem corôns cle subido nierito j8 n"a oe ipporta com mais um 1oiivor.n Sancta Cruz-23 de junlio de 1877.


Aldu 0 2 ~u F~ZJLCL do 1 1 2 ~ ~ 1 3... ! E a t r e v e ~ - s eV. B defender esse pobre drama que, clescle a primeira scena at8 it ultima, s6 defeitos encerra?! E não receio11 que nos envolvesscm na mesma, censura, a mim por cleixar repiSeseiltar Alcla, a v. por defendêl-a? Agradeçolhe, minha senliora, a coragem que teve. Irti, dias li no Dia~ioiim folhetim do um dos nossos escriptores rnadeirenses. Achava bellesas no drama! ! E eu, por mais que procure, s6 defeitos encontro. Agradeço-lhe o clefendêl-o. que veiu d e proposito ao Funchal vBr o Diz v. drama e que sobremoclo lhe agraciou? Creio; mas, iiltelligente como é D. Mayianna, se lhe não dekobriu as faltas, O porque no auctor via um vulto feniinino, que nSlo lhe deixava descortinar o que em Alda havia de nltlo, o que a obrigava a s y m p a t h i ~ acom ~ essas scenas, porque era uma imaginsçzo de mulher que as havia ideaclo. Alda não presta.


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OFFERENDAS

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Se o primeiro acto se p6de soffrer, o segundo 6 insupportavel. Precisava de mais desenvolvimei~toe infelizmente nno o teve. E um drama que, em tres actos e escripto por outra peiiila rz iiKo ser a minha, poderá produzir effoito. Tem rasão o publico da minha terra em notar-lhá clefeitos. Se eu sou a primeira a conhecêl-os !... Admirei-me que o applaudissein. Ao ouvir os sons da orchestra quo me anniinciava que o drama estava q~iasia principiar, confesso,.. senti a coragem faltar-ma. Como pocleria têl-a se eu sabia o ualor que tinha Alda? Arrependi-me ent8o de ter ido ao theatro, mas era doinasiado tarda. Perguntar-me-lisio talvez : -Sa lhe reconliecia defeitos, se via que o dr,unn dão prestava, para que o cleix~urepresentar? Jb justa pergunta, se c? fizerem, e peço perdão de haver condescendido. Não imagihem que vou defender Aldn; nunca o faria. Vou apenas dizer n verdade, porquo assim talvez o publico da minha terra me desculpe o têl-o massado duas noites. A s vezes, findos oB meus trabalhos, tomava nus pedaços de papel e eeoievia algulnas scenas, sein pensar no effcito que fariam, setii cuidar no desenlace d'ellas. E r a uma distrac@io que me fazia esquecer as massadoras horas de ensino e os enfadonhos tliemas de alle-


ALDA OU A FILIIA

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mRo, Se algueni entlo me dissesse que o publico havia de vêr essas scenas que ao papel entao confiava, tel-ashia feito em pedaços. Escrevi Aldcz, creia-o V. a brincar. NBo escrevi AZda para o tùeatro, ugo escrevi Alda para o publico, escrevi-a unicamente para mim. Perdoem-me as faltas que encerra. Pergunta v. se foi com receio da critica que occultei o meu nome sob o pseiiclonymo - C e s n ~OrtigEo? Adivinhou. Ao enviar um folliotim, conliecendo eu o pouco que valia, receiavn a censura pubIica. Fia mal? Talvez; a cle hoje em diante não furtarei o meu nome 6, c~itica;ató mesmo a pego ao publico, mas peço-a justa, Cens~irarn-nospor oscrever ? Não devem. Que mal póde haver em a inulliar confiar ao papo1 os seus sentimentos? Deixar4 ella por isso de ser boa esposa, boa mãe? Ahandonnri os deveres que tern a cumprir no lar domoatico? Passar4 com menos clesvelo essas longas noites de vigilia B cabeceira do cizt'eriilo ? Cuidar8 menos na creancinha a quem chama, filho? NZo, E escrcvei~donno ambiciona EL mulher gloria, renome, admiraplo; nzo escolhe as phrases, n%o pensa nos efFeitos, escreve apenas o que o coraçto lhe clicta, e escreve-o para se distrair. Nas, O grito do 6Ihinho, o geinido do enfermo, o miiiiino descuido no lar

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124

OFBERENDAS

domestico, fazem-n'a largar a penna, esquecer as linhas que trapou e cuidar nos deveres que a sociedade lhe impõe. E quantas d'essas paginas que o publico 18, nLto as arranca ella c10 proprio livro da sua vida !... Não censurem a mulher por escrever, que cl'ahi nLo vir8 mal nem a ella, nom aos paes, nem aos maridos, nem aos filhos. Ao'lè~os escriptos d'ella, seja moderada a vossa critica, leitor. Lembrae-vos que tem iminonsos d e ~ e r e sa cumprir n'esta vida, que tem a responsabilidade do futuro dos filhos e, por consequencia, do futuro da sociedade, felicidade preseiite dos mariclos, e c10 deslisar tranquillo e suave da velhice d'esses dois entes a quem cliairia paes: o 86 cumpridos estes deveres, P. que a mulher escreve. E agora, minha senhora, basta de fallar da mulher, Ao lerem este folhetim, esses que portcncem ao sexo forte, (como v. lhes chama) rir-se-hão talvez. N%oimporta; não tratem mesmo de occultar o sorriso zombeteiro que pelos labios Ihes passar, que a mulher ao v6l-o não se deteih, mas continuará na estrada do progresso. E de hoje em diante abandonarei o pseudonyuzo Cesar 30j-ligüo; teroi mais coragem do que até agora tive, expor-inc-hoi ft cenaura sob o verdadeiro nome de

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Funcùal-Junho 28 de 1877.

OlyWLfiia.


ALDA OU A FILHA DO NAR

d

E X . SrSa ~ ~ D. OLYllPIiI PIO FERNANDES

Vou apenas dizer aIgumas plrases com relaggo ao muito apreciavel folhetim de v. ex." Come巽o protestando contra os tgpogrnphos e estou tentada a protestar contra o revisor do Dia& de Noticias, porque fizeram dos dois versos um periodo em prosa. Os versos s達o assim: Pois quem tem c'roas de subido merito J B nlo se importa, com mais um louvor. S達o versos de Augusto Luso, que li n達o sei onde. Isto posto, e agradecelido as palavras nimiamente lisonjeiras qiie v. exeame dirige, felicito-a e felicito-me pela tor aconsclhado a que, rasgando o v60 doznnonymo, assigne, de hoje dvante os seus escriptos coin o formoso nome que possue. Nlo e~tranhev. ex." a demora da resposta. V. ex."


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OFFRREN DAS

falia nas horas massadoras do ensino, nos themas enfadonhos de allemfo; eu poderia f a k - I h e nos prosnicos traslados de ~ ~ c r i p t u r ea snos embirrantes formaes de partilhas. s ã o elles os culpados de eu n%o ter escripto mais cedo; e 6 tambem para me desenfadar d'esses trnbalhos, de que a poesia anda longo, que 4s vezes pego na penna para lançar so papel, OLI recorclagões do um dia, ou as impressões de um rnon~~mento. A l d a nfio presta? diz v. ex.' E que pena tenho eu de n t o possuir uin nome auctorisado com que sobroescrevesse cstas palavras : -Alda vale muito: vale pelo principio que advoga,, pela mora1 que encerra, pela bellesa do estyIo, pelo encanto de muitas das scenas; vale por ser uma opulenta e viridente flor que nos esth a prometter l i para o futuro os fructos sasonado? e optimos do uma intolligencia notavel. E o que sinto, e Q o qiie digo com franquesa. Nem eu tenho que lisonjear a v. oxnaPor qu6, e para que? Tudo o que se podia dizer, em defesa cle qunesquor defeitos de Alda disse-o v. ex.' em quatro lihlias: aEscrevi A l d a a brincar Nto escrovi Alda para o theatro, n%oescrevi A l d a para o publico, escrevi-a tinicamonte para mim.#

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ALUA OU A FILHA DO M A R

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Na ingenuidade da confissIo, na franquesa com que 6 feita, resume-se toda a desculpa. Animo pois ! Repetirei as phrases do seu conterraneo e humoristico folhetinieta 3'. Brasão : d v a n t e , formoso talentoj ávante !a Diz v. ex.&muito bem, a mulher nto deixa, por confiar ao papel as commoç8as intimas, os seus pensamentos tristes ou alegres, de ser boa filha, boa esposa, boa mãe, essa trindade sublime que ella representa. NEo 6 d'nhi que provém o mal á mulher, ProvBm das Izj.rxpões ~Zeseyunes, provém-lhe da maldade do homem. Inda nEio ha muito li n'uma longa serie de artigos, qixo ost4 publicando na Actt~alidade aquella peregrino talento que se chama Maria Amalia Vaz c10 Carvalho, e que v . ex." deve conhecer cle nome, O seguinte : <iSe os homens fossem egualrnente bons, esclareci. dos, benevolos, a inissão da mulher era realmente muito mais facil. Se 6 indispensavel elevar o nivel moral das futu:*ns educadoras, n"n 6 siuiylesmoiite para satisfapgo do Iiornein, mas sim para sua remissno. aNbs n8o dovemos trabalhar para dar novos gosos a novos triumphos 9. porgão mais forte e mais feia da humanidade. h outro o intuito que deve animar todo o espirito que pensa. a 0 que antes de tudo queremos e ainl>iciontimos E


melhorar o homem ; melhoral-o, engrandecêl-o, depiiral-o por via cla mulher, essa fraquosa ante a qtial toda a força tem fatalmente de curvar-SO.D Pois qub, nao preferirá o marido, ao voltar a casa, encontrar, al8m dos confortos do lar doineslico, a 0sposa serena, tranquilln, tendo passado OS momontos de descanpo do lidar caseiro a Ibr iiin livro oii n confiai* ao papel uma ou outra recordnggo, uin 011 otitro procluoto da sua inteiligencia, que a elic mostre, que 1116 leia, que lhe fapa desvincar a, fronte, abrir-Iho um sorriso ? Não preferiri tudo isto a vir encontral-a chorosa porqiie esteve na sua aiisencia prestando ouviclo attento ds calumnias cle Lima intrigante, As intrigas clo iiina osmerilhadora de vidas alheias, aos aleives de qunlclnor creatura invejosa ? Elles que respondam. A mEe?! Existe porventura alguma coisa n'oste mimdo, que desvie a mão c10 bercinho d e sau filho, quando as necessidacles da creanpn reclamam o auxilio materno ? A mesma 110ra ein que tenho a honra de. lho oacrover, minlia senhora, so o vagido do inizocantinhLo quo dorme tranquillo o somno dos anjos a meu lado mo soasse aos ouvidos, por mais qao asso vagido Robil fos8 se, zl penna voaria nSo sei para onde, e este oscripto não se terininaria talvez mais.


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ALDA OU A FILHA DO MAR

E O qiie eu f a ~ i a ,fazem-no todas as ililes. Digo-o convicta, digo-o, intcrpretaiiclo-lhos os sentimeiltos. Senhora ou inullier, a miie é uma 86. Quem se lembra de escrever quando soffre O $lite ~ U G adoramos, seja pae, esposo oii filho? 0 hoiuein sim, que isso faz; pratica o iriiiilns vezes, sejamos justas, porque n tal o obriga a necessida(1e do siistenpr os seus; mas a iu~illier a qiiem n3o cor1.c geralmeatc egilnl devcr, tudo abai~cloiiapara camprii na terra a rniss5o de consoladora, que Deus lhe impoz. E agora direi coiilo v. : basta de frtllar da mul her. DIais uma palavra ainda a proposito dos pseudonymos. Accusnram-nlo eiii carta particuIai- excessivnmente aniavel, clo que ceiisuraildo en os pseiidonymos ma conservtisse sagjli-~;ek~dcb-assepo a v. e ~ que. foi ~ a propris expressgo. NKo terii raszo o censor, porque ou creio-o n'isto n3o ha modestia iiein, vaidade-quo toda a gante sabe, trnduaii* as iniciaes com que subscrevo os meus polires. escriptos: e não 6 tão grailrle a Madoira, qiio niio sejam bem conhecidas na possoas da ftira. Ali nCEo lia pseudonymo, ha apenas o liabito em que me puz de escrever mais breveinontc O meu noiiic a appelidoo; iiorne que, alEin d'isso, nRo é na ilha muito v~i1gar, tanto que iunito eiiibirrani em dividil-o cm dois, qucrenclo que eu seja Maria Alma. 9


Termino agradecendo a subida honra que v. e ~me. ~ fez, e pedindo-lhe desculpa d'esta miscellanea de phrasoa que por aqui amontoei; protcstando a v. exa8iima vwainda, os sentiiaentos do verdadeira admiraรงto d a Santa Cruz - 5 de julho de 1877.


A FILHA DO CARRASCO

Triste lampada brux'Ieia em morada sepulchral; a lu5 quasi se arreceia d'esse aspecto funeral : erguem-se em volta mil tumulos gelados, tristea, sem luz; alguns raios debeis, tremulos, v80 beijar humilde cruz.

Na vasta quadra sombria, uma donzella formosa, curvada na lagem fria, ora com VOZ fervorosa.


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OFFERENDAS

É linda, no olhar suave transparece-llie a cmdura : na fronte serena e grave, ha um sulco de amargura. Olhos negros qual beryllo, tem-nos em pranto banhados. -Porquel pomba, em tal asylo szo os teus dias passados? Dos Iiomens atroz maldade ii reclus2o a votou; Rem lhe raleu a beldade, ~6 despresos encontrou. Diante do crucifixo, em humilcle posiçgo, o olhar na imagem fixo, e n'esse olhar a afitficçLo :

em cxtaeis piedoso ergue a Deus interna prece, o soffrer angustioso, em espiação offerece.


A FILHA DO CARRASCO

Porque, jovon dcsgrspada, jazes no p6 envolvida? Porque maldição, e nada, é, p'rn ti, no inundo a vida? Porque buscas soIitaria csto recinto apartado? Porqiie vcste rnortuaria cobre teu corpo nevado? Acaso do amor R cliamma arde vivida ein teu peito? E ontra alma a .tua inflamma 6 paixto r c n ~ c i ~ cprcito? ~o Deu-te um anjo essa bellcsa, essas graças e candura, inas dos liomcns a cruesa marcou tua desventura. Votou-te a son~brioolvido ao pranto, inartyrio, d8r; ai cle ti, lyrio pcndiclo, sem as caricias de amor.

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Aperta bem o cilicio em tuas firmas airosas; deixa as galas, o bulicio, p'ras que forem venturosas. -O teu amor é um crime, ningi~emte quer a paixão, despreso eterno te opprime : esmaga o teu cora'~çã0.

Mas porque todo esse encanto tem do mundo a vilta, o asco? Ouvi-a dizer em pranto : - Sou a filha do carrasco ! Ilha do Porto Santo, 1872.


A VIRGEM DAS

DORES

AO EXam0 SR. CONEGO PELICIANO J U ~ O TEIXLIRB

As auras subtis brincavam-lhe com as madeixas do loiro e annellado cabe110 ! A cabeรงa graciosa pendia-lhe inclinada. E dormia ! Dormia a gentil menina n'om bercinho policio e dourado: alvas as roupagens, as rendas alvas. A cnmelia nรฃo era mais branca do qrie seu rostinho angelico, nem do que as suas faces era mais rubra a rosa de cem folhas. Dormia o anjo da innocencia; parecia protcgel-a a


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OFFEREN DAS

effigio da Virgem das Dores collocada em um painel sobre a cabeceira do bergo. Velava-llia o somno um cão. Guarda fiel. Olhar meigo e limpiclo, vulto grande A magostoso. Era um Terra Nova magnifico ! Mirava a creanpa sentaclo junto ao berpo; mirava-a com ternura. NSio era mais firme a sentinella, nem mais vigilante o guarcla do pharol! Pobre e humilde se via a casinha ; o luso estava no doiiado bnrpo; mas a aceio em todo o aposento.

P a r a buscar 6 filhinha pUo, 0 flôres, saíra a pobre viliva de uin iuarinliciro. O p30 repartia-o a pequonina coin o crio; as flores ornin para, ambos brincarem. Trus annos contava aqnelle cntesiiiIio de inexccdiveis encantos; alva, como z açucona, purl~nrinncomo s papoila q n Aammeja ~ por entre a coara. E o c20 fiel vigiando-a, fazia leinbrar ou o pogureiro at;tent,zildo pelo rebanho, ou o avaro volando pelo sou tliasouro. iiiBe,


A VIRGElI DAS DORES

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A serpente inimiga do homctn deisdra a lurn negra. E, a~rastando-se, e colleanilo, penotrou no aposento. DemorAra-se lá fóra a mZe ; vira aberta n porta d n cathedral, entrdra, para dirigir fervida prece tí Tlr-geni das Dôres, recoininendando-lhe o anjo que clori-iiin o songino da innoconcia ! Eram grandes os desgostos, tristes os dias, as noites angustiosas, mas em noite nonhiitna a Trirgenz pnssiira sem fervorosa orac;Bo d'aqiiclla 1iiP.e religiosa e crcnte, Fosse muita a pressa, instanto a nccessidaric, j&mais a boa mulher transpozera a testada da sim porta, scin encommenciar S iüZe Dolorosa a inilocentinhn e o seu guarda. Caisse a torrentes a cliuva, fragoso fosse o caminho, abrazasse o sol : se aberto era o templo sempre d 111.genz dus Dôres a mKr, Ieiiibrava o lyrirt d'amor e O seu fiel compsnheiro, . . E a serpente, em mil roscas, colleava pelo cliZo da CRSR.

Ainda nas brancas roupagens do bercinho elegante, dormia o anjo de cabellos de ouro.


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OPPERENDAS

E o c80 velava; velava sempre. Não estaria mais firme o athleta no circo; nem mais cuidadoso o timonei ro em o navio.

Resava no ternplo a mãe, e a imagem á VÊrgem das D8t.e~suspensa sobre a cabeceira do berpo cla filhinha brilhpva emmoldurada em lavrado caixilho, aos raios do sol. Caminhou a serpente e o Terra Nova avistando-a, fitou as orelhas, afiloii as ventas, arregagou os beigos e mostrou os dentes. O reptil arrastando-se sempre aproxima-se do cão e ao descobril-o uimmediatamente se fórma ein espiral, achata a cabeça, ent~ifaas faces, franze os beigos pegonhosos, e estancara a sangrenta voragem das gualas; florsa como bipartide Iavareda a farpada lingua, como asciias lhe flammejam os olhos, o corpanzil impando de raiva sa abaixa e aItea como folle de fragua, o coiro destendido se desluz, enfusca e escamamai Ouviu-sa um silvo agudo e a mãe sentiu n'esse rnomento um aperto do coração,.

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G~niodo Clbrislianisnzo, traducgão dosr. Visconde de Caslilho

(Antonio).


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A VIRGEX DAS PORES

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Mas ergueu os 01110s para a 'Iíi~gerndas Dôres e pareceu-lhe que a imagem sorria por entre as lagrimas com que o esculptor lhe adornrlra as faces maccradas. Travaram combate a serpente e o c%o; mas o reptil era possante e nas suas mil roscas envolvia e apertav a o inimigo. . . E a menina dormia, tranquilla e serefia, similliando iim anjo de marmore de alto relevo de antiga cathedral gothica a quem um Genio sobrenatural animasse e fizesse arfar suavemente. Ai d'ella se lhe succurnbe o guarda ! ai cl'ella se lhe desfallece o defensoi. ! Não a poupar$ a serpente..

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Do painel da Alüe Dobvose destravou-se uma espada das sete qna lhe trespassavam o coragão, e d'ello manou sangue precioso que um anjo veiu receber em urna diamnntina, E a serpente alargou as roscas e caiu morta estendcndo-SQ13010 pavimento. Roçgra pelo collo do monstro, a espada, E o anjo da guarda da menina, emquanto o outro anjo desapparecia com a ~ ~ r n lcvava a, B Virgem das Dôres a lamina, j B purificada, que salvkra a fragil creailciiilia 1


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OFFEKENDAS

O cLo voltou a sentar-se no seti posto, brilhava-lhe o olhar aonde parecia reflectir-se a alegia do vencedor. A encantadora e IouçTi criancinha n'aquelle momento abriu os 01110s lindos como O azul do ar : o cão agi. tou as orclhas e a cauda e fitou a. pequenina com ternura e satisfaçzo.

Quando a santa inullier voltou viu o monstro liorrendo que jazia inerte no solho; ergueu a vista assustada para o painel da Vbgenz e de novo se lhe figurou que Ella sorria 1 . . Ajoelhou a boa mbo, o agradeco~l6 protectora do sua filhinha o haver livrado do tão horrivel morto o ido10 do sua alma, a, consolaçc20 unica de sua viuvez. Affagou o animal, e deu-lhe pBo. Beijou a filhinha, e deti-lhe flores. Gi.irvon de novo os joelhos, ergueu as mãos e mnrmurou fcrventa prece d Vil-gem das Dares.

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Porta do Sol, 1879.


JUNTO AO BERSO D E MINHA FILHA

Senli~i.!livrae-a da rajada dure,

a flbr rriimosa iie desponta agora,

ùeitac-llie orva(llio na corblla pura, dae-lhe hafcjos, prolongae-llio a aurora. C A S I ~ I I ~n'Annsu. O

Dorme, filha, em quanto eu velo para ti pedindo a Deus, a doce paz, c l na terra, gloria eterna, l i nos ceus. Has de ser, por Deus, ditosa, o eu por ti; filha querida, se tal qual é meti desojo, minha prece fôr otivida.


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OFFERENDAS

Que as agonias do mundo d'este abysmo negro, e fundo, nunca tenhas de soffrer; e que a tua f6 t80 pura, que te dรก toda a ventura, te acompanhe at8 morrer.

Dorme, e deixa quo este pranto brote livre e sem parar, que o motivo d'estaa lagrimas n5o t'o posso revelar ! Dorme, dorme, anjo innocente, ernquanto eu peso ao Senhor, que te ampare, e que te cubra, com seu manto protector. 40 de dezembro de 1865.


NARRATIVAS MADEIRENSES V

UMA LENDA MADELRENSE O beato frei Pedro da Giia~*da

U m a das primeiras terras da Madeira onde residi, que depois visitei amiudadas venes, e da qual conservo tamboin gratas recordações é Cainara de Lobos. Seja-me pois permittido deixas n'estns paginas algumas linhas descrevendo a q n e l l a 1,zborioaafreguezia l .

' Creio ja ter dito que na Madeira a denominaçúo geral das localidades B a de fregilezias, i excepção da cidade do Fuiiclial que pelos bnbitaiites das frepuezias é simplcsmciilc denominada-a oiclclnàc.


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OFBERENDAS

8' semelhanga cle Ceairnbra, e outras povoapões c10 coiltineiite, Camara de Lobos constitue, juntamente com 1\/Iacliico, as dnas povoagões especialmente piscatorias da iIha. A siia populap3o n a maxima parte composta de pescaclores, dedica-se quasi exclusivamente aos trabalhos do mar. Contam as memorias dos primeiros descobridores, que Jono Goilgalves Zarco depois de descoberta a ilha, resolv8ra percorrel-a, e visital-a niinuciosamentc, para o que se mett8ra em uma barca c fizera n pouco c pouco a viagem ao redor de toda e1Ia: e por essa occasizo ia pondo os nomes que lhe pareciaWaosdiversos sitios que sc lhe deparavam. Foi assim que dobrando elle e seus coinpanheiros a Ponta da CI-~LZ,rochedo temoroso, que ciitra muito polo mar, e onde iininensas desgraças teein acontecido, ao avistarem urna pequena praia cle magnifico aspecto a denoininaram Pvaia formosa. E segriindo scmpre oncontraram uma candaIosa ribeira, cujas inargens eram de lii-ido aspecto e Inxuritiilte vegetagão. Algitils hoinens iiovos, q.iio em companhia do futuro donatario do Fi~nclialnavegavnin, yeclirain-lhe liceiiga par:^ saltar ein terra e assim disfi+uctai,eiu cla agraclavel sombra e frescura que de 14 os ostnvn naiiiorando.


Accedeu ao desejo Zarco e tanto foi encontrarem-se em terra como deitarem-se a nadar 11sformosa e soberba ribeira. Poitirn como o impoto da8 aguas era grande, nXo poderam atravessal-a e foram impollidos para o mar onde teriam perecido se de bordo Ihes n3io acuilissem immediatsrnento. Salvos os mancebos pelo soccorro dado, ficou A ribeir a o nome que ainda hoje conseiSvado Ribeiqoa dos 8oc-

cov~idos. Continuando a navegar dcpararnm coin uma rocha que tambem entrava um tanto no mar; ein frente existia outra e no centto ama pccliiena baliia tranclailla o remsnsosa que para logo os cnptivou. Entraclos os bateis n a ensenda o saltando cin tcriSa avistnsam urna gl-ande Inpa t a o modo de camnrn» do roclía viva oncla não sb dentro, mas nas visinhailpas, viram iiiila oilormo quantidade de lobos marinhos qtio Ihes causou nrlmiraçno, 9 depois recreio, por q ~ i on caça-1-0s so entretiverem alguns dias. João Gonçalves Zarco poz. ao sitio o noino da Cctmura de Lobos, que depois adoptou pnra seu appellido. E mais tarde el-rei D. JoLo I para o gsilardoar pala descoberta da ilha, além cle outras honrarias, Ihe con, codeu a merc& de brazâo de armas ; que ora, ein campo -verde, uma torre cle oiro coin uma cruz om cima a i0


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OFFERENDAS

dois Zobos marinhos de cada lado e por timbro um 1060 marinho assentado no paquife. Tanto o appellido como o brazto cl'armas são ainda hoje usados pelos descendentes c10 illustre navegador. A calheta e sua furna nRo podiam deixar de ficar em a lembranpa dos primeiros descobridores, e mais tarde alguns para ali foram estabelecer-se na praia junto ao mar, e por tal sorte deram capa aos 2060s marinl2os que ha muitos e muitos annos desappareceram d e todo d'aquellas paragens. O logar comegou por uma pequena, povoagão, au aldoia, cujos habitantes construindo suas cabanas de c011110 e casas de sobrado 4 beira-mar, foram a pouco e pouco, internando-se at6 fazerem uma bonita localidade com uma grande rua, larga e espaçosa, no fim da qual está a egreja matriz. A fregiiezia foi creada scgiindo diz o sr. dr. Azevedo pelos annos de 1430 e tinha collegiada. O templo foi reedificado 6 custa do estado nos annos d e 1673 e 1710, sendo o orago S. Sebastião. A melhor parte da fi.egiiezia portencoii de primeiro a Zarco, e mais tarde ,z S ~ I I Slierdeiros, cluo ali estabeleceram dois morgados de capella, o c10 Esph.ito Santo, e o da Vera Cruz. Actualmente a capella do Espirito Santo pertence ao publico; est4 situada guasi d beira-mar e ali fazem


NARRATIVAS NADEIRENSES

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os pescadores suas festas e romarias. Havia mais differentes ca~ellase morgados, que com o correr dos tempos se foram creati'do; entre elles Gguram o de Nossa Senhora da Narareth do qual conta o historiador que ,citlmos o seguinte cnrioso facto: KE tradigão entre os pescadores de Camara de Lobos, que, no pi.incipio d'este seculo a morgada da Na-zareth armada de espaclim se collocava no alto onde é a capella; chamava os barcos de pesca que vinham eutrando no porto; e, por privilegio ou abiiso, cl'elle tomava o peixe que queria, e o pagava como lho parecia.~ Contarei tarnbem resumidamente tima das leudas, que me foi narrada pela tia Justina do Se7.7-ado das Adegas, e que se liga com uma das tracliç0es religiosas da fregueziri, cle Camara de Lobos.

Quando visitei o ex-convento cle S. Bernariliiio', em prna das salas do qual existe actualmeute a escola do O convento de S. Bernardino foi a terceira casa professa d a ordcm de S. Francisco quc Iiouve na Aladeira. Frei Jorge de Sousa o cdificou em 1533, em cumpr'imeilto da promessa feita a u m cenoliita,que n'aquelle local vivera e cujo eremilerio uma clieia dcstruira cm Ii60. (V. Dr. Azevedo,-Notas ás 6az~iadosda Terr'u.) f


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OFFERENDAS

sexo feminino, a mãe de lima das rapa~igasdisse-me A saida: -A minha senhora jB viu a f~irnaoncle viveu o Sci?ato Sarco de Dezu S -Ainda 60. -Pois a senhora que a renha vêr, e lá llio contarei a liistoria c10 santinlio cola quein a gente d'esta freg~iezin tanta devopão tem, Para nRo enfadar as Icitoras não usarei n'este escripto a linguagem peculiai. da gente do povo dn Macloira, visto que já em outras narrativas doi mostra; nEo podendo talvez eomtuclo evitar que me escapem algane terilios dos que a narradora empregou.

-O Santo Servo de Deus era 18 de fora de terras de Portugal e a modos qne ouvi dizer que o noille cl'elle lhe vinha de nina d'essas terras. Cliarnava-se Pedi.0 da Guarda. A gente cii nKo o conhecemos sen2o pelo Santo Seyvo de Deus, e eu se lhe sei da vicla toda, O porque o sr. Padro Vigario a contou ao meu velho, para este m'a ensinar a clizcr aos estrangeiros que veem visitar

'

i A gente do povo da Jlatleira, chama estrangeiros a todos de fóra da illia, at6 mesmo aos (10conlinonte, aos quaes quando se qucr referir com despreso ou odio, denomina awibcidos.


a s ruinas do convento de S. Bernardino e que entendessem a nossa falla. Sempre grangeio assim o meu convite, que me ajuda a sustentar quatro gorgz~llti~zhos que 18 tonho em casa. -Milito bom 6 que vocernecê saiba essa historia, por q u e a s pessoas de fdra sempre gostam de ouvir casos dos logares que visitam. -Oiça a minha senhora: -O pae c10 eanto havia por nome Jogo L~liz,de officio tecelão, a mtie Agneda Gonçalvca ; vae em 436 annos que elle nasceu o tinha vinte do sua edade quando tomou o Iinbito do senhor S. Francisco. -LQ por esses reinos do Portugal viveu santa vida; fazendo Deus Nosso Scnlior por causa d'elle muitos milagres, com o que todos buscavam Frei Padre da Ganrd a para Ihes acudir e valor. O santo sorvo de Deus para fugir aos que o procuravam chamando-lhe santo, o pedindo-lhe soccorros, n8o o deixando resar ilein entregar-se bs suas devoções, alcançori licenpa clm seus SLIperiorcs, cleixou acliicklas terras e embarcou.se c$ para a nossa ilha da Macieira, vindo tor n esta freguezia onde o coiivonto que a minha sonliora acabou da vêr, cstava entSio foito de novo, -Que boa memoria vocamecé tom. -Ld isso b uina vcrdado; 1120 é por mc gabar, mas boa cab~cidndesempre eu tivc, e inal o haja quem não


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OFFEHENDAS

me deixoii aprender as letras que 1130 estaria eu agora aqui. Mas vamos ao caso : N'esta freguezia B que a vida dJelle foi'mesiuo a de um santinho. Trazia, B roda. do si uma corrente de ferro e todos os dias se disciplinava at6 ficar eecorrendo em sangue. Escolheu pare seu mister o de cosiilheiro, por ser o mais humilde e. aspero, mas apesar de fazer o coiner para os outros frades, nem para si t i ~ a v a .S6 nos dias do festas. comia as migalhas de pão e os sobojos de peixe qiie os demais religiosos dcixnvairi. O resto do tempo jejuava ou comia alguns flqil~tos silvestres. As offertas, quo lhe levavam os pescaclores d a freguezia, todas entregava para o convento ou repartia com algum pobresiilho. Elles dizem que apesar de cosinheiro, nzo era o Santo Servo cio Deus quem fazia nunca o comer; ia para a sua furna resar, e vinham OS anjos do c60 c10so~np0~111arlhe cz obrigação. Contam os velhos tor ouvido quo na cosinha so fez, uma capella onde havia missa, e estava ainda a chaminé, as panellas, caldeir8es e mais vasilkns do tertipo. c10 Santo, e uns anjos em vulto inui bcm feitos de pau, figurando que arranjavam o comer ; tudo inui bciii posto. em memoria do Santo Servo de Deus. Mas houve gontio bravo que escangalliou essas coisas todas Deus

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RXRRATIVAS MADEIRENSES

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porém ha de castigsl-os não 6 verdade minha senhora?. -De certo: se não os castigoii jd. -Talvez, talvez j B estejam a ferver na caldeira de Pedio Botelho. &Ias vamos adiante. A furna ou lapa onde O Santo Servo da Deus viveu s maior parte do tempo tambom foi feita em capelia; é aquella que ali além estB arruinada. Se eu fome a contar h minha senhora os milagres todos do Santo Servo de Dous, s minha senhora ficava eqtoyme de espanto, Uina vez aconteceu nfio haver no convento nem gerne de p%o, porqne os frades franciscanos eram uns triates; o, chegaram 4 portaria muitos pobres qiie vinham caindo de laseira. O guardiiio dou-lhe tima fveimn por não poder remedeal-os e o Santo Servo de Dens no ver isto, pediu licença para ir á caixa cla despensa para ver se lá haveria algum p2io. -k eesciisado ir I&, disse-llie o guardião, de 1A venho eu. EstB vasia. Mas o Santo Servo de Dens foi ; e tanto pão trouxe, qne a toda aquella gente abundou. Quando havia fomo no corivento e que n ribeira enchendo nEo deixava cllegai as esmolas, logo o Santo se punha a resar, e pouco depois ouvia-se bater á por-


taria e indo-se ld encontrava-se pão, azeite, carne, tudo com fartura, sem que se enxergasseni os portadorek. O que diz a minlia senhora? não z ' g n o ~isto ~ ~ tudo? -Tudo pbde ser q~iersndoDeus. -É verdade, 6. Quer ouvir mais? Conte 16, conte. -A um rapaz, que certo dia o passou As costas para o outro lado da ribeira, perguntou o Santo quantos annos tinha; e respondendo-llie que vinte e dois, diuselhe-pois mais cento viverds eni paga, do teu favor, sempre na bengão de Deus. E foi certo, porque o homem d'aquella eclade morreu. Quando resava, os frades iam ds vozes espreitar, o viam-no erguido do ehPo para mais de tres covadoa; suspenso no ar! Dizern que tambem adivinliava o que estava para succeder. Mandava callsr os passarinhos quando estava resando, e elles obedeciam-lhe: louvado seja Deiis ! -E doantes que alla sarava?! Anda essa freguezia cheia, que nrio s6 eu 111'0 contaria isto Q seiiliora. Pois ao elle at8 adivinhou a hora da sua morte ! -Depois de ter vivido vinte annos na nossa freguezia, um dia cliamou o paclre guardiCio e com 'muita humildade despediu-se d'ello dizondo que ia morrer, e a uin loigo podiii que lhe fizesse uma cova no c1180 som maia signal do que uma cruz.

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NARRATIVAS MADEIREKSES

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No dia 17 do rnez de julho, quando os religiosos estavam no coro resando, ouviram dobrar os sinos sem que estivesse i l a torre pessoa alguma. E logo suppoildo que seria a morte do Stmto Servo de Deus, que ha oit o dias jazia doente, coiSrernni A furna o lá o encoiiti~nr a m clefuncto, com os' olhos abertos elos no céo; os bra90s em cruz, deitado sobre um feixe de vimes, que fôra sempre a sua cama, e exlialando uin cl.leiro a flores raras o mimosas.. Ali correram todos, e o povo muito choroso: e Deus Nosso Senhor contiauoii a fazer muitos milagres. Annos depois, em vista de tantas curas e beneficias, o Sr. bispo da Funclial e outras pessoas, d,z cidade vieIam aqui ao convento de S. Bcrnnrdino, e o sr. bispo e o cominissario dos couveiltos cavaram por suas mnos e acharam os ossos do Santo Servo de Deus, tendo a caveira todos os clontes, c o Lnbito coino elle o trazia em vida: o da cova so espalliou iiiii clieiro inuito bom, como o dos melliores porfumes. Entiio inettcrsm tudo em um caixgo, e pozerarn na egrqjg, até que depois foram para dentro de uma arca de pedra, collocacla n a capellinha que o povo fez, no sitio da 8epullu1.a~que era ali além, Venlia vêr.

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OFFERENDAS

Levantei-me e segui a boa mulher que nAo se cangQra de fnllar, e chegada ao local, ainda me contou o resto da historia do advogado prodilecto dos pesqz~itos, como na ilha denominam os habitantes de Camara d a Lobos.

- Olhe I?. minha senhora, os milagres do Santo, passam de muitos centos, e tudo est&em papeis, e jÉl foi lá. para onde vive o Paclro Santo para se poclerem mandar dizer miseas a frei Pedro da Guarda, ta1 qual como se dizem aos ontros santos. &Ias quando mndoii este governo, ha trinta e sete Iznnos, pozeram os frades d'aqui para f6rn e vieram d a cidade uns fidalgos e o Sr. vigcario capitrilar e procuraram as cinzas do Santo para as queimar; mas como n?io as encontrassem, porque rirn devoto as escondera, mandaram queimar a sua imagem, clizendo que o povo não dovia acreditar n'aquella devopão qua era peccado -o povo assustado deixou fazer tudo. Mais tarde cobrou alentos, e cle novo tornou a vir orar ao nosso Santo Servo cle Deus; o conveiito vne-se arranjando e a capclliuha tambetn, porqiie o si1. Caniacho qiia comprou o convcnlo daixa o povo arranjar a capella e vir aqui resar ao santo.


Agora p6de a minha senhora acreditar uma coisa, lia muitos santos no céo, mas c& a gente da Camara de Lobos, um dos em quem tem mais fé, é no Santo Sn*vode Dszhs; assim elle dê á minha senhora e a tod a a sua familia inuita saude o muito dinheiro para fales bem aos pobresinhos que tanto carecem. E com uma p a t i n h a que llie deixei cair na mEo, retirou-se-a villoa muito contente, e eu satisfeita não a6 por saber mais uina lenda da &Iadeira, mas pelo inagnifico passeio que déra ac lindo sitio aonde está. o ox-convcato de S. Beriinrdino á inargem d a siboirn. Caniara de Lobos-:!

de fevereiro.



LAMENTO

Kascer, luclrir, sorrcr, eis toda a vitlti. A. GON-ALVES DIAS.

k s andorinha que perdeu o bando, naufrago em ailcias, a perder a fb; triste qnal monja, sem cessar choranclo, qual a da mnrtyr a tita alma ĂŠ.

Fugiu-t'a esp'iailça, sem luz $unia aurora ; sem conforto que o peito alimente sem a palma qoe a ruartyr implora sinistra ic1i;a t'avassalla a, mente!


Choras, sim l De que vale esse pranto, se provoca do mundo O desdem, se o gemer por motivo tão santo B do escarneo motivo tsinibern? Como o homem de todo se esqiiece d'esse amor que Ilie teve a mullier! não se lembra que extreiuos merece pelo muito que sempre Ilio qucr. Insensivel, do praiito sorrindo que orgulhoso a fizera verter, vae a triste mais n'alma ferindo, vae-lhe sempre augmeiitaado o soffrer ! PorEm, Daue, que é bom Pae, que 6 piedoso, hade a pobre por fim resgatar; hade dar-te um f ~ ~ t u ditoso, ro ou a martyr no c80 premear. 1880.


HORAS DE A L L I V I O

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Si-. Goilclo c l o Pi-imo

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SOLIf~*allca;su conisigo suppoi.tnr o pndocor uma oii oiitra voa, RO lho ~csistoslgiimns, lino posso faz8l-o sompro. Eiiganniri-so com n nltsa da iiiiilliar os quc a julgarn do toiz.ipoi*at:~1 quo roccba, iiripavida os golpes dcsaliiodirdos qiio 1110 vibram, miiii,o innis so ullos pnrtoin (10 pcsRon quo Ilic 6 cnrn. ((Acoriigcin d a mullior -diz uina iritolligoiita oscrili torn iririiloiron.so -consista oin s~illiinottoi-so Li, voi~Ă­,n~Ia do I)oLI~;tcr lmcietlcia) j~iizo c Ii~imniiiilnilo.P Ailipliaroi uin pouco irinis o coilcailo, so n8o iri'o to-


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-HORAS DE ALLIVIO

mam S conta de pretençlo.-A corageli1 da miilher s& se manifesta, salvo excepç5esi quando a sua alina está. plena do um sentimento qualqner quo lh'a avassnlle, Careco de que no seu coraglo haja nmn crença, um affecto, um sentiinento qne seja como a occriltn mola que lhe ponha e111 acção toclas as faciildacles. A mulher nlo. vao As guerras, como o homow, pela vaidade ou pela. ambiçgo clc adquirir riqucsas e locupletar-se d custa clo sangno, vida e rilina cio seli semelhante. Impelle-n para o meio dos coinbates o arrior maternal, coino siicccd e ~ id rninha, Santa Isabel; leva.& o aiiior conjugal a armar teiYt;os,p6r-s'e-lhes B fi.eilte o gnial-os contra o, iniiliigo, coino fez D. Mariatina c1'Alencastro; obriga-a o amor filial n transp6r a ponta levadiçn do forto castello, como praticou D. Brites de Bilotira; attrnlie-a o amor cln te11-a natal ao mais renliiclo claa pelejas, coino D. Isabcl da Vciga; instiga-a o ai-tlor da roligiZo a, supportar as pol&s, os potros, as calclcirns cl'neeitc fervc11CIO,n encarar sern susto o cntello c10 algoz, que lhe vao decepar n cabet;a, como o martyriologio christtio nol-o diz de tantas virgens c servas do Senhor. E o amor cla religiZo e cls patria g i r a nn siin nlina coragem pro-. cligiosn, tal como a. qiia apraaentoii Joannn d'Arc. A mullier, abstrnhindo as filhas de algumas nações, n30 brande o punhal por ama futil vulgnriclacle, por um capricho, mas s6 quando suppõe praticar .um acto


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IIORAS DE ALLLIVIO

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do siloriiio dedicngno, tal coiiio o do Carlotn Corclag! A iilullicr clcsarinain-ri'a as mais das vezes os prantos, as caricias, a iiiiioceiicin ; nzo é a cllas iiiseiiaivcl, conio om gora1 succcclo nos lioinoiis. E quanto iiiais iam a civilisng80 cainiiihado, o dado d iziiillicr o logar qilc do justiça Ilio coiiipete, tanto inriis toiu olln csliiliicto as maiores provas c10 que é a do que vale ... 1'tii.n qno a iiiullicr n3o i c ~ ucaragem, 6 para s C ver ti+;iliida, ali:iiicloiiada polos ilue ama, vilipciiclinda pelos q ~ cstiriia, o cscnriiccicla pelos quc adora; eiitIio 6 fraca c, ilo iilil, rcsiato uiiia u tal provaçlio! ...



NARRATIVAS MADEIRENSES

AO EX."'] SR. DR. N U ~ OSPLVESTRE TEISEIRA

Quando ha mais de onze a n o s por uma noite do luar lindissima depois de ter atravessaclo s porgi50 de mar que separa d a &Iadeira a S L I ~irmรฃ iaais vellia, :i ilha do Porto Santo, desembarq~~ei, parecia-me que tiilha chegado a uma povonรงEo da costa cle Portugill. E m vez dos calhnzts eno~mese incoinmodos que enchem os portos do Funchal, Santa Cruz, Machico, Ca. iaara do8 Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e os clemais da Madeira, que tanto nos fazem aboi*recer e nos molestam, pisava eu uma areia finissimn e branca egual รก da praia de Setubal e oatras do continente.


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OFPERENDAS

O barquinho onde eu viera chamava-se Prop7zeta. Pobre P~.oplteta! despedaçou-se cl'ali a mezes no. Ilheu de baixo. Pobre do barco, nEo direi; mas do dono, a quem bastante falta fez. As peesoas de quem n a Madeira me despedia, diziam-me: -Então a senhora vae para os P~ophetas? A bordo mesmo, oiivi por mais de uma vcz os conapanhei~os do barco dizerem uns aos outros: p?*opheta para aqui, propheta para acolh. Scismava no que significaria tanto p ~ o p l ~ ~et aque , relaçgo teria a palavra, com a ilha do Porto Saiito. Mais tardo interroguei o nosso brioso hospedeii*~distincto filho d'aquella ilha, o ex.'"O sr, Severiano Marcial cln Camara e do que olle me contou e outras pessoas mo referiram e sobre o assumpto li, alinhavei esta narrativa. Na occasião ein que os navegadores portugiiezes, mandados pelo infante D. Henrique, sulozlvain os mares ignotos, para cumpriram a orclom que elle lhes dera, salteou-os um furioso vendaval dias depois do sairem do porto de Lisboa, Afastados jd muitas laguns cla costa de Portugal, luctando com os ventos dcsencadeados, vendo n morte antosi, imagine-se qual o seu alvoroço ao oavirem gritar Ter~a!e ao verem surgir das


NARRATIVAS NADEIREXSES

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ondas, como por milagre, aquella ílhasinlia coberta de arvoreclos, á qual com felicidacie apartaram, e a que no enthusiasmo pela segnranpa e abrigo que Ihes dera, denominaram Porto Santo. Limitada era a porção de terreno, mas de formoso aspecto apresentando em sua frente um porto amplo, esplendido 0 seguro. Estava a ilha do mar á serra coberta de dragoeiros, zirnbreiros e outras arvores. 0 s dragoeiros teem ciesappareciclo, tanto foi o consumo que d'elle fizeram, aproveitanclo-os j d para uteiisilios domesticas, j& paya barcos, jit extrahindo-llie a seiva bein coaliecida nas pharmacias pe!o nome de sangire de clrago. Roje a ilha é ainda talvez mais sandavel do que a Madeira, de bons e frescos ares, mas pouco arbnrisada. Porém como memoria da abundaucia dos dragoeiros ainda em seu brazLo d'armas figura uma d'aquellas arvores. Es.tá 130 caminho do Lisboa para a Madeira, distando dozoito lcgilas c10 Funchal; tem tres de comprido, e Lima o meia de largo po~icoirtais on inenos. Existem em volta clifferentes ilheus, sendo os princil~aeso Ilheu dos d?.agoeivos, o Illzez~ d o ~ o q u e i ~ üeo o Ilheu da Fo~zte d a s A?-eias. Coube a ilha de Bartholomeu Pcrestrello que a po-


voou e n'ella residiu, indo-lhe OS mantiiiientos cle Lagoe em um grande navio todos os annos. Prosperou a olhos vistos, funclnndo-se uma villa que tomou o nome de villa Bulei~oe pertencia h capitania. cle Machico.

Corria o alino de 1532 quando se passou o caso que deu origem a esse titulo de 21rophetus dado aos filhos do Porto Santo. pequena rou~iilode caaaes. Havia no sitio do FL~VI-O~O, no caminho c10 Taagire, iiin liomem que se chamava PernIo Nunos. Era da sua iiatiircsa bravio, rustico e vivia solitario, vindo vozes h villa, e nunca 4 missa ! A este homem o demonio, no dizer do povo da ilha, tentou a ir ter coin uma mpnriga de quinze para clezcseis annos, sobrinha do Le~~eficiedo da villa, Nano Vez e d'allo Fernso B ~ a v o ,alciiiilia que lhe haviam posto, para quelhe contasse cluailto ouvia a sabia Acerca das pessoas qiio frequentavam a casa d'aquelle sou tio. Qiiando jci um dia estova bem sciento dn vicla de inuitos o dito FernEo Bu~wocomopoii a cleitai voz do quo O EspĂ­rito Santo Ilie apparocBra o queria que elle piĂŠgasse Acliielle povo o arrepencliineato clo seus peccados.


NARRATIVAS MADEIRENSES

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E uma noite, tangendo urna grando campainha dirigiu-se a casa da referida siia sobrinha Filippa Nunes e coiueçou a pr8gar accnsando uns e outros. O povo accorreu, como de costume, sempre qiie fareja il'estas novidades, principalmente em uma terra isolada de todos, pcquena. boia, no centro do largo ocoano. Apoz a arraya minda apparecoram o juiz, os vereadores e toda a fidalgtiía da ilha, que j B então, con~o hoje, muito ali ab~zndava. A cada uin Fernzo E I Y X V lançava O ein rosto uma ou 2 0 que , elles podessem adivinhar quem outra mA ~ 1 ~ ~sem lli'a contbra, pois que tivcra a caiitala cle ir cle noite ter com sua sobriulia, evitando que o vissem. Passaclo dias Fernão B~sauotinha a siia reputacão feita; o povo cliarnava-lha o santo propheta Fernão e h sobrinha a propiletct Filippa. Sabia pouco de grammatica o povo: nBo conheci's O feminino prophetisa. Um aventureiro liespanhol servia.llies da sachristão, e tocava toclos os dias a campainha lançando preggo para a prdtica. Homens o mulheres andavam conf~isose espantados 110 clizer clo cbronista ue as mulheres cleitaram as ma? todas as posturas clo rosto sem tratar dos vestidos preciosos~faziam penitencia, poiico alimento to~navalll) esse mesmo era de pé, para qne apenitencin fosse maios.


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OFFEREXDIS

Suocedeii que uin cliz opropheta e a p7-0pJtetu,a que111 nada bom faltava em casa, inandassem pelo saclirist80, annunciar uma procissão e prcclica na e~miclade Nossa Senhora da Graga ,-cujas ruinns ainda hoje se veein na ilha, e que ha nove anilos u.rn digno sncerclotc tontou reedificar- e ali correu o povo. Resava n'essa occnsiXo suas orag0es João Calaga, de officio notario e nEo se importando com a prégaçElo do falso prophetn, contininoii ein sua leitura. Este poréin, magoado por ver que liavia quem não Ihc prcstava attençâo, exclamou irado-que aqnelle lioiiiew rluc estava resando, tinha o clemoaio no corpo o que Ih'o fizessem sair. Tanto bastou para que a turba ignAra e faa4tica saltasse sobre o desgrapaclo tnbelli~oa a iiiurros o matasse. Depois o proplieta ordenou que levassem o corpo para a ermida de S.. SebastiSi0,-aoacle 15 hoje a misericordia - o que elles cnil.iprirnnl. Aterrorisaclas pelo crime, desvairadas pelas prégaçOos, aqiiellas pobres gentes abzbanclonavam stias fazeildas e iião so tiravam dia e noite da porta dos p r o ~ h e tas, os quaes dizcnclo que não comiam, noiv bebiairi, passavam viria regalada, nzo cleixnnclo ontrnr pcssoa alguma senão quando 1Iies convinlia: se,rvindo-llies de porteiro o hespanhol, que era fino o astuto, a muito dedicado dquelles impostores.


NAIZRATIVAS MADEIREXSES

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Segundo as inemorias c10 tempo, um tal estaclo de coisas durou muitos dias, parecenclo que andavam os demonios soltos na ilha e toda a gente como louca: at8 que Jozo Aiiiles, escrivão, a casto conseguin que dois hoinens clos mais assizados e tres barqtieiros o acoinpanhassem de iioite, á s escondidas, com receio cios prophetas e niettenclo-se etn uma barca, fizeram-se de vela para a villa de Machico em llrocura do coi~regedor.

Apenas clesembarcaram, contaram o caso, nlvoro$ancTo aquella gente com a noticia dos espantosos aconteciruentos que na visinhsi, ilha do Porto Santo se estavam passaiido; e porque o corregcdor se achava airsen1.o tornaraiu a cinlsarcar-se em clirecçLo ao Funchal. D e tuclo inform,zram o capitão doilatario que ordenou ao corregodor de Macbico por noine João Affonso, quo sonl perda de tempo se dirigisse B ilha do Porto s a n t o a inquirir c10 quo liavia. A nova, conio C do persuinir, causou espanto ein todo o Funchal, c o corregeclor deti-se prcssa em regressar a Machico para preparar a sua partida. Antos porhm de caminhar para o Porto Santo entendeu, por boa cautela, fazer rounir ao l ~ hda egreja d e


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OBFBRENDAS

S. Sebastito a gcnte principal e a plebe da villa, e tlizer-lhes, que jnlguva tudo aqui110 obi.8~do demonio, inimigo dos homens, e qile buscava toda a occasião de pe~qdel-os, e que para combater o inimigo ia elle em pessoa confianclo na piudencia dos habitantes cle Machico que o nno acompailhassem son8o as pessoas qne indicasse. Dito e feito : porque findo o discurso, embarcou-se sua mercê ticto continrio - levando coinsigo dois escrivzes e o mais pessoal qne antendou - chegando no dia segninte pelo iaaio dia ao Porto Snnto. Aincla o barco IA vinha ao longe, quaiiclo foi svistado dn ilha, e antes que dobrasse o 1272e0 Se Õaixo, clerain os espias rebate aos cla terra e o p7.oplzatn entendeu mellior refugiar-se n a Se~v.nde dentro. B a l p d a dirigiu-se a casa da p~ophetaque jazia na cama, B 11nrn a convencer do oinbusto do dizer que nto comia, cliaiite d'aquella, gente inandou que se levantnsse e saindo todos para fdrs, ella assim o fez o tori~anclopotico clepois a entrar o corregeclor c seu sequito, na presen~ndos circumstarites, inanclou hcqiiells aucloridade dar busca minnciosa h cama; ali acharam pão, nBo clo forneado mas cosido no lar, a que os da ilha cliamam bolos do caco, alguns particios c dentados, confessailclo a mulher, que c-oinêra o que ali faltava. Então o corregedor, remetteu-a para a cadein, em quanto


NARRATIVAS MADEIRENSES

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que um meirinlio e q~iadrilheirosiam i serra em procura de Fernão Bvavo: Tendo facilmente deparado com elle, pois que a Sewa de dentro e a Serq.cc de fóva n%opassam do alguns montes faceis cle percorrer, foi o propheta remettido sob prisão para Machico, emquanto que o corregedor inquirindo testemunhas continuava n a clevassa. 0 corpo do infeliz João Calaçw, victima que transformara em tragedia, a ridic~ilacoinedia dos prophetas, estava aiilda iascpulto na egroja de S. Sebastião, onde o corregeclor foi encontral-o já puti.efacto, e lhe mau. dou dar sepultura como hoineui que ((pereceu e morreu martyr por não dar credito a LL~U truki o crutico enganado do diabo)) conforme diz o bom do Frei Gaspar Froctuoso.

Trouxe a lume o inquerito das testemunhas muitos abusos do falso proplicta; bastar& dizer qiio até a cem vacla de aeus campos mandou debulhar por homens e mulheres que n'elle aci.eclitavam, clizerzclo-lhos que isso Ihes seria lcvado em conta para o perdão c1.e seus peccaclos. Sei160 corto que entilo, conio actualmente, sempre na ilha houve falta do braços para aq~ielloe outros traba-


17.2

OFFERENDAS

lhos ruraes, a tal ponto, qu': todos os aiinos vein da Macleira trabalhaclores para os fazer, retirando-se depois de concIuidos. Dezoito dias durbra a iinpostiira e abuso de FernCio B).uuo e um meE e quatro dias cle fevereiro a mar90 -gastou a alçada com a devassa. Os iinplic~dosnos factos relatados, foram todos presos para 31acliic0, nRo esquecendo o celebre l~i*egoeirocastelhai~o, quo tanto imbliira n'aquelles povos a creiipa em os falsos prophetas, Fero80 Brnuo e Filippa, Nunos. Nlo estavam porém terniiilrtdas as sceiias ein que tinham de figurar aquelles protogoiiistas, era neces~ario qoe fossem castigados : e o corregedor mandon-os em moado do anno de 1533 para Lisboa, acompniil~ados de iiin de seus escrivnes, Heiiriq~ieCocllio, para qua fossem apresentados a 01-rei D. Jono 111. A seiitonça 11x0 foi das mais crueis. Maildou o soberano que o proplzeta e a p~tophetnestivessem ainbos S porta da SB cl'Evora- cem urna escada cada u m com szla cavocha de papel que diziam : PropPie-kado Porto Sai~to e com uin ci& 1 acceso cada una na müo e~npzea~zfo se dissesse missa da tecça, c l h vestida e eiZe nzd da cintm para cinza e fossem sokos visto sev. oõra do Denzo~zio.~

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' Vela de cera: ainda Iioje na ilha se dA esle nome, e tsmbem o dc cnndsin vclla de cera mais pequena.


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-NARRATIVAS NADEIRESSES

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E visto ser obra do Demoizio nno soffi*eram castigo pela c~implicidade na barbara inorte do desgracado João Calaga, porquo assim o entendcu el-rei. . . Os moradores do Porto Santo foram condetnnados a pagar cluzentos cruzados para uma obra da ilha, isto 6, cada uma das pessoas psincipaes dez cruzaclos, e os outros conforine seus bens.

Qnal o fiin que teve o p~*ophetanão o dizem as cliroiiicas; e as tradições divergein: uns dizem que se iIngiu loiico para escapar a inaior castigo; outros que se finou preso no Limoeiro, e alguns que depois de muitas peuiteucias foi em peregriilagno at6 Jerusslem de onde n%o voltou. A pvo~l~etu,ou prophetisa, foi inais feliz, casou, e viveu no contineiite com abastanga e respeitada, não se atrevendo com tudo a apparecer mais na ilha, theatro das suas proezas. Da e x ~ o s i qd'elles ~ n a porta d a Sé, creio eu, pyovirá o rifão popular na Aladeira e Porto Santo - «Quem cidiuinhcs cae p a ~ ua povta da Sé.n D'aquellcs factos passados lia 350 nnnos adveio aos


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OFFERENDAS

habitantes do Porto Santo a antonomasia de Prophetas. Não se magoam porém com ella; antes rinclo e zombando contam aos qne ignoram o caso; e uns aos outro^ se dlo o epitheto, sem o minimo melindre. Nem havia motivos para offendeis-se porque nada tem com os factos, que dois dos moradores praticaram ha seculos, 'n briosa e ficlalga poplilaçZo cl'esta for. mosissima ilha. A alcunha em nada desvirt-íia a generosidade do animo, a bondade CIOSsentimentos, que tanto honram og filhos d'aquella poq~ienina e virente 5Ôr pcrdida no meio dos piiramos do oceano. E tanto sabia isso a f~lnaoo ineu distinctissimo a apreciava1 medico, a quem ouso declicar esta bagatolln iitteraria, que entre as mais dignas e fos~nosasfilhas do Porto Santo, buscou esposa do subidas qualiclados, do quem me honro haver sido huinilcle preceptora. F l ô ~do oceano chamei h ilha do Porto Santo, denomina980 ogual á que 4 eua visinha Madeira, dcu um poota inglez e decerto que n2io merece nlonoa ser assim cognominacla. Porto Santo, 31 de dezembro.


SEMPRE

I~II~~AGテグ

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h toi toujours a loi.

v. IIuuo.

A aiirora jt1 rompe a neblina ligeira! formoso 6 O crimpo vesticlo do luz : テュ'orniosa 6 a esp'rnnga, sorrii~dofagueira, que a todos, 11'eata hora, contoutos seduz I Da brisa suava se agita ciubalada a flor, que c10 orvalho cclestc bcbea, o a pcr'la colliida, oiu. porfuines torilncla, s'eleva do calicc As 1iuvei~sCIOCGLI!

A seiva o o alento do sol, eiil toi.rcntos cninclo, transfor~iinc111 thesoni'o uma flor. A abolha osvoliテァa nos prados viroiitcs, libnnclo, o zuinbinclo, no aasiduo labor.


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OPFERENUAS

Que ricla renasce n'aldeia! n a serra1 que dita, que unlevu no pobre casa11 Alegres os elites, que habitam a terra, felizes, entoam canr,Ko festival. Eiivolta nas sombras n noite apparece, e a lua saudosa seu.rosto a inostrnr, ensii~aao poeta, que ao vê]-a iiltristece, segredos ... rnystcrioe ... que o fazem chorar. Porém que iil'irnporiam sorrisos cl'a~irorn? O sol que c1B vida? da brisa o flleacor? iiiysterios d a noite?.. se est? alma t'adora sein vêr outra coisa meu anjo dkamor.


HORAS

DE ALLIVIO

A O DISTINCTO E S C H I P T O R ALADElRENSE

O

Ex."O

Sr. Ju.$o XI'GUSTO

UB ORSELLAS

O viqjante q u o a o cliegai ao p o r t o do Funclial, aborrido pelos i n c o m m o d o s cla viagem, sobe B tolcla da eiub a r c q s o para vêr a cidade, fica desl~imbraclo.

' Cumpre-mc fazer especial menção d'esle cavallieiro, que na qiialidadc de redactor do Ilil-oilo, o mais importante jornal da illia, e que j 6 conta 24 aiinos de euisteiicia, foi o primeiro a convidar-n:e para colaborar no seu periodico, acompanliando sempre as miiilias Iiumildes ~iroducçõescom plirases animadoras e de immerecido elogio. Até O iiltimo dia da mirilia estada na illia recebemos, eu c minlia hmiliti, do illustre roniancistii ineclui~ocasprovas de ealima leal, e desinttrcs-


I? esplendoi*osoo panorama que avista. Descrevêl-o, não o poderia fazer a minha penna, nem que o pociesse seria em artigo t50 limitado. A meia serra, mas sobranceira A cidacle, que se estende pela encosta de vericlentes colliilas e oiiteiros, descobre-se uma egreja cotn diias altas torres, destncando sua alva frontaria d'entre os fronclosos arvoredos que lhe cncobrom a parte inferior. Perg~intaea alguem que jl tenha ido 5 Madaira qiinl B aquella egreja o responder-vos-hx simplesineilte : k o Monte. E esta palavra diz tudo para o macicirense. O ií4onre é a Cintra da ilha: e nada fica devendo tí do Contineiite. Desde a falda da montanha, onde come$&,o caininlio para a egreja até o formoso templo, é orlado de quintas lindissimas, oiide se ostenta'm parreiras soberbas, qiia por sobre os mnros, se debruçam para a estrada. N'ossas quintas vae qnasi toda a gente abastada do Funclial passar o vertio. O Monte B ponto obrigado de todos os forasteiros que visitam n FlÔr -do Oceano. Mal se vê da cidade fundear um vapor no porto, bellissimos cavallos de alnguer stio pelos arrieiros coi~cluzidosao cnllzau,para serem aproveitados pelosviajantcs, transpor. tando-os ao Ilfonte, que visitam nas poncas lioras quc os paquetes se demoram no porto. Para o regresso hn uns


carrinhos de verga sem rodas, os quaes irup~llidospor homens adestrados n'aquelle exercicio, cscorrcgam pela inontanlia abaixo com uma celeridade vertiginosa, transP O ~ C ~aO distancia, que 6 de uns quatro Iíilometros, cm nlgiins ininutos. A c~grqjado illonte foi fundacla eni 1470 por A c l b Goiisalves Ferreira, i e o grande adro de formosa escadaria, concl~iicloein 1472. Coilio disse, é sitio muito frequentado pe!os liabitantes da Bladeira, scnclo notavel a roinaria, que, de todos os pontos da ilha, ali vae nos dias 14 e 15 d'agosto, vespera e (lia c10 orago. Aqnella e a c10 SenAo?-J e s u s de Ponta Delgudcc sao as mais iil~portailtes do archi~elago. A festa do $!ante colileça coin a iiovona; cada uni d'acluelles dias é jli uma festa notavel, iaaiicladn fazer por clifferentes rlevotos. Na egreja, instrnmciital, iiiissa rolemne, sermno; no adro, philarrrionicn, miiitos foguotes e p e d r ~ i 7 . 0 que ~ dhõ estrondosos tiros, e de. t~iicle grande afflnencia de senhoras a cavallieiros, q u e estio 2 Era hdáo Gonsalves fillio de Gonsalo Ayres Pcrreira, um dos rlcscaliridorcs da ilha, companliciro de Zarco, o qutil deu o nonic d ril~eita q11c ainda hoje se cliama de Goiisalvo Ayrcs. E porque foi este a 11i.imeira pcsioa do sexo iiiasculirio que nasceu ria illia da Rladcira Ilie pozeram o nome de Acldo, assim eoiiio n primeira do sexo feniiiiino liouve por nome Eua. Creou aquelle fidalgo um morgado do qutii Ioi capelia a egreja de nossa Senliora do 1Ioilte.


veraneando no Jfo~atc c acodem ali para conversar a folgar. A Senhora do illonte tein uina Ze?zcln coino qiiasi todas as imagens de iiiaíor devoção dos povos calliolicos. Um dos milagres principaes quo a'essa lenda sa conta, 6 o succeclido por occnsiGo da entrada dos coisnrios frnncozes em 15(iG, do quc c150 noticiri, e clc que tratam, todos os auctores antigos qiic cscrevcrain Acerca. d a iilaclcira, e nioderna~i!entcRebello da Silva. Aconteceu ein 3 de outulru do 1566 que ~Iontcliic,-coiiz novecentos holnens, que vinhniri ciubnrcaclos. cin trez galcões,-- guiado por unz t:il Gaspnr Caldeira, saltasse n a I J ~ a i nforniosa com o firn de saquear n cic1:icle do Fuuchal. E r a j i por este tempo celebrada a egreja do nlo?zEe pelas riquesns que possuin. Esta faliia c1es:dio~i a cobig:~ dos francczcs, e uln troco dos corsarios, quc I~aviailidesoilibnrcarlo, se cliiqigiu Aq~iclle sitio. Um cl'elles, lailçniido iiiiio da Sciiliora, scgundo diz a tradiçno, a clcspiu de sciis adornos, c trnzci~clo-n dcyoiu para os degraus da entrada, qiic eraiii do pedra rigissiina, ali dcu com a imagem ii)i.tciz~e»to no marniorc, Linscnndo T ar so conseguia 1):irtil.n; irias apesar d a imagem ser do pau, fizcrniri-sc eni lj~dnçosos clegraus, e o homeii~can~atlo,Innço~ipara loiige a iinag c m e toniou o caminho d a cidade.


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HORAS DE ALLIVIO

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Qliando descia a montanha viu na portada da sna casa uiii pastor, de que a, tradiyno conservoti o nomoAntonio illendes -o qual tudo l>resoncidra e nõo se ~ l ~ p o z e rao a sacrilegio em virttide do grande nuniero ,c10 corsarios que acompanhava aqtiiinlle iconoclnsta : 1ria3 vendo-o agora só, o convidou, n que entrasse o toniasse > I :i0 em sua casa. algiiina rcfc'c;" Apni-ias o frnncez, qiie acceilera ao convite, ia a entrar, pastor com um macliaclo que trazia lhe fendeu o cranen deixanclo-o instantaneainente morto. Chegaram depois inais pastores o toriianilo o corpo do ccrsario o qlieimaram n'aquelle mesnio logir. A Sci-iliora nl)p:imcc"u mi1:~grosainente na siia cnpella, ignor:indose at8 lioje quem para ali a coiiduziii: dizendo a gciato do povo que foram os anjos. O pastor Antonio lIerides, foi cm premio do seu aeriço, armado cavalleiro pelo capitlo donatario PiniZo ~Qonsalvcsrln, Cailiara, indo depois servir em Atrica. Os f~nilcezeg, depois de tereni, pt,r cspnyo de quntorze dias, fuito ii~~iiansas mort:~iiÍia~les o roubos n:i, cid:tdr, retiraralu-se cla illin com os riavios cnrrspndas do dcspojos.



HORA TRISTE

Soffro, e t u podes minorar-me a dor, choro, o LI podes estancar meu pranto, amo, e tu podes com um puro amor, ' tornar-ine a vida n'um ditoso encanto.

Ai, se tu podes co'uma doce falla, com um sorriso, podes tu, não crês? tirar-me ao peito esta dor que o abala, haurir o pranto, quo cm meus olhos vês, Tambem quizera, como ás vezes scismo, levar-te a paz a» corapLo que sente, tirar-te CL vista o tenebroso abysmo, abrir-te as portas de uin jardim ridente.


Assim ventiira qual soaliei tiveras; o eii a teu lado, mais feliz, iria mostrar-te quanto na minha alma imperas, jurar-te o muito que por ti soffl-ia.


H O R A S DE A L L I V I O

ii ES."'" SR." D. Hhi'rlA ISABEL BARBOSA

DE FARIA E CASTRO

PONTA DO SOL

Todas as villas da Madoire tcein iim aspecto differente, mais ou inenos formoso, mas snmpi,e agradavel. .A villa da Ponta de Sol, a prirneirn que se encontra no caminlio da costa do Sul, apresenta-se i10 meio cle dois elevados inontes, uin d0 rocha nus e alpestre, outro cultivaclo do a m a r d sewnn como usam dizer oa insiilnnos.


D a rocha do Occidente que entra muito pelo mar, e aonde hoje está o caes do principe Alaximiliai~o,tira o sea nome a villa; porque os primeiros descobridores avistaram-n'a de fórma qite lhes pareceu serem os veios da rocha, como o desenho dos raios do sol que alguein ali tivesse esculpido, pois que havia no centro uin grande circulo d'onde partiam aquelles veios ou raios. P o r isso chaniaram Aquelle local Ponta do Sol. Sem querer alongar-me em dissertações liistoricas, direi alguma coisa ticerca da origcin d'csta villa, aonde residi bastantes :\mos, recorrendo para esto fini aos livros que tratam do assumpto. O descobrimento do sitio onde hoje se acha adificada a villa, é coevo da descoberta de diversos pontos da ilha da Ma~lcira.Do Funchal, como algures diss8mos, foi Gonçalves Zarco percorrer cm bateis a costa do Si11 e tendo desembarcado n a Ponta c10 Sol, a que deu tal nome pelo motivo acima dito, seguiu depois por tcrra em direcção ao sitio mais tarde deijominndo Ct2~zhas. Antes do chegar ali, deparou com uma ribeira a que deu o nome de Ribeira de Santiago, planeai~doa fund a $ ~ de uinn egrpja junto d'ella, o quc mais tarde levou a effeito; teinplo do qual hoje nem sequcr ruinas existom. Assim como as outras villas da Madeira, ti excopp50


do Fui~chal'maistarde elevada a cidade, e d a da Machico -a Ponta do Sol -coinepou por uma fieguezia: d'essa origem proveio denominarem-se todas as cabeças dos concelhos, freguesias e n2o villas, pois q u e o povo. ha seculos se habituou a chamar-lhes assim, scm se importar com a sua e1evaçIo Bquella cathegoria. A villa da. Ponta do Sol é das mais antigas da Madeira, a fi~egueziu cujo orago B Nossa Senhora da Lua, teve origem na fazenda povoada que Rodrigues Annes, a coxo, d a familia dos Furtados, fundou, como consta do seu testamento, approvado eu1 4 de abril de 14% e do epitaphio d a sua sepultura na e g e j a Com o corrcr dos tempos a populaçiio foi augmentando, creando-se novasfiegz~ezias; e sendo difficil para os povos d'eutas localiclacles que tinham de requerer sua justiça, irem no Filnchal, elerei D. Manuel, por carta regia de 2 cle clezeinbrg de 1601, elevou a frsguezia da Ponta do Sol a villa, dando-llie por arintis o sol de prata, ein campo azul, circumdsdo com uma legerida latina, que na o:casi%o n?io podeinos citar, mas que temos idéri, serem as palavras do vellio Simeao ao receber iio tcmplo o Salvador. Do concolho fnzein parto as freguezias de AV.S. do i

Saitdatlcs da l c r ~ a dr. , Azevedo.


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OFFERESDAS

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A j u d a d a Serra dlAgzia creada em iGT9 - 5. Bewto da Ri6eica B ~ a u n ,povoaçKo que teve em 1440; o é uma clas inais iinportnntes e coinmerciaes d a ilha; solar cln ill~istrefaiuilia cios Rcredias e que deu o titulo ao actaal visconde: S(lntissinla T~ilzdccdeda Ataljzic~(011 Tnbua conio hoje so diz) erecta em 1568Nossu Xenho~cc da Piedade dos Cclnl~as,fundada em 1484,- é situada na serra,- Sctllzrn dfiw.ia dlirgdale?tu vulgarmente clorioiuinacla Jlagdale~~cz c10 d&u~, crigidn .em 1582, iica 4 borde d'agiia, e b qciaei todii povoada d e pescadores. E m toclas estas fregiiezias, bcm como nas outras da ilha, havia iiiniiieras capellas e morgados, sendo 11%dti Ponta do Sol a innis notavcl a c10 Livrninonto, portencente ao morgado RiIeaquita, nobilissima familin de quo 6 hoje ropresentnnte o er, lliogo Albino de Mcscliiita Sprangcr, cscrivno do juizo de cliroito na cicleclo c10 Funchal. NR proliria villa da Ponta c10 Sol bn unia cnpclln, que se jiilga cle origem vinculni., iilas que aot~iallnentç pertence á cainura municipal quo a iusridoii i*ecclificnr .em 1734, e (10 novo reparar eiiz 1879, sendo n invoca9 ão - S. SebautiZio. Ao cloucinbarcar no caos clo principa Mnxiiilili~iio, no sitio c10 Fojo, entra-se n'iiin vnuto~passeiocom cluris aleas de soberbos carvnllios, qrra tor~iamsique110 sitio


muito aprazirel, fic:inclo h beira-niar, c rlefeiidiclo por onde varam os barcos do porto. Ao fundo d'este passcio esta. lima grossa ~nilralha~ sendo no calhazc u m frcrito

nicrcado do peise modcsto, inas cIcgatitc. Fica a villa situcicl? na encosta cla lndeira que vao para o Licraii~eiltoe Torps. Logo da parto c10 cima do passeio estii n egrcja matriz com um rnagnifico :iclro. k uiil templo bonito que tem por 01-ngo ~Vc~ssct Senl~ol-tcdo . L u z ; vasto, claro) e com o tecto clc rnnclciia, na capcli:t-mói., dc i.iqiiissirno trnliallio sí, egiial ao dn StJ, da cidade do F~i!ichnl.Esta cçrc;ja CSR collcgiacla coiiforiiic diz o sr. di.. Azcveclo e tiiiIii~ um .i;igct~-<o, g i i c ~ t ~Óoe ~ z e f i c i n d . ~ ~tbm , CZlT'U, una thvso~i~eiro, zcnz 2irby(xtZor e i i i n 09-yanistu. Hojc tem apeiias um vigario e uin cura que 6 tambern capellão da LoinLacla cios Esirieralclos, e urii organista. Albni cl'esta egi,o,i:i lia na villa a s crr21eZEas de Xclnto Antonio e c10 S. S>cí)~1~tiZo. Eni segulcln no tompIo, ao lado direito, fica o edificio cla cainara, trihuna1 juclicial, adniiiiistrap?io do couccllio, reliartiç3o de hzcucla, etc. O tribunal foi construir10 h n pouco tempo; antes cla cren~fiod a comarca, e csth clecorado coiii tocla a do. cencia. A. s:il:i, das sessGes da camírra E sumptuosa, tendo uinn c::cellonte mobilia: por cima da cndcirx c10 preO


sidente ha urna tella inagnifica, emmoldurada, com o retrato de S. M. El-Rei D. Luiz, pintado em Lisboa. A proposito direi, que foi esta a iinica terra da Madeira, além do Funclial, que o actual monarcha q ~ ~ a n d o infante visitou ein 1SGO. Para cornmeinorar esta facto, a vziu direita passou a deiloiriil-iar-so qlun do Pvi12cipe D.Luis; e na cnsa onde o real hospecle descanl;oit, conserva o proprietario -o sr. Nnno dc Freitas Pestana advogado e administrador do concelho, cavallieiro de fino trato e muita erudigão, -um retrato do infante, trajando o uniForme da marinha portugueza. Na parte inferior da n101d~11.a tctn O seguinte clistico: Sua Bfayestacle ELRei o #I-. D. Luis, kon~-ozbesta cusa com u sua pesenga em 1860. A' entrada da villa, ao lado esq~ieido,fica a fabrica de assucar e engcnho de distillaçBo c10 aguardente, d o activo e probo industrial sr. Guilherme TVilbraham. I? a unica notavel que lia ein toda a ilha, B excepg%ocldns tres que existem no FunchaJ. O largo c10 Pelo~iriiiliotem uma foiite singela, mas bonita, com agua potavel muito fina. Ale~ndo passeio, e do caes, ha iim outro ponto cle reuni80 dos pontasolcnsos, chamado o Reclo~iclo,no caminho da villa para os A ~ j o s . As casas espalbain-se pela cncosta do inonte, com jardins e nrvoreclos, sendo aquelle ooroaclo por um lindo predio, onde se vê uma larga e esplenclicla vnrniida, to-


BORAS DE ALLIVIO

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d a ornada da flores o coberta de ab~~ndantes ramos de ~ozignnuiiEe. Para mim uin dos inelhorcs edificios da Ponta do Sol, apesar cie moclesto, pelos momentos aprasiveis que ali hei passaclo, em sua coiripanhia, ĂŠ o que pertence d vercladeira amiga a quein dedico estas bi~milclcsliilhas ...

k a ailla rla Ponta do Sol c a b e p cle comarca cle terceira classe; sendo clepois c10 Funchal, a coinarca mais importante da ilha, no dizer dos que entei~dem d'estes nssumptos jucliciaos. Tein uiua escola c10 sexo mnsculino, para a p n l se astd cle proposito eclificail60 uma casa, e oiitra para o scxo femiiiino, na villn; bavei~donos Cdnlins Lima aula para o sexo masculirio, oiitra na Serra d'Agun, duas 11s Ribei1.a Brava, niiia para cada sexo. A pouco (3 OUco tein sido dotada a povoag30 com grandes inelhoramentos. I? ill~irninnda, o que ngo 6 vulgar na ilha, sendo tainbein a uiiica terra qac possue relogio cio campanario, c:omprado ha cinco ou seis annos, a ~ X ~ C ~ I de uma s~ibscripçiIo, cla q~ialfoi iniciador e pi.iiicipn1 contribuirito o cligno vigario ar. p d r o Aiitonio I-cliciano da Freitas.

R ~ S


H a ui11 a11110) del~ois d'esta nolicia ter sido piiblicada, n'uin almanacli começou-se a fazer uin passeio ajardinado, na slnmeda junto ao cacs e. que jh se acha concliiirlo, tendo-sc-lhe dado o nonic de praça do ilíarguez de Pun~bai. Os habitantes da Ponta do Sol sPo cle uaraatcr franco, obseyuiadores, hospitaleiros e de agradabillissimo trato. Essencinlmei~tereligiosos fazem celebrar ~i'aquella localiclacle festas suinptuosas, ilas quaes dispcnclem, cola bisarria, aviiltaclas qu~intias.Tecm uirin philarriioi.iica, e uma orcliestra onde sa encoiltrain verdacleiros talui-itos inusicacs. Ha em todo o concelho Lastaiites familias c10 antiga uobresn, sendo as principacs - a dos Heredias, a doír Andi,adcs, ligada. c0111 os Faisir?s,Abreus, e Cavalloiros -e a'dos Farias e Castros - dri qnal nui dos iriais distinctos rcpresci-~taiitos6 o si*, Jos6 Carlos da Fni'ia o Castro escriptor primoroso, quo rcsicle nctualiiionte nn Bussia, apareiltndo c0111 a casa imperiaI, e a qucm, dizern, vae scr concedido o titulo de v i s c o ~ z dda ~ Ponta do Sob. Porita i10 Sol, novcmbro dc ISSO.


MORTA

AS ESCELLENTISSIPAS SENHORAS COLLADORADORbS '

DO DI.PIEEQO D E WfDa<UCIbS PIO FUi\'@UAI.

IIelas ! raut i1 mourir, sans connsitre Ia vie ! Na minha recente viagem a Lisboa, tres ou quatro dias depois de desca11รงar, e alliviar as saudades mais vivas, as cla falilili&, recordei-ine cla miiilla amiga do collegio D. Maria Silveira. Havia quatro snnos que cleixรกra cle escrever-me; havia quatro annos que nfio iildagdra noticias d'ella. Mctti-me em um trem, com o meu filhinl~oe mandei ~ e g ~ i idizendo r, ao cocheiro:-Rua do S. Liiiz, A EstrelIa, numero. . . . O trem partiu e pelo trajecto senti n8o sei que aperto no coraรงZo. D. Olgmpis Pcrnandes. D. Joanna Castello Drarico. D. Arsenis BIiranda.


B alegria de v6r a ininlia antiga condiscipula do collegio de Santa Cecilia, 1120 ine alvo~ogavao aniiiiu, sentia-me triste, triste, e direi até, as lsgrimas nssomarain -me aos olhos. . . Attribtii aquella tristesa ao nervoso. Dias o corapzo inuitas vezes adivinlia.. era uin p ~ o seiltiixento . . . O trein pai.ou d porta que eu indicbra; relancooi apenas a vista pelo passeio da Estrella e subi com rapidez o priineiro lanco de escada. . . Toquei a campainlia. Senti uns liassos pesados e vagarosos clue denunciavam pessoa de edade: abriu-se a porta, o As grade8 da cancella tão usual, e direi tão coininoda, cle muitas GSCIL. das de Lisboa, appareceu uina senhora oclosa Vostida de preto. O coraçiio batia-me com violeilcia maior. A 8 r . W . Naria cla Silveira eutd? -Nilo, minha senhora, -Poderh ter a bondade de me dizer onda mora? -No. cenzitevio dos P ~ . a z e ~ e iiiiiiha s, scnliora. --Morta? ! -Morta! respondeu a boa velha coin voz ti~eiiiuIn, n3o pela edado, mas pela coinmogão. Picdmos um ,mo~iientoa olhar iiiila para, a outra som l~roferirpalavra.

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NORTA

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A final aaquella senhora de l~icto,abriu vagarosamente a cnncolla e disse tristemente : -Queira entrar, minha senhora. E entrei sem dizer Lima ~nlavra;entrei sem mesmo saber porque, nem para que entrava. Conduziu-me á sala: uma sala que infiindia t;ambein tristesa. Noveis bons, antigos e na sua maior parte de pdo-santo, severarinente collocados com aquella simetria que fazia o enlevo de nossos avós, e ainda hoje estimada por muita gente. Moclernns sb ali havia dois objectos: era111 dois quadros grandes cobertos de crepe, atravez o qual coizfusainente se descortinnvain clois retratos, u u de mulher, outro de homem. -Mandei-a entrar, minha senhora, para saber O qiie queria cla minha filha, fallecicla ba tres annos. Adrnirei-ine de que houvesse em Lisboa pessoa das nossas relações quo ignorasse ainda a morte d a minha querida kIariquinhas, da qual todas as gazetas fallaram. -Eu, minha senhora, estou na Madeira ba tres alinos-respondi:-e poucos jornaes leio, porque niio tenho vivido senão no cainpo, e lia pauco é que fui para o Funchai: em Lisboa estou lia quatro dias. NWo tinlia o gosto d e conhecer v. exaapessoalrnentc, porque no collegio é raro conhecermos a fatnilia das nossas condiscipulas.


Alem do qiie, qiinndo saí do collegio, a 3Iariquiilhas Silveira ainda IA ficou por alguns annos. -Ent%o v. cx." é.. . -A Mnrianna Silva. . . -Sei bem, sei bem ncucliir presciror;airioilto a boa senhora - lembro-me c10 minha filha me lêr muitas das cartas que a senhora lhe dirigia, e nlguinas das que ella cscrevia em resposta. -Perinitta lhe dê um a h r a ~ o ,ininlia sei~horn. li: estreiton-iria com ternura ao peito. -Sente-se um poiico; fallemos cla siia amiga; gostase tanto de fnllar dos que aman~os,e jh nWo existem, coin aquelles que os conhecerain, clisse ,z minha intc.rlocntora chegando n minlia cacleirn pal9njunto da sun, visto que ine havia levantado para rccclscr o abra90 quo me offcrtdra. -SZo duns palavras apeiins, minlia senhora. . . A gento nova aborrece as conversas tristos, elo contrario, os velhos, coitados, apraz-aos closafogar as nossas magoas; n3o quero poi-41x1 enfaclal-a p01. iniiito tampo, -N%o enfada, 1130; tambein sei o quo são dôros t tambem, apesar cle nno tcr muita edadc, tenlio passado ncerbos soflriincntos. -A lfariquinhas, sabe v, ex,%muito boin,- disso a inãe cln minha amiga bastanto coinnlovida- clopois cla sua educaçLo no collogio, vein para uossa oas,z, ondo

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-MORTA

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seguiti sempre os consell~osmeus e do pae; foi sempre filha obediente o uma inenina honesta. Era o nouso encanto, o nosso enlevo, Tâo socogacla, ti30 boa, t2o temente a Dous ! -Por isso Elle a chamou a si. . . -Meu marido seiitindo-se velho C vendo que eu tallibem j:i nZo era nova, disse-me uin dia : -Isabel, é preciso casar a XIariqtiinlias: estou velho e cauc;ado; posso de um moiiieiito para outro fechar os 01110s; e n?to LiRo ficar para ahi duas senhoras, uma velha e irma rapariguita, sem amparo. -Creio qire v. sabe que meli inarido era militar. -Sim, minha seiiliora. -3Iorreti em coronel ; Iestd na terra da verdade ; só eu ainda c& estou n'este valle de lng'i.irilas, som neiihu~nCIOS nleus. PÍLSSO dias e dias sdsinha. Hoje, minlia sonliora, iiem sequer a criada esti cin casa; pediu-me para sair, e como n30 ve111 aqui pessoa alguinn, cuiclei ser ella, por isso fni abrir a porta. -&Ias v. ex.Vin dizendo. , -Ia clizoiido, que rloanclo iiic~iinarirlo iuc falloii em casamonto iI. que reparei ani que a IYlariquinhas estava uma, senhora; ate tlqiiellc inoinento era para miin uina crcaiign. - F q a o que q ~ r i z e ~i-espoadi , a mcu inniido; com

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tanto q ~ 1150 ~ e ii obrigue a casac contra voiltacle: olho que isso é scmpro 171iio. . . -N30 tern cluvida; nGs temos J g u i n a cousa, a pcqiiena nwo tem uin grande dote, mas ao M ~ I I O S ~IOSSUB algiins mil cruzacloa. Mein irmRo Joaqiiiin, o coroiiol qne csth ein Setubal, toin IA uin rapnzoto qne vi o niliio passado, é j6 alferes do cnçadores e ter11 boa cnbcçn; 6 soccgado e airai-ijadito. Doscjo qiio clln caso coin u m parente, o mais do que tiir10 coi~iLIIU filho do iueii Joa. quim: iileu irmSo 6 uina join; c c10 boa arvore, bar11 f1,ucto. -E casou? -hT%o, minhn scnlioi,a, lloti mariclo oscrcveii ao irmno, dcn lhc parte dc tudo o disse-1110 qtic arranjasse licencn para o nosso sobrinlio vir estar aqni uni inez. E r a lh o seu iilnno do campaiiha dizia clle. , . -Vciii; a &iariquiiilias dc riada fGra prcvcilidn, e rcceb(-,n o priino coiii toda a moilcstia. Carlos, cra o seLt iioino, nada sabia i:iinboiri, inns conhccoii-se logo [lua a prima lhe fizera i.ripl.cssi+io. Ao nlrnoyo, no jantar c ao chh, iinicas occasiiies c111 quo se ericoiitravnm, Carlos i-iâo tirava a vista da ininlin fillia; meu innriclo muito satisfeito olliava para inim c fazia.wo gestos, sorrindo. E n por6in n2o tirilia vontadc do rir. -A pequena pouco 011 ~ I C I ~ ~ L caso I I ~ I fiiziit do priiizo, riao coilversava quasi iiada, o rccolliia-se ao scti q l ~ ~ ? r t @


para bordar, lêr e resail, que é em que clla, n pobre ineniifi, gastava o tempo. Passava clias e dias qne 1120 chegava i jnnella, nom sequer 6 tardinlia. -Ella tocava muito bem piano. -Tocava, sim, minha senhora, toclos os clias hs onzo horas viiilia estiaclar. Tambcin fazia veilsos; ainda tenho alguns guardados, dos qne offerecia ao pne e R mim qaniido faziainos annos. TJln dia Cnrlos pediu ao tio licença para convidar'a jantar o seu amigo BIanoel de Aboi~n,fillio de uin firlalgo da Beira, q ~ i ecstudava em Lisboa, c que o obsequiara muitas vezes. hccedeu o tio, c no dia dcteriniiiado -bem triste clia para mim fico11 scnclo -, BLaniiel ilo Alsoim apresei~ton-seeni nossa casa. Nada se occulta so olhar perspicaz cla mSe, 11Lto B assim, niinha senhora? -E verdade, sr." D. Isabel. -Pois lietn, A mesa vi qiic JInniiel do Alsoim filava 1C1ariqi1inliascom iiisistencia; esta, cáraiido e coni 111~lito receio, corrcsponclia aos seus olhai,es. I\Ien i~iarido,entrctirlo n convcrsnr coin C~rlos, nas gileTraa r10 SI-, D. RIiguel e c10 sr. D. Pcdro, seu assuiiil7to favorito, n2o rcparoa n'isso. Carlos noto11 rlue os dois so olhavnin, e d i i r a ~ t eo jniitar estcvo triste o corn os sobr'ollios encrcspaclos. R1a11ucl de Aboim ainda voltou unias diias vezes, coin Cnrlos, a jantar; o veiii urrias tres a horas dcseilcontraclas procurar por cllo; por6111 si, umn o re-


eebemos n a sala, P O Y ~ L IMariquinlias ~ cstava ao piano e peiliu-me que o i~iandasse eiitrar. Elles cori*spon. diam-se; a inulhei- dos recados, soube O depois, ora a portadora das cartas. -Em geral & seinpro preciso cuidado coiil essa gcnte, disso eu. -$C verdade, mfs fazia da iiliillier tLlo boin conceito ! tinha visto iinscei a nosfia Mnriquiillias e queria-lhe inuito. . . Qiiinzc dias dcpois d'esta visita, Mnnuel de Aboiin npreseiita-se cin ilossa casa e pecle para fa1l:ir a meu mariclo. I3ccebemol-o: e OLI senti uma pnncada i-io corapão c esfi*ioipor tal inodo, que estive quasi iado sala, sustitfe-me l~orrl?ni.Passados il-iomentos, auto meii marido clizer: «,zinrd qiie elln qiieira, i130 qi~eroeu; nias sempre voii vêr se iiie oilganoaj e cliam o ~ iom VOZ alta a criada: «Diga B inoiiina qne f q a favor de vir & sala.» -Eu ncoml~niiliei iuinlia, fillia. Meu iri;trido ostava oiii p0, veimollio c10 colara: dcfroiiie cl'olle, blaiiiicl do ALoiia sereno e triste. -Diga-me, senhora, oste cavallioiro vciii licdil-a crn casamelito e cliz que a senhora o anctorisou a isso; E verdacle ? -h, sim, papa ! -l\íuito bem! Pois ou, qiio sou SGLI pao, CIOLI-lho a, lilirilia palavra de inilitnr lioiiraclo, que 1130 ha d o ca-


MORTA

sar com .elle. Ou com seu primo Carlos ou para um convento. -Irei para um convento: mas eu niiilca pei~seiem cas ar com o prinio Carlos !... --Mas 11ensei eu, pcnsoLi, sua inae ; k quanto basta. Agora se qaizer a minha maIdi$io, se quizer acabarme com os dias de vida, diga a este senhor que vá ter 19 cum essa gente cln justiga, traga-nos c& os mei1.irihos e v& coiil elles. . . -NZo, ~ a p -respondeu d a santa da minha filhaem quanto o papá for vivo nZo casaroi coin o sr. Manrrel de Aboim, e accrcsceiitou com firinesa: nem coin outro qualquer. -Pdde-so rotirar, disse ineir marido ií Slha: e estendendo friaineiite a 1x20 a &i"i'nuelde Aboim, ac~escentou com iiidifferençn: O seiilior transtornou o nioii p l ~ n o de campanhn, veremos se ainda ganho a victoria. Mnniiol de Alioim 'cortejoti-u e sai+ -E Cnrlos, ininlia senliora? inquiri coi-ii eiirir~sidade. -C~zrlos andou coiilo um cavalheiro; ctiese ao tio que deixasse casas a prilua coni o Aboiin, que cllcs se nrnavam, e cliegou até n dizer-lhe que 1150 seritia, pela rima iilais do que uma affeiçzo de parente, e nrio descjava casar coin olla. Meu marido tciinou; PIIXRV~? com violeilcia as guias do bigode, e dizia a Carlos : -Se tu. 1180 ri, quercs, 2120 mo i~nl)ortajmas em-


quanto eu tiver os olhos abertos, O lileu dinheiro nรฃo h a c10 servir para engordar paisaaos d a Beirn nem de proviilcia alguina; depois c10 eu morto, quein cรก, ficar faรงa o que quizer. Quem boa cama fizer. -Carlos, vcilrlo que 1130 resolvia O tio, pediir. passagem 11arz O Ultramar, o morrcn dois iile-;es depoio de lรก estar, na occn:i%o da ultiina doenpa rle iuai marido, que foi longa. Quaiido soiibe cla inorte cl'cllo, meu luarir10 cliainou ,z RIariquiiilias e clisse-1110 : Carlos morreu; agora cstk livre d'elle; clcixc-i110 morrer e casc com o Aboim. D. Isabel d a Sil\leirn continuou assim n narraรงzo eiltrecortada pelas lagri~nasde dOr prof~inda: , -1Ieii mariclo fallcceii; e se na0 ficdinos ricas, ficd1110s ao inci1os rcillecliaclns. Tiilhainos a peilsLo do governo c0111 os renclirrientos de liin bom vinculo. Passados seis mezes, l ~ a i i u c lde ALoiiil veiu visitar-aos. Acolhi-o cora alguma friean; luas A i\'Int~iqniiilinsn quem o cles. gosto pelo falleciilicnto cio 11ae fizera perder as cores, voltou a sauclc, c clir-lhe-hci, iiiinlia senhora, nnla certa alegria. -Era sorte, tinlia do cuinprir-so I -Bojc creio bem que 1150 linviam rleixarlo de se escrever. No fim de iim anno, PIIniiucl dc Aboiin veiit pedir minha filha em casaincnto. Rcspoi~di-1110apenas : Ella jl't teia eclade c10 saber o que faz; se quizer casar

..


com o sr. Aboim, eu nrio ine opponho, porque tenlio a certesa de qnc a alma do iilc~imariclo cstiina,rh autes vêr minhn fillia casada, c10 qne ficar alii só n'cste mundo de enganos e traiyões, sein braço cle hoiuem q n ~ a proteja. Cliamci a RInriquitiliaç. Oh ! minlia seilhora, tenlio ainda iixpressa ila nieilioria a forinosiira que lhe brilhava@o rosto, a alegria qtic resplandecia ~ ~ ' e l i e , quando a pobre menina eutroii n a sala. -Eram ambos formosos. E lcvantanc10-se :ipressadaiiientc, arrancori com um tremor iiorvoso os crepes qiia encobriaili os dois quadros. Ditas gentia cabecas havia ali. Dois seniblantes s~7ml~athicos a rcspirnr alegria, inocidade, amor ! -A BIariquiilIias está parcciclissima, disse, e rnarejarain-se-me cle lagrimas os olhos.' -E cllc tnmbern, iniilEia, setihora. &I:ttiuel cle Aboim tinhi~ni?ias feis0es perfeitas. Atiron com tristesa os crepes para uma grande cndeira torncadn, c scntou-sc dc novo. 1). Isabol cln Silveira cstevc alguii~tempo calada, e eii 1130 tive aniiuo do cjnebrar a sua mudez: rcspeitavn a d$r cl'nqiielln iiifcliz senhora, a quem o soffrimauto saiitificava a mcus ollios. -Pobres creaiips ! disse por fim. Ella tinha vinte e urn annos, e clle vinte e tres. Tratou-50 do cnsamen-


to. l'iia todo o meu einpeiilio eili nrrnnjnr para a minha filha utn oilsovd cle pi,iiicess. hlriiluol de Aboirn offcreceii-lheuiii linclo collai.; O ~yo,tiilode iloivar3.0 era de setim branco. Serviti-lhe de inortalha; clilem in'o havia de dizer eiitão, meu Deus? ! Andava loccq a minha querida filha: eu ora o alvo de toclas as suns caricias; cobria-me de beijos de inanhz, A iloibls; o cogitava do noite as surpresas que 1170 havia de fazer rio dia seguinte. Fora en a auctorn da sua vciitura, repetia seu cessar, beijando-me a testa, os ~cnLellos,as mAos e offcrccendo-irie versos. Perdoe-me, ininha senhoi'n, estas particiilaridailcs que Ihc conto; talvez não as conto a in:iis niilgneili. . . Paltavain apenas oito dias para o casameiito. Ma. nnel de Aboiin o n t r o ~ein ~ nossa casa e disso-110s: -Faço gosto ein que mou tio, o coiiselheiro Igii~icioda Aboirn, seajaiim :CIOS iuous paclriilhos. Tain sido meli protector c p:~e.Vosseii~iassabe~nqiie l i q ~ ~orpliko ei dcieni-a ednde. h qnostão do qiiatro dias, id:~(3 v ~ l t aTTOII , 110 caminho cle ferro atú o Porto; L ~ O1Z1 a casa do Zirasilei~a, como Ilie chamam na alclci:i, onde iesicle, 6 uiiln joi'iind a de trcs horarc cri1 uin boin cavullo. I),:lo-ms licct~gn? -Poin d o , sr. ~iboim,disso cu sorritido. A Mariquinlias, porhil, fico11 u n i tniito ailiivinda. -Na0 era iiiellzor oscrcver n sou tio? pcrguiltoii ao


-N?io, minha senhora, conheço-lhe o genio. A min h a ida enchêl-o-lia de jubilo, porclue vae consideral-a coiizo uma grancle prova de gratidão : e assim 0 . Além do que, esth avelhantado, e eu qiier'o acompanhal-o. Depois iremos toclos passar uns dias no Douro, n a sua quiuta; elle, apesar de ri50 ser muito rico, tam com que hospedar xossencias como p e m são. -Man~iol de Aboiin dizia tiido isto alegre, satisfeito, com aquelle alegria qne tem um noivo, c0111 a vivacidncle dos poucos annos. -Agora, minha senhora, permitta-me que vi ali áqrielle cofresinho tirar um Dinrio que te11110 gnardado; v. ex." 15 a primeira pessoa que o lê clesde que o gnardei, 1la tres annos - a ultima foi n~inha filha, a filha da minha alma ! Deu-me o periodico : çra uni numero do Diaqqio de 1Voticias clolrado na pagina da frente, deixando vês logo n. seguinte local:

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ccD~sgraça no caminho de ferro. .Urna victima. Hantem, pela impreviclencia de um dos conductores, deu-se no caminho de ferro de leste um facto lamentavel. «Tinham saido em Esrnoiiz alguns passageiros, e o coriductoi. riso deu volta ao segundo fecho de seguran$ a : cluanclo o comboio se dirigia para a esta980 proxima, a cle Estarreja, um viajante encostou-se ti porta do


wagon fiimanclo : ncto contintio a mola do nnico fecho que a scgurava abriu-se e o desgraçado caio na linha coin tanta infelicidade, que, prendendo-se-lhe o casaco na plantafúrrna rlo wagon, o trcm passou-lhe por cima das pernas e esmigalhou-lhas completainente. O infcliz inorrcu poucos inoinentos dopois, antes do chegar na maca a Estarreja. Era um mailcebo muiio conhecido em Lisboa, o sr. 3Ianncl clb Aboiiii. Dizein que estava para casar corn iiina fillia clo nosso antigo amigo o coronel Silveira, taii~bemjh fa1lecido.-0 notiso pcsaiile. <Acornpaniiia rccominencl~lmoso maior escrupulo nà, escolha c10 possoal para quo se não repitam factos ci'esta naturesa. 1) -Olhei para D. Isabel : estava pallicla e triste, om pé, na inesuizt posiçao ein qiie ine dera o jori~al. -Leu, wiulza senlzoia 3 -Li. -Imagine o que soficu a sua amiga, qiinndo do iriantiZsin11a a criacla, que nem 10r sabe, lhe foidnuito alegre levar B caina, O Dinvio que o rapaz rnettern clabaixo da porta, como era costnme. -Ao grito a s s ~ ~ s t a dqim o ~ elln dou, ergui-me do leito, O meu quarto era juilto ao seu, corloi, cntroi lia alcova cle minha filha o vejo-a closmaiacla cnin csta gazeta. ao' pé: o coraçgo nclivinhoii a desgraçn ; nem so.


MORTA

207

qiicr quiz ler. Tratei de acudir-lhe c mctti o pe~iodico em uma gaveta. Passado teinpo voltou a si debulliada em lagrimas, conton-me tudo. Imagine a dôr que nio feriu o cura$?io: direi quc ainda era talvez maior do que a da minha pobre fillia; cu soffria por mim e por ellcs. E: solnpava ~iolentamentea pobre velhial~a,victilna de tanta desventura. De mim, que direi? estava fria, senti um tremor nervoso agitando todo o meu corpo, e o coragxo batia tão apressado que cliegiiei a assustar-me. D. Isabcl cla Silvcira tomou o jornal, foi gaardal-o, e voltando pare jnnto de iniin, beijou-me na testa, sen. tou-se, encosto~r o cotovello ao brago da cadeira e a bace á rnlo e assim perinsncccu por alguiu tempo; -Quer vêr o quarto cl,z sua amiga? I a levantar-me, qnanclo me disso iminerliatameilte: -NEo vamos, uEo, a senliora est8 pallicle, cst8 muito .commovida, p6cle fazer-lhe peior. Olhe, bcije o sou filhinho; v ê ? aclormeceu ! Pobre anjo ! Podco mais tenho a dizer-lhb, minha senliora. Otiça o fim d'esta desgraga. -Um diq, s crincln ao entrar no quarto da minha filha, correti ospantacla para o meu, gritando: -Minha senhora. Sr.& D. Isabel! A menina esth moita ! !


-BTorta? ! -Venha ver. -Fui. Tinha sobre o peito uiw. Santo Christo cle marfim, que talvez rnorrêra bci,jando; ella foi sempre milito religiosa. Sobre o vclaclor, que estava A cabcccira, achava-so o retrato cle illaiiuel de Aboim e uns versos. Dnrou $6 u m mea depois do noivo. VOLI1nost1,ar-lh70s;dê-me1icai~c;a. E com passos taidos saiu cla sala; seliti-a snbir a oscada, e levantei-riie para contcmplar n-iais nina v o z o retrato da SIaiiquiiihas da Silvcira. D. Isabel voltou coni os versos. Li-os. -V. e ~ perinitte-ine . ~ que copie esta poesia ? -Sim, ininha senliora, com un1acoiidiç3o : emquanto eii viva for não desejo qnc os dê para nenhninn gnzeta : ~ecli~am-mo c recusei-os, Leia-os v. C X , ~ein VOZ alta, clucro ouvil-os inais uina vez. -Sim, millha senliora. E li: Cangado o espiyito, fatigada a mento, qiie resta ao ente que ao mundo estd,?

E sna alma exhausta d'nm luctar liorr~nclo, seni cessar goinenclo, que visões ter8 ? 1


O aznl do c60 nto mais o enleva, nem sequer o leva ao sonhar cl'outr'ora; os gorgeios d'ave, o verdor do prado, tudo vê mudaclo... tudo 6 triste agora. Venha embora a morte, Ella acaso aterra quem possue na terra só martyrio e dôr 7 Já nzo ha lagrimas d'um acerbo pranto, Terminou o encanto c10 fatal amor!

-E

bem fatal, iriinhs sonhara!

...........................................

Sai d'ali mais triste do quo entráre: e de momonto a momento, repetia inseiisivelmente -MORTA! No paquete de 22 d'este me5 recebi uma carta de 14


210

OFFERENDAS

uma minha amiga, a quem recommendei me d6sse sempre noticias de D. Isabel da Silveira, ein que dizia que aqiiella senhora fallecĂŞra no dia 10 c10 corrente. Impressionada por tal nova, tracei as linhas que ahi se lĂŞem; se n%o agradarem ds collaboradoras c10 Dinj*io de Noticias, da Madeira, a quem ouso dedical-as, E porque eu nlio sube pintar com ae verdadoiras c8rBs o quadro triste de que tive coiihecimento.


D'A QUI .i EX.ma PII." D. PHILIPPA ADELAIDE DE PREITAS IIIOREIRA

Yoici les lieux clieris à ina reverie. iiI.ln~A A I A ~ L E TASTU.

D'este rochedo eu ve-jo o cBU, da terra o véu, o azul do mar; d'este logar vejo a palmeira, brisa fagueira sinto pas5ar. .. Longe n lua mira saudosa, terra formosa d'csta Macieira; .enche de luz aguas d'anil, e bosques mil de bananeira

...


212

OFPERENDAS

-

A aragem leve a canna agita, onde palpita terna avesinha. O mar rebrame, e forto a vnga, inunda a plaga, dc mim visinha. Senhor ! Senhor ! B bello o mundo, saber profundo revela e diz ! DQste-me a crenรงa, emfim, mandandcv que eu crendo, e amando fosse feliz. Madeira-Cabo Girรกo, 1872.


HORAS DE A L L I V I O

h nlciii~iaD. Jiilia @orr&aGamitlo clc Oliveira 'interessaiit&Pllna (10 PxlmOSr. Salvador Gamitlo

TÃO PEQUININA I

...

A Julinhst tinha d e z annos. Era agil, buligosa, trsv e s s a c o m o um c o r d e i r i n h o n o v o , a l e g r e c o m o um pardal clunnclo revBa, p o r b a s t a coára, i n n o c e n t c c o m o o p e n s a i n e n t o de um anjo, b o n i t a coino a mais linda imaEstc cavaliieiro a quem cu e minlia Pamilia na Madeira, devemos a s mais acrisoladas Hnesas, ílllias do seu genio obsequiador, e da sua iinissima oducação, 6 natural CIO continente e exerce o cargo deinten. dente de pecuaria no Punclial com notavel pronciencia. É escriptor inuilo illustrado e cori~ciencioso,professor hahilissimo, sendo um dos mais distinctos ornamentos do Funccionalismo madeirense. Da sua nimia bondade espero desculpa por ousar melindrar a s u a modcslia, egual ao grande talento de que s. ex.a é dotado.


2 14

OBBERENDAS

gem da Virgem pequeaina que lê nos joelhos de Sant' Anna. E r a o orgulho do papá, a alegria da marna. Quando It tarde voltavb do collegio, e entrava sobraçando os livros e o cabazinho do le~nch,que & porta d a riia tirava da mão da velha criada, havia f~~lgores saudosh cle jubilo no rosto da inãe, raios estranhos de alegria no semblante do pae. Aguardavam-na ambos para jantar. 0uvia.se entno uma orchestra de ditos, de faIlas, de r~iidos,de gargalhadas christalinas, havia na sala um voltear de borboleta irisada. E fallava, ria, coiltava as lic~õesq ~ i esoubera, os erros que emendára, as licções q i ~ on3o podera dar, as amigas que tinliam ido, as qiie haviam faltado; as que ntio souberam o licpão, as que nlio deseinpenharain com perfcigxo a tarefa que a professora, llies clera; mostrava umas g,zratujas a qno chninava o seu desenho, a escripta d'aquelle dia, o seu crocliet do rolovo que j& trazia mais unia flor. Depois uin affago ao papii, iiin beijo n a mainn, o pedido de nina fita nova para o cabello, egual zi, da Nini, de umas botinas de salto h Benoiton e biqueiras bordadas iriuills das que estreiara a Clarinha, presente de annos. E a mainã promettia a fita, o papA as Isotinas e ella. louca do coiitonte batia alegre as palmas e cantava:


HORAS DE ALLIVIO

215

Tendes Ò pé pequenino do tamanho d'um vintem podia calpar de prata quem tEo pequenino pB tem. OU outra qualq~ler cantiga popular que a velha criada lhe ensinara. Outras vezes recitava os versos que o papzí Ilie repetira, ora cantarolava o trecho de uma opera italiana que ouvira, a mama tocar no piano. A VOZ solicita da inZe punha termo quasi sempre &que110 raido dizendo : -Vamos pnxa a mesa, clunndo não esfria o jantar; anda Julinl~s,que hns cle estar muito fraca. E 18 ia pelo corred& saltando, puIando at6 cliegar A casa de jnntnr, onde se sentava B mesa muito seria e comedida como o papá e a mamH queriam, e lhe haviam ensinaclo a, portar-se nJaquel1elogsr. Tiilha a Julinlio urna irrna pequeniila; muito mais peqoenina do que ella,, e com quem muito brincava. Beijava-a, pegava-lhe ao collo, fingia ella de mama o a Belliiilia cle filha. Ning~ieiriimagina os extremos de carinho fraternal que havin na Julinha.


Uma noite amrdaram todo; sobresaltados aos gritos da visinhança; apparecera fogo no andar inferior. O pao de Julinha homem corajoso e arrojado, corr%raa chamar as criadas e o criado e disse-lhes que fossein buscar as meninas, que as envolvessem em roupa, e as levassem para a rua, por que havia teinpo de todos se salvarem sem precipitaçilo. E no entretanto dirigiu-se ao quarto de sua osposa, que jd vestida se encaminhava para onde dormiam as filhas. Tranquillisou-a elle, dizendo-lhe as orclens que dhra, e acompanhou-a até 4. rua, conduzindo-a depois a uma casa visinlia. Feito isto ia voltar para apressar a saida das filhas e das restantes pessoas de sua, casa, quando o inccndio irrompendo f~~rioso lhe tollieu o subir a escada. U m grito de angustia saiu-lho c10 peito e augmantou a sita aflicg%o,quando, olhando para o Iaclo, viii o criado e as criadas sobragando cada uin irnmensas trouxas de ~ o u a. p -As meninas? pergtintou. E desculparam-se atrapalhando-so sem sabor o qiiu clizianl, nem o mudo coino defender-se do 861.1 vil180 procedililento. I-Iaviain preferido salvar as roupas de seu uso a ii'em buscar as fillias dc seus amos. Foi um momento em quanto o angustiado pae lançou


HORAS DE ALLIVIO

217

mão robusta a uma escada e encostou 6 janella para penetrar na casa 'd'onde saiam enormes lavaredas. N'este momento um grito de terror soltou-se de todos os peitos, e centenas de espectadores correram em busca do novas escadas para poderein entrar na casa incendiada. D e repente toda aquella n~ulticlãoparou estupefacta. Por entro o fogo e o fumo, 4 sacada de uma das janellas grandes, appaiqeceraa figura syinpathica e gentil da Jiilinha com a irrnãsinha ao collo. Brilhava-lhe no rosto uma energia desusada. - Papá ! rnamÊi ! gritou deixando-se ficar quietinha, .coino quem esperava que a fossem buscar. O clarfo clas chammas illuminava-lhe o rosto. N'um instante o pae deitou-lhes as inLos, tiroumas d'nli, o milhares do braços se estenderam para elle, tomando as criancinhas, que passaram de mão em in3o osculadas por toda aquella gente. A Julinha pouco depois de cntregue a irms, quo nunca Iargdra, zí mne, coineçou a chorar. Que susto eu tive inamg! julgaiido,q~~e não poderia salvar a 13ollinlia; mas Deus ajudou-me, foi Nossa Senhora, nZo foi 7 E em roda o povo, exclamava outliusiasmado: - Que valor cle creança ! Tão pequenina !

-

Calliela

-23 de março.



HOMENAGEM AO BS."' SR. IARUEL MARIA PORTELLB

A ti poeta d'cstro brilhante, qual outro D-ante, vate inspirado ! De longe vou saudar s贸mente teu canto ingente e sublimado. Triste vida, triste soffrer, nos vem dizer teu livro bollo. Notas soltadas entro prantos s5io do E~nzoCantos o d'alma anhelo.

' Depois

dn Icilura do livro

- Cantos do Ermoi


Gemes tão só, n'nm mar d'agruras, tendo amarguras, sem tal* boilança. Que dares, poeta, seiites d'aluia que nem a pdma deixam d a .esperança? ! Acaso amor, essa alma forte feriu de morte e captivou? Tambem a ti, geiiio eminente, paixão fremente . avassalou? !

'E teu

canto qual fabnlada aria inspirada do cysne ameno; tem a magia do clue a desgrapa tianquillo xbraça forte e sereno ! Como enlevain tuas cançijes os corapões de quem as lê! 0 1 i1 gonio illustre ! SB eu t7cgual;lra feliz j ulgkrcz a vida, crê.


A ti poeta d'estro brilhante qual o de Dante I y r ~inspirada, envio apenas, ao canto ingents signal rev'rento d'admirada l XadeĂ­ra, maio de tfi5:.


INDTCE

PAG

.

INTRODUC~ÃO ............................................... VII CNITA-PROLOGO

.............................................SI

A minlia amiga D . Virgiiiia Amelia de Barros ................... I Esperança (poésia) .......................................... 5 sr.&D . Alaria do Carmo Basconcellos

.............. 9 ......................... 81 I11 h coragem da mullier ..................................159 IV Nossa Senliora cio hlontc ................................ 167 V Ponta do S o l .........................................188 VI Tão pequenina! ........................................213 I

h ex:

11 A meu irnião Xavier da Silva

I O iapazinlio da Lombada ................................ 13 ii O Demerarista .......................................... 41 111 Conto infantil .......................................... 73 IV A Ilirondelle ........................................... 93 V O Beato Frei Pedro da Guarda ...........................143 VI Os proplietas............................................. 163 Mãe e fllha (poesia).......................................... 31 Santa Cruz ................................................. 37 Dbr d'alma (poesia) G7 N'um allium GB

.........................................

................................................


INDIOE

223

PACi

.

Desesperanga (poesia) ....................................... 71 Toujours toi (poesia) .......................................79 Bom cxemplo (poesia) ..................................... 87 Queixumes (poesia) ......................................... 101 Familia Albergaria .........................................103 Aqui (poesia).............! ............................... 113 Alda o11 a ílllia do mar .......................................115 A fillia do carrasco fpoesia) ..................................131 b Virgem clas Dòres .......................................135 Junto ao berço (poesia)......................................141 Lamento (poesia) ...........................................157 Sempre (poesia).............................................1-75 Elora triste (poesia) .........................................183 Morta .....................................................193 D'aqui (poesia) .................................... ;.........211 Homenagem (poesia)......................................... 219

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