1992-colombomadeira

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VIEIRA, Alberto (1992), Colombo e a Comunidade das Cidades Italianas na Madeira, in Cristóvão Colombo, A América e os Portugueses (1992), Lagos, pp.29-47

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: VIEIRA, Alberto (1992), Colombo e a Comunidade das Cidades Italianas na Madeira, in Cristóvão Colombo, A América e os Portugueses (1992), Lagos, pp.29-47, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/1992-colombomadeirapdf, data da visita: / /

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COLOMBO E A COMUNIDADE DAS CIDADES ITALIANAS NA MADEffiA ALBERTO VIEIRA (Centro dê Estudos de História do AllAntioo -

Funchal)

Durante muito tempo duvidou-se da ligação de Cristóvão Colombo à Madeira, para isso recriaram-se muitos argumentos abonatórios da teSB. Isto só foi possfvel porque os seus autores actuavam com o total desconhecimento das fontes fundamentais que vinculam o navegador ao arquipélago. mas também porque ignoraram a dimensão assumida pela comunidade de cidadãos das cidades italianas na ilha. A Madeira foi, na segunda metade do século XV, um ponto de referência obrigatória na vida desta comunidade em Portugal , sendo o açúcar o principal motivo desta vinculação. É dentro deste contexto que deve ser entendida a presença do navegador na ilha. Ele integra-se na.

ambiência que serviu de fundo à fixação dos seus compatr(cios: o comércio do açúcar e a conquista de uma posição de relevo por meio do casamento com uma donzela de boas familias . 1. A presença de italianos na Madeira deriva, não SÓ, da sua forte implantação na penrnsula e manifesto empenho na revelação do novo mundo, mas também, da ilha se evidenciar como uma im~r­ tanle área de produção e comércio de açúcar. Em Portugal e Castela eles procuraram os portos ribeirinhos de maior animação comercial, e ai se evidenciaram como mercadores, mareantes e banqueiros. Aqui, os oriundos de Génova e Florença, cidades de grande animação comerciaI e marftima, abriram, nos locais de fixação, novas vias para o comércio com o mercado mediterrânico. A partir de Lisboa ou Cádiz eles intervêm. primeiro, no comércio peninsular, e, depois, nas navegações e actividades de troca no espaço atlântico. Esta última situação torna-se evidente com a intervenção de António de Noli e Alvise de Cadamosto .

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Os italianos, nomeadamente genoveses, para além dedivulgadores de novas técnicas comerciais, foram , também, quem, depois dos árabes , esteve na origem da expansão de algumas culturas, como a cana de açúcar. Aposiçãocharneira da penfnsula itálica propiciara essa hegemonia no mercado mediterrânrco, ar foram eres os principais interessados no comércio de açúcar oriental. Por isso era inevitável a sua presença na expansão para Ocidente da cuhura e comércio: primeiro em Chipre e Sicnia a, depois, em Valença e no Algarve. É de salientar que, o maior ou menor impacto da sua presença , depende da dimensão adquirida por esta cultura. Deste modo no Mediterrâneo Atlantico é mais elevado na Madeira e nas Canárias, do que nos Açores 1 . Note-se que em ambos os arquipélagos eles adquiriram uma posição proeminente na agricultura e comércio, sendo o açúcar o seu principal interesse. De certo modo, poder-se-á considerar que os genoveses acompanharam o périplo da cana-de-açúcar para Ocidente e depois além-Atlântico. Por oulro lado esle empenho genovês no mercado atlânlico terá a ver com a perda de posição no mercado mediterrânico, mercê da rivalidade com Veneza e das ameaças resultantes do avanço turco. A perda de influência no mercado açucareiro cipriota é compensada com a intervenção privilegiada nas ilhas atlânticas 2. Esta situação é evidente na Madeira e nas Canárias, onde a comunidade italiana é dominada, desde o principio , pelos genoveses. A eles associavam-se, na primeira ilha, os florentinos 3. Os venezianos continuarão até meados do século XVI

empenhados no mercado do

Med~err.lneo

Orienlal, de que Chipre foi , a

partir de 1489, um dos principais pilares. A rede de negócios estabelecida pelos italianos no Novo Mundo, mantém as mesmas caracterlsticas das que detinham na Europa do Norte e Mundo Mediterrânico. A famflia é a chave do sucesso, a garantia da sua execução em plena segurança e a continuidade das referidas operações ' . A partir daqui é passiveI estabelecer a estrutura dos seus negócios, que tinha como ponto de divergência a cidade de origem . No caso do espaço atlântico podia ser Cádiz ou Lisboa, importantes centros de confluência e divergências das rotas comerciais do Novo Mundo. Tendo em conta a importância que a Madeira e as Canárias assumiram no comércio do açúcar nos séculos XV e XVI , parece-nos , Alberlo VIEIAA, o Comikcio Int9f-/nsular nos s4cu1os xv e XVI, Funchal, 1987, 79. Coolronto-&e F. C. LANE, V6IlIse une république maritime, Paris, 397-398. ' Coolronto-&e Alberto VIEIRA. 00. clt., quadros n.1I I 83, 8-9-10 . • F. C. LANE, 00. clt. , 198; Manuel LO BO CARRERA, EI Comercio C8nario Europeo F6Iipe II, Funchal, 1988, 197. 2

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inevitável a presença da comunidade italiana, nomeadamente genovesa, nos principais portos de ambas as ilhas s. As representações em Lisboa e Cádiz de algumas casas ramificaram-se até aos portos do Funchal, Las Palmas e Santa Cruz de Tenente 8, a partirdaf, surgiu uma nova rede de negóck>s. É de realçar a existência em ambos os arquipélagos de agentes ou familiares da mesma casa : os Adornos, Lomelinos, Justinianos, di

Negros, Salvagos, Espindolas e Darias '. Todavia não se deverá esquecer que não existe perfeita consonância entre a afirmação da cultura em ambos os arquipélagos. As Canárias afirma-se num momento de crise do mercado madeirense, podendo ser esta uma forma clara de acompanharem a evolução da cu ltura e comércio. Acresce, ainda, que o comércio do açúcar madeirense esteve, quase sempre, sujeito a um apertado sistema de controlo por parte da coroa, o que não sucede nas canárias, onde as operações estavam mais facilitadas 7. 2. O rápido surto de desenvolvimento da Madeira na centúria quatrocentista, através da sua produção açucareira, gerou a cobiça dos mercadores genoveses, que, por sentirem dificuldades nas tradicionais rotas do Oriente, viam aqui um local ideal para continuar os seus negócios. Já em meados da centúria Cadamosto, um dos poucos venezianos que aportou à Madeira, ao abordar a ilha ficara estupefacto com o grau de progresso atingido, despertando-lhe interesse a próspera produção açucareira. Foi, na realidade , desde então e, fundamentalmente, da década de setenta que o açúcar ganhou uma posição dominante na. produção e comércio da ilha. !: precisamente a partirdaf que se identificam os primeiros italianos na Madeira: Francisco Calvo , B. Lomelino e António Spfnola. São estes os primeiros que aparecem na ilha, atraldos pelo comércio do açúcar. Depois seguiram-se, nas décadas seguintes da centúria, os Dórias, João António Cesare, João Rodrigues Castelhano e f Sobre os italianos em canárias veja-se I. M. Gomez GALTIER, .. EI genovés Francisco da Cerca, prestamista y comerciante de Ofchilla an Las Palmas de Gran canaria en ai decanio 1517-1526 ... ln Revista d9 História, XXIX, La Laguna, 1963-64; L da LA ROSA OUVEIRA, .. Francisco Riberol y la coIonia genovesa en canárias .. , tn Estudos Históricos sobre las CarIarias Orientafe!. las Palmas, 1978, 169-289; M. LOBO CARRERA, .. Los mercadores italianos y ai comercio azUCéll&rO canario &ola primara metad dei slg60 XV", ln Aspecti deI/a llit<i economica med9vaJ. Firanze, 1985, 268-282; M. MARREAO RODRIGUES, .. Genoveses an lacolooización de Tenerife 1496-1509 ~, ln RflVista de História, XVI, La Laguna. 1960, 52-65; H. SANCHO DE SOPRANAS ... Los Sopranis en Canadas 1490-1620", ln Revista de História. La Laguna, 1951, 318-336. • Confronte·se Alberto VIEIRA. O Com4rclo IntfN-Insular(...) , quacrO$ n.- 1 e3; Manuel LOBO CARRERA, EI Comercio CBnario Europeo Sajo Felip9l1, pp. 188-198. 7 Confronte-se Albêrto VIEI RA, O ComfNdo IntfN-lnsu/ar nos stku/os XV e XVI, Funchal, 1987. pp. 27·40, 129-137; Manuel LOBOCARRERA, EIComfNdo CsnarioEUr0p60BajoFBlipe II, Funchal, 1988, pp. 108-120, 141-150.

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Jerónimo Sernigi. Todavia o grupo mais numeroso surgirá no primeiro quartel da centúria seguinte, época áurea do comércio de açúcar. Na Madeira os genoveses foram, em simultâneo, destacados mercadores e produtores de açúcar. Dos últimos relevam·se Simão Acioli (Funchal), Benoco Amador (Funchal), Anlónio Espinola (Funchal), Jorge Lomelino (Funchal, Santa Cruz), Lucas Salvago (Ribeira Brava), António de Negro (Ribeira Brava) e Je>ao Lido (Ponta do Sol), que surgem com uma posição de relevo na estrutura produtiva madeirense, afirmando-se como importantes produtores de açúcar. Entre todos merece a nossa atenção Jorge Lomelino, que se apresenta como proprietário decanaviais no Funchal (1530) e Santa Cruz (1530), sendo nesta última área um dos principais, a seguir a Jordão de Freitas I . A par disso, Gaspar Frutuoso 8, em finais do século XVI , esclarece-nos sobre a importância assumtda par alguns destes na economia açucareira madeirense, referindo quatro como proprietários de engenho: Simão Acioli (Funchal), Jorge Lomelino (Santa Cruz), RafaelCatanho (Sanla Cruz) e Luis Dória (Faial). O mesmo realça, ainda. a inícialiva de alguns, referindo o esplrito empreendedor de Rafael Catanho, que em Santa Cruz construiu uma levada para serviço do seu engenho em que gastou mais de cem mil cruzados. Tal situação só foi passivei, segundo Frutuoso, pelo, «grande esplrito .. destes italianos la. Um dos aspectos que mais favoreceu a penetração da comunidade italiana na ilha, para além do conhecimento dos «segredoslO da produção e comércio do açúcar, foi a fácil naturalização de direito, adquirida por alvará régio, ou de facto, por meio do relacionamento matrimonial com as principais famnias da ilha. A primeira situação foi o recurso necessário para travar as manifestações de xenofobia , evidentes nos protestos lavrados nas cortes de 1459, 1472-73 e 1481-82, que também tiveram repercussão no Funchal, a partir do governo do senhorio do infante D. Fernando (146170) 11 . Sãododomlniopúblicoalgumascartasde naturalização, conseguidas por estes, sendo de referir, no caso da Madeira, a concedida em 1476 12 pela infanta D. Catarina a Bautista Lomelino. Esta carta surge, certamente, • A1beflo VIEIRA •• 0 ReQ1me da propriedade na Madeira O caso do 8ÇIkat (1501> 1537)" , in I.C.I.H.M , Funchal, 1989. • Uvro sggundo das Saudadu da TfNT8, Ponta Delgada, 1979, pp. 103, 110, 130 11

lbidem, 103.

" Alberto VIEIRA, O Com6rcio IntfK·lnsular (...), pp. 79-80. "A.R.M., C.M F.,ll , n. 150 v., carta da 30 de Dezembro, publ.1n A,H.M., vo!. Xv, 73 Esta confirma outra de D. Alonso V de 27 de Dezembro de 1471 (A.N T.T , Chancelaria dilO Afonso V, LI 29, ns. 53 v.) veta·se V. RAU, .. Uma lamlllade mercadores ilalianosem Portugal no século XV: os lomeIlinl", ln Estudos de História, vo!. I, Usboa, 1958, 13·57; veia-se ainda, M. RoUrio, Gsnoveses na História de Portugal, Usboa, 1977, 291 -319

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como resultado das manifestações contrárias dos madeirenses à sua presença no Funchal , em face do conflito gerado na década de setenta pelo contrato exclusivo para comércio de açúcar. Note-se que a presença de judeus e genoveses não era bem vista pelos madeirenses conforme se poderá concluir da reclamação de 1461 ao infante O. Fernando 13. A coroa e o senhorio nunca aceitaram a politica xenófaba dos madeirenses. Para ambos a opção era clara: havia um compromisso anterior que deveria ser cumprido e de diffcil revogação I • . Todavia até 1498 essa possibilidade de acesso à ilha não esteve facilitada, dependendo das influências do senhorio e coroa e da conquista da simpatia das gentes da ilha, uma vez que eles sempre se mostraram contrários a tal intervenção dos estrangeiros. Em 1498 o rei revogou todas as determinações em contrário, permitindo ou facilitando a presença e permanência de qualquer estrangeiro na ilha IS. Nesse mesmo ano o monarca intervém no comércio do açúcar, regulamentando-o por meio do estabelecimento de um contingente de exportação. Assim f)cou definido que a ilha exportaria cento e vinte mil arrobas, sendo cinquenta mil da sua responsabilidade e as restantes distribufdas, primeiro pelos mercadores naturais, e, depois, pelos do reino, nosquaiso monarca queria que fossem inclufdos Bartolomeu Florentim e Jerónimo Serg ini 18. A forma mais eficaz de naturalização e de plena intervenção do estrangeiro na vida do madeirense foi o recurso ao casamento, que funcionou para muitos italianos como a mais eficaz forma de penetração na sociedade e conquista de uma posição de relevo ao nfvel fundiário e institucional. Assim sucedeu com Simão Acciauolli, 8enoco Amador, Chirio Cattaneo , João Usodimare, Urbano Lomelino e João Salviati. Simão Acciauolli casou com Maria Pimenta Drumond filha de Pêro Rodrigues, almoxarife dos quartos (quinto) , que tinha promessa do offcio para quem casasse com a sua filha . Desta forma o jovem italiano adquiriu uma posição proeminente na ilha, como proprietário e fruídor de cargos na administração da fazenda . 8enocoAmadorrecorreu a uma viúva, Petronilha Gonçalves Ferreira , mulher de Esteves Eanes de Quintal, o que lhe propiciou a posse e usufruto de extensas propriedades em Santo António e na Ponta do Sol. O seu património não mais parou de aumentar mercê da sua activa intervenção A.R.M., C.M.F., n. 204·2 11 . 3 de Agosto. publ. in A-H.M., vol. i. n.o 4 . pp. 13-14. Virgfnia RAU. " Privilégios e Legislação Portuguesa rel8fentes a fTl8fcadores estrangeiros (séculos '1:11 e VXI)-. ln Estudos sobre Hist6ri9 Económica SoclaJ do Antigo RegirM. Usboa. 141 ·200, 11 A.R.M., C.M.F.,ll . n. 291 v. 292. 22 de Março. publ. ln A-H.M .• XVI I. n .' 217. p. 367. 11 idem. IbId6m. l 1. n. 69 v.-75 V., 21 de Agosto: publ. in IbId6m, n.o 22. pp. 376--3n. li

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em múhiplas operações de comércio e de crédito, tornando-se num importante proprietário e empresário 17. João Salviati, que se casou com Isabel Álvares de Abreu, tornou-se num dos mais importantes proprietários em Câmara de Lobos e Arco da Calheta. A capitania de Machico exerceu uma atracção especial por alguns destes ~alianos. Assim os irmãos Qufrio e Rafael Catanho, que se fixaram na ilha a partir de principias do século XVI, preferiram o convivia dos capitães desta vila, tendo o primeiro casado com Maria Cabral, filha de Tristão Teixeira , terceiro cap~ão . Mais tarde uma filha deste enlace, Angela Catanha, veio a casar com Diogo Teixeira, quarto cap~ão da capitania que, por ser inválido, teve como tutoro sogro I'. Outro genovês, João Usodimare, que também procurou o convivia do capitão de Machico, tendo desposado a primeira filha, Tristoa Teixeira I'. Entretanto Urbano Lomelino fixara-se em Santa Cruz onde casou com Joanes Lopes, filha de Isabel Correia de Santana. Foi desta forma que os italianos - e Colombo não foge à regraconseguiram penetrar na sociedade e economia madeirense, adquirindo ai uma posição de relevo. A sua adaptação à nova sociedade foi rápida, pelo que desde mu~o cedo surgem ao lado dos madeirenses na defesa da ilha contra as investidas dos corsários, como sucedeu em 1566, ou em África, na defesa das praças marroquinas. 3, Mas aqui e agora importa questionar a dimensão assumida por estes italianos no novo mundo insular ao n!vel económico. Tal como já referimos, a Madeira e as Canárias, pelo seu fornecimento de urzela e açúcar, cativaram a sua atenção. Nos séculos XV e XVI da relação dos estrangeiros ai residentes, contabilizamos 50 (5,2) e noventa e dois (16,9) mercadores italianos, respectivamente na Madeira e Canárias, representando, num e noutro caso, a comunidade estrangeira mais importante. A par disso, na Madeira para os séculos XV e XVI, acrescentam-se mais outros 54 que de uma forma directa intervêm na vida sócio-económica madeirense. 17 JoIo de SOUSA, .. Notas para a HIstória da Madeira. Os Italianos na Ilha. Benoco Amadof., in Cidade campo, supl de DilJrio cI9 No/leias, Funchal, 6 de Maio, 1984, 6. II Confronle-se Gaspar Frutuoso, oh cit., 152.

" Gaspar FRUTUOSO (/bKIem, 159), relere que esse casamento da !ilha do capitAo do donatário de Machico loi com Micef João baptista, todavia estaopiniào tem sido oontestada porimlmeros estudiosos que apresentam aJoAo Usoámarecomo parceiro da IilhadocapilAo: para tal argumenta-se o tacto de Micer Joio no seu testamento ("MISsar Joio Baptista (1512). OVlgátio RodrigoAlonso Usademar( 1581 )., inA.H.M., voI 11,1932, 23)nAoarelentnciar, como seria natural: confronle-se Peter ClODE, Registo Geneal6gico de tammas que passaram.9 Madeira, Funchal, 1952, 85,321

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Os italianos, em especial OS florentinos e os genoveses, conseguiram implantar-se na Madeira, desde meados do século XV, como os principais agentes do comércio do açúcar, alargando depois a sua actuação ao domfnio fundiário, por meio da cOrf'4)ra e laços matrimoniais 20, Na década de 70, mediante o contrato estabelecido com o senhorio da ilha para o comércio do açúcar, detinham uma posição maioritária na sociedade criada para o efe~o , sendo representados por Baptista Lomellinl, Francisco calvo e Micer Leão 21, No ú~imo quartel do século a estes vêm juntar-se Cristóvão Colombo, João António Cesare, Bartoloneu Marchionl, Jerónimo Sernigi e LuIs Dória , E, finalmente, em princrpios do século XVI. surgiu outro grupo mais numeroso, que alicerçou a comunidade italiana residente, Nesles últimos tivemos: Lourenço Cattaneo, João Rodrigues Castigliano, ChiríoCattaneo, Sebastião Cenlurione, Luca Salvago, Giovanni e Lucano Spfnola, Os mercadores-banqueiros de Florença surgem também na ilha e evidenciaram-se nas transacções comerciais e financeiras em tomo do açúcar madeirense no mercado europeu , A partir de Lisboa, onde detinham uma privilegiada posição junto da coroa, mantêm e orientam uma extensa rede de negócios que abrange a Madeira e as principais praças europeias, Primeiro conseguem da Fazenda Real o quase exclusivo comércio do açúcar resultante dos direitos reais por meio do contrato , Depois apoderaram-se do açúcar em comércio, tomando o exclusivo dos contingentes estabelecidos pela coroa, em 1498 22 , Assim tivemos, na primeira metade do século XVI , Bartolomeu Marchioni, Lucas Giraldi e Benedito Moreli com uma clara intervenção no trato do açúcar 23, A manutenção desta rede de negócios fazia-se por meio da intervenção directa dos mercadores ou por meio do recurso a procuradores e agentes subestabelecidos 2' ,

:no Sobre a presença Italiana na Madeira vaja-sa O\arle8 VERLlNOEN, 00. cIt., M. do Rosário: G9fJOV8StU na Históra ds Portugal, Usboa, 19n: Prospero PERAGALLO, Cenni Í'I tomo alia coIoniB itafiaflB ln portogaJlo n8I Secol/ XIV, XV (J XVI, Génova, 1882: Domenico GEOFR~ , . La rela.z ionl fra Genova e Madera nell decenio dei secoIo XVI ", ln ShJd CoIombIanI, UI, Génova, 1952, 435-483: carlos PASSOS , .. R9laçóes Históricas Luao-italianas " , ln AnaisdtJ Acad8m.la Portu9H'SS dsHist6ns, 2,' Série, VII, Usboa, 1856, 143-240, .. Italianos na Madeira .. , in A.H.M. V (1937), 63-67; Jacques HEERS, Gênessu XVE sfkle, Pans, 19n, 335; Virglnla RAU, .. Uma famAIa de mercadoras Italianos em Portugal no século XV os lomeIIini" , ln Esh.lt:ltn ds HistOria, I, Usboa, 1968, 33-36, 2' V1rglnla RAU, O AÇlkar flB Madeka (.. .), 29. Zl lemando jasmins PEREIRA, O Açúcar M9d9irense da 'SOOa '537 (...), 61 ,65, ft IbIdem, 61-69; Idem, Os EstTangeíros na Mad9ira, 88, 115-117 e 125-128. 24

Idem, Os estrangeiros na Madeira, 19, 27, 60, lOS, passim.

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A penetração deste grupo de mercadores na sociedade madeirense foi mu~o acentuada 25. O usufruto de privilégios reais e o relacionamento familiar conduziram à sua plena inserção na aristocracia terratenente e administrativa. Eles, na sua maioria, apresentam·se como proprietários e mercadores de açúcar e instalam·se nas terras de melhor e maior produção. Por compra ou laços matrimoniais, tornam-se nos mais importantes proprietários de canaviais. Assim sucedeu com Rafael Gattaneo, Luis Dória, João Esmeraldo, João e Jorge Lomelino, João Rodrigues Castelhano, Lucas Salvago, Giovanni Spfnola, João Antão, João Florença, Simão Acciaolli e Benoco Amatori. Eles também não se coibem, depois de naturalizados, de intervir na vida local. A sua intervenção na estrutura administrativa madeirense abrangia os domfnios mais elementares do governo, como a vereação e repartições da fazenda , que incidem sobre a economia açucareira. Assim, surgem, como almoxarifes e provedores da fazenda . A par disso têm uma forte intervenção na arrecadação dos direitos reais, surgindo ainda como rendeiros. A presença da comunidade de cidadãos das cidades ~alianas na ilha, não obstante as resistências iniciais, foi salutar, porque eles, para além de propiciarem o maior desenvolvimento das relações de troca em torno do açúcar, foram portadores das novas técnicas e meios de comércio. A eles se deve o incremento das companhias e sociedades comerciais e o uso das letras de câmbio nas vunuosas operações comerciais. Os florentinos experientes nas transacções financeiras, surgem ar com grande destaque, sendo de realçar a acção de feducho Lamoroto e de Francisco Lape "'. A par disso a rede de negócios em torno do açúcar, foi recriada e incentivada por estes mercadores, que através de familiares e amigos lançaram uma forte rede de negócios. O seu domfnio atingiu, não só, as sociedades criadas no exterior e com intervenção na ilha, mas também, o numeroso grupo de agentes ou feitores e procuradores subestabelecidos no Funchal. São várias as sociedades, em que intervêm os italianos, para o comércio do açúcar ou arrendamento dos direitos reais. Ar destacaram-se Bend~o Morelli e Bartolomeu Marchioni, sobrinho e tio , que viviam em Lisboa e actuavam em conjunto no trato do açúcar por meio de outros italianos, que foram na ilha seus agentes, como Feducho Lamoroto, Benoco Amador 21. Quanto ao comércio de açúcar, desde a década de setenta que estes vinham actuando em sociedades para tal fim . Na primeira que conhecemos participavam Batista Lomelino, Francisco Calvo e Micer

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IbIdem. 23. Alberto VIEIRA, 00. cit., 59 Fernando Jasmins PEREIRA, O Açt.lcar Madllir9f'l_ (. ..). 68-93.


Leão, tendo como objectivo o comércio de tado o açúcar produzido na ilha. A partir de 1498 com o estabelecimento das escápulas de comércio surge, em 1502, uma sociedade em que intervêm António Salvago, João Francisco Affaitati, Jerónimo Sernigi, Francisco Corvinelli e João Jaconde, todos italianos, para a venda das trinta mil arrobas das escápulas para os portos mediterrâneos - Águas Mortas, Liame , Roma e Veneza. Note-se que o primeiro tinha na ilha uma importante rede de feitores ou procuradores, de que se destacam Gabriel Affaitati, Luca António , Cistóvão Bocollo , Capello de Capellani, João Dias, Matia Manardi e Rafael Rogel 2l • Tudo isto girava em torno do comércio do açúcar de que o mundo mediterrânico, dominado pelos italianos, deveria consumir 43% do valor exportado da ilha , conforme o estabelece a escápula de 1498. Aqui 30% ficava em Itália, sendo 42% para Veneza, 36% para Génova e os restantes 22% para Porto Liame e Roma 211. Numa análise comparada, entre o valor das escápulas, o açúcar exportado e a intervenção dos mercados desta origem, constata-se uma plena afirmação dos italianos no comércio do produto. Note-se que eles, de acordo com o valor estabelecido para as escápulas, apenas tinham direito a 30% do açúcar exportado, mas na realidade receberam no perfodo de 1490 a 1550, mais de metade do açúcar que saiu da ilha. Deste 97% foi para ar enviado na década de 1501 a 1510. Para o pedodo em que vigoraram as escápulas (1498-1499) apenas se conhece a salda de 2909 arrobas para tal destino, isto é, 8% do total de arrobas para ar consignadas. O comércio de açúcar madeirense para os portos italianos incidiu , particularmente, no perlado de 1490 a 1510, momento em que este mercado e mercadores dai oriundos estavam em situação privilegiada nos diversos contratos de compra de açúcar dos direitos ou das escápulas. COLOMBO E A ILHA 5. Foi a esta terra de agricultores e comerciantes de açúcar que apartou em 1478 Cristóvão Colombo. A ilha, assuas gentes e produtos não lhe eram estranhos, pois em Génova ouvira já falar dela corno a terra do pastel e do açúcar. Por outro lado o mesmo não se sentiria estrangeiro ao pisara solo madeirense , aguardava-o uma numerosa comunidade italiana, dominada pelos genoveses, que cá se fixara, atralda pelo comércio do açúcar.

ZI

ti

Alberto VIEIRA. 00. cit., quaÔ'os n.- 13 e 14 , pp. 204--205. Confronl8-se o nosso estudo sobre O Com4rcio inter· insUlar (Madeira. Açores e

canárias) sku/os XV ti XVI, Funchal. 1987. pp. 130-132.

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A Madeira, desde a década de setenta do século XV, cativara as atenções dos italianos que se fizeram comerciantes e agricultores do açúcar: primeiro Francisco Calvo, Baptista Lomelino e António Spfnola, depois João António Cesare, João Rodrigues Castelhano e Jerónimo Sernigi. A presença de Colombo na Madeira, no perfodo de 1478 a 1485, não pode alhear-se desta familiaridade da comunidade genovesa na ilha. Aqui terá aportado o navegador no Verão de 1478, quando a safra do açúcar havia terminado, para conduzir às mãos de Ludovico Centurione 2400 arrobas de açúcar 30. O pedido fora feito em Lisboa por Paolo di Negro, representante da firma em causa. Todavia o negócio não foi bem sucedido pelo que Colombo teve de testemunhar perante um notário genovês das razões do seu incumprimento. E é a partir dai que se sabe da primeira passagem do navegador pela ilha, na condição de mercador de açúcar. Note-se que o navegador no testamento feito em 1506 refere algumas dividas aos descendentes de Baptista Lomelino, Paolo Dinegro e Luis Centurion, o que poderá ser consequência deste contrato não cumprida ou, então, de outros negócios em torno do açúcar de que não ficou testemunho 31. No regresso a Lisboa , em 1479, Colombo conheceu Filipa de Moniz. O encontro deu-se no Mosteiro de Sanlos em Lisboa, onde ela estava recolhida . O casamento ocorreu em data e local que desconhecemos. Os seus biógrafos falam de Lisboa, mas a tradição, ainda que recente, teima em reafirmar o Porto Santo ou Machico. O importante é que ele ocorreu , tendo favorecido o seu posicionamento na sociedade madeirense e possibilitando-lhe o convIvia com os marinheiros solitários da gesta descobridora do Novo Mundo Ocidental. Como justificar este enlace. O que atrás foi dito para os compatrfcios seus tem agora a sua razão de ser. Todavia não podemos esquecer algumas situações que corporizam uma resposta cabal a esta dúvida. Em primeiro lugar é necessário ter em conta que entre os Pereslrellos e Colombos havia afinidades ao navegador, se anotam nos seus antecedentes uma origem remota em Piacenza, a terra de origem do pai do sogro. A famllia Pereslrelo era italiana, sendo Bartolomeu Perestrek> filho de Filipa Palastrelli que em 1380trocou Piacenza por Lisboa. Assim estamos perante mais um italiano a juntar-se à numerosa colónia existente em Lisboa e que privava com a Coroa e prfncipes empenhados com o processo politico do reino e da expansão.

31 Conforme documenlo no!atiaJ de 25 de Agosto de '479 feito no notário (38folamo Ventimiglla em Génova; veJa·se Colombo, Génova, 1932, p. 173.

), CoosueIo VAAELA, Crlst6balCoI6n, retratodeunhombre, Macrld, 1992, 133e.egs.

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A remota origem "alia na do povoador do Porto Santo, o seu relactonamento com a principal nobreza do reino, são situações que não deverão ser alheias ao casamento da donzela, encerrada no convento de São Domingos em Lisboa , com Cristóvão Colombo. Aascendência italiana facunara-Ihe o contacto, enquanto a posição social demarcava a ambição deste aventureiro em subir na escala social, atitude em tudo igual à dos demais compatrlcios. O casamento ocorreu no final de 1479, ou talvez já em 1480. Mas sobre isso pouco ou nada se sabe, pois não era ainda corrente lavrar o registo da cerimónia . De acordo com Frei Bartolomé de Las Casas, após isso, dizem os seus cronistas, foram viver para a Madeira e Porto Santo,

onde nasceu Diogo, o único filho legitimo de Colombo. Da permanência do navegador nas ilhas da Madeira e Porto Santo pouco ou nada se sabe. Tão pouco é possrvel estabelecer um roteiro dos locais por onde passou, porque disso nada transpareceu para a documentação disponfvel no arquipélago e o navegador guardou na sua memória parte dessa aventura. Todavia estámos em condiçôes de o afirmar que a permanência do navegador no Porto Santo deverá ter sido curta. A pequena ilha não oferecia grandes meios para a plena concretização das ambições comerciais e marftimas de Colombo . Acrescente-se que era comum a confusão entre a ilha de Porto Santo e da Madeira. Também não deverá ser alheio a ideia de os biógrafos do navegador pretenderem valorizar o património da famnia do dono, fazendo-o , -proprietário .. da ilha.

o APELO DO MAR E DO OCIDENTE A Madeira foi no século XV uma peça primordial no processo de expansão. A ilha, considerada a primeira pedra da gesta descobridora dos portugueses no Atlântico, é o marco referencial mais importante desta acçAo no século XV . Ela , de iniciai área de ocupação, passou a um entreposto imprescindlvel às viagens ao longo da costa africana e, depois, foi modelo para todo o processo de ocupação atlântica. Por tudo isto a Madeira firmou o seu nome com letras douradas na História da expansão europeia no Atlântico . O Funchal foi, por muito tempo, o principal ancoradouro do Atlântico que abriu as portas do mar oceano e traçou caminho para as terras do Sul. Ar a abundância do cereal e vinho propiciavam ao navegante o abastecimento seguro para a demorada viagem. Por isso o madeirense não foi apenas o cabouqueiro que transformou o rochedo e fez dele uma magn(fica horta, também se afirmou como o marinheiro, descobridor e comerciante. Deste modoalgumas das principais famfliasda Madeira, enriquecidas

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com a cultura do açúcar, gastaram quase toda a sua fortuna na gesta descobridora, ao serviço do infante D. Henrique, ao longo da costa africana ou, de iniciativa particular, na direcção do Ocidente, correspondendo ao repto lançado pelos textos e lendas medievais. A outro nlvel a ilha estava em condições de propiciar ao navegador as informações consideradas imprescindlveis para o descobrimento das terras ocidentais. Note-se que este apelo do Ocidente é uma consequência lógica do reconhecimento dos Açores, ocorrido a partir de 1427, todavia as ilhas mais ocidentais (Flores e Corvo) só em 1452 foram pisadas por marinheiros portugueses. A sua entrada no dom(nio tusfada deu-se por mãos de Pedro Vasquez de la Frontera e Diogo de Teive em 1452, no regresso de uma das viagens para o Ocidente à procura das ilhas mlticas. As ilhas açorianas , por serem as mais ocidentais sob domfnio europeu até à viagem de Colombo, eram o paradeiro ideal para os aventureiros interessados em embrenhar-se na gesta descobridora dos mares ocidentais. Desde meados do século XV, madeirenses e açorianos saem, com assfdua frequência, à busca de novas terras assegurando, antecipadamente, a posse do que descobrissem por carta régia 32, É de notar que esle interesse dos insulares pela descoberta das terras ocidentais é muito anterior a Colorrbo e persistiu após 1492. A primeira carta conhecida é de 19 de Fevereiro de 1462, sendo a posse das novas ilhas Lavo e caparica e outras que iria descobrir, dadas ao João Vogado. Ainda antes de 1492 lemos outras concessões a Rui Gonçalves da Câmara (21 de Junho de 1473), Fernão Teles (28 de Janeiro de 1474), Fernão Dulmo e João Afonso do Estreno (24 de Julho de 1486). Após a primeira viagem de Colombo não esmoreceu o interesse dos insulares por tais viagens. A atestá-lo estão as cartas concedidas a Gaspar Corte Real (12 de Maiode 1 500) , João Martins (27 de Janeirode 1501) e Miguel Corte Real (15 de Janeiro de 1502). O Ocidente exerceu sobre os ilhéus, madeirenses e açorianos, um fasclnio especial , acalentado, ademais, pelas lendas recuperadas da tradição medieval. Por isso mesmo, desde meados do século XV, eles entusiasmaram-se com a revelação das ilhas ocidentais - Antllia, S. Brandão, Brasil. No extenso rol de aventureiros anónimos que deram a vida por esta descoberta, permitam-nos que referencie os madeirenses *I Manuel Monteiro Velho ARRUDA (CoI9CçSo de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponte Delgada, 19n) relere as cartas alJibufdas a JoAo Vogado( 19deFeverelrode 1462), Gonçalo Fernandes (29 deOutubrode 1462), Rui Gonçalves daC6mara (21 de Janeiro de 1473), Fernão Teles (28 de Junho de 1474e10de Novembro de 1475), FernAo Oulmo e Jo60 Afonso do Estrello (24 de Julho e 4 de Agosto de 1486).

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Diogo de Teive, João Afonso do Estreito, Afonso e Fernão Domingues do Arco . A. BaUesteros 33 identifica este úhimo como o piloto anónimo que em 1484 veio a Lisboa pedir ao rei uma caravela para, segundo Fernando Colombo .• ir a esta lierra que via ... A estas iniciativas isoladas acresce toda uma tradição merária e os dados materiais vislveis nas plagas insulares. A literatura fantástica, a cartografia mftica o aparecimento de destroços de madeira de árvores nas costas das ilhas açorianas acalentavam a esperança da existência de terras a ocidente. Nas cosias das ilhas açorianas do Faial e Graciosa encalhavam alguns pinheiros, enquanto nas Flores davam à costa dois cadáveres com feições diferentes das dos cristãos edos negros. Tudo isto levantava o fervor dos aventureiros que com assiduidade viam-se perante ilhas que nunca existiram. A -décima ilha", por exemplo, nunca passou de uma miragem. A curta permanência de Colombo no Porto Santo e, depois, na Madeira possibilitou-lhe um conhecimento das técnicas de navegação usada pelos portugueses e abriu-lhe as portas aos segredos, guardados na memória dos marinheiros, sobre a existência de terra a Ocidente. Bartolomé de Las Casas e Fernando Colombo falam que o mesmo teria recebido das mãos da sogra -escritos e cartas de marear .. :M. Ambos os cronistas fazem do sogro um destacado navegador quatrocentista. Tudo isto não passa de criação para enfatizar a ligação de ambas as fammas. Na verdade Bartolomeu Perestrelo , ao contrário de muitos genoveses ou seus descendentes, não é referenciado nas crónicas portuguesas como navegador 35 • Ele apenas é referenciado como capitão do donatário da ilha do Porto Santo, por carta de doação de 1 de Novembro de 1446, e a condição de povoador da ilha acompanhou João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz em 1419. Mesmo assim em sua casa podia ser posslvel a presença de tais documentos. Mais importantes foram os elementos que lhe terão fornecido o seu cunhado Pedro Correia, capitão da ilha Graciosa (Açores) . Dai ele dava conta de outras notfciasdas terras açoreanas, sem esquecer os estranhos despojos que aportavam com assiduidade às praias da ilha do Porto Santo. AI, na Madeira e Porto Santo, ouviu Colombo histórias e relatos dos aventureiros do mar, teve acesso a provas evidentes da existência de :JS CristóbaJ Colón y el dfílscubrlmiento dfíI A/n/Inca, 2 vol • . , Barcelona, 1945. ,. Hist6ria dfíI Las Iooms. vol. I. México. 1986; Vida D6I Almirante Don Crist6baJ CoI6n, escrita por SV hljo, México, 19&4. 11 Esta situaçlo 101 já realçada por Henry HARRISSE, Crls!Ophe CoIomb dfílvant rhlstoire. Paris. 1892: Hervy VlGNAUD. Histolre critique dfílla Vande fIfIuepise dIJ CrlsiopM CoIomb, 2 YOIt., Paris, 1911 ; Gaetano FERRO. As naveg.açóes portugVflsaS no AtlSnflico e no Incfco, Usboa, pp. 181-183.

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terras ocidentais legadas pelas correntes marftimas nas praias. Um destes vestfgios foi a castanha do mar, mais popularmente conhecida como .fava de Colombo- . Por tudo isto é legftimo de afirmar que o navegador saiu do arquipélago, em data que desconhecemos, com a firme certeza de que algo de novo poderia encontrar a Ocidente , capaz de justificar o seu empenho e da coroa . A ilha ficou-lhe no coração e nunca mais a esqueceu no seu afã descobridor. Bastaram alguns anos de convfvio com os marinheiros madeirenses, esporádicas viagens ao golfo da Guiné, para ganhar o alento, a sabedoria e os meios técnicos necessários para definir o plano de traçar o caminho de encontro às terras Indicas pelo Ocidente: Cipango (=Japão) era o seu objectivo. Durante os cerca de dez anos que permaneceu em Portugal Cristóvão Colombo acompanhou de perto as expediçOes portuguesas ao longo da costa africana . O fasc fnio do navegador pelo mar, conquistado no Mediterrâneo como corsário ou comerciante, despertou-lhe o apetite para as navegações atlânticas portuguesas. No momento em que se fixou em Lisboa toda a tenção e azáfama estava orientada para o desbravamento da extensa costa africana além do Bojador, conhecida como costa da Guiné. Nesta época era já conhecida e navegável toda a área costeira até ao Cabo de Santa Catarina, alcançado em 1474, no perlado do contrato de Fernão Gomes. Não obstante este espaço ser vedado à navegação de embarcaçOes que não fossem portuguesas, os estrangeiros poderiam fazê-Io a bordo e ao servjço de embarcaçOes nacionais. Assim havia sucedido na década de cinquenta com Cadamosto e Usodimare. Tal como o fez o seu patricio Usodimare, Colombo embarcou em caravelas portuguesas que demandavam as costas da Guiné. Facto normal para um experimentado marinheiro genovês, que na praia do Porto Santo ou na Madeira, acompanhava o vai e vem das nossas caravelas. É de salientar que por muito tempo a Madeira foi escala obrigatória das embarcações portuguesas que se dirigiam à costa africana . Tal facto derivou de o Funchal ser O único porto seguro, avançado no Atlântico, dispondo de excedentes de cereais e vinho, necessários à dieta de bordo dos marinheiros. A par disso os madeirenses acalentavam , desde a década de quarenta, a aventura das navegações africanas, tendo-se empenhado nisso as principais famflias da ilha. Por tudo isto é inevitável associar a viagem de Colombo à sua curta estadia nas ilhas da Madeira e Porto Santo, onde contactou com a realidade attantica, adquiriu as necessárias técnicas para se embrenhar na aventura de busca das terras ocidentais. O retorno do navegador à ilha, em 1498, no decurso da terceira viagem, pode e deve ser entendido como o

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seu reconhecimento aos madeirenses. Aqui teve oportunidade de relatar, aos que com ele acalentaram a ideia da existência de terras a Ocidente, o que encontrara de novo. O convlvio com as gentes do Porto Santo havia sido prolongado e cordial pois em Junho de 1498, aquando da terceira viagem, MO resistiu à tentação de escalar a vila . A sua aproximação foi considerada mau presságio pois os portossantenses pensavam estar perante mais uma armada de corsários . Desfeito o equrvoco foi recebido pelos naturais da terra, seguindo depois para a Madeira. A 10 de Junho de 1498 a chegada do navegador ao Funchal foi saudada apoteoticamenta, como nos refere frei 8artolomé de Las casas, o que provoca mais uma vez, a familiaridade com esta gentes e a esperança que elas depositavam em tal empresa. O cronista remata da seguinte forma o ambientade festa que o envolveu: -Ie fué hecho mui buen recibimiento y mucha fiesta por ser alli muyconocido, que fué vecino de aUa en algun tiempo- li. OS POLÉMICOS LOCAIS DE ESTÂNCIA DO NAVEGADOR Diz a tradição madeirense, baseada no irrefutável (1) testemunho de Álvaro de Azevedo 31 que o mesmo, aquando da sua estância no Funchal, teria repousado nos aposentos de João Esmeraldo, no Funchal. Esta dedução, sem qualquer prova documental, parece-nos estranha pois Cristóvão Colombo nunca trocaria o convlvio dos seus compatrrcios pelo fausto dos aposentos do referido mercador flamengo. Note-se que num e noutro momento havia já no Funchal uma importante comunidade de italianos, onde predominavam os genoveses e que este mesmo flamengo é referenciado por Gaspar Frutuoso como sendo genovês 34. Em 1478, quando Colombo se deslocou pela primeira vez ao Funchal, deveria ter contactado com os seus compatrlcios Francisco Calvo, Baptista Lomelino e António Splnola. Aquando da sua segunda estância, já casado, poderia associar-se ao convivia de outros patrlcios como João António Cesare, os Dórias. E, finalmente, em 1498, na terceira viagem que fez às fndias, à sua passagem pelo Funchal a comunidade italiana era muito importante,

• Fray Bartolornf de LAS CASAS. HI.t6ria de ta./nda •. vol. 1, México. 1986,497. W Confront&-se Manuel C. de Almeida CA YOlLA ZAGAllO. CnstdvAo COOmbo e a Ilha da Madeira. A casa de JoIo Esmeraldo, Usboa. 1945. 34-35; Agostinho de ORNElLAS, Mem6rla scbre a r.sldencJ8 de Colombo na /lha da MadBIra, Usboa, 1892,8-9. :II Gaspar FRUTUOSO. Uvro pnmeiro da. Saudades da Terra. Ponta Delgada, 1979, p. 124.

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tendo·se juntado aos já existentes, os florentinos Bartolomeu Marchioni, Jerónimo e Dinis Sernigi 3111. Em face da presença desta comunidade de italianos, dominada pelos genoveses, na ilha da Madeira com maior destaque para o Funchal, parece·nos estranho que este se tenha alojado na casa de um flamengo , recém--chegado , a quem não o ligavam quaisquer laços de convlvio ou comércio . O navegador não podia ignorar os seus compatrlcios, como Baptista Lomelino e António Splnola, que já se encontravam na ilha à algum tempo , envolvidos no comércio de açúcar. Além disso, como mercador que era deveria preferir o convlvio da Rua do mesmo nome e nunca uma vivenda de João Esmeraldo. Será que esta atribuição se deve ao facto de Gaspar Frutuoso considerar João Esmeraldo como genovês ~ Em face do esplrito de solidariedade que dominava a comunidade genovesa no estrangeiro, considerado um dos factores de sucesso das suas operações comerciais , parece-nos diflcil aceitar uma atitude contrária de Cristóvão Colombo, que nos inlcios da sua acção na penlnsula havia servido algumas casas comerciais. Os documentos privados do mesmo em lugar algum falam de flamengos, como João Esmeraldo, mas sim de genoveses, como Paulo Dinegro, Baptista Esplnola, ambos com familiares na Madeira .1. Todavia a tradição é mais forte que o juizo histórico, e a casa de João Esmeraldo ficará , para gáudio de alguns, como o albergue que acolheu o ilustre navegador nas suas passagens pela Madeira no período de 1478 a 14981 A EVOCAÇÃO DE COLOMBO

A vinculação do navegador ao arquipélago ficou esquecida nos anais da História, sendo a reabilitação fruto da comemoração do quarto centenário da primeira viagem de Colombo. Compulsados os periódicos e a documentação oficial do ano de 1892 constata-se que o madeirense e as suas autoridades ignoraram a comemoração, encarando o navegador como algo estranho ao seu passado histórico. Tudo se resumiu aos tradicionais telegramas de felicitações, aproveitando a borla que a Cable concedera Q. Mas poucos foram aqueles que associaram a efeméride com a presençade Colombo nas ilhas da Madeira e Porto Santo. Nos periódicos ,. Manuel C. de Almeida CAYOlLA ZAGAl1.0, ob. cit, 34-36.

"" Ob. ctt, p. 124 e 260. _I Cristdbal CoIdn. Textos y documentos comp/Btos, prólogo y notas de Consuelo Varela, Madrid, 1984, pp. 310.363. Q Q

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N.' 4707, 12 de Outubro: N.' 4708, 13 de Outubro. N.' 236, texto Azevedo Ramo • .


locais apenas A Lucia q lhe atribui a primeira página no dia devido (12 de Outubro), com uma fugaz referência à sua presença na Madeira. O Diário de Noticias apenas tomou conta do acontecimento no dia 13 « com a transcrição dos telegramas de felicitações enviados ao presidente norteamericano e só no dia 16 ~5 dedicou a manchete da sua primeira página ao facto e ao seu protagonista, sem referir a sua ligação à Madeira. O mesmo se poderá dizer do Diário do Comércio 4fI que apenas no dia 13 refere o envio de telegramas e publica um grande anúncio de propaganda a uma excursão para visitar a exposição de Chicago. Na documentação oficial apenas encontramos lavrado no acto da vereação da Câmara do Funchal de 13 de Outubro que se enviara no dia anterior um telegrama de felicitações ao presidente dos EUA e nas vereações do Porto Santo, estranhamente, não encontramos nada a esse propósito: estava assim já perdida a memória desse feito, relembrado em 1848 nos anais desta última ilha. Contrastando com este desprezo madeirense dos feitos dos antepassados pela referida efeméride e a vinculação do seu protagonista manifestado pelos organizadores da comemoração do evento, em la Rábida e Chicago em fazer figurar estas ilhas. Na exposição feita em La Rábida em 1892, cujo catálogo foi publicado por W. E. Curtis 0, 1893são apresentados treze aspectos relacionados com a sua estância na Madeira e Porto Santo: ar aparecem as casas da Madeira e Porto Santo, apontadas pela tradição como de Colombo, sendo atribufdas à primeira a data de 1457 e à segunda a de 1471 . Todos estes elementos foram fornecidos pelo Cônsul norte-americano no Funchal, John Healy com a colaboração de José Leite Monteiro. A par disso a lIustración Espafiola y Americana, que já em 1878 pUblicara um artigo de Álvaro Rodrigues de Azevedo sobre a casa de Colombo na Madeira, na sua edição comemorativa da data apresenta uma gravura da referida casa . Não foi por falta de informações que os madeirenses deixaram de comemorar esta efeméride, pois, desde meados do século, surgem inúmeras referências em estudos publicados à importância da Madeira nos planos de Colombo. Todavia em 5 de Fevereiro, ordenou-se a demolição do prédio referenciado com a casa de Colombo e só um ano após a voz abalizada de Álvaro Rodrigues d'Azevedo saiu à praça a defender a vinculação do ediflcio demolido com o navegador. Em 1892 o conselheiro .. N.II 4709, 14 Outubro. --N .1I4711 , 160utubro. .. N.II307, 13 OUtubro, comércio para visitar expoliçêo de Chicago. ~7 R9lics 01 Columbus, Washington, 1893 . .. .. Coklmbo (CrisIÓVAo).. , '101. I, pp. 274-279.

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Agostinho de Ornelas retoma essa temática , apresentando dados exclusivos eabonatóriosdessa vinculação colombinada casade João Esmerakto. Entretanto para o Porto Santo, o administrador do concelho do Porto Santo, Joao de Santana e Vasconcelos, afirmava em 1848 nos anais do concelho que Colombo casara e residira na mesma ilha. Passado o rnomentofebril das comemoraçóesde 1892 o madeirense despertou para Colombo surgindo, já na nossa centúria, inúmeros trabalhos de erud~os locais a fundamentar ou questionar a presença desse ilustre marinheiro na fase anterior ao acontecimento de 1492. Primeiro a pena de João Reis Gomes reconstituiu a ambiência do perfodo de estadia de Colombo na Madeira, através do romance histórico - A Filha do Tristão das Damas> (1909), depois passada para teatro sob o titulo de -Guiomar Teixeira- (1914). Também o P.· Fernando Augusto da Silva se preocupou com a questão, reunindo extenso material que pode ser consultado no seu espólio à guarda do Arquivo Regional da Madeira, de que resultou apenas o breve apontamento no - Elucidário Madeirense" " . Entretanto em 1945, Cayolla Zagallo numa conferência realizada no liceu do Funchal viria a apresentar a mais interessante perspectiva sobre a questão, o que veio a reforçar o interesse pela temática colombina ('. Mas de todos, o mais polémico foi o P.· Eduardo Pereira que desde a década de cinquenta se preocupou com a questão: primeiro põe em causa a moradia de Colombo no Porto Santo, para defender, depois, de forma original , a vinculação colombina da casa de João Esmeraldo no Funchal e as tábuas pintadas que foram descobertas em 1868 na casa defronte da de Colombo 50. ~ nessa ambiência que surgem os defensores da necessária reconstrução da referida moradia de Colombo no Funchal, sendo o seu primeiro arauto o Visconde de Meireles 51. Nessa data representava-se no Funchal a peça - Guiomar Teixeira .. e foi talvez inflamado com as alusões a Colombo que o mesmo teve essa genial ideia. Mas, não obstante os apoios colhidos dentro e fora da ilha, a questão foi esquecida e só recentemente com o afã preparativo das comemorações de 1992 essa mesma ideia voltou ao convrvio do público, sem despertar mais uma vez grande interesse. A tradição imortalizou a passagem do navegador pelo arquipélago atribuindo-lhe alguns vestfgios materiais do patrim6nioarquitectónico. Da casa do Funchal apenas sobreviveram algumas fotografias e as cantarias .. Crist6voo Colombo e 8 Hha da Madeira. A casa de..Jolío EsmeraJdo, Funchal, 1945. 110 .. Uma casa de ColombO em Porto Sao10ll , in Das Arles e da Hist6riada Madeira, voI. VI, n .II 35, 1965,

pp. 22·25 ; "CrlstóvAo ColombO no Porto Santo e na Madeira .. , ln Das Arles fi

da Hist6ria da MadeIra, vo!. IV, 0 11 22-23, 1956, pp. 2f>.27. 31 -37. NotáV9is achados históricos na Madeira, Funchal, 1974. 11 HeraJdo de Madeira, 27 de Março de 1813.

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de uma das janelas, em boa hora adquiridas pela famrlia Hinton e montadas na Quinta da Palmeira nos arredores do Funchal. No local onde outrora se ergueu o palácio construiu-se uma praça em memória do navegador. No Porto Santo a casa que, segundo a tradição pertenceu à famflia da mulher do navegador e de moradia ao navegador, está hoje servindo de Casa-Museu , evocativa do mesmo. No Funchal releva-se a Boblioteca-Museu Mário Barbeito de Vasconcelos, que reúne um vasto acervo bibliográfico colombino, reunido por este bibliófilo. Desde 1989 o Governo Regional da Madeira antecipou-se na preparação das comemorações do quinto centenário da primeira viagem de Cristóvão Colombo; a 20 de Novembro foi inaugurada a Casa Museu Colombo , no pnrto ~ .'l nto ; no dia imediato, realizou-se no Funchal uma primeira mesa-rP.dofl ~;) sobre a vida e obra do navegador, com a partici· pação dos Profs n",p, Caracci, Luis Albuquerque, W. Randles e Demétrio Ramos. Passado um ano, a 12 de Setembro, no Porto Santo teve lugar um segundo encontro com os mesmos participantes. E de 21 a 29 de Setembro decorreu no Porto Santo, Madeira, Gran Cana ria, La Gomera o III Colóquio Internacional de História da Madeira, com o intuito de evocar a aportação madeirense ao feito de 1492.

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