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VIEIRA, Alberto (2005), As ilhas Atlânticas

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AS ILHAS ATLÂNTICAS

ALBERTO VIEIRA

O Atlântico não significa apenas a imensa massa de água, polvilhada de ilhas, mas também uma larga tradição histórica que está na origem do seu baptismo. Ele foi o palco de encontro de mundos, a partir do século XVI. A sua delimitação faz-se pelo litoral de dois continentes e de um autêntico rosário de ilhas. As ilhas foram e continuam a ser um elemento importante no seu processo histórico, actuando, quase sempre, como intermediárias entre o maralto e os portos litorais dos continentes europeu, africano e americano. Elas anicham-se, de um modo geral, junto da costa dos continentes africano e americano. A excepção fica-se por os Açores, Santa Helena, Ascenção e o grupo de Tristão da Cunha, donde não se vislumbram as plagas continentais. Aqui há que definir o Atlântico português expresso de acordo com três áreas de intervenção, definidas pelos descobrimentos: Costa da Guiné, Brasil e Índico. E é dentro disto que se inserem cinco vértices insulares de maior importância - Açores, Canárias, Cabo Verde, Madeira e S. Tomé - imprescindíveis para a afirmação da hegemonia e defesa das rotas oceânicas, onde a coroa portuguesa assentou os principais pilares da sua acção. As ilhas desertas transformaram-se em lugares de acolhimento e repouso para os náufragos, ancoradouro seguro e abastecedor para as embarcações, e espaços agrícolas dinamizadores do sistema de trocas. São exemplo disso as da Madeira, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé, Santa Helena e Açores. O mundo insular, quase na sua totalidade -- as Canárias são a excepção -- criado pelos portugueses no vasto oceano, apresenta inúmeras especificidades, mas também uma vinculação inevitável com os espaços continentais vizinhos, pelo que não pode ser deles desintegrado. Os arquipélagos portugueses, definidos por vinte e quatro ilhas, participaram activamente no processo de afirmação lusíada no Atlântico. Perante nós perfilham-se aquelas ilhas que se afirmaram como pontos importantes das rotas intercontinentais, como as Canárias, Santa Helena e Açores, e as que se filiam nas áreas económicas litorais, como sucede com Arguim, Cabo Verde, e o arquipélago do Golfo da Guiné. A vivência das ultimas é alicerçada na dependência ao litoral que, muitas vezes, as tornou importantes. O protagonismo das Canárias e dos Açores, acompanhado de perto por Cabo Verde, é muito mais evidente no traçado das rotas oceânicas que se dirigiam ou regressavam das Indias ocidentais e orientais. Isto é resultado da sua posição às portas do oceano. As duas actuaram, respectivamente, como via de entrada e saída das rotas oceânicas, o que motivou a maior incidência da pirataria e corso na região circum-vizinha. Todavia temos de reconhecer que esta forma de encarar o devir histórico dos arquipélagos somente a partir destaconjuntura é reducionista, no sentido que se atem apenas a algumas das ilhas que os compõem. Na verdade, a realidade arquipelágica é muito diversificada, pelo que este protagonismo assenta apenas em algumas ilhas. É nas Canárias onde o envolvimento com as rotas oceânicas cantagia todas as ilhas. Elas não se ficaram apenas pela função de apoio às rotas oceânicas. À sua volta surge um vasto hinterland agrícola também com isso relacionado. Daqui resulta que a valorização sócio-económica dos espaços insulares não foi unilinear, dependendo da confluência de dois factores. Primeiro, os rumos definidos para a expansão altântica e os níveis da sua expressão em cada um. Depois, as condições propiciadoras de cada ilha ou arquipélago em termos físicos, de habitabilidade ou da existência ou não de uma população autóctone. Quanto ao último aspecto é de salientar que apenas as Antilhas, Canárias e a pequena ilha de Fernão do Pó, no Golfo da Guiné, estavam já ocupadas quando aí chegaram os marinheiros peninsulares. As restantes encontravam-se abandonadas -- não obstante falar-se de visitas esporádicas às de Cabo Verde e S. Tomé por parte das gentes costeiras -- o que favoreceu o imediato e rápido povoamento, quando as condições do eco-sistema o permitiam. Se na Madeira esta tarefa foi fácil, não obstante as condições hostis da orografia, o mesmo não se poderá dizer dos Açores ou de Cabo Verde, onde os primeiros colonos tiveram que enfrentar diversas dificuldades, que fizeram tardar a ocupação efectiva do solo. Para as ilhas já ocupadas as circunstâncias foram diferentes, pois enquanto nas Canárias os castelhanos tiveram que se defrontar com os autóctones por largos anos(1402/1496), em Fernão do Pó e nas Antilhas foi mais fácil vencer a resistência indígena. DO DESCOBRIMENTO À OCUPAÇÃO O Atlântico, considerado como uma revelação ou redescobrimento quatrocentista dos portugueses, era já um activo protagonista da Europa Ocidental em épocas muito anteriores. Primeiro os cartagineses e depois os árabes preludiaram a gesta concretizada em pleno no século XV pelos portugueses e castelhanos.


As iniciativas portuguesas, desbravadoras do vasto oceano, atribuíram a nova dimensão que o catapultou para o centro do mundo. Daqui resultou uma posição singular da diplomacia e politica peninsular: o pioneirismo português no seu desbravamento levou-o à defesa do mare nostrum, que depois teve de ser disputado e partilhado com Castela e mais tarde com vários outros europeus. Esta partilha quatrocentista mereceu o comentário incisivo de Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI: "não entendo esta mistura, como neste mar houve dois senhores diversos". Na verdade, só a constatação da conjuntura política da segunda metade do século XV, permitirá entender a razão da disputa e partilha entre as duas coroas peninsulares. No caso da Madeira, o progresso revelado nas diversas representações cartográficas, desde meados do século XIV, deve ser resultado de uma assídua observação presencial a que não foi alheio o incremento das expedições ao vizinho arquipélago das Canárias. Em 1344 o próprio papa de Avinhão estava ao corrente do que aí se passava, concedendo o senhorio das ilhas Afortunadas a D. Luís de La Cerda. Enquanto os monarcas de Leão e Castela manifestavam o seu regozijo, a posição do rei português D. Afonso IV foi de desagravo e reivindicação, por carta de 12 de Fevereiro de 1345. Isto condicionou uma acesa disputa do arquirélago das Canárias, que só teve epílogo em 1479 com o tratado de Alcáçovas. As expedições portuguesas ao longo da costa africana não são alheias à presença em Portugal de Manuel Pessanha, contratado em 1317 por D. Dinis para criar a frota nacional e dar os marinheiros nos conhecimentos necessários na arte de marear. A viagem de 1341 às Canárias é encarada como consequência disso. O mesmo rei havia conseguido em 1320 o apoio por parte do papado para levar a cabo uma guerra de corso na costa africana, repetindo-se com o seu sucessor em 1341. A presença destas armadas é um indício de que os mares eram já frequentados e conhecidos dos marinheiros peninsulares, pelo que não deverá ser estranho à sua representação cartográfica. As Canárias e o mar vizinho foram visitados com assiduidade a partir de meados do século XIV, mas só no começo da centúria seguinte, com Jean de Betencourt, avançou o plano de conquista e ocupação das ilhas que só ficou concluído apenas em 1493. Quanto ao arquipélago açoriano, muito mais adentro no oceano e aquém da costa africana, a presença na cartografia não está devidamente esclarecida e identificada. Note-se que inúmeros historiadores têm feito coincidir o arquipélago com as ilhas fantásticas desenhadas no local dos verdadeiros Açores. Não obstante a existência de dados reveladores do conhecimento dos arquipélagos atlânticos aquém dos trópicos, a partir do século XIV, a historiografia continua a insistir na tese do descobrimento quatrocentis- ta. Para isso terá contribuído a conjuntura nacionalista da segunda metade do século XIX, que estabeleceu esta opção como resposta às espoliações lançadas pelos franceses, castelhanos ou ingleses à partilha do continente africano. No caso da Madeira e dos Açores, se folhearmos as "Saudades da Terra" de Gaspar Frutuoso, uma das fontes primárias em que assenta a defesa da tese oficial do descobrimento de ambos os arquipélagos, é possível encontrar os argumentos que a contrariam. O autor, que escreve em finais do século dezasseis a história das ilhas, reuniu tudo o que encontrou na tradição oral e escrita. Deste modo, ao lado do testemunho do descobrimento quatrocentista surgem-nos outros, com a mesma evidência, que apontam para um conhecimento em data anterior. Mesmo assim, a tradição foi aí buscar a ideia do descobrimento madeirense por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz e dos Açores por Gonçalo Velho. Quanto a este último parece ter perdido o feito em favor de Diogo de Silves, que o precedera em 1427. Enquanto prosseguia a azáfama valorizadora dos arquipélagos da Madeira e Açores, continuavam as viagens de reconhecimento da costa africana, que conduziriam à sua total revelação e das ilhas vizinhas. O descobrimento português das de Cabo Verde e S. Tomé e Principe só terá lugar muito mais tarde, num momento em que o povoamento da Madeira estava já em fase avançada. As ilhas do primeiro arquipélago são visitadas pelos marinheiros do infante D. Henrique ainda em sua vida, mas é após a sua morte que se procede ao reconhecimento completo. Também aqui não existe consenso quanto ao seu descobridor. Confrontadas as fontes narrativas verifica-se a existência de vozes discordantes e a apropriação indevida, segundo alguns, por parte de Cadamosto do descobrimento das ilhas de Boavista e Santiago e de António da Noli das que Diogo Gomes se dizia como descobridor. Outros, ainda, adiantam o feito para 1445, sendo o seu protagonista o navegador Vicente Dias. A morte do infante D. Henrique, em Novembro de 1460, condicionou o ritmo das viagens exploratórias da costa africana. As expedições foram retomadas, somente passados nove anos, com o arrendamento do comércio da área a Fernão Gomes. Um das cláusulas do contrato obrigava-o ao reconhecimento anual de uma determinada área de costa. Foi precisamente no periodo da sua vigência que, entre 1470 e 1472, João de Santarém e Pedro de Escobar descobriram as ilhas do Golfo da Guiné. Primeiro S. Tomé e Príncipe (de início designada de Santo António), depois Fernando Pó e Ano Bom. O nome atribuído às duas últimas é, sem dúvida, denunciador da autoria e data do descobridor.


As restantes ilhas do Atlântico foram reveladas no decurso das primeiras viagens para a Índia: João da Nova descobriu Trindade(1501) e Santa Helena(1502), enquanto a Tristão da Cunha se deve o descobrimento em 1506 do arquipélago a que foi atribuído o seu nome. OS DESCOBRIDORES INSULARES De acordo com Gomes Eanes de Zurara, em a Crónica de Guiné, a Madeira afirmou-se, a partir de 1445, como o principal porto de escala para as navegações ao longo da costa ocidental africana. O rápido surto económico da ilha, associado às já referidas dificuldades encontradas nas Canárias, assim o determinaram. Os excedentes agrícolas da ilha foram suficientes para abastecer as caravelas henriquinas de biscoito, vinho e víveres frescos. Como corolário destas circunstâncias a Madeira firmou-se no século XV como um centro importante nas navegações e descobrimentos no Atlântico Oriental. O rápido surto de desenvolvimento económico e o empenho dos principais povoadores em dar continuidade à empresa de reconhecimento do Atlântico reforçaram a posição da ilha através dos serviços prestados pelos colonos madeirenses.

NA MADEIRA O PRINCIPIO A Madeira foi de todas as ilhas a primeira a merecer uma ocupação efectiva por parte dos colonos europeus, por isso, emerge no contexto do espaço atlântico como uma área pioneira e, depois, modelo para os processos, técnicas e produtos que serviram de referência para a afirmação portuguesa. O povoamento iniciou-se a partir de 1420, dispondo os primeiros colonos de inúmeras condições propiciadoras do seu êxito. A Madeira era uma ilha que estava abandonada, aberta a qualquer iniciativa de povoamento, rica em madeiras e água e com boas enseadas para a sua abordagem. O mesmo não sucedia nos Açores ou nas Canárias, Cabo Verde e S. Tomé, onde surgiram entraves à fixação peninsular. No primeiro caso Gaspar Frutuoso insiste no facto de que os sismos e vulcões atemorizavam os primeiros colonos. No segundo, a presença de uma população autóctone - os guanches - difícil de dominar, enquanto nas últimas duas foram as condições inóspitas do clima que dificultaram a presença europeia. Dizem os cronistas que a ocupação das ilhas da Madeira e do Porto Santo teve lugar no Verão de 1420 e que os promotores da iniciativa (João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo) se fizeram acompanhar de homens, produtos e instrumentos necessários para o lançamento da semente europeia. Esta foi a terceira de um conjunto de expedições de reconhecimento realizadas ao arquipélago, nos dois anos que a antecederam. No caso das Canárias, a existência de uma população autóctone obrigou à conquista do território, feita por iniciativa privada e da coroa. Daqui resultou duas formas de domínio: as ilhas senhoriais (Lanzarote, Fuerteventura, La Gomera, El Hierro) e realengas (Gran Canaria, Tenerife, La Palma). As primeiras tiveram um estatuto semelhante ao estabelecido para a Madeira, a partir de 1433. Com a distribuição das terras pelos três povoadores, as ilhas do Porto Santo e Madeira ficaram divididas em três capitanias. O Porto Santo por ser uma ilha pequena ficou entregue na totalidade a Bartolomeu Perestrelo, enquanto a Madeira foi dividida em duas, por meio de uma separação em linha diagonal entre a Ponta da Oliveira e a do Tristão. A vertente meridional, dominada pelo Funchal ficou quase toda em poder de João Gonçalves Zarco, enquanto a restante área dominada pela costa norte foi para Tristão Vaz. O entusiasmo destes primeiros povoadores foi o prelúdio do imediato sucesso de ocupação do arquipélago. Diferente foi o que sucedeu nas demais ilhas portuguesas do Atlântico. Dificuldades de vária índole fizeram com que o processo fosse lento e que, em alguns casos, como Cabo Verde, só se concretizasse em pleno no século dezanove. Nos Açores o infante D. Henrique ordenou em 1439 a Gonçalo Velho que iniciasse o povoamento das ilhas de S. Miguel e Santa Maria, fazendo aí lançar gado bravio. Mas esta iniciativa não surtiu efeito pelo que dez anos mais tarde repete-se a mesma ordem. As cartas de doação das capitanias das ilhas esclarecem-nos que o efectivo povoamento só teve lugar na década de sessenta ou setenta, sendo isso resultado da presença de flamengos no Faial e de madeirenses em S. Miguel. Todavia, segundo Valentim Fernandes(em 1507), as ilhas mais ocidentais - Corvo e Flores - ainda estavam por povoar. A infanta D. Beatriz, ao confirmar em 1474 a compra da capitania da ilha da S. Miguel por Rui Gonçalves da Câmara refere que a "dita ilha desde o começo da sua povoação até ao presente foi mui mal aproveitada e povoada". Na verdade, foi este filho-segundo do capitão do Funchal quem deu o arranque definitivo ao povoamento da ilha. Ele fixou residência em Vila Franca do Campo e este local ficou como a capital da ilha até que foi soterrado pelo terramoto de 1522. Pior foi o que sucedeu em Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, onde a fixação de colonos foi prejudicada pelas


condições difíceis do clima. Na realidade o clima apresentou-se como o principal entrave à fixação de colonos europeus, atrasando o processo de povoamento e valorização económica. Por outro lado os factos que ilustram esta realidade denunciam uma elevada mortalidade dos funcionários régios para lá enviados, com reflexos a evidentes na administração do território. Por isso a coroa, para cativar a presença de novos povoadores, acenava com um soldo dobrado em relação ao do reino e as possibilidades de comércio na costa africana. Os privilégios concedidos em 1466, para o comércio nas costas da Guiné, exceptuando as mercadorias defesas e o trato de Arguim, foram o principal chamariz para os novos colonos esquecerem as agruras do clima. Todavia, esta foi uma situação passageira, uma vez que a partir de 1472, sucederam-se restrições a este privilegio dos moradores de Santiago com o sentido de obriga-los a apostar nas culturas locais, as únicas a que estavam autorizados a comerciar com a costa africana. Mesmo assim de povoamento efectivo só se pode afirmar em relação às ilhas de Santiago e Fogo, ficando as restantes por algum tempo como zona de pastagens. Em Santiago o processo teve início em 1462 tendo-se para o efeito dividido a ilha em duas capitanias: uma para D. Branca de Aguiar, com sede na Ribeira Grande e a outra para Diogo Afonso, com a capital em Alcatrazes. Mais abaixo, em plena região equatorial, estava o arquipélago de S. Tomé e aí as condições de sobrevivência eram também extremamente limitadas. Idênticas medidas de privilegio para o comércio na costa africana e a emigração forçada de judeus, deram o arranque. Depois, a agricultura açucareira encarregou-se do resto. A TERRA PROMETIDA Em todas as ilhas as dificuldades sentidas no momento da ocupação foram inúmeras, variando o grau à medida que se avançava para Ocidente ou Sul. Deste modo a coroa e o senhorio sentiram-se na necessidade de atribuir incentivos à fixação de colonos: a entrega de terras de sesmaria, privilégios e isenções fiscais variadas, a saída forçada com o degredo dos sentenciados. Tudo isto começou na Madeira alargando-se, depois, às restantes ilhas. A concessão de terras foi, a par dos inúmeros privilégios fiscais, um dos principais incentivos à fixação de colonos, mesmo em áreas inóspitas como Cabo Verde e S. Tomé. A forma de distribuição para a Madeira mantevese nos Açores, Cabo Verde, S. Tomé. A diferença mais significativa surgiu em Cabo Verde, onde algumas ilhas foram concedidas em regime de contrato para usufruto das pastagens, pelo que não estava atribuído ao capitão a faculdade de as subdividir. Por outro lado, naquelas onde isso foi possível, o regime de distribuição de terras, tendo em conta a pouca aderência de novos colonos, era mais amplo e permissivo, dando aos interlocutores uma maior liberdade de acção. A pena de degredo foi sempre orientada de acordo com a política de povoamento. A coroa, de acordo com o seu interesse, ordenava aos corregedores o destino a atribuir aos degredados. Depois do Algarve, vieram Ceuta e as ilhas atlânticas. Para os Açores, no período da regência de D. Pedro, o seu encaminhamento passou a ser feito por pedido expresso do infante D. Henrique. A partir da década de setenta do século XV o principal destino destes era o arquipélago de Cabo Verde que, na centúria seguinte, foi substituído por S. Tomé. Segundo o corregedor de S. Tomé em 15171 o número de degredados na ilha represen tava um quarto da população, o que era motivo para sérias preocupações, mercê do comportamento insubmisso. Aqui ou em Cabo Verde muitos deles fugiam e faziam-se homizíados, gerando inúmeros problemas, pelo que a coroa foi forçada a rever a política de degredo com destino às ilhas. Outra forma de aliciar colonos para as novas áreas de povoamento tinha a ver com inúmeras isenções fiscais e privilégios. O sistema teve o início em 1439 na Madeira e alastrou, depois, às restantes ilhas. Os colonos madeirenses usufruíram, por cinco anos, da isenção do pagamento da dízima e portagem nas mercadorias enviadas aos portos do reino. Em 1444 este privilegio foi renovado, sendo extensivo às ilhas açorianas, onde se manteve até 1482. Quer em Cabo Verde, quer em S. Tomé e Príncipe, as dificuldades de fixação foram redobradas e, por isso mesmo, houve necessidade de reforçar os incentivos. Foi o comércio na vizinha costa africana que a coroa encontrou a melhor forma de promover o povoamento das ilhas. E os poucos colonos que para lá seguiram foram guiados por este promissor comércio. Para Cabo Verde ficou estabelecido em 1466 o privilégio exclusivo nas trocas comerciais com os Rios da Guiné, excepto em Arguim. Além disso usufruíam de isenções fiscais na exportação de produtos para o reino e ilhas. A partir de 1472 a coroa, em face dos abusos, viu-se forçada a exarar algumas restrições que causaram grande contestação por parte dos moradores. Nas ilhas do Golfo da Guiné a coroa estabeleceu também as

1. António CARREIRA, Cabo Verde, Lisboa, 1983, 300-301.


referidas isenções fiscais no comércio com o reino (1485) e o privilégio de resgatarem na costa até ao Congo (1493 e 1500). A DIÁSPORA O povoamento dos arquipélagos atlânticos resultou das condições oferecidas pelo meio que iam no sentido de satisfazer as necessidades cerealíferas e da disponibilidade política e social do enclave peninsular. No caso português a inexistência de população nas ilhas entretanto ocupadas obrigou a um movimento migratório. É de salientar que em todas as ilhas a mobilidade social define-se com um aspecto particular. Elas foram primeiro pólos de atracção e depois viveiros disseminadores de gentes para a faina atlântica. No começo a novidade aliada aos inúmeros incentivos de fixação definiram o primeiro destino. Depois as escassas e limitadas possibilidades económicas das ilhas e o fascínio pelas riquezas das Indias conduziram a novos rumos. No primeiro caso a Madeira, porque foi rápida a valorização económica, galvanizou as atenções portuguesas e mediterrânicas. Só depois se afirmaram novos destinos insulares, como as Canárias, Açores, Cabo Verde e S. Tomé, onde, note-se, os madeirenses foram importantes. Desta forma a Madeira do século XV poderá ser definida como um pólo de convergência e redistribuição do movimento emigratório no mundo insular. Partindo do princípio de que o povoamento das ilhas foi um processo faseado, que atraiu a totalidade das regiões peninsulares e até mesmo mediterrânicas, é de prever a confluência de gentes de várias proveniências, em especial dos espaços ribeirinhos de maior concentração dos aglomerados populacionais. Se é certo que o litoral algarvio exerceu uma posição relevante nas primeiras expedições henriquinas no Atlântico, também não é menos certo que esta era uma área de recente ocupação e carenciada de gentes. Assim o grosso dos cabouqueiros do mundo insular português deveria ser de origem nortenha, sendo em muitos casos os portos do litoral algarvio o local de partida. Do Algarve vieram, sem dúvida, os criados ou servidores da Casa do Infante, cuja origem geográfica está ainda por esclarecer. Eles tiveram uma função de relevo no lançamento das bases institucionais do senhorio das ilhas. O processo de formação das sociedades insulares da Guiné foi diferente daquilo que sucedeu na Madeira e Açores. Aqui, a distância do reino e as dificuldades de recrutamento de colonos europeus devido à insalubridade do clima condicionaram, de modo evidente, a forma da sua expressão étnica. A par de um reduzido número de europeus, restrito em alguns casos aos familiares dos capitães e funcionários régios, juntam-se os africanos, que corporizaram o grupo mais importante. Mas a presença de negros, sob a condição de escravos, incentivada, no início, foi, depois, alvo de restrições. O espírito insubmisso de muitos, de que resultaram algumas e sérias revoltas em S. Tomé, foi a principal causa destas medidas. A presença estrangeira nas ilhas portuguesas é evidente desde o início do povoamento. Eis o principal móbil para a sua fixação: a curiosidade de novas terras aliada à possibilidade de uma troca comercial vantajosa. Na Madeira eles surgem na Madeira, a partir de meados do século XV, integrados na segunda leva de povoadores, sendo os responsáveis pela a afirmação da economia da ilha no mercado europeu. Neste grupo destque especial para os genoveses evenezianos. Nos Açores a situação é diferente pois os flamengos foram, desde o início, os mais importantes povoadores das ilhas do Faial, Terceira, Pico e Flores. O primeiro a desembarcar nos Açores terá sido Jácome de Bruges, apresentado em documento de 1450 como capitão da Terceira. Da sua acção pouco se sabe e há quem duvide da autenticidade do titulo de posse da capitania da ilha. Mais importante foi, sem dúvida, a vinda de Josse Huerter em 1468 como capitão das ilhas do Pico e Faial. Acompanharam-no inúmeros flamengos que contribuíram parta o arranque do povoamento das ilhas do grupo central e ocidental. Para os arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé a comunidade estrangeira assume menor importância, sendo, em certa medida, resultado da política exclusivista da coroa portuguesa, que criou, num primeiro momento, sérios entraves à sua presença. Todavia, o facto de S. Tomé ter merecido uma exploração diversa com a cultura da cana sacarina levou a que aí afluíssem técnicos e mercadores ligados ao produto. Registe-se, por fim, a presença dos ingleses, que adquiriram um lugar relevante nos arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias a partir do século XVII. O seu principal interesse era o vinho, pois foram os mais importantes consumidores na terra de origem ou nas colónias orientais e ocidentais. Eles permaneceram até a actualidade, deixando rastos evidentes no quotidiano das ilhas.

Das ilhas, dos seus habitantes e forasteiros, ficaram aqui expressos alguns testemunhos. Neste passado, feito de duras canseiras, é visivel uma identidade própria do mundo insular atlântico, emanente da expansão europeia, partir do século XV. Esta mundividência insular começou na Madeira e, depois, avançou com processo expansionista ao


longo do oceano nas novas ilhas. As soluções para os problemas com que se depararam os europeus surgem em cadeia e têm como referência os casos anteriores. Daqui resulta a possível definição de uma unidade arquipelágica, construída na diversidade dos espaços. Em todas, ou quase todas as ilhas, foi evidente a dependência dos espaços continentais europeu, africano e americano. Por outro lado a maior ou menor proximidade definiu a dimensão assumida por esta vinculação. A prova disto está nos arquipélagos de Cabo Verde e S.Tomé, cuja existência e História é definida em relação ao próximo continente africano. As similitudes e conexões foram estabelecidas pelo posicionamento geográfico dos arquipélagos. Por isso elas são mais evidentes entre a Madeira e os Açores e entre Cabo Verde e S. Tomé, do que entre os dois grupos. Estamos perante uma unidade construída na diversidade.


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