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A CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR NO ATLÂNTICO A rota do açúcar, na transmigração do Mediterrâneo para o Atlântico, tem na Madeira a principal escala. Foi na ilha que a planta se adaptou ao novo ecosistema e deu mostras da elevada qualidade e rendibilidade. Deste modo a quem quer que seja que se abalance a uma descoberta dos canaviais e do açúcar, na mais vetusta origem no século XV, tem obrigatoriamente que passar pela ilha . A Madeira manteve uma posição relevante, por ter sido a primeira área do espaço atlântico a receber a nova cultura. E por isso mesmo foi aqui que se definiram os primeiros contornos desta realidade, que teve plena afirmação nas Antilhas e Brasil. Foi na Madeira que a cana-de-açúcar iniciou a diáspora atlântica. Aqui surgiram os primeiros contornos sociais (a escravatura), técnicos (engenho de água) e político-económicos (trilogia rural) que materializaram a civilização do açúcar. Por tudo isto torna-se imprescindível uma análise da situação madeirense, caso estejamos interessados em definir, exaustivamente, a civilização do açúcar no mundo atlântico. A história do açúcar na Madeira confunde-se com a conjuntura de expansão europeia e dos momentos de fulgor do arquipélago. A sua presença é multissecular e deixou rastros evidentes na sociedade madeirense. Dos séculos XV e XVI ficaram os imponentes monumentos, pintura e a ourivesaria que os embelezou e que hoje jaz quase toda no Museu de Arte Sacra. Do século XIX e do primeiro quartel da nossa centúria perduram ainda a maioria dos engenhos desta nova vaga de cultura dos canaviais. Aqui, a cana diversificou-se no uso industrial, sendo geradora do álcool, aguardente e, raras vezes, o açúcar. Foi certamente neste momento que surgiu a tão afamada poncha, irmã do ponche de Cabo Verde e da caipirinha no Brasil. Recuperar os momentos de fulgor da cultura dos canaviais e das industrias subsequentes do açúcar, destilação, ou fabrico de conservas e casquinha, eis o objectivo que presidiu a esta breve incursão na História do Açúcar no mundo atlântico, que tem na Madeira a primeira expressão. Para tornar mais acessível a compilação reunimos um conjunto de gravuras e fotografias que permitem uma adequada ilustração da realidade. A Europa sempre se prontificou a apelidar as ilhas de acordo com a oferta de produtos ao seu mercado. Deste modo, sucedem-se as designações de ilhas do pastel, do açúcar e do vinho. O açúcar ficou como epíteto da Madeira e de algumas das Canárias, onde a cultura foi a varinha de condão que transformou a economia e vivência das populações. Também do outro lado do oceano elas se identificam com o açúcar, uma vez que serviram de ponte à passagem do Mediterrâneo para o Atlântico. Daqui resulta a relevância que assume o estudo do caso particular, quando se pretende fazer a reconstituição da rota do açúcar. A Madeira é o ponto de partida, por dois tipos de razões. Primeiro, porque foi pioneira na exploração da cultura e, depois, na expansão ao espaço exterior próximo ou longínquo, incluído as Canárias. O açúcar é de todos os produtos que acompanharam a diáspora europeia aquele que moldou, com maior relevo, a mundividência quotidiana das novas sociedades e economias que, em muitos casos, se afirmaram como resultado dele. A cana sacarina, pelas especificidades do seu cultivo, especialização e morosidade do processo de transformação em açúcar, implicou uma vivência particular, assente num específico complexo sócio-cultural da vida e convivência humana. Gilberto Freyre foi o primeiro em 1971 a chamar a atenção dos estudiosos para esta realidade, quando definiu as bases daquilo que a que designou de Sociologia do Açúcar: A publicação em 1933 de "Casa-Grande & Senzala" foi o prelúdio de nova preocupação e domínio temático para a Sociologia e a História. A cana sacarina, ao contrário do que sucedeu com os demais produtos e culturas (vinha, cereais), não se resumiu apenas à intervenção no processo económico. Ela foi marcada por evidentes especificidades capazes


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