RESUMO: A INTERPRETAÇÃO DAS CULTURAS A obra “A interpretação das culturas” do antropólogo norte-americano Clifford Geertz é apontada como um das grandes referências da antropologia, mais precisamente da escola interpretativa. Lançado em 1973, o livro está dividido em nove capítulos. Capítulos esses que fazem uma reflexão sobre a cultura e suas principais manifestações e suportes como religião, ideologia e símbolos sagrados. Além de propor possíveis novos rumos metodológicos e epistemológicos, a obra traz no final um panorama do trabalho de campo de um pesquisador, no caso, em Bali, ilha pertencente à Indonésia. No primeiro capítulo denominado de “Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura”, Geertz enfatiza que a etnografia não é só observação e registro, mas essencialmente interpretação. Durante o capítulo percebe-se a preocupação de mostrar que a semiótica está fortemente relacionada com a interpretação dos significados das diversas culturas. Vale ressaltar que para Geertz, a antropologia interpretativa não é feita para responder às nossas próprias questões, porém para colocar à nossa disposição as respostas que os outros deram. Sendo assim, o autor realça que o antropólogo deve buscar as interpretações dos nativos por estas serem de “1ª mão”. Ainda no capítulo o autor adverte que a cultura não é física e nem oculta, e que está sempre está dentro de um contexto na qual o antropólogo deve estudar – o exemplo apresentado no texto sobre as piscadelas ilustra esse propósito. Já sobre a antropologia, o norte-americano lembra que está não trabalha com romantismo e nem com cópias, mas sim com “alargamento dos discursos humano”. A seguir em “O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de Homem”, Clifford Geertz apresenta o homem como sendo um ser biológico, psicológico, social e cultural. Portanto ele não é somente estudado pela antropologia, mas também pela biologia, psicologia e sociologia. Este componente, segundo Geertz, deve ser absorvido pelo antropólogo que deve levar em conta o fato do Homem poder ser analisado por diversos ângulos. Com isso, deve haver uma união entre os saberes e não uma estratificação. O capítulo enfatiza igualmente a importância do estudo biológico. Para o autor nosso desenvolvimento físico é um agente que vem antes de certas aprendizagens e iniciativas - como exemplo temos a fala e os hormônios. Esta parte da obra aponta as sustentações que constituem um Homem, na qual a cultura entra com seus planos, receitas, regras e instruções. No capítulo 3 “O crescimento da cultura e a evolução da mente” há um flerte com a psicologia. Aqui, Geertz trabalha com o emprego do conceito da palavra “mente” dentro de um contexto científico e faz algumas críticas. Entre elas temos as das leituras que alguns cientistas fizeram de um estudo de Freud – no caso os processos primários e secundários - e também da teoria do ponto crítico. Teoria essa que explica o surgimento da cultura como sendo um evento súbito na filogenia dos primatas. O autor também avisa contundentemente que a evolução mental não é sincronizada com a acumulação cultural. No fim do capítulo, afirma que a expressão mente é um “certo conjunto de disposições de um organismo”. (p. 96) Para ele a capacidade de contar, a jovialidade crônica e a cobiça são características mentais.
Já o capítulo 4 aborda a religião e sua relação com a cultura. Em “A religião como sistema cultural”, Geertz mostra que a religião é mais uma das perspectivas cujas pessoas podem adotar para dar sentido ao mundo - as outras são a do senso comum, a científica e a estética. A religiosa, por sua vez, age em uma direção mais ampla, se preocupa com o fato e com a atualidade e possui um complexo específico de símbolos. O autor destaca o seu valor tanto para um indivíduo como para um grupo ao apresentar concepções gerais, concepções de si próprio e nortear relações. Mas ela não apresenta somente uma ordem e direção (noções de mundo), a religião é lembrada para Geertz como um “medicamento” que ajuda no sofrimento, agindo assim no psicológico. Por fim, é recomendado que o estudo da religião seja feito em dois estágios. Primeiramente pela análise do sistema de significados e posteriormente pelos relacionamentos desses sistemas aos processos sócio-culturais e psicológicos. A seguir em “Ethos, visão de mundo e a análise de símbolos sagrados” é definido o conteito de “ethos”. Palavra que resume na discussão antropológica os aspectos morais, os aspectos estéticos e os elementos valorativos. Também é apresentado o termo “visão de mundo” que para o autor trabalha com aspectos cognitivos e existenciais. Para Geertz a religião age sobre essas duas frentes, ela tanto está presente na fé e na crença, como também nos rituais, quadros e esculturas. Vive na mente e nas manifestações de culto e comprometimento. O quinto capítulo apresenta como exemplo as peças de wajang. No sexto capítulo denominado de “A ideologia como sistema cultural” o antropólogo critica as ciências sociais por estas não terem até então desenvolvido uma concepção não-avaliativa da ideologia. No texto, Geertz enfatiza a ideologia como pertencente a um sistema dentro de um contexto social e psicológico, e que está é uma estrutura simbólica. Para ele, ela tem compromisso com as situações (ao contrário da ciência), tem diálogo com a moral, é justificadora, é estebelecedora, é contestadora, trabalha com o empirismo e pode ser estudada pela ciência. Por seguinte, o capítulo “A política do significado” apresente as facetas e influências da Indonésia, país que “abriga” diversos povos em suas milhares de ilhas. Aqui é apresentado as diferentes religiões e influências oriundas da Polinésia, da Holanda, da ilha de Java e das religiões islâmica e hindu. Aqui o debate gira em torno do poder exercido pela cultura no âmbito político. Questões como representatividade, legitimidade, diversidade e coesão são colocadas em pauta tendo como apoio a diversidade da Indonésia. Já no capítulo 8 “Pessoa, tempo e conduta em Bali”, Geertz começa a descrever meticulosamente algumas peculiaridades da ilha de Bali. Entre elas, ele dá uma especial atenção às caracterizações dos seres humanos que podem ser centradas no ego (parentesco), categorias nobres, grupos de idade e ocupação. É igualmente apresentado as ordens simbólicas da definição de uma pessoa. Em Bali, uma mesma pessoa pode possuir seis rótulos que podem ser: nomes pessoais, nomes na ordem de nascimento, termos de parentesco, tecnónimos, títulos de status (casta) e títulos públicos. Tais construções são para Geertz um sistema característico de uma cultura que pertence à diversas classes. “Os sistemas de símbolos que definem essas classes são dados pela natureza das coisas – eles são construídos historicamente, mantidos socialmente e aplicados individualmente”. (p.229)
Por fim, o último capítulo “Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galo balinesa” mostra como um evento interfere na vida social e religiosa da ilha de Bali. Aqui, Clifford Geertz relata a indiferença que ele e sua esposa presenciaram vinda dos nativos e como a sua fuga da polícia em uma rinha de galo modificou tal relação. O texto aponta tal evento cultural como de extrema importância por envolver defesa de classe social, defesa de família masculinidade, fascínio pela proibido, sacrifício religioso e afronta à Java (principal ilha da Indonésia). Em “A interpretação das culturas” a discussão sobre o conceito de cultura é feita tendo como base exemplos práticos e diálogos com especialistas de outras áreas. No livro, Geertz se posiciona com cuidado e com bases epistemológicas bem fundamentadas sem se esquecer da vivência de campo e das experiências registradas como etnógrafo. Referência bibliográfica GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989