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O Gorilinha
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O Barro Encantado dos Gálagos I
por Alejandro Ayala Polanco IIlustrações de Loreto Matthews
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O Gorilinha
squivo OporBarro Encantado dos Gálagos I Alejandro Ayala Polanco A distribuição desta história e ilustrações, por qualquer meio é proibida. Conto: Alejandro Ayala Polanco (c) 2009 Ilustrações: Marjorie Valencia (c) 2009 Tradução ao português: Clarissa Torres de Oliveira
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Esquivo O Gorilinha
O Barro Encantado dos Gálagos I por Alejandro Ayala Polanco
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as muitas histórias da Aldeia Chim- Mas não era em competições com intrépipanzé que conheço, a do Barro Encantado dos mascarados no que pensava o velho dos Gálagos é de longe a mais assombrosa. curandeiro ao acordar. Pisadas e uivos de Seu protagonista é um velho chimpanzé de quem muitos de vocês se lembrarão pelo nome por que lhe conheciam seus paisanos: o Macaco Curandeiro. De sua grande sabedoria ninguém duvidava. O que poucos suspeitavam é que dita virtude estivesse acompanhada de uma astúcia tão enorme quanto a selva, com a qual seria capaz de envergonhar inclusive um dos mais espertos guaxinins. 3
macacos chegavam de todas as direções. E bem sabia ele que quando os macacos armavam tal confusão era porque algo grande estavam tramando em suas peludas cabeças.
Dito Gorilinha, tão conhecido como pouco apreciado pelos macacos da Aldeia, não era outro além do Gorilinha Esquivo, um personagem que talvez, de todos os chimpanzés presentes, o macaco curandeiro Pouco demorou em descobrir nosso sábio fosse o único capaz de compreender. chimpanzé que as pisadas e uivos, apesar da sua desordem, se dirigiam exatamente -“Deixe de macaquice”, lhe diziam mostranao mesmo lugar. Tratava-se de uma pas- do os dentes, ao mesmo tempo que davam sagem tão antiga quanto a mais antiga tapas no chão frente a ele. de suas infusões, rodeada de nós de cipós tão espessos que nem sequer uma imensa Mas o gorilinha estava decidido a impediraranha do tamanho de um orangotango lhes a passagem, e não se movia nem um poderia ter tecido. centímetro. Debaixo de um céu de cipós e frutos, justo onde a passagem se estreita até ficar reduzida a um pequeníssimo portal, e diante dos olhares incrédulos de dezenas de chimpanzés cada vez mais bravos e barulhentos, um aprazível gorilinha – de não mais idade que um menino pequeno – obstaculizava com seu próprio corpo, assim como uma porta que se fecha, toda tentativa de avanço.
“É realmente admirável”, pensava o macaco curandeiro, “que este gorilinha esteja disposto a pôr sua própria vida em risco frente aos mais fortes chimpanzés da aldeia”. E tinha muita razão em se surpreender com sua coragem. É que aquela gentalha era nada menos que uma tropa de caçadores. 4
Além disso, dois deles carregavam afia- forma pela qual podiam dar-se tão duvidodas lanças, as quais usavam para ferir so “luxo” era tirando a vida dos habitantes indefesos macaquinhos de outras famílias de menor tamanho da selva. quando estes, Seu destino aterrorizados, no dia de hoje se refugiavam era o refúgio no interior de de uma família um oco de árvode pequenos re. macacos conhecidos como Para muitas das gálagos, em um crianças que extremo disleiam esta histótante da selva; ria seguramente lugar ao que só parecerá muito se podia chegar difícil aceitar atravessando o que os macaestreito camincos, somente por ho, pelo qual um pertencer a uma insolente gorifamília diferenlinha que costute, comam-se mavam chamar entre eles. de “esquivo”, impedia-lhes a passagem. Infelizmente, os macacos da Aldeia tinham o hábito de comer animais mortos e a única Não poderia ser de outra maneira. O go5
rilinha estava consciente da irmandade que existe entre todos os macacos da selva, e de outra mais importante ainda, a que independente de nosso tamanho, força ou idioma, une todos os animais do planeta. Para ele estava claro que todos os animais, sem exceção, amamos a vida, e que se nós não gostamos de ser machucados, não devemos fazê-lo aos demais, nem sequer ao menor dos insetos.
gorilinha e admirava sua coragem. Grande foi sua vontade de lançar-se junto a ele no caminho ajudando-o a evitar a iminente tragédia. Esteve a ponto de fazê-lo. Mas surgiram dúvidas em seu interior. Pensou uma segunda vez e saiu correndo pelos cipós a um rumo desconhecido.
“Ih! Tumb! Ih! Tumb!” soavam os gritos e golpes O macaco curandeiro compreendia à per- com que os chimpanzés, cada vez mais enfeição os sentimentos do gorilinha. Sabia furecidos, tentavam intimidar o gorilinha. que a sua intenção era evitar que essa tropa de caçadores devorasse os seus irmãos “Ih! Tumb! Ih! Tumb!” um ruído que alcançava gálagos, e que se devia pôr sua vida em até os confins da selva. sério risco para salvá-los, o faria sem duvidar. Mas o gorilinha não movia nem sequer um de seus pelos. Só pensava no que aconteceOutrora um daqueles ria com seus amigos se ele deixasse passar indolentes caçadores apenas um dessa tropa de canibais. tinha começado a compartilhar o “Eu sei o que este macaco quer” disse supensamento bitamente alguém, enquanto avançava do do fundo da gentalha. 6
Com o auxílio dos cipós conseguiu abrir caminho entre os macacos, escalando até as alturas do verde portal, bem acima do gorilinha.
– disse-lhes – “já que como veem, ao nosso redor há uma infinidade de fruta fresca de todos os aromas e cores que seguramente o deixarão muito satisfeito.”
“Irmãos macacos, o que este macaquinho enjoado quer não é outra coisa além de comer”, explicou. “Se queremos que ele nos deixe passar, devemos dar-lhe exatamente o que ele quer”.
Era a primeira vez que alguém explicava a esse grupo de caçadores algo semelhante. Para eles era inconcebível a vida sem comer cadáveres de outros animais. Em sua inocência, o gorilinha teve a esperança de que nesse momento as coisas pudessem mudar.
Todos os macacos escutavam em silêncio o discurso do irmão macaco. Inclusive o gorilinha, que o havia reconhecido da primeira e última comilança da aldeia a que ele assistiu e na qual, para a surpresa de todos os presentes, ele comeu só frutas.
Mas logo compreenderia que as intenções do irmão macaco distavam muito do que seu bondoso coração houvesse esperado.
“Irmãos macacos”- voltou a levantar a voz – “tomem todos agora quantas peças de “O problema é que ele não gosta de carne fruta encontrarem, e demos de uma vez por como nós”, agregou, provocando novos ui- todas a este gorilinha faminto o banquete vos e golpes na gentalha, que só duraram que ele merece” esta vez o que ele demorou em continuar E tendo dito isso, a tropa de chimpanzés, com seu discurso. como se de um tornado de “Mas não se desesperem irmãos macacos” pelos se tratasse, 7
debandou-se em todas as direções, e seguindo o exemplo do irmão macaco, começaram a jogar sobre o pobre gorilinha toda a fruta que tiveram a seu alcance.
profunda, que em seu coração não se albergava o mais mínimo impulso de vingança. Essa tropa de macacos, que no começo quiseram intimidá-lo e que agora o humilhavam tão cruelmente, eram tão seus irmãos Como a chuva em meados de inverno, a quanto os gálagos que ele tentava proteger. fruta fresca caía inclemente sobre O bombardeio tinha a cara, tronco e parado. O som das braços do gorilinfrutas atravessando ha, que continuao céu foi substituído va imóvel e calapor um uivo genedo. Aceitava com ralizado da tropa. uma paciência tão grande quanto a “U-U-U-A-A-A!” gritasua generosidavam, enquanto alguns de toda a ira da saltavam desorganitropa. zadamente em suas respectivastrincheiras. Apesar de que seu tamanho e força lhe tivessem permi- No que demora um esquilo em partir uma tido, jamais pensou em avançar contra os noz em dois, o gorilinha tinha ficado coberque o atacavam. to por uma densa geléia multicolor, que se arrastava como uma jiboia querendo engoSua noção da irmandade animal era tão li-lo, do seu crânio até seus pés. 8
A partir desse momento, o outrora invulnerável muro formado pelo corpo do gorilinha foi superado sem trégua pela tropa de chimpanzés, que impulsados por um apetite demencial se atropelavam para chegar a toda velocidade até a casa dos pequenos gálagos.
Tal era o seu estado, que nem sequer podia abrir a boca sem engolir um bom pedaço de purê de banana. Respirava e via com dificuldade, e o ácido néctar de uma fruta dourada abria passagem até um de seus olhos, causando-lhe grande dor.
Continua Foi um movimento instintivo e fugaz com o qual tentou limpar sua cara, mas de extensão suficiente para que a pequena brecha deixada pelo seu braço permitisse a passagem do primeiro chimpanzé caçador. Mesmo provido de longas extremidades, incapaz foi o gorilinha de capturá-lo girando sobre suas cadeiras. E ao instante, animado pela façanha, um segundo macaco se esgueirava esta vez entre suas pernas. 9
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Alejandro Ayala Polanco Criador independente e ativista pelo direitos animais no Chile. Narrador da versão em castelhano do documentário “A life connected”. Fundador em 2002 do movimento Homo Vegetus, propôs um enfoque de transformação de consciência na abordagem e compreensão do veganismo. Criador também da Fonda Vegana del Huaso Vegetariano, em 2006, é responsável por uma grande revolução na maneira de viver as festas pátrias no Chile. Semillas Veganas é sua iniciativa mais recente dentro da qual podemos encontrar a série do Gorilinha Esquivo, assim como uma crescente família de personagens e aventuras de ecologia profunda.
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O Barro Encantado dos Gálagos I por Alejandro Ayala Polanco Ilustrações de Loreto Matthews
Homo Vegetus Os contos do Gorilinha Esquivo mostram os diversos desafios que deve enfrentar um gorilinha que vive numa aldeia de chimpanzés. Contato: supervegano@gmail.com Mais informações em: semillasveganas.blogspot.com www.homovegetus.cl