Firmei meu ponto Alessandra Leão Gosto - sempre gostei - dos caminhos de cada um para chegar ao sagrado. Gosto das suas infinitas possibilidades e nomes e rituais e músicas. Gosto como cada um muda a forma, a cor, o nome, o cheiro, do que lhe é sagrado. O sagrado no divino, o sagrado no outro, o sagrado no gesto, na comida, no movimento, no corpo, na festa, na rua, no silêncio e no som. Nasci em Recife, Pernambuco, Nordeste do Brasil, numa família católica como religião, Kardecista por filosofia e prática. Estudei em colégios católicos, convivi com freiras e padres, fui batizada, fiz primeira comunhão, li trechos da Bíblia, comunguei, assisti a um número incontável de missas e gostava da “hora da música”. Lembro de, com 8 ou 9 anos, estar angustiada procurando um brinquedo muito querido e começar a cantar “Jesus está aqui, aleluia / Tão certo como o ar que eu respiro”. Seguir na busca cantando foi menos angustiante. Ouvia de vovó Bessinha trechos de livros psicografados, escritos por espíritos desencarnados através de médiuns encarnados. Ia com meus pais ao centro espírita, tomar passe e assistir as palestras, dormi um incontável número de vezes durante as reuniões e aprendi que isso, às vezes, também faz parte do trabalho. Ouvia histórias de visões, escutas e recados vindos de um mundo invisível para mim, mas que me faziam muito sentido. Vi uma tia avó, uma senhora branquinha, filha de inglês, incorporar caboclos em meio ao chá da tarde e dar passes quando era preciso. Na adolescência, duvidei de tudo, me disse ateia, neguei Deus, os espíritos e o sagrado. Pouco depois, conheci a Zona da Mata Norte de Pernambuco e lá o Cavalo Marinho, Maracatu de Baque Solto, Coco, Ciranda… Festas que abrem um outro tempo no tempo, outros sagrados. O terreiro na rua, na praça, nas chão. Caboclo de Arubá, que Biu Alexandre coloca no Cavalo Marinho e dança inteiro sobre cacos de vidro para mostrar o corpo fechado. Lembro da primeira sambada de maracatu que fui na vida e eu e Caçapa vimos um corpo na estrada, chegando em Chã de Camará, descobrimos que era de um caboclo que iria pro maracatu e foi morto num assalto. A decisão do Mestre Zé Duda, Biu Roque e dos demais membros do maracatu, foi de seguir tocando em homenagem ao amigo. Quem tinha que cuidar das coisas práticas foi, os outros cuidariam das coisas do espírito. E assim, cantamos, tocamos e dançamos para que sua passagem fosse mais leve. Ali, naquela noite, entendemos o sagrado da música e da arte diante da vida
e da morte. Assim o fizemos anos depois, quando Biu Roque faleceu. Celebramos a existência do nosso amigo com música, dança e festa, que isso é sagrado. Assim desejo que os amigos façam para mim, quando chegar a minha hora. Desde a minha chegada nesta parte do mundo, com 16 anos, tive e tenho a sensação de estar entre amigos, uma outra maneira de estar no mundo, uma complexidade de camadas e afetos, a dualidade, a beleza e a dureza das coisas, a festa e o olhar sempre ligado, um tempo que se dilata até que, num momento, vem a barra do dia. Novos sagrados diante de mim. O sagrado na música, na dança, na poesia, nos corpos que dançam, tocam, nas ruas, nos terreiros de terra, nas encruzilhadas. Novas questões e inquietações. Os espaços permitidos à mulher, ao negro, ao índio, aos pobres, a essa música, a essa arte. Um mundo de possibilidades e aprendizados que o tocar, o fazer verso, o cantar e o dançar juntos, coletivamente na rua nos oferece. Nessa mesma época pela primeira vez vi-ouvi um ilu (tambor usado nos terreiros de Xangô e Jurema em Pernambuco), tocado por Maurício Badé, no Mestre Ambrósio e no Angaatanamu. Foi o tambor que me levou pros terreiros de Orixá. A música mais uma vez me conduziu ao sagrado. E eu que desde pequena, carnavalesca e forrozeira, já acreditava em corpos que dançam, conheci deuses e deusas que dançam, cantam, bebem, comem e fazem festa. Que se “encarnam” nos corpos dos médiuns e trabalham celebrando o movimento. Deuses que também se materializam em rios, mares, matas, vento, raio, trovão, lama, pedras… O mundo, a natureza toda como sagrado, eu, você, nós todos, gente, bichos, planta como parte integrante e não acima da natureza. Frequentei festas públicas de terreiros de Candomblé, Jurema, Ifá e Umbanda durante anos, sobretudo as festas do Terreiro Xambá, em Olinda. Recebi orientações, recados, passes, me interessei ainda mais pelo ilu, aprendi a tocar, cantar e rezar. Desde que comecei a tocar profissionalmente, na Comadre Fulozinha, o ilu tem sido meu instrumento guia, é com ele que componho muitas das minhas músicas; era ao som dele que meu filho dormia enquanto eu estudava; foi com ele que gravei praticamente todos os meus discos; é também a ele que agora, nesse Macumbas e Catimbós, eu agradeço e saúdo. O tambor é entidade que conduz os trabalhos espirituais, é saudado por cada um dos Orixás e guias que baixam nos terreiros. É no pé do tambor que dançam os Orixás. O tambor é de Ogum. Eu sou de Ogum. Mudei de cidade, de Estado, de Região. Mudei um tanto de coisas dentro de mim.
Não tinha mais a casa de Nice pra me consultar. Não tinha mais as festas da Xambá pra ir. Não tinha mais o mar perto. Me perdi de mim. Na busca, refiz alguns passos, me procurei no centro Kardecista, na Igreja de Santa Cecília, no terreiro de Ifá, em casas de Candomblé. Em cada lugar encontrava uma parte, mas não juntava os pedaços. Através de amigos queridos, cheguei ao Recanto Quiguiriçá, uma casa de Umbanda em Guarulhos (SP). Lá encontrei outros amigos e um tanto de gente desconhecida, mas que me recebeu com os braços e sorrisos abertos. Comecei a frequentar a Umbanda com a minha boa dose de cisma. Olhos e ouvidos abertos assim como aprendi a ser tocando na rua. Depois de alguns meses na casa, tentando desatar os nós das dúvidas, dos medos e das cismas, Pai Benedito me chama e me pede pra ir para o atabaque ou corimba. Nunca tinha tocado num ritual, essa função não é permitida às mulheres na imensa maioria das casas de matriz africana. Ali meu tambor ganhou outra função. Eu ganhei outra função. Sou ogã ou corimbeira. Aprendo um pouco a cada gira. Canto e toco para os guias e Orixás. Canto e toco para cada um deles com uma alegria que me transborda. Nas macumbas e nos catimbós, a música não é acessório ao ritual, é ela quem conduz os trabalhos espirituais, é parte fundamental. É assim também na minha vida. No final de 2017, convidei Maurício Badé, Abuhl Jr., Douglas Germano, Vânia Medeiros e Juliana Godoy para uma sessão de improviso de música e artes visuais a partir das macumbas e catimbós. Decidi seguir em frente, transformei essa noite em show. Pedi autorização e orientação aos meus guias, pedi amparo aos meus pais de santo, Luiz Soliano e Marilda Soliano e ao povo do Quiguiriçá. Esse disco é da ordem do tempo e do amor. Precisei de 40 anos para fazê-lo, precisei de um tanto de gente ao meu lado, de cada um que veio antes e dos que estão aqui agora. Há uma das orações mais bonitas que aprendi no Recanto Quiguiriçá e que rezamos, juntando nossas mãos, a cada abertura e encerramento de gira. Essa oração me apontou o caminho para o processo desse disco (e para a vida): “Nos reunimos para fazermos juntos aquilo que eu não posso fazer sozinho, para nos fortalecer, fazer e acreditar, em um mundo melhor para viver e amar”. Voltei para as minhas terras. Fui a Pernambuco para conversar e ouvir mais sobre a Jurema Sagrada, aprendi com a generosidade e sabedoria de Nice Firmino, Dona Alaíde de Benedito Fumaça (em memória), Alexandre L´omi, Pai Cacau e Paulinho Carrapeta. Voltei na Xambá, de Pai Ivo de Oxum e Guitinho e de uma comunidade que sempre me acolheu com tanto carinho. Fiz essa jornada acompanhada de
minha mãe Graça, que sempre me ensinou e ensina a beleza do amor e da fé, e com Laura Tamiana, que registrou a viagem com suas lentes e presença amorosa. Nesse período, pedi a vários amigos que cantassem seus pontos preferidos, e me chegaram as vozes de Alexandre Garnizé, Anelis Assumpção, Geraldo Barbosa, Daniel Leão, Maíca Soares, Luiz Paixão, Mané Roque e Felipe Cândido. Para o disco, percussão e voz, eu, Badé e Abuhl juntamos nossos tambores, nossa amizade de longos anos, nosso amor e respeito, nossa trajetória pessoal dentro da religião e a profissional como músicos. Nos demos a liberdade de arranjar cada música nessa encruzilhada entre terreiro, palco e estúdio. Era pra ser com eles esse disco, aliás, ninguém chegou nesse processo em vão, era pra ser com cada um que está aqui. O nome de Caê Rolfsen me veio como que soprado ao ouvido e assim, agradecida pelo recado, assinamos juntos a produção musical. E como esse disco é também dedicado a quem veio antes e construiu o chão que pisamos hoje, a presença honrosa de Lia de Itamaracá, Mateus Aleluia, Sapopemba e do Terreiro Recanto Quiguiriçá celebra a sabedoria do tempo. O coro festivo com Lívia Mattos, Lenna Bahule, Karina Buhr, Isaar e Manu Maltez celebra o tempo de agora, com meus (ou nossos) contemporâneos. Desde a primeira experiência do que viria a se tornar o Macumbas e Catimbós, naquela noite em 2017, Juliana Godoy tem sido uma parceira fundamental, com seu olhar atento e afiado, escuta aberta, amor e sensibilidade para encontrar os caminhos da beleza para muito além da cenografia e co-direção de arte; para achar a camada que faltava em cada lugar. É dela essa capa, construída a partir da foto produzida de maneira inesquecível por muitas mãos e amor, junto com Marcelo Gandhi (co-direção de arte), Bia Varella (fotografia) e Gabriel Quintão (vídeos e finalização da capa) e do projeto gráfico de Vânia Medeiros. É de cada um deles e de todos nós juntos as imagens e a forma desse livro. Do momento que decidi gravar esse disco, inventei motivos para ter Juçara Marçal nele. Tentamos várias maneiras, até que, como uma flecha certeira, suas palavras chegaram para esse livro e me fizeram chorar de alegria. Luiz Antônio Simas, que tanto tenho lido e tanto conhece sobre as macumbas e os catimbós, também me honra com um texto certeiro e generoso. A presença carinhosa de Luiz Soliano me enche de alegria, ele foi fundamental para avançar passo a passo e para retroceder quando preciso. O abraço de Marilda Soliano acende uma luz na caminhada. O encontro com meus irmãos do Quiguiriçá fortalece a minha existência. É uma honra seguir aprendendo a ser filha e irmã deles.
No Macumbas e Catimbós, não pretendi nem pretendo reproduzir uma gira ou um xirê, ele é uma celebração, uma oferenda. É um presente que ofereço aos Orixás, aos guias e entidades que trabalham, dançam, cantam, receitam, orientam e curam. Este disco é presente às forças que me guiam. Às que nos protegem é fortalecem individual e coletivamente há muito tempo nessas terras. Esse disco é feito para eles, mas é sobretudo feito com eles. Os tenho como parceiros e é uma honra imensa. A cada passo, pedi, ouvi, segui em frente, refiz o que senti que deveria ou o que me foi orientado. Saravá! Bato cabeça, peço benção e agradeço, à Deus; à Oxalá; a todos os Orixás, às forças e energias da natureza; ao Seu Marabô, ao Pai Benedito, à Vó Maria Conga, Pai Joaquim, Tia Maria de Guiné e a toda linha dos Pretos Velhos; ao Seu Boiadeiro; aos Exus e Pombo Giras; a Malunguinho; a Oxóssi e todos as Caboclas e Caboclos das matas; às Mestras e Mestres; às Princesas; aos Ciganos; aos Erês; aos Malandros; aos Baianos; à Marujada; ao Irmão Saul; ao Rei Julião; aos espíritos de Luz; aos Encantados; à Jurema Sagrada; ao Candomblé; ao Ifá; ao Kardecismo; à Umbanda. Bato cabeça e agradeço ao amor! Que sejamos livres para acreditar no sagrado com a forma e nome que quisermos e para respeitar o sagrado do outro. Salve suas forças! Salve nossas forças juntos! Axé! Alessandra Leão, filha de Yemanjá e Ogum macumbeira e catimbozeira
Agradeço Agradeço aos caminhos abertos e agradeço também às dificuldades e pedras que me ensinam a caminhar. Agradeço ao povo das macumbas e dos catimbós que vieram antes, trabalhando no amor e no respeito, para que nós pudéssemos estar aqui tocando, cantando, dançando e rezando. Agradeço às mulheres que vieram antes de mim e que abriram caminho para minha existência nesse tempo de agora. Agradeço a cada terreiro de Candomblé, Jurema, Ifá e Umbanda que visitei ao longo da vida, a cada Mãe e Pai de Santo que conversei e que me ensinou um pouco do pouco que sei. Agradeço aos mestres, mestras, batuqueiros e aos grupos de Cavalo Marinho, Coco, Samba de Roda, Maracatu de Baque Solto, Maracatu de Baque Virado, Caboclinho, Afoxé, Forró e Frevo que me fizeram e fazem acreditar na força e beleza da música e da arte. Agradeço muito a Caçapa, pelo amor, escuta e por cada parte do caminho que nos trouxe até aqui; a Caio que, há 20 anos, me mostra o sagrado em forma de filho; a Catharina Porfírio, por ser uma nora incrível; a Cássio Bomfim, pela presença sempre luminosa que rompe a geografia; a Kiko Dinucci pela irmandade, caminhadas e tantas conversas; a Cacá Machado e Luah Guimarães pela casa-locação e coração abertos; a todos da YB por mais uma parceria e confiança; a Cacá Lima, por nos fazer dançar na mix; a Frederico Tell, pela escuta profunda; a João Júnior, pelo olhar pra dentro; a Brenda Carlos, por estar tão pertinho com seu “caderninho de conselhos”; Nauca, Luara, Paula, Marja (e nossos filhos e afilhados todos) por esse círculo de amor ao longo dos anos; Ricardo Carneiro, Tatiana Feijó, Tinoca e Ligia, pelo amor em forma e som de cachoeira; Luciana Lyra e Aninha de Fátima pela irmandade; a cada um dos meu alunos-amigos do Ilusão, por tocarmos nossos tambores em plena São Paulo; a Kastrup, pela inspiração e maravilhas; a Rubens Amatto e a Casa de Francisca pelo coração e portas abertas; a Beto Hees e toda a equipe de Lia de Itamaracá; a Tenille e Paula Rocha, pela ponte; a Felipe Cândido por me abrir as portas e a Iyá Mariana de Osumaré por me acolher na Casa de Cultura Africana Osumaré Dele, a Alexandre Matias e ao Teatro do Centro da Terra pela temporada onde parte disso começou; aos meus sogros Marli e Geraldo, pela presença e cuidados; aos meus avós, à minha mãe, meu pai e aos meus irmãos de sangue (e de alma), aos meus sobrinhos, que me ensinaram muito do que sou.
Agradeço a Maurício Badé por ter me apresentado o ilu, por me inspirar e por ser meu amigo há tantos anos; a Abuhl por compartilharmos nossas músicas e por essa amizade toda; Caê Rolfsen, pela parceria tão delicada e profunda; à Lia de Itamaracá, pela existência neste mundo, à Mateus Aleluia, pela generosidade em forma de palavras e presença; à Sapopemba, pelos ensinamentos; à Lívia Mattos (Cuscuzinho!), Lenna Bahule, Isaar, Karina Buhr e Manu Maltez, pela amizade e disponibilidade festiva na maratona de cantar. À Bruno Prado, por estar junto; à Luiz Soliano (Quiguiriçá), Marilda Soliano, Thalles Soliano, Victor Soliano, Vivi Soliano e Camila Soliano por me acolherem como família. Agradeço a Juliana Godoy, pelos saltos, vôos e pelo amor; a Vânia Medeiros, pela luz da Bahia e por mais um disco juntas; a Bia Varella, pelo olhar sensível; a Marcelo Gandhi, pela bruxaria e magia; a Gabriel Quintão, pela leveza da presença; a Júlia Carlos, por estar aqui; a Yasmim Bianco, por ajudar a espalhar a notícia; a Pedro Barreira, pelo tempo que foi; a Juçara Marçal, pela luz que é; a Luiz Antônio Simas, pelas palavras todas. Agradeço aos que vibraram e colaboraram de alguma maneira para esse disco existir; e a cada artista que subiu aos palcos conosco nessas primeiras apresentações: Douglas Germano, Dani Nega, Anelis Assumpção, Juçara Marçal, Caçapa, Kiko Dinucci, Anderson Miguel e Alexandre Garnizé. Agradeço aos que virão. Agradeço a todos e a cada um por fazermos juntos o que eu não poderia fazer sozinha. Axé!
O complexo das macumbas: catimbós Luiz Antônio Simas Recentemente, diversos praticantes de religiões brasileiras de fundamentos afro-ameríndios, na justa luta contra o preconceito religioso em tempos difíceis, começaram a compartilhar a informação de que a palavra macumba designa um instrumento africano de percussão, e não uma ritualística sagrada. Segundo os que aderiram a essa corrente, o uso do termo em sentido litúrgico é equivocado. A preocupação atual dos religiosos com o uso pejorativo da expressão se deve, é claro, à carga de preconceito a ela atribuída em um país estruturalmente racista. A desqualificação dos cultos não cristãos vem geralmente acompanhada de adjetivos como bárbaros, folclóricos ou pitorescos. Eles seriam destituídos de fundamentos complexos e incapazes de produzir cosmogonias e visões de mundo que ultrapassem o limite das práticas curativas, simpatias, quebrantos. No livro Pele negra, máscaras brancas, Frantz Fanon chama atenção para um fato: o racismo herdado do colonialismo se manifesta explicitamente pelo viés das características físicas, mas não apenas assim. A discriminação também se estabelece pela inferiorização de bens simbólicos daqueles que o colonialismo tenta subjugar: crenças, danças, visões de mundo, formas de celebrar a vida, de enterrar os mortos, de educar as crianças e assim por diante. É dentro dessa tensão normatizadora que mora a maior das perversidades: o discurso canônico tenta convencer os inferiorizados da suposta supremacia natural de alguns saberes. Com requintes de devastação, inclusive no campo emocional, ele faz com que a vítima em potencial introjete a visão que a inferioriza como uma verdade absoluta. O preconceito contra a macumba e o repúdio ao adjetivo macumbeiro se inserem nessa teia ardilosa do racismo brasileiro. O instrumento macumba é uma espécie de reco-reco tocado com duas varetas, uma fazendo o grave e outra, o agudo. O termo tem provável origem no quimbundo mukumbu, que significa “som”. Foi relativamente popular na época dos pioneiros do samba, e João da Baiana falava com frequência de sua importância. Macumbeiro, portanto, é o instrumentista que toca macumba. Mas é só isso? Macumba é instrumento, não se discute isso, mas designa também um conjunto de rituais religiosos resultantes do amálgama tenso e intenso de ritos de ancestralidade dos bantos centro-africanos, calundus, pajelanças, catimbós, encantarias, cabocladas, culto aos orixás iorubanos, arrebatamentos do cristianismo popular,
espiritismos e afins. A confusão entre o instrumento e as práticas religiosas deve-se, provavelmente, a um compreensível problema de etimologia. O grande filólogo e etimólogo Antenor Nascentes, em seu Dicionário etimológico da língua portuguesa, segue Raymundo Jacques (que escreveu a obra de referência O elemento afro-negro na língua portuguesa, em 1933) e afirma que macumba, no sentido dos ritos, vem do quimbundo dikumba – “cadeado” ou “fechadura” –, referindo-se a cerimônias secretas de fechamento dos corpos. Nei Lopes, profundo conhecedor do assunto e autor do Dicionário banto do Brasil, defende que o termo vem do quicongo kumba – “feiticeiro” (o prefixo ma, no quicongo, forma o plural). A expressão macumba, portanto, pode designar tanto uma espécie de reco-reco como as cerimônias religiosas. A etimologia, porém, é distinta nos dois casos: a primeira deriva do quimbundo e a segunda, do quicongo. Dentro do fascinante “complexo das macumbas”, uma vertente das mais potentes é a do Catimbó, um conjunto de práticas rituais abrangendo atividades místicas que envolvem desde a pajelança indígena até elementos do catolicismo popular; com origem no Nordeste. Tem como seus fundamentos mais gerais a crença no poder da bebida sagrada da Jurema e no transe de possessão, em que os mestres vêm dos reinos do Juremá para trabalhar tomando o corpo dos catimbozeiros. As versões mais difundidas sobre a origem da expressão evocam desde o tupi antigo (caa - floresta + timbó - torpor causado por fumaça), até variações da expressão cachimbo, apetrecho muito usado pelos catimbozeiros. A jurema é a bebida tirada da árvore do mesmo nome; bastante utilizada nos ritos de pajelança dos tapuias. Chegou aos catimbós, aos candomblés de caboclo, ao Xangô do Recife e a algumas linhas da umbanda. Existem as árvores da jurema-branca e da jurema-preta. A bebida ritual é feita, na maioria das vezes, com a jurema-branca. É muito usada na linha de cura, fortalecida por cantos de evocação. O juremá é o espaço invisível em que habitam os mestres da jurema e seus subordinados. Há, dependendo da linha do Catimbó, quem trabalhe com cinco ou sete reinos, formados por aldeias ou cidades e habitados pelos Mestres. Para a linha de cinco, os reinos são os do Vajucá, Urubá, Josafá, Juremal e Tenemé (ou Tenema). Para a linha de sete, temos os reinos de Vajucá, Juremal, Urubá, Tigre, Canindé, Josafá e Fundo do Mar. O “complexo das macumbas”, do qual o catimbó faz parte, é a terra dos poetas do feitiço. Macumbeiros e catimbozeiros são encantadores de corpos e palavras que podem fustigar e atazanar a razão intransigente e propor maneiras plurais de reexistência pela radicalidade do encanto, em meio às doenças geradas pela retidão castradora do mundo como experiência singular de morte.
Macumba cotidiana Juçara Marçal Nunca mando áudios de whatsapp. No máximo, envio melodias pra algum(a) parceiro(a) numa canção. Também sou de mudar de calçada, se pá, até de rua, quando lembro que fui à padaria, por exemplo, e estou voltando pelo mesmo caminho. Vão perguntar que raios essas atitudes cotidianas têm a ver com o assunto em pauta aqui. Ou dirão: "que sujeita supersticiosa!". No entanto, esses exemplos corriqueiros, cada um deles, têm muito fundamento. E por isso é tudo diferente. Quando tem fundamento, tem Macumba. Gosto de pensar que a Macumba não está presente só no terreiro, nos despachos nas encruzas, nos ensinamentos dos livros, nos búzios, nos pontos. A devoção aos Orixás também habita minhas ações mais cotidianas, mesmo vivendo no Centro de São Paulo, urbes até o talo. Um dia a dia povoado de vários gestos sutis, às vezes apenas um jeito de corpo, que de alguma forma, me fazem sentir a presença dos meus ancestrais. Pode parecer um cotidiano muito cheio de dogmatismo esse que descrevo. Mas é justo o contrário. Cada atitude inspirada pelo que é do santo vem pela percepção fina do que de verdade me move. É uma convivência profunda com os deuses. Constatar isso não significa dizer que a divindade age por mim. Ela jamais toma decisões por mim. E também não me enche de culpa se faço besteira. Não exige punição. A atitude errada que tomei é antes um modo de aprender o que em mim é também o diferente, o nunca visto. E, por isso mesmo, me faz olhar para o outro e o respeitar por inteiro: distinção (palavra que abraça ao mesmo tempo a diferença, a dignidade, a amabilidade, o respeito). Prestar atenção a minha ancestralidade me ajuda a viver com distinção. Assim, cada novo caminho, cada dor que me parte, cada alegria de que desfruto, tem a presença do Orixá, como signo de uma trajetória única, como força motriz, como pertencimento, entendimento do mundo. Ainda um último exemplo: outro dia, fui com minha sobrinha de cinco anos à praia. Tava um dia bonito que só, as ondas fortíssimas, e o mar não estáva gelado como de costume. Brincamos a valer, na água, agitação total; e depois na areia, construindo castelos, fazendo túneis. A um certo momento, dei a ideia de a gente ir até o riozinho que corta a praia ao meio. E lá fomos nós!
O fato é que quando essa menina chegou no rio, algo aconteceu. Ela entrou na água como se parte do rio fosse. Ficou ali boiando, dizendo pra mim que não queria ir embora jamais daquele riozinho. E me trazia montinhos de areia do fundo (eu fiquei na beirada, observando, e também porque a água tava gelada pra caramba!). Cada vez que se aproximava, dizia pra mim que era magia. Assim mesmo: magia. Fiquei meio besta, entre assombrada e comovida. De repente, eu olhava aquela menininha na água do rio e só via Oxum. Uma Oxumzinha linda, plena. Veja que não digo que ela não estivesse se divertindo nas águas do mar, nas brincadeiras da areia. Estava e muito. Mas esse momento do rio, foi de outra ordem, porque havia ali algo para além da menininha. Era como se a própria divindade tivesse se achegado. A presença era tão forte, tão nítida, que tudo em volta, espaço e tempo, passou a fazer mais sentido: o caminho que fizemos até chegar ao rio, o que seguimos de volta pra casa; tudo ficou imantado da energia do sagrado, que fez nosso dia inesquecível. Pedra preciosa da memória. Ah... vale dizer: eu sou de Oxóssi.
Juçara Marçal é macumbeira.
Exu
guerreiro
música e letra tradicional umbanda arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Exu chega
Senhor Ogum O senhor me dá licença Para o seu Exu passar
Quando Exu chega Ele abre Eu vou lá
Ele é O Exu guerreiro Vem trazendo forças Para esse terreiro
música e letra: Alessandra Leão arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Abre estradas E olho Para além de mim
P o n t o pro S e u S e t e E n c r u z i l h a d a música e letra tradicional umbanda
Sete cores tem o arco íris Sete cores tem o trono de meu pai Sete vezes eu quase caí Mas na oitava eu não caio mais Exu bebeu Exu trabalhou Exu nos deu a mão Exu nos levantou
ilu melê-ancó, voz, xequerê de semente, guizo: Alessandra Leão ilu melê e gan: Abuhl Jr. ilu yan, chapinha: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé e Caê Rolfsen sampler: Luiz Quiguiriçá (voz)
O g u m e s t á de r o n d a música e letra: Alessandra Leão
para meu pai Ogum e para meu irmão Daniel
Ogum Está de ronda Ogum, Ogunhê Abre e clareia O caminho É preciso andar (Pro meu irmão passar) Corta o mato Que corta a pele Do meu irmão
ilu melê-ancó, voz, azaba e maraca de ficha: Alessandra Leão ilu melê: Abuhl Jr. ilu yan, chapinha, gan: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé, Karina Buhr, Isaar, Manu Maltez sampler: Daniel Leão (voz), Marcela Eduarda, Eustáquio Nego, Will Matos, Laízi Fracalossi, Carol Rodrigues (coro)
Para minha mãe Iemanjá, que me guia Dedico essas músicas à Lia de Itamacará que tanto me inspira e me honra com sua presença aqui. À Nice e ao Terreiro Xambá, que tanto me cuida e me acolhe há anos.
Awa aabo Korin tradicional para Iemanjá
Awa aabo a yo Yemonjá aabo a yo Yemonjá Estamos protegidos Nossa satisfação é completa Yamanjá protege-nos E nos enche de satisfação Ê, Yemanjá
Vou levar flores ponto tradicional com adaptação de Alessandra Leão
Eu vou levar Vou levar flores pro mar Eu vou levar Uma promessa que eu fiz Para a Rainha do Mar Vem receber as flores Que eu vim te ofertar
ilu melê-ancó e voz: Alessandra Leão ilu melê e gan: Abuhl Jr. ilu yan, chapinha: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé, Karina Buhr, Isaar, Manu Maltez e Lenna Bahule
Corre um rio em mim música e letra: Alessandra Leão arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé arranjo vocal: Alessandra Leão e Caê Rolfsen
para Oxum e para Graça, minha mãe, que é filha das águas doces
Do teu peito, mãe Jorra leite em mim Solto as águas Derramo nelas Danço em festa Oraieiê Do teu ventre mãe Corre um rio em mim Solto as águas Derramo nelas Danço em festa Oraieiê
ilu melê-ancó, vozes, agogô, guizos e sementes: Alessandra Leão ilu melê: Abuhl Jr. ilu yan, chapinha, gan: Maurício Badé caxixi: Caê Rolfsen
T u a m ã o, m i n h a c a b e ç a música e letra: Alessandra Leão arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Lá vem Xangô Descendo aqui Tua mão Minha cabeça Tua mão Minha cabeça Enfim Kaô Kabêcile Xangô
ilu melê-ancó e voz: Alessandra Leão ilu melê e gan: Abuhl Jr. ilu yan, chapinha e abê: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé, Karina Buhr, Isaar, Manu Maltez, Lívia Mattos e Lenna Bahule
Abre a mata, Oxóssi música e letra: Alessandra Leão e Abuhl Jr. arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Abre a mata, Oxóssi Pra eu passar Na noite escura, Odé Clareia Na mata eu vi Os caboclo assobiando Disseram que foi Oxóssi atirando
voz: Alessandra Leão ilu melê e voz efeito: Abuhl Jr. voz e xequerê de semente: Maurício Badé canoa e prato: Bruno Prado
Ponto para Malunguinho música e letra tradicional da Jurema arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé arranjo vocal: Alessandra Leão
Malunguinho Foi pras matas Com sua foice amolada Corta, corta, Malunguinho Os espinhos dessa morada Malunguinho Na mata É Reis
ilu melê-ancó, vozes, atabaque, maraca, guizo, caxixi de coco: Alessandra Leão ilu melê: Abuhl Jr. ilu yan: Maurício Badé
Cabocla de Pena
música e letra tradicional da Jurema arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Soltei minha cabocla de pena Soltei lá na mata Pra ela trabalhar Pra ver a força que a Jurema tem Pra ver a força de que a Jurema dá
voz: Alessandra Leão coro e palmas: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé, Karina Buhr, Isaar, Manu Maltez, Lívia Mattos e Lenna Bahule
Caboclo arreia (caboclo de Arubá) música e letra tradicional do Cavalo Marinho e da Jurema arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Caboclo arreia Pra me ajudar Caboclo da mata Do juremá Chuva chovia Trovão, trovejava No alto da serra A estrela encruzava Nos ares armei meu balanço Nos ares eu me “abalançava”
ilu melê-ancó, voz e ganzá: Alessandra Leão ilu melê: Abuhl Jr. ilu yan: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé, Karina Buhr, Isaar, Manu Maltez, Lívia Mattos e Lenna Bahule
No pé da Jurema música e letra tradicional do Catimbó arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
a Toada de Mestra Leonor foi gravada originalmente pela Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938, em João Pessoa, PB, cantada por Luiz Gonzaga Ângelo
No pé da Jurema Tem uma flor Sou eu aquela princesa O meu nome é Leonor
voz e maraca: Alessandra Leão ilu melê: Abuhl Jr. ilu yan: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Karina Buhr, Isaar, Lívia Mattos e Lenna Bahule
V a m o s, M e s t r e música e letra tradicional da Jurema arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Vamos Meu mestre vamos Vamos Pra Jurema trabalhar Mas eu Só trabalho é cantando Bebendo Fumando Tocando O meu maracá
voz: Sapopemba voz e maraca: Alessandra Leão ilu melê: Abuhl Jr. ilu yan, caxixis, gan: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé, Isaar, Manu Maltez
Abre a porta música e letra tradicional da Umbanda arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
Abre a porta, mamãe Deixa o boiadeiro passar Ele vem de longe, camarada Ele vem tirar
Boiada de 31
música e letra tradicional da Umbanda arranjo: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé
A minha boiada É de trinta e um Eu contei trinta E tá faltando um
ilu melê-ancó, voz, ganzá, caxixis e gan: Alessandra Leão ilu melê: Abuhl Jr. ilu yan e gan: Maurício Badé coro: Alessandra Leão, Abuhl Jr., Maurício Badé, Isaar, Manu Maltez e Lenna Bahule
Ponto para Preto Velho música e letra tradicional da Umbanda com adaptação de Alessandra Leão arranjo: Alessandra Leão e Caê Rolfsen
Que caminho tão escuro E tão cheio de areia Aonde Preto Velho foi morar Com Nossa Senhora das Candeias Sete flores me acompanham Sete velas me alumeiam Aonde Preto Velho foi morar Com Nossa Senhora das Candeias Sete anjos me acompanham Sete velas me alumeia Aonde Preto Velho foi morar Com Nossa Senhora das Candeias
vozes: Alessandra Leão e Mateus Aleluia
Hasteia a bandeira música e letra tradicional da Umbanda arranjo: Luiz Quiguiriçá, Marilda Soliano, Viviane Soliano, Camila Soliano, Thalles Soliano, Victor Soliano e Alessandra Leão
Oxalá, meu pai Hasteia a bandeira branca Bem lá no alto da serra Oxalá, meu pai Perdoa e abençoa seus filhos Aqui na terra Dai-nos a graça, meu pai A vossa bênção O teu perdão E o teu amor E não permita Que esses filhos de Umbanda Desviem de ti É meu pai o redentor
voz: Luiz Quiguiriçá voz: Marilda Soliano coro: Viviane Soliano e Camila Soliano atabaque lé: Alessandra Leão atabaque rumpi: Thales Soliano atabaque rum: Victor Soliano
F i r m e i m e u p o n t o / P on t o p r o t a m b o r pontos tradicionais da Umbanda, Jurema e Candomblé arranjo de percussão: Alessandra Leão, Abuhl Jr. e Maurício Badé arranjo e edição sampler: Alessandra Leão e Caê Rolfsen
Tambor, você fica aí Ou até quando eu aqui voltar Tambor, olha tambor Te cumprimento Pai Ogum foi quem mandou
vozes samplers: Pai Cacau, Geraldo Barbosa, Luiz Quiguiriçá, Nice Firmino, Paulinho Carrapeta, Maíca Soares, Luiz Paixão, Anelis Assumpção, Alexandre L'Omi, Garnizé, Sapopemba, Tia Maria de Guiné
Ficha Técnica Direção Artística e Idealização: Alessandra Leão Produção Musical: Alessandra Leão e Caê Rolfsen Produzido entre setembro de 2018 e março de 2019 Gravado, mixado e masterizado no YB Studios (São Paulo, SP) Técnico de gravação, mixagem e masterização: Carlos "Cacá" Lima Assistente de gravação: Fred Pacheco Gravações adicionais e edições: Ori Music Lab Técnico de gravação e edição: Caê Rolfsen Assistente de gravação dos coros e da faixa 14: Bruno Prado Direção de gravação de voz (faixas 1, 9, 10, 11 e 12): Juçara Marçal Produção Fonográfica: Garganta Records Edição e Sincronização: YB Music capa: Juliana Godoy fotografias: Bia Varella projeto gráfico: Vânia Medeiros direção de arte: Juliana Godoy, Marcelo Gandhi e Alessandra Leão cenografia: Juliana Godoy máscara: Juliana Godoy, Marcelo Gandhi e Alessandra Leão vídeo making off: Gabriel Quintão produção executiva: Alessandra Leão, Júlia Carlos e Pedro Barreira figurino: Acre Recife, Juliana Godoy e Alessandra Leão costureira: Amandine Castillon www.alessandraleao.com.br