CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL - UDF CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
ALESSANDRA ROSA GUIDA
COBOGÓS DE BRASÍLIA O OUTRO LADO DA FACHADA MODERNISTA
Brasília 2018
ALESSANDRA ROSA GUIDA
COBOGÓS DE BRASÍLIA O OUTRO LADO DA FACHADA MODERNISTA
Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário do Distrito Federal, como requisito avaliativo do Trabalho de Conclusão. Orientadores: Professor Rogério Rezende (até dez/2017) e Professora Patricia Melasso Garcia (de jan/2018 a jun/2018)
Brasília 2018 2
RESUMO Este trabalho pretende elucidar, como o cobogó – bloco vazado utilizado como fechamento de paredes - foi apropriado e interpretado pelos arquitetos modernistas brasileiros, sobretudo nas fachadas dos edifícios residenciais do Plano Piloto de Brasília. A pesquisa utiliza um recorte temporal que divide a amostragem em quatro períodos distintos, estabelecidos de acordo com as mudanças nos Códigos de Obras. O estudo foi feito por meio da pesquisa bibliográfica, pesquisa amostral em campo e da análise de projetos de arquitetura. Nessa abordagem, pretendo analisar como o cobogó foi sendo ressignificado à medida que “viajava” pelo país (e para fora dele) e, finalmente, como foi interpretado pelos primeiros arquitetos da nova Capital. A pesquisa estabelece e diferencia as aplicações do cobogó como elemento construtivo, recurso estético-estilístico e a consolidação como um elemento identitário de Brasília. O objetivo maior do trabalho consiste na análise sobre o uso do coboós, se, de fato, ainda em Brasília, expressa um novo olhar sobre o modo de vida urbana ou se corrobora com a visão ainda colonial do espaço doméstico que separa as áreas sociais e de serviços. Assim, a contribuição do trabalho para o processo de projetar resultará no entendimento e aplicações conscientes desse elemento arquitetônico, tão significativo na história brasileira. Para tanto, foi traçada a história do cobogó desde seu surgimento como elemento autônomo em Recife, na década de 20, até a sua utilização nos edifícios de 3
Brasília, desde antes da sua inauguração até 2014 (recorte temporal dos edifícios estudados). Antes da análise dos edifícios de Brasília, buscamos referências de como ele foi utilizado em outras partes do Brasil, no contexto da arquitetura modernista. Palavras-chave: Cobogó. Modernismo. Construção de Brasília. História do objeto.
BRASÍLIA 2018
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DEDICATÓRIA
Com todo amor, dedico este trabalho ao Plínio, pois sem o seu apoio e incentivo durante todo o processo ele não teria sido possível.
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AGRADECIMENTOS
Em um certo momento eu percebi que tudo o que eu realmente gostava, as coisas que falavam ao meu coração, estavam de certa forma relacionadas à arquitetura. Foi então que eu conheci o professor Bruno Capanema que me incentivou a sair da “minha caixinha” e vivenciar algo novo – as diversas formas de arquitetar. Desde então foi um longo processo e muito malabarismo para dar conta de todas as atividades profissionais e pessoais concomitantemente ao curso de arquitetura. Agradeço, sobretudo, aos meus pais, meu marido, minha família e amigos que compreenderam os meus períodos de ausência ao longo desses anos. Nem sempre eu pude estar com vocês ou ser tão presente quanto deveria e mesmo assim vocês me incentivaram e acreditaram que esse era o caminho certo para mim neste momento. Espero poder retribuir todo o amor, apoio e incentivo que vocês me deram. Em relação a esta pesquisa, agradeço ao Professor Marcelo pelos insights iniciais. Tive, ainda, a imensa sorte de contar com dois orientadores geniais, o Professor Rogério Rezende e a Professora Patrícia Melasso. Meu muito obrigada ao Professor Rogério que, antes de ir seguir os seus sonhos em outras paragens, foi meu primeiro orientador, sem a sua orientação esta pesquisa sequer teria sido cogitada
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como uma possibilidade. Agradeço profundamente por, no meio da adaptação a uma nova vida, ter continuado a contribuir com a minha pesquisa. À Professora Patrícia, que me adotou já no segundo tempo, agradeço por ter acreditado no projeto, me direcionado e pelos bate-bolas. A sua orientação foi essencial para que eu conseguisse visualizar as coisas de forma mais sistemática, em uma perspectiva mais ampla e coerente. Aos meus professores ao longo desses anos, muito obrigada por todos os ensinamentos. Um agradecimento especial à professora Mariana Arrabal, que em quantidade de matérias foi a mais presente na minha vida acadêmica. Me desculpe por todos os atrasos, sair do trabalho e chegar em 15 minutos na sua sala foi muitas vezes impossível! Seus conhecimentos em conforto foram essenciais para entender diversas questões ao longo desta pesquisa. Agradeço ainda aos meus colegas de trabalho. À todos que passaram pela minha equipe durante esse percurso por seu apoio e por serem pessoas tão companheiras e comprometidas. Sem a certeza de estar cercada de pessoas tão competentes eu não teria tido a tranquilidade necessária para estudar. E à Sheila, minha chefe do coração, por todo apoio e compreensão na conciliação das atividades.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – FECHAMENTOS EM MUXARABIS, RÓTULAS E GELOSIAS. ...................................................................................... 33 FIGURA 2 – RÓTULA, ABERTURA À INGLESA, JANELA DE GUILHOTINA .................................................................................... 35 FIGURA 3 - ENTRADA DO CORTIÇO CABEÇA DE PORCO....................................................................................................... 40 FIGURA 4 ROUPAS ESTENDIDAS NO CORTIÇO DA RUA DOS INVÁLIDOS ................................................................................... 41 FIGURA 5 - COBOGÓ DE LOUÇA ESMALTADA LÓTUS – CERÂMICA MARTINS ............................................................................. 45 FIGURA 6 - COBOGO CRAFT 6 – DA PORTOBELLO – ........................................................................................................... 45 FIGURA 7 - COBOGÓ RAÍZES - LINHA IDEIAS CONCRETAS DE ANA PAULA CASTRO ................................................................... 45 FIGURA 8 - PROJETO DE INTERIORES COM O COBOGÓ RAÍZES .............................................................................................. 46 FIGURA 9 - FECHAMENTO EM COBOGÓ DE CERÂMICA ESMALTADA – PROJETO DE CLARA REYNALDO E CECÍLIA REICHSTUL .............. 47 FIGURA 10 - COBOGÓ DE CIMENTO DE ARTHUR CASAS ...................................................................................................... 48 FIGURA 11 - COLETIVO MOB - MANUAL DE OCUPAÇÃO DE BRASÍLIA .................................................................................... 51 FIGURA 12 - PINGENTE DE PRATA – COLEÇÃO COBOGÓ DE CLÁUDIA CASACCIA ....................................................................... 52 FIGURA 13 - VELAS PERFUMADAS DA SAO CASA ............................................................................................................... 52 FIGURA 14 - CONSTRUÇÃO LOCAL EM BARRA DE SÃO MIGUEL, LITORAL SUL DE ALAGOAS (2018). ............................................ 55 FIGURA 15 - MURO DE CASA COM TIJOLO FURADO ........................................................................................................... 56 FIGURA 16 – DETALHE DE PAREDE DE TIJOLOS ENTRELAÇADOS ............................................................................................ 56 FIGURA 17 - MICROFILMAGEM DA PATENTE DO DESENHO DO COBOGÓ – 1929. ACERVO DO INPI............................................. 57 FIGURA 18 - RESERVATÓRIO D’ÁGUA DE OLINDA – LUÍS NUNES (1936) .............................................................................. 58 FIGURA 19 - INTERIOR DO RESERVATÓRIO D´ÁGUA DE OLINDA ........................................................................................... 59 FIGURA 20 - EDIFÍCIOS LUCIANO COSTA EM 1919. ........................................................................................................... 61 FIGURA 21 - EDIFÍCIOS LUCIANO COSTA EM 2001 ............................................................................................................ 62
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FIGURA 22 AUDITORIUM BUILD - ADLER E SULLIVAN (1889) ............................................................................................. 65 FIGURA 23 - INTERIOR DO AUDITORIUM BUILD - ADLER E SULLIVAN (1889) ......................................................................... 66 FIGURA 24 - PAVILHÃO DO BRASIL EM NY. LÚCIO COSTA E OSCAR NIEMEYER (1939) ............................................................ 68 FIGURA 25 - ED. PARQUE GINLE. LÚCIO COSTA (1948-54) ............................................................................................... 69 FIGURA 26 - FUNDOS - ED. PARQUE GINLE. LÚCIO COSTA (1948-54) ................................................................................. 70 FIGURA 27 - INTERIOR DO PARQUE GUINLE – LÚCIO COSTA (1943) .................................................................................... 71 FIGURA 28 - COMPLEXO DO PEDREGULHO - AFFONSO REYDI (1947) ................................................................................... 73 FIGURA 29 - RUA INTERNA DO PEDREGULHO. .................................................................................................................. 74 FIGURA 30 - HOSPITAL SUL-AMÉRICA, ATUAL HOSPITAL DA LAGOA - OSCAR NIEMEYER (1955). AUTOR: GUCKEMAL .................. 75 FIGURA 31 - HOSPITAL SUL-AMÉRICA, ATUAL HOSPITAL DA LAGOA - OSCAR NIEMEYER (1955) ............................................... 76 FIGURA 32 - EDIFÍCIO EIFFEL - OSCAR NIEMEYER (1953) .................................................................................................. 77 FIGURA 33 - EDIFÍCIO EIFFEL, PLANTA DO PAVIMENTO SOCIAL ............................................................................................. 78 FIGURA 34 - EDIFÍCIO EIFFEL - VEDAÇÃO DOS COBOGÓS. .................................................................................................... 79 FIGURA 35 - RESIDÊNCIA NO MORUMBI - OSWALDO BRATKE (1951) .................................................................................. 80 FIGURA 36 - RESIDÊNCIA PAULO HESS - RINO LEVI, LUIS CARVALHO FRANCO, ROBERTO CERQUEIRA CÉSAR (1955) ..................... 81 FIGURA 37 - RESIDÊNCIA ANTÔNIO D'ELBOUX - CARLOS MILAN (1964) .............................................................................. 82 FIGURA 38 - ESCADA DO ED. CINDERELA – EMPREENDIMENTO DE JOÃO ARTACHO JURADO (1956) .......................................... 83 FIGURA 39 - EDIFICAÇÃO NA VILA SERRA DO NAVIO – OSWALDO BRATKE (1956).................................................................. 85 FIGURA 40 - POSTO DE SAÚDE NA VILA SERRA DO NAVIO – OSWALDO BRATKE (1956) ........................................................... 86 FIGURA 41 - MAISON DU BRESIL - LÚCIO COSTA E LE CORBUSIER (1959) ............................................................................. 87 FIGURA 42 - SQS 108, BLOCOS D E H ........................................................................................................................... 96 FIGURA 43 - SQS 108, BLOCOS A E B ........................................................................................................................... 99 FIGURA 44 - CRIANÇA CORRENDO EM CORREDOR DE COBOGÓS AUTOR: CRISTIANE AGUIAR.................................................... 100 FIGURA 45 - TRECHO DO DECRETO Nº 7 DE 13 DE JUNHO DE 1960 ................................................................................... 104
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FIGURA 46 - SQS 107, BLOCO J ................................................................................................................................. 106 FIGURA 47 - SUCESSIVAS MUDANÇAS NA PROJEÇÃO E PAVIMENTO TIPO - BATISTA 2003........................................................ 108 FIGURA 48 - FACHADA COM BAIXA INCIDÊNCIA DE COBOGÓS - EDIFÍCIO NA SQS 409 ............................................................ 125 FIGURA 49 - EDIFÍCIOS TIPO A-11 - VISTA ..................................................................................................................... 126 FIGURA 50 - SQS 305, BLOCO B - FACHADA COM BAIXA INCIDÊNCIA DE COBOGÓS ............................................................... 126 FIGURA 51 - EDIFÍCIOS TIPO A-11 – PAVIMENTO TIPO ..................................................................................................... 127 FIGURA 52 - EDIFÍCIOS TIPO A-11 - VISTA ..................................................................................................................... 128 FIGURA 53 SQS 110, BLOCO D -
MÉDIA INCIDÊNCIA...................................................................................................... 128
FIGURA 54 - EDIFÍCIOS TIPO A-11 – PAVIMENTO TIPO ..................................................................................................... 128 FIGURA 55 - EDIFÍCIO TIPO AFA-4 – VISTA.................................................................................................................... 129 FIGURA 56 - SQS 108. BLOCOS D, H E C - FACHADAS COM ALTA INCIDÊNCIA DE COBOGÓS ................................................... 129 FIGURA 57 - SQS 108, BL H - PAVIMENTO TIPO ............................................................................................................ 130 FIGURA 58 - SQN 302, BLOCOS A E B - DEPOIS DA REFORMA .......................................................................................... 142 FIGURA 59 - SQN 302, BLOCOS A E B - ANTES DA REFORMA ........................................................................................... 142 FIGURA 60 - SQS 412, BLOCO O - FACHADA DESCARACTERIZADA ...................................................................................... 143 FIGURA 61 - COBÓS DEMOLIDOS ........................................................................................................................... 156
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LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA ...................................................................................................................... 114 GRÁFICO 2 – EDIFÍCIOS POR FASE DE CONSTRUÇÃO ......................................................................................................... 117 GRÁFICO 4 - ASA SUL – DISTRIBUIÇÃO DE EDIFÍCIOS POR FASE ........................................................................................... 118 GRÁFICO 3 - ASA NORTE – DISTRIBUIÇÃO DE EDIFÍCIOS POR FASE ....................................................................................... 118 GRÁFICO 5 – EDIFÍCIOS COM COBOGÓS NAS FACHADAS - GERAL ........................................................................................ 119 GRÁFICO 6 – EDIFÍCIOS COM COBOGÓS ........................................................................................................................ 120 GRÁFICO 7 - FACHADAS COM COBOGÓS (1ª FASE) ........................................................................................................... 123 GRÁFICO 8 - FACHADAS COM COBOGÓS (2ª FASE) ........................................................................................................... 123 GRÁFICO 9 - FACHADAS COM COBOGÓS (3ª FASE) ........................................................................................................... 123 GRÁFICO 10 - FACHADAS COM COBOGÓS (4ª FASE) ......................................................................................................... 123 GRÁFICO 11 - RELAÇÃO FACHADA/COBOGÓ - PRIMEIRA FASE ............................................................................................ 131 GRÁFICO 12 - RELAÇÃO FACHADA/COBOGÓ - SEGUNDA FASE............................................................................................ 131 GRÁFICO 13 - RELAÇÃO FACHADA/COBOGÓ - TERCEIRA FASE ............................................................................................ 132 GRÁFICO 14 - RELAÇÃO FACHADA/COBOGÓ - QUARTA FASE ............................................................................................. 132
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LISTA DE TABELAS TABELA 1 – PERÍODOS DE ANÁLISE DE CONSTRUÇÕES ...................................................................................................... 115 TABELA 2 – EDIFÍCIOS POR FASE DE CONSTRUÇÃO ........................................................................................................... 117 TABELA 3 - EDIFÍCIOS COM COBOGÓS ........................................................................................................................... 119 TABELA 4 – INCIDÊNCIA DE COBOGÓS NAS FACHADAS ...................................................................................................... 124 TABELA 5 - QUANTIDADE DE FACHADAS COM COBOGÓS - GERAL ........................................................................................ 133 TABELA 6 - NÚMERO DE FACHADAS COM COBOGÓS ......................................................................................................... 134 TABELA 7 - FECHAMENTO DAS ÁREAS DE SERVIÇOS POR PERÍODO ....................................................................................... 137 TABELA 8 - ARQUITETOS POR FASES DE CONSTRUÇÃO....................................................................................................... 140
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas Ciams – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna DF – Distrito Federal GTB – Grupo de Trabalho de Brasília IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões do Industriários INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial NOVACAP – Companhia Urbanizadora da Nova Capital SQS – Super Quadra Sul SQN – Super Quadra Norte SHIS – Sociedade de Habitação de Interesse Social
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SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................... 3 DEDICATÓRIA ............................................................................................................ 5 AGRADECIMENTOS .................................................................................................. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES .......................................................................................... 8 LISTA DE GRÁFICOS ............................................................................................... 11 LISTA DE TABELAS ................................................................................................. 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .................................................................... 13 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17 1 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................. 26 2 - O DESENVOLVIMENTO DO MORAR URBANO NO BRASIL............................. 30 2.1 De muxarabis a urupemas .............................................................. 31 2.2 O movimento higienista ................................................................... 38 3 - O COBOGÓ ......................................................................................................... 43 3.1 - A origem do cobogó como elemento autônomo ............................ 54 3.2 De Pernambuco para o mundo ....................................................... 63 14
3.2.1 O Cobogó no Rio de Janeiro..................................................... 68 3.2.2 O Cobogó em São Paulo .......................................................... 77 3.2.3 O cobogó na Serra do Navio..................................................... 84 3.2.4 A Maison du Bresil .................................................................... 87 4 - O COBOGÓ DE BRASÍLIA .................................................................................. 89 4.1 Os primeiros edifícios (1958 a 1968)............................................... 90 4.2 Legislação correlata ...................................................................... 103 5 – ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES ...................................................................... 110 5.1 Caracterização da amostra ........................................................... 113 5.2 Período de construção .................................................................. 115 5.3 As fachadas e os cobogós ............................................................ 119 5.4 Incidência de cobogós nas fachadas ............................................ 124 4.4.1 Edifícios com baixa incidência de cobogós nas fachadas ...... 126 4.4.2 Edifícios com média incidência de cobogós nas fachadas ..... 127 4.4.4 Relação da incidência com os períodos ................................. 131 4.4.5 Movimentação das fachadas .................................................. 133 5.5 A produção dos arquitetos de Brasília........................................... 138 15
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 144 REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA ............................................................................. 158 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 167 APÊNDICE I – Arquitetos de Brasília por fases de construção ............................... 168
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INTRODUÇÃO O interesse em analisar o uso dos cobogós nas fachadas dos edifícios residenciais do Plano Piloto de Brasília surgiu, inicialmente, de um artigo sobre os cobogós que escrevi para a disciplina de Modernismo. Desde então tem sido recorrente a observação de que as maneiras como os materiais são utilizados nos ambientes construídos são importantes para a compreensão de um determinado período histórico/cultural. E que esses materiais podem, inclusive, ser apropriados como símbolos ou referências de um determinado movimento. Foi assim com o concreto e o modernismo. O béton brut deu nome ao Brutalismo, por exemplo. O cobogó “é um elemento vazado de estrutura modular, que se repete e cria uma espécie de invólucro, de membrana” (Entrevista com a Professora Luciana Saboya, 2013). São tradicionalmente confeccionados em concreto, mas é possível encontrar também versões em cerâmica. Os achados iniciais indicavam que o cobogó foi inspirado nos muxarabis da cultura islâmica e nas construções vernaculares brasileiras. Geralmente utilizado com a função de melhorar o conforto térmico nas habitações, resguardar a privacidade ou como elemento estético na composição de fachadas e, em uma forma de uso mais atual, como detalhes de interiores. No âmbito do modernismo, fazia todo o sentido que a arquitetura brasileira se apropriasse de um elemento inspirado na arquitetura vernacular, que pudesse ser produzido em escala e servisse como fechamento de paredes (que já nesse período 17
não precisavam exercer a função estrutural). Em 1929 esse elemento foi patenteado como cobogó em Pernambuco. Dessa forma, uma análise do cobogó vai além de compreender um objeto per se, precisamos situá-lo no contexto da arquitetura modernista brasileira. Diversas áreas das ciências sociais utilizam vestígios materiais, formas construtivas, aspectos arquitetônicos e simbólicos a fim de compreender a cultura e costumes de civilizações extintas ou não. Esse tipo de análise não precisa se resumir ao escrutínio de civilizações temporal ou culturalmente distantes, são também úteis às nossas sociedades contemporâneas.
Para a arquitetura, conhecer como essas
relações são estabelecidas pode tornar o processo de projetar um ato mais consciente, que extrapola a elaboração de uma planta funcional e bela. A arquitetura impacta diretamente o mundo em que vivemos. Impacta de diversas formas. Além da função básica de abrigar, o espaço construído é resultado de escolhas estéticas, funcionais e simbólicas do arquiteto, do cliente e do contexto em que é construído. Para além dessa relação, o espaço construído não é apenas uma resultante, gera também resultados à medida em que as pessoas se relacionam com esse espaço. Nesse sentido, a arquitetura pode ser um agente de desenvolvimento de relações sociais mais justas ou reafirmar desigualdades. Recentemente, o manifesto dos alunos de arquitetura da UFMG que se recusaram a projetar quartos de empregadas em uma disciplina instigou ainda mais a 18
minha inquietação em relação à forma como a arquitetura pode ou não perpetuar desigualdades sociais por meio da configuração dos espaços construídos e de como isso se relaciona com as construções dos primeiros edifícios residenciais de Brasília 1. Aqui em Brasília, como veremos no capítulo 4, os quartos de empregada (cuja maior parede precisa ter apenas 1,85m e ventilação indireta) e as áreas de serviços são cômodos obrigatórios nos apartamentos da classe média do Plano Piloto. O americano James Holston (1993), que analisou a Brasília Modernista sob o ponto de vista antropológico, acreditava que os quartos de empregada eram assim tão pequenos com o objetivo de sua ocupação ser desencorajada. Conta ainda que Oscar Niemeyer (que criou o esquema básico das plantas do Plano Piloto) 2 alterou a designação desses quartos (apenas “para inglês ver”) “quando um congresso internacional de arquitetos e planejadores visitou os apartamentos recém construídos em 1959, esses quartos foram designados como despensas” (HOLSTON, 1993, p.189) Em observação aos edifícios de apartamentos do Plano Piloto de Brasília, emergiu a percepção de que as áreas destinadas a serviços e empregados domésticos eram claramente percebidas desde o exterior das edificações, por estarem geralmente encobertas por cobogós. Sob o ponto de vista simbólico, as
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Considerando os primeiros edifícios aqueles que foram construídos do período anterior à inauguração a 1967. No capítulo 4 explicamos o porquê dessa caracterização temporal. 2 Esse assunto será tratado no Capítulo 4.
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fachadas das habitações possuem a função de confinar as relações domésticas, sendo que “a fachada da rua providencia a interpretação dos espaços público e privado em pontos escolhidos (portas, janelas, sacadas etc.). ” (HOLSTON, 1993, p. 125 e comentário sobre a figura 4.12). Desta forma, nosso objetivo foi investigar como foi feita a escolha desses pontos de contato entre as áreas de serviços e a rua em Brasília e de que forma o cobogó está relacionado a essa dinâmica. Com base nessas indagações iniciais, este trabalho pretende elucidar, como o cobogó – bloco vazado utilizado como fechamento de paredes - foi apropriado e interpretado pelos arquitetos modernistas brasileiros e como ele foi utilizado na composição das fachadas dos edifícios residenciais do Plano Piloto de Brasília. A hipótese é de que, em Brasília, ele serve como elemento definidor das áreas de serviços, estabelecendo uma hierarquia entre as fachadas dos edifícios e corroborando com uma divisão segregacionista dos espaços domésticos. Pretendo demonstrar que os arquitetos modernistas que construíram Brasília não romperam com a herança colonial que divide as habitações entre Casa Grande e Senzala e que essa relação está exposta da fachada dos edifícios, sob a cobertura dos cobogós. Como objetivo geral espera-se demonstrar que a utilização dos cobogós, nas fachadas dos edifícios de Brasília, está diretamente relacionada a demarcação das áreas de serviços, considerando áreas de serviços a dependência de empregada e a lavanderia. No caso dos apartamentos vazados, essa divisão acaba por 20
estabelecer uma hierarquia entre as fachadas, criando uma fachada da frente e outra dos fundos. Meus objetivos específicos são: •
Demonstrar que em Brasília o uso dos cobogós nas fachadas é expressivo;
•
Demonstrar que as plantas dos apartamentos são divididas em três setores: áreas sociais, privadas e de serviços. E que essa configuração remete à configuração das residências coloniais;
•
Demonstrar que o uso dos cobogós está relacionado à ideia de esconder as áreas de serviços dos olhos da rua;
•
Apresentar diferentes usos do cobogós em outros locais do Brasil, a fim de comparar com a forma de utilização em Brasília;
•
Comprovar que em Brasília seu uso é específico e relacionado com segregação do espaço doméstico;
Esses são os pontos de partida para a pesquisa que se desdobra da seguinte maneira: revisão bibliográfica a fim de compreender como foi o desenvolvimento do morar urbano no Brasil até o surgimento do cobogó no contexto da arquitetura modernista. Observar projetos de referência no âmbito nacional que utilizaram os cobogós nas fachadas a fim de compreender as suas diversas 21
aplicações. Discutir aspectos relevantes sobre a construção de Brasília relacionados ao nosso elemento e às fachadas dos edifícios residenciais. Discussão dos dados da pesquisa de campo. E, por fim, considerações finais e desdobramentos da pesquisa. O segundo capítulo “O desenvolvimento do morar urbano no Brasil” é uma revisão bibliográfica que tem como fio condutor o livro do arquiteto Carlos Lemos “A história da casa brasileira” (1989). O objetivo é compreender como o morar urbano se desenvolveu da casa colonial aos apartamentos para a classe média nos anos 60 em Brasília. Essa pesquisa busca localizar as moradias em contexto histórico, trazendo ainda elementos importante para compreender como o desenvolvimento da configuração do espaço doméstico urbano culminou no esquema de plantas utilizado em Brasília. Como o nosso objeto de investigação é o uso do cobogó nas fachadas, procuramos sempre que possível relacionar a conformação dos espaços domésticos com características das aberturas fachadas, entendendo que estas são espaços limiares e “como uma zona liminar, a fachada das ruas é, de um lado, a parede exterior de um domínio privado e, de outro, a parede interior do âmbito público” (HOLSTON, 1993, p. 125). Na revisão bibliográfica, pesquisamos como e porque eram usados os muxarabis e porque foram banidos. Como a abertura de espaço entre as habitações urbanas condicionaram a criação de uma segunda entrada, a entrada de serviços e, por fim, como na arquitetura modernista a liberdade das paredes, que não mais 22
precisam exercer a função estrutural, permite uma maior liberdade em relação ao fechamento das fachadas. O
capítulo
terceiro
é
dedicado
à
investigação
dos
cobogós.
Contextualizamos o seu nascimento no contexto da arquitetura modernista, a fim de compreender os elementos fundamentais de sua criação e patenteamento em 1929. Exploramos também projetos de arquitetos modernistas que utilizaram os cobogós nas fachadas de suas edificações como Luís Nunes, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Oswaldo Bratke, Rino Levi, Paulo Hess, Luís Carvalho franco, Roberto Cerqueira César, Carlos Milan e até mesmo Le Corbusier. Esses projetos foram depois confrontados com os projetos para Brasília no capítulo 5. O quarto capítulo trata da construção de Brasília, tendo como foco a construção das superquadras. O objetivo era compreender como foi o processo de criação e construção de Brasília, com foco na arquitetura residencial. Por meio da revisão da literatura buscamos contextualizar o leitor a respeito do conceito de superquadra definido por Lúcio Costa e como foi o processo de construção dos edifícios residenciais, a cargo de Oscar Niemeyer. Explicamos como o esquema de plantas dos primeiros apartamentos de Brasília (1957- 1967), elaboradas por Oscar Niemeyer, foram determinantes para as construções daquele período e que se perpetuam até hoje. Discutimos também como
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a legislação correlata influencia tanto na definição do esquema interno dos apartamentos quanto em aspectos das fachadas. O quinto capítulo visa apresentar e discutir o resultado da pesquisa de campo, onde analisamos 398 edifícios da Asa Sul e Asa Norte de Brasília. Com base nos achados de campo, obtivemos dados concretos para serem contrastados com a nossa hipótese inicial de que em Brasília os cobogós estão associados às áreas de serviço e servem como elemento definidor de uma segunda fachada, a fachada dos fundos. Após o levantamento dos dados bibliográficos, análises de projetos e análise dos dados da pesquisa de campo, confirmamos nossa hipótese inicial: de que nos edifícios residenciais do Plano Piloto de Brasília o uso do cobogó nas fachadas não expressa um novo olhar sobre o modo de vida urbana. Que as fachadas de cobogó corroboram com a visão ainda colonial do espaço doméstico que separa as áreas sociais e de serviços O estudo das aplicações do cobogó nas fachadas residenciais em Brasília visa contribuir para um maior entendimento sobre as formas de aplicações deste elemento, tão significativo na história brasileira. A desnaturalização tanto da forma de uso dos cobogós quanto da conformação da planta básica dos apartamentos de Brasília, pode ser útil ao processo de projetar na medida em que traz à discussão categorias antes tidas como naturais. Compreendendo que Brasília ele está associado 24
a uma função específica, que é a de resguardar dos olhos da rua as nossas áreas de serviços, a nossa herança colonial.
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1 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Ao se empreender uma pesquisa científica, busca-se busca trazer à discussão situações inicialmente naturalizadas. Que no nosso caso seria a observação de que, no Plano Piloto de Brasília, os cobogós são utilizados em pontos da fachada correspondentes às áreas de serviços. As pesquisar realizadas tiveram como objetivo principal responder às seguintes questões: Porque o cobogó foi amplamente utilizado na construção dos edifícios residenciais do Plano Piloto de Brasília? O que fez com que diferentes arquitetos, com diferentes desafios de projeto encontrassem no cobogó a mesma solução? Para responder essas perguntas, foi necessário compreender como um elemento construtivo produzido industrialmente pode ser usado de formas tão diferentes ao longo do tempo e espaço. Antes de entender a utilização em Brasília, foi necessário pesquisar como ele nasceu e teve suas características e funções modificadas ao longo do caminho, após ter passado pelas mãos de arquitetos modernistas de diversas tendências. Para tanto, foi utilizada a pesquisa bibliográfica que consiste tanto na revisão bibliográfica (sobretudo sobre o movimento modernista) e a pesquisa bibliográfica que consistiu na investigação de publicações que abordassem criação e usos do cobogó na produção arquitetônica brasileira. LIMA e MIOTO (2007) explicam que, enquanto a revisão literária é um requisito essencial para o desenvolvimento de 26
qualquer pesquisa, “a pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório” (LIMA e MIOTO, 2007. p. 1). Para a pesquisa sobre a utilização do cobogó pelos arquitetos modernistas utilizamos pesquisas e artigos que tratam da história da criação dos cobogós, algumas análises de projetos de arquitetos modernistas que utilizaram o elemento em suas fachadas e estudos de eficiência de fachadas em Brasília. Portanto, foi necessário buscar referência ao elemento em diferentes textos e, sobretudo na análise das obras de arquitetos do período. A metodologia aplicada para apreender o uso do cobogó na arquitetura modernista é essencialmente qualitativa 3. A pesquisa bibliográfica foi também utilizada para contextualizar o surgimento de Brasília e a configuração da área residencial do Plano Piloto. Pois, a fim de compreender a utilização do cobogó em Brasília, precisamos entender como a
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“Desse modo, ao considerar a pesquisa qualitativa, todo objeto de estudo apresenta especificidades, pois ele: a) é histórico – está localizado temporalmente, podendo ser transformado; b) possui consciência histórica – não é apenas o pesquisador que lhe atribui sentido, mas a totalidade dos homens, na medida em que se relaciona em sociedade, e confere significados e intencionalidades a suas ações e construções teóricas; c) apresenta uma identidade com o sujeito – ao propor investigar as relações humanas, de uma maneira ou de outra, o pesquisador identifica-se com ele; d) é intrínseca e extrinsecamente ideológico porque "veicula interesses e visões de mundo historicamente construídas e se submete e resiste aos limites dados pelos esquemas de dominação vigentes" (MINAYO, 1994, p. 21); e) é essencialmente qualitativo já que a realidade social é mais rica do que as teorizações e os estudos empreendidos sobre ela, porém isso não exclui o uso de dados quantitativos (MINAYO, 1994)”. (LIMA e MIOTO, 2007)
27
cidade foi criada. Sobretudo, o processo de formação das superquadras desde a concepção por Lúcio Costa até a construção propriamente dita sob o comando de Oscar Niemeyer. Para isso, dialogamos com autores que analisam Brasília sob diversos aspectos. Do ponto de vista de criação da cidade, tratando dos projetos para Brasília e sobre a relação entre Lúcio Costa e Oscar Niemeyer na implantação da área residencial (TAVARES, 2007 e 2014). Sobre a implantação das superquadras no contexto da arquitetura modernista e sobre aspectos plásticos dos edifícios (MAGALHÃES, 2009). Sob o ponto de vista da concepção da superquadra (FERREIRA e GOROVITZ, 2008) (BRINO, 2003) (BEISL, 2009). Passando por análises da eficiência das fachadas nesses edifícios (BRAGA, 2005). E do ponto de vista das relações das pessoas com essas edificações (OLIVEIRA, 2014). Por fim, com o objetivo de analisar as aplicações dos cobogós nas fachadas dos primeiros edifícios de Brasília, adotamos a pesquisa de campo amostral, levantando dados de 398 edificações na área delimitada, ou seja, o Plano Piloto de Brasília. Além dos edifícios da pesquisa amostral, também fizemos o registro fotográfico de outros prédios que possuem cobogós nas fachadas a fim de identificar diferentes modelos e estado de conservação ou descaracterização das fachadas. A seleção dos edifícios da amostra foi feita com base nos edifícios pesquisados para a dissertação de mestrado “Debaixo do bloco: o pilotis e seu 28
significado em Brasília”, de Cristina Oliveira (2014). Optamos por utilizar essa amostra pois atendia aos seguintes critérios: era aleatória em relação ao nosso objeto de investigação – o cobogó, contemplava edifícios de todos os períodos de construção, contemplava edifícios de todas as superquadras de Brasília, tanto na Asa Sul quanto na Asa Norte (exceto as superquadras SQS 408, 409 e 410, cujos edifícios não possuem pilotis), fornecia dados relevantes como data de construção e autoria dos projetos. O livro “A invenção da Superquadra (FERREIRA e GOROVITZ, 2008) foi utilizado como suporte na identificação de alguns edifícios. A pesquisa in locu possibilitou no registro fotográfico de edifícios com cobogós, entrevistas com moradores, visita ao interior de alguns prédios e apartamentos tanto dos edifícios da amostra como outros que consideramos relevantes para a compreensão do objeto. Em relação aos edifícios da amostra, a pesquisa in locu foi essencial para o levantamento dos dados que foram tabelados e posteriormente analisados.
29
2 - O DESENVOLVIMENTO DO MORAR URBANO NO BRASIL
Para uma melhor compreensão de porquê os cobogós foram largamente utilizados nas construções habitacionais em Brasília, e como foram pensadas as formas de habitar coletivamente na cidade que se estava construindo, é importante darmos um passo atrás e observarmos como são estruturadas as casas urbanas brasileiras. Carlos Lemos (1989) nos alerta sobre a relevância de se estudar as formas de morar “Antes de tudo, o ato de morar é uma manifestação do caráter cultural e enquanto as técnicas construtivas e os materiais variam com o progresso, o habitar um espaço, além de manter vínculos com a modernidade também está relacionado com os usos e costumes tradicionais da sociedade”. (Lemos, 1989, p. 7). Em Brasília, esses vínculos com usos e costumes acaba por explicar como o cobogó foi para nas “áreas feias”. De acordo com Carlos Lemos (1989), o programa da casa brasileira permaneceu basicamente constante desde o tempo da colônia até a chegada da Família Real ao Brasil em 1808. Ele consistia em serviços (cozinhas, depósitos, jiraus, dependência de empregados) e a “casinha” (banheiro) afastados da construção principal e a casa principal que era dividida em dois espaços distintos: social e privado (onde ficavam as mulheres). Esse esquema só começa a ser realmente alterado com a chegada da Família Real ao Brasil em 1808, já atenta aos primórdios da revolução 30
industrial. Com o aumento do comércio internacional com o ciclo do café, chega (como lastro) ao Brasil uma profusão de novos materiais de construção. O planejamento das habitações sofre uma verdadeira revolução com as novas demandas higienistas, possíveis graças ao sistema de abastecimento de água e esgoto. “E as casas de classe média passaram o conhecer o binômio hidráulico: banheiro-cozinha, dependências necessariamente vizinhas paro o aproveitamento de mesmos canos e mesmo esgoto. Tudo uma questão de preço. Só quem podia tinha a latrina longe do fogão” (Lemos, 1989, p.8).
2.1 De muxarabis a urupemas
A chegada da família real ao Brasil e a abertura dos portos (1808) Os cobogós, elementos vazados utilizados nas fachadas do Plano Piloto de Brasília, surgem no cenário nacional no século XX, como veremos no terceiro capítulo. Uma de suas inspirações foi o muxarabis da arquitetura árabe e bastante utilizado pela arquitetura colonial brasileira, que analisaremos nessa seção. A primeira grande revolução no modo de morar no Brasil aconteceu no século XIX, com a vinda do Rei de Portugal, D. João e a família real para o país em 1808, tornando o Rio de Janeiro a capital do Império Português. Ao aportar na cidade, 31
que já havia se tornado capital do Brasil pelo Marques de Pombal em 1763, D. João encontrou uma cidade que causava estranheza aos estrangeiros por suas habitações cerradas por grossas janelas de madeira, gelosias e muxarabis (nas casas mais abastadas) e urupemas (nas casas mais humildes). O comerciante inglês John Luccock veio ao Brasil em 1808 e relatou: “Emprestavam essas gelosias às fachadas das casas uma aparência carregada e suspicaz, tornando as ruas sombrias e indicando que seus habitantes eram pouco sociáveis; essa, pelo menos era a impressão causada sobre um espírito desacostumado delas”. (MORAES, 2017. notas) Na época da chegada do Imperador D., O Rio de Janeiro era uma cidade compacta que, devido à escassez de transporte, prezava pelo adensamento, cujas casas tinham fachadas estreitas, e eram geminadas. Somente nas casas de campo ou chácaras a casa ocupava a poção central do lote. Os mais abastados construíam sobrados onde na parte superior ficavam as moradias e no térreo os depósitos, cocheiras e aposentos de escravos ou então um espaço para comércio. As janelas em rótulas e gelosias abriam para fora, atrapalhando a circulação nas ruas estreitas da cidade. (MORAES, 2017, p.3).
32
Figura 1 – Fechamentos em muxarabis, rótulas e gelosias. Disponível em http://alexcastro.com.br/gelosias-e-grades/
As gelosias e muxarabis são heranças da arquitetura islâmica (COCCO e SOUZA, 2012. p.14), apropriadas pela arquitetura vernacular brasileira. Ambas são espécies de treliças, diferenciando-se pelo tipo de janela que as suporta. A gelosia seria menos saliente que o muxarabi que era geralmente apoiado em pilares de pedra, ocupando várias folhas de janelas. Os muxarabis chegavam a ocupara toda a fachada
33
de algumas casas, à semelhança do que seria feito anos depois em Brasília (Figura 56 - SQS 108. Blocos D, H e C - Fachadas com alta incidência de cobogós) Em alguns casos, o muxarabi ocupava quase a fachada inteira da habitação, em cuja parte superior o telhado era apoiado. Mariano Filho (1943) destacou que nas casas mais pobres os proprietários não tinham condições de construir adufas com sarrafos de madeira, portanto, utilizando a tecnologia indígena, revestiam-nas de “taquara” ou “urupema”, à semelhança das peneiras ou crivos. Esse tipo de esquadria ficou conhecido popularmente em todo o território nacional como “urupemas” e, segundo Freyre (2004) ainda era muito utilizado no início do século XX nas casas rurais nordestinas, conhecidas por “mocambos”. (COCCO e SOUZA, 2012. p.14)
A utilização de gelosias no Brasil com a função de proteger a casa e isolar as mulheres da aristocracia foi objeto de estranhamento por parte de estrangeiros que visitavam o país já que as mulheres de classe mais abastada nunca eram vistas, pois ficavam praticamente confinadas aos palacetes. Nas residências mais pobres, as urupemas faziam as vezes das gelosias, filtrando a luz e sujeira das ruas permitindo a troca de ar. A utilização desses elementos vazados (muxarabis, treliças e urupemas) como elemento de composição na arquitetura, além do conforto térmico, propiciava a criação de limites difusos entre os planos, garantindo a privacidade da edificação ao tempo em que mantinham o ambiente semiaberto, brincando com opostos complementares no espaço arquitetônico: público x privado, luz x sombra, fechado x aberto. 34
Essa dualidade alcançada por meio da utilização de elementos vazados é característica da arquitetura árabe com a utilização dos muxarabis ou treliças. Além do aspecto estético, propiciado por suas intricadas tramas, no contexto árabe, as aberturas tinham também uma função social já que permitiam que as mulheres pudessem enxergar a rua sem que fossem vistas pelos passantes.
Figura 2 – Rótula, Abertura à inglesa, Janela de guilhotina Disponível em https://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2010/09/06/tecnicasconstrutivas-do-periodo-colonial-iii/
No brasil, as casas mais pobres utilizavam as urupemas, treliças de palha nas janelas a fim de minimizar a entrada de poeira das ruas nas habitações. Para a corte portuguesa elas representavam o perigo oculto que a população desconhecida
35
representava 4. Joaquim Manuel de Macedo, no livro Memórias da Rua do Ouvidor, descreve o casario naquela época como: Em vez de verdadeiros balcões tinham os sobrados engradamentos de madeira de maior ou menor altura, e com gelosias abrindo para a rua; nos mais severos, porém, ou de mais pureza de costumes, as grades de madeira eram completas, estendendo-se além da frente pelos dois extremos laterais e pela parte superior, onde atingiam a altura dos próprios sobrados, que assim tomavam feição de cadeias. Também nessas grandes rótulas ou engradamentos se observavam as gelosias, e rentes com o assoalho pequenos postigos, pelos quais as senhoras e escravas, debruçando-se, podiam ver, sem que fossem facilmente vistas, o que se passava nas ruas. As rótulas e gelosias não eram cadeias confessas, positivas, mas eram pelo aspecto e pelo seu destino grandes gaiolas, onde os pais e maridos zelavam sonegadas à sociedade as filhas e as esposas. (MACEDO, 2005, p.91)
Com a vinda da família real e abertura dos portos, chega também ao Brasil novos materiais construtivos, a começar pelo vidro. Com ela também veio um sopro de modernidade, da revolução industrial que estava acontecendo na Europa e que transformaria não só a forma de produção, mas que induziria mudanças profundas nas sociedades e também nas formas de habitar. Com a Corte no Rio de Janeiro,
4
“Hoje em dia existem muito poucos exemplares de muxarabis. A vinda da Corte portuguesa foi um golpe de morte para eles. Oficialmente alegava-se que o país devia perder os ares de colônia, e assimilar as novas tendências europeias, isto é, o Neoclassicismo, que não admitia a influência “espúria” da arquitetura árabe, mas somente a tradição greco-romana. Conta-se, entretanto, que o Príncipe Regente tinha medo de possíveis ataques contra ele e os membros da corte, ataques este que seriam camuflados pelas treliças. A verdade é que a operação iniciada com o intendente Paulo Fernandes Viana teve efeito devastador sobre os muxarabis. No Rio de Janeiro não restou nenhum”. (COLIN, 2011, p. 29)
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passamos de colônia a país e Don João “desejou, antes de tudo “civilizar” a cidade, expurgando-a das atrasadas construções arabizantes dos estreitos becos, providas de inaceitáveis rótulas, treliças, balcões e muxarabis de velhos tempos do isolamento da colônia às novidades do mundo” (LEMOS, 2010, pg. 46). Figura importante nessa história é o Desembargador Paulo Fernandes Viana, Intendente Geral da Polícia. A ordem recebida foi de “limpar’ a cidade, eliminar o que era considerado feio, sujo, atrasado, perigo. E o alvo principal foram os muxarabis, gelosias, urupemas e treliças das fachadas principais. Assim, logo em 1809 a Rua do Ouvidor; como todas as outras da cidade, melhorou muito o aspecto de suas casas, obedecendo ao edital de 11 de junho, mandado afixar pelo Intendente Geral da Polícia o Conselheiro Paulo Fernandes Viana, ordenando a abolição das rótulas e gelosias dos sobrados. (...) fulminou as rótulas e gelosias dos sobrados, costume quase bárbaro e de raiz mourisca.(...) A higiene, a arquitetura, o embelezamento das cidades exigia a destruição das malignas e feias gaiolas. E a Rua do Ouvidor devia ser pronta, como foi, em dar cumprimento ao edital de Paulo Fernandes, porque rótulas e gelosias destinadas a esconder à força o belo sexo deviam ser imediatamente banidas da rua que não tarde tinha de tornar-se por excelência de exposição diária de elegantes e honestíssimas senhoras. (MACEDO, 2005, p. 90 e 91)
37
2.2 O movimento higienista Como vimos a chegada da Família Real em 1808 impactou o morar urbano em relação ao nosso objeto de pesquisa: as aberturas nas fachadas, por meio do banimento dos muxarabis e urupemas. Já na metade do século, o higienismo iria transformar a relação das casas com a rua. Para além do domínio privado, existe a relação da casa com a cidade, que deve ser antes de tudo salubre. Por meio da compreensão de como foi reformulada essa relação da casa com a rua, dos afastamentos e criação de entradas de serviços, compreendemos porque em Brasília foi exigida a separação da circulação e as formas de ventilação das áreas de serviços. Com o desenvolvimento da economia do país, abolição da escravatura e levas de imigrantes europeus em busca de novas oportunidades, as cidades (principalmente Rio de Janeiro e São Paulo) passaram por um processo de crescimento e adensamento rápido e desordenado. A casa-corredor, sem espaçamento lateral ou frontal, encostada nos vizinhos com área de serviços e latrina no fundo do quintal era mal ventilada. Os cortiços, que aumentavam em tamanho e em quantidade rapidamente, eram espaços centrais de morar, porém extremamente precários e adensados. Epidemias de febre amarela e cólera, que assolavam as grandes cidades, agravaram a relação antagônica entre as elites e os moradores dessas habitações coletivas,
38
considerados os grandes culpados pela degeneração das condições sanitárias da cidade. Os primeiros registros de cortiços foram feitos por volta 1850 (Chalhoub, 1986) Os higienistas foram os primeiros a formular um discurso sobre as condições de vida no Rio de Janeiro, propondo intervenções para restaurar o equilíbrio do “organismo” urbano. E, entre os fatores condenados, estavam as habitações coletivas — aí incluídos seus habitantes e hábitos. (...). Essas habitações, caracterizadas como úmidas, sem ar e luz, eram taxadas de fermentadores e putrefatórios, sendo responsabilizadas pela liberação de “nuvens de miasma.” (SANTOS, 2006, p. 281).
Sob sua influência, começa-se a associar a pobreza à sujeira, doenças e outras mazelas. Já a limpeza, o belo e o salubre à elite. As questões higiênicas e de saúde pública tornam-se ainda mais preocupantes para as elites, pois, a população pobre, que nessa época habitava as áreas centrais do Rio de Janeiro e São Paulo, além de uma ameaça ao modo de viver dos grupos mais abastados, representava também o risco de contágio. Os médicos e os higienistas, baseados nas teorias que relacionavam a doença com o meio ambiente, propõem a medicalização do espaço e da sociedade, sugerindo normas de comportamento e de organização das cidades: localização mais adequada para os equipamentos urbanos; regras para a construção de habitações, hospitais, cemitérios, escolas, repartições públicas, praças, jardins, etc.; intervenção nos ambientes considerados doentios e mesmo migração temporária da população nas estações consideradas mais propensas às epidemias. Os tratados de higiene pública passam a sugerir normas para a construção das moradias. Através de sua análise podem-se acompanhar as medidas que, ao longo dos últimos dois séculos, vêm sendo implementadas no sentindo de garantir a salubridade urbana. Depois do século XIX, nenhuma intervenção urbana na sociedade ocidental foi feita sem levar em conta as doutrinas higienistas. (COSTA, 2013)
39
A
discussão
sobre
as
habitações populares coletivas no Rio de Janeiro inicia com uma preocupação
em
adequá-las
a
padrões higiênicos, passando pela proibição de sua construção em área centrais da cidade e culmina com a remoção dos cortiços. O mais célebre dos cortiços, o Cabeça de Porco (Figura 3), foi demolido por deliberação da Inspetoria Geral de Higiene, na gestão do Prefeito Barata Ribeiro, em 26
de
janeiro
de
1893.
(CHALHOUBE, 1986) 5. Com
o
movimento Figura 3 - Entrada do Cortiço Cabeça de Porco Foto disponível em
higienista, a casa brasileira passa a https://www.sul21.com.br/jornal/lembrando-oter intervenção direta do estado e os
cabeca-de-porco-em-tempos-de-pinheirinho/
projetos arquitetônicos passam a
5
A figura 4 mostra o Cortiço da Rua do Inválidos que tem o pátio tomado por roupas estendidas para secar. Anos depois (1960), em Brasília, o código de obras iria determinar o uso de elementos vazados a fim de que as pessoas não vissem as roupas estendidas.
40
incorporar essas preocupações. A casa higiênica precisa ser ventilada e iluminada, setorizada. As funções “limpas” deviam ser afastadas das sujeiras e “imundices”. As casa precisavam ter um afastamento adequa e as cidades modernizadas (ou embelezadas). 6 Nesse período, com o início da instalação das redes de abastecimento de água observou-se
a
necessidade
de
aproximar molhadas,
as
áreas
mudando
conformação
a
das
habitações ao trazer para perto das cozinhas, que Figura 4 roupas estendidas no Cortiço da Rua dos Inválidos Disponível em :http://heloisahmeirelles.blogspot.com.br/2012/09/valhacoutosde-desordeiros.html
6
ficavam na parte de trás das casas, os chuveiros e sanitários. 7
Sobre as políticas de embelezamento das cidades brasileiras ver Villaça, 1999. Antes da chegada da rede de abastecimento de água, era impensável colocar em um mesmo cômodo o local de banho e a latrina, consideradas funções opostas. (LEMOS 1989)
7
41
O "morar à francesa" pressupunha a divisão da moradia em três zonas distintas: a de estar e receber, a de repousar e a de serviço. Necessariamente deviase ir de uma para a outra, sem passar pela terceira. Esse critério de distribuição, já de início, exigia acesso direto da rua à área de serviço. (LEMOS, p.10) Essa conformação das habitações, divididas em área íntima, social e de serviços perdura até os tempos atuais com poucas alterações. Os padrões de salubridade das habitações, que começaram a ser pensados pelos higienistas, foram traduzidos nos códigos de obras e edificações de todas as cidades, que estabelecem padrões mínimos a serem seguidos. Uma das questões centrais dentre as exigências é a ventilação adequada dos ambientes. E é nesse ponto que retomamos a nossa história do cobogó.
42
3 - O COBOGÓ O cobogó “é um elemento vazado de estrutura modular, que se repete e cria uma espécie de invólucro, de membrana” (Entrevista com a Professora Luciana Saboya, 2013). São normalmente confeccionados em concreto, mas é possível encontrar também versões em cerâmica. O cobogó foi inspirado nos muxarabis da cultura islâmica (bastante usados no Brasil antes da chegada da família real no século XIX) e também nas construções vernaculares brasileiras, como veremos neste capítulo. Originalmente, COBOGÓ é o nome dos blocos vazados de concreto, patenteado em 1929 (Figura 17), a partir das iniciais dos nomes de seus criadores: o comerciante português Amadeu Oliveira Coimbra, o alemão Ernst August Boeckmann e o engenheiro pernambucano Antônio de Góes - CO-BO-GÓ, sócios de uma fábrica de tijolos que passou a produzir o elemento. Geralmente utilizado com a função de melhorar o conforto térmico nas habitações, (Figura 16), resguardar a privacidade (Figura 15) ou como elemento estético na composição de fachadas (Figura 9) e, em uma forma de uso mais atual, como detalhes de interiores (Figura 8). Os materiais e seus usos podem ser elementos importantes na reconstrução de um determinado período histórico/cultural. No contexto arquitetônico, por exemplo, o uso de tijolo pode ter significação diferente se analisarmos a função da alvenaria em uma construção medieval ou na arquitetura modernista. Ao conduzir 43
uma análise do uso do cobogó, desde a sua origem até a utilização na construção da capital, Brasília, procura-se identificar como diferentes contextos podem conferir significados diversos a um mesmo elemento construtivo. No caso específico, será analisado como ao longo do desenvolvimento do movimento modernista brasileiro, desde 1920 em Recife até a década de 70 em Brasília, sua forma de utilização passou de processo construtivo com intenção bioclimática da arquitetura vernacular, sobretudo nordestina a um elemento ícone do movimento modernista no país e, já na nova capital, como elemento definidor de hierarquia de espaços. Elemento constante nos projetos contemporâneos, o cobogó tem sido utilizado em projetos de arquitetura e de interiores em larga escala nos últimos anos. Além dos modelos tradicionais de concreto, é possível encontrar no mercado um número crescente deles em estrutura cerâmica esmaltada ou de terracota (Figura 5, Figura 6, Figura 7).
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Figura 5 - Cobogó de louça esmaltada Lótus – cerâmica martins
Figura 6 - Cobogo Craft 6 – da Portobello – https://www.portobello.com.br/produtos/
Figura 7 - Cobogó Raízes Linha Ideias Concretas de Ana Paula Castro
http://www.ceramicamartins.com.br/ cobogo-de-louca-lotus/
elemento-vazado-cobogo
http://arqsc.com.br/site/ana-paulacastro-cria-colecao-conceitual-decobogos/
Por meio da utilização dos cobogós, os projetos contemporâneos tiram partido da fluidez e ventilação dos ambientes, e de efeitos cênicos de iluminação permitidas pelo elemento. Além das evoluções de design e materiais, algumas empresas apostam ainda na utilização do material como elemento de absorção sonora. Com alto coeficiente de absorção, o cobogó com fibras de garrafa PET 8 traz
8
TRISOFT - Isolamento Térmico, Isolamento Acústico, Forro Acústico, Mantas e Fibras. Disponível em https://www.trisoft.com.br/trisoft-anuncia-volta-do-cobogo-como-tendencia-de-decoracao-e-tambemcomo-tratamento-acustico-dos-ambientes/
45
em si outro questão bastante contemporânea: a sustentabilidade em projetos de arquitetura. Mas nem sempre foi assim... O cobogó, desde a sua criação como elemento autônomo, foi utilizado de diversas maneiras a fim de expressar ideias diversas sobre o habitar e seus desafios.
Figura 8 - Projeto de interiores com o cobogó Raízes http://arqsc.com.br/site/ana-paula-castro-cria-colecao-conceitual-de-cobogos/
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Figura 9 - Fechamento em cobogó de cerâmica esmaltada – Projeto de Clara Reynaldo e Cecília Reichstul https://casa.abril.com.br/casas-apartamentos/casa-paulistana-cercadade-predios-tem-espaco-ate-para-o-jardim/#3
A quantidade de cobogós com diferentes designs e materiais que são 47
lançados anualmente demonstra que seu uso como elemento estético está bastante difundido (Figuras 6, 7 e 10) Durante o período modernista da arquitetura, mesmo com diversos
modelos
(como veremos no capítulo
sobre
os
cobogós de Brasília) não se tinha uma autoria
dos
desenhos,
que
se
repetiam em vários projetos.
Já
no
mercado atual temos cobogós vencedores de
prêmios
design,
de
como
por
exemplo, o caso do Cobogó Figura 10 - Cobogó de cimento de Arthur Casas Projeto do lounge na SP-Arte – Feira Internacional de Arte de São Paulo (2016) de José Marton do escritório Marton Estúdio – Cobogó vencedor da iF DESIGN AWARD 2017 http://www.solariumrevestimentos.com.br/blog/votu-cobogo-de-arthurcasas-para-solarium-revestimentos-recebe-o-if-design-award-2017/
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de
Arthur
Casas, vencedor da IF
Design
Award
2017 (Figura 10).
O cobogó, que após seu largo uso até a década de 70, entrou em um certo ostracismo arquitetônico nos anos 80, sendo resgatado recentemente como elemento símbolo do modernismo. E nesse processo de releitura (com novas formas, materiais e usos) observou-se um elemento (antes barato e acessível) se tornar caro e inacessível para grande parte de população. Em Brasília, ele foi bastante utilizado nas fachadas dos edifícios habitacionais do Plano Piloto nas décadas de 60 e 70, para então sair de cena nos anos 80, como demonstraremos no capítulo 5. Na década de 60 ele começa a ser bastante utilizado principalmente na fachada posterior dos edifícios em altura, onde ficavam as áreas molhadas. As cozinhas, os banheiros, área de serviços, por permitir uma grande aeração. E aí ele ficou caracterizado como uma fachada de fundo, que não tinha abertura direta para a paisagem. Cobogó passou a ser visto como um elemento pejorativo. Como se ele fosse o fundo da edificação e não a frente e muitas pessoas passaram a criticar e deixar de usar o cobogó nas edificações. E agora o cobogó entra como representação cultural, não só de uma estética do movimento moderno, mas como um elemento que é extremamente sustentável. Você permite a aeração, ventilação, sem qualquer tipo de ar condicionado ou sistema mecanizado. Então ele volta agora com bastante força na arquitetura contemporânea. (Entrevista da Professora Patrícia Saboya, 2013)
Em Brasília (no Plano Piloto) ele está associado à fachada secundária dos edifícios residenciais. É ele que esconde a área de serviço e o “quartinho de empregada” 9, esconde o que não quer ser mostrado. É ele que delimita os fundos e
9
O “quartinho de empregada”, resultado de uma arquitetura de exclusão, compõe a planta básica dos primeiros edifícios residências de Brasília. Retornaremos à configuração das plantas residenciais no capítulo 4.
49
estabelece hierarquia entre as fachadas nos primeiros edifícios residenciais da cidade. Ele está presente nas “casinhas de gás”, na ventilação dos subsolos. Enfim, tudo o que não é nobre, que precisa ser tirado de vista. Não é de se estranhar que por muito tempo foi classificado como feio, sujo, grade e casa de pombo por parcela da população da cidade. Mas as crianças, que olhavam as áreas verdes por suas aberturas, que brincavam com a luz, sons e cheiros que passavam por ele, que enxergavam nas estruturas modulares mini apartamentos para suas “fofoletes 10” e garagens para seus carrinhos, cresceram. E essa memória afetiva contribuiu para a resignificar, novamente, o cobogó, releitura que extrapola até mesmo o campo semântico arquitetônico, tendo releituras diversas como velas (Figura 13) e joias (Figura 12). Outro exemplo de utilização dos cobogós como identidade de Brasília é a sua utilização pelo Coletivo MOB – Movimento Ocupe seu Bairro, de Brasília, que tem por objetivo resgatar a consciência coletiva, ocupar e cuidar dos espaços públicos. O Coletivo utiliza vários modelos de cobogós encontrados em Brasília a fim de ilustrar as suas publicações (Figura 11).
10
Fofoletes eram bonequinhas minúsculas que vinham em caixinhas de fósforos, muito comum nos anos 80.
50
Figura 11 - Coletivo MOB - manual de ocupação de Brasília Print do site: http://www.coletivomob.com/manual-de-ocupacao-de-brasilia
51
Figura 13 - Velas perfumadas da Sao Casa
Brasilienses
passaram
a
ostentar orgulhosamente pingentes de ouro branco em diversos modelos de cobogó (Figura 12) como símbolo de uma identidade local forjada ao longo dos anos. Também viram ele retornar com novas cores, formatos e texturas e quiserem incorporá-lo em seus projetos. De objeto desprezado virou um item de luxo. Mas essa mudança não ocorreu Figura 12 - Pingente de prata – coleção cobogó de Cláudia Casaccia
52
repentinamente, aconteceu ao longo do tempo.
Nosso objetivo é compreender porque o cobogó foi utilizado em praticamente todas as edificações de habitações coletivas do Plano Piloto de Brasília em um determinado período. Para melhor compreender a trajetória do elemento, a investigação sobre o cobogó perpassa a importante etapa de localização de sua criação no espaço-tempo. Na próxima seção apresentaremos a sua origem oficial como elemento patenteado e o contextualizaremos no período modernista da arquitetura brasileira, por meio de análise de alguns projetos. O cobogó, como elemento autônomo, não apenas nasce no período modernista, ele é totalmente incorporado pelo movimento modernista e expressa uma característica marcadamente brasileira aos projetos (ver seção 3.2). Na busca de uma identidade nacional para a nossa expressão modernista, arquitetos daquele período o utilizaram de maneiras diversas, comunicando cada um a seu jeito, diferentes ideias. Nosso objetivo é levantar a maior variedade de usos para o cobogó e identificando alguns denominadores comuns nos projetos. A fim de ilustrar esse “passeio” do cobogó pelo país até aportar em Brasília, classificamos essas análises por cidades. A proposta de acompanhar a trajetória do cobogó desde o seu “nascimento” até a construção de Brasília é a de percorrer um recorte temporal. Nosso objeto de pesquisa leva-nos a entender (mesmo que por um pequeno viés) aquele momento específico da história de Brasília e como ela se comporta no contexto do modernismo. O Cobogó passeou por todo o Brasil e como os vários migrantes que aportaram na 53
cidade naqueles primeiros anos, se vestiu de candango 11, para construir a nova capital do país.
3.1 - A origem do cobogó como elemento autônomo
Na região nordeste, de clima predominantemente quente e úmido, a arquitetura vernacular encontrou como solução para garantir a ventilação permanente e também áreas sombreadas a utilização de elementos vazados em muros e paredes. O jogo de cheios e vazios era conseguido com a utilização do tijolo de oito furos (com os furos voltados para as faces da parede) ou com a colocação irregular de tijolos formando uma trama (Figura 14, Figura 15 e Figura 16). No início, o cobogó era um tijolo em concreto com oito furos que, ao compor uma parede, poderia ficar vazado ou receber preenchimento com argamassa. O elemento vazado proporcionava ao ambiente a entrada da luz sem o uso de esquadrias. Era uma maneira de construir de forma bem barata. (BORBA, 2016, p.1)
11 De acordo com o Dicionário Michaelis, candango é “Nome com que os africanos designavam os portugueses. Tipo desprezível, vicioso; mequetrefe. Trabalhador braçal vindo de fora da região. Nome com que se designam os trabalhadores comuns que colaboraram na construção de Brasília: “[…] durante a construção de Brasília, e com o fotógrafo Jáder Neves, eram candangos que tinham acesso direto e imediato ao presidente da República” (CA).
54
Figura 14 - Construção local em Barra de São Miguel, litoral sul de Alagoas (2018). Autora: Patrícia Melasso Garcia
55
Figura 15 - Muro de casa com tijolo furado
Figura 16 – Detalhe de parede de tijolos entrelaçados Autor: Carlos Berdejo Mandujano.
Disponível em https://www.archdaily.com.br/br/01121437/casa-para-pau-and-rocio-slash-arnau-tinenaarchitecture
Disponível em https://www.archdaily.com.br/br/801274/residencia-tadeoapaloosa-estudio-de-arquitectura-ydiseno/5733cbcde58ece9b08000013-tadeo-houseapaloosa-estudio-de-arquitectura-y-diseno-photo
Em 1929, os sócios Amadeu Oliveira Coimbra, Ernst August Boeckmann e Antônio de Góes, percebendo a utilização de elementos vazados tanto com funções climáticas quanto estéticas, conceberam e patentearam um “simples elemento préfabricado, próprio a ser construído em série, baseado na vazadura de uma retícula
56
modular
sobre
uma
placa
prismática de concreto (Figura 17). Na prática, se utilizado como elemento septos
de
composição
verticais,
permitiria
de a
passagem da ventilação natural, ao mesmo tempo em que reduziria a incidência da luz solar, fatores adequados
para
projetos
em
lugares de clima quente e úmido” (RODRIGUES,
2012,
pg.
5).
Batizaram o elemento com o nome de COBOGÓ, as iniciais dos sobrenomes dos sócios. Com a industrialização, a
produção
de
elementos
construtivos no Brasil, como o cobogó,
ganha
escala,
propiciando que a solução fique Figura 17 - microfilmagem da patente do desenho do Cobogó – 1929. Acervo do INPI Fonte: RODRIGUES, 2012, p. 24
57
mais econômica e ágil. “O primeiro cobogó
servia
para
paredes
dobradas, sendo concebido, um ano após, outro bloco liso e mais largo para paredes singelas, cujos cálculos foram executados por Antônio de Góis, então professor da Escola de Engenharia’”. (MARQUES; NASLAVSKY, 2011).
Figura 18 - Reservatório D’água de Olinda – Luís Nunes (1936) Projeto: Luís Nunes. Fotografia de Leonardo Finotti. Disponível em: http://www.leonardofinotti.com/projects/filter/build_date/1936
58
O registro da patente e a produção industrial do cobogó (ou combogó, como alguns o chamam), coincidem com a ascensão do movimento modernista no Brasil e a sua busca por materiais produzidos em escala que pudessem se tornar uma opção econômica e estética aos arquitetos do “novo tempo”. Além dessas vantagens, o cobogó propiciava também ventilação permanente com redução do custo da obra já torna desnecessário o uso de esquadrias e reduz o peso na estrutura. Somado às questões funcionais, esteticamente ele se encaixar perfeitamente em uma das máximas modernista: mostrar a verdade dos materiais.
Figura 19 - Interior do Reservatório D´água de Olinda https://medium.com/@ElyziaRodrigues/cobog%C3%B3-100-brasileiroa4311788330a
59
E foi justamente em Pernambuco, estado de sua criação, que encontramos o primeiro projeto de referência a utilizar o cobogó. O arquiteto Luís Nunes, expoente da arquitetura modernista da época, o utilizou no projeto Reservatório d’Água de Olinda, de 1936 (Figura 188). Além de marco dessa arquitetura no estado, o projeto inova ao utilizar a parede, a princípio de vedação, com uma nova concepção funcional, como um grande quebra-sol ou brise-soleil. (MARQUES; NASLAVSKY, 2011) O projeto de Nunes, um edifício de 25 metros de altura 12 com pilotis, utiliza o elemento nas duas fachadas principais, no lugar da tradicional parede (Figura 18), protegendo as escadas (Figura 19) que levam ao reservatório propriamente dito. A estética do edifício é bastante semelhante à dos primeiros edifícios de Brasília, edifício em lâmina, com seis pavimentos, apoiado sob pilotis que deveria ser franqueado para uso público, duas fachadas principais e duas empenas (Figura 56 - SQS 108. Blocos D, H e C - Fachadas com alta incidência de cobogós). A solução adotada, de vedar com cobogós as duas fachadas, permite a ventilação tão necessária em cidades úmidas sem abrir mão de aspectos compositivos. Porém, para Marques e NASLAVSKY (2011) a solução visa atender tão somente a questões estéticas e não necessariamente bioclimáticas. [...] a utilização do cobogó não se justifica por razões climáticas. As razões de sua utilização tampouco são apenas lógicas, mas sobretudo compositivas. Teria Nunes de forma consciente a compreensão do cobogó como um 12
Altura considerável à época, sobretudo por sua localização, no alto de uma colina. O pilotis foi pensado para ser utilizado em festas populares.
60
elemento pele, um dos componentes essenciais da teoria de Gottfried Semper? (MARQUES e NASLAVSKY, 2011, p.1)
Ainda Pernambuco,
em
modernidade
lança
em Recife, um
a véu
sobre o passado 13, quando o arquiteto Delfim Amorim projeta uma segunda fachada inteira de cobogós na década de 60 para o edifício
Luciano
Costa
construído nos idos de 1910 Figura 20 - Edifícios Luciano Costa em 1919. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco, Recife.
(Figura 21 e Figura 20). O
13
“Além de ser constituída por um material ícone da originalidade da modernidade brasileira, a fachada do edifício Luciano Costa foi, ainda, projetada pelo arquiteto Delfim Amorim, um dos pioneiros, e das mais importantes personagens, na história de consolidação de uma cultura arquitetônica modernista na cidade do Recife. Visto, por uns, como símbolo da importante reforma urbanística da década de 1910; por outros, como símbolo da Arquitetura Moderna com a assinatura de Delfim Amorim; ou, ainda, como testemunho da relação entre modernismo e ecletismo, esse edifício será alvo, no final da década de 1990, de uma grande polêmica preservacionista, iniciada no momento em que os proprietários solicitam uma autorização institucional para retirar a fachada modernista.
61
elemento funciona como uma casca ou elemento pele, mantendo a fachada original “preservada”. Delfim Amorim construiu ainda dezenas de casas e edifícios com composições de cobogós a fim de garantir a circulação contínua do ar. A fim de reduzir custos de obra, optaram pelo uso em larga escala de cobogós cerâmicos, como os que foram utilizados por Lúcio Costa no Parque Guinle.
Figura 21 - Edifícios Luciano Costa em 2001 O emprego dos cobogós cerâmicos naturais se converteram em uma constante em projetos de edifícios em altura, sendo usado como fechamentos de grandes fachadas por Borsoi nos edifícios União (1953) e Caetés (1955): por Amorim, no edifício Pirapama (1958); por Waldeci Pinto no edifício Valfrido Antunes (1958); por Joaquim Rodrigues no edifício Holiday (1957), entre outros. (...) O sistema construtivo dos cobogós foi evoluindo nas décadas posteriores, sendo elaborados uns desenhos exclusivos para determinadas obras, como por exemplo, para o edifício Santo Antonio, 1963, projetado por Borsoi, no qual se criaram elementos em concreto encaixados, responsáveis pela composição de toda a fachada do edifício. (COSTA, 2012, p.1)
O prédio, que teria recebido a alcunha popular de "véu de noiva", provavelmente em referência ao rendilhado dos cobogós, a encobrir o "rosto" do prédio, perderia seu "véu" modernista em 2006”. (CABRAL, 2010. Pagina 1)
62
Com a utilização na arquitetura pernambucana modernista, o cobogó passa então a ter proeminência internacional, sendo considerado um elemento modernista tipicamente brasileiro, mitigador de questões climáticas. O Reservatório d’água, de Luís Nunes, fez parte da mostra Brazil Builds (1943), onde foi salientado seu aspecto funcional, que representaria a solução da nossa arquitetura modernista para questões locais como intensa luminosa e necessidade de ventilação. Na exposição Brazil Builds organizada por Philip Goodwin e G.E. Kidder Smith, fotógrafo e arquiteto, no Museu de Arte Moderna de Nova York, que, em 1943, lança a arquitetura brasileira para o mundo, o Pavilhão de Verificação de Óbitos e o Reservatório d’Água de Olinda figuravam. Mas, o destaque foi dado ao cobogó, invenção pernambucana, evidenciado como representativo de nossa solução para a intensa luminosidade e a necessidade de ventilação. (MARQUES; NASLAVSKY, 2011, p.1)
3.2 De Pernambuco para o mundo
Se em Pernambuco o cobogó era, primariamente, utilizado como uma alternativa construtiva para a solução de problemas climáticos como alta umidade e luminosidade, seria possível afirmar que a sua larga utilização por arquitetos modernistas no Brasil (e também fora dele) seja consequência dos mesmos desafios de projeto? Para responder a essa pergunta, apresentamos analisamos a utilização do cobogó por alguns arquitetos modernistas desde o início da sua produção industrial até a construção de Brasília. 63
Sobre a utilização desses elementos pela arquitetura modernista brasileira, Alcília Costa (2012) faz referência ao cobogó como uma alternativa construtiva visando solucionar problemas climáticos pelos arquitetos pesquisados. O uso dos elementos vazados pelos arquitetos permitiu a adoção de partidos modernistas sem que isso interferisse nas questões de conforto e adequação ao local. Este ponto foi um dos que mais atenção recebeu dos arquitetos estudados, que detalharam soluções construtivas, e analisaram os melhores tipos e materiais locais disponíveis que possibilitassem a substituição dos grandes painéis de vidro usados pela arquitetura moderna internacional, pois era impossível conceber um fechamento deste tipo para a realidade local, uma vez, que o emprego de esquadrias de vidro não permitia a circulação constante do ar nos ambientes do edifício, além do problema do controle do alto índice de luminosidade natural existente. Como esclarecimento, vale destacar que os fechamentos característicos desta produção foram divididos em dois grupos: os fechamentos móveis (janelas e portas), e os fixos (brises em concreto armado, buzinotes, cobogós cerâmicos, vitrificados ou de concreto, parapeitos ventilados). (COSTA, 2012, p.1).
Lúcio Costa, um dos arquitetos que introduz o modernismo no Brasil utiliza o cobogó em importantes projetos, como nos edifícios do Parque Guinle (Figura 25) que será mais explorado na Seção 3.2.1. Teóricos como BRUAND (1979) consideram que Lúcio Costa foi um dos principais arquitetos modernistas a teorizar sobre como a arquitetura moderna poderia tirar proveito de técnicas construtivas vernaculares, como o uso de cobogós, enriquecendo o nosso repertório modernista. “Seduzido pelo caráter perfeitamente funcional e lógico da arquitetura civil daquela época, julgou que 64
certos procedimentos então utilizados, podiam ser adaptados às construções atuais.” (BRUAND, 1979, p.15. Apud COSTA, 2012) Wisnik, considera que o arquiteto “é sabidamente o inventor do elo teórico que permitiu vincular a sobriedade e o despojamento da arquitetura moderna internacional à tradição popular da arquitetura luso-brasileira, desativada e pobre”. (WISNIK apud COSTA, 2012). Dessa forma, como o nosso objetivo é analisar o cobogó nas fachadas por Lúcio Costa, e por outros modernistas, é necessário antes analisar o construto teórico do arquiteto urbanista, sobretudo como “A Parede”, para ele, se insere nessa Nova Arquitetura. Para Lúcio Costa, era possível pensar em dois momentos claros da arquitetura, no primeiro, o arquiteto sujeitava o seu “gênio” a processos construtivos seculares e no
segundo,
quando
surge
o
modernismo, ocorre o rompimento desses princípios em razão da industrialização
e
de
novas
tecnologias construtivas. As novas Figura 22 Auditorium Build - Adler e Sullivan (1889) http://www.auditoriumtheatre.org/the-nationallandmark-building-history/origins-and-stats/
65
tecnologias
para
produção
de
elementos estruturais como o aço e o concreto armado e o desenvolvimento dos meios de produção de materiais de construção deveriam resultar em diferenças entre a nova arquitetura e as anteriores quanto ao sentido e à forma. Lúcio Costa acreditava que a grande
oportunidade
da
arquitetura
moderna vem da liberdade das paredes. Livres da função estrutural que exerciam tornaram-se a tela em que o artista pode se expressar. Para ele, um dos grandes erros do modernismo americano da época foi justamente ignorar a beleza das estruturas (ver Figuras 23 e 24) “o exemplo
dos
EUA
–
onde,
num
respeitoso tributo à Arte, as estruturas Figura 23 - Interior do Auditorium Build - Adler e Sullivan (1889)
mais
puras
religiosamente
deste
mundo
recobertas,
de
são https://coisasdaarquitetura.wordpress.com/201 cima
0/06/16/escola-de-chicago/
abaixo, de todos os detritos do passado – é típico” (COSTA, 2003, p.44) A nova técnica reclama a revisão dos valores plásticos tradicionais. O que caracteriza e, de certo modo, comanda a transformação radical de todos os antigos processos de construção – é a ossatura independente. Em todas as arquiteturas passadas, as paredes – de cima abaixo do edifício cada vez mais espessas até se esparramarem solidamente ancoradas ao solo – desempenharam função capital: formavam a própria estrutura, o verdadeiro
66
suporte de toda a fábrica. Um milagre veio, porém, libertá-las dessa carga secular. A revolução, imposta pela nova técnica, conferiu outra hierarquia aos elementos da construção, destituindo as paredes do pesado encargo que lhes fora sempre atribuído [...]. A nova função que lhes foi confiada – de simples vedação – oferece, sem os mesmos riscos e preocupações – outras comodidades. (COSTA, 2003, p.44)
Cabe ainda ressaltar que para o arquiteto, a despeito da “liberdade das paredes”, questões de conforto ambiental não deveriam ser ignoradas em virtude de escolhas estéticas ou facilidades construtivas. “Assim, aquilo que foi – invariavelmente – uma espessa muralha durante várias dezenas de séculos, pôde, em algumas dezenas de anos, graças à nova técnica, transformar-se (quando convenientemente orientada, bem entendido: sul no nosso caso) em uma simples lâmina de cristal”. (COSTA, 2003, p.45) (Grifo meu). Assim, a liberdade estrutural não pressupõe liberdade formal absoluta já que outras questões precisam ser consideradas, como adequação ao clima ou estabelecimento de relações entre os espaços. Baseados nas considerações de Lúcio Costa para uma nova arquitetura é possível inferir que a utilização dos cobogós no Parque Guinle insere-se no contexto de “parede-tela”, ela não é estrutural, tem a função de comunicar algo. Na próxima seção analisaremos como o cobogó, nas paredes das fachadas, comunicam ideias da arquitetura modernista de Lúcio Costa e outros arquitetos.
67
3.2.1 O Cobogó no Rio de Janeiro
Lúcio Costa utilizou o cobogó em importantes projetos de sua autoria como Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, em 1939 (Figura 24). Nos anos 40 ele o utiliza em grande parte da fachada do residencial Parque Guinle (Figura 25), edifício que viria a influenciar a arquitetura residencial do Plano Piloto de Brasília na década de 60.
Figura 24 - Pavilhão do Brasil em NY. Lúcio Costa e Oscar Niemeyer (1939) Acervo do Estadão
68
Figura 25 - Ed. Parque Ginle. Lúcio Costa (1948-54) http://napracinha.com.br/2014/10/passeio-no-rio-de-janeiro-parque/
Nos edifícios do Parque Guinle são utilizados diferentes modelos de cobogós, que Lúcio Costa chama de “umas cerâmicas vazadas”, que em alguns trechos emoldura aberturas semelhantes a janelas, porém sem caixilhos ou vidros,
69
permitindo, dessa forma uma maior interação com o exterior. Entre a parede e o apartamento surge uma pequena varanda (Figura 27) Eram prédios orientados para o sol, para o poente. Então se impunha uma estrutura que funcionasse como quebra-sol, que amortecesse a insolação. Criei assim umas varandas, uma espécie de loggia com toda a fachada, em toda a extensão dos apartamentos para que se pudesse ter uma cortina protetora, aplicando cerâmica vazada. (COSTA, Lúcio “Encontros” p. 65, apud SOLOT 2011, p. 83)
Figura 26 - Fundos - Ed. Parque Ginle. Lúcio Costa (1948-54) http://napracinha.com.br/2014/10/passeio-no-rio-de-janeiro-parque/
70
Ao contrário do projeto da Caixa D’água de Nunes (Figura 18), que utiliza o elemento como único fechamento e estabelecendo limites definidos com o exterior, no projeto do Parque Guinle, o fechamento propriamente dito (nessa fachada) dos apartamentos é dado pelo pano de
vidro
que
fica
atrás
dos
elementos vazados (Figura 27). “Nos
avarandados
semiabertos
pelos elementos vazados, a função do
muxarabi 14
das
moradias
coloniais prevalece. Desde dentro, a visão da paisagem é plena, porém, de fora, a privacidade é preservada” (SOLOT, 2011, p. 87) Figura 27 - Interior do Parque Guinle – Lúcio Costa (1943)
Importante
observar,
para futura analise, que o cobogó,
Fotos de Nelson Kon (disponíveis em: http://www.archdaily.com.br/br/01-14549/classicos-da-arquiteturaparque-eduardo-guinle-lucio-costa
14
Ver Figura 1 – Fechamentos em muxarabis, rótulas e gelosias. e Figura 2 – Rótula, Abertura à inglesa, Janela de guilhotina
71
não aparece aqui como signo, não estabelece uma hierarquia no projeto de Lúcio Costa, e sim com a dupla função de prover conforto climático - ao filtrar o sol - e estética ao criar diferentes composições na fachada, bem como o jogo de luz e sombra no interior dos apartamentos 15. Ele cria um espaço intermediário entre o público e o privado. Ao analisar a arquitetura modernista carioca, Luís Henrique Haas Luccas discute a lógica do espaço intermediário 16, que no projeto do Parque Guinle foi conquistado por meio do uso do cobogó na fachada, “O espaço intermediário, espécie de ‘colchão de ar’ entre interior e ambiente natural, migrou para o apartamento carioca, a partir da densificação e verticalização da cidade nas primeiras décadas do século XX”. (LUCCAS, 2006, p.1). Ao utilizar o cobogó para conseguir a transparência velada e sensual da escola carioca no Parque Guinle, Lúcio Costa realiza a síntese entre o uso do elemento vazado nordestino (com função climática) com o resultado da dicotomia dos muxarabis (com seus opostos privado x público e luz x sombra). 15
Para uma análise minuciosa dos edifícios do Parque Ginle ver a tese de doutorado de Denise C. Solot (2011) capítulo “Os Cobogós de Lúcio Costa: a cena brasileira no detalhe” 16 Sobre a organização do espaço arquitetônico, Francis Ching (2005) explica que “A adjacência é o tipo mais comum de relação entre dois espaços de uma edificação. Ela permite que cada espaço seja claramente definido e responda à sua maneira às exigências funcionais e simbólicas específicas. O grau de continuidade visual e espacial que ocorre entre os dois espaços adjacentes depende da natureza do plano que ao mesmo tempo os separa e conecta”. (pag. 130) “O espaço intermediário pode diferir em forma e orientação em relação a outros dois espaços, a fim de expressar a sua função como conector”(pag. 132) (grifo meu). No caso do Parque Guinle a adjacência entre o espaço da rua e o espaço doméstico é suavizada pelo uso de um espaço intermediário formado pela pele de cobogós criada por Lúcio Costa.
72
O “axioma da transparência” (LUCCAS, 2006, p.1) alcançado por meio da mesma solução arquitetônica pode ser observado no Conjunto habitacional Pedregulho (1947-52), de Affonso Reidy (Figura 28). Nesse projeto, a parede de cobogó com aberturas em formato de janelas preserva a rua interna do complexo (Figura 29), criando um espaço público, porém intimista.
Figura 28 - Complexo do Pedregulho - Affonso Reydi (1947) Disponível em em https://www.archdaily.com.br/br/01-12832/classicos-da-arquitetura-conjunto-residencial-prefeitomendes-de-moraes-pedregulho-affonso-eduardo-reidy
73
Importante observar que a utilização dos cobogós no Pedregulho e no Parque Guinle compartilham um aspecto plástico, formal. Entretanto, enquanto no projeto de Lúcio Costa, para além da plástica, observa-se uma preocupação
em
utilizá-lo
como
elemento de conforto bioclimático, no Pedregulho ele serve para aspectos compositivos,
dissociado
de
uma
preocupação com a proteção solar.
Figura 29 - Rua interna do Pedregulho. Autor: Pedro Vannucchi
Um exame das fachadas oestes do Parque Guinle de Lúcio Costa [...] – a partir do entendimento interno da planta, percebe-se que a composição combinatória de cobogós e brises verticais, que alterna de modo aparentemente livre e diversificado, segue, no entanto, a lógica de orientações do sol poente de modelo equivalente para ambientes internos. Todas as esquadrias envidraçadas são recuadas do plano das fachadas através das varandinhas inteiramente recobertas por cobogós – no caso das salas – ou parcialmente recobertas por brises verticais – estes últimos sempre localizados nos dormitórios. Já para o sinuoso bloco principal do Pedregulho, o jogo de alternância linear, em alguns pavimentos são recuados por avarandados – as galerias comuns de circulação – parcialmente protegidas pelos cobogós, enquanto em outros, as janelas são instaladas diretamente no plano da fachada, não pressupõe a uniformidade de cuidados climáticos para todos os ambientes da edificação. A própria opção do perímetro irregular curvo do prédio já suscita proteções diferenciadas em um mesmo pavimento. (SOLOT, 2011, p. 104)
74
Oscar Niemeyer também experimenta o uso do cobogó (associado a brises) ao criar com o elemento a parede de uma das fachadas do Hospital SulAmérica em 1955 (Figura 30). O edifício é apoiado em pilotis, tem uma das fachadas vedada por panos de vidro pintados em sua poção inferior (Figura 31) e detalhes em azulejos decorados em parte das áreas fechadas dos pilotis.
Figura 30 - Hospital Sul-América, atual Hospital da Lagoa - Oscar Niemeyer (1955). Autor: Guckemal
75
Futuramente, nos edifícios residências de Brasília, essa composição de corredores de acesso vedados por paredes de cobogós será empregada em larga escala (Figura 42) por Niemeyer, que define o esquema básico das plantas dos edifícios residenciais do Plano Piloto.
Figura 31 - Hospital Sul-América, atual Hospital da Lagoa - Oscar Niemeyer (1955) Autor: JR Rodriguez Moreno (2017)
76
3.2.2 O Cobogó em São Paulo
De forma sutil, podemos observar uma mudança no uso do elemento na fachada do Edifício Eiffel (Figura 32) em relação ao Hospital Sul-América, ambos de Oscar Niemeyer. Nesse projeto os cobogós são utilizados na fachada principal, substituindo, em alguns trechos, a parede em composição com janelas de vidro. A fachada secundária, é praticamente uma parede cega com aberturas para as cozinhas e galerias (ESPALLARGAS, 2012, p. 1).
Figura 32 - Edifício Eiffel - Oscar Niemeyer (1953) Autora: Alessandra Guida
77
A forma como é feita a composição sinaliza que o elemento foi adotado mais por uma questão estética/formal ou até mesmo simbólica, que em razão de mitigação de problemas climáticos, já que as fachadas principais estão voltadas predominantemente para leste e possuem tratamentos diferentes, com princípios de conforto térmico diversos. Tais características fazem refletir sobre a consequente ruptura e a previsível superação moderna com respeito à convencional fachada e suas janelas. O edifício Eiffel é o que prescinde do brise-soleil. Com orientação predominante para o leste (...) O conjunto simétrico e composto por três fachadas intercala planos de esquadrias metálicas com elementos vazados e, dessa maneira, explicita unidades especiais. (SPALLARGAS, 2012, p.1)
Figura 33 - Edifício Eiffel, planta do pavimento social Queiroz, 2012
78
Para esse projeto foram feitas três plantas distintas para apartamentos duplex e tríplex. Em todas elas as áreas de serviços e sociais ocupam o mesmo pavimento,
na
parte
superior
das
unidades. As áreas sociais ocupam o piso inferior (Figura 33). Os das
diferentes
fachadas
fechamentos
correspondem
aos
ambientes internos. Há nesse projeto três Figura 34 - Edifício Eiffel - vedação dos cobogós. Autor: Alessandra Guida
composições para a fachada principal: fechamento total em cobogó, fechamento total em pano de vidro e uma composição
com cobogós nas parte inferior e vidro na parte superior que cobrem respectivamente as áreas de serviços (cozinha, lavanderia, dependência de empregada), quartos e áreas sociais. (QUEIROZ, 2012, p.1). Os cobogós também são utilizados na fachada posterior compondo parte das paredes do acesso vertical e corredores. Uma curiosidade desse projeto, citado por QUEIROZ (2012) é que os cobogós dos quartos são vedados por estruturas cilíndricas em vidro a fim de controlar
79
a entrada de vento. A mesma vedação foi encontrada nos corredores de acesso aos apartamentos (Figura 34). Em São Paulo, diferentemente do que fez na fachada de cobogó Rio de Janeiro 17 (Figura 31), Oscar Niemeyer optou por utilizar cobogós de concreto deixando-os em seu estado natural, sem pintura na fachada do Edifício Eiffel. Enquanto nos projetos de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Reidy no Rio de Janeiro, o cobogó
era
terracota ou colorido (Figura 29 e Figura 25),
associado
leveza, sensualidade,
à à os
arquitetos paulistas o
utilizaram
de
maneira mais crua, bruta. Na maioria das analisadas Figura 35 - Residência no Morumbi - Oswaldo Bratke (1951) Foto: Chico Albuquerque. Disponíveis em https://www.archdaily.com.br/br/01-172440/classicos-da-arquitetura-
17
No Rio eram cerâmicos
80
arquitetos
obras de como
Oswaldo Bratke, Rino Levi e Carlos Milan, ele é empregado em uma escala menor se comparado às obras cariocas, sobretudo em residências e aparentemente associado a ventilação e privacidade, sendo utilizado tanto em áreas sociais quanto de serviços (Figura 37 e Figura 35)
Figura 36 - Residência Paulo Hess - Rino Levi, Luis Carvalho franco, Roberto Cerqueira César (1955) http://piniweb.pini.com.br/construcao/arquitetura/residencias-em-sao-paulo-erelancada-240948-1.aspx
Emblemática no uso do cobogó em São Paulo é a casa do arquiteto Oswaldo Bratke (Figura 35). No projeto, ele alterna fachadas inteiramente vedadas por cobogós com varandas recuadas e paredes sólidas, todas muito austeras, 81
ortogonais, alternando cheios e vazios. A verdade dos materiais é ressaltada neste projeto onde o que é estrutura e o que não é fica bastante evidente Ainda na arquitetura paulista, as fachadas em cobogó associadas a pequenas esquadrias aparecem na sala de estar e alpendre da Residência Paulo
Figura 37 - Residência Antônio D'Elboux - Carlos Milan (1964) http://piniweb.pini.com.br/construcao/arquitetura/residencias-em-sao-paulo-e-relancada240948-1.aspx
Hess (1955) dos arquitetos Rino Levi, Luis Carvalho Franco e Roberto Cerqueira César (Figura 36). E na Residência Antônio D'Elboux (1964) de Carlos Milan (Figura 37), em um pequeno trecho da fachada voltada para a rua.
82
No mesmo período, mas na contramão dos arquitetos modernistas da época, encontramos a belíssima escada externa do Edifício Cinderela, no bairro de Higienópolis, São Paulo, do empreendedor João Artacho Jurado (Figura 38) cujo corpo em formato cilíndrico é todo vedado por cobogós pintados de azul. Aqui o cobogó tem um desenho circular em uma parede curva, formando um desenho orgânico
Figura 38 - Escada do Ed. Cinderela – Empreendimento de João Artacho Jurado (1956) Autor: Zeca Wittner/Estadão. Disponível em http://infograficos.estadao.com.br/galerias/gerar/8333
83
Os edifícios de Jurado são extremamente ornamentados e tinham como público alvo a classe média e média alta que, em geral, àquela época, associava os edifícios de apartamentos aos cortiços (BELIK e CARMAGNANI, 2013, p.1). Entre as estratégias adotadas pelo empreendedor para atrair esse público estavam a decisão de copiar a estética dos palacetes e separar a entrada social da de serviços, a criação da dependência de empregados, além de garagem subterrânea e espaços coletivos de lazer.
3.2.3 O cobogó na Serra do Navio
Em 1956, Oswaldo Bratke retoma o uso dos cobogós na vila operária de mineradores de manganês na Serra do Navio, Amapá. No posto de saúde, o fechamento de várias fachadas são construídos inteiramente em cobogó (Figura 40). O elemento aparece também em muros e meias paredes fachadas (Figura 39). “Considerados os depoimentos, as casas de Bratke em Serra do Navio, além de inevitavelmente formalistas – caso seja aceito que a condição formal é consequência derradeira da arquitetura –, também parecem ser um sucesso do ponto de vista da adaptação e desempenho da arquitetura moderna nas condições da selva quente e úmida” (ESPALLARGAS, 2009).
84
Rachel de Queiroz visitou a cidade a convite da Icomi, empresa mineradora responsável pela construção da cidade e escreveu um texto que foi publicado na revista O Cruzeiro em 1965, parte dele transcrevo aqui: O que é a Icomi? A Icomi é um milagre dentro da região amazônica. Duas pequenas cidades que parecem o sonho de um urbanista lírico. Duzentos quilômetros de estrada de ferro. Um porto onde encostam transatlânticos. Nas cidades há escolas, hospital moderno, supermercado, clube, piscina e cinema. As casas dos operários são tão boas e bonitas que a gente fica pensando com melancolia naqueles arruados, tipo vila de conferência vicentina, que se constroem no Rio para abrigar favelados. Água, esgotos, telefones e o que mais é preciso para garantir o conforto moderno naquelas duas ilhas abertas no meio da mata. Você anda meio quilômetro para lá da Serra do Navio e já está dentro da floresta onde, quinze anos atrás, só tinha onça e algum bugre. E doença braba na água parada dos igapós. E quem paga tudo isso é a mina. (QUEIROZ, 1965 apud BRITO, 2005, p.17)
Figura 39 - Edificação na Vila Serra do Navio – Oswaldo Bratke (1956) Autor: Nelson Khon - https://www.archdaily.com.br/br/772335/classicosda-arquitetura-vila-serra-do-navio-oswaldo-bratke
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Figura 40 - Posto de saúde na Vila Serra do Navio – Oswaldo Bratke (1956) Foto: Nelson Khon - https://www.archdaily.com.br/br/772335/classicos-da-arquitetura-vila-serrado-navio-oswaldo-bratke
A Vila projetada por Oswaldo Bratke “localizada no município de Água Branca do Amapari, no Amapá - que viveu os áureos tempos da exploração do manganês, foi tombada como Patrimônio Cultural do Brasil, em abril de 2010. Durante 10 anos, o Iphan trabalhou na investigação histórica, com levantamentos fotográficos e arquitetônicos referentes à Vila, sua implantação, instalações e edificações, levando em consideração seus valores paisagísticos, históricos e artísticos”(Portal do Iphan 18)
18
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/108/
86
3.2.4 A Maison du Bresil
E foi Lúcio Costa, com seu cobogó carioca que divulgou o uso do material na França. A Maison du Bresil (Figura 41), Casa do Estudante Brasileiro na França,
Figura 41 - Maison du Bresil - Lúcio Costa e Le Corbusier (1959) Fonte: http://www.maisondubresil.org/pt-br/
87
foi inaugurada em 1959, com a concepção de Lúcio Costa e supervisão de Le Corbusier. Os apartamentos são recuados e a meia parede que forma a varanda é toda composta por cobogós em concreto em composição com as cores vibrantes da alvenaria. Aqui o cobogó parece ter sido utilizado como elemento estético, representante da arquitetura brasileira e não com a função de ventilação ou proteção ao sol. Do ponto de vista simbólico esse projeto é extremamente significativo em relação ao uso dos cobogós por diversos aspectos. Primeiro, trata-se da casa do Brasil. Ou seja, visa representar a forma de morar dos brasileiros. Segundo, foi elaborado por Lúcio Costa, que já havia feito uso dos cobogós no Parque Guinle (Figura 25), conjunto de edifícios que futuramente iriam influenciar a arquitetura das superquadras. Terceiro, ele assume papel de protagonista nessa fachada, representando a arquitetura brasileira no exterior. Justamente na fachada que é comunicação entre o espaço privado com o público.
88
4 - O COBOGÓ DE BRASÍLIA
Esses
valores
e
tradições,
“modernos” na forma, mas “antigos” em
conteúdo,
podem
ser
estabelecidos numa estética, mas adaptados às condições concretas do tempo e espaço de cada país e cultura
no
Ocidente.
(SOBRINHO,
2013, p. 222)
O objetivo inicial desta pesquisa era elucidar, como o cobogó – bloco vazado utilizado como fechamento de paredes - foi apropriado e interpretado pelos arquitetos modernistas brasileiros e como ele foi utilizado na composição das fachadas dos edifícios residenciais do Plano Piloto de Brasília. Nossa hipótese é de que, em Brasília, ele serve como elemento definidor das áreas de serviços, estabelecendo uma hierarquia entre as fachadas dos edifícios e corroborando com uma divisão segregacionista dos espaços domésticos. A proposta de acompanhar a trajetória do cobogó desde o seu “nascimento” até a construção de Brasília foi a de percorrer um recorte temporal. Nosso objeto de 89
pesquisa leva-nos a entender (mesmo que por um pequeno viés) aquele momento específico da história de Brasília e como ela se comporta no contexto do modernismo. O Cobogó passeou por todo o Brasil e como os vários migrantes que aportaram na cidade naqueles primeiros anos, se vestiu de candango para construir a nova capital do país. Vimos que o cobogó, que nasceu em Pernambuco, viajou pelo país compondo os mais diversos tipos de fachadas, servindo como elemento de conforto, compositivo e até mesmo como símbolo da identidade nacional. Para compreender o seu uso em Brasília, precisamos entender como a cidade foi criada. Sobretudo, compreender o processo de formação das superquadras desde a concepção por Lúcio Costa até a construção propriamente dita sob o comando de Oscar Niemeyer. Em relação à arquitetura dos edifícios, exploraremos como foi adotada a planta básica que serve como referências aos projetos para os apartamentos e a legislação que a regulamenta ao longo do tempo.
4.1 Os primeiros edifícios (1958 a 1968)
A transferência da capital para o interior do país era algo que já vinha sendo discutido e analisado há algumas décadas antes do que de fato ocorreu. Mas foi 90
Juscelino Kubitschek, cumprindo promessa de campanha, que fez com que o planejamento saísse do papel. Juscelino já havia trabalhado com Oscar Niemeyer no projeto da Pampulha em Belo Horizonte, 1940, e o convida para projetar os principais prédios públicos de Brasília. A construção da nova sede do governo central, para muitos era entendida – e continua sendo – como símbolo maior da modernização de um país que ansiava romper com seu passado colonialista e construir uma nova identidade nacional fundada no discurso renovador dos valores culturais trazidos pelos ventos da modernidade, que àquele momento bafejavam nossa elite intelectual. Constituiria o passado decisivo para o Brasil alterar o indesejável quadro sociopolítico arcaico e adentrar, com altivez, no mundo moderno. Na verdade, Brasília serio o coroamento de um período de grande efervescência cultural do país, onde arraigados hábitos e valores sociais foram revistos e alterados. (TAVARES, 2014, p. 9)
Em 1956 são lançadas as diretrizes para o edital que escolheria o plano urbanístico por meio de concurso organizado pelo IAB e pela Novacap 19. No plano para uma cidade de 500 mil habitantes deveria constar o lago Paranoá e levar em consideração as três construções prévias: o aeroporto, o Hotel Nacional e o Palácio Presidencial. O projeto modernista de Lúcio Costa é escolhido. “Em março de 1957, 19
“Elaborado em 1956, - por Israel Pinheiro, Ernesto Silva, Oscar Niemeyer, Raul Pena Firme e Roberto Lacombe - o edital caracterizou-se pela apresentação simplificada, exigüidade de informações técnicas, bem como pela quase ausência de especificações e exigências para a apresentação do projeto, fatos que geraram desconforto nas entidades envolvidas, fundamentalmente entre a NOVACAP – responsável pelo edital – e o IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) – entidade parceira na elaboração do Concurso. Desse conflito resultou a demissão de Oscar Niemeyer de sua função de vice presidente do IAB, como forma de lhe garantir maior autonomia nas decisões dentro da NOVACAP”. (TAVARES, 2007)
91
Costa propunha a um júri internacional. Vencedor entre os 26 concorrentes, o projeto mostra-se menos radical que muitas das propostas apresentadas. Com soluções conciliadoras e flexíveis formula um plano de simples leitura e fácil assimilação. Uma nova capital para o país” (TAVARES, 2007, p.5) Dessa forma, Oscar e Lúcio, que trabalharam juntos no projeto do Edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública no Rio de Janeiro, em 1937 e no Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York em 1939 retomam a parceria. Lúcio Costa organiza funcionalmente a cidade e cria o conceito de superquadras, áreas residenciais localizadas nas Asas Sul e Norte, separadas pelo Eixo Monumental. Para as superquadras, Lúcio Costa estabelece a criação de um cinturão verde, edifícios apoiados sob pilotis a fim de que houvesse permeabilidade visual, com a área do térreo liberada para uso público. Os edifícios teriam no máximo 6 andares, exceto nas quadras 400 que seriam de no máximo 3 pavimentos. A implantação seria livre nas superquadras, não seguiriam um arruamento. Aliás, de acordo com James Holston (1993) a palavra “rua” é cuidadosamente excluída do vocabulário de Lúcio Costa para Brasília. No Relatório do Plano Piloto, ele explica que “dentro dessas superquadras os blocos residenciais podem dispor-se de maneira mais variada, obedecendo, porém a dois princípios gerais: gabarito máximo uniforme, talvez seis pavimentos e o pilotis” (COSTA, 1957, p. 44). Esse arranjo dos prédios, com a implantação livre nas 92
superquadras, sem seguir a lógica da disposição em sequencial em ruas, exclui uma automática classificação de frente e fundo dos edifícios, que seria estabelecida em consequência das escolhas sobre a implantação da cidade. Niemeyer é quem, de fato, esteve à frente da construção da cidade na coordenação da Novacap. É ele quem define a planta básica dos edifícios com apartamentos vazados, divisão entre área privada, social e de serviços. A disposição dos prédios nas superquadras foi definida pelo departamento de urbanização da Novacap. Ao debruçar-se sobre a concepção original de Costa, Niemeyer transforma-a para sua adequação ao pragmatismo construtor, às condições políticas, locais e arquitetônicas. O resultado, uma cidade híbrida que carrega a concepção original de Costa, mas também algumas cicatrizes de sua implantação [...] Se o projeto de Costa definia uma cidade coesa e proposta como um objeto único, sem interferências, a cidade construída, há que se lembrar, destoa do projeto proposto. E as modificações têm origens diversas, entretanto todas concentradas na instituição da NOVACAP, órgão responsável pela sua construção, e na pessoa de Niemeyer, responsável pelo setor de arquitetura e urbanismo da Companhia (TAVARES, 2007, p. 5 a 13)
Como a cidade deveria estar pronta em prazo recorde, antes do final do mandato de Juscelino, era necessário que no canteiro de obras estivesse alguém empoderado, tanto do ponto de vista técnico quanto político, para tomar decisões executivas relativas à implantação. Essa pessoa era Oscar Niemeyer. Lúcio Costa, autor do plano urbanístico não participou desse processo. De acordo com Maria Elisa 93
Costa, filha do urbanista, ficaram assim distribuídas as funções “O desenvolvimento do plano foi feito aqui (Rio de Janeiro) e o Oscar mudou-se para lá (canteiro de obras de Brasília). (...) Ele (Lúcio Costa) sabia que lá teria que ter um arquiteto... Ele não iria por temperamento. Mas, lá você tinha que ter um cara dono do pedaço, pra não ficar discutindo coisinhas. (...) Segundo recomendações do Juscelino: “coisas de arquitetura é com o Oscar (Niemeyer), coisas de urbanismo é com o Lúcio (Costa) e coisas práticas (do gerenciamento da obra) é com o Israel (Pinheiro)!” (Depoimento de Maria Elisa Costa apud Tavares 2007) Para que as ações necessárias para a transferência dos órgãos públicos e pessoal da Administração Federal do Rio de Janeiro para Brasília fossem efetivadas, foi criado o Grupo de Trabalho de Brasília (GTB). “O GTB era o responsável pela distribuição dos apartamentos, mas não os construía. A construção das moradias ficou sob a responsabilidade da Fundação da Casa Popular, dos Institutos de Previdência, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Em dezembro de 1959, o GTB era dirigido por João Guilherme Aragão” (FERREIRA e GOROVITZ, 2008, p. 43). De acordo o arquiteto Nauro Esteves, Chefe da Divisão de Arquitetura da Novacap à época e “braço direito” de Oscar Niemeyer (in FERREIRA e GOROVITZ, 2008. p. 43), o então Presidente, Juscelino Kubitschek, deu duas superquadras a cada um dos institutos de pensão da época, financiando a sua construção como forma de pagamento de dívidas. Além dos institutos, estiveram envolvidos na etapa inicial de 94
construção dos edifícios habitacionais de Brasília “a Fundação da Casa Popular, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, a Universidade de Brasília e a própria Novacap”. (FERREIRA e GOROVITZ, 2008. Pag. 43). Além da Construtora Graça Couto, que construiu privadamente alguns edifícios. Os prédios residenciais estariam dispostos nas superquadras 20 e seriam construídos pelos institutos de pensão existentes. Como o IAPB que construiu os blocos (Figura 42 e 56). Os blocos construídos ocupariam projeções na área da superquadra, o que significa dizer que o terreno é público, levando-se à obrigatoriedade de manter livre o pilotis 21. O terreno deveria ficar livre e desimpedido enquanto as projeções teriam caráter privado 22.
20
No projeto para o Plano Piloto “Lucio Costa retoma, a exemplo de outras cidades novas planejadas, o conceito de UV como módulo agenciador da trama urbana. A ideia foi inicialmente proposta por Clarence Perry nos anos 20 (fig. 1) e posteriormente reiterada como um dos pontos de doutrina da Carta de Atenas de 1943: “O núcleo inicial do urbanismo é uma célula habitacional – uma moradia – e sua inserção num grupo formando uma unidade habitacional de proporções adequadas”. (LE CORBUSIER,1993, p.143, apud FERREIRA e GOROVITZ, 2010). A superquadra é o conjunto de quatro quadras que formam uma UV - Unidade de Vizinhança. No planejamento de Brasília foi definido que os institutos de pensão existentes à época ficariam responsáveis pela construção dos blocos integrantes dessas superquadras, que serviriam de habitação aos funcionários públicos que viriam para a cidade logo após a sua inauguração. 21 “Nesse sentido, os blocos podem ser compreendidos dentro de um princípio operativo para a concepção de cada projeto, onde determinadas restrições e direcionamentos buscavam orientar a caracterização do conjunto, marcado pela lógica das projeções, do edifício isolado no terreno, do térreo livre e desimpedido” (MAGALHÃES, 2009, p.1). 22 Em 1969, nove anos após a inauguração da cidade, todas as projeções foram definidas. Os prédios deveriam ser retangulares, de 12,5m x 85m, com duas empenas cegas.
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Figura 42 - SQS 108, blocos D e H Foto: Arquivo Público do Distrito Federal
Brasília foi construída no sistema de “terra arrasada”, ou seja, todo o bioma local foi arrancado e a terra movimentada para que sobre ela pudessem ser assentadas as modernas superquadras e os edifícios públicos. Nesse contexto é fácil imaginar a desolação do canteiro de obras da Nova Capital. Uma cidade com alta luminosidade, baixa umidade, muito calor e quase nenhuma sombra. As escolhas de 96
projeto eram fundamentais para garantir o conforto das habitações sem perder de vista a questão de custo e prazo de entrega. Os edifícios que abrigariam os funcionários públicos a serem transferidos para a Capital foram construídos no auge do modernismo pelos institutos de pensão (com diferentes programas), projetados por diversos arquitetos e executados por diferentes construtoras. Niemeyer foi escolhido para projetar os principais edifícios administrativos, mas, como veremos adiante, sendo responsável pela implantação geral de Brasília à frente da Novacap projetou também alguns edifícios residências. A combinação desses fatores resultou em alguns elementos em comum, entre eles o uso do cobogó. Para os edifícios públicos que estavam sendo construídos à maneira modernista, foram utilizados grandes panos de vidro e brises fixos ou móveis, para os edifícios residenciais foi adotado em larga escala (além dos panos de vidro) o uso dos cobogós. Em Brasília o elemento cobogó não é mais uma característica singular de um determinado projeto, mas uma constante nas primeiras construções da capital. Praticamente todos os edifícios habitacionais inicialmente construídos utilizam o elemento 23, como veremos nas discussões sobre o trabalho de campo.
23
Fato passível de averiguação ao analisar o minucioso inventário dos primeiros prédios concluídos em Brasília no início da cidade disponível no livro “A invenção da superquadra” (FERREIRA e GOROVITZ, 2010)
97
De forma a agilizar o processo de construção de Brasília, a Novacap firmou convênio com os institutos de previdência 24. Essa parceria previa o fornecimento de plantas para os edifícios habitacionais a serem construídos. Oscar Niemeyer era o Diretor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Novacap projetou e supervisionou as plantas que eram repassadas aos institutos de pensão. Além da elaboração das plantas, “As superquadras 107 e 108 Sul foram integralmente projetadas pelo arquiteto, e deveriam servir como referência para das demais” (MAGALHÃES, 2009, p.1). O esquema interno do apartamento definido por Niemeyer na primeira fase de construção da cidade orienta outras situações e se prolonga no tempo. O programa funcional, estruturado segundo três setores – social, privativo e serviço –, organiza a habitação de modo que, por meio do primeiro se tenha acesso aos demais. Quando isto não acontece, será o corredor de distribuição do apartamento, com maior proximidade ao setor privativo, que irá promover o acesso aos espaços de serviço (cozinha, área de serviço e dependências). (BEISL, 2009, p.1)
Importante observar que, a localização desses edifícios nas quadras é variada, ou seja, as fachadas expostas a intensa insolação ou ventos predominantes variam de acordo com a localização específica de cada um e as plantas não foram ajustadas de acordo com a implantação 25 (Figura 43). O cobogó nos edifícios 24
Os institutos de previdência receberam superquadras como recebimento de dívidas do governo e ficaram responsáveis por construir prédios para habitação de funcionários públicos a eles vinculados. 25 Para um leitura aprofundada sobre esse assunto ver “Arquitetura residencial das superquadras do Plano Piloto de Brasília: aspectos de conforto térmico”. Para a pesquisa, Darja Kors Braga (2005) fez um levantamento detalhado das fachadas dos edifícios residenciais do Plano Piloto a fim de averiguar
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Figura 43 - SQS 108, Blocos A e B Autora: Alessandra Guida
projetados por Oscar Niemeyer compõem uma fachada inteira, onde estão localizados os setores de serviço e circulação, o que limita a utilidade do elemento vazado como o impacto das soluções adotadas no conforto térmico das habitações. Entre os achados está o fato de que edifícios com as mesmas plantas e soluções de fachadas estão dispostos de maneiras diferentes em relação a posição solar e dos ventos predominantes ocasionando diferentes graus de conforto nas habitações a depender da posição em que se encontra na quadra. Diversas fachadas envidraçadas recebem o sol vespertino, por exemplo.
99
elemento de mitigação de questões climáticas. Ele comunica visualmente uma hierarquia da fachada estabelecendo o fundo da edificação em contraponto com a fachada principal, com panos de vidro. No caso dos edifícios com apartamentos vazados, o fundo dos prédios é sempre a fachada
voltada
para
os
estacionamentos. É comum ver duas
fachadas
cobertas
de
cobogós face a face (Figura 43). Em um momento posterior foram concebidos
edifícios
apartamentos nesses
casos
não
com vazados,
encontramos
cobogós nas duas fachadas e até mesmo nas empenas, fazendo o fechamento das áreas de serviço.
Figura 44 - Criança correndo em corredor de cobogós Autor: Cristiane Aguiar
O que impressiona nas construções dos edifícios residenciais do Plano Piloto é o fato de diferentes arquitetos terem encontrado no cobogó a solução para seus desafios de projeto. Tanto nos projetos de Niemeyer quanto nos demais, o uso 100
do cobogó não está necessariamente associado à sua função bioclimática (tendo em vista a implantação dos edifícios nas quadras) 26. Assim como nos projetos de Niemeyer, os outros arquitetos que utilizaram o cobogó no período o utilizaram como elemento formal de diferenciação de funções nas residências. Nos projetos analisados nos capítulos anteriores, a utilização do cobogós nas fachadas não é signo da setorização interna para quem olha da rua, mesmo que estejam associados a divisões internas dos apartamentos. Ele era utilizado como elemento compositivo (como no caso do Pedregulho, Edifício Cinderela, Casa do Estudante na França) ou como elemento funcional (Parque Guinle, Caixa D´agua de Olinda, Vila Operária da Serra do Navio). Em Brasília, seu uso passa a estar diretamente vinculado à definição das áreas de serviços, é um elemento a partir do qual é possível ao observador externo inferir a localização desses setores nos apartamentos das superquadras mesmo sem conhecer a sua planta. Quanto às fachadas apresentam uma variação de combinação essencialmente moderna entre aparência e funcionamento. Se, em alguns expoentes da vertente corbusiana da modernidade brasileira o modelo do pano de vidro sobreposto pelo brise-soleil é corrente, esta solução se tornará menos difundida no desenho de fachadas das superquadras. Em edifícios das primeiras décadas ocorrem, na maior parte dos casos, duas elevações principais bem distintas, uma conforma os ambientes sociais do apartamento, outra, encobre setores de serviço ou circulação. Tal solução é feita de méritos e lacunas, pois, por questões outras de projeto, alguns prédios podem ter 26
As paredes vazadas garantem a circulação de ar, mas não a ventilação cruzada que depende do posicionamento das aberturas a fim de melhor aproveitar a pressão positiva e negativa dos ventos. Para uma boa ventilação cruzada é necessário que as aberturas estejam posicionadas nesses pontos.
101
fachadas pouco protegidas direcionadas para orientações de maior incidência solar dada a rigidez com a qual os blocos são implantados. (MAGALHÃES, 2009, p.1)
A obrigatoriedade de manter uma unidade ao conjunto de prédios da superquadra poderia explicar, em parte, a opção pelo uso do cobogó pela maioria dos arquitetos daquele período. O arquiteto Luiz Pessina, Diretor Divisão de Licenciamento e Fiscalização de Obras da Novacap à época, explica que o Código de Obras era bem simples, “quatro folhinhas”. Uma das diretrizes desse código era a de que os “projetos não deveriam criar desarmonia com o restante do ambiente já edificado” (in FERREIRA; GOROVITZ, 2008). O arquiteto relata, ainda, o caso de um arquiteto que precisou alterar o projeto de um edifício para que ficasse de acordo com outros da quadra. Ainda que não houvesse uma obrigatoriedade de se utilizar o mesmo projeto na superquadra, mas sim um que formasse um conjunto harmônico, o mesmo projeto de edifício era utilizado (as vezes com pequenas modificações) até mesmo em outras quadras. Isso decorreu, provavelmente, do fato de que o maior número possível de edifícios deveria ser concluídos até 21 de abril de 1960, data de inauguração da capital, já que abrigariam os funcionários públicos transferidos. Além de diminuir o tempo de elaboração e aprovação do projeto de edificação, a adoção de um mesmo projeto facilitou também a logística da construção.
102
Continuando, eu precisava fazer um cobogó. Nisso podemos pensar como café com leite. O cobogó é aquela placa vazada e para nós tirarmos teria jeito. Aí, eu os bolei como troncos de pirâmides com rasgos desencontrados que saíam facilmente. Por trás são lisos, os elementos da forma eram de fibra de vidro. E a placa tinha acabamento atrás e a textura se dava quando a máquina a puxava dentro do equipamento. Isto aqui foi usado nas casas do Guará que eram os mesmos dos prédios. (Entrevista com Milton Ramos in FERREIRA e GOROVITZ, 2008, p. 119)
4.2 Legislação correlata Em um primeiro momento, antes da inauguração, os critérios de aprovação seguiam regras estabelecidas pela Novacap. O primeiro Código de Obras foi produzido por Oscar Niemeyer e Nauro Esteve, ambos à Frente da Novacap. Nauro Esteves conta que ele “era uma folha dupla do Diário Oficial, fui eu e o Oscar que fizemos em uma noite”. (FERREIRA e GOROVITZ, 2008, p. 104). Relata que foram eles também os responsáveis pela elaboração do segundo Código. Após a inauguração de Brasília, o uso consagrado dos cobogós passa a ser praticamente lei, pois a utilização de elementos vazados nas fachadas das áreas de serviço passou a ser exigência legal por meio do Decreto nº 7 de 13 de junho de 1960, no seu Capítulo V – Artigo 5º, inciso VII – Habitações Coletivas, estabelece a obrigatoriedade da utilização de elementos vazados nas áreas de serviço a fim de proteger a visibilidade e evitar a colocação de roupas para secar nos peitoris por parte 103
dos moradores, evitando o visual de cortiço (Figura 4) temido desde os tempos do higienismo (Seção 2.2). Observe que o texto da Lei fala em “elemento vazado”, mas não especifica que tipo de elemento seja esse. A escolha pelo cobogó pareceu óbvia no período, sobretudo por conta dos primeiros edifícios, que foram pensados como modelo a ser seguido, e o utilizaram. Com a exigência, o uso dos cobogós 27 passou a ser quase unanimidade nos projetos e associado, definitivamente, às áreas de serviços.
Figura 45 - Trecho do Decreto nº 7 de 13 de junho de 1960 Disponível em http://www.tc.df.gov.br/SINJ/Diario/0565f3bbcdfd4dab8add9f e5b9bb6842/10b323e0-94cb-329a-a7425001fa5e3f21/arq/0/DPDF_0003_17061960.pdf
27
Além do cobogó outras alternativas seriam treliças ou brises. Os brises foram também usados com essa função no período, mas em menor escala, como averiguado na pesquisa de campo.
104
No segundo código de edificações de Brasília (Decreto nº 596 - de 8 de março de 1967) já não existe a obrigatoriedade da colocação de elementos vazados nas áreas de serviço. O Parágrafo único estabelece “Nas áreas de serviço será exigida janela em tôda a extensão da parede externa, com um mínimo de 0,50m de altura” (Art.268, Parágrafo Único). Além disso, surge a possibilidade de utilização de dutos de ventilação para banheiros. Na Seção II, que trata da “Insolação, Iluminação e Ventilação”, especifica que “Todos os compartimentos deverão dispor de vãos de iluminação direta e natural”, exceto corredores, banheiros e o quarto da empregada (que continuam sendo cômodos obrigatórios nas habitações), esses podem ser ventilados indiretamente. O Decreto prevê ainda que as áreas de serviços devem ser “indevassáveis, desde logradouros públicos” (Art. 143) e para isso é obrigatória a construção de muros nas habitações individuais. Observe que esse código revoga as disposições em contrário (Art. 5º), não revoga explicitamente a obrigatoriedade do elemento vazado, mas passa a exigir uma janela (de 50cm) em toda a parede da área, que em alguns projetos ficam ainda atrás da fachada de cobogó (Figura 46). Apesar de não ser uma revogação formal do dispositivo sobre os elementos vazados, pode-se deduzir que houve uma revogação implícita.
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Figura 46 - SQS 107, Bloco J Autora: Alessandra Guida
O Decreto nº 596 foi alterado pelo Decreto nº1439 de 1970, que mantém a obrigatoriedade da dependência de empregos para apartamentos com três ou mais quartos, mas não menciona como deve ser feita a ventilação dele ou das áreas de serviço. Em 1978 foi feita nova adequação, mas em relação às garagens cobertas. 106
O Decreto 5559 de 5 de novembro de 1980 revoga totalmente os dois anteriores (596/67 e 1439/70), mas não o Decreto nº 7 de 1960 – o primeiro código, que está vigente até hoje sem revogação expressa. Nele continua a obrigatoriedade de dependência ou banheiro de serviços. A partir da publicação desse Código, várias regras em relação à configuração dos prédios foram lançadas, possibilitando a construção de unidades de apartamentos não vazados. Em 1989 foi elaborado, sob a luz da nova Constituição Federal (CF 1988) que deu autonomia política para o Distrito Federal, da inclusão de Brasília na lista de Patrimônio Cultural da Humanidade (1987) e após a publicação de “Brasília Revisitada”, por Lúcio Costa, um novo Código de Obras que confirma algumas regras que vinham sendo adotadas desde a publicação do Decreto de 1980. Entre elas, a permissão da construção das varandas e jardineiras, a compensação de área de circulação vertical (situadas no interior) no perímetro do prédio, em balanço (Fernandes, 2009, p. 90). Essas alterações foram significativas para o “desaparecimento dos apartamentos vazados e a consequente abolição da oposição tradicional frente/fundo” (Braga, 2005, p. 16). Resultando ainda em fachadas mais recortadas e ausência de cobogós, como demonstra a pesquisa de campo. As sucessivas alterações da configuração das projeções podem ser observadas na Figura 47.
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Futuramente ele foi parcialmente revogado pela Lei 2105 de 08/10/1998. A Lei traz inovação ao regulamentar o uso de brises com finalidade de proteção solar, como elemento decorativo e no capítulo sobre obras complementares. O elemento é mencionado mais de uma vez na Lei que o define como “brise - elemento construtivo, móvel ou fixo, instalado em fachadas para proteção solar” (Art. 3º, XVI)
Figura 47 - Sucessivas mudanças na projeção e pavimento tipo - Batista 2003
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A Lei inova ao trazer regras de acessibilidade, prevê, ainda, uma série de “modernidades” como cabeamento de telefone, antenas, energia solar, comunicação interna, normas de desempenho térmico e acústico, necessidade de minimização de impacto ambiental, mas peca em estabelecer condições dignas aos empregados domésticos quando determina que “Cozinha, banheiro, lavabo e dormitório de empregado podem ser aerados somente pela área de serviço”. O Decreto 19915/98 (algumas alterações pontuais foram feitas antes dele, mas não influem na nossa análise) já não exige a dependência de empregados nas habitações coletivas ou a existência de uma porta exclusiva para a entrada de serviços dos apartamentos. Faculta a construção de quarto de empregada, mas mantém a necessidade de um banheiro para empregados. E não altera a forma como os ambientes devem ser aerados.
109
5 – ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES Como objetivo geral desta pesquisa era averiguar se a utilização dos cobogós, nas fachadas dos edifícios de Brasília, está diretamente relacionada a demarcação das áreas de serviços (considerando áreas de serviços a dependência de empregada e a lavanderia). Sendo que no caso dos apartamentos vazados (configuração obrigatória nas primeiras décadas de construção), essa divisão acaba por estabelecer uma hierarquia entre as fachadas, criando uma fachada da frente e outra dos fundos. Para isso precisávamos checar se, de fato, o uso dos cobogós é significativo no Plano Piloto e como ele é feita a sua utilização. Para conseguir efetuar essa análise, optamos pela pesquisa de campo de caráter amostral. Quando foram levantados dados de 389 edificações em todo Plano Piloto, de um universo de aproximadamente 1400 edifícios. Ou seja, a nossa amostra representa quase 30% do total de edifícios. Os dados coletados foram tabulados a fim de subsidiar as análises. A pesquisa em campo possibilitou, ainda o registro fotográfico dos edifícios e entrevistas com moradores e trabalhadores desses prédios, visitas ao interior de alguns prédios e apartamentos. Os edifícios pesquisados foram os mesmos analisados na dissertação de mestrado “Debaixo do bloco: o pilotis e seu significado em Brasília”, tese de OLIVEIRA (2014). Dois motivos nos levaram a utilizar a seleção dela. O primeiro é relativo à 110
abrangência da amostra, já que foram selecionados 4 edifícios de períodos diferentes em cada quadra do Plano Piloto de Brasília, contemplando sempre que possível, dois representantes das primeiras construções e dois contemporâneos. O segundo fator para a escolha da seleção realizada para a tese de Oliveira se baseia na nossa decisão de fazer uma análise amostral e não censitária. Dessa forma, como os edifícios escolhidos para a pesquisa citada não tinham relação direta como o nosso objetivo (analisar dos cobogós nas fachadas), consideramos que a amostra seguiria padrões aleatórios em relação ao nosso objeto, garantindo assim uma melhor integridade dos dados. Uma seleção pessoal poderia, naturalmente, tender a escolhas mais direcionadas, comprometendo a nossa amostra. A análise desses edifícios em relação as plantas e sua setorização foi feita com base nas observações de campo e também com o inventário realizado por Ferreira e Gorovitz (2008) no livro “A Invenção da Superquadra”. Que abarca edifícios construídos entre 1957 e 1970, mas que também inclui (excepcionalmente) alguns construídos entre 1970 e 1980, “cujo caráter arquitetônico considera a integridade do conjunto urbanístico da Superquadra” (FERREIRA E GOROVITZ, 2008. P. 12). Na análise das plantas disponíveis e nas pesquisas de campo não encontramos cobogós nas fachadas que não estivessem associados à alguma das seguintes áreas internas: cozinha, área de serviço (lavanderia ou circulação de serviços) ou dependência de empregas. 111
A coleta de dados da nossa amostra de campo procurou levantar os seguintes aspectos: 1. Período de construção dos edifícios; 2. Autor do projeto 3. Localização em uma das Asas (Asa Sul ou Asa Norte); 4. Existência ou não de cobogós nas fachadas; 5. Quantidade de fachadas com cobogós, 6. Percentual das fachadas cobertas por cobogós; 7. Existência de caixa de circulação vertical externa ao edifício e se ela possui cobogós; 8. Modelos de cobogós utilizados nessas fachadas 9. Incidência de brises nessas fachadas; 10. Tipos de fechamentos utilizados nas áreas de serviços (se cobogó, brise, janela de 50cm ou janela padrão). De posse da tabulação inicial contendo endereço, data da construção e autor, partimos para a pesquisa in locu a fim de coletar as demais informações que foram então tabuladas. Os achados de campo serão discutidos a seguir seguindo o roteiro abaixo: 1. Caracterização da amostra – quantitativo geral dos edifícios pesquisados e sua localização na Asa Sul ou Norte 112
2. Período de construção – onde definimos os intervalos temporais de 4 momentos das construções de Brasília e localizamos os edifícios nessas categorias. Neste tópico também apresentamos os principais arquitetos envolvidos nessas construções 3. Incidência de cobogós nas fachadas – onde analisamos a presença dos cobogós nas fachadas, ocupação da fachada e principais modelos utilizados
5.1 Caracterização da amostra
Conforme tratado na Metodologia, a seleção dos edifícios foi feita com base no levantamento do feito para tese de mestrado de Cristina Oliveira (2014) “Debaixo do bloco: o pilotis e seu significado em Brasília”. Os dados dos edifícios pesquisados por ela foram então tabulados para registrar endereço, autoria do projeto e data da construção. Após o registro desses dados em planilha partimos para a pesquisa de campo a fim de conferir no local os dados necessários para as análises que ser objetivava fazer. A amostra contemplava edifícios em todas as quadras do Plano Piloto, exceto as quadras SQS 408, SQS 409 e SQS 410. A autora não explica no texto o porquê de as quadras não terem representação, mas, tendo em vista o objeto da tese 113
(pesquisar as relações sob o pilotis) é seguro afirmar que as quadras ficaram de fora por serem formada por edifícios sem pilotis. Como o nosso objetivo era pesquisar os edifícios previamente selecionados, também mantivemos fora da análise as quadras supracitadas. No total foram tabulados dados de 389 edifícios. A amostra está bem dividida entre as Asas, sendo 197 na Asa Sul (51%) e 192 na Asa Norte (49%) - Ver Gráfico 1 - Distribuição da amostra.
Gráfico 1 - Distribuição da amostra
SQN; 192; 49%
SQN
SQS; 197; 51%
SQS
114
5.2 Período de construção
Tendo em vista as exigências legais dos três primeiros códigos de obras (de 1960, 1967 e 1968), discutidas no Capítulo 4, fizemos um recorte temporal em relação ao uso dos cobogós nas áreas de serviços dos edifícios residenciais do Plano Piloto em quatro momentos específicos. A primeira fase, com edifícios datados até 1960. A segunda com aqueles datados de 1961, alguns meses após a publicação do primeiro código, até 1967 (ano em que publicado o segundo Código de Obras). A terceira fase contempla os edifícios datados 1968 e 1980. A quarta fase abrange os edifícios a partir de 1987. Ver Tabela 1 – Períodos de análise de construções.Tabela 1 – Períodos de análise de construções Fase de construção
Período
Legislação correlata
Primeira fase
Até 1960
Sem legislação publicada
Segunda fase
1961 a 1967
Terceira fase
1968 a 1980
Quarta fase
A partir de 1981
Decreto nº 7 de 13 de junho de 1960, no seu Capítulo V – Artigo 5º, inciso VII Decreto nº 596 - de 8 de março de 1967
Tabela 1 – Períodos de análise de construções
115
Decreto nº 5559 de 5 de novembro de 1980
Observe que os inícios dos períodos não correspondem imediatamente à data da publicação dos dispositivos legais, mas sim ao ano seguinte à sua publicação. Como as informações sobre as construções são por ano, haveria alguns casos que não seriam possíveis de serem enquadrados em algum período, caso a divisão conceitual fosse realizada pela data exata da publicação. Por outro lado, como as decisões de projeto são feitas antes da construção pensamos ser mais apropriado considerar que os efeitos de uma legislação seriam sentidos alguns meses após sua efetiva publicação e não imediatamente. Definidos os parâmetros de categorização por período, analisamos os 389 edifícios. Oitenta e oito deles não puderam ser classificados com base nesse parâmetro por falta de dados sobre a data do projeto, um percentual de 23% da amostra. Observa-se que houve uma grande concentração de edifícios construídos na terceira fase (1968 a 1980), representando 47% da amostra, que pode ser considerado um período de consolidação da cidade, já no período da ditadura militar no Brasil. E, naturalmente, a menor representação é dos edifícios da primeira fase (até 1960), 6% que foi a fase pré-inauguração da cidade. (ver Tabela 1 – Períodos de análise de construções e Gráfico 2 – Edifícios por fase de construção)
116
Fases de construção
Quantidade
Percentual
25 53 182 41 88 389
6% 14% 47% 11% 23% 100%
Primeira fase Segunda fase Terceira fase Quarta fase não identificados Total Geral Tabela 2 – Edifícios por fase de construção
O gráfico abaixo (Gráfico 2 – Edifícios por fase de construção) demonstra a distribuição dos edifícios que puderam ser identificados em relação às fases de construção. Com predominância dos edifícios construídos entre 1968 e 1980.
Gráfico 2 – Edifícios por fase de construção 25; 8%
primeira fase
41; 14%
quarta fase segunda fase
182; 60%
53; 18%
117
terceira fase
Também podemos fazer um recorte quanto à distribuição dos edifícios em relação às Asas (Sul ou Norte). Por meio desse cruzamento percebemos que a Asa Sul concentra o maior número de edifícios de primeira e segunda fases, somando 41% contra 9% na Asa Norte. Os dados demonstram que a Asa Sul possui os edifícios mais antigos, enquanto a Asa Norte, de implantação mais recente concentra os edifícios mais novos.
Gráfico 4 - Asa Norte – distribuição de edifícios por fase 3% 26%
4 36
Gráfico 3 - Asa Sul – distribuição de edifícios por fase 3%
6% 8
5
21
SQS primeira fase
SQN primeira fase SQN segunda fase 91 56%
SQN terceira fase 91 65%
13%
45
SQS segunda fase 28%
SQS terceira fase SQS quarta fase
SQN quarta fase
Em relação ao uso dos cobogós nas fachadas essa distinção justificará a maior incidência de edifícios com cobogós na Asa Sul, como veremos a seguir.
118
5.3 As fachadas e os cobogós
Em relação ao conjunto de 389 edifícios da Asa Sul e Asa Norte da nossa amostra, encontramos 220 edifícios que possuem cobogós nas fachadas, representando um total de 57% do universo pesquisado. (Tabela 3 - Edifícios com cobogós). Os edifícios que não possuem cobogós na fachada representam 43% do total, somando 169 unidades. Possui cobogó na fachada? Não Sim Total Geral
Quantidade de edifícios 169 220 389
Percentual 43% 57% 100%
Tabela 3 - Edifícios com cobogós
Observe que o percentual de edifícios com cobogós é bastante alta, quase metade dos edifícios pesquisados. Como não foram encontrados estudos sobre a Gráfico 5 – Edifícios com cobogós nas fachadas - geral
169; 43% 220; 57%
Não Sim
119
presença de cobogós em fachadas de edifícios habitacionais em outras cidades brasileiras não podemos fazer um estudo comparativo, mas, observando outras cidades brasileiras é fácil perceber que ele não é tão constante quanto em Brasília.
SQS
SQN
0
20
40
60
80
100
Não
120
140
160
111
Sim
81
Não
58
Sim
139
Percentual
Sim 71%
Quantidade
139
SQS
Não 29%
Sim 42%
58
81
SQN
Não 58% 111
Gráfico 6 – Edifícios com cobogós
Interessante observar que a incidência varia bastante se fizermos um recorte por Asa (sul ou norte). Eles aparecem com maior frequência na Asa Sul, que tem 71% das fachadas com cobogós enquanto na Asa Norte apenas 42% possuem cobogós nas fachadas. A relação é quase inversamente proporcional como podemos observar no Gráfico 6 – Edifícios com cobogós. Conforme verificado na Caracterização da Amostra, percebemos que a concentração de edifícios mais antigos é maior na Asa Sul. Considerando os dados discutidos acima e a legislação apresentada no Capítulo 4, percebemos que o uso de cobogós na fachada está diretamente relacionado com o período de construção. Os 120
achados de campo são consistentes em relação à premissa de que a opção pelo uso dos cobogós estão intrinsicamente relacionados com a fase de construção da cidade. Essa relação temporal pode ser graficamente expressa por meio das análises abaixo que associam a ocorrência de cobogós à fase de construção. Se observarmos a incidência de fachadas com cobogós nas quatro fases encontramos as seguintes distribuições (gráficos 6, 7,8 e 9), variando de 80% das fachadas com cobogó na primeira fase para 5% nos edifícios mais recentes. Após a inauguração da cidade ele ainda representa 68% das fachadas. Esse achado é importante para contextualizar o uso de cobogós nas fachadas nas primeiras décadas de construção de Brasília, no período da arquitetura modernista. Por meio da observação dos gráficos que demonstram a presença de cobogós nas fachadas ao longo dos períodos observamos uma pequena queda do período anterior à inauguração, mas que se manteve estável nas duas fases seguintes, desaparecendo nos anos 80 (encontramos apenas duas ocorrências no início da última fase), não retornando às fachadas, mesmo com a retomada do uso dos cobogós nos últimos anos. Quando comparamos os dados à legislação vigente à época, observamos que na terceira fase (1968-1980), apesar de não ser mais obrigatório o uso de
121
cobogós 28, eles continuam com presença marcante nos projetos. Entretanto, quando entramos nos anos 80 eles praticamente desaparecem da arquitetura residencial coletiva do Plano Piloto. Essa fase pode ser contextualizada no período da arquitetura modernista pós-Brasília, a terceira fase coincide com o período que Ruth Verde Zein (2006) chama de “década ausente”, não ausente em produção arquitetônica, mas carente em discussões arquitetônicas (talvez por coincidir com o período ditatorial do nosso governo). A arquitetura brasileira moderna é um mito; a arquitetura brasileira dos anos 1960 é um mistério. O que aconteceu depois de Brasília (1960) e antes da reflexão crítica do pós-Brasília (1975)? Trata-se de período esquecido não apenas pela historiografia da arquitetura brasileira, como igualmente subestimado na historiografia internacional elaborada a partir dos anos 1980, em “revisões críticas” que descartaram com demasiada pressa e algum preconceito inumeráveis exemplares arquitetônicos modernos e radicais realizados nos anos 1960-70. (ZEIN, 2006, p.1)
Nos projetos para os edifícios residenciais do plano piloto construídos entre 1968 e 1980, observamos uma permanência em relação aos arquitetos do período anterior (Tabela 8). Como vários projetos foram repetidos a fim de agilizar as aprovações e construções (ver Seção 4.1) é possível que parte dos projetos construídos tenham sido aprovados quando da existência da obrigatoriedade do uso de elementos vazados. A permanência de grande parte do grupo de arquitetos do 28
A legislação que antes determinava o uso de elementos vazados para proteger as áreas de serviços passa a exigir uma janela de 50cm.
122
Gráfico 7 - fachadas com cobogós (1ª fase)
período anterior também pode significar uma continuidade de linguagem arquitetônica.
primeira fase Sim 80%
primeira fase Não 20%
Quando observamos os projetos para a quarta fase, quando os cobogós param de ser utilizados, verificamos que há predominância das construções por construtoras privadas já em um contexto normativo que permitia apartamentos não vazados, janelas padrão
Gráfico 8 - fachadas com cobogós (2ª fase) segunda fase Sim 68%
segunda fase Não 32%
para as áreas de serviços e varandas. Os gráficos 6 a 9 demonstram como foi a evolução das fachadas com cobogós para fachadas sem cobogós ao longo das fases.
Gráfico 9 - fachadas com cobogós (3ª fase) terceira fase Sim 64%
Gráfico 10 - fachadas com cobogós (4ª fase) quarta fase Sim 5%
terceira fase Não 36%
123
quarta fase Não 95%
5.4 Incidência de cobogós nas fachadas
Outro aspecto importante em relação à utilização dos cobogós nas fachadas é a área que ele ocupa. Em relação à incidência de cobogós nos edifícios, fizemos o seguinte recorte (Tabela 4 – Incidência de cobogós nas fachadas)
Área da fachada coberta por cobogós Alta incidência
Média incidência Baixa incidência
Percentual relativo De 60% a 100% da fachada coberta por cobogós De 30% a 59% da fachada coberta por cobogós Até 29% da fachada coberta por cobogós
Tabela 4 – Incidência de cobogós nas fachadas
Para o cálculo de área coberta por cobogós foram desconsideradas as lajes, frontões ou molduras. Os edifícios classificados como “baixa incidência” geralmente utilizam os cobogós em algum detalhe da fachada ou como vedação de alguma janela ou escadas de serviços. Como por exemplo a fachada da Figura 48 Fachada com baixa incidência de cobogós - edifício na SQS 409 . 124
Figura 48 - Fachada com baixa incidência de cobogós - edifício na SQS 409
Os edifícios com “média incidência”, geralmente tem os cobogós associados à área de serviço, corredores de circulação, frequentemente ocupando toda uma faixa vertical no edifício. Já os edifícios classificados como “alta incidência” de cobogós tem seu uso associado às áreas de serviços, corredores de serviços e até mesmo alguns quartos. (Figura 56) 125
4.4.1 Edifícios com baixa incidência de cobogós nas fachadas
Edifícios com baixa incidência são aqueles com até 29% da fachada coberta por cobogós. Para ilustrar temos os edifícios da SQS 305, tipo “A-11” do arquiteto Hélio Uchôa, que trabalhava com Lúcio Costa em seu escritório carioca. Os edifícios dessa quadra e da SQS 105 foram inspirados pelos edifícios do Parque Guinle, de autoria de Lúcio Costa e foram construídos pelo IAPI. Os cobogós dessas duas quadras são em cerâmica enquanto a grande maioria do Plano Piloto tem cobogós em concreto. Os cobogós formam as paredes das escadas de serviços e das lavanderias desses apartamentos.
Figura 50 - SQS 305, Bloco B - fachada com baixa incidência de cobogós
Figura 49 - Edifícios tipo A-11 - vista
126
As fachadas com baixa incidência de cobogós eram poucos frequentes até a inauguração de Brasília, 8% das fachadas, mas foram se tornando mais frequente ao longo do tempo, representando 19% e 28% nas fases seguintes. A partir da quarta fase, os cobogós praticamente desaparecem, representando 2% dos edifícios representados.
Figura 51 - Edifícios tipo A-11 – pavimento tipo
4.4.2 Edifícios com média incidência de cobogós nas fachadas
Edifícios com média incidência são aqueles com 30% a 59% da fachada coberta por cobogós. É o caso do Bloco D da SQS 110 (Figura 53). O bloco é do tipo “A-11”, do arquiteto Eduardo Vilemor Amaral Negri, construído pela Caixa Econômica. Ao todo foram construídos 10 edifícios com o mesmo projeto nas quadras SQS 110, 302, 310 e 214. Como é possível observar na planta do pavimento tipo, os cobogós
127
estão presentes na parede de vedação das escadas de serviços e nas áreas de serviços dos apartamentos. As fachadas com média incidência de cobogós foram se tornando mais representativas na medida em que ia diminuindo a incidência das de alta incidência. Na primeira fase representavam 8% do edifícios passando para 19% e 28% nas fases seguintes, caindo abruptamente para 2% na quarta fase.
Figura 53 SQS 110, Bloco D - média incidência Foto: Alessandra Guida
Figura 52 - Edifícios tipo A-11 - vista
Figura 54 - Edifícios tipo A-11 – pavimento tipo
128
4.4.3 Edifícios com alta incidência de cobogós
Os edifícios com alta incidência de cobogós na fachada apresentam uma cobertura de 60% a 100% desta coberta com o elemento. Estão predominantemente localizados na primeira e segunda fase. Os edifícios das primeiras quadras construídas de Brasília, SQS 108 e 308 são assim.
Figura 56 - SQS 108. Blocos D, H e C Fachadas com alta incidência de cobogós
Figura 55 - Edifício tipo AFA-4 – vista Ferreira e Gorovitz, 2008
O bloco H da SQS 108 (Figura 56 - SQS 108. Blocos D, H e C - Fachadas com alta incidência de cobogós, lado direito), foi um dos primeiros prédios a ser construído 129
em Brasília (Figura 42) é do tipo “AFA-4”, projetado por Oscar Niemeyer para o IAPB. A fachada coberta por cobogós veda o corredor de acesso aos apartamentos. As janelas das cozinhas, banheiros e quarto de empregada são voltadas para esses corredores. Os edifícios com alta incidência de cobogós são representativos da primeira fase, representando 56% das construções. Caindo para 43% e 25% nas segunda e terceira fases e desaparecendo na quarta fase. (Gráficos 10 a 13)
Figura 57 - SQS 108, Bl H - pavimento tipo
130
4.4.4 Relação da incidência com os períodos
Quando
relacionamos
os
Gráfico 11 - Relação fachada/cobogó primeira fase
dados de níveis de incidência de cobogós nas fachadas (gráficos 10 a 13)
primeira fase Alta incidência
com os períodos de construção de 20%
Brasília (Tabela 1) observamos que a sua presença vai ficando mais escassa
primeira fase Baixa incidência
8%
ao longo do tempo, até desaparecerem
56%
16%
da fachada nos anos 80. Na quarta fase
primeira fase Média incidência primeira fase Sem cobogós
encontramos apenas dois edifícios com cobogós nas fachadas, um com baixa
Gráfico 12 - Relação fachada/cobogó segunda fase
incidência e outro com média incidência. Na preponderavam
primeira edifícios
segunda fase Alta incidência
fase com
alta
incidência de cobogós nas fachadas
32%
43%
(Figura 56 - SQS 108. Blocos D, H e C Fachadas
com
alta
incidência
de
19%
cobogós e gráfico 10), representando
segunda fase Baixa incidência segunda fase Média incidência
6% segunda fase Sem cobogós
mais da metade dos edifícios da época 131
(56%). Logo após a inauguração a Gráfico 13 - Relação fachada/cobogó terceira fase
representatividade deles diminui para
terceira fase Alta incidência
43%, passando para 25% na terceira fase. Com o passar dos nos há um crescimento de fachadas com média
25%
36%
incidência e, em menor escala dos
11%
edifícios com baixa incidência.
terceira fase Baixa incidência terceira fase Média incidência
28% terceira fase Sem cobogós
Se observarmos os gráficos 6 a 9, percebemos que nas 3 primeiras fases também há um decréscimo da quantidade de fachadas que possuem cobogós (80%, 68%, 64%, 6%)
Gráfico 14 - Relação fachada/cobogó quarta fase 3%
3%
quarta fase Baixa incidência quarta fase Média incidência quarta fase Sem cobogós
94%
132
4.4.5 Movimentação das fachadas
Por meio da pesquisa de campo, pela observação das fachada e entrevistas com moradores e funcionários e análise das plantas disponíveis no levantamento de FERREIRA e GOROVITZ (2008) foi possível estabelecer que um fator em comum nessas fachadas era a área interna à qual ela está sempre associada. Do outro lado da nossa fachada modernista de cobogós, encontramos sempre, pelo menos a área de serviço. Fachadas com cobogó 1 2 4
Quantidade Percentual 186 87% 25 12% 2 1% 213 100%
Tabela 5 - Quantidade de fachadas com cobogós - geral
Nos primeiros edifícios eles claramente estabelecem a relação frentefundo da edificação, onde a “frente” do bloco está, na grande maioria das situações, voltada para a área verde e possui janelas ou grandes panos de vidro e o outro lado do prédio assume a função de “fundo”, voltado para áreas de estacionamento e coberto de cobogós. Na primeira fase, 100% dos edifícios que utilizaram cobogós nas
133
fachadas o fizeram em apenas uma delas (Tabela 6), sendo que em 56% dos casos eles ocupavam 100% da área (Gráfico 9). Fase Primeira fase Segunda fase
Terceira fase
Quarta fase Total Geral
Nº fachadas Quantidade com cobogó
Percentual
1
20
100%
1 2 4
31 3 1
89% 9% 3%
1 2 4
100 14 1
87% 12% 1%
1
2 172
100% 100%
Tabela 6 - número de fachadas com cobogós
Na segunda fase e terceira fases, continua a utilização de cobogós em apenas 1 fachada, próximo a 90% dos edifícios pesquisados. Ou seja, até os anos 80, quando os cobogós saem de cena, em 90% dos casos ainda é possível hierarquizar as fachadas entre principal e dos fundos com base na presença de cobogós. Ainda que pequena parte dos projetos tenha migrado os cobogós para outras fachadas, 134
continuaram a utilizá-lo com a mesma função estabelecidas nos primeiros edifícios de Brasília: ocultar dos olhos da rua as áreas de serviço das residências. Conforme observamos na Tabela 5, 90% do edifícios de Brasília, independente da fase de construção utilizam os cobogós em apenas uma das fachadas. Deriva dessa análise a constatação de que, em pelo menos 90% dos casos, os cobogós fazem a distinção do que a frente ou o fundo do edifício, demarcando uma hierarquia entre as fachadas. Quando não o faz, comunica a localização de onde são executadas as funções de serviços domésticos. Se no começo da cidade existe uma homogeneidade nas fachadas, com 80% dos prédios com uma das fachadas totalmente coberta por cobogós, observa-se que com o passar do tempo, e alterações na legislação, as fachadas vão se tornando mais dinâmicas. Sobretudo em relação ao local onde estão localizadas as áreas de serviços. Nos edifícios antes da inauguração (primeira fase), conforme apresentado, os apartamentos eram vazados e a grande maioria utilizava cobogós na fachada, mas uma pequena quantidade deles utilizava janelinhas de 50 centímetros, ambas soluções utilizadas para ventilar as áreas de serviços. Já na segunda fase, após a inauguração da cidade, começamos também a identificar, timidamente, a presença de alguns brises como fechamento desses setores. Começam também a existir soluções híbridas como a colocação de cobogós e janelas de 50 centímetros.
135
A terceira fase é marcada pelas inovações trazidas pelo novo Código de obras, que não especifica qual o tipo de fechamento deve ser utilizado para essas áreas, apenas estabelece coeficientes mínimos de ventilação e entrada de luz. Assim sendo, observa-se um maior dinamismo nas fachadas, sobretudo em relação às áreas de serviços. Há uma equivalência de ocorrência de janelas de 50 centímetros, brises e janelas comuns. O cobogó continua tendo maior incidência, praticamente o dobro dos anteriores. (ver tabela 7).
Fechamento das áreas de serviços
Ocorrências
Primeira fase
25
janela de 50
5
20%
cobogó
20
80%
segunda fase
52
brise janela de 50 janela padrão cobogó terceira fase
4
8%
13
25%
1
2%
34
65%
179
brise
22
11%
janela de 50
33
19%
janela padrão
16
10%
108
60%
cobogó quarta fase
33
brise
2
136
6%
janela de 50
6
18%
janela padrão
21
64%
painel de ferro
2
6%
cobogó
2
6%
Total Geral
289
Tabela 7 - Fechamento das áreas de serviços por período
137
5.5 A produção dos arquitetos de Brasília
Ao empreender essa pesquisa, procurei responder a uma pergunta “porque diferentes arquitetos encontraram no cobogó a mesma solução para seus desafios de projeto”.
Longe
de
encontrar
uma
resposta
definitiva,
encontrei
algumas
possibilidades. Na primeira fase de construção, era necessário que as construções fossem feitas rapidamente, como vimos nos capítulos anteriores, o arquiteto Oscar Niemeyer foi o responsável pela implantação das superquadras planejadas por Lúcio Costa. Metade dos projetos da primeira fase são de Oscar Niemeyer (ver apêndice II), que na fase seguinte tem apenas 3% deles. Apesar da baixa produção pós inauguração de Brasília, o esquema de planta definido por Niemeyer que divide o apartamento em áreas de serviços, sociais e privadas, com entradas separadas para serviços e fechamento dessas áreas com cobogós é regulamentado por lei e passa a condicionar a produção das próximas décadas. Apesar dos edifícios serem destinados para a classe média de Brasília, a construção no período de implantação da cidade (primeira e segunda fase, de 1957 a 1968) precisava ser também econômica. Nesse cenário, a utilização de cobogós, que eram fabricados nos canteiros de obras, cobriam boa parte de fachada e evitavam o
138
uso de esquadrias e vidro (que em grande parte dos edifícios cobria toda a fachada principal), sem necessidade de acabamento. Oscar Niemeyer já havia explorado o material em dois grandes projetos, no Edifício Eiffel (Figura 32) e no Hospital Sul-América (Figura 30 e Figura 31) em que uma fachada é em pano de vidro e a outra com cobogós associados a brises. O último com composição estética semelhante aos edifícios do Parque Guinle, de Lúcio Costa (Figura 25 e Figura 26). A maior diferença entre os dois projetos é que Lúcio Costa utiliza os cobogós e brises na fachada “principal” (para os parâmetros de Brasília), onde estão locadas as áreas sociais e dormitórios. Essa disposição, como vimos, visa adequar o edifício à incidência solar, trazendo maior conforto para o apartamento. Ao contrário de Lúcio Costa, nos edifícios de Oscar Niemeyer as áreas sociais estão sempre vedadas por panos de vidro, independentemente da posição em relação ao norte, sempre que possível voltadas para as áreas verdes. Em relação ao conforto térmico, grande parte dos edifícios estão mal implantados, tanto que é expressiva a necessidade de utilização de toldos e resfriamento mecânico (BRAGA, 2005) 29. Por outro lado, na pesquisa de campo, observei que é frequente a colocação de uma janela ou porta de vidro pelo lado de
29
De acordo com as pesquisas realizadas por BRAGA (2005), o clima de Brasília (Plano Piloto) é o Tropical de Altitude, que na classificação de Koppen, apresenta duas estações distintas: quente e úmida (quando seria justificado o uso do cobogó) e outra seca (quando são registrados os períodos mais frios). (BRAGA, 2005, p. 34).
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dentro dos apartamentos a fim de controlar a entrada de vento e chuva através dos cobogós, quando eles não são vedados permanentemente com cimento ou substituídos por janelas comuns. Até mesmo o uso de brises, que poderia controlar a incidência solar direta nos apartamentos está associado apenas ao fechamento das áreas de serviço. “O número de brises presentes nos edifícios do Plano Piloto é bastante reduzido, uma vez que somados, os três tipos de brise representam somente 15% do total de edifícios. Em vários blocos, o brise exerce a função de resguardar a área de serviço, e não a finalidade de proteção solar. Esse fato é claramente perceptível porque esses brises cobrem apenas a área de serviço, enquanto as janelas de cômodos como quartos e sala permanecem sem proteção.” (BRAGA, 2005, p.44)
Arquitetos da amostra Eduardo Negri Manoel Hermano Milton Ramos Marcilio M.F. Takudo Takada Oscar Niemeyer Hélio Uchoa Nauro Esteves Ailton Morais de Carvalho Luigi Pratesi Luiz H Pessina
Total de projetos 31 17 14 12 12 8 8 7 6 6
Tabela 8 - arquitetos por fases de construção
140
percentual 14% 8% 6% 5% 5% 4% 4% 3% 3% 3%
Podemos inferir com base na legislação e dados coletados, que o uso do cobogó está diretamente relacionado à vedação das áreas de serviços, com o objetivo de esconder dos olhos da rua as roupas estendidas nas áreas de serviços. A função de conforto não parece estar associada ao uso do elemento já que a implantação variada nas superquadras ensejaria diferentes tratamentos de fachada. Por outro lado, o uso dos cobogós na fachada, mesmo nas áreas de serviços não seria eficiente em todos os períodos do ano, tendo em vista que o clima de Brasília é classificado como Tropical de Altitude, com períodos bastante frios e com vento, no qual a ventilação constante é desconfortante. As avaliações bioclimática realizadas anteriormente evidenciam que o desconforto térmico existente na cidade é principalmente por frio, ocorrendo durante a madrugada e o início da manhã. O período da tarde, entre 13h e 18h, é o principal responsável pelo desconforto por calor. (...) As condições climáticas externas, porém, nem sempre condizem com as condições de conforto internas, a análise bioclimática definiu como principal causa de desconforto o frio, mas o presente trabalho constatou que os moradores dos edifícios residenciais sofrem mais com calor. Isso se deve ao fato de as edificações apresentarem condições de conforto distintas daquelas encontradas externamente, dependendo de variáveis arquitetônicas, da orientação, do entorno, do padrão de uso, equipamentos, ocupação, etc.” (BRAGA, 2005, p. 120)
141
Figura 58 - SQN 302, Blocos A e B - depois da reforma Foto: Alessandra Guida
Figura 59 - SQN 302, Blocos A e B - antes da reforma http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/33636-apartamentosfuncionais-da-camara
142
Alguns edifícios optaram inclusive por substituir totalmente a fachada de cobogós por janelas, como nos edifícios projetados pelo Arquiteto Eduardo Negri e construídos pela SHIS – Sociedade de Habitação de Interesse Social LTDA para
a
Câmara
dos
Deputados (Figura 58 e Figura 59). Encontramos situações
ainda
mais
inusitada, como a reforma individual de partes da fachada,
como
a
encontrada na SQS 412, bloco O (Figura 60). Figura 60 - SQS 412, bloco O - fachada descaracterizada Foto: Alessandra Guida
Observe que parte de fachada de cobogós foi substituída por janelas dos mais variados modelos. Alguns cobogós foram também substituídos. A situação desse prédio é extrema, mas situações desse tipo são encontradas em diversas quadras do Plano Piloto. A principal descaracterização é a vedação permanente dos cobogós.
143
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
“No
cimento
de
Brasília
se
resguardam maneiras de casa antiga de fazenda, de copiar, de casa grande de engenho” (João Cabral de Melo Neto apud TAVARES, 2014, p. 32)
Brasília foi construída em um momento muito específico da história da arquitetura: o modernismo. A sua própria implantação, durante um mandato presidencial, só foi possível em razão da industrialização de materiais de construção, produzidos em larga escala. Tendo em vista esse contexto específico é natural que os arquitetos da época procurassem a racionalização de métodos construtivos buscando aliar tanto o aspecto estético (modernista, como deveria ser) com o econômico, sem ignorar a velocidade em que esses edifícios deveriam ser construídos. Somando-se à questão estilística e de economicidade, existiu também uma questão impositiva em relação ao cobogó em função do código de obras que, durante sete anos, tornou obrigatório o seu uso (ou de outro elemento vazado) nas áreas de serviço dos edifícios das superquadras. 144
O fato do cobogó estar presente na maioria dos edifícios de Brasília, cidade ícone do modernismo ainda nos primeiros anos de sua fundação, fez com que ele, que nasceu tímida e arejadamente no Recife, se tornasse um dos elementos mais representativos da arquitetura moderna da cidade. Por outro lado, o fato da sua utilização estar sempre associada às áreas de serviços dos apartamentos o despiu de suas características sensuais (como quando utilizado para filtrar elegantemente a luz) ou de sua forte personalidade (como no Brutalismo). Em Brasília, ele se vestiu de utilidade, sobretudo como signo definidor da fachada dos fundos. Aqui ele não é utilizado pelas damas da sociedade como as aberturas possíveis para o mundo como os muxarabis, mas como forma de esconder a roupa lavada, o trabalho nas cozinhas, esconder a empregada, ou seja, esconder do novo mundo moderno, que se abria à força no Planalto Central, a arcaica divisão da nossa sociedade entre Casa Grande e Senzala. Tão longe do que Lúcio Costa idealizou para a superquadra, como refletem Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas quando falam especificamente dos edifícios da SQS 105 e SQS 305:
A ideia veio, certamente, do projeto de Lucio Costa para os prédios residenciais do Parque Guinle (anos 40), no Rio de Janeiro: seis pavimentos sobre pilotis, no meio de uma área verde definida. Até o uso da ‘claustra’ (cobogó) como vedação de uma fachada inteira de edifício residencial ocorreu pela primeira vez no Brasil nesse projeto. (...) A proposição contida no plano, a nível social, partiu, na realidade, de um pressuposto idealista. A intenção era, por assim dizer, nivelar pelo meio, e o
145
momento histórico em que Brasília surgiu justificava tal postura: a própria ideia de Brasília olhava para o futuro, e o importante era deixar claro que do ponto de vista do urbanismo, estritamente, existia a possibilidade teórica de tratar as diferenças sociais de forma condigna. Mas o urbanismo sozinho não tem o poder de resolver, num passe de mágica, problemas sociais seculares, da ordem e do vulto dos que existem num país como o nosso. Brasília expõe, com insuperável clareza e sem subterfúgios, nossa verdade social. (COSTA; VIEGAS Apud GALVÃO, 2001). (Grifo meu)
A despeito da ideologia de uma capital que abrisse a possibilidade para um país moderno e mais justo, Lúcio Costa não conseguiu ver suas ideias mais caras expressas nas Superquadras. As plantas básicas dos apartamentos de Brasília reproduzem o nosso país de desigualdade. O Código de Obras de 1967, por exemplo, estabelece em diversos pontos a obrigatoriedade de existir banheiro e quarto de empregada nos apartamentos, retratando e reforçando a ideia de uma sociedade ainda dividida em Casa Grande e Senzala (essa obrigatoriedade só é revogada em 1998, mantendo, porém, a do banheiro para serviçais). Oscar Niemeyer chegou a alterar (no papel) a destinação do quartinho de empregada, que tão pequeno foi classificado como despensa para a comitiva internacional não se chocar. A objetificação da empregada doméstica é ainda mais clara quando o Código dispensa a ventilação e iluminação direta nesse cômodo, igualando-o aos banheiros e áreas de serviço. Nesse ponto da história, não precisamos mais do cobogó para discretamente esconder o nosso passado colonial, basta uma parede e uma frestinha de ar. 146
§ 3º Serão dispensados de ventilação e iluminação direta os banheiros, corredores, cozinhas, "toilettes" e quartos de empregadas, ventilados e iluminados através de área de serviço ou da circulação externa(...) (Art. 267)
Em relação à Brasília, existem diversos estudos que se detém na análise das fachadas dos apartamentos, desde o ponto de vista simbólico (HOLSTON,1993), compositivas (sobretudo em relação ao significado das laminas de vidro dos primeiros edifícios no contexto da arquitetura modernista), levantamentos detalhados dos edifícios (FERREIRA e GOROVITZ, 2008) a questões de conforto com o no trabalho de (BRAGA, 2005). Em comum nesses estudos está o fato de considerarem a fachada diretamente relacionada com as áreas sociais como a fachada da frente e “a outra” como a fachada dos fundos, quando as reconhecem, o que nem sempre acontece. Interessante ressaltar que Lúcio Costa, ao criar o conceito de superquadra estabeleceu poucos, mas importantes critérios para a implantação dos edifícios como a presença de um cinturão verde, a projeção da edificação apoiada sob o pilotis, a quantidade máxima de pavimentos e a implantação irregular dos edifícios (o que exclui a ideia tradicional de uma rua com edifícios contíguos). “Os prédios encontram-se distribuídos no interior de toda a superquadra, sem prevalecer algum tipo de caráter de implantação como prédios perpendiculares ou paralelos à borda, implantação central, ou em fileiras e tão pouco sequencial”. (BRINO, 2003, pg. 4). Essa
147
configuração exclui a automática classificação das fachadas como principal e dos fundos, já que o prédio é “solto” na quadra. Nosso objetivo era demonstrar que a utilização dos cobogós, nas fachadas dos edifícios de Brasília, está diretamente relacionada a demarcação das áreas de serviços, considerando áreas de serviços a dependência de empregada e a lavanderia. Que, no caso dos apartamentos vazados, essa divisão acaba por estabelecer uma hierarquia entre as fachadas, criando uma fachada da frente e outra dos fundos. Para isso, precisamos retroceder um pouco a nossa pesquisa para compreender como foi o desenvolvimento do morar urbano no Brasil, focando nas análises que tratavam da relação da casa com a rua da perspectiva das janelas. Começamos com o banimento dos muxarabis pela Família Real passando pelo movimento higienista que coloca a relação de morar como importante ator em um cenário mais amplo, de que estruturação das habitações impactam diretamente na saúde das cidades. Com o advento do modernismo, e uma arquitetura intrinsicamente atrelada aos processos de racionalização 30 da sociedade moderna, podemos compreender
30
Para ASCHER (2010) essa racionalização na arquitetura se traduz, de forma científica (ou seja através de um método) na determinação de padrões a serem adotados, desvinculando as ações das tradições populares e passando para soluções mais mecanizadas.
148
como a apropriação de uma técnica construtiva da arquitetura vernacular pode ser transformada em objeto, patenteada e produzida em escala. A industrialização é a base sobre a qual foi desenvolvida a arquitetura moderna na virada do século 19 “A noção-chave é da especialização: o taylorismo a sistematizará na indústria, onde tratará de decompor e simplificar as tarefas para tornar a sua realização mais rentável. O urbanismo moderno vai colocá-la em prática sob a forma de zoneamento que, mais tarde, Le Corbusier e a Carta de Atenas levarão ao extremo” (ASCHER, 2010, p.26). Nas construções isso significa a adoção materiais produzidos em escala com métodos construtivos rápidos e eficientes, apropriados ao momento de construção de Brasília. Vimos também no Capítulo 3, que essas novas técnicas, principalmente o desenvolvimento de elementos estruturais mais racionais, significaram também maior liberdade para os arquitetos já que as paredes agora estavam livres do fardo de suportar as construções. Poeticamente colocado por Lúcio Costa “Um milagre veio, porém, libertá-las dessa carga secular. A revolução, imposta pela nova técnica, conferiu outra hierarquia aos elementos da construção, destituindo as paredes do pesado encargo que lhes fora sempre atribuído [...]. A nova função que lhes foi
“A racionalização consiste na substituição progressiva da tradição pela razão na determinação dos atos. A repetição dá lugar às escolhas. Estas pressupõem preferências e projetos individuais e coletivos; elas usam o conhecimento derivado da experiência, os saberes científicos e mobilizam as técnicas. A racionalização é uma forma de ´desencantamento´ com o mundo.”(ASCHER, 2010, p.22)
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confiada – de simples vedação – oferece, sem os mesmos riscos e preocupações – outras comodidades. (COSTA, 2003, p.44) A despeito da consideração de Lúcio Costa, que abre a possibilidade de uma maior exploração no campo estético findadas as amarras estruturais, a arquitetura modernista se pautou em grande parte por uma estética funcionalista. A construção de Brasília no curto espaço de tempo, a fim de que Juscelino Kubitschek pudesse termina-la em um mandato só, foi possível graças à racionalização dos processos construtivos. Na data de sua inauguração era necessário que os funcionários públicos transferidos tivessem onde morar na Nova Capital. A maneira mais prática de ofertar habitação, com todos os serviços de infraestrutura básica, foi a verticalização das moradias. E para essas habitações foi adotado em larga escala o uso dos cobogós, que já a essa altura figurava em uma série de projetos. O que a princípio parece ter sido a adoção dos cobogós por uma série de questões práticas de execução de obras, passou a ser regulamento por lei já que se tornou obrigatória a vedação da parede das áreas de serviço de forma que elas ficassem ao mesmo tempo ventiladas e invisíveis aos olhos da rua. Interessante notar que o uso em larga escala dos cobogós tornou o elemento parte do cotidiano da cidade, indiferenciado enquanto elemento construtivo. 150
Passou a ser ordinário ao ponto de as legislações subsequentes definirem e regulamentarem o que é um brise (que teria a mesma função do cobogó) e não o citar sequer uma vez. Com a perda da função estabelecida como praxe nos projetos do Plano Piloto já que as legislações subsequentes não mais exigiam esconder as áreas de serviços a partir de logradouros públicos, acabou por cair no ostracismo projetual na cidade na década de 80. Voltando à tona anos depois, quando a estética modernista começa ser revisitada. Porém, seu retorno se dá como elemento estético e simbólico, não retornando para as fachadas dos novos edifícios. Na década de 60 ele começa a ser bastante utilizado principalmente na fachada posterior dos edifícios em altura, onde ficavam as áreas molhadas. As cozinhas, os banheiros, área de serviços, por permitir uma grande aeração. E aí ele ficou caracterizado como uma fachada de fundo, que não tinha abertura direta para a paisagem. Cobogó passou a ser visto como um elemento pejorativo. Como se ele fosse o fundo da edificação e não a frente e muitas pessoas passaram a criticar e deixar de usar o cobogó nas edificações. E agora o cobogó entra como representação cultural, não só de uma estética do movimento moderno, mas como um elemento que é extremamente sustentável. Você permite a aeração, ventilação, sem qualquer tipo de ar condicionado ou sistema mecanizado. Então ele volta agora com bastante força na arquitetura contemporânea. (Professora Luciana Saboia, entrevista para o vídeo História do Cobogó)
Vimos que a releitura do cobogó retira-o do sistema fordista da produção e utilização em série, situando-o na sociedade contemporânea hipertexto (na leitura de Ascher). Nesse contexto ele é peça de design, de alto valor agregado.
151
Com um movimento por parte dos arquitetos em tentar estabelecer uma pós-modernidade na arquitetura, a crítica recaiu na estética funcionalista do modernismo e o sistema fordista. Ascher estabelece como base para o desenvolvimento do modernismo a existência de três fatores na nossa sociedade: a racionalização, a individualização e a diferenciação social. O processo de desenvolvimento das sociedades contemporâneas, profundamente impactados pelas novas formas de comunicação, alteração das necessidades de deslocamento, e maior diferenciação do indivíduo em relação ao seu meio e relações, ocasionou um aprofundamento do processo de individualização. Dessa forma, se nos primórdios do modernismo o taylorismo permitia a oferta de produtos e serviços em massa, nos tempos mais atuais (com um aprofundamento do processo de individualização) a busca passa a ser por bens e serviços também individualizados. Ou seja, observa-se uma inversão de valores em relação a esses bens. Se antes um item singular, era associado à produção artesanal, logo não tinha tanto valor quanto um industrializado e “mais perfeito” já que mais consistente, hoje o que se observa é crescente valorização de itens exclusivo. Esse processo de individualização e multipertencimento resulta no que Ascher chama de “sociedade hipertexto” que culmina em um contexto econômico cognitivo. No âmbito dessa nova economia, os valores produzidos estão atrelados ao capital cognitivo tanto individual quanto das organizações. Nesse contexto, produção 152
e consumo adquirem um viés individualizado. O que, para a nossa análise, significa inferir que o cobogó que nasceu na fase fordista do modernismo, era produzido e utilizado em escala (e Brasília utilizou-o na exacerbação desse sentido) tinha alto valor enquanto produção em massa e na manutenção daquele sistema, mas não em um contexto econômico das sociedades hipertexto. Com o passar do tempo e a gradativa mudança social no sentido de valorizar as soluções mais personalizadas e/ou artesanais o cobogó utilizado em larga escala pode ser considerado demasiado ordinário. Com o processo de individualização em um contexto de economia cognitiva ele pôde então ser resgatado, não mais como um item em série, de fácil produção e utilização em escala, mas como um objeto de diferenciação. Isso se traduz em novos modelos e acabamentos e, claro, aumento do preço a fim de torná-lo um item pouco acessível, logo mais exclusivo. A palavra chave nessa nova perspectiva é a exclusividade, que em última análise culmina em exclusão. O elemento que nasceu para atender necessidades populares e passou à utilização em massa é então apropriado por um público que o imbui de novo significado: se antes os modelos não tinham autoria, hoje eles, além da autoria reconhecida, ganham prêmios de design. Se antes eram um elemento construtivo com a finalidade de esconder os serviços, hoje são exibidos com status de arte em fachadas e detalhes de interiores. Se antes eram fabricados no canteiro de obras e vendidos em milheiros, hoje as peças são adquiridas individualmente por 153
elevados preços. Se antes eles eram utilizados em projetos para baixa renda, como uma barata opção construtiva, hoje são detalhes de acabamento para aqueles que buscam diferenciação em seus projetos. Por fim, aqueles que hoje o utilizam, o fazem com novo significado. As observações de Asher sobre o período cognitivo 31 em que vivemos encontram eco nos nossos achados de campo. Um exemplo disso é valorização dos azulejos de Athos Bulcão utilizados nas construções da cidade e a busca da autoria de uma dezena de outros azulejos empregados nas habitações de Brasília. O mesmo não ocorre com os cobogós dos edifícios, que apresentam grande variedade e aspectos plásticos que justificam a sua catalogação e preservação. Entretanto, por existirem em toda parte acabaram por se tornar demasiado ordinário levando à sua invisibilidade enquanto evento digno de pesquisa. Por meio da análise do “passeio” do cobogó pelo espaço e tempo no Brasil, conseguimos, enfim, observar como ele vai mudando a sua função e refletindo o contexto histórico em que é utilizado. Retornando ao nosso argumento inicial de pesquisa que estabelece que elementos, formas e padrões construtivos são característicos tanto de geografias quanto de culturas específicas, temos o cobogó que ilustra como essa correlação pode ser estabelecida.
31
De que ele “não hesita em utilizar as formas antigas e os estilos vernaculares, tanto quanto os tipos modernos” (ASCHER. P. 94)
154
Observamos que o cobogó transitou pelo modernismo absorvendo suas principais características ao longo das últimas décadas. Versátil, ele passa de técnica construtiva vernacular, para elemento autônomo patenteado, é imbuído de funcionalidade durante o modernismo (seja para possibilitar a ventilação permanente, criar atmosferas de luz e sombra, seja para solucionar questões funcionais, ou culturais, como esconder as áreas de serviços, ou em construções rápidas substituindo o uso dos vidros). Na contemporaneidade, ele é absorvido pela economia cognitiva e se veste de exclusividade (seja no sentido de individualização ou no de exclusão). Brasília é uma cidade com 58 anos, muitos dos primeiros edifícios já passaram por uma ou mais reformas nas fachadas. A “Capital Federal – portanto, de todos os brasileiros – a qual foi projetada e construída como um exemplo dos conceitos humanísticos que regiam o movimento moderno de arquitetura, passou a ser tratada como uma cidade qualquer, onde as forças do mercado imobiliário impuseram suas regras sobre as normas de preservação do tombamento”. (FERREIRA e GOROVITZ, 2008, p. 9). Como ponto de observações desdobramentos futuros, o
levantamento do estoque de cobogós de Brasília pode importante na
medida em que se observa que muitos estão sendo descaracterizados ou até mesmo retirados das fachadas. Se não como um incentivo à preservação, o seu estudo, serve ao menos como registro de um dos elementos mais característicos das construções iniciais da cidade e do modernismo brasileiro. 155
Do ponto de vista da análise social, fica o questionamento sobre como a arquitetura é influenciada pelo período histórico vigente e de como a arquitetura pode servir para consagrar práticas sociais. Como críticos sociais precisamos, ao invés disso, reter o gênero de compromisso com o planejamento, com futuros alternativos, que reconhece e mesmo enfatiza o necessário dilema de estar preso entre as contradições utópicas de imaginar um futuro melhor e a reprodução inaceitável do status quo (...) na verdade é uma sugestão mais modesta de que arquitetos e planejadores aprendam a trabalhar com a análise social e assimilar os efeitos sociais de seus projetos no processo de planejamento, sem impor uma tecnologia desencarnada da história nem abandonar o objetivo de novas possibilidades sociais e estéticas (HOLSTON, 1993, p. 317)
Figura 61 - COBÓS DEMOLIDOS SeaPort Marina Hotel. Long Beach, CA. Foto de Casey Lombardo
156
No nosso pequeno recorte: é interessante observar que o cobogó, que nasceu em Recife com a função de fazer circular o ar, de libertar o interior das habitações das grossas paredes, acabou em Brasília tendo a função oposta, esconder a nossa inabilidade de mudar padrões sociais há muito estabelecidos. O que, por outro lado, nos leva a refletir em que extensão o exercício da arquitetura também pode servir como motor de mudanças de paradigma na sociedade ou simplesmente replicar valores há muito sedimentados. Longe de ser extensiva, a presente pesquisa levantou ainda uma série de indagações sobre os usos do cobogós durante o período modernista da arquitetura e no momento atual, sobre sua utilização em projetos de habitação de interesse social e em projetos de interiores e que podem ser desenvolvidas futuramente. Questões simbólicas em relação às fachadas. Abre ainda a discussão sobre aspectos identitários relacionados aos cobogós. Ressalta-se ainda a variedade do modelos e aplicações nas fachadas dos edifícios do Plano Piloto e que podem futuramente ser catalogadas.
157
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APÊNDICE I – Arquitetos de Brasília por fases de construção
Fases e arquitetos primeira fase Oscar Niemeyer Hélio Uchoa Luiz Acioli, Marcello Campello e Sergio Rocha Jaci Hargreaves segunda fase Eduardo Negri Paulo Magalhães Gilberto Salomão Nauro Esteves Américo Campello Jaci Hargreaves Luigi Pratesi Mayume e Sergio S. Lima Milton Ramos Milton Ramos Afurtado Glauco Campelo Oscar Niemeyer terceira fase Eduardo Negri Manoel Hermano Marcilio M.F. Takudo Takada 168
Quantidade de projetos na amostra
Percentual em relação à amostra 23 11% 11 48% 7 30%
4 1 36 12 4 3 3 2 2 2 2 2 2 1 1 120 19 17 11
17% 4% 17% 33% 11% 8% 8% 6% 6% 6% 6% 6% 6% 3% 3% 57% 16% 14% 9%
Milton Ramos Afurtado Ailton Morais de Carvalho Luiz H Pessina José Hipólito Nauro Esteves Alberto Braga Luigi Pratesi Salvino Pires - Construtora Ocidental Eliana e Porto Luiz Antônio Pinto Reinaldo Amarante Neto Aleixo Furtado e Gerson Malty Cicero Linhares Codebrás Elvin M Dubugras Theklia Ramira dos Santos Celso Lelis Construtora Rabello S.A. Francisco Evangelista Fernandes Hélio Uchoa Hermano Montenegro João Márcio Filizzola dos S. Luiz Acioli, Marcello Campello e Sergio Rocha Newton Godoy Newton Godoy e Marcia Almeida Oto José Correa Renato Cesar Alvarenga quarta fase Paulo Octávio 169
11 7 6 5 5 4 4 4 3 3 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1
9% 6% 5% 4% 4% 3% 3% 3% 3% 3% 2% 2% 2% 2% 2% 1% 1% 1% 1% 1% 1%
1 1 1 1 1 30 5
1% 1% 1% 1% 1% 14% 17%
Newton Godoy e Marcia Almeida Valsulir Rodrigues Galvão Construtora Paulo Octavio Via Imobiliária Construtora Astec Construtora Líder Construtora Musa Grupo de construções INCO LTDA João Fortes Engenharia LDTA José Batista Coury José Batista Coury Filho Kleber Victor da Silva Marcilio M.F. Takudo Takada Marcus Vinicius C. Duarte Mario Andrade Valois Oseas de Almeida Filho Pedro Paulo MG Chermont Renata Valadares Gontijo Sergio M.B. do vale Total Geral
3 3 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 209
170
10% 10% 7% 7% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 100%