MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
Alexandra Mendes da Fonseca (Licenciada)
PROJETO FINAL DE MESTRADO ELABORADO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ARQUITETURA
ORIENTAÇÃO CIENTÍFICA: Professora Doutora Ana Marta Feliciano Professor Doutor José Luís Crespo Professor Doutor António Leite JÚRI: Professora Doutora Barbara Massapina (Presidente) Professora Doutora Margarida Louro (Arguente) Professora Doutora Ana Marta Feliciano (Orientador) DOCUMENTO DEFINITIVO Lisboa, FA ULisboa, Julho, 2016
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
Alexandra Mendes da Fonseca (Licenciada)
PROJETO FINAL DE MESTRADO ELABORADO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ARQUITETURA
ORIENTAÇÃO CIÊNTIFICA: Professora Doutora Ana Marta Feliciano Professor Doutor José Luís Crespo Professor Doutor António Leite JÚRI: Professora Doutora Barbara Massapina (Presidente) Professora Doutora Margarida Louro (Arguente) Professora Doutora Ana Marta Feliciano (Orientador) DOCUMENTO DEFINITIVO Lisboa, FA ULisboa, Julho, 2016
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITECTURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
RESUMO
Do presente trabalho, nasce uma história cujo cenário de ação ilustra dois palácios que sobreviveram, ao longo do tempo, a inúmeras mudanças e que se foram ajustando à evolução da sociedade. Medita-se sobre o íntimo da memória e do património, como mote para o exercício arquitetónico. Reflete-se sobre o lugar, sobre a sua essência e a forma como este se altera no tempo, como o percecionamos e sentimos a fim de entendermos a arquitetura. Procuram-se respostas para uma reutilização contemporânea através do reconhecimento do passado, da memória e da identidade dos palácios, salvaguardando e preservando o seu património arquitetónico. Assim, este conjunto patrimonial situado no Largo Conde Barão renasce das cinzas do esquecimento, tornando-se palco de novas memórias, onde habitantes e visitantes da cidade de Lisboa têm o papel principal. PALAVRAS-CHAVE: Memória | Património | Tempo | Conjunto Patrimonial do Conde Barão | Reinterpretação
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
I
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITECTURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
ABSTRACT
From this work, comes a story whose action scenario illustrates two palaces that has survived over time, numerous changes and which were adjusting to the evolution of society. Meditating on the intimate memory and heritage, as a motto for architectural exercise. It is reflected on the place, on its essence and how this changes over time as we perceive and feel in order to understand the architecture. It seeks answers to contemporary reuse by recognizing the past, memory and identity of the palaces, safeguarding and preserving its architectural heritage. Thus, this heritage complex located in Largo Conde Barão rises from the ashes of oblivion, becoming stage of new memories, where residents and visitors of Lisbon have the lead role. KEYWORDS: Memory | Heritage | Time | Heritage Complex in Conde Barão | Reinterpretation
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
III
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
AGRADECIMENTOS
Aos momentos, mais ou menos brilhantes e aos que sempre os iluminaram.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
V
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
ÍNDICE GERAL RESUMO
I
ABSTRACT
III
AGRADECIMENTOS
V
ÍNDICE GERAL
VI
ÍNDICE DE FIGURAS
IX
1. INTRODUÇÃO
1
1.1.
ENQUADRAMENTO
3
1.2.
OBJETIVOS
4
1.3.
METODOLOGIA
5
1.4.
ESTRUTURA DO TRABALHO
6
2. REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIA E PATRIMÓNIO 2.1.
O SENTIDO DA MEMÓRIA
9
2.1.1. Memória em definição
13 15
2.1.2. Valor da Memória
25
2.1.3. Memória em Arquitetura
33
2.2. O SENTIDO DO PATRIMÓNIO
39
2.2.1. Património em definição
41
2.2.2. Valor Patrimonial
55
2.2.3. Construir no Construído
63
2.3. SÍNTESE: MEMÓRIA, PATRIMÓNIO E CONTEMPORANEIDADE 3. CASOS DE ESTUDO 3.1.
NEUES MUSEUM
67 71 74
3.2. PALÁCIO DAS ARTES – FÁBRICA DE TALENTOS
78
3.3. MUSEU CASA DA MEMÓRIA
82
3.4. CONVENTO DAS BERNARDAS RESIDENCE
86
3.5. SÍNTESE
90
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITECTURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
4. AS MEMÓRIAS DO LUGAR DO CONDE-BARÃO
93
4.1.
HISTÓRIA DA PRAIA DA BOAVISTA
95
4.2.
A MEMÓRIA DO PALÁCIO ALMADA-CARVALHAIS: UM PERCURSO RUMO À RUÍNA
100
4.2.1. O Nascimento do Palácio
100
4.2.2. Influências, Características e Evolução
103
Arquitetónica no decorrer dos tempos 4.3. IDENTIDADE E RUÍNA NO SÉCULO XXI: O LIMIAR PARA A MUDANÇA 5. ENCONTRO DE TEMPOS: INTERVENÇÃO – PROJECTO 5.1.
ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO
5.2. PROJETO
118 121 122 124
5.2.1. O Conceito
124
5.2.2. O Desenho
127
5.2.3. O Programa
131
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
139
BIBLIOGRAFIA
144
ANEXOS
151
ANEXO I – MAIS ACERCA DOS PALÁCIOS
153
Quem foram os Almada?
154
Árvore Genealógica
157
Quem foi Rui Fernandes de Almada?
160
Cronologia
162
O palácio hoje: Levantamento Fotográfico
169
ANEXO II – PROCESSO DE TRABALHO
171
ANEXO III – APRESENTAÇÃO FOTOGRÁFICA DAS MAQUETES FINAIS
193
ANEXO IV – APRESENTAÇÃO GRÁFICA DO PROJETO FINAL DE MESTRADO
207
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
VII
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
ÍNDICE DE FIGURAS
Capa. Pátio do Palácio Almada-Carvalhais, 2015. Imagem do autor. 1. Largo do Conde Barão, 2015. Imagem do autor.
XIX
2. Ilustração de Vasco Mourão. Capa da revista Arquitetura 21, #11 Maio
10
2010. in https://s-media-cacheak0.pinimg.com/236x/03/41/74/034174def958ae47b08b771c125d623e.jpg
3. Esquema ilustrativo da evolução do conceito de memória ao longo
16
dos tempos. 4. Retrato de Mnemyse, considerada Deusa da memória, e mãe das
16
nove Musas na Grécia Antiga. 5. Ilustração do busto de Platão.
16
in https://opiniaocentral.wordpress.com/tag/pensamento-platonico/
6. Busto de Aristóteles, cópia romana da escultura grega original (c.325
16
ac), Museu Nacional Romano, Roma. in https://cours.univ-paris1.fr/pluginfile.php/306151/course/section/22146/aristote-2.jpg
7. Metade esquerda da pintura a óleo de Fra Angélico. “Todos os
16
Santos”(1428-1430) Galeria Nacional de Londres. in http://agmigueltorga.edu.pt/images/icagenda/files/AllSaintsFraAngelico.jpg
8. Baixo relevo de Bertel Thorvaldsen. “A dança das Musas” (1816),
16
Museu Thorvaldsen, Copenhaga, Dinamarca. In
https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQsvVrcg_LZS4bjIQ-
9uzShaQ6zKggJKXcYAJeGH7eWyfGlle3fWg
9. The Persistence of Memory, Salvador Dalí, 1931 – Coleção do Museu
19
de Arte Moderna de Nova Iorque. in http://www.britannica.com/art/Surrealism
10. Vista sobre Lisboa. Exemplos de alguns instrumentos de
20
comemoração – Torre de Belém, Ponte 25 de Abril, Cristo Rei. in http://lh4.ggpht.com/-ak8EXqELC4/VFx574aA0NI/AAAAAAABY5Q/K9t3KCc1aG8/s1600-h/Vista-Nocturna6.jpg
21
11. Biblioteca de Trinity College, Dublin, Irlanda. in http://www.daidegasforum.com/images/170/Trinity-College-Library-Dublin-Ireland.jpg
12. Coliseu, Roma, 2012. Imagem do autor.
21
13. Exemplos de Moedas comemorativas em Portugal - Batalha de Ourique
(1139),
Pedro
Alvares
Cabral
(1500),
Restauração
da
21
Independência (1640). in http://i.colnect.net/images/b/1520/284/200-Escudos-Pedro-Alvares-Cabral-Brasil.jpg http://1.bp.blogspot.com/lzoj94de2OI/Uxxoluz9y5I/AAAAAAAAA30/3ZoRZer4Zg0/s1600/Scan0002+%252862%2529 +-+C%25C3%25B3pia+-+C%25C3%25B3pia+-+C%25C3%25B3pia+-+C%25C3%25B3pia++C%25C3%25B3pia+-+C%25C3%25B3pia.jpg ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
IX
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
14. Reflexo da sociedade moderna. Ilustração de Liam Walsh.
26
in http://a1.files.blazepress.com/image/upload/c_fit,cs_srgb,dpr_1.0,q_80,w_620/MTI5OTIwO DA4NjQxNDI1Mzc4.jpg
15. Ausência de interação social, vício tecnológico. Ilustração de Ângel
29
Boligan. in http://a4.files.blazepress.com/image/upload/c_fit,cs_srgb,dpr_1.0,q_80,w_620/MTI5OTIw ODA4OTA5ODUwNjM0.jpg
16. Compilação de imagens dos Armazéns do Chiado - Ícone
37
arquitetónico de referência na cidade de Lisboa. in http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2012/01/grandes-armazens-do-chiado.html
17. Ilha de Spree, a ilha dos museus - Em destaque a localização do
74
Neues Museum. in https://deviagemsa.files.wordpress.com/2014/12/captura-de-tela-2014-12-21-c3a0s-20-1157.png?w=545
18. Fachada Principal do Neues Museum. Imagem de David
74
Chipperfield Architects. in http://www.berlin1.de/sites/default/files/styles/giant_teaser/public/images/image/2014/09/ 22/museumsinsel-neues-museum-berlin-bilder-51344156.jpg?itok=Siv5Q1IX
19. Recuperação da fachada tardoz do Neues Museum. Imagem de
74
David Chipperfield Architects. in http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum
20. Restauração da Sala Medieval do Neues Museum. Imagem de David
74
Chipperfield Architects. in http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum
21. Fachada tardoz do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield
75
Architects. in http://simplesmenteberlim.com/neues-museum-museu-novo/
22. Escadaria Principal do Neues Museum, antes e depois da 2ª Guerra
77
Mundial. in http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum
23. Resultado após a reinterpretação da escadaria principal do Neues
77
Museum. Imagem de David Chipperfield Architects. in http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum
24. Atrium de chegada ao Neues Museum. Imagem de David
77
Chipperfield Architects. in http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum
25. Átrio Principal do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield
77
Architects. in http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
26. Convento de São Domingos – Palácio das Artes, 2012. Imagem de
78
aaph arquitectos. in http://www.aapharquitectos.com/index/index.php?/rec/edificio-douro/
27. O antes e depois do Hall Nobre do Palácio das Artes. Imagem de
79
Fundação da Juventude. in http://www.fjuventude.pt/pt/menu/44/palacio-das-artes.aspx#palco-historico-paraeventos-unicos
28. Escadaria Principal de acesso ao piso nobre do Palácio das Artes.
79
Imagem de Fundação da Juventude. in http://4.bp.blogspot.com/_GZXAelLc0j0/TDCss5OeGKI/AAAAAAAAJDM/LXSyPaPnOn4/s 1600/3+Diversos+29.05.2010+039.jpg http://cms.fjuventude.pt//upload_files/client_id_1/website_id_1/Espacos/Palacio_das_artes /DossierPalacioArtes_LR.pdf
29. Sala 1 com disposição oval. Imagem de Fundação da Juventude.
79
in http://cms.fjuventude.pt//upload_files/client_id_1/website_id_1/Espacos/Palacio_das_artes /DossierPalacioArtes_LR.pdf
30. Sala 2 com disposição para a realização de formações. Imagem de
79
Fundação da Juventude. in http://cms.fjuventude.pt//upload_files/client_id_1/website_id_1/Espacos/Palacio_das_artes /DossierPalacioArtes_LR.pdf
31. Planta do Piso Nobre do Palácio das Artes, Porto. Imagem de
80
Fundação da Juventude. in http://cms.fjuventude.pt//upload_files/client_id_1/website_id_1/Espacos/Palacio_das_artes /DossierPalacioArtes_LR.pdf
32. Ligação entre salas. Imagem de aaph arquitetos.
81
in http://www.aapharquitectos.com/index/index.php?/rec/edificio-douro/
33. Sala 5 com exposição temporária. Imagem de aaph arquitetos.
81
in recursos.visitporto.travel/pois/2107_4.jpg
34. Sala 1 como sala de convívio. Imagem de Fundação da Juventude.
81
in http://recursos.visitporto.travel/pois/2107_2.jpg cms.fjuventude.pt//upload_files/client_id_1/website_id_1/Espacos/Palacio_das_artes/Dossi erPalacioArtes_LR.pdf
35. Sala 2 e 1 com exposições temporárias. Imagem de Fundação da
81
Juventude. in http://recursos.visitporto.travel/pois/2107_2.jpg cms.fjuventude.pt//upload_files/client_id_1/website_id_1/Espacos/Palacio_das_artes/Dossi erPalacioArtes_LR.pdf
36. Sala de Jantar do piso térreo. Imagem de Dop Restaurante.
81
in http://ruipaula.com/web/galeria/dop-galeria/
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
XI
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
37. Fachada Principal do Restaurante no Palácio. Imagem de Dop
81
Restaurante. in http://ruipaula.com/web/galeria/dop-galeria/
81
38. Sala de Jantar da mesanine. Imagem de aaph arquitetos. in http://www.aapharquitectos.com/index/index.php?/rec/edificio-douro/
39. Esquema de distribuição de funções do projeto a Casa da Memória.
82
in http://a1.images.divisare.com/image/upload/c_fit,w_1440/f_auto,q_80/v1/project_images/3 462770/Esquema___Plantas.jpg
82
40. Praça do Museu Casa da Memória, Guimarães, Portugal. in http://www.guimaraesturismo.com/imgcrop/uploads/geo_article_image/image/1137/casa_ memoria_7072_1_510_300.jpg
41. Praça do Museu Casa da Memória, Guimarães, Portugal.
82
in http://a5.images.divisare.com/image/upload/c_fit,w_1440/f_auto,q_80/v1/project_images/3 462786/CsMe004_Raul_Andrade_Pereira.jpg
42. Praça do Museu Casa da Memória, Guimarães, Portugal.
82
in https://casa.sapo.pt/News/multimedia/imagens/4e9fd713-8c36-4662-9794d0b6b330bc80.jpg
83
43. Fachada principal do Museu Casa da Memória. in http://www.miguelguedes.pt/ficheiros/projectos/grandes/30_DSC_2820_1.jpg
84
44. Planta do piso térreo e axonometria explodida. in http://divisare.com/projects/212903-miguel-guedes-arquitetos-casa-da-memoria
45. Entrada Principal para a Casa da Memória, atravessamento exterior.
85
in http://www.miguelguedes.pt/ficheiros/projectos/grandes/DSC_2883_Jose769_Carlos_Melo _Dias.jpg
85
46. Espaço de Exposições, Nave de exposição principal. in www.guimaraesturismo.com/imgcrop/uploads/geo_article_image/image/1139/casa_memor ia_1199_1_510_300.jpg
85
47. Espaço de Exposições, Nave de exposição principal. in http://reimaginar.webprodz.com/imagens/galeria/galeria_30_5.jpg
48. Vista sobre a ala nascente do convento. Imagem de Luís Ferreira
86
Alves. in http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/247/imagens/i444692.jpg
49. Ala nascente do convento antes da intervenção. Imagem de João
86
Xavier. in http://laurbana.com/blog/wp-content/uploads/2012/10/05.jpg
50. Recuperação da ala nascente do convento. Imagem de Luís Ferreira
86
Alves. in http://www.archdaily.com.br/br/769152/convento-das-bernardas-eduardo-souto-demoura/558295f5e58ece56d80002b7-convento-das-bernardas-eduardo-souto-de-mouraphoto UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
51. Recuperação do Portal Manuelino. Imagem de João Xavier.
86
in http://www.patrimoniocultural.pt/static/data/cache/a3/13/a31328e0164851b4bb49b8762963 c776.jpg
52. Grande pátio interior com as três palmeiras no centro. Imagem de
87
Luís Ferreira Alves. in http://laurbana.com/blog/wp-content/uploads/2012/10/01.jpg
53. Fachada da Rua dos Mártires antes e após a sua recuperação.
89
Imagem de Luís Ferreira Alves. in http://www.patrimoniocultural.pt/static/data/cache/03/d7/03d71517e2ef6fdd26704e0021923 848.jpg http://www.archdaily.com.br/br/769152/convento-das-bernardas-eduardo-souto-demoura/558295f5e58ece56d80002b7-convento-das-bernardas-eduardo-souto-de-mouraphoto
54. Planta esquemática referente à zona reabilitada (cinza escuro) e à
89
construção nova (cinza claro). in http://2.bp.blogspot.com/rAH7MJQAX54/VDv9Ge4cwlI/AAAAAAABdx8/Pyci0kHBjbE/s1600/Eduardo%2BSouto%2B de%2BMoura%2B.%2BConvento%2Bdas%2BBernardas%2Brestoration%2B.%2BTAVIRA%2 B%2B%2B(10).jpg
55. Pequeno pátio privado das vivendas, construção nova. Imagem de
89
Luís Ferreira Alves. in http://1.bp.blogspot.com/-VzThZww-zMQ/VDv9IXvXkoI/AAAAAAABdyQ/8FDZFFYdcU/s1600/Eduardo%2BSouto%2Bde%2BMoura%2B.%2BConvento%2Bdas%2BBernardas% 2Brestoration%2B.%2BTAVIRA%2B%2B%2B(6).jpg
56. Arcada de união entre o grande pátio e o estacionamento. Imagens
89
de Luís Ferreira Alves. in http://1.bp.blogspot.com/-JC-8NxKKRhk/VDwuIggEtI/AAAAAAABd_0/Evoen1FdOjw/s1600/Eduardo%2BSouto%2Bde%2BMoura%2B.%2B Convento%2Bdas%2BBernardas%2Brestoration%2B.%2BTAVIRA%2B%2B%2B(9%2B1).jpg
57. Grande pátio. Imagem de Luís Ferreira Alves.
89
in http://www.archdaily.com.br/br/769152/convento-das-bernardas-eduardo-souto-demoura/558295cce58ece710300029e-convento-das-bernardas-eduardo-souto-de-mouraphoto
58. Gravura que retracta a cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755,
94
de Mateus Sautter. in https://2.bp.blogspot.com/Y2ElbdwkUWI/VjUuf_aUfxI/AAAAAAAAHWI/ZwQvUgMU8j4/s640/Lisboa%2Bantes%2Be %2Bdurante%2Bo%2Bterremoto%2Bde%2B1755%2Bin%2Bgravura%2Bde%2BMateus%2BSa utter%2Bs%25C3%25A9c.%2BXVIII.jpg
59.
Gravura
sobre
a
zona
da
Boavista
no
século
XVII.
94
in Academia Nacional de Belas Artes
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
XIII
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
60. Pormenor da planta geral da Cidade de Lisboa, de Francisco D.
94
Milcent, 1785. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
95
61. Grande panorama de Lisboa, 1730. in Museu do Azulejo, Portugal, Lisboa.
62. Aspeto da zona do Cais do Sodré durante as obras de construção do
97
Aterro da Boavista. in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2010/07/avenida-24-de-julho-iv.html
97
63. Vista sobre o Aterro da Boavista, AFML, 1872. in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2010/07/avenida-24-de-julho-iv.html
64. Vista panorâmica da Av. 24 de Julho junto à zona de santos, 1900.
97
Imagem de Joshua Benoliel. in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2010/07/avenida-24-de-julho-iv.html
65. Vista panorâmica da zona da Boavista, junto ao Mercado da Ribeira,
97
1880. in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2010/07/avenida-24-de-julho-iv.html
66. Vista sobre o Palácio Conde Barão do Alvito no seguimento da Rua
98
da Boavista, 2015. Imagem do autor. 67. Vista sobre a Rua do Boqueirão Duro a partir do interior do Palácio
98
Conde Barão do Alvito, 2015. Imagem do autor. 68. Vista sobre a antiga zona industrial do Aterro da Boavista, 2014.
98
Imagem do autor. 69. Vista sobre a Rua do Boqueirão Duro, antiga zona industrial do
98
Aterro da Boavista, 2014. Imagem do autor. 70. Vista sobre a Fábrica Sorel Motors, antiga zona industrial do aterro
98
da Boavista, 2014. Imagem do autor. 71. Início da transformação da zona industrial do Aterro da Boavista.
99
Vista sobre a fase primária da construção da nova sede da EDP, 2015. Imagem do autor. 72. Pormenor do grande panorama de Lisboa, 1730. Aproximação ao
101
Palácio Almada Carvalhais. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
73. Vista sobre a fachada do Palácio Almada Carvalhais, 1950. Imagem
101
de Judah Benoliel. in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2008/05/largo-do-conde-baro-ii.html
74. Pormenor da gravura sobre a zona da Boavista no século XVII.
101
Aproximação ao Palácio Almada Carvalhais. in Academia Nacional de Belas Artes
75. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações
102
ocorridas durante o século XVI. Imagem do autor. UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
76. Pormenor do grande panorama de Lisboa, 1730. Aproximação à
103
Praia da Boavista. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
77. Imagem da torre de entrada no interior do palácio Almada
105
Carvalhais e da garagem do Conde Barão. 78. Vista sobre a rampa e escadaria que dá acesso o pátio do Palácio
105
Almada Carvalhais, 2014. Imagem do autor. 79. Vista sobre o pátio do Palácio Almada Carvalhais, 2014. Imagem do
105
autor. 80. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada
105
Carvalhais. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
81. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada
105
Carvalhais. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
82. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada
105
Carvalhais, 2014. Imagem do autor. 83. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada
105
Carvalhais, 2014. Imagem do autor. 84. Vista sobre o pátio do Palácio Almada Carvalhais, 2015. Imagem do
106
autor. 85. Sala nobre da ala sul do palácio, antiga sala da discoteca beleza,
106
2015. Imagem do autor. 86. Sala nobre da ala sul do palácio, antiga sala da discoteca beleza,
106
2015. Imagem do autor. 87. Sala da ala norte do palácio, 2015. Imagem do autor.
106
88. Vista sobre o pátio do Palácio Almada Carvalhais a partir de um dos
106
vãos da galeria do 2º piso, 2015. Imagem do autor. 89. Planta da zona da praia da Boavista, abertura da Rua Direita da
107
Boavista, Monteiro de Carvalho, 1770. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
90. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações
108
ocorridas durante o século XVII. Imagem do autor. 91. Projeto para a realização do rebaixamento da rampa de acesso à
109
Garagem do Conde Barão, 1922. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
XV
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
92. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações
110
ocorridas durante o século XVIII. Imagem do autor. 93. Pormenor das pinturas decorativas em trompe- l’oeil presentes na
113
escadaria principal. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
94. Pormenor decorativo das abobadas de ogiva existentes no corredor em rampa de acesso ao pátio e à garagem do Conde Barão.
113
in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
95. Pormenor decorativo da sala da ala sul do palácio ao nível do pátio,
113
2015. Imagem do autor. 96. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações ocorridas durante o século XIX-XX. Imagem do autor. 97. Desenhos do projeto de ampliação da Garagem do Conde Barão,
114
116
1929. in MATOS, José; PAULO, Jorge; Estudo Histórico e Patrimonial – Palácio Almada Carvalhais, trabalho não publicado. 2009.
98. Vista sobre a rampa de acesso ao interior da garagem do Conde Barão, 2015. Imagem do autor. 99. Vista sobre o interior da garagem do Conde Barão, 2015. Imagem do autor. 100. Vista sobre a fachada tardoz do palácio a partir do interior da
116
116
116
garagem do Conde Barão, 2015. Imagem do autor. 101. Vista sobre a Galeria fechada no pátio do Palácio Almada
117
Carvalhais, 1949. Imagem de António Castelo Branco. in http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2008/05/largo-do-conde-baro-v.html
102. Vista aérea da realidade urbana atual do Aterro da Boavista.
119
Quarteirão de intervenção em destaque. Fotomontagem do autor. 103. Esquema de estudo sobre a ideia projetual
125
104. Esquiço do Anfiteatro do Palácio Almada Carvalhais
126
105. Esquiço do Jardim do Palácio Conde Barão do Alvito 106. Esquiço do Anfiteatro do Palácio Almada Carvalhais 107. Esquiço do Jardim do Palácio Conde Barão do Alvito
126 128 128
108. Vista aérea da última proposta projetual
130
109. Esquiço da cobertura da escola
131
110. Esquiço do Anfiteatro do Palácio Almada Carvalhais 111. Esquiço do interior do auditório
132 132 UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
112. Conjunto de esquiços referente aos pátios da escola
134
113. Corte referente aos pátios da escola
135
114. Esquiço refente ao corredor de acesso das salas do piso inferior
135
115. Esquiço de estudo do núcleo de residências
136
116. Planta tipo do núcleo de residências
137
XVII
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
“As edificações e as cidades são instrumentos e museus do tempo. Elas permitem-nos ver e entender o passar da história, participar de ciclos temporais que ultrapassam as nossas vidas individuais”. Juhani Pallasmaa
1. Largo do Conde Barão, 2015. Imagem do autor.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
XIX
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
1.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
I N T R O D U Ç Ã O
1
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
1.1.
ENQUADRAMENTO
Foi no decorrer do projeto desenvolvido durante o primeiro semestre do 5º ano do ano letivo 2013-2014, “Um Bairro um Centro”, que nasceu o interesse em entender de que forma a Arquitetura de hoje e a relação do Homem com a sua herança patrimonial podem vir a estabelecer um papel fundamental na reativação e reconexão do património edificado, quer com a cidade como com a sociedade. Entenda-se que “um monumento só se realiza e conclui 1
plenamente através da vivência que proporciona aos seus habitantes (…)” , e para tal, será crucial a presença da arquitetura, capaz de estabelecer relações, proporcionar experiências e criar memórias, uma vez que “(…) tais obras destinam-se a serem vividas e experimentadas (…)”.
2
Vivemos “(…) constantemente apressados e ansiosos, sentindo o tique-taque 3
do relógio reverberar a nossa consciência, atrasados para os compromissos” . Vivemos num tempo onde encontramos o mundo cada vez mais sobrelotado, com cidades a abarrotar, cheias de novas tendências, onde a consciência do Eu e do passado parece perder-se na nossa memória. Mas como nos salvamos deste tempo apressado e devorador de memória? Chocamos diariamente com inúmeros edifícios devolutos, muitos deles, verdadeiras “arcas de memória” coletiva, de alto valor patrimonial, histórico e cultural. Em Lisboa, muitos destes edifícios desapareceram quando se deu o terramoto de 1755, sendo importante dar, aos que “sobreviveram”, um pouco da nossa atenção e preocupação, no sentido de os recuperar e preservar, voltando a integrá-los no tecido urbano, procurando não perder mais do que a cidade já perdeu em tempos. E assim, através desta responsabilidade constante tomamos consciência que não podemos prescindir dos lugares de ontem, “porque prescindir deles tem por consequência o prescindir da qualidade humana do viver, do ser humano do Eu, reduzindo-nos a um estado patológico ou animal”.
1
4
PESSANHA, Matilde; in MENDONÇA, Catarina; Reinventar para a contemporaneidade o Castelo de
Hochesterwitz, 2012. p.5. 2
PESSANHA, Matilde; in MENDONÇA, Catarina; Reinventar para a contemporaneidade o Castelo de
Hochesterwitz, 2012. p.5. 3 4
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
ABREU; Pedro; O Destino do Monumento. Trabalho não Publicado. p.3. ABREU; Pedro; O Destino do Monumento. Trabalho não Publicado. p.11.
3
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Desta forma, reconhece-se no edifício singular a possibilidade privilegiada e única de habitar a memória, por um amanhã consciente e habitável que perdura na nossa lembrança.
1.2.
OBJETIVOS
Todos os objetivos e estratégias para o exercício de projeto visam manter e exaltar a identidade e valor patrimonial do objeto arquitetónico em estudo, dando importância à memória e identidade, tanto do lugar como do edifício. O objetivo principal passa assim por recuperar e reintegrar tipologias de exceção - os palácios - como instrumento para a requalificação urbana do lugar e para a salvaguarda patrimonial do edificado. Aqui, encontram-se subjacentes, conceitos – memória, património e identidade – a ser explorados, que se prendem cada vez mais com a realidade presente e a necessidade de redescobrir a cidade. Desta maneira, pretende-se explorar de que forma a arquitetura e a memória coletiva a ela associada podem ser inseridas na requalificação de uma pré-existência, com intuito de a incluir nas vivências da sociedade. Numa perspetiva geral, com o presente trabalho, procura-se reinventar e reinterpretar o edifício singular em investigação de forma a perpetuar, ao longo do tempo, a sua identidade e memória. Para isso, aposta-se na redefinição dos usos do edifício excecional num processo multifuncional que pretende conferir ao espaço novas dinâmicas e possibilidades, através da restruturação do edificado (exterior e interior) e da adição de um novo volume. À luz destas premissas, a proposta de intervenção urbana e arquitetónica passará por intervir essencialmente para a dinamização da área de intervenção. Uma das principais intenções passa por dotar estes edifícios em condições após a sua recuperação/reabilitação, podendo proporcionar a fixação e atracão de residentes e visitantes, procurando assim, promover a médio e longo prazo, um conjunto edificado que potencie a coexistência social e espacial de pessoas e grupos sociais com modos de vida diferentes. Os edifícios escolhidos representam um marco na história e na evolução da cidade, encontram-se num estado de acelerada degradação, tornando-se um ponto propício a sucessivas degradações no tecido urbano. Os objetos arquitetónicos a trabalhar na proposta de intervenção fazem parte de um conjunto patrimonial, que se situa no Largo Conde-Barão em Lisboa, e que por sua vez é constituído pelo Palácio Almada Carvalhais e pelo Palácio Conde UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
Barão do Alvito. Sendo o primeiro classificado como Monumento Nacional, tanto no palácio como no conjunto são reconhecidos valores históricos e arquitetónicos essenciais a preservar, que merecem um lugar na memória da sociedade e no seu quotidiano.
1.3.
METODOLOGIA
O trabalho de Projeto Final de Mestrado foi elaborado segundo uma estrutura metodológica que serviu de elemento organizador de todo o processo. Desta forma, durante a sua realização o trabalho foi submetido a distintos momentos e métodos de análise e recolha de informação. Numa primeira fase, ainda associada ao projeto desenvolvido no primeiro semestre, realizou-se um levantamento urbano entre o Alcântara e o Cais do Sodré que consistiu na compilação de vários dados técnicos, geográficos e históricos, procurando oportunidades de projeto inseridas no âmbito do trabalho, “Um Bairro um Centro”, que a Câmara Municipal de Lisboa tem vindo a desenvolver. Desta pesquisa resultaram 5 locais de intervenção, entre eles o conjunto edificado escolhido para este trabalho, situado no Largo do Conde Barão. Posteriormente
desencadeou-se
outro
levantamento
urbano,
mais
específico do local de intervenção, também ele apoiado em dados técnicos e históricos, recorreu-se em particular a plantas do edificado a trabalhar, a consultas sobre a classificação do território, a planos urbanos, projetos de intervenção e estratégias programáticas quer para a zona envolvente como para o edifício em estudo, elementos que, por sua vez serviram como ponto de partida para o exercício de investigação. Após avaliar os temas de interesse adjacentes ao lugar escolhido iniciou-se a recolha, pesquisa e análise bibliográfica sobre os mesmos de forma a sustentar a base da investigação. Como ponte entre a componente teórica e a componente prática, surgiu a necessidade de selecionar alguns casos de estudo capazes de ilustrar os aspetos mais pertinentes da teoria em comparação com o trabalho prático, tendo sido selecionados quatro exemplos o Neues Museum em Berlim, o Museu Casa da Memória em Guimarães, o Palácio das Artes no Porto, e o Convento das Bernardas em Tavira. Assim selecionou-se quatro tipos de abordagem em edifícios em ruína ou degradados, com interesse patrimonial e elevado valor histórico que se tornaram marcos nas suas cidades e que se transformaram em polos de crescimento ou de revitalização urbana. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
5
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
De seguida procedeu-se à recolha de informação in situ, para que fosse possível dar início a uma análise física do lugar mais profunda, uma observação delicada e atenta, procurando estudar o quotidiano do espaço, ou seja, conhecer que pessoas habitam este local, bem como, as suas rotinas e os usos que dão ao espaço. Para tal foi necessário visitar várias vezes o lugar, bem como recorrer a registos fotográficos e desenhados, elementos fundamentais para a realização do projeto. Por fim, foi realizada uma sistematização dos conceitos estudados e a sua aplicação prática no caso escolhido para trabalhar. Consequentemente, à luz dos temas estudados foi formulada a proposta arquitetónica, enquanto solução prática do que foi o raciocínio teórico.
1.4.
ESTRUTURA DO TRABALHO
Com o fim de elaborar uma compreensão alargada das questões abrangidas pelo tema, o presente trabalho foi desenvolvido em duas componentes de investigação; teórica e prática. Em ambas as partes estão implícitos os mesmos princípios base, focados em compreender a essência da memória na prática da arquitetura, operando o ato de projetar em torno dos mecanismos que esta nos oferece. Para tal, o trabalho foi estruturado em quatro momentos distintos mas interdependentes e relacionados entre si. Assim, na 1ª parte, foi enquadrada uma reflexão e pesquisa sobre a problemática da reabilitação na arquitetura que, por sua vez, é explorada em torno dos conceitos ligados à memória e ao património. À luz dos ideais de alguns
autores
como
Jacques
Le
Goff,
Francoise
Choay,
Maurice
Halbewhatches, John Ruskin, Alberto Baeza, esta fase recaiu na análise e na exploração da evolução destes termos ao longo dos tempos, no seu valor para a cidade e a sociedade, na sua identidade individual e coletiva, no poder vinculativo a eles associado e no papel memorial que transportam ao longo das gerações. Esta culmina com a reflexão sobre os monumentos e o seu papel na reativação da memória, bem como a sua relação com o património e a reabilitação contemporânea. Na 2ª fase desta parte, são expostos e analisados casos de estudo que, com base no tema da utilização do património como vínculo de memória urbana e social, marcam quer a cidade, quer a sociedade através da arquitetura e das premissas centradas na exaltação da identidade do lugar a intervir. Entre os vários exemplos que foram estudados ao longo do trabalho, como já foi referido, destacam-se neste capítulo o Neues Museum em Berlim, solução UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
arquitetónica que demonstra em particular a essência do edificado, um jogo entre o moderno e o antigo respeitando-se mutuamente; o Museu Casa da Memória em Guimarães, um reflexo de opções arquitetónicas e programáticas diretamente relacionadas com a memória do lugar e da cidade em que está inserido; o Palácio das Artes no Porto, cujas opções programáticas estimulam a atividade social e urbana da zona, e por fim, o Convento das Bernardas em Tavira, um projeto de carácter simplificador que vem salientar a importância da adaptação do edifício histórico às necessidades contemporâneas. Neste ponto realiza-se assim o enquadramento das intervenções estudadas, descreve-se as intenções programáticas base bem como as escolhas a nível arquitetónico. No ponto seguinte, dá-se a conhecer o enquadramento, a contextualização e a análise histórica da área de estudo como meio para compreender o contexto e evolução dos Palácios e da envolvente que os conformam. Neste sentido, foi analisada documentação histórica desde a origem do lugar; da construção dos edifícios até à atualidade. Através da compilação dos dados históricos e da informação recolhida no local, estabeleceu-se uma ponte entre o que outrora foi este lugar e o que representa hoje, procurando manter viva a sua essência. Simultaneamente foi desenvolvida a segunda parte do trabalho, que consistiu na consolidação do projeto de intervenção. Foi realizada uma fase de reflexão com base na investigação dos elementos históricos e das características da pré-existência; foi também consolidado o levantamento do sítio e dos edifícios, para melhor integrar o edifício singular como pólo cultural, de conhecimento e de lazer; procurou-se entender a relação que estabelece com a sua envolvente próxima e a relevância cultural e social que nele a sociedade encontra, para que se estabeleça uma reutilização funcional que esteja relacionada com a identidade circundante. Como remate final foi realizado um último capítulo que se refere às considerações finais retiradas durante o processo de desenvolvimento do trabalho, funcionando como conclusão e síntese dos conhecimentos adquiridos e operados durante a realização do projeto final de mestrado. O trabalho contempla ainda um conjunto de anexos com informação extra que suporta e complementa a maioria dos capítulos referidos anteriormente. Por fim, referimos que ao longo do trabalho foi utilizada a norma portuguesa 405 de referenciação bibliográfica.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
2.
R E F L E X Ã O
S O B R E E
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
M E M Ó R I A
P A T R I M Ó N I O
9
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
2. Ilustração de Vasco Mourão. Capa da revista Arquitectura 21, #11 Maio 2010. UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
No decorrer deste capítulo, realiza-se uma reflexão sobre os temas da memória e do património recaindo sobretudo, como já foi referido anteriormente, na análise e exploração da evolução destes conceitos ao longo dos tempos e do seu valor, quer para a cidade como também para a sociedade e para o arquiteto. Desta forma, procura-se entender a identidade individual e coletiva de cada um dos termos, bem como o poder vinculativo a eles associado. A ideia passa por tentar compreender qual a importância da memória para o ser humano e consequentemente a importância dos objetos da memória, para as cidades. A ideia será recolher linhas chave de forma a obter uma matriz para a prática de projeto em edifícios que transportam consigo, ao longo de gerações, importantes cargas memoriais. O que significa memória? Qual é o seu papel na cidade e na sociedade? Qual é a importância de preservar o que transporta consigo história e identidade? O que significa património? O que seria das cidades e sociedade sem os seus marcos identitários? Como devem ser tratados e integrados nos dias de hoje os edifícios singulares, depósitos vivos de memórias? A arquitetura contemporânea condiciona ou devolve estes edifícios às cidades e aos cidadãos? De que forma a contemporaneidade se pode apropriar destes espaços? Vamos por isso estudar um pouco estes conceitos para melhor compreender a importância da existência de elementos que nos unam ao passado, tentando distinguir o limite entre intervir e interferir no objeto arquitetónico e procurando nestes edifícios, que tanto significam, respostas para a revitalização, restruturação e reativação de pontos estratégicos dentro das cidades.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
2.1.
O
S E N T I D O
D A
M E M Ó R I A
“A memória é a consciência inserida no tempo”. E nós… “Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir”.
Fernando Pessoa e José Saramago
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
2.1.1. MEMÓRIA EM DEFINIÇÃO
Etimologicamente «memória» deriva do grego “mnemis” ou do latim 5
“memoria” . Em ambos os casos a palavra simboliza a conservação de uma lembrança, ou seja, corresponde à capacidade do ser vivo para conservar uma 6
impressão, uma marca do seu passado, e de se referir a ela . Como tal, para o Homem, a memória representa a primeira e mais fundamental experiência do tempo, bem como a garantia da sua própria identidade. 7
Conforme descreve Santo Agostinho ; Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda espécie. Ali repousa tudo o que a ela foi entregue, que o esquecimento ainda não absorveu nem sepultou. Aí estão presentes o céu, a terra e o mar, com todos os pormenores que neles pude perceber pelos sentidos, excepto os que esqueci. É lá que me encontro a mim mesmo, e recordo das acções que fiz, o seu tempo, lugar, e até os sentimentos que me dominavam ao praticá-las. É lá que estão também todos os conhecimentos que recordo, 8
aprendidos pela experiência própria ou pela crença no testemunho de outrem .
5
CARNEIRO,
Neri;
Memória
e
Património:
Etimologia,
Artigo
Online.
Disponível
em:
http://www.webartigos.com/artigos/memoria-e-patrimonio-etimologia/21288/ Acedido em: Abril 2015 6 7
CLÉMENTE, Élisabeth e outros; Dicionário Prático de Filosofia. Terramar, Lisboa, 1994. pp.251-252. Santo Agostinho ou Agostinho de Hipona nasceu em África no ano de 354. Este tornou-se num grande
filósofo, chegando a ser considerado como um dos maiores pensadores de todos os tempos, foi também escritor, bispo e teólogo. As suas obras foram muito influentes, em particular no desenvolvimento do cristianismo ocidental. 8
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
Santo Agostinho; Confissões X; in CHAUÍ, Marilena; “Convite a filosofia”, Ed. Ática, São Paulo, 2000, p.158.
15
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
SOCIEDADE SELVAGEM BASEADA NO SABER TÉCNICO
(à
esquerda
da
página)
3. Esquema ilustrativo da evolução do conceito de memória ao longo dos tempos.
GRÉCIA ARCAICA DIVINIZAÇÃO BASEADA NA ORIGEM
TIPOS DE MEMÓRIA NA ANTIGUIDADE
CONCEPÇÃO PLATTÓNICA BASEADA NO PRESENTE COMO FONTE DO SABER
CONCEPÇÃO ARISTOTELICA BASEADA NAS SENSAÇÕES DA ALMA E NA PERCEPÇÃO DO TEMPO
CONCEPÇÃO CRISTÃ BASEADA NA ESCATOLOGIA, COMEMORAÇÃO DOS MORTOS
(Figuras à direita da página)
4. Retrato de Mnemyse, considerada Deusa da memória, e mãe das nove Musas na Grécia Antiga. 5. Ilustração do busto de Platão. 6. Busto de Aristóteles, cópia romana da escultura grega original (c.325 ac), Museu Nacional Romano, Roma 7. Metade esquerda da pintura a óleo de Fra Angélico. “Todos os Santos”(1428-1430) Galeria Nacional de Londres.
8. Baixo relevo de Bertel Thorvaldsen. “A dança das Musas” (1816), Museu Thorvaldsen, Copenhaga, Dinamarca.
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Os antigos e a memória: evolução do conceito Segundo Jacques Le Goff, - historiador que estudou a evolução do conceito de “memória” - no início dos tempos, quando ainda não existia a escrita nas sociedades primitivas, a memória era considerada como técnica, ou seja, uma memória mais liberal e criativa que se prendia essencialmente no interesse pelos conhecimentos práticos e técnicos da sociedade, funcionando “(…) segundo uma reconstrução generativa e não segundo uma memorização 9
mecânica . A memória era transmitida de homem para homem e de geração em geração para o aumento do saber e da experiência da sociedade. Assim, na maioria das culturas, e ainda em alguns momentos da nossa própria cultura, a retenção de elementos na memória faz parte da vida quotidiana do homem. Porém, foi com o aparecimento da escrita que se deu um profundo desenvolvimento na construção da memória, definindo-se dois grandes meios de armazenamento da mesma, que hoje tão bem conhecemos; a comemoração através do monumento e o documento escrito. Esta fase associada ao aparecimento da escrita passa também por diversas transformações, desde as sucessivas conceções arcaicas até à modernidade dos dias de hoje. Começando pelos gregos, um povo enaltecedor das suas origens, que considerava a memória uma identidade divina, que ganhava forma através da deusa Mnemosyne, mãe das nove Musas, protetora das Artes e da História. Responsável por conceder, aos poetas e artistas, o poder da recordação dos heróis e dos seus feitos, para que estes registassem as memórias do passado para a posterioridade. O poeta era considerado o homem possuído pela memória, um adivinho do passado e testemunha inspirada nos tempos antigos 10
que traduz em palavras a idade heróica, por isso a idade das origens . Desta maneira, artistas e historiadores colocavam as suas obras sob a proteção das Musas para que os feitos memoráveis da humanidade não fossem esquecidos e servissem de exemplo às gerações seguintes. A afirmação da personalidade racional e autónoma do indivíduo vai corresponder, temporariamente, à rejeição dos poetas. Platão crítica a poesia como meio de ativação da memória, não pela criação em si, mas pela sedução 11
(en)cantada que incute na mente do Homem . Para Platão, amante da
9
LE GOFF, Jacques; Enciclopédia Einaudi vol.1 (Memória-História), Lisboa: INCM, 1984, p.7
10
LE GOFF, Jacques; Enciclopédia Einaudi vol.1 (Memória-História), Lisboa: INCM, 1984, p.19
11
SMOLKA, Ana Luiza; “A memória em questão: uma perspectiva histórico-cultural”. Sociedade e Educação, 2001,
p.174. in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0101-73302000000200008
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
17
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
verdade e da sabedoria, a memória não é organizada nos termos míticos da 12
Mnemosyne , mas concebida em relação ao presente, tornando-se faculdade do conhecimento, onde o esforço das lembranças se confunde com a busca da verdade. Segundo a lógica platónica, o conhecimento da verdade e da alma consiste na recordação, aprender é recordar, reconhecer, e por isso, “toda a aprendizagem e todo o conhecimento são uma tentativa de relembrar as 13
realidades, as essências” . Na visão aristotélica a memória parece ser constituída por dois momentos distintos: a conservação/persistência de conhecimentos passados (retenção) e a possibilidade de evocar, voluntariamente, o conhecimento passado tornando-o
atual
(reminiscência/recordação)
14
.
Embora
com
raízes
platónicas, a teoria de Aristóteles, revela-se mais vinculada aos sentidos, tanto que para ele as impressões sensoriais representam o cerne do conhecimento. As perceções e sensações captadas pelos sentidos são assimiladas pela imaginação e, posteriormente, as imagens que daí advêm tornam-se material intermediário entre a perceção e o pensamento do indivíduo. A partir da sensação, surge a recordação como tentativa de recordar objetos que são obtidos pela organização temporal. “A memória é, assim, um estado de afecção, condicionado pelo espaço de tempo”
15
Qualquer imagem que se forma na nossa
mente advém do passado, contudo, referencia-se sempre a partir do presente. “Então, a memória pertence àquela parte da alma à qual a imaginação também 16
pertence” , aquela que é responsável pela sensibilidade e pela perceção do tempo. Ao longo dos tempos a memória vai perdendo o seu carácter sagrado, torna-se inseparável da noção e da experiência do tempo como algo que passa e deixa as suas marcas de saber e história. Este desapego das crenças, associado à invenção da escrita permite o aparecimento de novas técnicas de memória. A arte da retórica, arte de bem falar, e de criar emoções no ouvinte voltou a ganhar presença no campo da memória e reconhece-se a sua importância como fonte de conhecimento e meio de aprendizagem, não só 12
Mnemosyne, filha de Urano e Gaia, mãe das nove musas, representava a personificação da memória na
mitologia grega. 13
SMOLKA, Ana Luiza; A memória em questão: uma perspectiva histórico-cultural, Sociedade e Educação, 2001,
p.174. in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0101-73302000000200008 14 15
ABBAGNANO, Nicola; Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, 2007, p.668. MOREL,
Pierre-Marie;
Memória
e Carácter:
Aristóteles e a
História Pessoal,
2009,
p.11;
in
https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/morel-memc3b3ria-e-carc3a1ter-aristc3b3teles-e-ahistc3b3ria-pessoal.pdf 16
SMOLKA, Ana Luiza; A memória em questão: uma perspectiva histórico-cultural, Sociedade e Educação, 2001,
p.117. in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0101-73302000000200008
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
9. The Persistence of Memory, Salvador Dalí, 1931 – Coleção do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
porque o bom orador era aquele que discursava sem auxílio de anotações, mas 17
também porque aprendia de cor as regras da oratória . Além da memória natural que decorre com a aprendizagem, acredita-se que o ser humano é capaz de desenvolver uma memória mais espontânea, como “um palácio com lugares nos quais colocamos imagens e palavras e, passeando por ele, ordenadamente, recordamos e reconhecemos as coisas, as pessoas, os fatos e as 18
palavras necessárias para escrever e dizer discursos, poesias, peças teatrais” . A memória segue a sua evolução através do desenvolvimento social, urbano e político. O conceito sofre, na Idade Media, profundas alterações que derivam, principalmente, da difusão do cristianismo como religião e ideologia. A memória cristã manifesta-se, essencialmente, através da comemoração de Jesus por meio de vários eventos anuais; Natal, Páscoa, Quaresma, Ascensão de Cristo. Também a fusão entre a morte e a memória adquire grande significado na difusão do cristianismo, tendo-se desenvolvido na sua base o culto pagão dos antepassados e dos mortos. Os santos e os mártires eram comemorados no dia da sua morte/martírio e os cristãos comuns tomaram o hábito de celebrar o nascimento, o seu dia santo. Deste então, os mais velhos eram considerados os homens da memória, os mais úteis na continuidade do saber, a memória tinha um papel vital na sociedade, na cultura, na aprendizagem e na história. A escrita passou a desenvolver-se a par da oralidade, pelo que se verifica um equilíbrio entre 19
memória oral e memória escrita . Com a expansão urbana, criam-se arquivos e bibliotecas, onde são guardados os documentos da memória da cidade. “A comemoração apropria-se de novos instrumentos de rememoração – moedas, medalhas, selos. A partir do séc. XIX também os instrumentos monumentais ganham novo impulso, acelera-se a memória colectiva das nações através da inscrição de mais monumentos, placas, estátuas, com o objectivo de exercitar a 20
lembrança” .
10. Vista sobre Lisboa. Exemplos de alguns instrumentos de comemoração – Torre de Belém, Ponte 25 de Abril, Cristo Rei
17
CHAUÍ, Marilena; Convite a filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000, p.160.
18
CHAUÍ, Marilena; Convite a filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000, p.160.
19
LE GOFF, Jacques; Enciclopédia Einaudi vol.1 (Memória-História)”, Lisboa: INCM, 1984, p.23.
20
LE GOFF, Jacques; Enciclopédia Einaudi vol.1 (Memória-História)”, Lisboa: INCM, 1984, p.34.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
11. Biblioteca de Trinity College, Dublin, Irlanda
12. Coliseu, Roma, 2012. Imagem do autor. 13. Exemplos de Moedas comemorativas em Portugal - Batalha de Ourique (1139), Pedro Alvares Cabral (1500), Restauração da Independência (1640) ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
21
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Conceções modernas da memória Nos dias de hoje, quando pensamos no real significado da palavra memória encontramos refletidas nela a maioria das ideologias arcaicas. Na realidade o conceito de memória assume um carácter complexo que vai sendo compreendido ao longo dos tempos. As conceções modernas do termo também olham para a memória como conservação de um tempo, ou de vários tempos, por reter certas informações de cada época. Sabe-se que a memória contribui para que o passado não seja totalmente esquecido, fazendo com que a história se eternize na consciência humana. Cada vez mais, lembrar, consiste em configurar no presente um acontecimento passado como estratégia para o futuro. 21
Em suma , é possível identificarmos seis tipos de memória: a “memória perceptiva”, indispensável no nosso quotidiano pois permite-nos reconhecer coisas, pessoas e lugares; a “memória-hábito”, regrada pela lei do hábito, retemos gestos e palavras que são constantemente repetidos sem ser necessário pensarmos neles; a “memória pessoal”, aquela que é guardada por conter um significado importante para o indivíduo; a “memória socialhistórica”, fixada por uma sociedade através de mitos, documentos, monumentos, datas, pessoas, lugares que possuem significado para a vida coletiva; a “memória biológica”, aquela que nasce connosco, que fica gravada no nosso código genético; a “memória artificial”, proveniente das máquinas e da tecnologia utilizada como técnica para reter memórias. 22
Jean Delay reflete de forma semelhante acerca dos domínios da memória, sendo que ilustra três exemplos mais significativos; a “memória sensorialmotora”, meramente mecânica e regrada pela lei do hábito; a “memória autista”, particular a nós próprios, que assegura a conservação íntima de cada um e que, inconscientemente restitui a lembrança de modo afetivo; por fim, a “memória social”, aquela capaz de reconstruir as lembranças sobre o modo 23
lógico e racional, incutido pela sociabilização de um pensamento . À priori, a memória parece ser um fenómeno próprio de cada um de nós, contudo, este filósofo admite que a junção destes domínios forma a memória completa, que inclui a relação com o outro, pois o “acto de criar
21
CHAUÍ, Marilena; Convite a filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000, p.163.
22
Psiquiatra, Neurologista e escritor francês. (14-11-1907 | 29-05-1987)
23
DELAY, Jean; in OLIVAL, Américo; Memória e Esquecimento – as ligações e os limites, FA-UTL, Lisboa, 2012,
p.20.
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memórias parte do comportamento narrativo, isto é, da comunicação do eu com 24
o outro” . Desta forma, assumimos que a memória “é essencial na percepção de si e dos outros. Ela acaba por ser resultado de um trabalho de organização e de selecção daquilo que é importante para o sentimento de unidade, de 25
continuidade e de coerência, ou seja, de identidade” . Assim, a memória é considerada seletiva, porque nem tudo fica retido na nossa mente. Ela é construída em função dos momentos que são mais importantes para o indivíduo, em particular dos que foram vividos em grupo. Embora em alguns momentos da vida, a memória se possa apresentar como um fenómeno particular, ela deve ser compreendida, sobretudo, como fenómeno coletivo e social. Ainda que se reconheça a presença da memória individual, esta é construída, essencialmente, a partir da relação com o outro e da partilha de experiências marcantes na vida de um grupo, de uma nação, de um país, que por sua vez possibilita a construção de uma narrativa sobre o 26
passado . É nesta espécie de vínculo, entre a memória do indivíduo e da sociedade, que reside o elemento mais importante da memória. É no contacto com o outro, seja no seio da família, do trabalho ou de uma viagem que construímos o nosso saber, aprendemos as tradições da nossa cultura, conhecemos novos lugares, guardamos o que mais nos marcou e sobretudo é onde moldamos a nossa identidade, onde construímos quem nós somos. Por sua vez, toda a construção da memória tem lugar num espaço físico e este trata-se de um aspeto importante de salientar. Desde os tempos mais remotos, que o espaço interfere com o processo de criar e recordar memórias, ou seja, como veremos mais adiante, também o lugar físico onde ocorre a ação que leva posteriormente à memória tem um papel fundamental no ato de recordar. Desta forma é possível inferir que tanto a relação com o outro como a relação estabelecida com a arquitetura desencadeiam a criação de memória e a rememoração.
24
LE GOFF, Jacques; Enciclopédia Einaudi vol.1 (Memória-História), Lisboa: INCM, 1984, p.3.
25
ROCHA, Thaíse; Reflectindo sobre a memória, identidade e património: as contribuições do programa de
Educação Patrimonial, 2012, p.3. in http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340766055_ARQUIVO_Artigo-Anpuh.pdf 26
ROCHA, Thaíse; Reflectindo sobre a memória, identidade e património: as contribuições do programa de
Educação Patrimonial, 2012, p.3; in http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340766055_ARQUIVO_Artigo-Anpuh.pdf
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
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2.1.2. VALOR DA MEMÓRIA
“Far from limiting our imagination, Memory awakens and complements it.” Alberto Baeza
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
25
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
14. Reflexo da sociedade moderna. Ilustração de Liam Walsh.
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Memória e sociedade moderna
Até aos dias de hoje a memória passou por diversas condições que lhe conferem valor, tanto para o ser humano como para a sociedade em geral. A princípio, a função da memória foi desenvolvida para marcar o valor e as tradições de uma dada civilização. Mais tarde, é vista como faculdade do conhecimento e apercebemo-nos da sua importância para a perceção do tempo. Porém, além da capacidade de consciencialização e de inserção no tempo e no espaço, as aptidões específicas do Homem permitem-lhe estar ciente das suas lembranças, possibilitando que este possa agir em função delas, em prol de melhorar as suas ações tanto no presente como no futuro. De uma maneira geral, a nossa sociedade vive focada “no ritmo apressado 27
do seu próprio tempo” . Envolve-se de tal forma com os problemas relacionados com o seu quotidiano, que se encontra propensa a entender o presente como única dimensão de tempo. De uma forma mais simplificada, se refletirmos cuidadosamente sobre a dimensão da memória na vida do Homem, a determinada altura, iremos perceber que ela o ajuda a enfrentar múltiplas ações no seu dia-a-dia, dando sentido às suas práticas e significado à sua existência. Por muito que o ser humano se concentre no tempo presente, irá sempre deparar-se com situações que o obrigam a retornar ao tempo passado. Desta forma, a presença da memória manifesta-se como veículo essencial para a realização do pormenor mais singular ao mais complexo no dia-a-dia do Homem. Contudo, marcada pela Era da evolução tecnológica, a geração do século XXI acaba por deixar a memória numa espécie de limbo. Ainda que valorizada pelos novos meios de registo de acontecimentos - livros, câmaras fotográficas, computadores, telemóveis - e das instituições que os preservam – bibliotecas, museus, arquivos – acaba por ser profundamente desvalorizada, pois a sociedade vive fascinada com o novo e o moderno. A desvalorização da memória ganha presença com o aparecimento dos objetos descartáveis, com a obsessão pelos aparelhos tecnológicos, em vez do convívio com o outro, e na forma como a construção desmedida destrói cidades antigas para as tornar
27
“A sociedade vive actualmente num tempo considerado brutalmente opressivo e apressado, no qual andamos
sempre contra o relógio e somos constantemente devorados por compromissos e tarefas.” in ABREU, Pedro; O Destino do Monumento. Trabalho não publicado. Lisboa.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
27
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
28
modernas . Perante este cenário deparamo-nos com uma sociedade vazia, que tende a transformar as cidades em prol das suas necessidades modernas. Em
suma,
esta
situação
remete-nos
para
um
estado
ilusório,
aparentemente conectados com o mundo e com os outros mas, acabamos por viver em clausura. Ainda que existam escassos momentos de partilha, a individualidade predomina na nossa sociedade. E assim, apesar das facilidades que o avanço tecnológico veio permitir, este constante domínio eletrónico também colocou em causa outra série de aspetos sociais, vindo comprometer as vivências em comunidade e por vezes afastar-nos das nossas origens e do nosso ser. Ao esmiuçarmos o valor que a memória comporta, percebemos a necessidade que tanto o Homem como a sociedade têm de a manter presente. Reconhece-se que a sua existência se torna fundamental para a evolução quer do Homem quer da sociedade através da transmissão de conhecimento, tradições, saber e crenças. Tal como constatámos no ponto anterior, é a partir do contacto com o outro que as funções da memória atingem a sua plenitude, e por isso, contrariando as tendências da cidade moderna, torna-se fundamental procurar soluções que, no decorrer do dia-a-dia, venham a estabelecer um incentivo ao relacionamento e diálogo direto entre a população, garantindo em simultâneo a conservação da identidade e a união de qualquer sociedade, cidade, nação ou país.
Memória e identidade Ao longo do tempo, aquilo que o nosso espírito apreende, vai aos poucos moldando o nosso ser, por isso, podemos afirmar que tudo o que retemos na memória é em parte o fundamento da nossa identidade, ou seja, “é a aptidão que nos permite continuar a ser a mesma pessoa através das sucessivas fases da 29
nossa vida” . Se nos esquecermos de quem somos, de onde viemos, dos valores que nos foram ensinados, da personalidade que construímos, perdemos o rumo. Assim, ter consciência do passado significa conhecer as nossas origens, saber que existiu uma história antes de nós, “reconhecer que foi através do passado que nos tornámos aquilo que somos (…)”
30
e que só através
da sua continuidade podemos preservar quem somos.
28
CHAUÍ, Marilena; Convite a filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000, p.161
29
MENDES, António; O que é património cultural, Gente Singular, Olhão, 2012, p.15.
30
MENDES, António; O que é património cultural, Gente Singular, Olhão, 2012, p.15.
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15. Ausência de interação social, vício tecnológico. Ilustração de Ângel Boligan.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
29
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
A aptidão da memória que tanto caracteriza a individualidade de cada um, também se concretiza dentro do meio social. Além de se reconhecer, através das experiências que geram lembranças e aprendizagem, lugares, espaços e edifícios específicos, elementos da vida urbana de uma sociedade, também estes elementos contribuem para a constituição da identidade do ser humano. Há lugares mais importantes para uns seres do que para outros. Porém, todos eles transportam cargas simbólicas, quer seja ao nível individual ou ao nível coletivo. Por esse motivo, se quisermos manter a nossa essência temos de saber integrar o passado – herança, registos, património, … - na nossa vida e zelar por ele, tanto o que é mais íntimo para nós como aquele que partilhamos com toda a sociedade. Nós somos, antes de mais, seres culturais que vivemos em comunidade 31
numa constante troca de memórias . As pessoas herdam, unem e absorvem estas lembranças como cultura e apropriam-se dela como parte da sua identidade. “À semelhança da vinculação emocional que as pessoas podem desenvolver em relação a outras, a vinculação à casa ou a outros lugares de referência, do passado, do presente ou futuro, representa um importante 32
contributo na formação da identidade” . É com este fim que a arquitetura, através da sua vocação geradora de espaços que nos tocam e proporcionam a criação de momentos e experiências, é conhecida como um dos melhores repositórios de memória.
Memória, sociedade e vinculação Chegados a este ponto da reflexão compreendemos que a memória funciona como a base de toda a História, o fio condutor que permite trazer à tona tudo aquilo que merece ficar registado, que pode servir o tempo presente e contribuir para a aprendizagem no tempo futuro. A memória apresenta-se na realidade como elemento identitário que confere sentido a um grupo e à sociedade em geral. Como tal, sem marcas do seu passado, as civilizações teriam sido cobertas pelas suas próprias cinzas e delas nada restaria. Na verdade cada um destes conceitos, história e memória, são universos indissociáveis e inerentes à humanidade. Uma completa a outra na exposição do conhecimento, se não se constroem memórias, não existe história. Para
31
BAEZA, A. Campo; Principia Architectonica, Mairea Libros, 2013, p.25.
32
SOCZKA, Luis; in MATOS, Carolina; O som do tempo: Reabilitar Santa Marta, Lisboa, 2014, p.14.
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Jacques Le Goff, “a memória acaba por estabelecer um vínculo entre as gerações 33
humanas e o tempo histórico que as acompanha” . Esta
ligação,
maioritariamente afetiva, permite que a sociedade se veja como personagem da sua própria história, nela existindo com direitos e deveres para com a sua cidade. 34
Segundo Maurice Halbwachs , “é dentro do meio social que o Homem adquire as suas memórias e, é também em sociedade que o indivíduo as 35
relembra, reconhece e localiza” . Para o referido autor toda a memória deriva apenas do contacto e elo que existe entre o Homem e a Sociedade (os outros, o grupo). Ele acredita que a memória individual é construída a partir do interior da memória social e histórica, uma vez que é precisamente neste tipo de memória que residem os objetos estruturais da construção memorial, como são o “caso dos monumentos, o património arquitectónico, o seu estilo, as paisagens, as datas, as personagens históricas, as tradições e costumes”. É a existência destes pontos que dão força à memória, conferindo-lhe, duração, continuidade, estabilidade e solidificando os lugares onde ocorrem as experiências humanas. Assim, neste contexto, podemos afirmar que os aspetos que consolidam a importância da memória giram em torno de acontecimentos e locais sociais específicos que se manifestam como fatores determinantes no sentimento vinculativo entre a lembrança e a vida humana. A memória encontra-se assim inscrita nos lugares de ontem, que são hoje depósitos de novas memórias e que amanhã se mantêm e solidificam na mente do Homem e da Sociedade. Estes lugares funcionam como instrumentos geradores que devem servir como reforço para a aproximação de um grupo, ou seja, “os lugares da memória” são aquilo que hoje chamamos de Património, elementos construtores de memória que mantêm viva a identidade pessoal, local, regional ou nacional.
33
ROCHA, Thaíse; Reflectindo sobre a memória, identidade e património: as contribuições do programa de
Educação
Patrimonial,
2012,
in
p.4;
http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340766055_ARQUIVO_Artigo-Anpuh.pdf 34
Maurice Halbwachs foi um conceituado filósofo e sociologista francês, conhecido pelo estudo que desenvolveu
em redor do tema da memória colectiva. (11-03-1877 | 16-03-1945). 35
“It is in society that people normally acquire their memories. It is also in society that they recall, recognize, and
localize their memories.” - Maurice Halbwachs; in RODRIGUES, Donizete; Património Cultural, Memória Social e identidade:
uma
Abordagem
antropológica,
Universidade
da
Beira
Interior,
Lisboa,
p.5;
in
http://www.ubimuseum.ubi.pt/n01/docs/ubimuseum-n01-pdf/CS3-rodrigues-donizete-patrimonio-culturalmemoria-social-identidade-uma%20abordagem-antropologica.pdf
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
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2.1.3. MEMÓRIA EM ARQUITETURA
“A arquitectura deve ser considerada por nós com a máxima seriedade. Podemos viver e orar sem ela, mas não nos podemos lembrar sem ela”. John Ruskin
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
33
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Memória para o arquiteto e para a cidade 36
A sabedoria e o conhecimento residem na memória , e por isso; “a memória é considerada uma ferramenta indispensável para qualquer arquitecto. 37
Porque um arquitecto sem memória é um arquitecto inútil” . Segundo o autor Alberto Campo Baeza, podemos comparar esta ligação do arquiteto “com a memória com uma “arca do tesouro”, da qual os arquitectos extraem material a fim de trabalhar, destilando as suas melhores essências e colocando novos 38
tesouros dentro dessa arca” . Enquanto arquitetos, mais do que nos prender ao passado, a memória tem a capacidade de nos inspirar e ensinar a lidar com o futuro através dos conhecimentos antigos. Por outras palavras, a história e a origem representam ferramentas essenciais para a criação da arquitetura futura, porque a memória é na verdade cultura. E a arquitetura, profundamente enraizada na memória, tratando-se de uma criação artística, é também considerada cultura. O arquiteto intervém na cidade de duas maneiras. Através de uma nova construção ou através da reabilitação de uma pré-existência. Em qualquer uma destas formas de intervenção a memória encontra-se presente. No primeiro caso, torna-se fundamental conhecer as origens do lugar de implantação para se respeitar o genius loci do lugar, a essência do mesmo. De igual modo, quando intervêm sobre uma pré-existência, é crucial conhecer a evolução do edifício e a sua história para que se possa manter e evidenciar tudo o que tem valor para ser conservado. É com grande responsabilidade que se intervém na cidade, e o maior desafio de um arquiteto é conseguir restaurar de forma inovadora e duradoura a matéria de arte, mantendo viva a memória que esta transporta e possibilitando a aquisição de novos “tesouros”. A arquitetura da cidade é uma história com vida, é a testemunha da História da Humanidade, cada edifício guarda em si uma essência do passado, que nos ajuda a recordar. “Na verdade, é mais que isso: como reflexo do seu tempo de construção, a arquitectura é o motor que impulsiona a história das
36
BAEZA, A. Campo; Principia Architectonica, Mairea Libros, 2013, p.54.
37
“Memory is an indispensable tool for all architects. An architect without memory is worthless or less than
worthless.” in BAEZA, A. Campo; Principia Architectonica, Mairea Libros, 2013, p.53. 38
“We could compare the indispensable tool of memory to a treasure chest from which architects continually
extract material to be used appropriately. To distill its best essences while always striving to place new treasures in the chest.” in BAEZA, A. Campo; “Principia Architectonica”, Mairea Libros, 2013, p.53.
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39
cidades" . A relação da arquitetura com o tempo vai também transformando o edifício, marcando-o. Tal como as pessoas passam por processos de acumulação de identidade, as cidades e os edifícios passam pelo mesmo, alguns são devidamente cuidados e perpetuam até nós quase intocados, outros por sua vez, chegam ao nosso tempo num estado de degradação muito avançado. Deste modo, na maioria das intervenções arquitetónicas, é necessário olhar para o trajeto temporal do edifício e estudar de que forma este poderá renascer, ou seja, é fundamental que nos apropriemos da memória que o lugar ou o edifício possuem, com o objetivo de reinterpretá-lo, recriá-lo e torná-lo novamente num lugar. “O propósito existencial de construir (arquitectura) é fazer um sítio tornar-se um lugar, isto é, revelar os significados presentes de 40
modo latente no meio ambiente dado” , e são estes lugares que se tornam objetos da memória tanto para a cidade e sociedade como para o indivíduo.
Arquitetura como objeto da memória O valor da memória pode ser expresso de várias formas. Porém, tal como Ruskin defendia, é através da arquitetura que a lembrança melhor se manifesta: “Não há senão dois fortes vencedores do esquecimento dos homens, Poesia e Arquitectura; e a última de alguma maneira inclui a primeira, e é mais 41
poderosa na sua realidade” . E porque motivo é a arquitetura a maior responsável na missão de defesa da memória? Ao relacionarmos memória e arquitetura, vamos começando a entender a maneira como esta molda as nossas experiências no dia-a-dia. A arquitetura “funciona como um objecto que fica registado na nossa memória, não só como matéria mas também como propriedade imaterial devido às emoções/sensações que lhe são associadas.”
42
Portanto, a nossa memória é o produto da
experiência do nosso corpo e da relação com o outro dentro do espaço físico arquitetónico. “A arquitectura funciona como espaço onde o indivíduo se pode encontrar, que pode chamar seu, porque ele é do seu conhecimento, e pode 39
“In fact, it’s more than that: as a faithful reflection of its time of construction, I argue that architecture is the
motor which also drives the history of cities”; in BAEZA, A. Campo; “Principia Architectonica”, Mairea Libros, 2013, p.53. 40
NESBITT, Kate; in MATOS, Carolina; O Som do Tempo – Reabilitar Santa Marta, FA-UTL, Lisboa, 2012, p.57.
41
RUSKIN, John; in ABREU, Pedro; Arquitectura: Monumento e Morada – Investigação do pensamento de Ruskin
sobre o Património, Lisboa, p.2. 42
GAMBÓIAS, Hugo; Arquitectura com sentido(s) - Os sentidos como modo de viver a arquitectura, FCT-UC,
2013, p.55.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
35
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
manifestar-se à vontade, carregar-lhe de significado, como um prolongamento e 43
exteriorização do “Eu”, daquilo que ele é” , e por isso “os lugares podem desencadear memória (…) como participante essencial e insubstituível na vida e na consciência humana, pessoal e social: como instrumento definitivo da 44
preservação da memória” . Os edifícios e os espaços, antigos ou modernos são automaticamente contentores de memória que refletem constantemente ações passadas, presentes e futuras. “Os objectos ao redor do corpo reflectem a sua possível 45
acção sobre eles” . Nesta ideia está implícito que o gesto da arquitetura, como momento de encontro e promessa de função e propósito, representa a possibilidade de ação que diferencia a arquitetura das outras formas de arte. É nesta correlação entre o que nos faz sentir e o que nos possibilita experienciar que a arquitetura se torna tão importante para o Homem. Ela “reforça a experiência existencial, a nossa sensação de pertencer ao mundo, e essa é essencialmente uma experiência de reforço de identidade pessoal”
46
e de
construção de memória. A arquitetura é uma “história” que ganha sentido ao ser capaz de atravessar todos os tempos, unificando a sociedade e a cidade. “Todos nós vivemos a 47
arquitectura, mesmo antes de sequer conhecer a palavra” . Quando percebemos a sua importância na vinculação da memória compreendemos como é importante que o futuro tenha presente os vestígios do seu passado. É assim que surge a noção de Património, associado a tudo o que deve ser herdado de geração em geração, desde os testemunhos escritos e técnicos aos edificados. Adiante iremos procurar entender melhor o significado do património, a sua importância a nível cultural e como poderá ser utilizado na reabilitação e requalificação urbana e social.
43
ABREU, Pedro; Arquitectura: Monumento e Morada – Investigação do pensamento de Ruskin sobre o
Património, Lisboa, p. 11-13. 44
ABREU, Pedro; Arquitectura: Monumento e Morada – Investigação do pensamento de Ruskin sobre o
Património, Lisboa, p.10. 45
BERGSON, Henri; in PALLASMA, Juhani; The eyes of the skin-Architecture and the Senses, Editorial Wiley,
England, 2005, p.63. 46
PALLASMAA, Juhani; The eyes of the skin – Architecture and Sense. Editorial Wiley, England, 2005. p.39.
47
“We all experience architecture, even before we even knew the word architecture" in ZUMTHOR, Peter;
Thinking Architecture. Birkhauser. Boston, 1996. p.57.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
16. Compilação de imagens dos Armazéns do Chiado - Ícone arquitetónico de referência na cidade de Lisboa.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
37
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
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2.2.
O
S E N T I D O
D O
P A T R I M Ó N I O
A riqueza dum povo é tudo O que faz parte da sua vida. É tudo o que te cerca. É a paisagem que vês da tua janela. É a casa pequenina da tua aldeia. É o museu da cidade. (…) É a capelinha solitária no alto do monte. É a catedral da grande cidade. É o barro moldado pela mão do oleiro, a rede feita pela mão do pescador. É o pregão da varina que percorre as ruas da cidade, ou a voz serena do pastor chamando as ovelhas… (…) É o desenrolar da meada, é a força da vida!
Hélder Pacheco
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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2.2.1. PATRIMÓNIO EM DEFINIÇÃO
A noção de património deriva do termo greco-latino “patrimonium”, a qual é formada por dois vocábulos: “pater” e “nomos”. “Pater” significa pai, o chefe da família, ou num sentido mais vasto, os antepassados. “Nomos”, tem origem no grego e refere-se à lei, aos usos e costumes ligados à génese, tanto de uma 48
família como de uma cidade . Na sua origem semântica a palavra património está “(…) ligada às estruturas familiares, económicas e jurídicas de uma 49
sociedade, estável no espaço e no tempo” . Mas então, o que é o Património? Podemos afirmar que se trata do conjunto de bens de valor material e imaterial
50
que narram a história de uma
nação e da sua relação com determinado lugar. Por outras palavras, corresponde ao legado que herdamos do passado e que transmitimos às gerações futuras. Por sua vez, o conceito encontra-se vinculado a tudo o que produz cultura, reconhecendo particularmente a diversidade cultural de cada elemento, as identidades que constituem determinada sociedade e a necessidade de preservação das mesmas. Para que o seu significado seja entendido e valorizado, todo e qualquer património necessita de estabelecer relação com a comunidade. “No fundo, qualquer que seja a visão que tenhamos deste conceito associamo-lo sempre a um “valor”, algo com singularidade, de pertença pessoal, 51
local ou universal” . Património trata-se assim, de um conceito transversal, ao qual se associam diversos adjetivos – genético, natural, histórico, arqueológico, (…) – que, ao longo dos tempos, o transformaram num conceito nómada, ou seja, o património está longe de ser um reservatório de acontecimentos terminados, uma vez que se encontra constantemente sujeito a reinterpretações. 48
CARNEIRO, Neri; Memória e Patrimônio: Etimologia, 2009. Disponível em:
http://www.webartigos.com/artigos/memoria-e-patrimonio-etimologia/21288/ Acedido em: 25 Abril de 2015. 49
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património, Edições 70 LDA, Lisboa, 2000, p.11.
50
O Património Material (ou tangível) é aquele que se encontra diretamente ligado às áreas da arqueologia, do
paisagismo, da etnografia, da arquitetura, da história, das belas artes e artes aplicas que, por sua vez, pode subdividir-se em bens imóveis (núcleos urbanos, sítios arqueológicos, edificado e bens individuais, etc.) e bens móveis (coleções museológicas, arquivos documentais, fotográficos, cinematográficos, etc.). Já o Património Imaterial (ou intangível) encontra-se associado às tradições de cada comunidade, ou seja, às práticas, representações, expressões, conhecimentos, técnicas, artefactos e instrumentos que caracterizam determinada sociedade ou individuo. 51
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
FLORES, Joaquim; in COUCEIRO, João; Urbanidade e Património. IGAPHE, Lisboa, 1998. p.11.
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
Evolução da noção de património-monumento histórico A ideia do património como elemento de valor, já se encontra presente entre a sociedade desde o tempo das grandes civilizações gregas e romanas. Apesar de não conhecerem o verdadeiro significado do termo, pelo menos não como hoje, estas civilizações nutriam especial interesse por aspetos estéticos e técnicos das obras da sua antiguidade. Assim, nesta época os objetos de arte eram procurados, selecionados e adquiridos não pela relação histórica que estabeleciam ou pelo grau de antiguidade que possuíam mas sim porque eram considerados elementos que davam a conhecer os feitos de uma determinada cultura, a sua arte e a sua capacidade técnica e estética. Desta forma, “as escolhas do gosto não são orientadas por uma visão do passado”, mas orientadas por uma visão estetizante do presente faltando a estes “tempos o distanciamento da história, sustentado por um projecto deliberado de 52
preservação” . 53
Nos finais da idade média a relação com os monumentos apresentava-se dentro se uma linha semelhante à anterior, porém um pouco mais complexa, em particular por se ter tratado de uma época sujeita a inúmeras destruições. Além das invasões bárbaras dos séculos VI e VII foi a difusão do cristianismo a que mais contribuiu para esta situação. Por outro lado, também foi fator contribuinte a postura de indiferença em relação aos monumentos que haviam perdido o seu sentido de utilidade, sendo que, alguns “(…) são 54
transformados em pedreiras, ou então, recuperados e desvirtuados” . Contudo, neste mesmo período, e sob a tutela do clero, também se verificou a conservação consciente de diversas obras e edifícios ligados ao paganismo. Com o passar dos tempos, durante os momentos de crise, quando as populações se encontravam arrasadas, as construções em ruína e a tradição 55
em risco o interesse utilitário dos edifícios mostrou-se uma mais-valia . 52 53
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património. Edições 70 LDA, Lisboa, 2000. p.32. A idade média ocorreu entre o século V e o século XV e trata-se do período intermédio numa divisão
esquemática da história da Europa, marcada por 4 eras, respectivamente, a idade antiga (antiguidade), a idade média, a idade moderna e a idade contemporânea. 54
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património. Edições 70 LDA, Lisboa, 2000. p.32.
55
Padre Gregório: Em inícios de 400, foi criado um decreto a favor da utilização secular dos templos a proteger
enquanto monumentos públicos e no séc. VI, a atitude do Papa Gregório I é exemplar de uma política de reutilização. De facto, as grandes habitações patrícias, então abandonadas, foram transformadas em mosteiros ou conventos, e as suas grandes salas de receção convertidas em locais para o culto cristão (igrejas ou capelas). O Panteão, consagrado em 609 à Virgem Maria, constituiu um precedente durante quase três séculos.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Porém, além dos interesses práticos e económicos a favor da sociedade outros
motivos
promoviam
a
preservação
dos
vestígios
antigos,
nomeadamente a atracão intelectual e a sensibilidade artística que caracterizavam estas obras. Assim, “as obras antigas fascinam pelas suas dimensões, pelo requinte e pela perícia da sua execução, pela riqueza dos seus 56
materiais” . O respeito declarado a essas obras surge assim em conformidade com as posições tardias tomadas pela Igreja face às letras e ao saber clássicos, alternadamente promovidos em nome das humanidades. Contudo, a conservação destas obras consistia na reutilização desmedida dos edifícios, através da sua reordenação ou até mesmo pela sua segregação em fragmentos que posteriormente seriam utilizados em novas construções, com o objetivo de decorar e embelezar outros edifícios. Assim, embora se tenha iniciado um ciclo de interesse e curiosidade assumida sobre os monumentos antigos, através de ideologias que vão ao encontro dos 57
humanistas do século XV, continua a faltar aos proto humanistas a distância que permite entender e respeitar a herança que foi deixada, ou seja, a “distância histórica que o observador do Quattrocento estabeleceu, pela primeira vez, entre o mundo contemporâneo ao qual pertencia e a longínqua Antiguidade, de que estuda os vestígios”. Em resultado da ausência de distanciamento face a herança greco-romana, os vestígios deixados neste período também não se constituíram como monumentos históricos. Quattrocento Relativamente à fase do Quattrocento, tal como foi anteriormente mencionado, caracteriza-se como a época do “(…) despertar singular do olhar distanciado e estético, (…) liberto de paixões medievais (…)”
58
que se dirige em
especial para as obras da antiguidade e as “metamorfoseia em objectos de 59
reflexão e de contemplação” . Durante este período desenvolvem-se duas atitudes diretamente relacionadas com as ideologias dos humanistas e dos artistas, que por sua vez, contribuíram para a constituição do objeto que hoje conhecemos como monumento histórico. Desta forma, de um lado temos a aproximação literária aos edifícios, que consiste no desenvolvimento do saber científico, optando antes pelo conhecimento direto e experimentação. Para estes eruditos, como foi o caso 56
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património. Edições 70 LDA, Lisboa, 2000. p.33
57
Aqui referimo-nos aos proto humanistas europeus da antiguidade tardia, período entre o século V e o século
X; e aos da idade média clássica, período entre o século XI e o século XIII. 58
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património. Edições 70 LDA, Lisboa, 2000. p.39
59
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património. Edições 70 LDA, Lisboa, 2000. p.39
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
de Francesco Petraca
60
e dos seus seguidores, os edifícios testemunham a
realidade de um passado acabado, sendo o testemunho inscrito no edifício mais importante do que o objeto de arte como um todo, ou seja, estes humanistas estabeleciam uma aproximação meramente literária aos edifícios antigos, sem tecer qualquer juízo estético, procurando confirmar a verdade que estava registada nos livros através do contacto com os próprios edifícios a que estes faziam referência. Por outro lado, ao entrar no século XV surge uma aproximação sensível por parte dos Homens das artes que, ao contrário dos humanistas, estão especialmente interessados na plasticidade e nas formas dos objetos. Esta 61
segunda fase teve origem com Giovanni Dondi que relata a novidade de uma experiência baseada na contemplação pura da obra antiga, reivindicando e assumindo o seu sentido artístico. “No fim deste processo de impregnação mútua, artistas e humanistas traçam, em conjunto, o território da arte e articulam-no com o da história para aí implantarem o monumento histórico”. Desta forma, surge então o Monumento Histórico na sua tomada de consciência, duplamente relacionada com as noções de história e de arte por meio de uma ligação afeta à memória do ser humano. Com efeito, entre 1420 e 1430, humanistas e artistas conjugam os seus ideais e assumem uma posição perante a reclamação da conservação e proteção vigilante dos monumentos romanos, pelo que em oposição às forças de destruição que comprometeram as obras antigas, surge a necessidade de uma conservação moderna e distanciada, capaz de respeitar o monumento, objetiva e provida de medidas conscientes de restauro e salvaguarda. Assim, as primeiras operações de conservação que se seguiram, durante o século XV em Itália, foram em grande medida da responsabilidade e controlo 62
dos papas. Neste contexto, a pedido de Nicolau V , Leon Battista Alberti
63
realiza o levantamento topográfico de Roma, que mais tarde serviu de base para o plano de restruturação da cidade, bem como para a conservação e
60
Francesco Petrarca (1304-1374) foi um intelectual ligado ao humanismo italiano, poeta, escritor e filólogo foi
considerado como o “pai do humanismo”. 61
Giovani Diondi (1330-1388) provinha da segunda linhagem de uma família de relojoeiros, era amigo de Petraca
e foi um grande estudioso nas áreas de medicina, lógica, filosofia e astrologia. 62
Nicolau V (1397-1455), papa cujo pontificado teve a duração de 8 anos (1447-1455).
63
Leon Battista Alberti (1404-1472) estudou direito, contudo viu-se obrigado a deixar a carreira jurídica devido a
uma doença que que afetou parcialmente a memória, consequentemente tornou-se um arquiteto e teórico das artes ligado ao humanismo italiano. Este foi letrado particularmente em assuntos ligados ao estilo renascentista, à arquitetura e ao urbanismo, foi pintor, músico e escultor.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
recuperação dos grandes monumentos que nela existiam; tendo sido estabelecidos pela primeira vez parâmetros de projeto suficientemente claros 64
para a reutilização de pré existências . Posteriormente é realizada a bula 65
papal de Pio II , na qual são distinguidos diversos monumentos e antiguidades, e onde o papa declara a necessidade de “conservar a Cidade-Mãe na sua dignidade e esplendor”
66
apelando para a “manutenção e preservação
das basílicas, igrejas e todos os outros lugares santos dessa cidade, mas também para que as gerações futuras encontrem intactos os edifícios da Antiguidade e 67
os seus vestígios (…)” . Porém, apesar das intenções de salvaguarda demonstradas pelos papas, estes foram acusados de protegerem a cidade com uma mão e a destruírem com a outra. De facto, alguns dos monumentos antigos nunca deixaram de ser usados como fontes de matéria-prima para a salvaguarda de outros tantos monumentos que se baseavam essencialmente em questões económicas e políticas, agregadas à necessidade de conservação e modernização da CidadeMãe. Ainda assim, este discurso e postura dos eruditos não deixa de representar uma forma primitiva daquilo que viria a ser o monumento histórico. No entanto, não deixa de ser verdade que, no decorrer desta fase, alguns dos monumentos arquitetónicos se apresentem especialmente ricos de informação. Estes foram palco de grandes instituições religiosas que acabaram por marcar estes edifícios com decorações e inscrições ligados as suas crenças, hábitos e costumes, característicos da época. Desta maneira, pode-se afirmar que a passagem pela idade média deixou alguns problemas de identificação e datação da arquitetura e dos seus vestígios, quer seja pela destruição de alguns monumentos em prol da reconstrução de outros, quer seja pelo acumular de informação de épocas posteriores à construção dos mesmos. Por outro lado, no final desta época o reconhecimento da exploração da informação dos monumentos vai lentamente deixando de ser privilégio exclusivo dos religiosos e eruditos, acabando por se alargar, durante os séculos
64
”A sua teoria era composta por três hipóteses interventivas: continuar o monumento no estilo primitivo, tentar
uma simbiose entre o estilo antigo e as linguagens contemporâneas, desenvolvendo um adequado projecto de transformação e correcção estética; ocultar ou recobrir a estrutura antiga sob uma nova membrana, uma nova fachada, de linguagem actualizada”. in AGUIAR, José; Cor e Cidade Histórica, FA-UP, Porto, 2002, p.35. 65
A Bula papal de Pio II (Cum almam nostram urbem), datável de 28 de Abril de 1462, representa um dos
documentos mais antigos que há registo acerca deste tema da salvaguarda. 66
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património. Edições 70 LDA, Lisboa, 2000. P.46
67
CHOAY, Françoise; A Alegoria do Património. Edições 70 LDA, Lisboa, 2000. P.46
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
XVII-XVIII, aos teóricos, arquitetos e engenheiros. Deste modo, passou-se a semear os ganhos afetivos transmitidos através dos edifícios da antiguidade, independentemente do seu estilo, consciencialização que se mostrou fundamental e necessária para estabelecer o início de uma conservação e defesa oficial e sistemática dos monumentos históricos. Iluminismo 68
O século XVIII ou século das luzes , trouxe consigo profundas alterações na cultura e na mentalidade humana, defendia-se o progresso moral e material das nações com base no desenvolvimento da ciência e da técnica na educação da sociedade. Impulsionado por esta nova postura do Homem viviase num período de constantes revoluções, inovações e invenções que proporcionaram uma grande evolução em distintos campos – político, económico, social e cultural. O mais importante de referir trata-se do campo cultural onde se verificaram extraordinárias alterações, em resultado da curiosidade do saber, que atuou como motor para o desenvolvimento desta área. No que diz respeito aos termos culturais, foi logo desde o início do século XVII, após a fase dos humanistas e artistas italianos que se verificou um interesse acrescido em conhecer as obras do mundo clássico, pelo que, antiquários, aristocratas, nobres, artistas e arquitetos de toda a Europa viajavam até Roma para descobrir e estudar os seus monumentos para compreenderem melhor o conceito de antiguidade. Assim, deu-se início a uma época caracterizada por inúmeras ações e descobertas sobre os vestígios do passado, procuravam-se cidades-mãe e tentava-se compreender as suas origens. Neste contexto, destacam-se as descobertas nas estações de Pompeia, Herculano e Paesto, que em certa medida serviram como prova que a cultura antiga tinha sido até então, apenas, parcialmente compreendida e registada. Consequentemente, no período decorrente entre os séculos XVII e XVIII testemunhou-se o enriquecimento e alargamento do conteúdo da noção de antiguidade, e pouco a pouco, o monumento histórico foi ganhando uma nova dimensão e coerência. Este enriquecimento deve-se muito ao contributo artístico de Giovanni Battista Piranesi e aos estudos de Milizia Wincklemenn e Quatremère Quincy que impulsionaram um novo olhar perante os 68
O século das Luzes diz respeito à fase do iluminismo, originário em 1650-1700, este movimento global
desenvolveu-se e floresceu até 1790-1800. Este caracterizou-se pela confiança na razão, como meio de alcançar a liberdade e o progresso da sociedade e do Homem. Os ideais iluministas desempenharam um papel de crítica social, religiosa e política, contribuindo para o fim do antigo regime no mundo ocidental.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
monumentos, que passaram a ser analisados sob critérios artísticos rigorosos e assentes numa base de conhecimentos históricos agrupados cronologicamente em estilos. Desta maneira, “o passado é encerrado em limites precisos, (…) surgindo
um
novo
espaço-tempo
de
distanciação
para
com
a
69
contemporaneidade” .
Revolução Francesa e o restauro romântico Por sua vez, a origem da formulação do sentido de património tal como o conhecemos hoje, é atribuída em grande parte à Revolução Francesa, que veio desencadear um interesse acrescido pela temática da conservação. Este interesse despoletou o início da realização de legislações de salvaguarda como forma de deter a degradação do património edificado sujeito ao vandalismo do Estado e ao vandalismo humano, sendo que “o objectivo central (…) consistia na preservação dos valores históricos de carácter nacionalista transmitidos pelos monumentos; assim, o maior interesse da conservação seria a garantia da 70
sobrevivência da identidade nacional (…)” . No entanto, após estabelecidas estas premissas permaneciam as seguintes questões: que monumentos se devem preservar? Qual o seu valor? Qual o seu estado de conservação? Mediante estas interrogações surge a necessidade de criar processos de inventariação e classificação dos monumentos para, posteriormente, se iniciarem os trabalhos de recuperação e conservação dos mesmos. Uma vez feita a inventariação dos objetos arquitetónicos surgia a dúvida de como se deveria intervir neles. Pelo que esta fase de mudança veio também estimular o estudo sobre a conservação e o restauro, conduzindo ao aparecimento de novos campos de saber especializado e formando técnicos que possuíam conhecimentos práticos e teóricos para intervir neste tipo de edificado, pois preservar, conservar, restaurar e reabilitar os bens patrimoniais são ações que exigem práticas e conhecimentos específicos. O desfecho desta época, até ao fim do século XIX, apresentou-se bastante atribulado, uma vez que o rápido crescimento demográfico associado ao desenvolvimento industrial provocou profundas transformações nas cidades europeias. A princípio, levado a cabo por John Ruskin surge o “movimento anti restauro”, onde este defende a impossibilidade de reproduzir, fora do contexto original, um objeto do passado capaz de manter o seu significado, ou seja
69
AGUIAR, José; Cor e Cidade Histórica. FA-UP. Porto, 2002. p.36
70
AGUIAR, José; Cor e Cidade Histórica. FA-UP. Porto, 2002. p.40
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
impunha-se contra as intervenções em edifícios históricos. Por outro lado Viollet le Duc, mantinha uma postura mais versátil, onde defendia tanto a demolição como a restruturação ou recuperação dos edifícios, sempre em prol do melhoramento estético da cidade. Mais tarde, Camillo Boito tenta por fim aos conflitos que existiam sobre o ato de restaurar e, nos finais deste mesmo século, fruto de um trabalho conjunto para a definição de linhas norteadoras na preservação dos monumentos, nasce a Prima Carta Italiana del restauro, documento que serviu de ponto de partida para as futuras cartas de referência 71
sobre a conservação, como foi o caso do Restauro Critico de Cesare Brandi e 72
da Carta de Atenas . Foi assim que, embora se vivesse numa altura em que se verificavam diversas sobreposições temporais, onde a cultura era posta em causa devido ao avanço tecnológico, surgiu simultaneamente a redescoberta do valor da mesma. Isto é, “esta visão inovadora reconhece a singularidade do monumento e engloba-o num processo mais abrangente, que inclui (…) o interesse pela 73
história local, assim como pelas tradições e pela arquitectura (…)” . Desta nova atitude e à luz do avanço da mentalidade do Homem, foi possível consciencializar o mundo e a cultura ocidental para a problemática da preservação e dos valores a ela associados, permitindo também tomar uma nova consciência histórica, entre o passado e o presente – aproximando-nos cada vez mais da ideia contemporânea acerca do restauro e do património. Desta forma, todas as iniciativas de valorização e afetividade refletidas neste período, relativamente ao património, vieram introduzir e formar grande parte das noções que hoje associamos ao conceito, estabilizando e generalizando o tema e suas conceções por toda a Europa, por largas décadas.
71
Defensor de “uma abordagem baseada nos aspectos históricos e estéticos do objecto de arte, destinada a
restabelecer a unidade da obra sem que sejam cometidas quaisquer falsificações artísticas ou históricas.” in Relatório do Núcleo de comportamento das Construções; A Conservação do Património Histórico Edificado. Lisboa, 1990, p.9 72
“Os planos de salvaguarda são considerados como um dos principais instrumentos para a protecção das áreas
históricas. Sendo que o objectivo principal definido para estes planos é assegurar uma relação harmoniosa entre as áreas urbanas históricas e a cidade como um todo.” in PINHO, Ana; Conceitos e políticas europeias de reabilitação urbana. FA-UTL, 2009, p.149 73
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
COUCEIRO, João; Urbanidade e Património. IGAPHE. Lisboa, 1998, p.13
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
2ª Guerra Mundial Porém, desde o final do século XIX até meados do seculo XX os monumentos históricos são apenas parte integrante do que é hoje o património. Só mais tarde, com o final da 2ª Guerra Mundial se verifica um aumento substancial do número de bens inventariados, uma vez que a destruição massiva que a guerra provocou nas cidades europeias contribuiu muito para a difusão das iniciativas acima referidas, bem como a novas perspetivas acerca das intervenções nos centros históricos. Desta forma, o homem ganhou ”uma maior consciência sobre a importância do património 74
histórico edificado (…)” sendo que os esforços para a conservação centraramse em respeitar o edifício optando pela “reconstrução exacta dos edifícios destruídos ou pela simples conservação das ruinas no estado em que elas se encontravam, com recusa de reconstrução de quaisquer elementos que tivessem 75
desaparecido” . Assim sendo, a partir deste momento a consciencialização sobre o conceito multiplicou-se a um ritmo considerável, e assiste-se ao alargamento da noção de património cultural e arquitetónico, o qual passa a englobar todo o conjunto da cidade histórica, ou seja, os conjuntos edificados e o tecido urbano: quarteirões, bairros urbanos, aldeias, cidades inteiras ou até mesmo conjuntos de cidades. É neste contexto que, na década de sessenta, se dá o aperfeiçoamento
e
a
proliferação
dos
instrumentos
urbanísticos
e
arquitetónicos de salvaguarda do património urbano, como é o caso da Lei de Malraux e mais tarde a publicação da Carta de Veneza organismos internacionais como a ICOMOS
77
76
que, gerados por 78
e a UNESCO , contribuíram
para a globalização do conceito ocidental de Património. Já não se fala apenas de Património Nacional ou Património Europeu, mas sim de Património Mundial. “Hoje o termo abrange desde a obra de arte, a cidade histórica, o território e a paisagem humanizada, isto é, o termo património engloba organizações
74
PAIVA, José; TRIGO, José; Relatório do Núcleo de comportamento das Construções: A Conservação do
Património Histórico Edificado, LNEC, Lisboa, 1990, p.10 75
PAIVA, José; TRIGO, José Relatório do Núcleo de comportamento das Construções: A Conservação do
Património Histórico Edificado, LNEC, Lisboa, 1990, p.10 76
Estas são algumas das políticas mais importantes sobre a conservação do património arquitetónico e urbano
que, decorreram das anteriores mencionadas. 77 78
The International Council on Monuments and Sites - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura.
UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
79
voluntárias do espaço feitas pelo Homem e portadoras dos seus valores” . Trata-se de um recurso das cidades com funções económicas, políticas e culturais que por sua vez forma um conjunto de registos, sujeitos aos significados que lhes são intrínsecos, que podem ser utilizados e reinterpretados em resposta às exigências do presente. Contudo, “o estatuto de Património não advém de uma característica intrínseca dos bens, mas que tem origem nos significados, nas interpretações e nos valores de uma cultura. São os sujeitos que atribuem valor e significado aos objectos ou às práticas, e estes devem ser preservados exactamente por serem o repositório da memória 80
e da identidade dos sujeitos . Desta forma, e pela importância que se atribui desde sempre aos elementos do património histórico, este requer de nós uma reflexão profunda, pois tem-se apresentado de certa maneira negligenciado pelo Homem. Cartas e Convenções: catalisadores evolutivos Tal como vimos anteriormente, a inserção do património num patamar que veio acabar por desencadear o desenvolvimento urbano das cidades surgiu em grande medida associado a um conjunto de declarações e documentos norteadores acerca do reconhecimento do património, tendo como como principal objetivo a valorização e/ou a salvaguarda dos objetos patrimoniais com interesse mundial, nacional, regional ou local. Neste contexto, sabe-se que foi após a revolução francesa que se desencadearam as primeiras medidas de proteção do património, na esperança de se conseguir travar a destruição dos monumentos mais iconográficos das cidades. Assim, ao longo dos tempos, foi-se assistindo à formulação das premissas chave que hoje devemos ter em conta quando abordamos uma obra com elevado valor patrimonial. No decorrer dos tempos foram muitas as convenções que chegaram até nós, sendo essencial destacar a Carta de Atenas do Restauro de 1931, a Carta de Veneza de 1964, a Convenção para a Proteção do Património Cultural e Natural Mundial de 1972, a Carta Europeia do Património Arquitetónico de 1975, a carta de Cracóvia de 2000, a Nova Carta de Atenas de 2003 e mais recentemente a Carta de Bruxelas de 2009.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
79
AGUIAR, José; Cor e Cidade Histórica. FAUP Publicações, 1ªediçao, Porto, 2002, p.23
80
PINHO, Ana; Conceitos e políticas europeias de reabilitação urbana. FA-UTL, 2009, p.254
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
O primeiro documento a nível internacional para a conservação do património e para a sua preservação aparece no início da década trinta do
1931
século XX, aquando a Primeira Conferência Internacional para a Conservação dos Monumentos Históricos resultando na publicação da Carta de Atenas. Por sua vez, esta defende o respeito pela obra histórica e artística do passado, sem ignorar o estilo das épocas que as constituem. Esta relembra então a importância do contexto original do lugar, recomendando que se mantenha a ocupação dos monumentos, de forma a assegurar a continuidade da sua vida, e que se opte por valências que respeitem o carácter do lugar. Considera-se também os monumentos como bens públicos, sendo nosso dever preserva-los com a riqueza e autenticidade que os definem.
Já durante a década de sessenta do século XX surgem os primeiros instrumentos de proteção do património urbano sobre a conservação e
1964
restauro dos monumentos e dos sítios através da publicação da Carta de Veneza. No sentido de conservar o património esta sugere que se tome uma postura de manutenção permanente como elemento fundamental para a salvaguarda dos testemunhos históricos. Esta ressalta ainda que existindo a necessidade de intervir no património, mostra-se crucial a colaboração de todas as disciplinas que possam vir a contribuir para a sua salvaguarda, quer se trate de uma obra de arte como de um testemunho histórico. Neste caso, sugere-se uma conservação que, sobretudo, revele os valores históricos e estéticos dos monumentos, fazendo em simultâneo a ponte para a adaptação de uma função útil para a sociedade.
Em 1972, a UNESCO
81
organiza a Convenção para a Proteção do
Património Cultural e Natural Mundial criando e a Lista de Património
1972
Mundial. Assim, todos os objetos classificados como património cultural e natural reconhecidos universalmente, passam a adquirir o título de Património Mundial ou da Humanidade, obtendo proteção perante a sociedade em geral. Assim, a partir deste momento o restauro estará sempre ligado à avaliação crítica sobre a artisticidade do próprio objeto de intervenção.
81
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
1975
No ano de 1975 começa-se a falar em património europeu, pelo que aparece então a Carta Europeia do Património Arquitetónico. Esta defende que o património não é composto unicamente pelos monumentos mais importantes de cada nação, mas também pelos conjuntos que constituem as cidades antigas, as aldeias com tradições no seu ambiente natural ou construído. Por fim, salienta a importância dos monumentos e edifícios ou conjuntos históricos na medida em que constituem um fragmento essencial da memória dos Homens que, na ausência da sua transmissão às gerações futuras, presenciaríamos uma humanidade sem uma parte da sua consciência de duração, uma sociedade desequilibrada despida de valores educativos fundamentais.
2000
Ao entrarmos no novo século é criada a Carta de Cracóvia, sobre os princípios para a conservação e o restauro do Património Construído, que nos vem clarificar e reforçar a responsabilidade das comunidades perante a identificação e gestão do seu património. Mais uma vez reforça-se a necessidade de manutenção e reparação do património no seu processo de preservação, bem como a importância de manter a integridade e autenticidade do objeto patrimonial. Nesta fase, fala-se também de vários tipos de património, incluindo desde a arqueologia, às paisagens, ao meio rural, até ao monumento histórico.
2009
Por fim, em 2009 foi publicada a Carta de Bruxelas que tem como objetivo primário analisar o alcance e natureza da influência que exercem as diferentes atividades relacionadas com o património no sistema económico dos países e comunidades europeias, valorizando o património cultural e promovendo-o nas escolas, garantindo assim o conhecimento e acesso universal aos bens e serviços culturais. Defende-se que as intervenções no património deverão ter presente a coesão social, pois o património representa um bem valioso e insubstituível e é um recurso revitalizador das cidades e dos territórios, capaz de melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Salienta-se também, a importância que tem para a identidade dos povos, funcionando como difusor dos valores distintos e particulares das nações, estabelecendo a variedade que compõem a sociedade europeia.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
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2.2.2. VALOR PATRIMONIAL
“(…) it is important to realize that the architecture of the historical city is a still living history. In fact, it’s more than that: as a faithful reflection of its time of construction, I argue that architecture is the motor which also drives the history of cities”. Alberto Baeza
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Símbolo cultural A Cultura como conceito geral pode ser aplicada a diversas formas e elementos do nosso quotidiano, desde a literatura, às artes, passando pelos monumentos e paisagens protegidas, direcionando-se sempre para o termo que já conhecemos – o património. Sendo que é considerada produto das ações contínuas do Homem, a cultura constrói-se através da mente do mesmo, é uma expressão da mente e traduz-se a dois grandes níveis – a nível material como é o caso dos monumentos e dos espaços físicos e a nível imaterial como é o caso da literatura – proporcionando momentos de recordação e prazer, assumindo uma posição no presente, no passado e no futuro. Esta faz parte daquilo que o ser humano é enquanto pessoa, pois é à luz da mesma que ele se formou, é portanto uma fonte essencial no intelectual do Homem, bem como no seu crescimento. Assim, podemos referir que a cultura “(…) pode agora ser definida como o conjunto complexo das características distintivas espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou grupo social; inclui não só as artes e letras, mas também os modos de vida, os direitos 82
fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, tradições e crenças” . Acrescenta-se que é através desta que se dá a recriação intelectual e crescimento do Homem, isto é, ela atribui-nos a capacidade de reflexão sobre nós próprios, sobre o que fomos e o que iremos ser, torna-nos eticamente comprometidos, pois a cultura é uma das fontes pela qual conhecemos valores e identidades, sem os quais não seriamos capazes de realizar determinadas escolhas. “(…) É através da cultura que o homem se exprime, se torna consciente de si próprio, reconhece-se como um projecto inacabado, questiona as suas próprias realizações, procura incansavelmente novos significados e cria obras pelas quais 83
transcende as suas próprias limitações” . Desta forma, a cultura torna-se um elemento gerador de desenvolvimento, que tem como propósito o bem-estar e a realização pessoal de cada um de nós, pelo que qualquer estratégia de desenvolvimento ou de recuperação de qualquer cidade deve também ser acompanhada de todos os contextos culturais que a definem. Portanto, considera-se o património, elemento responsável por definir a cultura de
82
GOMES, Carla Amado; O preço da memória: A sustentabilidade do património cultural edificado, Lisboa, 2011.
p.35. 83
GOMES, Carla Amado; O preço da memória: A sustentabilidade do património cultural edificado, Lisboa, 2011.
p.16
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determinada civilização, um recurso essencial para a proliferação da cultura que será transmitida de geração em geração. Desta forma, o património simboliza uma parte determinante da cultura, que corresponde ao passado, sendo possível admitir que a “identidade de uma sociedade é em grande medida baseada no seu património”
84
.
Consequentemente, cada vez mais se afirma a ideia da primordialidade de preservar e valorizar os vestígios que restam da herança cultural históricomonumental do passado, herança essa que foi reunida ao longo dos séculos e exposta a contínuos fatores de degradação, ruina e desvalorização. Esta necessidade de defesa e salvaguarda do património decorre da “convicção de que a manutenção das expressões do passado histórico é um dos mais relevantes factores de continuidade na construção de memória colectiva dos povos, correndo para a definição e a fixação da identidade social e cultural das 85
nações” . Desta forma, podemos acreditar “que preservar o passado é prestigiar o presente”. É fundamental que exista uma preocupação em revalorizar aquilo que, em tempos já teve valor. Não é apenas o valor patrimonial, mas o que representou como edifício, um espaço público, transportando memórias e recordações que fazem parte da nossa história e da nossa cultura, e que, aos poucos vão caindo no esquecimento. No entanto, é ao preservar e reconverter os usos destes espaços que podemos manter memórias e testemunhos de outros tempos. “Nós não herdámos a Terra dos nossos antepassados nós tomámo-la de empréstimo às gerações futuras”
86
e como tal é nosso dever fazer perpetuar o
nosso património para que faça parte da memória dos nossos herdeiros. Isto porque, como veremos a seguir os “conjuntos históricos ou tradicionais constituem através dos tempos os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade das criações culturais, religiosas e sociais da humanidade, e que, a este título a sua salvaguarda e integração no quadro de vida da sociedade contemporânea é um elemento fundamental”
87
que caracteriza e distingue
cidades e civilizações.
84
MENDES, António Rosa; O que é Património Cultural, Editora Gente Singular, 2012, p.17.
85
FERREIRA, Carlos; Valorizar e Desenvolver as Áreas de Património Edificado. p.7.
86
SANT-ÉXUPERY, Antoine; in GOMES, Carla Amado; O preço da memória: A sustentabilidade do património
cultural edificado. Lisboa, 2011, p.1. 87
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
FERREIRA, Carlos; Valorizar e Desenvolver as Áreas de Património Edificado, p.14.
57
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Identidade, Memória e Património: universos indissociáveis Tal como foi referido anteriormente, é através do contacto com o outro que o individuo cria as suas memórias, que por sua vez acontece dentro do espaço físico de uma cidade, ou seja, é no ceio da cidade que o Homem constrói a sua identidade. Esta ideia de pertença pode significar que a desvalorização ou a destruição de elementos do passado pode levar à própria destruição interior do Homem, uma vez que este corre o risco de perder aquilo que o liga ao seu passado, à sua memória. Como sabemos as várias camadas temporais que se vão acumulando representam um fator determinante para a representação formal de qualquer cidade. Assim, ao longo do tempo o Homem foi sendo confrontado com sobreposições temporais que permaneceram agregadas à cidade e que, por sua vez representam valores de memória que se relacionam diretamente com ele e com a sociedade. Estas sobreposições temporais, o património, são portanto o cerne da identidade da sociedade. Estas, proporcionam que o Homem seja capaz de se reconhecer a ele próprio e por conseguinte que possamos ser reconhecidos aos olhos de outrem, enquanto uma nação, um país, uma cidade, uma região, um lugar com características, valores, moral e hábitos particulares. É através dele, e das suas características específicas e particulares que nos é atribuída uma individualidade, uma personalidade que nos define e formata, e que sem ela não seriamos nós. Aqui apresentamos o motivo pelo qual o património é no nosso Presente um depósito do Passado e simultaneamente o meio de garantir a preservação de uma identidade no nosso Futuro. Em síntese percebemos que a identidade é formada e constituída através da memória, sendo o motor da tomada de consciência das características das coisas, ou seja, é a identidade de um determinado local que o distingue de todos os outros, a Torre de Belém está para Lisboa, a cidade do Vaticano para Roma e não ao contrário. Se elementos marcantes como estes tivessem sido apagados da história das cidades, estas seriam todas iguais. Portanto, é o património que nos lembra que os edifícios e lugares já foram e já representaram algo para as suas cidades, e essa memória deve ser valorizada e respeitada, procurando estratégias e soluções capazes de manter as características que definem o núcleo de cada cidade.
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Assim sendo, podemos afirmar que património é para a sociedade o que a memória pessoal é para o individuo. Para isto, tomamos como exemplo o escritor José Cardoso Pires, que certo dia acordou, viu o seu reflexo e não se reconheceu. Um acidente cerebral tinha-lhe roubado a memória. Um dia mais tarde, recuperou-a, e quando a recuperou, disse: “Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida anterior. E a interior, bem entendido, porque sem referências do passado morrem os afectos e os laços sentimentais. E a noção do tempo que relaciona as imagens do passado e que lhes dá a luz e o tom que as datam e as tornam significantes, também isso. Verdade, também isso se perde porque a memória, aprendi por mim, é 88
indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido” . Após esta breve experiência de vida, podemos compreender que sentir a presença da memória é estar vivo, por outras palavras, «talvez uma certeira 89
definição para a morte seja a ausência de memória» . Portanto, se para um indivíduo a ausência da memória é comparada ao sentimento de morte, também para a sociedade a ausência da sua memória passada – o património – é sinónimo de morte e perda. Como tal “o significado de qualquer edificação ultrapassa a arquitectura, ele redirecciona a nossa consciência para o mundo e 90
a nossa própria sensação de termos uma identidade e estarmos vivos” . Posto isto, podemos concluir ainda que se mantenha o corpo do património, como é o caso do corpo e das funções vitais do homem, mas não se cuide, proteja e mantenha, o que nos lembra dos valores e do passado, podemos estar perante um Futuro vazio que carece de identidade, pois “todo o cidadão possui numerosas relações com algumas partes da sua cidade e a sua 91
imagem está impregnada de memórias e significações” . Os locais da cidade não são elementos intocáveis, caso fossem seriam vazios de identidade, pois não existiriam sobreposições temporais, “as coisas modificam-se mas não perdem a sua identidade, (…) elas permanecem na nossa mente e portanto passam a existir no tempo. Assim, o tempo não existiria sem a possibilidade de memória, sem a capacidade para, na mudança, reconhecermos a continuidade
88
PIRES; José Cardoso; in MENDES, António Rosa; O que é Património Cultural. Editora Gente Singular, 2012.
p.18. 89
PIRES; José Cardoso; in MENDES, António Rosa; O que é Património Cultural. Editora Gente Singular, 2012.
p.18.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
90
PALLASMAA, Juhani; The eyes of the skin – Architecture and Sense. Editorial Wiley, England, 2005, p.11.
91
LYNCH, Kevin; A imagem da cidade. Edição 70, 1982, p.11
59
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
dos objectos aos quais emprestámos significação numa qualquer esfera da sua 92
interferência na relação do Homem com o mundo” . Desta maneira, é por isso necessário que se reconheça o valor dos recursos com que operamos na realidade urbana a intervir, de forma a não distorcer a identidade que define o lugar. Hoje assistimos muitas vezes a uma perda do lugar, do seu significado, pois o mundo contemporâneo por vezes acaba por desintegrar o espaço urbano da cidade, alterando profundamente a lógica dos espaços antes existentes. Assim sendo, conhecer a essência do local a projetar é crucial de forma a tornar a reabilitação do espaço um contributo positivo para toda a sociedade, em que se mantenha a memória do lugar e em simultâneo se estabeleça uma relação com os elementos contemporâneos para que não fiquemos congelados no tempo e possamos continuar a acumular memórias nos lugares de ontem, de hoje e de amanhã.
92
GORJÃO, Jorge; Lugares em Teoria, Caleidoscópio, Casal da Cambra, 2006, p.70
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2.2.3. CONSTRUIR NO CONSTRUÍDO
“I like ruins because what remains is not the total design, but the clarity of thought, the naked structure, the spirit of the thing”. Tadao Ando
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
A arquitetura trata-se do elemento que melhor representa a sequência de transformações pelo qual o Homem passa ao longo do tempo. Nela agregamse sentimentos, acontecimentos, tragédias, sucessos, por outras palavras é composta por uma infinidade de arcas de memórias e cultura, procurando apenas um ambiente apropriado para existir. As cidades de hoje refletem assim o confronto entre tempos, seja através da adição, subtração ou reconstrução de elementos, refletem pois a forma como diversas gerações culturais coexistiram. A verdade é que “satisfazer as exigências humanas, sempre crescentes, provoca um contínuo e progressivo uso dos recursos disponíveis. Um uso que impõe a realização de obras capazes de armazenar, transportar, transformar e finalmente usar partes da cidade e de edifícios 93
abandonados, mortos ou agonizante” , e é sobre esta necessidade, cada vez mais presente, de usar partes esquecidas da cidade que refletimos hoje. A história das cidades relembra-nos o quanto é comum construir no construído. Todavia, durante algum tempo, e por vezes ainda nos dias que correm, predominou uma certa insegurança no que diz respeito à realização deste tipo de intervenções nos núcleos urbanos das cidades. “Cada vez mais a nossa geração tem medo de confrontar os seus modelos significativos e as exigências funcionais com o contexto da cidade pré-existente e de verificar a actualidade deste último, negando, por consequência, a sua própria evolução”
94
. Desta forma, assistimos a uma gradual “(…) desertificação dos
lugares da história, acabando por transformá-los em representações fantásticas 95
de uma realidade jamais existente” . Ainda assim, e apesar de testemunharmos uma tendência em transformar o património numa representação utópica e fechada sobre de si mesma, o Homem contemporâneo tem vindo a procurar soluções com o objetivo de introduzir o património na realidade da malha urbana. Para todos os efeitos, conciliar as exigências de uma determinada sociedade com a complexidade do tecido urbano de uma cidade representa um desafio permanente. E como tal, o que nos interessa estudar passa por perceber quais as melhores formas de tratar desta necessidade permanente, perceber como incorporar as alterações
93
CANATÁ, Michelle; FERNANDES, Fátima; Construir no tempo. ESTAR. Lisboa, 1999, p.7.
94
CANATÁ, Michelle; FERNANDES, Fátima; Construir no tempo. ESTAR. Lisboa, 1999, p.7.
95
CANATÁ, Michelle; FERNANDES, Fátima; Construir no tempo. ESTAR. Lisboa, 1999, p.7.
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à malha urbana, e sobretudo perceber como alcançamos “aquela arquitectura 96
capaz de arrancar ao lugar a fórmula do seu próprio renascer (…)” . A verdade é que o passado materializa-se de variadíssimas formas e, a cidade encontra-se repletas de arcas de memórias, carregadas de significado. Como tal, quando realizamos uma intervenção arquitetónica, tenha ela origem num vazio urbano ou numa pré-existência, é inevitável não nos depararmos com questões sobre os elementos que possam ou não possam ter valor para a sociedade e para a cidade. Desta forma, as decisões que tomamos nestas circunstâncias devem estar de acordo com as necessidades da sociedade e da cidade onde se insere a intervenção, de maneira a garantir a funcionalidade das mesmas nos dias de hoje, mesmo que se mantenha presente a necessidade de preservar a memória. Por sua vez, o objetivo neste tipo de cenário será também o de “dotar os lugares de novos usos adaptados à procura social contemporânea; renunciar ao dogma da sua intangibilidade e ao formalismo da restauração histórica; saber proceder às transformações necessárias associando o respeito do passado e a aplicação das técnicas de 97
ponta contemporâneas” . Não deixa de ser importante voltar a referir que, no cerne de todas estas sugestões operativas reflete-se um facto inevitável, a cidade é formada através de diversas camadas na qual se concentram enumeras culturas, memórias e épocas construtivas, por outras palavras é composta por vários diálogos que se complementam ou não, e só através deles é e será possível compor um discurso no tempo. É por esta razão que saber ler aquilo que o lugar nos pode oferecer é tão fundamental durante a prática projetual. Assim, compreende-se que as questões ligadas ao património e à memória são cruciais para a interpretação de qualquer lugar ou qualquer edifício, pois “(…) cada fracção da história estratificada de um edifício representa mais do que um simples fragmento material, é o testemunho de uma determinada época, de determinada forma de pensar e construir ou, por outras palavras, é a memória de um passado 98
que importa entender e preservar” .
96
CANATÁ, Michelle; FERNANDES, Fátima; Construir no tempo. ESTAR. Lisboa, 1999, p.7.
97
CHOAY, Françoise; As Questões do Património: Antologia para um Combate, Edições 70. Lisboa, 2009. p.48
98
AGUIAR, José; Dificuldades na conservação e reabilitação do património urbano português. Revista de Estudos
urbanos e regionais – (Sub)Urbanismos e Modos de vida, nº21. Março, 1995. p.33
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2.3. SÍNTESE: MEMÓRIA, PATRIMÓNIO E CONTEMPORANEIDADE
“A cidade não é um lugar. É a moldura de uma vida. A moldura à procura de retrato é isso que eu vejo quando revisito o meu lugar de nascimento. Não são as ruas, não são as casas. O que revejo é um tempo, o que escuto é a fala desse tempo. Um dialecto chamado memória, uma nação chamada infância. A cidade não é apenas um espaço físico mas uma forja de relações. É o centro de um tempo onde se fabricam e refabricam as identidades (…)”.
Mia Couto
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Após a reflexão que se realizou com base nos temas da memória e do património conclui-se que “ a história, a memória e o tempo são parcelas da 99
mesma equação que se unificam aos conceitos de monumento e património . Percebeu-se também que todos e quaisquer “vestígios materiais são uma garantia de que houve um passado; que apesar de mudos carecerem de interpretação, apesar de corrompidos pelo tempo ou pela reconstrução sucessiva, são sempre uma ponte entre o presente e o passado. Reagimos a estas relíquias pela sua beleza, pelo seu valor histórico mas sobretudo pelo seu papel 100
de talismã da continuidade do tempo . Assim, a ideia de defesa e salvaguarda do património “radica na convicção, cada vez mais alargada e generalizada, de que a manutenção das expressões do passado é um dos mais relevantes factores de continuidade na construção da memória colectiva dos povos, concorrendo para a definição e a fixação da 101
identidade social e cultural das nações” . Consequentemente o património é visto como uma fonte inesgotável de conhecimentos históricos e culturais, pelo que torna-se não só desejável como necessário assegurar a preservação e a manutenção dos testemunhos históricos presentes nas nossas cidades. Desta forma, percebeu-se que se torna fundamental intervir antes que os testemunhos se transformem em meros vestígios. Só assim, será possível garantir “a estabilidade material do binómio passado/presente e assim prolongar por mais um instante do tempo cósmico as expressões vivas do passado histórico, na sua vertente monumental, para uma leitura cultural”
102
plena. Como tal, e na generalidade dos casos, podemos afirmar que cada vez mais se recorre à história e à cultura para projetar, isto é, na realidade não existem 103
“terrenos virgens, nem a cultura do homem está no seu ano zero” . Ainda que nem todos possam recorrer e reconhecer da mesma forma o legado que os terrenos nos oferecem, a verdade é que projetar sem que se estabeleça uma
99
LOWENTHAL, David; The past is a foreign country. in
www.academia.edu/3605880/Património_Histórico_o_tema_de_uma_alegoria 100
LOWENTHAL, David; The past is a foreign country. in
www.academia.edu/3605880/Património_Histórico_o_tema_de_uma_alegoria 101
FERREIRA, Carlos Antero; Restauro dos Monumentos Históricos. IPPC.1992, p.9.
102
FERREIRA, Carlos Antero; Restauro dos Monumentos Históricos. IPPC. 1992, p.10.
103
COSTA, ALEXANDRE; in ABREU, Pedro; Palácio da Memória II – a revelação da arquitectura. FA-UTL, 2007,
Tese de Doutoramento, p.372.
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relação com o existente seja direta ou indiretamente torna-se uma ação pouco coerente. Por outras palavras, é oferecido ao arquiteto a possibilidade de operar constantemente com o construído, que “tanto pode ser o lugar em transformação, como cultura arquitectónica universal”
104
.
A postura que tomamos face a este passado de sobreposições temporais, cheias de significado é crucial, tanto ou mais do que o desejo de construir o futuro e evoluir enquanto cidade. Para isso, foi necessário entender que construir sobre uma pré-existência nos oferece uma infinidade de hipóteses de trabalho e pontos de partida baseados exclusivamente no saber que a “terra” nos transfere. Como tal seria desejável operar com estas ferramentas da melhor forma possível, tendo como objetivos primários a preservação da memória do lugar e a viabilidade do projeto na realidade da cidade contemporânea. Assim sendo é desta forma “obrigatoriamente cultivada, que se constrói o conceito/desenho e se decide sobre a linguagem (…) tornando este processo de conceptualização consciente e responsável. (…) Em síntese, [queremos, com a historia] armazenar na memória, apreender mecanismos, perceber intenções e condicionamentos para, “esquecendo tudo”, nos abrirmos de forma culta e eticamente responsável 105
a criação escandalosamente artística, como e nosso dever” . Por fim, salienta-se que foi através da evolução do conceito de património, e muito devido às iniciativas de salvaguarda ao longo desta evolução, que foi possível chegar aos dias de hoje com a ideia de que salvaguardar a memória de uma cidade, ou de um determinado lugar, com base numa apropriação mais contemporânea, também pode resultar da consequência de novas atitudes de conservação, reabilitação e reutilização dos espaços, que se demonstram capazes de olhar para o património como fonte de inspiração e criatividade.
104
COSTA, ALEXANDRE; in ABREU, Pedro; Palácio da Memória II – a revelação da arquitectura. FA-UTL, 2007,
Tese de Doutoramento, p.372. 105
COSTA, ALEXANDRE; in ABREU, Pedro; Palácio da Memória II – a revelação da arquitectura. FA-UTL, 2007,
Tese de Doutoramento, p.372.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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3.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
C A S O S
D E
E S T U D O
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Neste capítulo apresentam-se quatro projetos que se mostraram decisivos na recuperação do património e/ou na revitalização de espaços urbanos nos quais estão inseridos. Entre eles podemos encontrar o Neues Museum em Berlim; o Museu Casa da Memória em Guimarães; o Palácio das Artes-Fábrica de Talentos no Porto e por fim o Convento das Bernardas em Tavira. Estes retratam em especial como uma intervenção arquitetónica pode tornar-se determinante na valorização de um conjunto patrimonial, pelo que foram escolhidos como casos de estudo pelas soluções arquitetónicas que apresentam, ou seja, pela forma como articulam o antigo e o moderno, pela forma como se utiliza a memória cultural de uma cidade e de um edifício para desenvolver questões programáticas, ou até mesmo por se apresentarem como catalisador urbano. Por norma, todas as novas construções em edificado com valor patrimonial, seja por agregação de um novo elemento, transpondo-o ou sobrepondo-o, quer seja retomando as características morfológicas da construção, tem por objetivo a consolidação, requalificação e valorização do património e do lugar onde este se insere, pelo que se torna importante conhecer opções e estratégias adotadas por alguns arquitetos nas suas obras. Desta forma, pretende-se clarificar que proceder à requalificação e adaptação destes conjuntos para as necessidades do presente revela-se vantajoso para a revitalização dos centros urbanos e históricos de uma cidade, ou seja, é através das intervenções contemporâneas destes edifícios que certos pontos-chave dos centros históricos ganham novamente sentido, a partir de novos programas e apropriações do espaço, assumindo-se como um ponto de viragem entre o antigo e a evolução dos tempos modernos.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
17. Ilha de Spree, a ilha dos museus - Em destaque a localização do Neues Museum.
18. Fachada Principal do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield Architects.
19. Recuperação da fachada tardoz do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield Architects
20. Restauração da Sala Medieval do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield Architects.
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3.1.
NEUES MUSEUM
Berlim, Alemanha 2009 DAVID CHIPPERFIELD E JULIAN HARRAP O projeto em questão faz parte de um conjunto de 5 museus situados no centro de Berlim, mais precisamente na ilha de Spree, a Ilha dos Museus. Este foi o segundo edifício construído, em 1859 por Fredrich August Stüler, e representava um marco importantíssimo na história e nas técnicas de construção da sua época. Contudo, no início da Segunda Guerra Mundial foi necessário encerrar o museu e retirar a maioria das obras que esta continha em exposição para que fossem colocadas num local seguro. Dadas as circunstâncias da época, o edifício
acabou
por
ser
profundamente
danificado
durante
o
bombardeamento a Berlim. Tanto que, após o cenário devastador ainda se realizaram algumas obras de reconstrução, porém o edifício havia perdido secções inteiras, outras ficaram severamente danificadas e de pouco serviu o esforço para o erguer novamente. Assim, o edifício permaneceu em ruínas, exposto às intempéries da natureza durante décadas. Somente em 1997, o arquiteto David Chipperfield, em colaboração com Julian Harrap ganhou o concurso internacional para a reconstrução do Neues Museum, iniciando-se em 2003 os trabalhos de recuperação do edificado. Classificado como Património Mundial da UNESCO desde 1999, visto como uma verdadeira ruína clássica de elevado valor evocativo a reabilitação do espaço, apesar de se tratar de uma reconstrução, seguiu sobretudo o princípio de conservação do espaço. Desta forma, a ideia do arquiteto passava por reter o espírito da ruína 106 que encontrou. Tratou-se de uma operação paradoxal para preservar a deterioração de décadas no ambiente particular que é necessário para criar um museu moderno. O seu objetivo não passava pela demonstração do estrago do edifício mas sim pela beleza que ele continha e foi adquirindo ao longo do tempo. Foi assim que se “desenvolveu um projecto que no qual, em vez de se esconder a diferença entre os elementos antigos e os novos, colocaram-nos
21. Fachada tardoz do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield Architects. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
106
MOORE, Rowan; The Architectural Review: Neues Museum by David Chipperfield Architects, Berlim,
Germany. Maio de 2009.
75
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
em confronto num diálogo entre o passado e o presente, criando um edifício 107
com vários estratos temporais” . Segundo David Chipperfield o objetivo fundamental da reconstrução consistiu em completar o volume original através de um design focado em reparar e restaurar o objeto arquitetónico respeitando a estrutura histórica existente, criando uma peça onde o novo reflete o que outrora foi perdido sem o tentar imitar. O projeto seguiu as premissas de restauro estabelecidas na Carta de Atenas, respeitando a estrutura histórica nos seus diferentes estados de conservação, ou seja, o arquiteto preocupou-se em incorporar no seu projeto todas as partes do edifício, quer as que permaneceram intactas como as que sofreram com os danos da guerra. Posteriormente, o projeto recupera a sua sequência espacial demonstrando grande qualidade nas zonas preservadas e na escolha estética dos novos elementos. Por conseguinte, as novas salas de exposição foram construídas em modelos pré-fabricados de betão branco misturado com mármore tal como a 108
nova escadaria principal , que segue a forma mas não o detalhe da escadaria original. Esta escadaria trata-se de um dos pormenores mais elegantes do projeto e funciona como centro público do museu. Já a ala Noroeste é reconstruída com tijolos artesanais reciclados complementada com as partes que ainda se encontravam preservadas. Finalmente, em 2009, depois de mais de 70 anos em ruína, o Museu é reaberto ao público como o 3º edifício restaurado na Ilha de Museus. Desde então exibe a Coleção de Arte do Egípcio Antigo e de Papiros, a Coleção de Antiguidades Clássicas e ainda a Coleção sobre a Pré-História e a História 109
Antiga . Esta abordagem arquitetónica espelha assim uma impressionante conquista profissional por ter encontrado um equilíbrio harmonioso entre o contemporâneo e o antigo, o reparado e o preservado, mantendo viva a 110
essência do lugar. Tanto que, em 2011, vence o prémio Mies Van der Rohe , onde o Jurí Mohsen Mostafavi sublinhou que “a reconstrução do Neues
107
MENDONÇA, Catarina; Reinventar para a contemporaneidade o Castelo de Hochesterwitz. FAUTL, 2012, p. 62
108
ARCHDAILY. Neues Museum/ David Chipperfield Architects in collaboration with Julian Harrap. 28 Abril de
2011.
in
http://www.archdaily.com/127936/neues-museum-david-chipperfield-architects-in-collaboration-with-
julian-harrap Acedido em: Abril de 2015 109
MOORE Rowan; The Architectural Review: Neues Museum by David Chipperfield Architects, Berlim, Germany.
Maio de 2009. 110
Prémio de arquitetura contemporânea da UE que teve início em 1987, hoje considerado o mais prestigioso
neste campo.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
Museum é um feito extraordinário (…). O projecto suscita e resolve muitos desafios estéticos, éticos e técnicos. É uma demonstração exemplar do que a 111
colaboração” . Luís Hortet, diretor da fundação Mies Van der Rohe salienta ainda que “o Neues Museum de David Chipperfield é o exemplo perfeito de como a intervenção arquitectónica contemporânea contribui para a reutilização do nosso património, melhorando as suas qualidades funcionais e introduzindo 112
novos elementos” .
22. Escadaria Principal do Neues Museum, antes e depois da 2ª Guerra Mundial.
23. Resultado após a reinterpretação da escadaria principal do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield Architects.
(da esquerda para a direita)
24. Atrium de chegada ao Neues Museum. Imagem de David Chipperfield Architects. 25. Átrio Principal do Neues Museum. Imagem de David Chipperfield Architects.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
111
SEVILHA, Ana Rita; Berlim Neues Museum vence prémio Mies Van der Rohe 2011. Constrir, 12 Abril de 2011.in
http://www.construir.pt/2011/04/12/berlin-neues-museum-vence-premio-mies-van-der-rohe-2011/ Acedido em: Abril 2015 112
SEVILHA, Ana Rita; Berlim Neues Museum vence prémio Mies Van der Rohe 2011. Constrir, 12 Abril de 2011. In
http://www.construir.pt/2011/04/12/berlin-neues-museum-vence-premio-mies-van-der-rohe-2011/ Acedido em: Abril 2015
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
3.2. PALÁCIO DAS ARTES FÁBRICA DE TALENTOS Porto, 2007-2009 ALFREDO ASCENÇÃO E PEDRO HENRIQUES Este projeto localiza-se em pleno centro histórico do Porto e refere-se à recuperação do que resta do antigo Convento de São Domingos do século XIII. Fundado em 1238 trata-se do edifício mais antigo da cidade, foi a primeira contrastaria da cidade do Porto e mais tarde acolheu a delegação portuense do 113
Banco de Portugal . Depois do grande incêndio de 1832, que quase destruiu todo o convento, foi Sede da Companhia de Seguros do Douro e por fim desde 114
2010 dá lugar ao Palácio das Artes – Fábrica de Talentos . Por conseguinte, o caso do convento trata-se de uma intervenção projetual subtil que se foca em respeitar as características arquitetónicas que sobreviveram ao longo do tempo, centralizando os seus esforços em reativar a vivacidade do edificado e do centro histórico através da capacidade de atracão tanto de profissionais criativos como de turistas, transformando-se num ponto de partida para a criação de um pólo cultural. Inicialmente pensou-se centrar a área de estudo na joalharia, porém ao avaliarem o mercado junto dos jovens artistas os responsáveis decidiram alargar as disciplinas abordadas. Desta forma, “o palácio serve agora de montra privilegiada à arte e aos produtos desenvolvidos por jovens criadores e alguns 115
artistas conceituados” . Assim, relativamente ao programa funcional, o edifício reabilitado destaca-se como pólo de inovação e criatividade dentro da área das artes, em particular no domínio do cinema, da arquitetura, do design, de multimédia, da pintura, da escultura e da literatura. Por sua vez, este veio estabelecer uma ponte entre a formação escolar e o mercado de trabalho, funcionando como apoio a 5 fases fundamentais: a formação, a criação, a produção e por último a distribuição e divulgação. 113
REIS, Pedro; Porto: Palácio das Artes será uma “porta aberta para os jovens, JPN, Porto, 2007 in
http://jpn.up.pt/2007/12/13/porto-palacio-das-artes-sera-uma-porta-aberta-para-os-jovens/ Acedido em: Abril 2015 114
CUNHA, Maria; Bairros da Cidade XII, Porto, 2012. in http://portoarc.blogspot.pt/2012_09_01_archive.html
Acedido em: Abril 2015 115
Fundação da Juventude, Palácio das Artes – Fábrica de talentos. in www.fjuventude.pt/pt/default.aspx Acedido
26. Convento de São Domingos – Palácio das Artes, 2012. Imagem de aaph arquitetos.
em: Abril 2015
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
27. O antes e depois do Hall Nobre do Palácio das Artes. Imagem de Fundação da Juventude.
28. Escadaria Principal de acesso ao piso nobre do Palácio das Artes. Imagem de Fundação da Juventude.
(da esquerda para a direita)
29. Sala 1 com disposição oval. Imagem de Fundação da Juventude. 30. Sala 2 com disposição para a realização de formações. Imagem de Fundação da
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Para que seja possível esta multifuncionalidade, o edifício contempla inúmeras opções programáticas, no piso térreo concentra-se o comércio e a restauração, no 1º piso a sala de refeições do restaurante e salas de exposição. No que diz respeito ao piso nobre, este coloca à disposição dos utilizadores 7 salas multidisciplinares, que podem ser tanto salas de formação e workshops como salas de exposição ou até mesmo espaços polivalentes para a realização de feiras ou conferências. Por fim, o último piso corresponde ao antigo sótão que foi convertido em pequenas residências artísticas que se destinam ao acolhimento dos jovens criadores. Como já foi referido anteriormente, a intervenção no Convento de São Domingos mostrou-se fundamental para a reativação social e urbanística da zona, uma vez que, as decisões tomadas foram sensíveis à premissa de devolver mais património à cidade e à sociedade, respeitando as suas características morfológicas. Relativamente ao programa foram também oferecidos novos mecanismos de estimulação urbana através das múltiplas atividades e eventos criados, agora ao alcance de todos. Assim, encontramos um espaço totalmente direcionado para o apoio das indústrias criativas e que veio estabelecer uma referência para a reabilitação de edifícios representativos do património, quer seja pelas escolhas arquitetónicas tomadas como também pelas escolhas programáticas. Tanto que em 2010 recebeu o Prémio João de Almada 116, onde o júri destaca “o carácter e a dignidade da intervenção num edifício que tem uma história valiosa e que não é escondida, assumindo a reposição de uma identidade que se encontrava algo adulterada”
117
e reconhece o esforço da equipa projetista, que
soube respeitar o património mantendo a “qualidade da operação de reabilitação perante o edifício pré-existente.”
118
(figura desta página)
31. Planta do Piso Nobre do Palácio das Artes, Porto. Imagem de Fundação da Juventude. (figuras da página seguinte) (à esquerda da página)
32. Ligação entre salas. Imagem de aaph arquitetos. 33. Sala 5 com exposição temporária. Imagem de aaph arquitetos. 34. Sala 1 como sala de convívio. Imagem de Fundação da Juventude. 35. Sala 2 e 1 com exposições temporárias. Imagem de Fundação da Juventude. (à direita da página)
116
Prémio criado em homenagem a João de Almada e Melo que no século XVIII teve um papel de destaque no
urbanismo da cidade do Porto. Este visa premiar os projetos que melhor tenham reabilitado edifícios representativos do património arquitetónico da cidade. 117
SSRU; A Cidade a prémio. Porto, 2010 in https://ssru.wordpress.com/category/arquitectura/ Acedido em: Abril
2015 118
SSRU; A Cidade a prémio. Porto, 2010 in https://ssru.wordpress.com/category/arquitectura/ Acedido em:
Abril 2015
36. Sala de Jantar do piso térreo. Imagem de Dop Restaurante. 37. Fachada Principal do Restaurante no Palácio. Imagem de Dop Restaurante. 38. Sala de Jantar da mesanine. Imagem de aaph arquitetos.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
39. Esquema de distribuição de funções do projeto a Casa da Memória
(à esquerda de cima para baixo)
40. Praça do Museu Casa da Memória, Guimarães, Portugal 41. Praça do Museu Casa da Memória, Guimarães, Portugal 42. Praça do Museu Casa da Memória, Guimarães, Portugal
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3.3.
MUSEU CASA DA MEMÓRIA Guimarães, 2012 MIGUEL GUEDES E
JOSÉ CARLOS MELO DIAS O projeto de reabilitação e requalificação da antiga Fábrica de Plásticos da Pátria ganhou forma durante Guimarães Capital Europeia da Cultura – 2012. Esta antiga fábrica deu lugar a um novo equipamento cultural pensado como local de partilha e de reflexão sobre as raízes, tradições, e memórias, retratando Guimarães a partir da voz do cidadão. O critério conceptual do projeto centrou-se em dar a conhecer, de uma forma mais direta, a beleza do interior do quarteirão. Para que tal fosse possível aos arquitetos restruturaram a fachada principal do edifício procurando atribuir-lhe a transparência necessária para o efeito. Desta forma, o corpo principal, de linguagem mais contemporânea, marca pela diferença, quer pela transparência quer pelo material escolhido, a madeira, funcionando como foco de atração ao museu. Por outro lado, no interior do quarteirão as escolhas dos arquitetos responsáveis
fluíram
com
facilidade,
aqui
encontraram
duas
naves
parcialmente divididas, ou seja, existia um atravessamento que se apresentava obstruído por máquinas, marquises e anexos colocando em causa a leitura do lugar, bem como a comunicação entre os dois pontos de acesso ao edifício. Assim, Miguel Guedes e José Carlos Dias tomaram a decisão de devolver este atravessamento à cidade, através de um corredor exterior que culmina numa nova praça pública e faz a união entre os dois acessos. Atualmente encontramos duas imponentes naves industriais, que dão lugar às salas de exposição e que foram cuidadosamente recuperadas e reinterpretadas espelhando sobretudo a vontade de manter viva a memória industrial do quarteirão. Segundo os arquitetos responsáveis a obra de reabilitação da Fábrica é o resultado de um esforço que tem por objetivo colocar em diálogo dois tempos distintos, o passado e o presente, criando um exemplo de edifício onde encontramos vários momentos temporais em harmonia.
43. Fachada principal do Museu Casa da Memória
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Neste projeto percebemos que a ideia foi devolver a memória à cidade e a todos os que a visitam, quer pelo cuidado na preservação da memória do lugar quer pela opção escolhida a nível programático. A Casa da Memória pretende assim, ser conhecida como uma “casa de encontro da cidade de Guimarães com o individuo, retratando a cidade como Património da Humanidade”
119
através de
variadas exposições temporárias que vão funcionando como “ponto de partida 120
para conhecer Guimarães” .
119
Guimarães 2012: Casa da Memória pretende retratar Guimarães através de cada cidadão in
http://noticias.sapo.pt/infolocal/artigo/1199940. Acedido em: Março 2015 120
Guimarães 2012: Casa da Memória pretende retratar Guimarães através de cada cidadão in
http://noticias.sapo.pt/infolocal/artigo/1199940. Acedido em: Março 2015
Planta do piso térreo e axonometria explodida. 44.
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45. Entrada Principal para a Casa da Memória, atravessamento exterior
46. Espaço Exposições, Nave exposição principal
de de
47. Espaço Exposições, Nave exposição principal
de de
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
48. Vista sobre a ala nascente do convento. Imagem de Luís Ferreira Alves.
49. Ala nascente do convento antes da intervenção. Imagem de João Xavier.
50. Recuperação da ala nascente do convento. Imagem de Luís Ferreira Alves.
51. Recuperação do Portal Manuelino. Imagem de João Xavier.
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3.4.
CONVENTO DAS
BERNARDAS RESIDENCE Tavira, Campo da Atalaia 2012 EDUARDO SOUTO MOURA O Convento das Bernardas
121
localiza-se em terras algarvias, mais
precisamente em Tavira, no Campo da Atalaia entre a Rua dos Mártires e a Rua Arq. Eduardo Souto de Moura, e representa um ponto de interesse histórico que nos remonta para o século XVI. Foi, por sua vez, o maior edifício conventual alguma vez construído no Algarve e, durante 3 séculos afirmou-se como um dos principais centros religiosos da região, bem como o único da Ordem de Cister. Inicialmente sabe-se que o convento terá sido implantado em forma de “L”, formando dois corpos, um a norte que integrava a igreja e outro a poente onde se localizavam os dormitórios. Porém, com o objetivo de receber um maior número de religiosas, durante o séc. XVII-XVIII foi construído um novo corpo a sul, estabelecendo uma organização conventual em torno de dois claustros. No final do século XIX, com a extinção das ordens religiosas, o espaço conventual é abandonado e, em 1836, acaba por ser parcialmente destruído por um incêndio. Mais tarde, em 1890, devido à sua apropriação por parte da Fábrica de Moagem e Massas a Vapor, que aqui se instalou até aos anos 60, o edifício é recuperado e sujeito a diversas transformações e acrescentos que vêem complementar um ciclo de forte degradação e descaracterização dos edifícios históricos pré-existentes 122. Após o encerramento da fábrica e até à 123
aprovação do projeto atual em 2009 , funcionaram neste espaço pequenos negócios comerciais, uma padaria, uma barbearia e a sede do clube de ciclismo de Tavira. Quando se deu início à intervenção, registou-se que da primeira fase construtiva restavam apenas dois elementos arquitetónicos muito importantes para a compreensão da génese do objeto, no volume da igreja o portal manuelino, cuja forma original resistiu até aos dias de hoje e, no dormitório as marcações, em cantaria, dos vãos das celas. 121
52. Grande pátio interior com as três palmeiras no centro. Imagem de Luís Ferreira Alves. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
Antigo Convento da Nossa Senhora da Piedade de Tavira, mais conhecido como Convento das Bernardas, foi construído em 1509, por ordem de D. Manuel I, e aponta tratar-se de um marco comemorativo perante o insucesso de um cerco mouro realizado ano. 122 A introdução deste complexo vem assim provocar a destruição de alguns elementos que caracterizavam o conjunto como é o caso da torre sineira e das arcarias do claustro original, bem como a destruição do corpo central que dividia os dois pários e da ala este do edifício. 123 A fase de projeto decorre ente 2006 e 2009. A fase de construção inicia-se em 2009 e é concluída em 2012.
87
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
Contudo, apesar da salvaguarda destes elementos Souto de Moura não se propôs a recuperar rigorosamente um convento ou uma fábrica, mas sim intervir num conjunto edificado que outrora foi convento, fábrica e que agora se irá transformar num edifício habitacional. Assim, o arquiteto estabeleceu um método de intervenção que teve como objetivo principal a reconversão ao nível programático, passando por uma adaptação da estrutura arquitetónica existente a uma nova função sem a descaracterizar, vendo o edifício como um processo cíclico, capaz de gerar outra vida e outro tempo. Desta maneira, o projeto pretende antes de mais, devolver uma imagem urbana ao Campo da Atalaia, e à cidade, um património que seja sensível ao seu contexto. A atitude de criar casas surge assim como forma simplificadora de cuidar do património, salientando a importância da adaptação flexível do edifício histórico às necessidades contemporâneas. Perante esta postura, a intervenção constitui-se por dois momentos, a recuperação da pré-existência e a construção de um novo volume. No antigo volume do convento, foram introduzidas 57 habitações, a nave central da igreja foi reutilizada como receção do condomínio e a antiga sacristia transformada em cafetaria. Já a poente, dando lugar a mais habitação, os volumes criados nasceram à imagem da pré-existência ali deixada pela própria fábrica. Neste caso, a adição de novos objetos arquitetónicos foi realizada de maneira a que não se percebesse que se tratava de uma nova construção. Por sua vez, o novo volume da ala nascente, trabalhado com a mesma linguagem dos edifícios pré-existentes, veio encerrar o pátio e devolver a forma contínua do antigo convento. Desta maneira, no recinto interior, onde se localizavam os antigos claustros, nasceu um grande pátio conformado pela volumetria existente. Nesta zona do projeto reflete-se uma tentativa de recuperar a memória dos claustros evocando a sua forma e escala. São então criados dois espaços num só, dois quadrados separados por uma linha de três palmeiras já existentes no lugar no qual encontramos de um lado a piscina e do outro uma zona de estar pavimentada em forma de quadrado. Esta intervenção assume sobretudo um carácter de inclusão, ou seja, procura a inserção do projeto no existente de forma a integra-lo no lugar, numa lógica de continuidade e coexistência, sem distinção do novo e do antigo. A ideia passa assim por “(…) não apagar o que existe mas sim sobrepor a este um novo tempo, como anteriormente novos tempos o fizeram” 124.
124
OLIVEIRA, Mariana; Do Convento de Santo António da Cidade à Actual Biblioteca Pública Municipal do Porto:
Projectos de Intervenção de Eduardo Souto de Moura, Porto,2015. Tese de Mestrado, p.151.
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53. Fachada da Rua dos Mártires antes e após a sua recuperação. Imagem de Luís Ferreira Alves.
54. Planta esquemática referente à zona reabilitada (cinza escuro) e à construção nova (cinza claro)
55. Pequeno pátio privado das vivendas, construção nova. Imagem de Luís Ferreira (da esquerda para a direita)
56. Arcada de união entre o grande pátio e o estacionamento. Imagens de Luís Ferreira Alves. 57. Grande pátio. Imagem de Luís Ferreira ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
89
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
3.5.
SÍNTESE
A investigação realizada neste capítulo permitiu clarificar em termos mais genéricos alguns tipos de abordagem arquitetónica às pré-existências. Através deste conjunto de projetos, entendeu-se, em primeiro lugar, que o papel do arquiteto pode ganhar enumeras facetas nas intervenções de reabilitação. Por outras palavras, este detém o poder de intervir numa pré-existência de variadíssimas formas, seja pelo confronto entre o novo e o antigo, intersectando diferentes arquiteturas, seja incluindo o projeto no existente, procurando integrá-lo ou até mesmo, em casos raros, pela exclusão da préexistência. Contudo, só através do estudo dos elementos que o terreno nos oferece é que poderemos atingir um conjunto informações com as quais se opera de maneira a criar novas atmosferas que estabeleçam relações equilibradas e coerentes com os lugares com que trabalhamos. Por sua vez, percebeu-se também que cada vez mais nos deparamos com casos em que respeitar o lugar não significa reconstruir exatamente o que outrora existia mas sim procurar estabelecer uma relação de harmonia temporal entre as construções, tal como se verificou no caso do Neues Museum e do Convento das Bernardas. Assim, ficou clarificada a ideia que intervir no património edificado, esteja ele em ruína ou não, não significa que tenhamos de recuperar rigorosamente o que outrora existiu. Ao invés, intervir no património significa tomar consciência que o lugar representa um processo cíclico, ou seja, ele transporta em si a capacidade de se adaptar e gerar uma nova vida inserida num novo tempo. Desta maneira, assumimos que é possível criar novos lugares dentro de antigos ambientes, lugares capazes de estabelecer um confronto harmonioso entre realidades temporalmente distantes. Nesta análise é também de salientar, o quão importante podem ser as raízes, as tradições e as memórias de um determinado lugar ou edificado, que por vezes podem servir de mote para as bases projetuais, como aconteceu na intervenção da Casa da Memória. Uma correta articulação desta informação poderá criar novas dinâmicas ao local de intervenção que se relacionem genuinamente com a essência do lugar, sendo possível devolver património à
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cidade e à sociedade, respeitando simultaneamente as características morfológicas do espaço, tal como observámos no Palácio das Artes. Por conseguinte, assistimos gradualmente à recuperação e reconversão de edifícios que constituem uma parte significativa dos projetos de arquitetura atuais. Mais do que construir novos objetos arquitetónicos é fundamental recuperar e reativar o património existente com o objetivo de reativar o tecido urbano sem o descaracterizar. E tal como afirmou Souto de Moura numa das suas entrevistas: “o destino do património, quer moderno, quer antigo, é ser alterado. São organismos vivos, que têm de servir a sociedade, se não, não eram 125
património” . Portanto, devemos olhar para o património como um objeto adaptável capaz de servir como ferramenta essencial para operar dentro de uma cidade. Assim sendo, foi por isso que a escolha dos projetos a estudar teve como objetivo “(…) sem negar a história e a tradição, exprimir uma clara posição de quem acredita na capacidade que a arquitectura tem de dar respostas concretas às exigências da vida contemporânea. Respostas projectuais claras e corajosas que se confrontam com a história da arquitectura, (…) e que nos provam como o passado não está nas nossas costas, mas também à nossa frente, convertendo126
se um no outro” . De acordo com as premissas gerais dos projetos de referência selecionados acredita-se que podemos materializá-las formalmente no exemplo prático que será a intervenção no conjunto patrimonial do Largo Conde Barão. Uma intervenção onde se considera, como se verá de seguida, que a maioria das respostas matriz para as soluções programáticas, encontram-se implícitas nas camadas de história que acompanhou a evolução deste lugar até aos dias de hoje.
125
OLIVEIRA, Mariana Inês Lopes; “Do Convento de Santo António da Cidade à Actual Biblioteca Pública
Municipal do Porto: Projectos de Intervenção de Eduardo Souto de Moura, Porto,2015. Tese de Mestrado p.153. 126
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
CANATÁ, Michelle; FERNANDES, Fátima; Construir no tempo, p.8.
91
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
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4.
A S
M E M Ó R I A S D O
D O
L U G A R
C O N D E - B A R Ã O
“A minha alma é fraca de mais para ter sequer a força do seu próprio entusiasmo. Sou feito das ruínas do inacabado e uma paisagem de desistências a que definiria o meu ser. Divago, se me concentro; tudo em mim é decorativo e incerto, como um espectáculo na bruma”.
Fernando Pessoa
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
58. Gravura que retracta a cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755, de Mateus Sautter.
59. Gravura sobre a zona da Boavista no século XVII.
60. Pormenor da planta geral da Cidade de Lisboa, de Francisco D. Milcent, 1785.
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4.1. HISTÓRIA DA PRAIA DA BOAVISTA
Lisboa, a cidade desenhada pelo Tejo. Entre o traçado recortado que nela o rio delineia, outrora podíamos encontrar a Praia da Boavista. Local conhecido 127
pela sua riqueza em atividades marítimas e piscatórias , aqui instaladas fruto dos progressivos assentamentos de terra que o foram permitindo, popular nas 128
atividades mercantis e momento de saída de Lisboa para Ocidente , através da velha via romana existente. Nasceu assim um lugar novo, ainda pouco desenvolvido, solitário e despovoado, no entanto, com uma posição territorial ideal para estabelecer todo o tipo de atividades diretamente relacionadas com o Tejo. Inicialmente, no século XVI, fixou-se neste lugar uma porção da população que
se
encontrava
diretamente
ligada
às
atividades
marítimas,
maioritariamente pescadores. Mais tarde, veio instalar-se aqui a burguesia que mantinha interesses com o comércio de longa distância, como foi o caso de Rui Fernandes de Almada que, ainda durante o século XVI, mandou construir junto à praia a sua casa de família, quase como uma fortaleza, que hoje é conhecida por Palácio Almada Carvalhais, ou o caso do casarão vizinho que pertencia aos condes-barões do Alvito, o exemplar de arquitetura chã construído no final do século XVI, o Palácio Conde Barão do Alvito. A partir do século XVII o edificado desta zona começou, progressivamente, a expandir-se pela encosta acima, modelando um bairro que atualmente se dá a conhecer por Madragoa. A sua malha urbana apresenta características dos séculos XVII, XVIII e XIX, e compõe-se por uma quadrícula irregular com descontinuidades no seu traçado, esta malha é formada por um conjunto de ruas principais posicionadas paralelamente ao rio Tejo e o seu edificado é de 127
APS. Ruas de Lisboa com alguma História: Largo do Conde Barão (I). Lisboa. Maio de 2008. Disponível em:
http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2008/05/largo-do-conde-baro-i.html
61. Grande panorama de Lisboa, 1730.
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
128
MATOS, José Sarmento, PAULO, Jorge Ferreira; Estudo Histórico e Patrimonial: Palácio Almada-Carvalhais,
2009, p.3.
95
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
129
origem pré-pombalina e pombalina . Ao contrário da situação ocorrida na Praia da Boavista, o grande terramoto de 1755 pouco alterou a malha da pequena colina, verificando-se intervenções mais significativas nos anos posteriores, maioritariamente no seu edificado. Ainda pouco recuperada da devastação que o grande terramoto causou, inicia-se por volta de 1771, a maior alteração que a Praia da Boavista alguma vez vira, a sua transformação para uma rua citadina, tendo representado um dos primeiros impulsos para as mudanças que se avizinhavam. Desta forma, nos anos que se seguiram foram estabelecidos objetivos que se mostraram essenciais à regeneração da frente ribeirinha, entre os quais – a reparação das condições sanitárias na margem do rio, a expansão urbanística, o termo da lixeira que era a zona ribeirinha, a ordenação costeira e a construção de novos mecanismos para a instalação portuária. Assim, a partir de 1855, data de início 130
da construção do Aterro da Boavista , a Praia da Boavista começou a observar, gradualmente, a substituição do areal que ainda restava por terra. O Aterro foi uma das maiores obras públicas que veio conquistar território ao rio. Este projeto permitiu acrescentar uma nova realidade aos limites da cidade antiga, através da qual, se criaram novas ligações viárias, como é o caso Cais do Sodré – Alcântara, assim como melhores condições de trabalho e salubridade. Rapidamente se estabeleceu o crescimento da cidade em direção ao rio. Porém, a irregularidade da construção aliada à industrialização anulou qualquer tipo de ligação do aterro com a sua envolvente, que na verdade nunca chegou a ser estabelecida. Foi assim que os edifícios singulares da zona, Casas Senhoriais, Igrejas e Conventos - como é o caso do Palácio Almada Carvalhais e do Palácio Conde Barão do Alvito – até então estrategicamente implantados e/ou isolados são “abafados” pelo crescimento urbano e sucessivamente afastados da margem do Tejo. Desta forma tendem a desenhar-se dois mundos distintos nesta parte da cidade, mundos que por sua vez vieram a criar fronteiras que têm marcado profundamente este local: cidade antiga – aterro e aterro – frente ribeirinha. Na fronteira com a antiga cidade, delimitada pela Rua da Boavista, ainda nos deparamos com algumas influências do modelo de construção pós terramoto, em particular o aspeto sobre a homogeneidade das habitações e a noção da mistura de classes contida no edificado, no qual o piso térreo estava 129
Memória Portuguesa, Bairros de Lisboa, Madragoa, in http://terrasdeportugal.wikidot.com/madragoa APS. Ruas de Lisboa com alguma História: Av. 24 de Julho (IV). Lisboa. Julho de 2010. in http://apsruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2010/07/avenida-24-de-julho-iv.html Acedido em: Abril 2015
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62. Aspeto da zona do Cais do Sodré durante as obras de construção do Aterro da Boavista.
63. Vista sobre o Aterro da Boavista, AFML, 1872.
64. Vista panorâmica da Av. 24 de Julho junto à zona de santos, 1990. Imagem de Joshua Benoliel.
65. Vista panorâmica da zona da Boavista, junto ao Mercado da Ribeira, 1880. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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(da esquerda para a direita)
66. Vista sobre o Palácio Conde Barão do Alvito no seguimento da Rua da Boavista, 2015. Imagem do autor. 67. Vista sobre a Rua do Boqueirão Duro a partir do interior do Palácio Conde Barão do Alvito, 2015. Imagem do autor.
68. Vista sobre a antiga zona industrial do Aterro da Boavista, 2014. Imagem do autor.
(da esquerda para a direita)
69. Vista sobre a Rua do Boqueirão Duro, antiga zona industrial do Aterro da Boavista, 2014. Imagem do autor. 70. Vista sobre a Fábrica Sorel Motors, antiga zona industrial do aterro da Boavista, 2014. Imagem do autor. UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
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destinado às zonas de serviço, o primeiro piso dedicado a classes nobres, o segundo e terceiro andar ocupados por classes mais baixas. Esta categorização de classes veio criar uma noção de bairro com uma centralidade de relações, que ainda hoje de sente quanto visitamos o bairro da Madragoa. Na realidade este bairro vive principalmente do comércio local, conserva em si uma certa vivacidade e um ar característico de uma Lisboa tipicamente aldeã. Encontramos uma atmosfera de carácter intimista e escala apertada, onde a densidade de edificado aumenta e os espaços de encontro têm aspeto familiar e acolhedor, criando um ambiente propício à sociabilização. Em contraste, a sul da Rua da Boavista, o bairro é marcado por uma zona industrial descaracterizada em relação ao resto da cidade, que culmina na Avenida 24 de Julho e, que se não fosse a linha de comboio, assumiria por limite o próprio rio. Nesta frente, deparamo-nos com várias barreiras que condicionam a criação de relações com o lugar, a começar pela descaracterização da área, passando pela linha de comboio e terminando na escala pouco familiar dos quarteirões. Ainda assim, conseguimos fazer a leitura de um ambiente mais público, quer pelos tipos de espaços e usos que encontramos quer pela escala dos edifícios. Atualmente esta zona encontra-se em processo de intervenção urbana, para a qual já foram traçados objetivos de requalificação focados essencialmente na criação de edifícios de carácter habitacional e empresarial, como é o caso da Sede da EDP, bem como a criação de novos espaços públicos. E assim vemos uma cidade que foi crescendo segundo os moldes de cidade moderna, “e cresce, cresce sempre, porque para a cidade parar é morrer” 131. Cresce assim, por vezes de forma desmedida, esquecendo testemunhos passados que se mantêm no nosso quotidiano, aqueles edifícios singulares que outrora foram palcos de grandes histórias, que sobrevivem face ao tempo e que representam a nossa mais valiosa arca do tesouro.
71. Início da transformação da zona industrial do Aterro da Boavista. Vista sobre a fase primária da construção da nova sede da EDP, 2015. Imagem do autor. 131
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
TÁVORA, Fernando; Da Organização do Espaço, FA-UP, 2008., p.35.
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
4.2.A MEMÓRIA DO PALÁCIO ALMADA-CARVALHAIS: UM PERCURSO RUMO À RUÍNA
4.2.1. O nascimento do Palácio Palácio, termo de origem romana associado a um grande edifício onde está associado o poder. Em Portugal a noção de palácio surge a partir da Idade Média com o nome de Paço, lugar onde estava sediado o poder real e senhorial, ao qual se associam as torres, como símbolo de poder e defesa. Tornou-se comum usarmos o termo palácio, contudo muitos dos edifícios que conhecemos hoje não foram verdadeiramente palácios mas sim grandes casas 132
senhoriais que, mais tarde, receberam esse título . Desta forma, podemos afirmar que o Palácio Almada Carvalhais
133
foi, antes
de mais, a casa nobre da família Almada. Mandada fundar na primeira metade 134
do século XVI, em 1545, por Rui Fernandes de Almada , aquando do seu regresso em definitivo para Portugal. Homem de negócios bem-sucedido, Embaixador de Portugal em França e Tesoureiro da Nação Portuguesa em Antuérpia. Senhor com um lugar privilegiado nas questões sociais e políticas entre Portugal e os países do norte da Europa. Com um interesse artístico superior ao presenciado então em Lisboa, ganhou-o através das suas longas estadias em Itália, Alemanha, França e Flandres. Humanista de relevo muito procurado por estudiosos portugueses em Itália e França. Amigo de Dürer e Damião de Góis, dominado pelos valores do Renascimento italiano teve a fortuna para deixar na sua casa lisboeta clara manifestação do gosto culto e requintado que possuía, criando “um cenário apropriado à sociedade em que 135
vivia e ao papel que nela desempenhava” . Assim sendo, esta foi uma época marcada pela ascensão do funcionalismo régio na sociedade, ou seja, os funcionários d’el Rei “procuravam atingir uma definição como classe e impor a sua imagem de marca através de um modelo de 136
civilização mais requintado e culto: o do renascimento” . Ainda que de fidalguia duvidosa, estes nobres possuíam fortuna para construir casas “(…) cada vez mais luxuosas, confortáveis e originais, novos solares dos ramos de 132
MATOS, José Sarmento; A Arquitectura Palaciana Urbana de Lisboa: Séculos XVI a XVIII, Ciclo de Conferências da Culturgest, Lisboa, 2014. in http://www.culturgest.pt/arquivo/2014/11/sarmento-matos.html Acedido em: Abril 2015 133 APS. Ruas de Lisboa com alguma História: Largo do Conde Barão (I). Lisboa. Maio de 2008. in http://apsruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2008/05/largo-do-conde-baro-i.html Acedido em: Abril 2015 134 Consultar Anexo I – Quem foram os Almada? / Quem foi Rui Fernandes de Almada?, como complemento do presente subcapítulo. 135 MOREIRA, Rafael; Requiem por um monumento. Revista Oceanos nº3. Lisboa. p.100 136 MOREIRA, Rafael; Requiem por um monumento. Revista Oceanos nº3. Lisboa. p.100
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(da esquerda para a direita)
72. Pormenor do grande panorama de Lisboa, 1730. Aproximação ao Palácio Almada Carvalhais. 73. Vista sobre a fachada do Palácio Almada Carvalhais, 1950.Imagem de Judah Benoliel.
74. Pormenor da gravura sobre a zona da Boavista no século XVII. Aproximação ao Palácio Almada Carvalhais.
família que com eles começavam, privilegiando assim os lugares em torno da 137
capital, frequentados pela corte: como Sintra, Azeitão, Évora e Vale do Tejo” . Contudo, Rui Fernandes de Almada trata-se de uma figura que marcou a história pela diferença, unindo o desejo de exibição com a incomparável cultura artística que possuía. O resultado desta união fez assim erguer e definir um importantíssimo pólo de crescimento urbano na base da encosta de Santa Catarina. A ambição que o projeto refletia e o conjunto de soluções arquitetónicas tomadas, transformaram o edifício nobre de Rui Fernandes num marco fundamental na evolução da casa urbana nobre lisboeta, relembrando os palácios civis renascentistas de Florença, tendo acabado por se tornar um dos dois exemplares da arquitetura civil do século XVI que restam em Lisboa, exemplar que apesar de inúmeras alterações mantém ainda intactas as partes fundamentais da construção inicial. Esta construção veio assim impulsionar a evolução deste lugar, tanto que mais tarde, no início do século XVI vieram aqui se fixar outras grandes famílias nobres, como foi o caso da família que mandou construir o palácio vizinho, a da família Quaresma Barreto que, mais tarde, através de algumas heranças acabou por cair nas mãos dos Condes-Barões do Alvito, dando origem ao nome pelo qual hoje é conhecido este exemplar de arquitetura chã portuguesa, o Palácio Conde-Barão do Alvito. 137
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
MOREIRA, Rafael; Requiem por um monumento. Revista Oceanos nº3. Lisboa. p.100
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75. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações ocorridas durante o século XVI. Imagem do autor.
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4.2.2. Influências, características e evolução arquitetónica no decorrer dos tempos 138 Século XVI O projeto que aqui analisamos trata-se de uma obra forte e ambiciosa para a época em questão. Este palácio era assim composto por uma imponente fachada principal, toda ela em pedra de cantaria, que obrigou os responsáveis a realizar escolhas arquitetónicas mais complexas do que o habitual. Ergueu-se então, um muro robusto sobre a praia da Boavista, que veio servir de suporte estrutural aos vários pisos do palácio. Do lado poente desta fachada foi construído também um torreão que tinha como objetivo primário marcar a importância e poder que o proprietário dispunha, funcionando como veículo para promover a sua glória. Sendo que se trata de uma construção renascentista que se foca em exaltar o poder burguês é natural que ainda se procurasse inspiração nas fortificações dos castelos medievais e, neste caso, a torre teria um duplo sentido – o de glorificação pessoal e o de proteção e 139
vigia . Atualmente são escassas as referências que nos possam ilustrar o aspeto original da construção. Porém, existe o painel da panorâmica de Lisboa, uma das representações mais antigas da cidade datada de 1730 que, embora não represente uma imagem fiel do aspeto original, nos documenta o impacto visual que a fachada marcava na paisagem lisboeta. Ainda que seja uma ilustração simplificada e adulterada da realidade em alguns aspetos, podemos observar alguns elementos que testemunham a imagem de uma construção de aspeto acastelado e fortificado, como é o caso do grandioso portal de entrada e do coroamento com ameias piramidais que anteriormente a casa possuía.
76. Pormenor do grande panorama de Lisboa, 1730. Aproximação à Praia da Boavista. 138
Consultar Anexo I – Cronologia, como complemento do presente subcapítulo. MATOS, José Sarmento. A Arquitectura Palaciana Urbana de Lisboa: Séculos XVI a XVIII, Ciclo de Conferências da Culturgest, Lisboa, 2014. In http://www.culturgest.pt/arquivo/2014/11/sarmento-matos.html
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
O acesso ao palácio realizava-se através do grande portal do torreão, sendo a partir dele que este se abria ao mundo. O portal, ainda hoje existente, era anteriormente atravessado por uma longa rampa que unia a propriedade ao Tejo, com o objetivo de receber convidados e mercadorias vindos de todo a parte do mundo. Contudo, acredita-se que esta não seria a única entrada para a propriedade, pelo que é possível que tenha existido uma segunda entrada através da Rua das Gaivotas. No que diz respeito ao interior, apesar de existirem poucas fontes que descrevam a vivência inicial no palácio, é possível retirar algumas conclusões a partir dos documentos recolhidos e da observação do local. Assim, atravessado o grande portal seguia-se um extenso corredor composto por uma estrutura abobadada com ogivas nervuradas e tramos divididos por grandes pilastras. Aqui “a intenção do arquitecto era, sem dúvida compartimentar visualmente as zonas de funções diferenciadas, criando um efeito surpresa à medida que se caminhava ao longo da rampa até ao vestíbulo, efeito que (…) culminaria com a visão bem ritmada da fachada do claustro e das suas 140
elegantes arcadas” . Quando chegamos ao pátio apercebemo-nos que o trabalho realizado nos arcos confere-lhe uma elegância comparável aos seus congéneres italianos, e que as pilastras e os capitéis que o conformam foram trabalhos com o intuito de fazer recordar a perfeição e o trabalho artístico do primeiro renascimento. Segundo Rafael Moreira a decoração dos capitéis do palácio refletiam o gosto do proprietário pelos temas abordados na espiritualidade nórdica; os capitéis decorados com símbolos da morte e do espiritualismo flamengo, cabeças de animais, demónios, caveiras, sátiros, anjos de asas deformadas e vegetalismos, refletem assim os temas do renascimento do norte. Estas esculturas são também uma manifestação do classicismo que os pátios renascentistas tentavam recriar. É de salientar que a harmonia de proporções com que nos deparamos e o sistema de organização casa-pátio, refletem uma sofisticação residencial fora dos padrões habituais das construções nobres da cidade de Lisboa. Esta inovação atribui-se ao encanto que Rui Fernandes de Almada nutria pelo romantismo dos modelos italianos, que serviu de mote para a organização do
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MOREIRA, Rafael; Requiem por um monumento. Revista oceanos, p.101
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77. Imagem da torre de entrada no interior do palácio Almada Carvalhais e da garagem do Conde Barão. 78. Vista sobre a rampa e escadaria que dá acesso o pátio do Palácio Almada Carvalhais, 2014. Imagem do autor.
79. Vista sobre o pátio do Palácio Almada Carvalhais, 2014. Imagem do autor. 80. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada Carvalhais.
(da esquerda para a direita)
81. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada Carvalhais. 82. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada Carvalhais, 2014. Imagem do autor. 83. Pormenor decorativo, Capitel do Pátio do Palácio Almada Carvalhais, 2014. Imagem do autor. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
84. Vista sobre o pátio do Palácio Almada Carvalhais, 2015. Imagem do autor.
(da esquerda para a direita)
85. Sala nobre da ala sul do palácio, antiga sala da discoteca beleza, 2015. Imagem do autor. 86. Sala nobre da ala sul do palácio, antiga sala da discoteca beleza, 2015. Imagem do autor.
(da esquerda para a direita)
87. Sala da ala norte do palácio, 2015. Imagem do autor. 88. Vista sobre o pátio do Palácio Almada Carvalhais a partir de um dos vãos da galeria do 2º piso, 2015. Imagem do autor.
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palácio, chegando até nós, pela primeira vez uma obra na qual “(…) o pátio, elemento tradicional, é arquitectonicamente projectado como uma unidade, em torno do qual a casa se organiza (…)“
141
Desta forma, era através da arcaria do
pátio renascentista que se faria a distribuição para os espaços interiores da casa. No piso térreo certamente encontraríamos as cavalariças, os armazéns, as cozinhas e os aposentos do pessoal. Do nível do Claustro abria-se uma grande escadaria que estabelecia ligação ao piso nobre, também ele organizado em torno de uma galeria aberta sobre o pátio. Neste nível, de acordo com o estudo realizado supõe-se que as salas de aparato ocupassem a zona sul da construção e que os aposentos e espaços familiares tomassem lugar a norte, podendo manter contacto direto com o jardim do palácio. Desta maneira, pode-se concluir que a construção do Palácio Almada Carvalhais seguiu os traços construtivos do Renascimento. Este caracteriza-se assim como um pólo de inovação na frente lisboeta que demonstra grandes preocupações estéticas e culturais, em particular devido a Rui Fernandes de Almada. Impulsionado pelo anterior, mesmo ao lado da propriedade da família Almada ergue-se, como vimos anteriormente, a casa da família Quaresma Barreto, exemplar de arquitetura chã datado do final deste século, e do qual sobressai a horizontalidade extensa da sua fachada, linguagem e presença urbana que se manteve ao longo dos tempos, representando também uma referência insubstituível para o nosso património. Apesar de extremamente danificado a memória da família perdurou num edifício em forma de L composto por quatro pisos, sendo o último um piso de águas furtadas, no qual encontramos diversas salas nobre e salas de aparato com um beleza inigualável. .
89. Planta da zona da praia da Boavista, abertura da Rua Direita da Boavista, Monteiro de Carvalho, 1770. 141
ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
MATOS, José Sarmento; Um homem, uma casa, uma família!, Revista Oceanos, p.94.
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90. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações ocorridas durante o século XVII. Imagem do autor.
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Século XVII Já no século XVII, entramos numa época em que, aos olhos da sociedade, predomina a mudança do papel da casa nobre, as famílias senhoriais tendem a crescer pelo que se estabelece a necessidade de ajustar as casas a esta nova realidade. Perante esta mudança logística, também o Palácio Almada Carvalhais, antes concebido para uma vida familiar reduzida e contida, observa os limites a serem ampliados. Numa primeira fase, Cristóvão de Almada, atual proprietário do palácio, sente-se na obrigação de criar as condições necessárias para receber os seus familiares, nomeadamente após o casamento da sua filha, D. Inês Margarida com o herdeiro do palácio vizinho, D. Vasco Lobo em 1692. Uma vez unido à família do Palácio dos Condes-Barões de Alvito, Cristóvão de Almada manda ampliar a ala norte do seu palácio, criando novos espaços com funções diversificadas como saletas, uma grande sala de jantar voltada para o jardim e 142
vários salões . Mais tarde, é numa segunda campanha de ampliações, por volta de 1699, que nasce o corpo de união entre estas duas casas. A norte apresentava-se na forma de um terraço superior que tinha a si agregado um tanque de armazenamento de águas para a rega das hortas e plantações existentes, e a sul o corpo edificado que daria lugar aos aposentos nos pisos superiores e às cavalariças e cocheiras no piso térreo. No que diz respeito ao edificado nada mais se alterou à exceção da rampa de acesso ao Palácio Almada Carvalhais que antes tocava no Tejo e servia de cais para acesso pelo rio e agora, no final deste século, devido à abertura da via ribeirinha sofreu um rebaixamento de 1 metro. Além de ter colocado termo à ligação existente como rio esta alteração veio sobretudo, comprometer o acesso ao pátio central, tendo sido necessário colocar um lance de escadas de modo a unir as duas cotas.
91. Projeto para a realização do rebaixamento da rampa de acesso à Garagem do Conde Barão, 1922. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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MOREIRA, Rafael; Requiem por um monumento, Revista Oceanos nº3. Lisboa. p.102.
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92. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações ocorridas durante o século XVIII. Imagem do autor.
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Século XVIII Ao
longo
do
século
XVIII
as
intervenções
realizadas
estavam,
principalmente, relacionadas com ajustes decorativos, quer interiores como exteriores. O Palácio veio assim sofrer algumas alterações ao nível das salas nobres e salas de aparato que resultou numa nova aparência das mesmas, tetos e paredes refletiam agora uma estética situável nos anos 30-40. Relativamente às intervenções realizadas no exterior, o Jardim foi reconfigurado segundo os padrões de decoração Barroca, tendo sido dividido em dois tabuleiros decorativos e embelezado com uma serie de elementos decorativos que Fialho de Almeida nos descreve: “O quinteiro-jardim era um muito vasto quadrilongo, dividido em dois pisos: o superior fazendo esplanada à fachada traseira, regular, do casarão: o inferior, mais vasto, separado do primeiro por uma grade que passava em pilastrilhas de pedra, adornadas de estátuas e jarrões, tendo nos extremos quiosques ou belvederes de cantaria e azulejo, cobertos de uma armação metálica para trepadeiras. Bancos de pedra muito largos, de época joanina ou pombalina, derrodeavam profusamente o terreiro de cima, coberto de árvores, e onde podia manobrar um batalhão, e havia ao fundo um jogo de bola, imenso, com rodapé de azulejo e balizas de pedra, que parecia do tempo, e onde muitas vezes esmurrei as ventas e me tatuei de contusões. Na quadra de baixo continuavam vestígios do velho jardim senhorialmente esplêndido dos Almadas ou dos Lobos: uma cascata ao fundo, num arco enxadrezado de pedras de cores, conchas, faianças, com sua bacia de golfinhos, seu hemiciclo de bancos tendo nas costas canteiros de azulejo, intervalados de estatuetas e jarrões. A meio da quadra, um lago, com seu alto repuxo, numa clareira de bancos iguais aos da cascata, estátuas iguais: e pelos meandros da horta, em ruas sinuosas, que uma velha nora regava, restos de charcas, quiosques azulejados, devastados, cobertos pelas frondes de uma ou outra árvore que pela corpulência parecia recordar as grandezas da casa e fazer figas às vicissitudes dos homens e das coisas” 143.
Contudo, este século foi marcado e definido pelo grande terramoto de 1755 que tanto destruiu a cidade de Lisboa. Localizado junto das margens do rio, tanto que o Palácio Conde Barão viu-se gravemente afetado tendo sido abandonado definitivamente pelos seus proprietários. Já o Palácio Almada Carvalhais foi também alvo desde cenário de devastação, porém, a sua estrutura amuralhada permitiu que este não se desmoronasse na sua totalidade. Desta forma, entre 1755 e 1777 a família Almada viu-se forçada a abandonar a sua residência e dar início a um intenso e longo período de reconstrução. Como iremos ver, as alterações que se seguiram trouxeram profundas mudanças ao nível do desenho arquitetónico, que passou a respeitar os modelos pós-terramoto. 143
ALMEIDA, Fialho; in MATOS, José Sarmento, PAULO, Jorge Ferreira; Estudo Histórico e Patrimonial: Palácio
Almada-Carvalhais. Trabalho não publicado, 2009. p.18.
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Posto isto, no que diz respeito às fachadas do palácio, todas elas tiveram de sofrer alterações devido ao seu estado de destruição, à exceção do torreão que acabou por manter o seu formato original e ser incorporado na nova fachada pombalina. Como seria de esperar as fachadas seguiram os modelos pombalinos caracterizados pela progressão de escala desde o primeiro piso até ao último. A estrutura era caracterizada pela marcação com arcadas para lojas no piso térreo, varandas ou varandins nos 2 andares seguintes e por fim cobertura em água furtada. Tratando-se de uma pré-existência, que já respeitava uma determinada estrutura e organização espacial, foi necessário ajustar o modelo pombalino ao corpo do palácio. Desta maneira, no desenho que chegou até aos dias de hoje podemos encontrar algumas incongruências ao nível da fachada, como é o caso das traves mestre da antiga estrutura do palácio, que se encontram desfasadas das janelas que seguiam o ritmo pombalino, ou até mesmo as fenestrações enviesadas da escadaria principal recentemente construída. Relativamente ao desenho do espaço interior a maior alteração que foi possível verificar centrou-se no pátio em torno do qual a casa se organizava, em particular na galeria existente acima do mesmo, no piso nobre da casa. Esta galeria foi fechada por janelas de sacada devido ao acrescento de um 3º piso, também ele fechado sobre o pátio. Consequentemente, o claustro perdeu a elegância e harmonia que até então mantinha com o 2º piso. Todavia, perpetuou no tempo os elementos base e a estrutura arqueada do piso térreo que tanto o caracterizam. Em termos decorativos, todas ou quase todas as salas sofreram intervenções, contudo, note-se que algumas das pinturas realizadas nesta campanha de obras de 71-77, obedecem à métrica da estrutura antiga, o que significa que podem ter sido recuperadas as pinturas datadas de algum programa decorativo anterior ao grande sismo. Contudo, a maioria dos outros espaços aludiam genuinamente a ideais do estilo barroco, como é o caso de alguns elementos decorativos adicionados no pátio, as pinturas realizadas em alguns dos salões nobres, a escadaria monumental com as suas pinturas trompe-l’oeil que conduz aos pisos superiores e os dois espaços abobadados no final da rampa de entrada que foram fechados e redecorados com um painel de azulejo, dando lugar à nova cozinha do palácio.
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93. Pormenor das pinturas decorativas em trompe- l’oeil presentes na escadaria principal. 94. Pormenor decorativo das abobadas de ogiva existentes no corredor em rampa de acesso ao pátio e à garagem do Conde Barão.
95. Pormenor decorativo da sala da ala sul do palácio ao nível do pátio, 2015. Imagem do autor.
À luz das mudanças que decorreram neste século podemos afirmar que corresponde ao período que definiu por fim o Palácio Almada Carvalhais, a partir de uma junção entre a estrutura antiga pontuada pelas suas perdas e a presença dos novos elementos acima referidos, exibindo um estilo mais atual e moderno. Avaliando os ganhos e as perdas provenientes deste período chegase à conclusão que esta campanha de obras após o terramoto “(…) enriqueceu mais do que danificou o edifício quinhentista” 144.
144
MATOS, José Sarmento, PAULO, Jorge Ferreira; Estudo Histórico e Patrimonial: Palácio Almada-Carvalhais.
Trabalho não publicado, 2009, p.29.
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96. Esquema de estudo que retracta a evolução das transformações ocorridas durante o século XIX-XX. Imagem do autor.
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Século XIX-XX Durante todo o seu percurso até ao século XIX ambos os palácios sofreram várias alterações que souberam respeitar, dentro dos possíveis, a sua identidade. Porém, como veremos a seguir, podemos considerar que, a maioria das alterações que estão na base do seu estado de ruína, aconteceram durante os finais deste século e sobretudo durante século XX. Assim, o Palácio Almada Carvalhais permaneceu ocupado pelos respetivos herdeiros quase até ao fim do século XIX. Depois de viver na Boavista durante 145
largos anos, D. José Joaquim de Almada , recolhe-se na sua residência em Azeitão, deixando em 1861 o palácio arrendado a uma instalação de ensino, o Colégio Europeu. Apenas 2 anos após o arrendamento ao colégio, em 1889, e depois de três séculos e meio, o palácio sai definitivamente da história da família Almada, uma vez que o palácio é adquirido em leilão pelo Marquês da Foz. Por fim, entrando na década de 90 o palácio muda novamente de proprietário e passa para a posse do Banco Lusitano, que transfere em 1902 a propriedade para a firma Editora SARL, marcando definitivamente um ponto de viragem na história desta casa nobre. Chegada a época da industrialização, e a cargo da Editora até ao fim do século XX, inicia-se a fase em que os palácios mais sofrem, de modo a conseguirem se adaptar às necessidades das entidades que nele se instalaram acabando por ficar bastante fragmentados. Entre as várias empresas e instituições que exerceram atividades durante este período destacam-se as duas tipografias - Tipografia Ottosgráfica e a Tipografia Holandesa – instaladas frente a frente no pátio; a Garagem do Conde Barão que acabou por se impor ao jardim tardoz e submeter a rampa de acesso a um prolongamento, atravessando e destruindo a antiga cozinha; a Companhia Nacional Editora; a Fotomecânica; o Casa Pia Atlético Clube, que aqui desenvolveu várias atividades, com destaque para a Biblioteca/Museu Luz Soriano; o Colégio do Século; o clube B’leza e atualmente o Banco Santander 146.
145
D. José Joaquim de Almada nasceu em 1797 e foi o último herdeiro direto do Palácio Almada-Carvalhais,
morreu solteiro e sem deixar geração, deixando como herdeiros, em 1877, os seus sobrinhos D. António e D. Miguel da Cunha Silveira e Lorena, filhos da sua irmã D. Joaquina José de Almada, casada com o 8 º Conde de S. Vicente. 146
MATOS, José Sarmento, PAULO, Jorge Ferreira; Estudo Histórico e Patrimonial: Palácio Almada-Carvalhais. Trabalho não publicado, 2009, p.19.
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97. Desenhos do projeto de ampliação da Garagem do Conde Barão, 1929. 98. Vista sobre a rampa de acesso ao interior da garagem do Conde Barão, 2015. Imagem do autor.
99. Vista sobre o interior da garagem do Conde Barão, 2015. Imagem do autor.
100. Vista sobre a fachada tardoz do palácio a partir do interior da garagem do Conde Barão, 2015. Imagem do autor.
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Contudo, ainda antes do tempo das “máquinas” terminar, o imóvel foi classificado em 1919 pelo IPPAR como Monumento Nacional. Embora não tenha contribuído para a recuperação deste exemplar palaciano, a classificação representou o reconhecimento da sua excecionalidade. Perante o estatuto atribuído ao conjunto edificado, é com grande apreensão que olhamos para toda a corrosão arquitetónica proveniente da época da industrialização. Desta forma, torna-se importante refletir sobre a importância de recuperar este lugar, devolvendo à cidade a verdadeira essência deste espaço. Além da invasão do Homem o palácio também sofre com o passar do tempo e isso reflete-se no ambiente que podemos experienciar no Largo do Conde-Barão. Antes lugar glorioso, de pura demonstração de poder e cultura, agora, um lugar envelhecido e degradado que condiciona a qualidade do espaço. Perante esta realidade, predomina fortemente a necessidade de uma mudança, de um resgate dos tempos de agonia, tempos que se assemelham a um novo terramoto que conduz este lugar ao esquecimento. Deste modo, é necessário procurar e descobrir uma nova realidade para este palácio. Mas, o que fazer para salvar o património deste lugar? O Palácio Almada Carvalhais continua a ser um edifício extremamente singular, o desenho do espaço projeta-nos para um mundo paralelo à cidade, um lugar onde não sentimos a agitação citadina. Aquando o momento de entrada, visualizamos o pátio, o céu, sentimos o silêncio, parece que somos transportados para outra época, para outro tempo, sentimo-nos familiarizados com o espaço, sentimo-nos em casa.
101. Vista sobre a Galeria fechada no pátio do Palácio Almada Carvalhais, 1949.
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
4.3.
IDENTIDADE E RUÍNA DO SÉCULO XXI:
O LIMIAR PARA A MUDANÇA 147
O outeiro, onde se materializa o palácio é limitado a Norte e a Sul por duas vias que o ligam ao centro da cidade. A Norte, pela Rua Poço dos Negros, de utilização essencialmente habitacional e pontualmente comercial que culmina no Largo de Camões, na baixa. A Sul pela Rua da Boavista, também ela habitacional mas com uma vertente comercial tradicional e turística mais acentuada. As restantes ruas e ruelas que envolvem o quarteirão mantêm uma toponímia ligada ao mar e à faina marítima e industrial, contudo é através de pequenos estabelecimentos comerciais, uns ligados às artes e ofícios, outros à restauração que mantêm a vivacidade citadina. Temos por um lado a zona de Santos-o-Velho, cujo espaço público e os edifícios encontram-se mais cuidados, diretamente ligados ao turismo, à restauração e à noite, eleito por jovens e turistas para o convívio noturno. Por outro lado, o Conde-Barão, um lugar onde podemos encontrar duas realidades fundamentais da nossa história; todo um lado norte para onde cresceu a dita cidade cultural e o lado sul que desde a construção do palácio sofreu diversos aterros conquistados ao Tejo, onde cresceu e se consolidou uma cidade de 148
unidades fabris. O Conde-Barão enquanto sítio, hoje, “é incaracterístico” , sendo importante de referir que “o seu pitoresco está nas ruas e ruelas que dele nascem para o lado norte e que levam à rua do Poço dos Negros e a Santa 149
Catarina” . A ponte para a modernidade e evolução tem vindo, subtilmente, a nascer para o lado sul através dos projetos e as atividades que se tem vindo a desenvolver. A sua localização face ao centro da cidade apresenta-se como um centro dinâmico e cultural, com grande diversidade de transportes, comércio, turismo (Teatro a Barraca, Museu da Marioneta, Museu das Comunicações, Ascensor da Bica), espaços verdes (Largo de Santos e o Miradouro de Santa Catarina, Jardim das Francesinhas) e com uma grande variedade de estabelecimentos de ensino (IADE, IPA-Instituto Politécnico Autónomo de Lisboa, ETIC – Escola de Tecnologias Inovação e Criação, UAL – Universidade
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Consultar Anexo I – O Palácio Hoje: Levantamento Fotográfico, como complemento do presente subcapítulo.
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APS. Ruas de Lisboa com alguma História: Largo do Conde Barão (I). Lisboa. Maio de 2008. in http://aps-
ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2008/05/largo-do-conde-baro-i.html Acedido em: Abril 2015 149
APS. Ruas de Lisboa com alguma História: Largo do Conde Barão (I). Lisboa. Maio de 2008. in http://aps-
ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2008/05/largo-do-conde-baro-i.html Acedido em: Abril 2015
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Autónoma de Lisboa, EPI – Escola Profissional de Imagem, Jazzy dance Studios, etc.). Contudo, ainda é um sítio muito contaminado por uma grande quantidade de edifícios em mau estado de conservação, muitos outros em estado de ruína e há falta de estacionamento. Surgem, assim, algumas oportunidades para Projeto através da reabilitação e requalificação deste edifício degradado e dos espaços públicos que lhe são adjacentes. Procurar aumentar a oferta de estacionamento, recuperar o espaço verde que lhe era tão característico e introduzir um equipamento que possa servir a comunidade e mantenha o elo de ligação, tanto com a memória do edifício como com a sua envolvente e a sociedade. Sabemos que este era um espaço de família extremamente relacionado com a arte e a cultura, que acolheu instituições de ensino e ainda que foi palco de grandes momentos de sociabilização. Sabemos ainda, através da observação in situ, as gerações que lá habitam, as pessoas que por esta zona passam, verificando-se que apesar da maioria da população residente se apresentar muito envelhecida, existe uma 102. Vista aérea da realidade urbana atual do Aterro da Boavista. Quarteirão de intervenção em destaque. Fotomontagem do autor.
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porção considerável de população jovem, bem como uma afluência turística bastante elevada. Há que reativar este lugar, conceder-lhe qualidade para se estar, criar uma nova atmosfera como resposta ao vazio urbano que hoje se encontra neste espaço, conferindo-lhe uma nova identidade. Mas como realizar esta mudança para que se mantenha integrada a memória e identidade do lugar?
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5.
E N C O N T R O
I N T E R V E N Ç Ã O
D E –
T E M P O S : P R O J E T O
“As people move about the environment, they acquire knowledge about patterns of their own movement and about spatial relations among places in the world. This knowledge is encoded and stored in memory, allowing people to find the places again”. Gary Allan
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5.1.
ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO
Finalizadas as etapas de estudo que foram propostas no início deste trabalho, chegamos ao ponto de refletir sobre as mesmas e trabalhá-las de maneira a rematar a narrativa desta história. Assim, partindo das questões e problemáticas abordadas nos capítulos teóricos, inseridas no contexto da operação da memória como instrumento de trabalho, e salientado a importância que esta comporta através do tempo refletindo-se sobretudo no património das cidades e nas relações que estabelecemos com ele, foi proposto trabalhar sobre o caso do conjunto patrimonial do Conde Barão constituído pelos Palácios Almada Carvalhais e Conde Barão do Alvito. A estratégia de reabilitação para este local tem como intenção primária reutilizar o espaço de forma a devolver à cidade de Lisboa um lugar que, embora esquecido, nos conta muito sobre o que outrora foi a realidade citadina. Um espaço fechado sobre si mesmo, que retracta a delicadeza de uma vivência familiar, um lugar que absorve a velocidade e agitação do mundo citadino e nos acolhe no centro da sua existência. Assim sendo, com esta intervenção pretende-se reativar este sítio de maneira a estimular uma reaproximação dos habitantes e da sociedade ao mesmo. Consequentemente, o objetivo passa por encontrar no estudo realizado acerca do lugar as premissas base que irão definir o rumo do trabalho de projeto, ou seja, tentamos ler e entender as informações que este sítio nos pode oferecer de forma a devolve-lo à população com a qualidade urbana que merece. Por outro lado, uma vez que nos encontramos numa zona da cidade que reúne diversos tipos de indivíduos, desde turistas, jovens e idosos, também se considerou que a questão social seria um aspeto importante a ter em conta nas decisões programáticas desta intervenção. Ainda que o uso original deste conjunto tenha tido um carácter unicamente residencial, atualmente, acredita-se que o caminho não poderá passar exclusivamente pelas mesmas premissas, uma vez que, não seria justo restringir um espaço desta natureza apenas a um número reduzido de pessoas. Assim, a intenção tem também como base criar um lugar que sirva principalmente como ponto de encontro para indivíduos de todas as idades e nacionalidades. Contudo, refletindo um pouco sobre a realidade da vida quotidiana de cada individuo, facilmente percebemos que nem todos têm os mesmos ritmos e as mesmas rotinas, por isso criar um lugar que servisse apenas de ponto de encontro poderia vir a
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significar que se estaria a devolver um espaço “vazio” à cidade para se tornar também ele num vazio de acontecimentos. Todavia, a ideia de reunir distintas faixas etárias e pessoas com objetivos variados não se perdeu por completo. Isto é, procuram-se respostas no sentido de oferecer atividades específicas para vários tipos de idades e indivíduos num mesmo lugar, sem que tenham necessariamente de estar a praticar as atividades no mesmo espaço. Assim, pretende se encontrar um equilíbrio para que todos possam usufruir deste sítio, direcionando simultaneamente cada um para atividades de acordo com a sua preferência, necessidade ou interesse. Desta maneira, pensa-se num edifício multifacetado com um programa direcionado para a comunidade, que possa facultar um conjunto variado de opções, criando de certo modo uma nova centralidade no coração de Lisboa. No que diz respeito ao tratamento da pré-existência, a estratégia passa em primeiro lugar por respeitar os palácios anulando os elementos que se foram acumulando ao longo dos tempos e que acabaram por deturpar a leitura dos edifícios na sua essência, em particular as construções e acrescentos realizados durante o século XX. Ainda que estas construções façam parte da história do lugar acredita-se que a presença destes elementos iria por em causa a sua leitura. No geral, procura-se tirar partido das características dos palácios, de maneira a que estes se adaptem às necessidades das novas funções sem desconfigurar a vivência dos espaços que o conformam. Para isso, no seu interior, propõe-se a conservação e restauro da maioria dos elementos estruturais e decorativos, que apresentam elevado valor arquitetónico, como é o caso das pinturas parietais presentes na maioria das salas nobre. Em relação ao plano para o interior do quarteirão, o objetivo será tirar partido do ambiente refugiado que se vive, procurando trazer de novo a ideia da existência de 2 jardins independentes que estabelecem relações visuais e físicas entre si. Como tal, propõe-se um elemento novo que estabeleça a ponte entre os jardins e que possa servir em simultâneo de separação e união entre ambos. A intenção de incorporar este novo objeto tem como base, visto que os protagonistas desta história são os palácios, optar por uma abordagem que apesar de se diferenciar do existente tenha uma presença subtil neste espaço.
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5.2.
PROJETO 150
5.2.1. O Conceito Conforme foi referido anteriormente, por um lado, o mote norteador deste trabalho prende-se essencialmente com as questões teóricas debatidas ligadas à memória e identidade do lugar com o objetivo de promover novamente a inserção deste património no tecido urbano. Como tal, foi precisamente a partir deste “motor” que se procurou olhar para o lugar procurando hipóteses para os problemas com que nos fomos deparando. Por outro lado, também as perspetivas gerais assentes nos casos práticos anteriormente estudados representaram um aspeto importante na forma como se abordou a préexistência. À semelhança do que acontece no caso da Casa de Memória, ficou presente a importância das raízes de cada lugar ou objeto arquitetónico, e que, como veremos de seguida, acabam por nos sugerir apropriações mais específicas em questões do foro programático. Ainda no âmbito dos casos estudados, quer do caso do Convento das Bernardas como do Neues Museum tem-se presente a ideia que intervir no património, ou numa ruína, não significa recuperar rigorosamente o que outrora foi, ao invés significa ter consciência que o lugar representa um processo cíclico, sendo capaz de gerar novos ambientes num novo tempo, estabelecendo um confronto harmonioso entre o passado e o presente. Assim, procura-se uma solução arquitetónica assente nestas premissas, que reflita o tempo presente e futuro, contudo, respeitando sempre as características morfológicas da pré-existência. Posto isto, deu-se início ao estudo deste sítio onde ficámos a conhecer alguns aspetos chave que são importantes de referir e que, em certa medida, à luz do que foi mencionado anteriormente, funcionaram como fio condutor no desenvolvimento deste trabalho. No que diz respeito aos usos, aprendemos que além de ter servido originalmente como um espaço habitacional, já tomaram lugar nestes palácios variadíssimos programas. Estes serviram de escola e de sede de clube, foram palco de grandes noites de diversão através da discoteca Béleza, serviram de tipografia e fotomecânica, acolheram uma editora, e também serviram de garagem automóvel nos últimos anos. Também se tem conhecimento de propostas de antigos promotores para a zona em questão, em 2000-2006 terá existido uma proposta para o Palácio Conde Barão, tendo sido proposto um condomínio privado, e em 2009 se pensou em transformar o mesmo num Hotel de 150
Consultar Anexo II – Processo de Trabalho, como complemento do presente subcapítulo.
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Charme. Por outro lado, sabe-se que terá sido realizado um levantamento no Palácio Almada Carvalhais, pelo arquiteto Souto de Moura, possivelmente para propor também um estabelecimento ligado à habitação turística. Por fim tem-se conhecimento de uma última proposta para o Palácio Conde Barão que se prende com a sua transformação num complexo de hotéis de luxo associados ao The Lumiares Luxury Hotel Apartement. Contudo, além dos usos programáticos do passado ou dos antigos promotores ficamos também a saber que, desde muito cedo, o Palácio Almada Carvalhais esteve envolvido em questões ligadas às artes, principalmente devido ao papel de mecenas das artes que o proprietário desempenhava, bem como devido ao gosto artístico do mesmo, nunca se tendo privado de embelezar a sua casa com obras de grandes artistas conceituados. Ainda ligado às artes, temos de ter em conta a zona envolvente que já por si só parece que tem vindo a agrupar alguns edifícios chave dentro deste tema, como é o caso do IADE, Faculdade de Design, o caso da ETIC, a escola de dança Jazzy, a escola EPI e mais recentemente o Pólo Cultural das Gaivotas, uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, que tornou o Palácio vizinho dos Condes de Alarcão, num espaço cultural ligado às artes performativas, nomeadamente o teatro e a dança. Dada a versatilidade de usos que sempre acompanhou a evolução deste núcleo, ainda que nem sempre tenham sido realizadas da melhor forma, considerou-se pertinente trabalhar como base conceptual o edifício multifuncional ligado à área das artes plásticas, tornando este lugar num pólo artístico com programas distintos, no entanto correlacionados entre si, e que por sua vez possa vir a servir de complemento e extensão do Pólo Cultural das Gaivotas, acabando por unir duas vertentes artísticas num mesmo perímetro. Desta maneira, visto que trabalhamos numa zona muito ligada às artes pareceu-nos um bom ponto de partida a ideia de realizar um programa dentro deste tema direcionado para a comunidade, em particular daqueles que o habitam, e que por sua vez respeite e se integre na vivência deste bairro.
103. Esquema de estudo sobre a ideia projetual
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104. Esquiço do Anfiteatro do Palácio Almada Carvalhais 105. Esquiço do Jardim do Palácio Conde Barão do Alvito
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5.2.2. O Desenho No que diz respeito à forma do lugar, também ela ganha presença nas decisões que foram tomadas em relação ao novo objeto construído. Como vimos, tomando como referência o estudo histórico, este lugar divide-se em 3 momentos distintos, o Palácio Almada Carvalhais, o Palácio Conde Barão do Alvito e por fim o corpo articulador entre os palácios que funciona como elemento de separação e união, e como um alinhamento separatório visual entre os respetivos jardins de cada palácio. Portanto, é em torno dos aspetos referidos neste breve resumo que se desenrolam as escolhas volumétricas para o novo corpo que toma lugar no interior deste quarteirão. Consequentemente, este novo objeto aqui implantado, que acolhe um programa próprio e mais particular a si mesmo, é encarado como um elemento separador e transitório entre dois espaços exteriores com diferentes objetivos. Assim, este volume é trabalhado de maneira a não se perder totalmente a ideia de continuidade entre os espaços e, para o efeito, é introduzido o pátio como o elemento organizador dos espaços que vai estabelecendo ligação visual entre as diferentes zonas do projeto, dando a conhecer o lugar à medida que o vamos percorrendo. Por sua vez, este núcleo central culmina num outro volume de carácter mais público, polivalente e leve como remate do desenho proposto. Não deixa de ser importante voltar a referir que a ideia é que esta nova construção reflita uma linguagem subtil em concordância com os palácios que a envolvem e que mantenha em simultâneo relações entre os diversos espaços que conforma. Para isso, e como veremos posteriormente, este novo corpo apresenta uma linguagem distinta para cada um dos jardins. Assim sendo, do lado do Palácio Almada Carvalhais optou-se por uma fachada de aspeto murado, com pontuais aberturas que funcione em contraponto com a fachada oposta das traseiras do edifício da Rua das Gaivotas, dando uma sensação de espaço mais fechado e contido, na ideia de prolongar a continuidade da rampa de acesso, criando um percurso que se vai abrindo pontualmente oferecendo misteriosamente a descoberta do lugar. Já do lado do Palácio Conde Barão, adotou-se uma abordagem mais transparente, porém ritmada. Desta forma, propõe-se um alçado envidraçado marcado regularmente por grandes lâminas de aço corten, que não só uniformizam a fachada como também permitem que esta se difunda com os
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106. Esquiço do Anfiteatro do Palácio Almada Carvalhais 107. Esquiço do Jardim do Palácio Conde Barão do Alvito
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troncos das árvores deste jardim mais orgânico. A ideia é que o corpo central mantenha relação direta com o jardim, mas de forma controlada, quer pela existência destas lâminas quer pela organização do espaço interior. Por fim, o corpo de remate, objeto de usufruto permanente, seja diurno ou noturno, toma um carácter ainda mais transparente que o anterior. A ideia é torná-lo leve e parcialmente despido de adereços, quase como se não existisse, permitindo a comunicação visual entre todo o comprimento do espaço. Trata-se de uma espécie de pavilhão cuja cobertura mais pesada assenta sobre um envidraçado ritmado apenas pela sua caixilharia. No que diz respeito às opções formais dos jardins optou-se por duas abordagens completamente distintas, uma que se centra em estabelecer inspirações num modelo de jardim vegetal com um traçado mais irregular e a outra que procura espelhar uma apropriação mais contemporânea, sendo esta última composta por um anfiteatro ajardinado que rompe o embasamento das novas volumetrias propostas. Desta maneira, do lado do palácio Almada Carvalhais, encontramos este anfiteatro exterior que serve de prolongamento quer da sala do palácio a norte, quer do auditório existente no corpo de remate, oferecendo diferentes hipóteses de apropriação. Este não funciona como um jardim tradicional, e a ideia passa mesmo por romper com a ideologia comum do que consideramos ser um jardim. Já no caso do jardim que acompanha o palácio Conde Barão do Alvito, pensou-se em manter uma relação genuína com a natureza optando assim por uma solução mais orgânica, em parte inspirado no ambiente hoje existente e um pouco semelhante com a sensação que sentimos quando nos encontramos no jardim da Gulbenkian. Portanto, desenha-se o espaço que se divide em três zonas diferentes, esta primeira de forma aparentemente aleatória distribuindo árvores de grande e médio porte, e incorporando também a árvore centenária que existe neste jardim, um segundo patamar destinado à esplanada que serve a zona de restaurante e se desenvolve a uma cota superior à primeira e por fim um último patamar ligeiramente abaixo do jardim orgânico, que serve de extensão do programa que tem lugar no palácio Conde Barão do Alvito. Para terminar, uma vez que o trabalho se desenrola em torno da memória do lugar, a presença da água representa também um papel crucial para a organização e conexão dos espaços. Esta aparece distribuída ao longo do projeto tendo o tanque como ponto de partida da sua trajetória, e por sua vez confere ao projeto uma ambiência particular, repleta de movimentos e reflexos que combinados acabam por oferecer características estéticas ao desenho do espaço. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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108. Vista aérea da última proposta projetual
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5.2.3. O Programa Em suma, após termos falado das estratégias de intervenção e dos aspetos que serviram de fio condutor a nível conceptual e formal, temos já uma noção dos pontos-chave que levaram à definição do programa. Desta maneira, sabemos então que iremos trabalhar dentro da área das artes, pensado na comunidade, com o objetivo de reativar o lugar. Assim sendo, além de dotar este espaço de atividades diurnas, procura-se que tenha também atividades mais permanentes que se possam prolongar no horário noturno, mantendo este sítio em constante experimentação e utilização. Sabemos também que trabalhamos com dois edifícios pré-existentes e dois novos volumes propostos. Posto isto, e em relação ao programa propriamente dito, o projeto divide-se então em quatro momentos que direta ou indiretamente mantêm relações entre si. Em primeiro lugar temos o Palácio Almada Carvalhais, que como vimos, e dada a natureza das suas características pensou-se que pudesse funcionar como um conjunto museológico; depois temos o corpo de união dos dois palácios que a nível formal se prolonga pelo novo corpo central que divide os dois jardins, ao qual se atribuiu uma função ligada à formação artística. Temos também o corpo de remate que funcionará como um pavilhão público, onde se localiza o restaurante e o auditório, e por fim, temos o Palácio Conde Barão do Alvito, que devido à natureza da sua organização espacial convida a tornar-se num conjunto habitacional. Assim, ambiciona-se que este núcleo patrimonial funcione como um Centro Recreativo de Artes e Ofícios, e que venha a reunir valências para todo o tipo de pessoas. A ideia para este tipo de programa não é trazer um museu, uma escola ou uma residência comuns restringidos pelas referências atípicas que tão bem conhecemos, mas sim uma versão mais prática e multifacetada dos mesmos. Procura-se também que em determinados momentos possa existir um cruzamento de atividades e que as funções propostas possam tirar partido umas das outras.
109. Esquiço da cobertura da escola
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110. Esquiços do Anfiteatro do Palácio Almada Carvalhais 111. Esquiço do interior do auditório
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O Museu O que foi pensado para o caso do museu, é que este venha a funcionar como uma espécie de percurso, em que podem ser visitadas tanto as obras expostas como o espaço que o conforma. Este percurso convida à deambulação quer pelo interior do palácio, o museu propriamente dito, como pela rampa que segue para a zona do jardim e que subtilmente nos vai dando a conhecer a zona da escola e do anfiteatro exterior. Assim, este trata-se de um percurso que, como já foi referido, pela forma como foi organizado oferece a possibilidade de ir conhecendo o local, vamos vendo o que acontece nas salas de aula através dos pátios, como se de um museu vivo se tratasse e em simultâneo desfrutando do passeio. No seguimento do pensamento anterior o percurso mencionado, que se apresenta como prolongamento da rampa de entrada, culmina então no pavilhão de remate onde podemos encontrar uma sala multiusos de apoio ao museu e um auditório com o objetivo de receber apresentações ou de ser palco de pequenos e médios espetáculos. Assim, este conjunto museológico comporta mais dois elementos versáteis na sua utilização, pois apesar de funcionarem a par com o museu, também podem vir a servir a escola ou pontuais eventos exteriores. O museu propriamente dito desenvolve-se nos 2 primeiros pisos do palácio, sendo que o último piso será destinado a um espaço de trabalho e coworking para pequenos e médios empresários dentro da área artística. A ideia é que este seja um museu ligado ao seu proprietário, a Caixa Geral de Depósitos, e que esta a par com a Culturgest possa usufruir do espaço para ir expondo em carácter temporário e rotativo as peças da sua vasta coleção de arte contemporânea portuguesa e recentemente africana e brasileira também. Outro objetivo muito importante de referir, é o desejo deste museu funcionar a par com a escola de artes e que venha a expor os trabalhos realizados pelos alunos da mesma, pormenor crucial para estabelecer uma relação ainda maior de proximidade entre estas duas valências.
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A Escola No que diz respeito à escola, como já foi referido, não se trata de um estabelecimento de ensino formal, e portanto tem como objetivo oferecer um leque variado de aulas didáticas na área das artes. A ideia é que possam existir aulas para vários tipos de necessidades, isto é, indivíduos que queiram ter uma formação específica em determinada disciplina ou simplesmente outros que procurem uma atividade de lazer recreativa como se de um ATL das artes se tratasse. Esta última tem assim em vista a oferta de soluções recreativas em particular para os mais velhos ou para as crianças, procurando envolver os habitantes do bairro em movimentos artísticos ativos. Relativamente à organização da escola, esta desenvolve-se no novo edifício central, sendo constituída por um conjunto de salas grandes e pequenas distribuídas por dois pisos, que podem facilmente ser adaptadas em função das necessidades da aula que for lecionada. Além das salas de aula e oficinas, também podemos encontrar uma pequena zona administrativa, uma sala de professores e as devidas instalações sanitárias. Como elemento adicional, a escola pode também usufruir do auditório do museu no caso de ser necessário um espaço de aula teórica de maior dimensão. Como já foi referido, este núcleo funciona quase que aberto para o jardim do Conde Barão do Alvito, funcionando como um prolongamento da escola. Assim, pode dar-se o caso de também utilizar o jardim para algumas atividades no exterior quando o tempo assim o permitir. Contudo, este funciona sobretudo como espaço de estar, convívio, relaxamento do que acontece fora do perímetro do quarteirão.
(na pagina à esquerda)
112. Conjunto de esquiços referente aos pátios da escola (nesta página)
113. Corte referente aos pátios da escola 114. Esquiço refente ao corredor de acesso das salas do piso inferior
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A Residência No caso das residências trata-se de uma abordagem simples uma vez que não é o objeto principal de trabalho. Desta forma, optou-se por trabalhar o espaço seguindo os modelos típicos de uma residência de estudantes, procurando sempre respeitar a pré-existência. Procura-se manter íntegras as salas nobre, dando-lhes a valência de sala comum, que num trabalho mais preciso deste edifício iria significar a restauração das pinturas murais destas salas. Por sua vez, em termos distributivos, vamos encontrar três pisos muito semelhantes compostos por quartos individuais e quartos duplos, ambos com instalações sanitárias incorporadas, por uma ou duas zonas de estar comuns referidas anteriormente, e por uma sala comunitária de refeições. A distribuição deste espaço foi realizada de forma cuidada, tentando respeitar ao extremo as características das salas existentes. A única alteração formal realizada no decorrer deste planeamento acontece no terceiro piso deste conjunto habitacional, que originalmente só existia até meio do corpo do edifício, tendo acabado por ver a sua área aumentada de forma a regularizar o desenho quer ao nível da fachada como no que diz respeito à distribuição dos espaços. Esta residência tem um carácter de habitação temporária uma vez que no plano do Aterro da Boavista já são propostas, por outra entidade, habitações de carácter permanente. Assim sendo, este edifício habitacional tem como principal alvo, estudantes, artistas ou professores que queiram ficar mais perto dos estabelecimentos referidos anteriormente.
(na pagina à esquerda)
115. Esquiço de estudo do núcleo de residências (nesta página)
116. Planta tipo do núcleo de residências
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6.
C O N S I D E R A Ç Õ E S
F I N A I S
“You cannot simply put something new into a place. You have to absorb what you see around you, what exists on the land, and then use that knowledge along with contemporary thinking to interpret what you see”. Tadao Ando
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Refletir sobre o passado demonstrou-se crucial para que se estabelecesse uma relação com o local que nos propusemos a trabalhar. Desta forma, foi possível conectarmos o passado e a memória do lugar com a vontade de inscrever uma nova camada de história na narrativa deste sítio. O passado é assim reconhecido como um elemento que projeta tanto o conhecimento como a memória para o presente, aproximando realidades temporalmente distantes e refletindo um futuro carregado de significados. Todavia, recorda-se também a importância de operar com os objetos do passado e, como tal, deixar o património esquecido não é solução. Ao nosso redor encontramos enumeras possibilidades de criar novos sentidos, novas atmosferas que pertençam à cidade e que possam eficazmente servir a sociedade. Estes objetos da memória não são apenas fontes de histórias e recordações intocáveis, mas sim elementos físicos capazes de potenciar diversas oportunidades sociais e culturais. Assim, a ideia de projeto acabou por se focar essencialmente na sugestão de uma intervenção que gerasse a possibilidade de criar uma nova realidade urbana, social e cultural através do património esquecido. Por conseguinte, tendo como base estas premissas, acredita-se que uma correta reutilização destes espaços tendo em conta a sua génese, poderá vir a conferir-lhes novamente glória e utilidade dentro do mundo contemporâneo. Desta forma, acabámos por nos propor a desenhar uma nova camada de história, pensada principalmente na cidade e na sociedade, porque uma cidade nunca pára, e por isso torna-se fundamental mantermos operacionais lugares que um dia ainda poderão contar novas histórias. A partir destes pressupostos, defende-se uma abordagem que mantenha a integridade física do património, fazendo com que este perdure na nossa memória. Não se procura uma reabilitação perfeita daquilo que o edifício outrora foi, mas sim uma recuperação daquilo que é atualmente, um objeto que carece de cuidados e manutenção, que representa um marco na nossa história, que merece respeito e um lugar ativo dentro da cidade. Assim, optouse por respeitar a pré-existência, mantendo-a quase que intocada e, introduzindo uma nova estrutura que servisse de ponte entre o passado e o presente.
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Portanto, este trabalho, tendo claro o que representa a realidade das abordagens ao património, procurou encontrar uma resposta ao problema de abandono, bem como à tendência de tornar estes lugares em espaços de usufruto limitado. Na realidade, enfrentamos um período que procura essencialmente respostas mais imediatas e rentáveis para casos como este, contudo, aqui procura-se sugerir uma abordagem que, como já foi referido, estimule a reativação urbana, humana, económica e social, sem se condicionar a experiência deste sítio, pensa-se sobretudo numa arquitetura de todos e para todos. Assim, pensou-se no tema das artes, já presente no contexto histórico e evolutivo deste lugar, como meio de inserção deste conjunto na vida da cidade. Esta decisão, tal como vimos, decorreu essencialmente do estudo realizado ao local e ao conjunto que a nosso ver virá a funcionar como um complemento e como um elemento de remate a uma zona que carece de atividades que possam impulsionar sobretudo a vivência em comunidade, a partilha e o conhecimento cultural. Em suma, procurou-se criar um espaço lúdico e cultural, direcionado para a criação, com o intuito de proporcionar a esta zona da cidade um espaço de convívio e permanência quer para os habitantes locais como para os que por ali passam. O projeto procura também transparecer a vontade de reedificar a história e em simultâneo contar-nos uma nova história, criando um paralelo entre as memórias do passado, a realidade do presente e as possibilidades do futuro. Tal como foi referido anteriormente, os lugares da nossa história só se realizam plenamente através da vivência que proporciona à sociedade, pelo que se torna essencial a recriação dos fragmentos que foram esquecidos, dando-lhes a possibilidade de existência. Contudo, apesar de nos referirmos sempre a um objeto em questão não deixa de ser importante relembrar que, todo o lugar reúne em si um baú de história, seja ele composto por edificado ou não. Por outras palavras, o terreno nunca é virgem existe sempre uma pré-existência, uma história por desvendar, e nós arquitetos, ao absorvermos estes fragmentos de memórias podemos facilmente operá-los como estímulo criativo e como meio de melhorar a adaptação do projeto ao lugar em que está inserido.
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Como tal, todos os projetos são na verdade reabilitações, e por isso torna-se fundamental operar com estes fragmentos, diretamente relacionados com a génese de qualquer lugar. Consequentemente, estas premissas não se aplicam somente ao património edificado mas a todo o terreno de intervenção de um projeto. Todo o metro quadrado tem história e cabe ao arquiteto operá-lo da melhor forma. Assim, compreendemos que o ato de projetar, nunca tem por base um contexto livre ou vazio de significado. O lugar guarda sempre vestígios que decorrem da ação do tempo que o determinam, individualizam e o tornam único.
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UMA PROPOSTA DE REINTERPRETAÇÃO DO CONJUNTO PATRIMONIAL NO LARGO CONDE BARÃO
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A N E X O S
Este anexo divide-se em três momentos, contemplando em particular textos
explicativos,
elementos
fotográficos
e
esquemáticos,
algumas
referencias associadas ao processo criativo/trabalho que acabam por complementar alguns capítulos do documento apresentado. No primeiro anexo encontramos uma extensão do capítulo sobre o lugar, que aborda alguns estudos e informações que contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho e que se mostraram essenciais para o conhecimento das memórias associadas ao lugar. Ficamos a conhecer melhor o percurso cronológico deste núcleo, assim como o seu proprietário e a família que aqui viveu. Por fim, é encerrado com um roteiro fotográfico do que é hoje este núcleo arquitetónico, refletindo um pouco as visitas ao sítio, procurando demonstrar sucintamente o ambiente que se vive, uma vez que para todo o processo o conhecimento do lugar representou um elemento crucial para um entendimento genuíno do mesmo. Já na segunda parte deste anexo são apresentados registos fotográficos de alguns fragmentos associados essencialmente ao processo criativo e ao processo de trabalho que, apesar de não terem sido referidos durante o documento, também eles, de uma forma ou de outra, contribuíram para o exercício de projeto, e por essa mesma razão são então apresentados neste anexo. Por fim, é também através destes fragmentos que gradualmente se vai construindo uma aproximação mais realista ao que acabou por ser a ideia final de projeto. Sendo este anexo finalizado por um terceiro momento no qual são apresentados as maquetes e os desenhos finais que nos ajudam a compreender o projeto e a rematar todo o processo de trabalho ao longo desta grande aventura.
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MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
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A N E X O - I : M A I S
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A C E R C A
D O S
P A L Á C I O S
153
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
QUEM FORAM OS ALMADA? Hoje falamos de um ramo da família Almada que mesmo sem dom nem título se transformou numa das linhagens de relevo na história portuguesa durante o século XVI. “Os Almadas começaram por ser uma das boas famílias de cidadãos honrados de Lisboa, que o surto da vida marítima foi a pouco e 151
pouco retirando anonimato” . Esta, tratava-se assim de uma família que se tornou rica e poderosa, diretamente ligada às grandes trocas comerciais e à administração da cidade, donos que vastas quintas, em particular na margem sul do rio Tejo, em Azeitão e Almada. Em parte acredita-se que foi durante a crise que 1383-85, devido às mutações sociais que se fizerem sentir, que se assistiu a uma súbita ascensão de título e, em apenas duas gerações esta família recebeu então o direito ao uso de Dom. Porém, suspeita-se que esta ascensão tenha sido um pouco mais complexa do que possa aparentar. Apesar de ser apenas uma hipótese, acredita-se que esta distinção social também possa ter sido impulsionada pelo facto de Tereza Gille Lourenço, a suposta mãe de D. João I ser filha de Lourenço Martins de Almada, primogénito de uma das gerações desta família e portanto avô do Mestre de Avis. No entanto, mesmo que não se venha a confirmar esta teoria, ao que se sabe, D. Pedro I terá deixado o seu filho aos cuidados de Lourenço Martins de Almada, não deixando de ser um facto que D. João I cresceu no ceio desta família, tendo mais tarde oferecido vastas regalias à casa dos Almada. Desta forma, este momento representou o ponto de partida para a elevação do ramo primogénito da família em questão. Também os irmãos de Lourenço Martins de Almada se mantiveram cidadãos nobres e honrados, como foi o caso de Gomes Martins “de onde proveio farta descendência, cuja linha principal seria conhecida por um morgadio fundado nos Olivais de Lisboa” 152. Este ramo da família ficou também conhecido como os Homens de Leis, representando uma porção da nobreza ligada às questões jurídicas. É de salientar que, durante o século XVIII resultaram dois grandes nomes deste 153
ramo, João de Almada e Melo , e Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal.
151
MATOS, José Sarmento; “Um homem, uma casa, uma família!”. Revista Oceanos nº3. Lisboa. P.93 MATOS, José Sarmento; “Um homem, uma casa, uma família!”. Revista Oceanos nº3. Lisboa. P.93 153 João de Almada e Melo foi morgado dos Olivais e tornou-se a figura responsável pela expansão urbana do Porto. 152
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Ainda referente ao ramo dos morgados togados dos Olivais é de referenciar Bartolomeu Gomes de Almada, figura responsável pela Universidade sediada em Lisboa. Do casamento desta personagem resultou Catarina Carreiro de Almada, que como se poderá constatar na cronologia realizada (Consultar 154
Anexo I - Árvore Genealógica) se uniu a Fernão Rodrigues de Almada , homem que sabemos estar ligado aos interesses marítimos de Portugal. Por fim, é então desta última união que nasce Rui Fernandes de Almada, o nosso protagonista que mandou construir o Palácio Almada Carvalhais. Consequentemente é através da sua casa na Boavista que, Rui Fernandes de Almada
155
marca o início da inserção do seu ramo da família na descendência
da primeira nobreza lisboeta. Senhor de vasta fortuna foi com larga claridade que garantiu um bom futuro aos seus filhos. Por sua vez, é o seu herdeiro, Fernão Rodrigues de Almada, que através da família da sua mulher recebe o 156
cargo de Provedor da Casa da Índia , “inserindo definitivamente a sua família 157
na aristocracia da corte” . Não obstante, derivado de bons casamentos e boas heranças os títulos e as posses desta família continuam a crescer, acabando também por se tornar “senhores das vilas de Carvalhais, Ílhavo e Verdemilho”. Anos mais tarde, esta família acaba por se unir aos seus vizinhos os Condes Barões de Alvito chegando a receber o título de Condes de Carvalhais, dando por fim origem ao nome pelo qual o palácio é hoje conhecido, Palácio Almada Carvalhais.
154
Fernão esteve integrado na armada de Vasco da Gama terá mesmo capitaneado uma das naus da armada, que em 1501, seguiu rumo à India, com a missão de defender a costa e as feitorias. Desta forma acabou por ser nomeado capitão na Índia. 155 Anexo I – 3.Quem foi Rui Fernandes de Almada? 156 Titulo hereditário concedido por Cristóvão de Moura, o 1º Marques de Castelo Rodrigo, irmão da D. Isabel de Moura, mulher de Fernão Rodrigues. 157 MATOS, José Sarmento; “Um homem, uma casa, uma família!”. Revista Oceanos nº3. Lisboa. P.93
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ÁRVORE GENEALÓGICA
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157
Bartolomeu Gomes de Almada
Ruy Fernandes de Almada Fernão Rodrigues de Almada
Beatriz Carreiro
Catarina Carreiro de Almada
Capitão na India, Integrado na 2ª Armada de Vasco da Gama
Rui Fernandes de Almada
Catarina de Anveres
Embaixador de D.João III e d’el Rei Francisco de França, Feitor na Flandres
Senhora Nobre de origem Francesa
Luis de Moura
Fernão Rodrigues
Távora
D. Isabel de
de Almada
de Oliveira
de Miranda
Mello
Senhor das Vilas de Carvalhais, Ilhavo e Verdemilho
Cristóvão de Almada
D. Luiza de Mello
Alencastre
2º Provedor da Casa da India e Senhor de Carvalhais, Ilhavo e Verdemilho
Herdeira das Vilas de Carvalhais, Ilhavo e Verdemilho
Rui Fernandes de Almada
D. Isabel de
3º Provedor da asa da India e Presidente do Senado da Câmara de Lisboa
Alencastre
2º Conde de Óbidos
D. Filipa de
D. Helena de
D. Madalena de
D. Fernando Martins Mascarenhas
André Pereira
Moura Irmã de D.Cristóvão de Moura, 1º Marques de Castelo Rodrigo
1º Provedor da asa da India e Conselheiro de D.Filipe II
Martim Afonso
D. Brites de
Alcaide Mor de Castelo Rodrigo
Moura
D. Maria Antónia
D. Luis de Almada
D. Luiza de
de Mello
Senhor dos Lagares d’ElRei e de Pombalino
Menezes
Cristóvão de Almada
D. Filipa Maria
D. Tomás de
D. Madalena de
1636-1713 4º Provedor da asa da India, Homem da Real Câmara de D.Pedro II, CapitãoGeneral de Mazagão, Senhor de Carvalhais, Ilhavo, Verdemilho e Avelãs
de Mello
Noronha
Brito e Bourbon
16??-1750
1593-1669 3º Conde dos Arcos
D. Brites Mascarenhas
3ª Condenssa da Palma e 4ª de Sabugal
D. Vasco Lobo 1640-1705 9ºBarão do Alvito e 2º Conde de Oriola
D. Inês Margarida
D. Maria Antónia
D. Bernardo de
José de Alencastre
de Almada
Noronha
1670-1720 5ª Provedora da Casa da India
1671-1748
D. José António Francisco
D. Guiomar Francisca
D. Francisco de
D.Teresa de Noronha e Bourdon
Mascarenhas
Lobo da Silveira Quaresma
de Vasconcelos Sousa
Almada e Noronha
Mendonça de Almada
D. Vasco José Lobo
D. Josefa Lobo
11º Conde de Alvito e 4º Conde de
1733-1768 Baronesa do Alvito
Oriola
D. Fernando José Lobo da Silveira Quaresma 2º Marquês do Alvito
D. Inês Josefa Lobo
1700-1758
1698-1773 1º Marquês do Alvito e 3º Conde de Oriola
1689-1739
1700-1758 6ª Provedor da Casa da India
D. Bernardo de
D. Pelágio Teresa de
Luiz Castello
Almada e Noronha
Almada
Branco
1717-1759 7ª Provedor da Casa da India
1718-1763
D. Joaquina de Almada
D. António Joaquim de Castello
Lobo da Silveira
Castro e Noronha
Branco Correia da Cunha
1753-1779 8ª Provedora da Casa da India
Apesar de herdeira, D. Teresa, parte sem deixar filhos e a herança passa para o seu irmão
5º Conde do Pombeiro
D. José Maria de Almada
Margarida Domingos José
Noronha Lobo da Silveira
Castro Noronha Lobo
de Mello
Francisco de Almada Castro Noronha Lobo da Silveira D. Teresa de Almada Castro Noronha Lobo da Silveira
Carvalhoe Melo 1699-1782
D. Maria Ana Teresa Almada de D. Bernardo José António
Sebastião José de
4º Conde do Pombeiro
D. José Joaquim Maria 1736-1809
Teve mais 9 irmãos
1650-1704 2º Filho dos Condes de Arcos
D. Teresa de Assis 1700-unknown
1620-unknown
1779-1820 Filha do 1º Marquês de Sabugosa
1779-1854 9ª Provedor da Casa da India
D. José Maria Carlos da Cunha Silveira e Lorena
D. José Joaquim de Almada
D. Joaquina Maria José
D. Manuel José Carlos da
D. Teresa Maria José de Almada
Castro Noronha da Silveira
Almada
Cunha da Silveira e Lorena
Além destes 4 filhos José e Margarida tiveram mais 4 filhos
1797-1877 Morreu solteiro e sem geração, deixa como herdeiros os filhos da sua irmã Joaquina
D. António José da Cunha Silveira e Lorena
1830-1910 Representante do título de São Vicente
1807-1835 8º Conde de São Vicente
MEMÓRIA E PATRIMÓNIO COMO VÍNCULO URBANO E SOCIAL
QUEM FOI RUI FERNANDES DE ALMADA?
Rui Fernandes de Almada representou uma das figuras mais influentes do seu tempo. Como vimos anteriormente tem descendência de uma família diretamente ligada às atividades administrativas, comerciais e marítimas da cidade, e tal como acontecera com o seu pai, este veio estabelecer certos interesses económicos com as transações das especiarias da Índia que lhe proporcionaram grande fortuna. Inicialmente trabalhou como recetor dos empréstimos de cristãos e judeus de Lisboa. No entanto, desde cedo se interessou pelos estudos na aérea das transações comerciais, tendo simultaneamente adquirido um vasto leque de experiencia que se demonstrou essencial para os cargos que viria a exercer, levando-o a tornar-se um dos elementos mas importantes nas questões envolviam os deveres administrativos e comerciais da corte. Uma vez inserido no meio comercial não é de estranhar que tenha sido chamado, em 1512, para prestar serviços reais como Tesoureiro da Nação Portuguesa na Antuérpia, numa época fulcral em que se fortalecia a importância da presença portuguesa nesta cidade. Mais tarde, em 1517, é nomeado para representar Portugal na Flandres, passando a exercer funções como escrivão da feitoria. Dois anos mais tarde, D. Manuel I envia Rui Fernandes para a Alemanha com o objetivo de recolher informações sobre os grandes senhores alemães, sobre as suas famílias, possibilidades económicas militares e políticas do país. Este último ofício ao qual nos referimos veio revelar-se muito importante na vida deste nobre, uma vez que lhe conferiu a possibilidade de conhecer várias personagens influentes da época, entre as quais o seu grande amigo Albrecht Durer, um dos mais conceituados pintores da corrente renascentista, que chegou até a realizar um retrato do seu amigo. Como podemos observar na imagem, reflete uma pessoa de “pose altiva de grande senhor, nariz fino e comprido assente numa boca bem desenhada, um olhar inteligente e vagamente sonhador” 158. Podemos dizer ainda que das suas viagens e estadias em vários países europeus cresce e alimenta-se o seu interesse artístico, que mais tarde se viria claramente a refletir na obra da sua propriedade.
158
CARITA, Helder; O Palácio Almada Carvalhais. Lisboa. 2007. P.11.
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Rui Fernandes de Almada trata-se também de um humanista de relevo muito procurado por estudiosos portugueses em Itália e França. Tal não era a sua influência, que em 1527 assume mais um cargo de grande importância como cônsul da nação portuguesa, tratando pessoalmente das questões económicas ligadas às trocas comerciais entre vários países da Europa. Por fim em 1534, mais uma vez face à sua experiência cultural, política e social este diplomata presta serviços a D. João III como embaixador em França, o seu último cargo antes de regressar definitivamente a Lisboa. Uma vez terminada a sua missão como embaixador, regressa então a Lisboa onde assiste a um reconhecimento por parte do Rei D. João III, devido aos serviços prestados em nome do reino de Portugal durante largos anos. El’rei torna assim este diplomata como seu conselheiro e, em 1553 concede-lhe o brasão dos Almada, que ainda hoje se encontra presente na fachada principal do palácio. Rui Fernandes de Almada trata-se de uma figura que marcou a história pela diferença, movido pela sua sabedoria uniu o desejo de exibição com a incomparável cultura artística que possuía. O resultado desta união fez assim erguer e definir um importantíssimo pólo de crescimento urbano na Praia da Boavista, que por sua vez ia de encontro com as intenções da corte para a expansão de Lisboa para Ocidente, como meio para construir uma cidade diretamente ligada aos descobrimentos de onde decorriam as principais atividades comerciais da cidade. Assim, conforme planeado, o novo palácio da encosta de Santa Catarina representou um ícone para a cidade, espelhando a toda a cultura cosmopolita da sua época de construção bem como do seu proprietário.
Retrato de Rui Fernandes de Almada, pintado por Albecht Dürer (cerca de 1520), agora exposto no Kupferstichkabinett, em Berlim
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CRONOLOGIA SÉC XVI
1512: Início do trabalho de Ruy Fernandes de Almada como tesoureiro da nação portuguesa em Antuérpia.
1517: Nomeação de Ruy Fernandes de Almada como escrivão na feitoria da Flandres.
1527: Cônsul da nação portuguesa 1534: Ruy Fernandes de Almada torna-se Embaixador na corte de França.
1540: Ruy Fernandes de Almada termina a sua missão como diplomata e regressa a Lisboa.
1545-1550: Construção do Palácio Almada Carvalhais, localizado na antiga Praia da Boavista.
1553: D. João III atribuí o Brazão com as armas dos Almadas e por sua vez este é colocado na fachada do Palácio.
1580: O primogénito de Ruy Fernandes de Almada, Fernão Ruiz de Almada, casou com a filha do alcaidemor de Castelo Rodrigo, irmã de Cristóvão de Moura, futuro marquês de Castelo Rodrigo e valido de Filipe II, primeiro de Portugal.
1598: Sendo cunhado de quem era, Fernão Ruiz toma partido do poder filipino que lhe agradeceu concedendolhe o cargo de Provedor da Casa da Índia, a título hereditário. Finais do Século: Mesmo ao lado da casa dos Almada ergue-se a propriedade da família Quaresma Barreto, mais tarde por herança caída nas mãos dos condesbarões de Alvito, de onde nasce o nome pelo qual é conhecido, Palácio Conde-Barão de Alvito.
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SÉC XXVII
1606: O Palácio Conde-Barão de Alvito sofre algumas alterações no corpo de origem e a família habita no Bairro Alto quase todo o século.
1632: Nascimento do filho de Fernão Ruiz de Almada, Cristóvão de Almada.
1660-1670: Cristóvão de Almada, 3º Provedor da Casa da Índia, torna-se Presidente do Senado Municipal,
1674: Pequena campanha de obras no Palácio Almada Carvalhais, não existiram alterações exteriores de grande envergadura. Adição de um novo corpo que expande as traseiras da casa dos Almada e dá lugar a uma imponente sala de jantar com fachada voltada para os jardins. Construção do edifício da Rua das Gaivotas sobre as caves de serviço do Palácio Almada Carvalhais.
1692: União da filha do provedor Cristóvão de Almada com o herdeiro Alvito, 9º Barão, filho dos proprietários do Palácio Conde-Barão de Alvito.
1692-1699: Ampliação do núcleo de origem do Palácio Almada Carvalhais após a união da família Almada com a família Alvito. Foi construído um corpo de união entre os dois palácios, no piso térreo as cavalariças e as cocheiras e no 1º e 2º piso novos aposentos para os membros da família; por fim fechou-se e duplicou-se o piso alto do pátio do Palácio Almada Carvalhais com janelas de sacada.
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SÉC XVIII 1700-1713: Obras de melhoramento no interior do Palácio Almada Carvalhais, em particular nos salões do andar nobre
1712: É pedido à câmara o alargamento do Palácio Conde-Barão de Alvito até à Rua dos Mastros. Obra esta, levada a cabo pelo arquiteto João Antunes.
1755: O terramoto de 1755 obrigou a obras de grande envergadura.
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SEC XIX-XX 1806: Nova intervenção nos Palácios e jardins. 1889: Marquês da Foz adquire o Palácio num leilão no Tribunal da Boa-Hora por 45 contos de reis.
1900: O Banco Lusitano passa a ser o senhorio do Palácio 1902: O Banco Lusitano transfere a propriedade para um dos seus acionistas, a Editora SARL, que se manteve com senhoria ao longo do século XX.
1910: Construção da primeira parte da nave industrial que veio destruir o jardim do palácio.
1920: O Palácio Almada Carvalhais é classificado como Monumento Nacional.
1922: Transformação da rampa do Palácio Almada Carvalhais através da suavização do declive, a fim facilitar o acesso automóvel para a futura Garagem do Conde Barão.
1923: Realiza-se a construção da segunda nave industrial no jardim do palácio.
1944: Construção de uma parede no acesso do lado esquerdo da escadaria principal que liga o pátio ao piso nobre. Caiação e pintura do 2º e 3º piso, tetos e paredes, ocupados pelo Casa Pia Atlético Clube.
1956: Alargamento do Portão principal de acesso à Garagem do Conde Barão.
1983-85: Obras de adaptação para a instalação do Banco Totta & Açores na frente de rua, zona comercial de frente para o largo, ocupando o espaço sob o claustro.
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O PALÁCIO HOJE: LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO
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CASA DA CULTURAL DE PINHEL Guarda, Portugal. DepA Architects. 2014. Imagens de José Campos.
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CENTRO CULTURAL DE VILA FLOR Guimarães, Portugal. Pitágoras Arquitetos. 2000/2005. Imagens de Leonardo Finotti.
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NEW PARADOR OF ALCALÁ Alcalá de Henares, Espanha. Aranguren e Gallegos Architects. 2011. Imagens de Hisao Suzuki.
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REMODELAÇÃO E AMPLIAÇÃO DO MUSEU NACIONAL MACHADO DE CASTRO Coimbra, Portugal. Gonçalo Byrne Arquitetos. 2013. Imagens de Duccio Malagamba.
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THE CONDESTABLE’S HOUSE Pamplona, Espanha. Tabuenca e Leach Arquitetos. 2008. Imagens de Luis Prieto.
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CONCURSO PARA A ESCOLA MÚSICA DE BRESSANONE Bressanone, Itália. Aires Mateus + GSMM Architetti. 2014. Menção Honrosa. Imagens de Aires Mateus. ALEXANDRA MENDES DA FONSECA
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HOTEL INSPIRA SANTA MARIA Lisboa, Portugal. Promontório. 2007-2010. Imagens de Promontório.
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MUSEU ARQUEOLÓGICO DE VITORIA Vitoria, Espanha. Francisco Mangado Architects. 2004-2009. XIV Prémio Europeu do Cobre em Arquitetura. Imagens de Roland Halbe.
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FARMER’S OFFICE França. Vanessa Larrére Architecte. 2011. Imagens de Vanessa Larrére Architecte. UNIVERSIDADE DE LISBOA – FACULDADE DE ARQUITETURA
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MUSEU E GALERIA DE ARTE DA TASMÂNIA Dunn Place, Austrália. Francis-Jones Morehen Thorp. 2013. Imagens de John Gollings.
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AUDITÓRIO DA ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA DO INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA França. Carrilho da Graça Arquitetos 2008. Imagens de FG+SG.
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ANFITEATROS DO CAMPUS UNIVERSIDADE DOS AÇORES Ponta Delgada, Açores. Inês Lobo + Miguel Dominguos. 2002. Imagens de Leonardo Fonttini.
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(de cima para baixo da esquerda para a dirreita)
1. Perspetiva da primeira proposta para o jardim do Palácio Almada Carvalhais 2. Vista aérea da primeira proposta projetual. 3. Vista aérea da segunda proposta projetual.
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(de cima para baixo da esquerda para a direita)
4. Vista aérea da terceira proposta projetual. 5. Conjunto de dois esquemas volumétricos dos jardins. 6. Esquema volumétrico do edificado préexistente e respetivas funções. 7. Esquema com a intenção para o volume
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(nesta página de cima para baixo da esquerda para a direita)
8. Esquema sobre a organização programática. 9. Estudo das sobre as cotas dos jardins. 10. Planta da escola e do museu, alinhamentos e direções. 11. Planta da residência, alinhamentos e direções. (na pagina à direita)
12. Planta da quarta proposta projetual, alinhamentos e direções. 13. Vista aérea da última proposta projetual,
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(na página à esquerda de cima para baixo)
14. Corte perspético sobre o anfiteatro exterior e as salas de aulas. 15. Perspetiva sobre o anfiteatro exterior. (nesta página de cima para baixo da esquerda para a direita)
16. Esquiço com estudo inicial da fachada. 17. Esquiço sobre o estudo da fachada e os seus contrapontos. 18. Esquiço sobre o estudo da fachada e os seus contrapontos. 19. Esquiço com estudo final da fachada. 20. Pormenor da ideia para a fachada.
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21. Esquiços de estudo da ambiência do pátio.
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22. Esquiços de estudo da ambiência do restaurante.
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