Encerramento do projeto Turnê pelos Becos.
Essa publicação faz parte do projeto Turnê pelos Becos – Imagens Periféricas, uma concepção da Associação Cultural Fábrica de Gênios, que representa um coletivo de artistas e agentes culturais da região metropolitana de São Paulo, formado por moradores de bairros dos Distritos da Brasilândia e Cachoeirinha – Jardim Peri Novo, Jardim Peri, Jardim Elisa Maria, Casa Verde e Lauzane – na Zona Norte da cidade. Com o propósito de cantar e contar histórias das pessoas que vivem nas periferias da cidade, exprimem a diversidade de opiniões que pairam sobre o gueto das artes e/ou artes do gueto. Na Fábrica de Gênios o hip hop, os quadrinhos, o cinema, a literatura e a música são instrumentos importantes no trabalho de informação e transmissão de conteúdos criativos e políticos. Em nosso trabalho se desenha o painel artísticocultural da periferia. Buscamos recuperar o espaço da arte dentro das comunidades periféricas, compartilhando aprendizagens e conhecimentos locais, dentro de uma proposta de fruição estética em atividades populares, organizadas e realizadas por nós mesmos. Uma atuação que também pode ser entendida como atitude de enfrentamento às regras do mercado cultural sendo que nossos eventos populares divergem da política institucional de mercantilização da cultura, na busca pela construção de uma política pública legítima para a população da cidade
Alexandre De Maio e Flávio Galvão
Televisão José Paulo Paes Televisão é uma caixa cheia de imagens que fazem barulho. Quando os adultos não querem ser incomodados, mandam as crinças ir assistir televisão. O que eu gosto mais na televisão são os desenhos animados de bichos. Bicho imitando gente é muito mais engraçado do que gente imitando gente, como nas telenovelas. Não gosto muito de programas infantis com gente grande fingindo de criança. Em vez de ficar olhando essa gente brincar de mentira, prefiro ir brincar de verdade com meus amigos e amigas. Também os doces que aparecem anunciados na televisão não têm gosto de coisa alguma porque ninguém pode comer uma imagem. Já os doces que minha mãe faz e que eu como todo dia, esses sim, são gostosos. Conclusão: a vida fora da televisão é melhor do que dentro dela.
COM O INTUITO DE SE ORGANIZAR CADA VEZ MAIS E PROMOVER O DESENVOLVIMENTO ARTÍSTICO E CULTURAL NO JARDIM PERI, ZONA NORTE DE SÃO PAULO, NASCEU EM 2009 A ASSOCIAÇÃO CULTURAL FÁBRICA DE GÊNIOS. ENTRE SEUS MUITOS OBJETIVOS ESTÁ O DE REUNIR E AMPLIAR OS PROJETOS DESENVOLVIDOS PELO COLETIVO NA ZONA NORTE.
Encerramento do Projeto Hip Hop na Medida no Cinescadão com shows das meninas do grupo Odisséia das Flores
NO JARDIM PERI NOVO NASCE A FÁBRICA DE GÊNIOS No Brasil a sociedade civil organizada sempre fundou associações de bairro para cuidarem dos interesses populares das comunidades – reivindicações por moradia, escolas, creches, centros culturais, postos de saúde, hospitais ou simplesmente por uma praça com um jardim. Essas associações são inscritas em cartórios e têm “certidão de nascimento”. Com a “certidão” emitida tornam-se pessoa jurídica e, como toda instituição assim gerada foi “apelidada” após a década de 90, hoje em dia são reconhecidas como Ong – sigla que significa “organização não governamental”. Em 2009, preocupados com o cenário monocromático do bairro, os artistas e realizadores do Cinescadão passaram a cultivar os “jardins Peri-féricos” da zona norte, plantando cultura em forma de entretenimento criativo nos becos e vielas cimentadas e apertadas do morro, e cuidando do espaço público para que ele fosse mais agradável. Foi assim que nós também nos tornamos uma associação comunitária de bairro. E como toda associação dessa natureza entra para o chamado “terceiro setor”, nos tornamos uma “Associação cultural de bairro sem fins lucrativos e sem cunho político ou partidário”. A Associação Cultural Fábrica de Gênios foi formalmente fundada em 28 de março de 2009 e sua certidão de nascimento emitida em setembro de 2010. Em nosso Estatuto reza a promoção da cultura como propriedade da humanidade e a contribuição de um trabalho para a formação cultural e educacional de crianças, jovens e adultos. Outra finalidade da instituição é intervir artisticamente na arquitetura da região transformando o espaço público em instalações fixas permanentes: "É o quarteirão que se amplia. Cada metro quadrado conquistado, aproveitado!" O braço Audiovisual da organização visa continuar suas atividades e criar um Núcleo para produzir, pesquisar e ampliar o circuito popular de exibidores, além de participar na Política Audiovisual brasileira e do Movimento Cineclubista internacional. A organização nasce para desenvolver um trabalho emancipatório, e para fortalecer as condições de comunicação entre as populações que moram em regiões pobres da zona norte e da cidade. Também buscamos realizar parcerias, contratos e convênios com o governo para implementação de programas, projetos e ações que visem o desenvolvimento humano cultural e social.
Intercâmbios, estudos e pesquisas são realizados com o objetivo de contribuir com a democratização da informação e pelo Direito de Comunicar. O estatuto defende ainda a utilização de novas tecnologias como ferramentas de ampliação do acesso à cultura e ao conhecimento em seu sentido mais amplo. A Fábrica de Gênios atua no bairro do Jardim Peri Novo e áreas adjacentes dos Distritos da Cachoeirinha e Brasilândia – principalmente nas comunidades dos bairros Jardim Peri Alto, Jardim Peri, Casa Verde Alta, Lauzane e Jardim Antártica. No ano de 2010 desenvolveu diversos projetos, e começa 2011 pensando formas de ampliar ainda mais suas ações. Já estamos desfrutando das relações políticas que “plantamos, regamos e vemos crescer” com o cinema, vídeo, música e graffiti dos Jardins Peri-féricos.
Quem vive, persiste. Não se cansa, faz a sua. Há tanto tempo rezo pra chuva passar. Oba, clareou!" "
Trecho da música Oba, Clareou! do grupo Cagebe para o Projeto Imagens Peri-Féricas
PELOS BECOS E VIELAS DO EXTREMO DE SÃO PAULO A Turnê pelos Becos nasceu em 2009 com o projeto Imagens Peri-féricas. A iniciativa apoiada pelo programa ProAC possibilitou a ampliação do Cinescadão, um evento que reunia cinema e música nos becos e vielas do Jardim Peri Alto, no extremo da zona norte de São Paulo. No youtube é possível visualizar um pouco desse trabalho no link: www.youtube.com/user/Cinescadaojdperi O coletivo que desenvolve há anos atividades artísticas e socioeducativas para crianças e jovens da região, realizando oficinas culturais e eventos de Hip-Hop, também realizou diversas edições do evento Cinescadão num “circuito audiovisual popular” inédito, trazendo artistas de várias regiões da cidade para atuar nos becos da zona norte. Tudo foi registrado e gerou um documentário, coproduzido por Flávio Galvão e Ricardo Saito, 12 videoclipes de grupos de rap, dirigidos por Vras77 e uma animação do grafiteiro Gô – todo esse material foi compilado numa revista-DVD e distribuído na comunidade. A experiência dessa atividade serviu para amadurecer as ações do coletivo e gerou o projeto Turnê Pelos Becos realizado em 2010. A música, junto com cinema e o graffiti foram os veículos escolhidos pelo grupo para o trabalho de informação
e transmissão de conteúdos simbólicos da cultura Hip Hop compondo o painel artístico-cultural da periferia. E a ideia foi ampliar a ação levando o evento Cinescadão para outras periferias, com o intuito de inspirar na juventude uma prática cultural popular e independente. Toda a turnê pelos becos e vielas foi registrada e deu origem a esse jornal que se encontra em suas mãos. Essa é mais uma iniciativa para amplificar a voz dos artistas e realizadores da periferias de São Paulo. Nessa edição do projeto Turnê Pelos Becos prestigiamos os bairros do Jardim Peri, onde fizemos a abertura e o encerramento das atividades, pois foi nessa região que nasceu toda nossa história. Depois passamos pela Casa Verde, Brasilândia, Jaçanã e Taipas, todos bairros da zona norte. Na zona leste fomos até Cangaíba e no centro da cidade fizemos uma intervenção audiovisual na Ocupação Mauá. Durante as apresentações da turnê vários grupos de rap tiveram a oprtunidade de mostrar seus trabalhos, entre eles; Difunção, Rdc, Maderit, D ´Elite, Odisseia das Flores, Bonde do Nego Tom, Nego Wilia e Tribo Zulu, Mc da Leste, Saulinho Bandollero, Teto CVA, Vovô Amauri, Pixote Xiita, Estilo Maloqueiro, Xandão (Alexandre Cruz), Outro Nível, Emortais e CAGEBE. A discotecagem nos dias dos eventos ficaram por conta dos Djs Vandi, Paulinho e Ré; já o graffiti ficou com Gô esbomgaroto, Zito e Ricardo. Na parte de exibição dos filmes Flávio Galvão completou as atividades do projeto.
O projeto nasceu com uma base sólida no vídeo popular, levando às comunidades a cultura cinematográfica como ferramenta de discussão e construção do senso crítico. Durante os eventos do projeto foram exibidos diversos filmes de grupos que participam do Coletivo de Vídeo Popular em São Paulo, videoclipes realizados no Imagens Peri-féricas (2009), e realizações independentes como o vídeo Pescaria de Merda, A Viagem, A guerra do Vinil, A loira do banheiro, Videolência, Várzea, O preço da luz é um roubo, Na Real da Real e muitos outros. Assim levamos para os becos e vielas produções protagonizadas por moradores de diferentes bairros da cidade, sendo que muitos deles têm seus próprios Núcleos Independentes e populares. Durante os eventos também registramos em vídeo essa história, para no futuro montar um DVD documentário da Turnê pelos Becos. Em todos os eventos, durante as sessões cineclubistas, distribuímos pipoca e refrigerante às crianças e ao público em geral, socializando tudo sem comercialização, já que nosso coletivo conquistou recursos públicos para a realização do trabalho – o que prova que é perfeitamente possível manter um espaço de autogestão para a cultura audiovisual com recursos voltados para uma economia solidária, mantendo sua qualidade de exibição, e privilegiando as relações sociais entre o público e organizadores. Nas apresentações musicais, o grupo CA.GE.BE age como “âncora” em todos os eventos, ora apresentando-se com sua formação completa, ora apresentando-se apenas o DJ Paulinho (responsável por discotecar em todos os eventos do projeto) em batalhas com DJs convidados. No projeto a música tem papel fundamental e todos os artistas trabalham e se apresentam “com os pés no chão”, ou seja, não necessitamos de palco para que os artistas locais e convidados se manifestem – o que privilegia o contato do público com os grupos e vice-versa. Nos eventos realizados abrimos espaço para participação de diversos grupos e rappers no que chamamos de “microfone aberto”. Em cada evento os grupos se somavam na proposta da Turnê.
Reforçamos aqui que a ocupação criativa de espaços periféricos em busca de ressignificá-los através da Arte é mesmo a marca registrada desse coletivo; pois essa maneira de atuar faz da Turnê pelos Becos um projeto ““pé no chão!””, ao viabilizar que as Artes de rua (graffiti, dança de rua, o DJ e a música rap) alcancem os transeuntes e pessoas comuns das comunidades carentes, sem o distanciamento que os grandes palcos produzem entre o artista e o público.
O projeto Turnê pelos Becos começou com uma apresentação no Escadão 18 A, na avenida Masao Watanabe altura do no 1000, no Jd. Peri Novo, onde acontece tradicionalmente há 3 anos o Cinescadão. E por isso, ali foi escolhido para abertura do projeto; um lugar que significa muito para o grupo que realiza o projeto. Além de devolvermos para comunidade um pouco da parceria que toda a viela do Escadão tem com o grupo, no dia de estreia da turnê a apresentação do grupo Cagebe foi acompanhada pelo rapper Sombra e do Conexão Brutal. O graffiti aconteceu durante o dia deixando o beco ainda mais bonito e colorido, e assim a viela vai se tornando uma galeria de arte a céu aberto. Além de grupos locais, rappers de outras regiões de São Paulo compareceram ao evento junto a um público de mais de 100 pessoas, que lotaram o evento para ver também a sessão de vídeo e apresentação do trio de DJs Décibéis. Registramos aqui nossos agradecimentos especiais às famílias que abrigam o Cinescadão no morro: família do Reginaldo (que empresta a janela da sua casa pra pendurarmos a tela de cinema e vídeo); à família do Roninha e Marcia (pela energia elétrica que nos fornecem); da Fia (que sustenta uma das caixas de som na mureta de sua casa); ao José, Thiago e Neti (que fazem de suas escadas arquibancada); e às famílias da Dona Maria; do Nino; do Mancha e da Isani.
A cada evento o graffiti faz parte da comunicação no espaço público. Grafitamos os espaços onde acontecem as apresentações da Turnê, de maneira que a intervenção realizada com as artes plásticas de rua estenda a proposta do projeto e perpetue a presença dos demais elementos da Cultura Hip Hop no imaginário. Aos poucos, tornaremos as paredes das casas, dos escadões, becos e vielas, em “instalações fixas” e públicas, que redesenham esses espaços urbanos.
O projeto Turnê pelos Becos começou com uma apresentação no Escadão 18 A, na avenida Masao Watanabe altura do nº 1000, no Jd. Peri Novo, onde acontece tradicionalmente há 3 anos o Cinescadão. E por isso, ali foi escolhido para abertura do projeto; um lugar que significa muito para o grupo que realiza o projeto. Além de devolvermos para comunidade um pouco da parceria que toda a viela do Escadão tem com o grupo, no dia de estreia da turnê a apresentação do grupo Cagebe foi acompanhada pelo rapper Sombra e do Conexão Brutal. O graffiti aconteceu durante o dia deixando o beco ainda mais bonito e
O segundo evento aconteceu no bairro da Casa Verde Alta, um bairro tradicional da região norte da cidade de São Paulo, onde historicamente a população negra é muito presente desde os anos 50. Seu Amauri, "cinquenta e poucos anos de idade" e morador do bairro é um apaixonado por música, "vovô Amauri" como carinhosamente é chamado fez uma apresentação musical emocionante para o Turnê Pelos Becos. Cantando músicas de própria autoria, trouxe ao conhecimento
colorido, e assim a viela vai se tornando uma galeria de arte a céu aberto. Além de grupos locais, rappers de outras regiões de São Paulo compareceram ao evento junto a um público de mais de 100 pessoas, que lotaram o evento para ver também a sessão de vídeo e apresentação do trio de DJs Décibéis.
do público seus sentimentos e revoltas que as experiências adquiridas como motorista no trânsito paulista tanto contribuiram para a composição de suas músicas. O evento também contou com a presença dos grupos da cena hip hop; Di Função, Otraversão e Comodoros. A seleção de vídeos ficou por conta do exibidor Flávio Galvão que trouxe para o dia o curta-metragem Hip Hop na Medida –– produzido pela Fábrica de Gênios. Nessa etapa do projeto também foram exibidos os videoclipes do projeto Imagens PERIféricas e de rapper locais. O rapper Teto - outro morador da Casa Verde - fez uma apresentação especial e levantou a questão do meio-ambiente em suas músicas.
Saindo da zona norte em direção a zona leste, dessa vez a apresentação foi em Cangaíba, quebrada do grupo D'Elite e da Associação de Bairro local que junto com Fábrica de Gênios realizou o evento, esquentando uma noite fria de setembro. Nesse dia o evento foi realizado com presença de vários grupos, além do Grupo Cagebe que faz a apresentação âncora de todos eventos, os rappers do grupo Maderit, D´Elite, e os funkeiros Bonde do Nego Tom e Mc Daleste, que fizeram o evento “pegar fogo” literalmente. Baby, pai do rapper Thiago do grupo D´Elite foi muito decisivo para que tudo pudesse ter
ocorrido bem, no "Morro da Fé" Cangaiba Seu carisma e sua interação com a população local foi determinante para que a trupe do Turnê Pelos Becos pudesse entrar na comunidade com o trabalho artístico/cultural, e assim conseguir interagir de maneira natural e espontânea com o público presente.
Essa edição foi realizada em parceria com o Instituto Ação e Reação 9 de Julho, que tem como membro o rapper Edi Rock dos Racionais MCs. O evento foi realizado no Céu Jaçanã para comemorar mais uma edição do projeto e os 10 anos de atividades do Instituto. Uma seleção especial de filmes foi reservada para o dia, com a abertura dos vídeos do Cinescadão.
A troca de experiências entre os coletivos fortaleceu o elo entre os ativistas sociais das periferias da zona norte de São Paulo.
Outra edição que rendeu uma parceria com o grupo Arroz, Feijão, Cinema e Vídeo, em Taipas, foi realizada para fortalecer a parceria e as artes nos extremos da cidade. No evento grupos como CAGEBE, Odisseia das Flores, Nego Wilia e Tribo Zulu se apresentaram. A arquitetura dos prédios na COHAB de Taipas serviu de inspiração para os traços desenhados pelo artista plástico Zito em suas obras que vão marcando lugares nas ruas que se cruzam pela “prédinhos” da COHAB. O cenário também acaba interagindo dentro do imaginário dos artistas que em trocadilhos
de palavras soltam em cima das batidas do DJ presente, improvisos de rimas descrevendo a paisagem local. EFinalmente, após toda manifestação artística que rolou durante aquele começo de noite, o grupo Arroz, Feijão, Cinema e Vídeo fez ““jus”” ao nome, e nos agraciou com um delicioso caldo de feijão feito na hora, para esquentar ainda mais aquela noite.
A Vila Brasilândia é um dos lugares mais pobres de São Paulo; podemos dizer que a região atinge um dos maiores índices de vulnerabilidade social da cidade. Dos inúmeros sítios que foram desmembrados em pequenas vilas e loteados para algumas famílias surge o Jardim Guarani que fica na parte alta do distrito da Vila Brasilândia. O Projeto Turnê Pelos Becos chega ao Jardim Guarani, mais precisamente na altura do n° 2.626 da Avenida Cantidio Sampaio. O encontro foi regado por boas vibrações e boas notícias, como a da
comunidade ter um projeto (Beat Orgânico) contemplado numa edição do programa Vai – da Secretaria Municipal de Cultura da cidade, e de a jovem Mary Helen, moradora do bairro, ter sido convidada a fazer um intercâmbio em uma universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Tivemos a exibição dos vídeos da Marcha do MST interagindo com animações e o vídeo Linha de Ação. A Trupe do Cinescadão foi recebida com uma apresentação do "grupo da casa": Maderit, e com a intervenção do artista plástico esbomgaroto – o que provocou alterações nas paisagens visual e sonora da quebrada.
Tivemos a oportunidade de conhecer um lugar muito interessante dentro dessa nossa enorme cidade de São Paulo, ““A Ocupação de Sem Teto Mauá””. Um lugar onde famílias extremamente organizadas se reuniram e decidiram ocupar o espaço e não ““invadir””, como alguns por aí, sem entendimento algum sobre as questões de moradia, gostam de falar. O direito à moradia, que deveria ser garantido pelo Estado a todos os cidadãos, é historicamente desrespeitado pelo
poder público – motivo que gera a luta dos sem teto. A convite do ativista, militante e estudante de história, Daniel Freetown, fomos com o projeto para a ocupação Mauá e fizemos o nosso evento no "estilo Cinescadão". Também tivemos a oportunidade de presenciar e participar de um momento muito legal, que foi a distribuição de brinquedos doados por um amigo de Daniel Freetown. O grupo audiovisual Núcleo de Comunicação Marginal, de São Bernardo do Campo, também marcou presença com seu grupo de rap. A Fábrica de Gênios fez uma das melhores intervenções com a presença dos grupos de rap CA.GE.BE. e Odisseia das Flores, que cantavam suas músicas enquanto as crianças se divertiam com seus presentes!
O encerramento da Turnê aconteceu na "volta para casa", no Jd. Peri Novo. Depois de circular por alguns lugares da cidade, retornamos ao ponto inicial do trabalho, ou seja, de volta à ““escada””. Além das apresentações de artistas veteranos do rap, de dj ´s aprendizes, surgidos nas oficinas do DJ Paulinho e DJ Vand, e dos alunos das oficinas dos MCs Cezar Sotaque e Shirley Casa Verde, tivemos, para nossa alegria, uma grande recepção da comunidade que aguardava o retorno do ““Oba! Clareou”” ––
música do Grupo CA.GE.BE., que na região se tornou uma espécie de hino principalmente para a criançada. O encerramento também foi marcado pela apresentação do grupo Sambadela, formado por seis mulheres e um homem, e que se dedica ao samba de raiz. Cezar Sotaque fez uma fala que destacou a importância do Cinescadão na comunidade; disse que "é preciso existir mais atividades como esta em outros lugares da cidade de São Paulo". A trupe da Fábrica de Gênios, durante o Turnê Pelos Becos e juntamente com os
realizadores e frequentadores do Cinescadão, foi aos poucos adquirindo e acumulando experiência cultural e social nas questões que envolvem as comunidades e suas necessidades básicas. Chegamos então ao fim deste que podemos chamar de "o primeiro episódio" da Turnê Pelos Becos
Flávio Galvão em atividade no Cinescadão ao fundo Bezinho, MC das oficinas Hip Hop na Medida, outro projeto realizado pelo Coletivo que leva o ensinamento das aulas para a prática na rua.
O projeto Cinescadão nasceu do encontro do grupo de rap CA.GE.BE. com o Coletivo Fabicine (A Fantástica Fábrica de Cinema) em atividades culturais que realizavam nos entornos da zona norte. Realizado no morro do Jardim Peri Novo, no Escadão 18 A, altura do número 1.000 da Avenida Masao Watanabe, o projeto teve adesão geral dos moradores que se apoderaram do evento ajudando a realizá-lo. Em 2008 as atividades eram semanais, o que funcionou para fortificar o evento e torná-lo referência no circuito alternativo de cinema e da música rap. Um espaço audiovisual público voltado para a cultura Hip Hop, onde acontecem ao vivo, além das performances musicais de rappers e da pintura dos grafiteiros, sessões de vídeo que exibem a produção fílmica (nacional e internacional) sobre temas do gênero.
Circuito Alternativo de cinema O Cinescadão se confirmou como alternativa de exibição de cinema conjugando atividades Cineclubistas com as ações do Coletivo de Vídeo Popular; saiu no Guia Catraca Livre ao lado da Cinemateca como referência de espaço público dedicado ao audiovisual; também participou do III Festival É Tudo Mentira! E após dois anos de atividades na região, a Fábrica de Gênios consolidou o Circuito de audiovisual da Zona Norte, que além do Cinescadão, inspirou iniciativas como o Telão do Futuro e o Audiovisual CineCachoeira.
Reaproximação do hip hop Pelo Cinescadão passaram também dezenas de grupos de rap, o que reforça o local como um circuito alternativo para apresentações musicais, além de renovar o espírito do Hip Hop ao realizar eventos na rua, em contato direto com o público e a população que geralmente tem pouco acesso à cultura e entretenimento de qualidade. Fazendo parte da agenda cultural da cidade o Cinescadão já passa de 100 atividades audiovisuais realizadas no bairro nos últimos três anos, e cumpre seu papel social participando de datas comemorativas como o Dia da Consciência Negra, Dia das Crianças, entre outras datas. O evento audiovisual leva aos moradores filmes que não entram nas programações das salas comerciais da cidade e, nos intervalos, abre espaço para manifestações de Hip Hop, procurando ainda privilegiar a exibição de filmes independentes que tratam dos problemas sociais das regiões mais pobres de São Paulo e do Brasil. Uma oportunidade dos espectadores adquirirem
mais conhecimento, formação cultural, senso crítico e entenderem os principais motivos de estarem inseridos na realidade em que vivem. Nos momentos em que não há projeção, o público pode, ainda, curtir o trabalho de outros artistas, como os de rap e graffiti que se manifestam cotidianamente pela prática de seus representantes. A grande parte do público é infantil, e nosso coletivo tem isso como foco, pois é nessa faixa etária que temos maior impacto como sendo referência e alternativa cultural. Uma curadoria especial é feita especialmente para as crianças onde são escolhidos curtametragens, geralmente documentários e animações.
INICITIVA EDUCACIONAL Outra faceta do projeto é dar aos alunos das oficinas desenvolvidas no Projeto Hip Hop na Medida, e nas oficinas realizadas no NPPE –– Núcleo de Proteção Psicossocial Especial, a chance de atuar em um evento real. No Cinescadão DJ Paulinho, DJ Vandi e Ré colocam em prática os ensinamentos que dão nas aulas de DJs. Os alunos do grafiteiro GO também têm a oportunidade de colocar suas artes nos muros e nas paredes em volta do evento. Os alunos do Cezar e da Shirley, do grupo Cagebe, também apresentam suas músicas no evento – muitos pela primeira vez!
PARA ALÉM DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA O projeto Hip Hop na Medida nasceu em 2009. Propôs realizar oficinas para jovens que cumprem medidas socioeducativas na região da zona norte com intuito de promover cultura, lazer e informação através das artes. Para isso foi feita uma parceria com o NPPE do Jd Peri e lá o grupo desenvolveu aulas de rimas com Cezar Sotaque e Shirley Casa Verde. DJ Paulinho desenvolveu aulas sobre discotecagem e Alexandre De Maio desenvolveu aulas de desenho em quadrinhos. No final do Projeto foi composto um CD com músicas desenvolvidas nas aulas e uma história em quadrinhos feita com a participação dos jovens. A experiência em 2009 serviu para fortalecer a ideia de que precisávamos atuar na base, ou seja, na periferia. E sentimos essa necessidade no sentido de construir um trabalho que envolva a criança e o adolescente antes que ingressem no circuito de institucionalização punitiva do Estado, para cumprir medidas socioeducativas (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços Comunitários). Por isso elaboramos o Projeto Hip Hop na Medida, que foi aprovado pelo Programa de Valorização de Iniciativas Culturais – VAI, e desenvolvido em duas edições, 2009 e 2010. Com o apoio via Secretaria Municipal de Cultura a Associação Fábrica dos Gênios alugou uma garagem no meio da favela e teve uma maior atuação direta na comunidade, em se tratando de formação educacional. No entanto, essa atuação direta em espaços de formação que permitem um aprofundamento de questões do cotidiano dos jovens, e a produção de conhecimento que geram documentos em forma impressa, fonográfica e audiovisual, volta para a gaveta com o fim do apoio cultural do Poder Público, mantendo-se apenas em processo informal em nossas manifestações culturais.
Para entender melhor. O projeto Hip Hop na medida tem o intuito de resgatar a história do Hip Hop dentro da sociedade brasileira, e resgatar as referências de identidade dos nossos jovens que atualmente se perdem em meio à violência endêmica dos guetos urbanos. Neste grupo, o gênero de música conhecido como RAP continua considerado o veículo mais importante para o trabalho de informação e transmissão de conteúdos socioculturais e simbólicos da cultura Hip Hop sem ignorar a comunicação com a população em geral. Em suas oficinas com crianças, adolescentes e jovens o Funk tornouse um subgênero importante e com grande destaque. Nosso objetivo é ter a Arte/Cultura Hip Hop como principal instrumento e movimento de transformação sociocultural. No projeto também desenvolvemos uma cultura audiovisual, levando a reflexão da cultura do crime e do estado punitivo para esse recorte populacional, através de curtametragens realizados no Cinescadão. Também com essa iniciativa tentamos disseminar através das oficinas do projeto conhecimentos sobre o ECA e sobre os Direitos Universais do Homem. Em São Paulo, entre os “Distritos que apresentam os maiores índices de vulnerabilidade social, segundo diferentes indicadores” estão o da Brasilândia e da Cachoeirinha, na região norte . Esses mesmos Distritos, infelizmente, são destaques em outras fontes de dados como o Mapa do Crime da Cidade de São Paulo, onde a Zona Norte ocupa o primeiro lugar no tráfico de drogas do município A partir do conhecimento desses indicadores e convivendo com essa realidade, levantamos a hipótese de se criar um desvio nos trilhos dessa história, propondo um outro caminho para os jovens em conflito com a Lei: o da ocupação criativa dos espaços periféricos e dos serviços que neles atuam. E foi assim que em 2009, na sua primeira edição, membros do projeto acompanharam o trabalho do Núcleo de Proteção Psicossocial
Especial do Jardim Peri no processo de ressocialização de adolescentes e jovens, desenvolvendo oficinas artísticas no local e mediando a reinserção social de alguns deles em suas comunidades de origem por meio de ações culturais integradas. A experiência logrou êxito. A estratégia de apresentar à população "artistas em potencial" (adolescentes e jovens criativos – no lugar da imagem clássica e carregada de antigos estereótipos, que antes os estigmatizava como "delinquentes ou trombadinhas egressos dos reformatórios do Estado e ameaça viva à ordem social ") construiu e reforçou novas relações comunitárias entre todos que vivenciam e participam das intervenções artísticas que realizamos em espaços públicos como o Cinescadão. Mesmo que a ação tenha sido importante dentro do NPPE/Núcleo de Proteção Psicossocial Especial do Jardim Peri, nossa meta não é nem poderia ser a de substituir o dever e a responsabilidade institucional dos NPPE e por isso optamos por ampliar o projeto dentro da comunidade onde estamos radicados de modo a estruturar o trabalho e atender a demanda do Núcleo, sem que tornemo-nos "mão-deobra gratuita" de entidades missionárias do terceiro setor conveniadas com a Prefeitura nessa área de proteção especial. Num primeiro momento, ano de 2009 (Hip Hop na Medida I), buscamos entender como funciona o atendimento socioeducativo e a proteção especial dos direitos da criança e do adolescente; já no segundo momento do nosso projeto (Hip Hop na Medida II) trabalhamos durante o ano de 2010 em busca de uma ação mais preventiva, que ajude a construir referências e estratégias que assegurem o pleno desenvolvimento de nossas crianças em comunidade, sem que tenham sua transição da infância para juventude corrompida pelo crime e alienação dentro de uma sociedade marcada pela institucionalização das desigualdades sociais. Nesses dois anos o financiamento do projeto pelo Programa de Valorização das Iniciativas Culturais do Município de São Paulo/VAI foi extremamente importante para fortalecer a estrutura de trabalho que
permitiu ao grupo proponente do Hip Hop na Medida desenvolver uma metodologia específica de trabalho, com base no estudo dos 5 elementos da Cultura Hip Hop. Hoje, podemos dizer que temos uma ““experiência poético-pedagógica”” que se constrói numa prática de reabilitação de infratores que considera, mas vai além das experiências históricas vivenciadas em "colônias de isolamento" parcial ou integral. Em nossa proposta, a ressocialização se dá dentro das próprias comunidades de origem dos jovens em Conflito com a Lei, onde, ao mesmo tempo que recebemos os jovens que já estão “institucionalizados”, através da Liberdade Assistida ou da Prestação de Serviços Comunitários, também recebemos jovens “envolvidos” ou não no meio infracional, para que recebam informações e orientações socioeducativas dentro da nossa metodologia preventiva. O Hip Hop na Medida tem como objetivo focar a ressocialização como um dos fatores mais importantes da reinserção dos adolescentes e jovens em conflito com a LEI dentro de suas comunidades de origem . Nesse sentido, para nós, o processo de ressocialização se estende e se concretiza para além das relações institucionalizadas entre o NPPE Jardim Peri e Poder Judiciário/DEIJ (Departamento de Execuções da Infância e Juventude), quando os jovens atendidos pelo NPPE e engajados no projeto passam a atuar permanentemente em nosso Coletivo como atores sociais e protagonistas de uma história que acabam por compreender criticamente o roteiro: a história de suas próprias vidas refletida na de tantas outras vidas de jovens que passam pelas mesmas experiências e dificuldades por eles enfrentadas na comunidade onde vivem. Continuamos o trabalho dentro da própria comunidade. Este trabalho terá forte teor preventivo. No entanto, para que a continuidade desse “programa de ação cultural” continue a produzir mudanças e consciência crítica a partir das formações que oferecemos com a Cultura Hip Hop e audiovisual, os financiamentos culturais tornam-se indispensáveis para o grupo de educadores que trabalham em zonas de conflitos – como são conhecidos sociologicamente bairros pobres da cidade “tomados pelo crime
'Há quantos milênios ela existe! Que nomes, que ideias brilhantes: Pestalozzi, Rousseau, Natorp, Blonsky! Quantos livros, quantos papeis, quanta glória! E ao mesmo tempo, um vácuo, não existe nada, é impossível haverse com um só desordeiro, não há nem método, nem instrumental, nem lógica, simplesmente não existe nada! Tudo enorme charlatanice." (Makarenko, p. 127 – Poema Pedagógico)
organizado”. O projeto Hip Hop na Medida ajuda a ampliar as ações culturais nos nossos bairros de maneira que crianças, jovens e adultos participem da criação de espaços de relacionamento e proteção mútua de direitos. Assim, proporciona aos jovens em conflito com a Lei retorno às suas comunidades com acolhimento seguro, diálogo com companheiros já "ressocializados" e, principalmente, o encontro com um espaço para expressão e comunicação de seus sentimentos e ideias. Fazendo parte de um grupo cultural que luta pelos Direitos Humanos e que participa de uma rede de ações locais que ressignificam os espaços de convívio entre as pessoas de uma vizinhança, de forma criativa e consciente, adolescentes e jovens terão a oportunidade de receber conhecimentos emancipatórios que os ajudem a refletir e entender a realidade onde vivem, antes que tenham a "oportunidade" de ingressar no meio infracional; enquanto aqueles que já estão em conflito com a LEI participarão de um trabalho de sociabilidade criado como alternativa cultural aos métodos institucionalizados de ressocialização e reinserção social oferecidos a esses adolescentes e jovens Também com essa iniciativa tentamos disseminar através das oficinas do projeto conhecimentos sobre o ECA e sobre os Direitos Universais do Homem.
Hip Hop na Medida e a composição desigual das artes. O texto que segue está dividido em duas partes e foi inspirado no trabalho de formação artística realizado pela Associação Cultural Fábrica de Gênios com o projeto Hip Hop na Medida, na sua edição 2010. No projeto, o grupo de rap CA.GE.BE e o funk do Bonde do Nego Tom, embalados pelos DJs Paulinho e Vandi, cuidam da formação musical dos participantes, enquanto o quadrinista Alexandre de Maio desenha o quadro das relações que vão se construindo com o trabalho. No final de
todo o processo, sempre realizamos um filme a fim de registrar essa história em vídeos que consigam preservar e comunicar conteúdos da nossa proposta de comunicação. Neste texto, em sua primeira parte, trataremos das formas poéticas e de suas relações literárias com a música em diferentes épocas. E na segunda parte comentaremos as relações do vídeo no trabalho com os músicos e MCs, a partir das incursões de Nego Tom no mundo da arte contemporânea em diferentes espaços da cidade.
Das origens O estatuto da Arte produz há séculos opiniões sobre o que é ou não é Arte, e sobre o fazer artístico. Durante o mundo antigo, período da arte chamada clássica, houve um momento em que as formas eram dadas aos artistas como modelos que disputavam narrativas dentro de um mesmo gênero literário – e é por isso que existiram na Grécia os torneios entre os cantores (aedos) dos "poemas épicos/históricos" de Homero, que chegavam a ficar dias narrando e improvisando versões de uma mesma história: a guerra de Tróia, por exemplo. Outros gêneros famosos e "vivos" desde então são a Tragédia e a Comédia – um feito para fazer a platéia chorar e o outro para fazer rir. Também existiam os poetas líricos e elegíacos, que em suas composições versavam sobre o erótico, o amor e a morte. Mas conhecer e pensar sobre essa discussão e construção de "métodos" ou modelos de composição artística não significa que a Arte tenha nascido de uma "fôrma de bolo", ou seja, antes e mesmo durante a formação dos genêros artísticos a criação espontânea predominou entre as camadas populares garantindo a transmissão oral de conhecimentos tradicionais e de formas culturais anteriores ao modelo de sociedade que se pautou na escrita para transmitir e pensar as artes através do texto. E foi assim em outros tempos e culturas. Na Idade Média, por exemplo, surgem os trovadores galego-portugueses com suas canções líricas e satíricas. Esse novo gênero, formado nas bases da Lírica (poesia cantada e acompanhada por música), por sua vez, se desenvolve com influências das artes que o antecederam, e torna-se influência para muitas outras culturas estrangeiras, como a brasileira, através da entrada principalmente de portugueses pelo nordeste do país, como veremos a seguir. Já as relações da música com as letras desde o mundo antigo são uma curiosidade
praticamente impossível de se conhecer exceto pelo que lemos em raros escritos e registros de algumas partituras preservadas ao longo dos séculos, ou no que se reproduz com a recuperação/réplica e estudo de instrumentos musicais dessa época em pesquisas acadêmicas. No Brasil, as origens de uma composição poética ou artística "nacional" se deu em meio ao conflito cultural de diversas identidades e costumes, após a invasão armada de povos europeus vindos da Espanha, Holanda, França e Portugal ao longo da formação do país desde os anos 1500. Praticamente desconhecemos ou mesmo estranhamos as referências musicais e linguísticas que temos de nossos antecedentes e antepassados indígenas. Isso porque as muitas tribos que primeiro habitaram essas terras foram exterminadas quando resistiram e lutaram contra a cultura civilizatória e opressora dos europeus. Ainda hoje tribos remanescentes, como os Kariri, Pankararu e Tupinambá, por exemplo, lutam para garantir a existência de sua cultura dentro do território brasileiro, enfrentando com muita coragem guerreira e formação jurídica (dada as poucas condições bélicas), forças armadas, grileiros de terras e corporações nacionais e estrangeiras. Assim, influências das artes clássicas e modernas "invadiram" o imaginário social brasileiro, mas nem sempre alcançando as camadas populares. O povo brasileiro, como era de se esperar após a resistência indígena à formação de uma sociedade portuguesa escravagista fundada na exploração e no tráfico de seres humanos, preservou e preserva mais suas raízes culturais e rítmicas africanas. E são essas raízes, mais perceptíveis num caso e menos noutro, que sobrevivem e sobressaem às européias em gêneros como o samba, a embolada/repente, o rap e agora o Funk – estilos musicais que carregam uma forma de composição oral. E a oralidade, pode-se dizer, é a "alma" da cultura popular, onde os "mestres de cerimônia" ou poetas buscam in-formação para versar sob regras memorizadas dentro de uma tradição e abertas ao improviso através das gerações no tempo. O conflito da "identidade nacional romântica", por exemplo, só foi superado com o Modernismo, principalmente porque esse movimento exaltou ao invés do "herói" das artes clássicas, o povo brasileiro e suas manifestações populares.
Com a revisão do estatuto das artes aplicada pelos modernistas, abre-se espaço para outras experiências de criação livre no campo artístico, fazendo brotar o que conhecemos hoje como arte contemporânea. Aqui, passado, presente e futuro convivem num mundo de alumbramento artístico, ou seja, inspirado de forma sobrenatural. Das senzalas do Brasil imperial aos Quilombos urbanos da República, aproveitando a evidência de que neste país não se toca em arte sem esbarrar em matéria política, aqui iniciamos uma reflexão simples, mas que percorrerá caminhos da arte [contemporânea] por entre becos de favelas com construções improvisadas cruzando com pavilhões da 29° Bienal montada sobre a arquitetura de Oscar Niemeyer, em busca das origens das desigualdades que pairam no imaginário cultural brasileiro, numa relação entre arte e sociedade. E a Bienal de Artes de São Paulo é aqui citada por ser o palco onde se apresentam atores sociais que disputam o espaço das artes na cidade; onde os pichadores que antes a invadiram para deixar suas marcas agora são convidados para "expor" entre nomes renomados; onde a "entrada franca" promove encontros inusitados como o do Mc Nego Tom com o garçom do Café da Fundação Bienal – situação que trouxe à tona uma série de contradições e que vai ser explicada como emenda à outra que "originou" esse texto: a obra A Origem do Terceiro Mundo, de Henrique Oliveira.
Crônica das desigualdades no terceiro mundo:
Se antes nosso texto apresentava uma "cara" mais teórica, percebam a sua mudança para o universo crônico da perambulação urbana. Nego Tom, nosso poeta mc, não conhece Homero; mas a viagem que fez de busão, da Favela dos Sem Terra/Jardim Peri Alto até o Parque do Ibirapuera, cantando durante toda a travessia suas trajetórias, peripécias e quiproquós, revelou uma riqueza de situações digna das epopeias. Algumas das narrativas de Nego Tom sobre personagens que saem das favelas e que erram pela cidade tentanto voltar para casa, enquanto enfrentam dificuldades colocadas pela miséria, pela fúria não dos deuses mas dos homens públicos (governantes), pela sedução econômica do crime e por "monstros totalitários" em forma de instituições prisionais, são capazes de emocionar e estimular nossa imaginação tanto quanto as interpolações de Ulisses na sua Odisseia, afinal, "Há sempre um copo de mar para um homem navegar"... segundo a "oferta" dessa Bienal. Mas foi justamente num copo d'água que naufragou a política da Bienal das Artes em nossa visita! Na ocasião, havíamos chegado ao prédio de exposições em busca da obra A origem do terceiro mundo para gravarmos uma videoperformance de Nego Tom, depois de termos nos interessado pelo trabalho artístico devido à abertura que dava para assuntos sobre Arte e História, em discussões que fazíamos dentro de encontros do projeto que realizamos juntos na Zona Norte, intitulado Hip Hop na Medida.
Assim como toda a primeira parte desse texto recupera resumidamente questões e temas que foram assunto de alguns encontros para formação de Nego Tom e o Bonde, o resumo das ideias também serve para contextualizar nossa intervenção na obra de Henrique Oliveira. E A origem do terceiro mundo foi estudada como elemento significante para o vídeo que realizávamos. Filmar, portanto, representa neste momento uma das fases práticas do nosso trabalho que, embora utilize a escrita para um de nossos veículos de informação (este jornal), privilegia a oralidade que se manifesta em forma de canto e vídeo, como formas de comunicação audiovisual dos conteúdos que estamos tratando em nossas formações. Foi então, num dos intervalos que fizemos entre as filmagens na obra de Henrique Oliveira, que fomos ao Café da Bienal para comprar algo pra comer, No balcão, Nego Tom pediu um copo d'água ao garçom, que orientouo a retirar uma ficha no caixa antes. Tom explicou que pedia um copo d'água direto da torneira, porque não tinha dinheiro. Então, recebeu a resposta de que "ali se comercializava tudo, e que não tinham autorização para fornecer água gratuitamente para ninguém".
A grana que eu tinha estava contada pra comida. Ficamos num impasse e houve um instante de silêncio, mas que durou pouco! Insistimos com argumentos de "que não se nega água a ninguém", que "tratava-se de um bem comum e que negá-lo era crime!". E o garçom, que desde o início da situação toda mostravase constrangido por agir forçado pelas regras do comércio em que trabalhava, decidiu levar o caso a um de seus superiores da cozinha. Após alguns minutos de conversa e muitos olhares de espanto para nós, o trabalhador foi autorizado a fornecer um copo d'água para Tom. "Chegados nunca chegamos" – e "bebemos" da arte ali exposta gratuitamente, conscientes de que para navegarmos mesmo só de busão (nau mecânica que desliza pelo mar de pixe da cidade), já que naquela "ilha" onde um copo d'água tem preço, é duvidoso que exista "sempre um copo de mar para um homem navegar". A composição das obras nos pavilhões da Bienal montam um discurso que só amplia as contradições do terceiro mundo
enquanto símbolo da concentração de riqueza – material e simbólica. Por isso a obra A origem do terceiro mundo é tão significativa naquele espaço, enquanto metáfora de um país concebido no ventre de uma sociedade que continua se relacionando e gestando a aberração da desigualdade, seja no corpo da arte ou da política. E assim, mesmo com todas as dificuldades, cumprimos mais uma etapa da formação do MC Nego Tom no mundo das Artes, enquanto o corpo de mais um filme se desenvolve no ventre do terceiro mundo. Em 2011 vamos montar o filme e quem quiser uma cópia pra curtir melhor a representação dessa história, entre em contato com o bonde da Fábrica de Gênios!
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