Curso de Agricutura Natural - Módulo 2

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Curso de

AGRICULTURA NATURAL

Alexandre Bertoldo da Silva Juliana da Silva Ribeiro de Castro Adriana Tamie Otutumi

MÓDULO 2

Manejo agroecológico do solo


NOTA Esta não é uma obra de ficção. Seu conteúdo é baseado nas experiências individuais e coletivas dos autores, acumuladas ao longos dos anos com a prática da Agricultura Natural, principalmente em alguns países do continente africano como Moçambique, Angola e África do Sul. Representa, portanto, as vivências do dia a dia do trabalho com a terra, com os animais e com as pessoas, buscando sempre a harmonia com o mundo natural. Esta é uma obra que se destina a contribuir para a universalização do conhecimento e aprendizagem da Agricultura Natural. Sendo assim, os autores autorizam sua divulgação, distribuição e reprodução, parcial ou total, desde que tais ações sejam feitas exclusivamente sem fins comerciais e ainda que seja citada a fonte. As opiniões e impressões apresentadas no presente trabalho são de inteira responsabilidade dos autores, não representando necessariamente a opinião ou posicionamento da AFRICARTE ou de qualquer outra instituição que a apoie ou patrocine. Eventuais contatos com os autores poderão ser feitos através dos endereços eletrônicos abaixo:

CONTEÚDO 1. Noções de ecologia e meio ambiente 3 2. Biodiversidade

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3. Redes e interações agroecológicas 24 4. Manejo agroflorestal

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5. Planejando a produção e preparando o solo 50 6. Compostagem

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7. Produção de mudas

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8. Plantio e transplantio 88 9. Tratos culturais

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Alexandre Bertoldo da Silva alexandre.bertoldo.silva@gmail.com

Juliana da Silva Ribeiro de Castro julirib81@yahoo.com

Adriana Tamie Otutumi adriotutumi@gmail.com

10. Irrigação e gestão da água 96 11. Bibliografia sugerida 111


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1. Noções de ecologia e meio ambiente Ecologia, no sentido clássico, é a ciência que estuda as interações entre os organismos e seu ambiente, ou seja, é o estudo científico da distribuição e abundância dos seres vivos e das interações que determinam a sua distribuição. As interações podem ser entre seres vivos e/ou com o meio ambiente, e a compreensão desse ponto será fundamental para compreendermos os mecanismos envolvidos num manejo agroecológico do solo, típico do trabalho com a Agricultura Natural. A palavra ecologia tem origem no grego “oikos”, que significa casa, e “logos”, que significa estudo. Logo, por extensão seria o estudo da casa, ou, de forma genérica, o lugar onde se vive. Na compreensão de seu primeiro formulador, Ernst Haeckel (18341919), discípulo de Darwin, a ecologia é o estudo do inter-relacionamento que todos os sistemas vivos e não vivos têm entre si e com o seu respectivo meio ambiente. Não se trata de estudar o meio ambiente ou os seres bióticos (vivos) ou abióticos (inertes) em si mesmos, mas a interação e a interdependência entre eles. Isso é o que forma o meio ambiente, expressão cunhada em 1800 pelo dinamarquês Jens Baggesen (1764-1826) e introduzida no discurso biológico por Jakob von Uexkull (1864-1944). Na visão apresentada por Leonardo Boff, o que se visa não é o meio ambiente mas o ambiente inteiro. Um ser vivo não pode ser visto isoladamente como um mero representante de sua espécie, mas deve ser visto e analisado sempre dentro de seu ecossistema, em relação ao conjunto das condições vitais que o constituem e no equilíbrio com todos os demais representantes da comunidade dos viventes. Por essa ótica, podemos considerar a ecologia como um saber das relações, interconexões, interdependências e intercâmbios de tudo com tudo em todos os momentos. Nessa perspectiva, a ecologia não pode ser definida em si mesma, como normalmente o fazem os estudos tradicionais sobre o assunto, ou seja, fora de suas implicações com outros saberes. Ela não é um saber de objetos de conhecimento, mas um saber de relações entre os vários objetos de conhecimento. Ela é um saber de saberes, relacionados entre si. Quando nos propomos a praticar uma agricultura concorde com as leis naturais, como é o caso da Agricultura Natural, implicitamente estamos dizendo

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que precisamos estar atentos à ecologia, na sua mais profunda e máxima expressão. Para tanto, será muito interessante que consigamos ultrapassar o conceito convencional de ecologia como meramente uma técnica de gerenciamento de recursos escassos. Nas últimas décadas, muitos pensadores e cientistas, voltados para uma expressão mais humanizada da própria ciência, têm desenvolvido várias vertentes da ecologia. Passemos a citar, a título de exemplo, algumas dessas vertentes.

Ecologia ambiental: a comunidade da vida Podemos partir da seguinte constatação: todos moramos juntos na Casa Comum, que é o nosso planeta Terra. E quando falamos de todos, não nos referimos apenas aos seres humanos, mas também a todo o conjunto de seres, bióticos e abióticos. Isso quer dizer que todos dependemos, a uma dada escala, do mesmo ambiente inteiro. Isso leva-nos à conclusão de que tudo está conectado. Numa machamba da Agricultura Natural procuramos promover o cultivo simultâneo de dezenas de espécies vegetais, incluindo ai não só as culturas alimentícias, mas também as espécies nativas (ervas espontâneas), florestais (árvores frutíferas, madeireiras e de sombra), e também de flores. O resultado é um verdadeiro jardim produtivo, onde cada elemento possui intrincadas relações com os outros e com toda a machamba. Além disso, sempre procuramos criar as condições ideais para que a fauna, além da micro e mesofauna, possa se estabelecer no local, potencializando ainda mais as trocas e as conexões de todo o sistema. Para entendermos a importância da ecologia ambiental, tal como a exemplificamos acima com a nossa machamba, precisamos em primeiro lugar superar a visão reducionista de meio ambiente e, em segundo lugar, ganharmos um olhar mais integrador do planeta Terra, que é formado por muitos tipos de meio ambientes, também chamados de ecossistemas ou biomas, ou ainda a comunidade de vida.

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Meio ambiente não é algo que está fora de nós e que não nos diz respeito diretamente. Nós pertencemos ao meio ambiente, pois nos alimentamos com os produtos da natureza, respiramos ar, bebemos água, que constitui grande parte de nosso organismo, etc. Basta ocorrer uma mudança de clima ou haver excesso de poluentes no ar ou pesticidas nos alimentos para sentir-nos afetados


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em nossa saúde. Estamos dentro do meio ambiente e formamos com os demais seres a comunidade terrena ou o ambiente inteiro.

Ecologia política e social: modo de vida sustentável Os seres humanos e também as distintas sociedades são momentos do imenso processo evolutivo e devem ser incluídas no todo maior. Por si mesma, a natureza nunca iria construir artefatos tecnológicos. Mas o faz por meio do ser humano que é parte e parcela de sua realidade. Por isso devem ser considerados no conceito de natureza criadora, pois seus materiais foram retirados das virtualidades da natureza (BOFF, 2010). Esse tipo de ecologia analisa as formas como cada sociedade se relaciona com a natureza, como utiliza os recursos e serviços naturais, como é o seu modo de produção e seus padrões de consumo, sob que forma os cidadãos participam ou não dos benefícios naturais e culturais, como trata os resíduos, que faz para dar descanso à Terra e como garante a regeneração dos recursos escassos para assegurar o futuro para si e para as gerações que virão depois da nossa. Constatamos que há muitos tipos de sociedade, com suas instituições e normas que organizam de forma diferente os relacionamentos com a natureza. Em algumas, especialmente os povos originários, os indígenas, vigora uma profunda comunhão com a natureza e um cuidado natural para com os ecossistemas. Disso resulta uma grande harmonia entre ser humano e meio ambiente. Há outras que quebram essa harmonia. Em geral, por onde passa, o homem, principalmente o moderno, deixa um rastro de irresponsabilidade e falta de cuidado.

Ecologia mental: novas mentes e novos corações Tão importante quanto a ecologia ambiental, social e política é a ecologia mental. Ela se ocupa da mente e do que ocorre dentro dela. Também considera o tipo de imaginário existente, os valores e as visões de mundo que as sociedades projetaram. Muito de nossa agressividade para com o sistema-Terra, o mau uso dos recursos naturais e o descuido com os resíduos têm sua origem nos conceitos e preconceitos incrustados na mente humana e consagrados no imaginário social e que são difíceis de desmontar.

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Dentre as várias vertentes da ecologia, talvez a ecologia mental seja a mais difícil de ser realizada porque as estruturas mentais e o nosso modo convencional de ver as coisas perduram por gerações, dificultando enormemente as mudanças necessárias. É conhecida a frase de Einstein: é mais fácil desintegrar um átomo do que desmontar um preconceito. Verificamos duas características principais de nosso tempo. A primeira é a crescente consciência de que podemos estar rumo à destruição da Terra e ao desaparecimento da espécie humana. E a segunda é o surgimento de um vigoroso despertar de um relacionamento benevolente para com a Terra, para com os ecossistemas e para com os demais seres humanos, como forma de salvar nossa Casa Comum e garantir a nossa sobrevivência. Para isso se exige, segundo a Carta da Terra, uma mudança na mente e no coração, no sentido de um novo sentimento de interdependência global e de responsabilidade universal. Ao mudarmos nossa mente e nosso coração, estamos criando as bases para a construção de uma sociedade humana na qual o uso racional dos recursos, o cuidado com os resíduos e a preservação do meio ambiente estejam em sintonia fina num equilíbrio saudável com a consciência coletiva da população.

Ecologia integral: pertencemos ao universo A ecologia integral procura ir além da ecologia ambiental, sociopolítica e mental. Ela se dá conta de que a Terra não é tudo. Ela está inserida e é parte de um grandioso processo evolutivo que começou a 13,7 bilhões de anos atrás quando ocorreu aquela incomensurável explosão chamada de Big Bang. Por um momento, estávamos todos juntos lá naquele ponto ínfimo em tamanho, mas cheio de energia e interações. Com a explosão começou o processo de expansão/evolução/criação. Todos os seres do universo são feitos com os mesmos “tijolinhos”, forjados nas estrelas ancestrais que desapareceram, com os quais nós também somos construídos. Constituímos, pois, uma imensa comunidade cósmica. A ecologia integral procura entender a Terra, as energias cósmicas que nos alimentam e sustentam dentro do imenso processo de evolução que ainda está em curso. 6


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Carta da Terra www.cartadaterrabrasil.org A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século 21, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. Busca inspirar todos os povos a um novo sentido de interdependência global e responsabilidade compartilhada voltado para o bem-estar de toda a família humana, da grande comunidade da vida e das futuras gerações. É uma visão de esperança e um chamado à ação. A Carta da Terra se preocupa com a transição para maneiras sustentáveis de vida e desenvolvimento humano sustentável. Entretanto, a Carta da Terra reconhece que os objetivos de proteção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico equitativo, respeito aos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes e indivisíveis. Consequentemente oferece um novo marco, inclusivo e integralmente ético para guiar a transição para um futuro sustentável. A Carta da Terra é resultado de uma década de diálogo intercultural, em torno de objetivos comuns e valores compartilhados. O projeto da Carta da Terra começou como uma iniciativa das Nações Unidas (ONU), mas se desenvolveu e finalizou como uma iniciativa global da sociedade civil. Em 2000 a Comissão da Carta da Terra, uma entidade internacional independente, concluiu e divulgou o documento como a carta dos povos. A redação da Carta da Terra envolveu o mais inclusivo e participativo processo associado à criação de uma declaração internacional. Esse processo é a fonte básica de sua legitimidade como um marco de guia ético. A legitimidade do documento foi fortalecida pela adesão de mais de 4.500 organizações, incluindo vários organismos governamentais e organizações internacionais.

LEITURA COMPLEMENTAR O texto da CARTA DA TERRA PREÂMBULO Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida 7


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que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações.

TERRA, NOSSO LAR A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, é viva como uma comunidade de vida incomparável. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade de vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

A SITUAÇÃO GLOBAL Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e a diferença entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causas de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão 8


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ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

DESAFIOS FUTUROS A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais em nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem supridas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções inclusivas.

RESPONSABILIDADE UNIVERSAL Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo, bem como com nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza. Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, interdependentes, visando a um modo de vida sustentável como padrão comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais será dirigida e avaliada. 9


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PRINCÍPIOS I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DE VIDA 1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade. a. Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos. b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.

2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor. a. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais, vem o dever de prevenir os danos ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas. b. Assumir que, com o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder, vem a maior responsabilidade de promover o bem comum.

3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas. a. Assegurar que as comunidades em todos os níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a cada pessoa a oportunidade de realizar seu pleno potencial. b. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a obtenção de uma condição de vida significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.

4. Assegurar a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações. 10

a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada


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pelas necessidades das gerações futuras. b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra a longo prazo.

II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA 5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial atenção à diversidade biológica e aos processos naturais que sustentam a vida. a. Adotar, em todos os níveis, planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável que façam com que a conservação e a reabilitação ambiental sejam parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento. b. Estabelecer e proteger reservas naturais e da biosfera viáveis, incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural. c. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçados. d. Controlar e erradicar organismos não nativos ou modificados geneticamente que causem dano às espécies nativas e ao meio ambiente e impedir a introdução desses organismos prejudiciais. e. Administrar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de forma que não excedam às taxas de regeneração e que protejam a saúde dos ecossistemas. f. Administrar a extração e o uso de recursos não renováveis, como minerais e combustíveis fósseis de forma que minimizem o esgotamento e não causem dano ambiental grave.

6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.

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a. Agir para evitar a possibilidade de danos ambientais sérios ou irreversíveis, mesmo quando o conhecimento científico for incompleto ou não conclusivo. b. Impor o ônus da prova naqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que as partes interessadas sejam responsabilizadas pelo dano ambiental. c. Assegurar que as tomadas de decisão considerem as consequências cumulativas, a longo prazo, indiretas, de longo alcance e globais das atividades humanas. d. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas. e. Evitar atividades militares que causem dano ao meio ambiente.

7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bemestar comunitário. a. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos. b. Atuar com moderação e eficiência no uso de energia e contar cada vez mais com fontes energéticas renováveis, como a energia solar e do vento. c. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência equitativa de tecnologias ambientais seguras. d. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam às mais altas normas sociais e ambientais. e. Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável. f. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito. 12


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8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover o intercâmbio aberto e aplicação ampla do conhecimento adquirido. a. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento. b. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção ambiental e o bem-estar humano. c. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo informação genética, permaneçam disponíveis ao domínio público.

III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA 9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental. a. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, alocando os recursos nacionais e internacionais demandados. b. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma condição de vida sustentável e proporcionar seguro social e segurança coletiva aos que não são capazes de se manter por conta própria. c. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem e habilitá-los a desenvolverem suas capacidades e alcançarem suas aspirações.

10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma equitativa e sustentável. a. Promover a distribuição equitativa da riqueza dentro das e entre as nações.

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b. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e liberá-las de dívidas internacionais onerosas. c. Assegurar que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas. d. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas consequências de suas atividades.

11. Afirmar a igualdade e a equidade dos gêneros como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência de saúde e às oportunidades econômicas. a. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas. b. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias. c. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e o carinho de todos os membros da família.

12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, com especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias. a. Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social. b. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas com condições de vida sustentáveis. 14

c. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a


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cumprir seu papel essencial na criação de sociedades sustentáveis. d. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual.

IV. DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ 13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e prover transparência e responsabilização no exercício do governo, participação inclusiva na tomada de decisões e acesso à justiça. a. Defender o direito de todas as pessoas receberem informação clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que possam afetá-las ou nos quais tenham interesse. b. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os indivíduos e organizações interessados na tomada de decisões. c. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de reunião pacífica, de associação e de oposição. d. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos judiciais administrativos e independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais danos. e. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas. f. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas mais efetivamente.

14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável. a. Prover a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.

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b. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na educação para sustentabilidade. c. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no aumento da conscientização sobre os desafios ecológicos e sociais. d. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma condição de vida sustentável.

15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração. a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimento. b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável. c. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas.

16. Promover uma cultura de tolerância, não violência e paz. a. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações. b. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de problemas para administrar e resolver conflitos ambientais e outras disputas. c. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até o nível de uma postura defensiva não provocativa e converter os recursos militares para propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica. d. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa. e. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico ajude a proteção ambiental e a paz.

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f. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.


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2. Biodiversidade Um dos pontos fundamentais para realmente compreender e praticar a Agricultura Natural, sendo ela um método que segue as Leis Naturais, como nos ensina Mokiti Okada, é estarmos atentos para a biodiversidade de nossos campos agrícolas. Observe novamente uma mata ou pequena floresta e perceberá a grande quantidade de espécies vegetais e animais que coexistem naquele local. A natureza é composta, como já dissemos, de redes de interações, onde o fluxo de energia entre cada um dos seus componentes é dinâmico. Mas para isso, é necessária a presença de um grande número de espécies. Vamos ver como a biodiversidade afeta diretamente o que comemos. Biodiversidade é uma palavra recente. Foi usada pela primeira vez em 1986, em Washington, pelo entomólogo Edward O. Wilson (1929-). O conceito envolve a natureza, a própria vida e a diversidade da vida em vários níveis – do menor e mais básico (como genes e bactérias), passando pelas espécies animais e vegetais, até os níveis mais complexos (ecossistemas). Todos esses níveis se intercruzam, afetando-se mutuamente e evoluindo. Para se ter uma ideia da importância da biodiversidade para os ecossistemas, pesquisadores da Universidade de Stanford compararam as espécies e as variedades dos ecossistemas aos rebites que mantêm unidas as peças de um avião. Se um único rebite for eliminado, por algum tempo nada acontece e o avião continua funcionando. Mas, aos poucos, a estrutura enfraquece e, em certo ponto, bastará tirar outro único rebite que o avião cairá (EHRLICH, 1981). A biodiversidade pode ser comparada a uma espécie de apólice de seguros, permitindo que plantas e animais se adaptem às mudanças climáticas, ataques de parasitas e doenças ou outros imprevistos. Um sistema biologicamente variado possui anticorpos que lhe permitem reagir contra organismos perigosos e restabelecer o seu equilíbrio. Um sistema baseado em um número limitado de variedades, por outro lado, é muito frágil. Para termos uma ideia do quanto a biodiversidade é importante nos sistemas agrícolas, vamos citar o que aconteceu na Irlanda em meados do século XIX. Na ocasião ocorreu a Grande Fome, como foi chamada a catástrofe social ocorrida pela destruição das safras de batata daquele país. Em 1845

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um fungo atacou a lavoura irlandesa de batata, destruindo por anos as safras inteiras desse tubérculo e causando a morte ou a emigração de um milhão e meio de pessoas para os Estados Unidos. Naquela altura, na Irlanda, cultivavase uma única variedade da batata, tornando-a mais vulnerável ao ataque de vírus e fungos. Com isso, todo o ecossistema ficou frágil e vulnerável, e a história registrou uma das maiores crises de alimentos registradas na Europa. Posteriormente, o problema foi contornado com a introdução de diversas outras variedades de batatas cultivadas nos Andes, na América do Sul, sua região de origem. Os povos que existem nessa região, especialmente no Vale dos Incas no Peru, cultivam milhares de variedades de batatas desde épocas antigas e talvez por isso seja tão raro encontrar relatos de perdas de safras de batatas, como aconteceu na Irlanda do século XIX, nessa região. Como nos mostram os registros paleontológicos, na história do nosso planeta, tudo tem uma origem e um fim, e muitas espécies se extinguiram em todas as épocas. Mas nunca aconteceu na velocidade assustadora dos últimos anos, mil vezes superior a épocas passadas, segundo alguns estudiosos. Em 100 anos, mais de 250.000 variedades de plantas se extinguiram e, segundo as previsões de Wilson, continuarão a desaparecer num ritmo de três espécies por hora (algo em torno de 27.000 por ano!) (WILSON, 1992). Durante o verão de 2012, depois de um estudo de muitos anos, a prestigiada Universidade de Exeter declarou que a Terra está atravessando a sexta grande extinção em massa (a quinta ocorreu a 65 milhões de anos, onde desapareceram os dinossauros).

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Num recente comunicado, a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) alertou que o mundo vive um processo de extinção de um número sem precedentes de alimentos. Em seu primeiro levantamento em mais de dez anos sobre biodiversidade no campo agrícola, a FAO afirmou que os governos devem criar estruturas para preservar essas espécies. Pelo levantamento feito, há 100 anos o número de espécies vegetais usadas na alimentação humana era de 10.000 e hoje esse número é de 170. Das cerca de trinta mil espécies de plantas terrestres comestíveis que ainda se conhecem no mundo, apenas 30 culturas são responsáveis por 95% das necessidades de energia para a produção da alimentação humana – com arroz, trigo, milho, painço e sorgo representando 60% dessas necessidades. (FAO, disponível em http://www.onu.org.br/fao-preservar-variedade-genetica-dos-alimentos-efundamental-para-combater-fome-e-desnutricao/).


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A mecanização não favorece a diversidade A agricultura industrial, por sua natureza, precisa de uniformidade e alta produtividade (produzir cada vez mais por menor espaço de terra possível), isto é, de monoculturas. A partir dos anos 50, a produção agrícola começou a depender, cada vez mais, de um pequeno número de espécies e variedades, selecionadas para responder às necessidades do mercado global, sem considerar os vínculos com o território, mas capazes de serem produzidas no maior número possível de ambientes e climas, com uma boa resistência a manuseio e transporte, e com um sabor uniforme e padronizado. Por exemplo, das milhares variedades de maçãs selecionadas por agricultores, apenas quatro variedades comerciais representam 90% do mercado global. Do ponto de vista da Agricultura Natural, a variedade biológica de espécies de vegetais e animais representa um grande potencial para o futuro dos nossos campos agrícolas. Mokiti Okada nos ensina que devemos observar com muita atenção os alimentos que nascem naturalmente em uma determinada região, quando diz que “apesar de existir algumas diferenças, dependendo do clima e das características da região, todos os alimentos são produzidos de maneira adequada às pessoas aí nascidas” e ainda “está de acordo com as Leis da Natureza o homem alimentar-se de produtos da safra e da terra em que nasceu e cresceu”. As variedades definidas como autóctones ou locais são o resultado de uma seleção (natural ou auxiliada pelo homem) em áreas específicas. Todas estas variedades caracterizamse por uma boa adaptação às condições ambientais da própria região e têm, normalmente, menor necessidade de recursos externos, como água, fertilizantes ou pesticidas. São mais rústicas do que a maioria das variedades “padrão” e mais resistentes ao stress ambiental. A sua capacidade de obter melhores resultados em suas regiões de origem (como desertos, cerrados ou montanhas) representa um importante recurso agrícola e uma ferramenta fundamental para a soberania alimentar. Não é por acaso que estas variedades têm um forte vínculo com a cultura das comunidades locais (hábitos, receitas, conhecimentos, dialetos, etc.).

Algumas definições úteis Como forma de auxiliar a compreensão do que virá a seguir no nosso curso e também para ajudar a sedimentar as informações até aqui expostas, vamos mostrar rapidamente algumas definições de termos importantes. 19


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Ecossistema Um ecossistema é um conjunto de organismos vegetais e animais, incluindo o homem, interagindo entre si e com o ambiente que os rodeia. Os ecossistemas incluem, por exemplo, lagoas, rios, florestas, cerrados e savanas. Cada ecossistema procura manter o seu equilíbrio. Se esse equilíbrio for perturbado, o ecossistema tentará a todo custo restaurá-lo, mesmo que isso traga algum prejuízo para o homem, num determinado momento. Por exemplo, quando abrimos campos para agricultura intensiva, retirando do local a vegetação nativa aí existente, logo percebemos a natureza agindo de forma a tentar reestabelecer o equilíbrio original com o aparecimento quase imediato de “ervas invasoras” (o irônico é que do ponto de vista do ecossistema original, invasoras são as culturas introduzidas pelo homem). Nesse ponto o ser humano terá dois caminhos a seguir: ou trabalha contra ou com a natureza. Mas isso vamos discutir posteriormente.

Seminatural Um ambiente seminatural tem características semelhantes a um ambiente natural, como a composição de espécies e processos biológicos, mas que depende da intervenção humana (como corte ou poda) para que se mantenha neste estado. Por exemplo, as machambas da Agricultura Natural em Moçambique constituem uma grande variedade de espécies vegetais cultivadas e espontâneas, além de normalmente muitas variedades de pássaros e insetos que coabitam e cooperam entre si no restabelecimento do equilíbrio original, desta vez com a presença do homem agricultor.

Espécies

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Uma espécie é um conjunto de organismos que podem intercruzar e produzir descendentes. Cada espécie é geneticamente diferente das outras e bem reconhecível, graças a características morfológicas específicas (forma e cor das flores, frutos, folhas, no caso de plantas; ovo, penas, chifres, pelo, etc., no caso de animais). Ao longo dos séculos, os indivíduos de uma espécie diferenciaram-se para se adaptarem aos diversos ambientes. Por exemplo, o gado das regiões mais agrestes desenvolveu patas mais curtas e robustas,


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pelo mais espesso e são relativamente menores para pastar em terrenos mais hostis. As plantas dos climas mais áridos desenvolveram a capacidade de dar frutos com escassez de água e assim por diante. Além do nome comum, cada planta e cada animal possui um nome científico. O botânico sueco do século XVIII, Carl Linnaeus (1707-1778), propôs o método utilizado ainda hoje para identificar organismos. Para simplificar e evitar confusão, Linnaeus sugeriu que fossem atribuídos dois nomes a cada espécie: dois termos latinos, o primeiro com inicial maiúscula, indicando o gênero; e o segundo, com minúscula, indicando a espécie. Alguns exemplos de espécies: Solanum tuberosm (batata), Solanum lycopersicum (tomate) e Solanum melongena (berinjela), todas do mesmo gênero; Lactuca sativa (alface); Allium cepa (cebola); Zea mays (milho); Manihot esculenta (mandioca); Capra ircus (cabra); Ovis aries (ovelha).

Variedade cultivada (cultivar) Uma variedade (ou cultivar) é um conjunto de plantas cultivadas, distinguíveis claramente por suas características morfológicas, fisiológicas, químicas e qualitativas. A variedade é estável, conservando suas características também ao se reproduzir (através de sementes ou vegetativamente, como por estacas ou mudas). Variedades autóctones ou locais são facilmente identificáveis e, geralmente, têm um nome local. São geralmente o resultado da seleção feita por agricultores ou comunidades e caracterizam-se por uma boa adaptação às condições ambientais de uma região. São, portanto, mais resistentes ao stress, necessitando de menos recursos externos, como água, fertilizantes, etc.

Ecótipo (população vegetal) O ecótipo é uma população pertencente a uma espécie (geralmente reproduzidos por sementes) que se adaptou geneticamente a um território específico, geralmente de extensão limitada. Esta definição é semelhante à definição de variedade (cultivar) autóctone. A diferença é que o ecótipo não tem uma identidade genética precisa, estável 21


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e definida, e não faz parte de uma classificação ou registro oficial. Ainda assim, é muito importante para a proteção da biodiversidade cultivada.

Plantas híbridas Os agricultores sempre selecionaram plantas (observando atentamente os campos que dão as melhores safras ou as plantas que dão os frutos maiores) ou realizam cruzamentos entre variedades da mesma espécie para obter plantas com características melhores. Plantas híbridas são variedades ou ecótipos que derivam da combinação de material genético de diversas espécies. A hibridação pode acontecer naturalmente ou ser feita pelo homem (o chamado melhoramento genético). Por exemplo, as principais variedades de morango que hoje se encontram no mercado vêm de um antepassado nascido em Brest, na França, em 1766, a partir do cruzamento entre o morango americano (Fragaria virginiana) e o morango chileno branco (Fragaria chiloensis), levado para a Europa por um engenheiro da corte de Luís XIV. A partir da década de 50 do século XX, a produção agrícola passou a concentrar-se em um número cada vez menor de espécies e variedades, criadas para responder às exigências do mercado global e distantes, portanto, de suas regiões de origem, capazes de serem produzidas em massa, num número maior de ambientes e climas, podendo ser transportadas facilmente, com sabor padronizado, adequado a todos os tipos de consumidor. São conhecidas como “híbridos comerciais”.

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A maioria dos híbridos comerciais, criados para atender às exigências do mercado, são protegidos por patentes. Isto não impede que os agricultores comprem e cultivem as sementes. A patente significa apenas que uma parte do preço pago (royalty) será destinada ao detentor da patente (que pode ser público ou privado). Mas há algo que os agricultores não podem fazer ao cultivar híbridos comerciais: não podem coletar e guardar as sementes de sua colheita para uso numa safra futura. O que acontece com os híbridos comerciais? A primeira geração de sementes compradas (chamadas F1) será melhor que os “pais” da qual deriva por cruzamento, tendo, portanto, as características desejadas em termos de produção e/ou vegetação. Mas se os agricultores guardarem a semente F1 para produzir uma segunda geração (F2), ela será uma mistura de características, quase sempre piores que a anterior. Portanto, os agricultores precisam comprar novas sementes todos os anos.


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Híbridos animais Um híbrido animal é o resultado de um cruzamento entre animais de espécies diferentes, mas com uma afinidade estrutural e genética suficiente entre os cromossomos das duas espécies. Um exemplo de animal híbrido é a mula, resultado do cruzamento de um jumento com uma égua, ou bardoto, resultado do cruzamento de uma jumenta com um cavalo. As crias destes cruzamentos são geralmente estéreis. Quando os híbridos vêm de raças ou populações diferentes da mesma espécie, são chamados interespecíficos ou, mais comumente, mestiços.

Organismos geneticamente modificados e organismos transgênicos Um organismo geneticamente modificado (OGM) é todo aquele que foi submetido a técnicas laboratoriais que, de alguma forma, modificaram seu genoma, enquanto que um organismo transgênico foi submetido à técnica específica de inserção de um trecho de DNA de outra espécie. Assim, o transgênico é um tipo de OGM, mas nem todo OGM é um transgênico. Devido à relação existente entre esses termos, frequentemente, eles são utilizados de forma equivocada como sinônimos. Para ficar um pouco mais claro, os organismos geneticamente modificados são todos aqueles oriundos, por exemplo, dos cruzamentos entre plantas diferentes com o objetivo de se produzirem plantas melhoradas, isto é, com maior poder de produção agrícola. Já no caso dos organismos transgênicos, os cientistas conseguiram modificar o código genético de determinadas espécies de plantas e animais introduzindo na cadeia de DNA os genes de espécies completamente diferentes, inclusive de reinos diferentes. O milho Bt, que já mencionamos no módulo I, recebeu na sua cadeia de DNA parte da cadeia genética da bactéria Bacillus thuringiensis, que nas condições normais produz uma toxina nociva a muitos insetos. A intenção era fazer com que o próprio milho Bt agisse como uma espécie de inseticida. 23


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3. Redes e interações agroecológicas A biodiversidade das machambas Grande parte do nosso trabalho com a Agricultura Natural, em particular em Moçambique, baseia-se no estabelecimento da biodiversidade nas machambas. Nos nossos modelos, atualmente em pleno funcionamento, é comum encontrarmos dezenas de espécies vegetais, além de muitas variedades de várias dessas espécies. Por exemplo, ao cultivar alfaces procuramos sempre introduzir nos canteiros muitas variedades dessa planta, selecionadas ao longo dos anos de experiência com as condições climáticas e de solo onde nossos campos se encontram. Além disso, também damos enorme importância para as culturas locais, muito melhor adaptadas na verdade, que as culturas instaladas. Exemplos são as plantas da família dos amarantos (tsec), o feijãonhemba (feijão-de-corda), chiquepo (nhame africano), mapira (sorgo) e outras. E além disso, também procuramos manter espaços estratégicos dentro das machambas destinados ao “cultivo” de vegetação espontânea. Portanto, se considerarmos todas as espécies vegetais presentes em nossos campos, esse número certamente chagará à casa das centenas. Além disso, a presença de um grande número de plantas diferentes, sem esquecer as árvores, favorece enormemente o aparecimento e instalação de muitos animais, notadamente insetos e pássaros, que têm um papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico dos ecossistemas instalados.

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Biodiversidade das machambas da Agricultura Natural em Moçambique – Polo de Agricultura Natural da Moamba


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Um exemplo poderá ser útil para ilustrar a importância de manter nossos campos e machambas da Agricultura Natural com o maior número possível de espécies vegetais e animais. Em certa ocasião tivemos problemas com gafanhotos numa área que estávamos iniciando a implantação de uma machamba-modelo. Por descuido, acabamos abrindo um número grande de canteiros de uma só vez, retirando toda a vegetação espontânea da área onde esses canteiros foram instalados. Não demorou muito para percebermos que os gafanhotos pareciam sair do próprio solo para devastar nossas pequenas mudas de hortícolas. A situação só começou a ser resolvida quando paramos para pensar e fizemos um pequeno exercício de mudar nosso ponto de vista. Em primeiro lugar percebemos que ao retirar toda a vegetação espontânea da área para montar nossos canteiros, simplesmente destruímos todo e qualquer tipo de abrigo de alguns dos animais que faziam o controle da população de gafanhotos daquela área. Uma rápida incursão pelas partes do terreno que ainda tinham a tal vegetação espontânea permitiu que observássemos a presença não só dos gafanhotos, mas também de pequenos lagartos que os comiam! Em nossas machambas procuramos desenvolver um cultivo agroflorestal, e assim procuramos sempre ter árvores em meio aos canteiros, ou, quando é o caso, de deixá-las mesmo durante a construção destes. Uma observação ainda mais cuidadosa pode comprovar que próximo de algumas dessas árvores as plantas não estavam sendo atacadas por gafanhotos. Acabamos por descobrir que essas árvores eram abrigos para algumas espécies de lagartos, que definitivamente não gostavam de ficar expostos nos canteiros, de tão tímidos que eram. Mas nas proximidades de seus abrigos, os lagartos conseguiam controlar a população de gafanhotos de tal modo que as plantas suportavam a presença de alguns poucos insetos que insistiam em permanecer no local, mas sem a mesma tranquilidade para comer. Sendo assim, começamos a cultivar alguns canteiros com a vegetação espontânea, permitindo a criação de abrigos naturais e também o aparecimento de flores nativas. Uma cadeia de eventos foi verificada a seguir. As pequenas flores atraíram um grande número de insetos polinizadores como as abelhas meliponas e outros. Estes insetos ajudaram a polinizar nossas culturas, fazendo com que nossos tomateiros carregassem tanto de frutos que quase não se aguentavam em pé. Por outro lado, para contrabalançar a população de insetos, várias espécies de pássaros começaram a se fixar no terreno e com isso,

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eles também ajudavam a controlar a população de gafanhotos. Chegamos a contar 13 espécies diferentes de pássaros com ninhos numa área de apenas um hectare. Muitos agricultores para quem contamos essa pequena história ficam logo preocupados com a presença dos pássaros, pois a ideia que logo vem à mente é a que eles irão dar cabo das nossas plantações. Mas não é isso que constatamos em nossos campos e machambas. Parece haver uma preferência pelos insetos e, na verdade, os pássaros só comem uma pequena parte das nossas plantas, sem que tenhamos prejuízos visíveis de nossa produção total.

Redes de conexão da vida Pelo exemplo anterior, dá para notar claramente que tudo na natureza, de uma forma ou de outra, está conectado. O sucesso do trabalho agrícola, em particular da Agricultura Natural ou ainda qualquer outro sistema agrícola que valorize a vida, está em ser capaz de reconhecer e ajudar o estabelecimento das redes de conexão entre os vários integrantes de um sistema. Por outro lado, o ponto fraco de todo e qualquer sistema de produção agrícola convencional está justamente na falta de capacidade de reconhecer a importância dessas redes de conexão, e consequentemente, na ausência de ações que as favoreçam. Contudo, como já deve ter-se notado até aqui, a natureza possui seus próprios mecanismos para devolver ao sistema o seu equilíbrio original. “Nas colheitas, um efeito atemorizador pode ser observado através da proliferação de insetos, que aparecem para consumir as toxinas das plantas. Os agricultores, não compreendendo essa razão, empregam os mais variados tipos de fertilizantes químicos que, por sua vez, produzem mais e mais toxinas e insetos nocivos. Á medida que diferentes fertilizantes químicos são utilizados, aparecem diferentes tipos de insetos. Para combater as pragas, então, os agricultores empregam inseticidas venenosos, que produzem insetos de natureza ainda mais nociva. Essa tendência é evidente de ano para ano, à semelhança do que ocorre com a variedade e o número de doenças humanas, que aumentam à medida que são usadas drogas mais fortes. 26


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Por uma lei da Natureza, à medida que as plantas absorvem os fertilizantes que lhes são tóxicos, aparecem espontaneamente germes e insetos nocivos. De acordo com a mesma lei, as toxinas devem ser eliminadas. E, para isso, a Natureza dispõe de seus próprios meios. Os insetos porém, não ingerem somente as toxinas, mas também uma parte das plantas, que então adoecem e morrem. O mundo físico é governado por leis autorreguladoras. Onde quer que se acumulem produtos estranhos e prejudiciais, produzir-se-á automaticamente uma atividade corretiva para eliminá-los. Consequentemente, quando os seres humanos prejudicam o equilíbrio da Natureza com drogas artificiais, produzemse atividades purificadoras, de acordo com a lei natural.” Mokiti Okada

Mokiti Okada também é muito claro quando nos orienta sobre os efeitos negativos de não se observar certas leis fundamentais da natureza. Em outras palavras, vale aqui também a descrição da Terceira Lei de Isaac Newton (1643-1727), ou comumente chamada de Princípio da Ação e Reação, que diz que “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”. Ao promover o desequilíbrio natural, o ser humano precisa ter em conta que a natureza tentará, por seus próprios caminhos, restabelecer esse equilíbrio. Quanto mais agressivos formos em relação a ela, maior será sua ação contrária. Se empregarmos venenos cada vez mais fortes, as pragas acabam por se tornar cada vez mais resistentes, ou mais fortes, em relação aos diversos princípios ativos contidos nas formulações dos mais diversos defensivos químicos (o termo agrotóxico é politicamente incorreto para quem defende o uso de tais substâncias). Também a destruição do habitat de várias espécies animais acaba por provocar danos gigantescos aos campos agrícolas, na medida em que o equilíbrio ecológico entre as espécies animais é rompido. Quando isso acontece em decorrência da ação predatória dos seres humanos, começamos a sentir a reação da natureza quase que imediatamente. No início do nosso trabalho com a Agricultura Natural no distrito da 27


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Moamba, em Moçambique, dispúnhamos de uma área de sete hectares sem praticamente nenhuma árvore e com todo o solo coberto quase exclusivamente com um só tipo de capim, comumente conhecido como capim sul-africano. Esse terreno está inserido num projeto agrícola familiar, que conta com uma área total de aproximadamente 460 hectares, onde cerca de 160 famílias de agricultores tentam desenvolver seu trabalho com a terra. Começamos a tentar montar um sistema simplificado de manejo agrícola, denominado machamba-mandala, onde optamos por uma configuração circular dos nossos canteiros. Começamos por plantar corredores de feijãoboer (feijão-guandu) para servirem de barreiras de ventos, construímos um sistema de distribuição de água composto de pequenos tanques espalhados pela área e interconectados por canais escavados no solo, criando corredores úmidos, plantamos dezenas de sementes de hortícolas e outros tipos de vegetais, promovemos o plantio de centenas de mudas de árvores frutíferas e de sombra, etc. Com uma certa dose de dificuldade, conseguimos avançar com o trabalho no primeiro ano, ressaltando que em nenhum momento, apelamos para o uso de qualquer tipo de fertilizante químico. Toda a adubação foi promovida com o uso de composto vegetal obtido, na grande maioria das vezes, de materiais oriundos dos próprios terrenos e também das culturas de preparação, como o caso de algumas leguminosas. Após pouco mais de seis meses de trabalho, já tínhamos uma espécie de núcleo ecológico na nossa machamba, ou seja, já havia iniciado o estabelecimento de um pequeno ecossistema equilibrado e isso permitiu que conseguíssemos colher os primeiros resultados do nosso trabalho até ali. Animados com essa primeira fase, partimos para a ampliação dos campos e uma área de aproximadamente 3.000 metros quadrados, adjacente à nossa primeira mandala, o qual foi preparada para o plantio de feijão e milho. Naquela altura já estávamos no mês de outubro, aguardando, portanto, o inicio das chuvas na região. Como forma de auxiliar o trabalho, instalamos alguns aspersores e iniciamos o cultivo um pouco antes da chegada do período chuvoso. Não demorou para que nossas sementes germinassem e logo as plantas estavam vistosas e bonitas. Foi quando, numa única noite, sofremos o ataque de coelhos que devastaram toda essa segunda área. 28

O primeiro impulso da nossa equipe de trabalhadores foi tentar


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ir atrás dos animais, instalando armadilhas. No entanto, uma rápida inspeção no entorno de nossa área, alertou-nos para uma triste realidade. Como estávamos ainda no período da seca, tudo o que se podia ver eram grandes extensões de terra sem praticamente nenhum tipo de vegetação verde, quase nenhuma árvore e muito solo queimado, já que nessa época é comum as pessoas colocarem fogo nos matos, muitas vezes como forma de caçar alguns roedores típicos da região. Essa prática quase sempre provoca incêndios descontrolados que por vezes destroem a vegetação seca de centenas de hectares de uma só vez. O único lugar, naquele período, que dispunha de vegetação verde, formando uma espécie de oásis, era justamente o nosso terreno. Vamos entrar em maiores detalhes sobre o nosso manejo mais adiante, mas por hora é suficiente dizer que o nosso terreno podia ser comparado a uma espécie de refúgio não só aos coelhos, mas também a um grande número de outras espécies de animais. Nossa equipe de trabalhadores locais teve que se adaptar rapidamente a uma nova filosofia de trabalho, onde aprenderam a importância das relações entre as diversas formas de vida. E por algum fato que ainda nos é misterioso, à medida que nosso núcleo ecológico, na forma da mandala, ia sendo estruturado, os ataques de pragas iam diminuindo. Os coelhos, por exemplo, até passeiam pela área, mas quase nunca tocam em qualquer planta que seja, mesmo aquelas das mesmas espécies das quais eles se alimentam em outras áreas do terreno. A criação de zonas úmidas, através dos pequenos tanques e canais de escoamento de água, atraiu uma grande quantidade de pequenos animais, como algumas baratinhas e coleópteros, além de muitos sapos e rãs. Estes últimos nos auxiliam muito no controle de outros insetos, como os gafanhotos. Por outro lado, a presença desse grande número de sapos e rãs também atraiu um bom número de serpentes que acabaram por ajudar a controlar a população de ratos silvestres, que no início dos nossos trabalhos foram responsáveis por comer a maior parte da nossa produção de batata-doce. Com o plantio de flores e a manutenção de áreas com vegetação espontânea, que também produzem florações ao longo de todo o ano, temos uma infinidades de insetos polinizadores presentes no nosso sistema. Só abelhas, na última verificação feita, encontramos cinco espécies numa área de pouco mais de 5.000 metros quadrados. 29


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Zona úmida numa das machambas do Polo de Agricultura Natural da Moamba

Como no exemplo descrito no item anterior, também nesse nosso terreno da Moamba, a presença de insetos atraiu um grande número de pássaros que passaram, inclusive, a construir seus ninhos dentro das áreas de cultivo. Esses pássaros ajudam no controle de insetos, principalmente gafanhotos, e acabaram por atrair também um grande número de aves maiores, que passaram a frequentar nossos campos. Essas aves maiores, gaviões e falcões, também se alimentam de cobras, e isso ajuda a controlar a população dessas últimas.

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Os insetos polinizadores são fundamentais para garantir nossas produções agrícolas, na medida em que fecundam as flores ao coletar o pólen. Com isso, nosso campo se tornou um verdadeiro caldeirão de vida. Ainda temos muitos ataques de gafanhotos e outros insetos predadores. Mas como nossos campos são organizados segundo uma lógica natural, ou seja, na medida do possível procuramos misturar o máximo possível nossas culturas, esses insetos não conseguem ser suficientemente rápidos para ocasionar danos realmente mais sérios. Isso dá mais tempo para os pássaros, por exemplo, conseguirem ser eficientes no controle das populações daqueles insetos predadores.


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Interações agroecológicas Conseguir reconhecer a existência e importância das redes de conexão da vida em nossos campos será muito útil para nos ajudar a compreender e usufruir das interações agroecológicas. Já vimos um exemplo quando mencionamos a importância dos insetos polinizadores, responsáveis por garantir a frutificação da maior parte de nossas culturas. Aliás, um fenômeno que tem atraído a atenção da comunidade científica em todo o mundo é o desaparecimento, já total em muitas regiões, das abelhas. Hoje, sabemos que as abelhas são responsáveis pela polinização de mais de 70% das espécies vegetais cultivadas para a produção de alimentos na atualidade. Se elas continuarem a desaparecer na velocidade em que estão, em breve poderemos ter um verdadeiro colapso na produção de alimentos. As causas desse desaparecimento ainda estão sendo discutidas, mas já parece haver um consenso que, seja ela qual for, a causa original parece estar no desequilíbrio ambiental. Uma interação agroecológica interessante pode ser promovida pelos agricultores simplesmente plantando o maior número possível de flores. Principalmente as espécies nativas de uma determinada região, ou ainda aquelas que se adaptem ao ponto de não necessitarem de cuidados especiais. Um campo florido, ao longo de todo o ano, certamente trará enormes benefícios aos agricultores, inclusive com o estabelecimento de um local ainda mais aprazível de se viver e trabalhar. O plantio de girassol nas bordas de terrenos e talhões, como forma de demarcá-los, é muito útil em termos de fornecimento de pólen a inúmeras espécies de abelhas e também como alimento adicional para pássaros.

Campo de girassol no Polo de Agricultura Natural da Moamba

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Outra interação agroecológica interessante e que merecerá, inclusive, uma discussão mais aprofundada, é o plantio de árvores. Árvores são importantes tanto para a produção de sombra, quanto o são, por exemplo, para a produção de frutos e madeira. Além disso, seu sistema radicular também mobiliza nutrientes presentes em camadas mais profundas do solo que, de outra forma, as culturas agrícolas, principalmente hortícolas, não teriam acesso.

Vegetação nativa Nesse ponto será importante atentarmos um pouco para a importância da vegetação nativa de uma determinada região, muitas vezes aparecendo nos nossos campos de forma espontânea. “Nos solos tropicais, sabe-se que a enorme biodiversidade é a base de sua produtividade. Toda modificação que ocorre no solo, melhora ou piora outras sucessões vegetais. A natureza lança mão das plantas nativas, para corrigir deficiências ou excessos minerais, compactações, capas endurecidas ou águas estagnadas; enfim, ela tenta restabelecer sua condição ótima de maior produtividade. E todos sabem que um solo abandonado sob a vegetação nativa, a capoeira, se refaz completamente, tanto física quanto quimicamente. De onde vêm os nutrientes? Qual o segredo? O que fazem as plantas nativas que chamamos de “invasoras”? Sabe-se que são indicadoras, específicas para a situação que devem corrigir. E, portanto, são também saneadoras.” Ana Primavesi

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Toda planta que invade os nossos campos estão, na verdade, nos indicando algo. Ainda se conhece muito pouco dessas interações e por isso, o trabalho dos agricultores, principalmente camponeses, em todo o mundo é fundamental para que se colham o máximo possível de informações. Ana Primavesi deu-nos um legado importante, através do seu livro “Cartilha do Solo”. Nele, ela resume algumas das interações mais interessantes na prática da Agricultura Natural, e passaremos a discuti-las a seguir. Antes, porém, será necessário lançarmos uma vista de olhos numa outra questão que também


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gera muita discussão e dúvidas na cabeça da maioria dos agricultores em todo o mundo: por que o mato, nativo, parece crescer muito mais rápido e eficientemente, que nossas culturas?” Vamos começar explicando isso da seguinte forma. Todas as plantas realizam a fotossíntese, o processo através do qual os vegetais clorofilados (folhas verdes) são capazes de absorver a luz do sol e transformá-la, em última instância, em matéria verde, biomassa. Contudo, esse processo fotossintético pode ser conduzido no interior das plantas por dois caminhos metabólicos diferentes. Dependendo basicamente da região de origem de uma determinada espécie vegetal, esses caminhos metabólicos podem seguir o chamado Ciclo de Calvin (C-3) ou o chamado Ciclo de Kranz (C-4). Não vamos entrar em detalhes bioquímicos nesse texto, mas por hora vamos apenas considerar as limitações de cada um desses caminhos. O Ciclo de Calvin, C-3, é próprio das plantas de clima mais frio, temperado, onde elas necessitam de quantidades mais elevadas de CO2 do ar para realizarem a fotossíntese, algo em torno de 1 a 3%. Já as plantas do ciclo C-4 necessitam para a fotossíntese somente 0,1 a 0,5% de CO2 no ar. Um dos grandes problemas de cultivos em regiões de clima mais quente, como as tropicais e subtropicais, é que, das 15 plantas de cultura mais usadas, 12 são do mecanismos de fotossíntese C-3. Como essas plantas necessitam de quantidades maiores de CO2 precisam “trabalhar” com os estômatos completamente abertos, perdendo assim muita água. Como mecanismo de defesa, essas plantas acabam por fechar seus estômatos (estruturas nas folhas responsáveis pelas trocas gasosas) durante as horas mais quentes do dia, interrompendo, assim, a fotossíntese e a produção de biomassa. Em contrapartida, as plantas de mecanismo C-4, muito melhor adaptadas ao clima quente, conseguem promover a fotossíntese mesmo com os estômatos quase fechados, isto é, mesmo durante as horas mais quentes do dia, não param de produzir biomassa normalmente, continuando a crescer e produzir. É por isso que o mato nativo das regiões mais quentes cresce muito mais rápido que culturas como as alfaces, tomates, batatas, etc. Além desse mecanismo C-4, as plantas nativas também acabam por usar substâncias alelopáticas como a scopoletina, cumarina, vanilina e outras, bem como exsudatos radiculares para defender e assegurar seu espaço. Esse conjunto de fatores de competição pode afetar seriamente o rendimentos das culturas, 33


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especialmente em campos sob irrigação. Além desse efeito negativo da alelopatia, também existe a alelopatia positiva como no caso do picão-preto (Bidens pilosa) ou o mastruz (Lepidium virginicum), que possuem exsudatos radiculares que estimulam, por exemplo, o crescimento do milho. Quando uma única espécie de planta nativa, vegetal, aumenta muito em uma cultura, esta pode acabar se tornando hospedeira de nematóides e outras “pragas”. Por outro lado, se houver grande diversidade de plantas vegetais, esses nematóides e pragas ajudam a manter o equilíbrio dos organismos do solo e diminuem a possibilidade da cultura ser parasitada. Um exemplo muito interessante, verificado na literatura e nos resultados de campo, é quando o alho é plantado sozinho, limpo de invasoras, ele pode ser seriamente afetado por Melodoygine incognita, um nematóide. Mas quando ele cresce em conjunto com uma população média de tiriricão ou junquinho (Cyperus sculentus), os nematóides podem até existir no solo, mas não afetam o seu crescimento. Portanto, antes de sair retirando tudo o quanto for plantas invasoras dos canteiros numa machamba, é bom estar atento para possíveis efeitos positivos que muitas dessas plantas podem nos trazer. É equivocado o conceito de competição por nutrientes que muitos agricultores e agrônomos acreditam existir entre as culturas e as plantas invasoras. Claro que o sistema precisa estar num perfeito equilíbrio para que tudo dê certo. Por sua vez, a explosão demográfica de plantas invasoras já é indício mais que suficiente para se afirmar que o sistema como um todo já está desequilibrado. Por isso não é muito inteligente o uso sistemático de herbicidas, por exemplo. O descanso de um solo por algum tempo, embora não seja o ideal em termos de produção agrícola, pode ser fundamental para o controle dos vegetais. Depois de alguns anos, as invasoras não podem mais competir com a vegetação nativa, que se assenta. Mas quando essa vegetação é novamente roçada e plantada, não consegue resistir ao preparo do solo e aos insumos. Nesse momento aparecerão as plantas invasoras saneadoras das condições desfavoráveis criadas no solo cultivado convencionalmente. Mokit Okada é bem claro quando afirma que um solo precisa estar trabalhando constantemente e que, quanto mais o fizer, mais estará apto para produzir alimentos. No entanto, ele também ressalta a importância de se observar as leis da natureza e isso quer dizer, em outras palavras, conhecer alguns dos seus mecanismos e sermos 34


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capazes de reproduzi-los em nossos campos agrícolas. Eventualmente teremos de tomar a difícil decisão de deixar uma determinada área “descansando” por alguns anos, em virtude de infestações de ervas invasoras de difícil controle, e se isso realmente ocorrer, devemos aproveitar todas as lições tiradas desse evento e não repetir os mesmos erros no futuro.

Cultivos consorciados e controle de invasoras Podemos usar cultivos simultâneos, também chamados cultivos consorciados, não só para melhor aproveitar nosso terreno como também para garantir melhores chances de nossas culturas se desenvolverem mais adequadamente. Um dos consórcios mais antigo é o de milhão-feijão-mandioca-abóbora, usado desde antigamente. É sabido que esse tipo de consórcio é muito menos atacado por plantas invasoras. As abóboras impedem muitas ervas invasoras que normalmente aparecem no milho, por exemplo, pois não só conseguem cobrir os solos com suas folhas, como também possuem efeito alelopático sobre muitas dessas plantas. A cobertura do solo, como o mulch, quando atinge de 5 a 6 cm de espessura, controla as invasoras. A função do “mulch” de capim, por exemplo, assemelha-se à das lonas-plásticas, porém sem produzirem os mesmos resíduos não biodegradáveis que estas. Quando bem feito e mantido, diminui consideravelmente a necessidade de sacha (capina) e outros tratos culturais.

Canteiros sendo preparados com cobertura de capim no Polo de Agricultura Natural da Moamba, Moçambique

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Cultivos alelopáticos e sinérgicos A seguir, vamos dar alguns exemplos de culturas alelopáticas, ou seja, que não se gostam e, portanto, devem ser evitadas, e também de algumas culturas amigas, cujo cultivo em comum pode ser bem interessante.

Tabela 1: Plantas com efeitos alelopáticos Trigo-mourisco x

Trigo

Sorgo (mapira) x

Trigo

Sorgo (mapira)

x

Sorgo (mapira) x

Sorgo (mapira) Gergelim

Girassol x Tomate, fumo, batata Leguminosas

x

Alho, cebola, tomate

Funcho (erva-doce)

x

Todas as hortaliças

Repolho, brócolis e couve-flor

x

Ervilhas x

Nabo, rabanete

Camomila x

Hortelã

Nabo-forrageiro, Alfafa

x

Mostarda

Todos os capins

x

Colza, canola

Aveia preta, centeio

x

Capins

Cereais x

Trevo-doce

Repolho x

Repolho

Gladíolos x

Arroz

Papoula x

Cevada

Aveia branca

x

Abóbora x Fonte: PRIMAVESI, Cartilha do Solo 36

Tomate

Milho, beterraba Girassol


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Tabela 2: Cultivos sinérgicos (plantas amigas) Tomate =

Cravo-de-defunto

Ervilhaca =

Todos os cereais

Batata =

Amarantos

Cenoura

=

Cebola, milho, soja, alface

Tremoço =

Videira

Feijão =

Morango, espinafre

Leguminosas

=

Todos os cereais, inhame, mamona, mandioca, batata, girassol, pepino e repolho

Girassol =

Pepino

Trigo, linho =

Milho, leguminosas

Repolho =

Beterraba, cenoura

Milho

=

Nabo forrageiro, aveia preta

=

Abóbora, feijão, mandioca

Alho =

Feijão Roseiras

Fonte: PRIMAVESI, Cartilha do Solo

Plantas indicadoras Podemos usar muitas plantas nativas e espontâneas para nos indicar situações bem específicas de nosso solo, como por exemplo sua acidez, deficiências em termos de algum nutriente ou mesmo excesso de algum elemento químico. Também podem nos trazer alguma informação sobre o histórico recente de algum terreno como queimadas frequentes ao longo dos anos e outros. No nosso Blog (www.cursodeagriculturanatural.blogspot. com) é possível fazer o download de uma tabela contendo informações mais detalhadas sobre diversas plantas indicadoras. 37


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4. Manejo agroflorestal Em uma definição ampla, sistemas agroflorestais (SAFs) são combinações do elemento arbóreo com herbáceas e/ou animais, organizados no espaço e/ ou tempo. Por outras palavras, são sistemas nos quais não só mantemos nossas árvores na machamba como também plantamos muitas mais! O conceito de agroflorestas é muito amplo e a literatura está repleta de textos e referências técnicas sobre o assunto. Por isso, vamos nos concentrar em alguns aspectos práticos do manejo agroflorestal quando aplicados ao conceito e prática da Agricultura Natural. No final desta apostila, o leitor encontrará uma série de referências bibliográficas sobre o tema que poderá auxiliá-lo numa compreensão mais profunda desses sistemas. Não custa nada repetir mais uma vez que na Agricultura Natural estamos nos esforçando para procurar compreender e replicar algumas das leis fundamentais da natureza. Vimos recentemente a importância da biodiversidade e das redes de interação agroecológica na produção natural de alimentos. Por sua vez, as árvores desempenham um papel fundamental na manutenção das redes de sustentação da vida, e passaremos a descrever algumas das suas funções no manejo natural de nossos campos e machambas.

O que é uma árvore? Vamos começar abordando o tema do manejo agroflorestal de uma forma um pouco diferente da maioria dos manuais e livros sobre o assunto. Essa abordagem, contudo, é fruto da nossa experiência de campo no ensino da Agricultura Natural e foi desenvolvida tendo por base as dúvidas mais comuns de nossos alunos ao longo dos últimos anos. Nesse nosso curso não estaremos muito presos aos conceitos acadêmicos, embora por vezes façamos referências a eles, sempre que isso nos ajudar a compreender um pouco mais sobre a forma natural de cultivar nossos solos e organizar nossas quintas e machambas, numa linguagem mais clara e, portanto, de melhor compreensão de todos.

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Então, como primeira pergunta desse tópico temos: o que, afinal, é uma árvore? Antes de responder a essa pergunta, vamos fazer um pequeno exercício:


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Exercício: Pegue numa folha de papel em branco e em um lápis ou caneta e desenhe uma árvore.

Se você, leitor, foi honesto com esse exercício e não olhou antes as páginas seguintes, deverá ter desenhado uma árvore mais ou menos como a da figura abaixo:

Esse é um exercício simples, mas muito elucidativo para introduzirmos as pessoas na questão da visão sistêmica da natureza e do mundo. Nosso modelo educacional tradicional nos ensina a ter uma visão compartimentada do mundo ao nosso redor. Isso quer dizer que, de certo modo, aprendemos desde cedo a analisar somente aquilo que conseguimos ver, deixando de lado, ao menos num primeiro momento, aquilo que por ventura possamos estar a sentir. O mundo da razão científica, por vezes, acaba nos colocando em situações em que nos é difícil enxergar com visão além do alcance dos nossos olhos. Portanto, se o seu desenho de árvore, num primeiro momento, não tiver sido como o da figura a seguir, não se preocupe, pois você estará respondendo como a maioria das pessoas para as quais já realizamos esse teste antes.

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Como podemos perceber, uma árvore é muito mais do que aquilo que nossos sentidos podem nos mostrar num primeiro momento. Além do tronco, galhos e folhas, as raízes são fundamentais para que a própria árvore consiga se manter em pé e saudável. Porém, como não estamos habituados a vê-las constantemente, nossa razão acaba por nos trair e, sem nos darmos conta, esquecemos dessa parte quando somos desafiados, como no exercício anterior.

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Visão sistêmica é a maneira de conseguirmos integrar todos os elementos da natureza e relacioná-los ao nosso trabalho agrícola, por exemplo. Uma árvore pode nos ser muito mais útil do que apenas fornecedora de frutas, madeiras ou mesmo sombra, embora tudo isso tenha, numa machamba agroecológica, um valor quase inestimável. Contudo, os benefícios de uma árvore vão bem mais além. Além do precioso oxigênio, resultado direto do processo de fotossíntese, as árvores também ajudam a regular o clima numa região através da evapotranspiração, processo pelo qual enriquecemos nossa atmosfera com água no estado gasoso e que, através desse processo físico, conseguimos manter nossos campos com temperaturas mais amenas. Um campo arborizado é muito mais confortável do que áreas com insolação direta. E esse conforto não é só para os agricultores, mas também para muitas de nossas culturas. Além disso, as árvores também são responsáveis por mobilizar grandes quantidades de nutrientes, oriundos das camadas mais profundas do solo, que de outra maneira não conseguiriam estar disponíveis para as nossas culturas agrícolas. Dependendo do porte e da espécie de árvore, suas raízes podem atingir dezenas de metros de profundidade e também podem se espalhar por uma grande área, muito maior do que aquela ocupada pela sombra de sua copa. Isso quer dizer que podemos estar falando num volume de solo útil muito maior do que convencionalmente se aceita para o caso das diversas culturas agrícolas. Mas tenhamos sempre em mente que nosso sistema tenderá ser o natural, ou seja, a mobilização de nutrientes nesse caso seguirá no seu tempo certo. Normalmente os resultados positivos da mobilização de nutrientes num manejo em que se preserve e até plante árvores num campo agrícola serão sentidos ao longo dos anos, e não em semanas ou meses, como normalmente acontece com o manejo convencional. Mas por outro lado, nossos sistemas ganharão muito em termos de resiliência, ou seja, serão muito mais fortes e resistentes a quaisquer intempéries ou imprevistos que a grande maioria dos sistemas convencionais.

Sombra na machamba? A agricultura convencional baseia-se na produção intensa de alimentos (uniformizados e padronizados), no menor tempo possível e na menor unidade

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de área por unidade de produção possível. Ou seja, tudo tem de ser muito rápido e em quantidade. Nesse tipo de raciocínio, o bem-estar de todo o sistema, não é levado em consideração, talvez justamente pelo fato de não considerarmos nossos campos como seres vivos que são. O sombreamento parcial de nossos campos ajuda muito no estabelecimento de um clima muito mais agradável de se viver, trabalhar e no caso das plantas, de produzir seus frutos. Evidentemente que temos muitas espécies de plantas que, para produzirem de forma satisfatória, necessitam de grandes quantidades de energia do sol e, portanto, gostam de muito sol. Outras, por outro lado, preferem climas mais amenos e não toleram a insolação direta, preferindo ser cultivadas à meia sombra, como é o caso do morangueiro. Mas uma coisa é certa, a maioria absoluta dos vegetais que cultivamos para obter nosso alimento possui uma temperatura de solo acima da qual não conseguem mais obter água e, consequentemente, seus nutrientes. Essa temperatura está na casa dos 320 C e representa um fator limitante para a produção agrícola em regiões de clima quente como o que acontece nas regiões tropicais e subtropicais. Retomaremos esse assunto no futuro. É importante, portanto, pensar no resultado da produção agrícola global de nossos campos, ou seja, na soma e variabilidade de todos os produtos que possam ser colhidos, comidos ou comercializados. A principal característica de sistemas naturais de cultivo, como o que estamos descrevendo nesse curso, é a biodiversidade dos campos e isso implica em conviver com muitas culturas diferentes ao mesmo tempo. Por outro lado, existem estratégias de produção que podem ser adotadas no sentido de aproveitar ao máximo os espaços, a luz do sol e o clima mais ameno propiciado pelas sombras das árvores. Vejamos um exemplo bem interessante. Todo agricultor com um mínimo de experiência no cultivo de beterrabas sabe que elas são plantas que gostam de muito sol, embora necessitem de temperaturas baixas para produzirem satisfatoriamente, razão pela qual o seu cultivo em países como Moçambique é preferível nos meses que antecedem e no próprio inverno. Se plantarmos beterrabas à sombra, ou mesmo à meia-sombra, suas raízes não irão se desenvolver satisfatoriamente, deixando somente a parte aérea (folhas) bem grandes. Muitas das culturas que dão debaixo da terra como rabanetes, nabos, cenouras, etc., seguem o 42


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mesmo raciocínio da beterraba. Por sua vez, as beterrabas são plantas que se dão muito bem com outras, razão pela qual podemos consorciá-las com várias outras hortícolas, etc. E são muito ricas nutricionalmente, razão pela qual os nutricionistas em todo o mundo sempre fazem boas referências ao seu consumo. No entanto, o que pouca gente sabe é que as folhas da beterraba também são comestíveis, podendo ser consumidas de diversas maneiras, e que estudos apontaram que seus níveis nutricionais são ainda maiores que os das próprias raízes. Em nossas machambas é comum, portanto, o cultivo de beterrabas tanto a pleno sol quanto à meia-sombra, sempre que isso for conveniente em termos de aproveitamento dos espaços. E da mesma forma que as beterrabas, também os rabanetes, nabos e cenouras, por exemplo, podem ter suas folhas muito melhor aproveitadas, seja no consumo em forma de guisados ou mesmo em forma de aditivo alimentar (desidratação seguida de trituração), compondo inclusive uma alternativa de renda adicional muito interessante aos agricultores.

Construindo os quebra-ventos Outro aspecto muito interessante do manejo agroforestal é a implantação dos chamados quebra-ventos numa machamba ou campos agrícolas em geral. Sabe-se, por exemplo, que num dia quente e com vento forte, podemos perder por evaporação até 70% da água que irrigamos os nossos campos. Isso significa que para cada 100 litros de água irrigada, 70 litros são perdidos para a atmosfera sem que tenham cumprido qualquer função biológica no solo ou fisiológica nas plantas. Essa informação, portanto, é muito útil para o planejamento correto do trabalho com a água nos campos, como veremos no final desse módulo. Uma forma de diminuir os efeitos negativos dos ventos fortes nos campos agrícolas é introduzir quebra-ventos na forma de cortinas de espécies arbóreas plantadas normalmente em linhas. Essas cortinas podem ser para delinear talhões, ou mesmo toda a machamba, e a escolha correta das espécies de árvores, em função de sua conformação, será muito importante. O vento é uma importante variável envolvida na produtividade das culturas em geral, seja, como vimos, pelo fato de aumentar as perdas de água por evaporação e transpiração dos cultivos comerciais (evapotranspiração), 43


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seja pelo fato de disseminar vetores de doenças. No caso do cafeeiro, que é uma planta de baixa tolerância aos ventos, a produtividade começa a cair com ventos acima de 2 metros por segundo (m/s) e com ventos mais fortes, surgem danos mecânicos nas folhas, que são portas de entrada para fungos e bactérias. O mesmo acontece com as bananeiras. Daí a utilidade das barreiras de ventos. Os quebra-ventos devem ser alinhados perpendicularmente aos ventos dominantes da região e não podem formar uma barreira muito fechada ou muito densa. Um bom quebra-vento deve ser “permeável”, ou seja, parte do vento deve poder passar entre as árvores.

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Quebra-vento permeável


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Quebra-vento sem adequada “permeabilidade” cria uma zona de redemoinho e turbulência, numa faixa localizada imediatamente depois dela:

Quebra-vento sem adequada permeabilidade

Um quebra-vento ideal é formado por algumas fileiras de árvores. Do lado que recebe o vento dominante, uma primeira linha é plantada com arbustos ou árvores de porte médio. A segunda e terceira linha serão ocupadas com árvores mais altas. A última linha, do lado da área cultivada, é desejável o plantio de arbustos ou árvores de porte médio para haver interferência nas culturas, principalmente quando estas são de ciclo curto (anual ou bianual) e de porte baixo. As espécies utilizadas devem ser espécies perenifólias (com folhagem persistente o ano todo), eventualmente misturas com umas poucas árvores semidecíduas. Para manter um grau adequado de permeabilidade do

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quebra-vento, ĂŠ necessĂĄrio podar periodicamente as ĂĄrvores das segundas e terceiras linhas, eliminando os ramos na parte inferior dos troncos. Vejam, a seguir, os perfis transversais de bons quebra-ventos:

Perfil transversal de quebra-vento com 4 fileiras

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Perfil transversal de quebra-vento com 5 fileiras


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A largura ocupada pelo quebra-vento deve ser inferior a 15-20 metros. O quebra-vento que recebe o primeiro impacto do vento dominante (quebravento principal) deve ter uma largura de pelo menos 15 metros e possuir 5 fileiras. Não há necessidade de exagerar a largura do quebra-vento. Uma boa barreira de 20 metros de largura pode ser tão eficiente em termos de proteção contra o vento que uma faixa de floresta de 600 metros de largura. Os quebra-ventos secundários, localizados mais para dentro da área cultivada, podem ser mais estreitos, por exemplo, com apenas 3 fileiras arborizadas e uma largura de 6 a 8 metros. A distância (D) entre dois quebraventos deve ser igual, no máximo, a 20 vezes a altura média das árvores de maior crescimento vertical existente nela. Quando, além do vento dominante, existem também os ventos secundários, capazes de afetar o rendimento da agricultura ou da pecuária, convém estabelecer quebra-ventos adicionais, com uma orientação apropriada, formando-se, neste caso, uma rede mais ou menos quadriculada.

Quebra-vento em rede quadriculada 47


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As funções de um bom quebra-vento

Os quebra-ventos rápidos Temos de levar em consideração que as árvores plantadas para servirem de quebra-ventos só cumprirão efetivamente esse papel depois de alguns anos. Por vezes, será necessário lançar mão de outras alternativas de curto prazo, principalmente quando as condições do terreno não forem assim tão propícias. Nesses casos, o plantio de feijão-boer, também chamado de feijãoguandu (Cajanus cajan), adensado e em linha, poderá fornecer um quebravento muito eficiente e o seu replantio a cada dois ou três anos, por exemplo, pode auxiliar o campo até que o quebra-vento definitivo se estabeleça. 48


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Uma forma interessante de implantar quebra-ventos nas machambas da Agricultura Natural é quando a configuramos no formato de mandalas. Nesses casos, o feijão-guandu pode ser plantado ao logo de alguns dos anéis, dando um espaçamento entre essas linhas de tal modo que sejam evitados os vórtices de ar no interior da mandala. Esses quebra-ventos atingem sua maturidade em pouco tempo, normalmente 1 ano, bem menos que no caso de quebra-ventos feitos com árvores. E além do efeito do quebra-vento, o feijão-guandu também é uma importante fonte de alimentação humana, dos animais de criação e uma excelente fonte de material para produção de composto orgânico para o solo.

Quebra-ventos criados pelo plantio adensado de feijão-boer (feijão-guandu), instaladas em uma das machambas do Polo de Agricultura Natural da Moamba 49


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5. Planejando a produção e preparando o solo A essa altura, o leitor/estudante certamente já deve ter percebido que nesse nosso curso de Agricultura Natural estamos evitando ao máximo indicar receitas ou fórmulas para desenvolver o trabalho natural da terra. De fato, temos por hábito informar às pessoas que se interessam em aprender um pouco mais sobre a Agricultura Natural que ensiná-la, na verdade, é algo quase impossível, pelo menos num período de tempo inferior, digamos, a uns 20 ou 30 anos. Por outro lado, nosso esforço vem sendo em tentar compartilhar com as pessoas uma nova forma de enxergar o mundo ao seu próprio redor. Ao invés de ensinarmos receitas, procuramos compartilhar conceitos. Talvez isso possa ser um pouco frustrante para aquele agricultor iniciante que deseja obter seus resultados de maneira quase instantânea. Porém, costumamos dizer que a natureza tem o seu próprio tempo e o cultivo segundo seus fundamentos precisa levar isso em conta. Por outro lado, também temos a consciência de que nem sempre é possível esperar meses, ou até anos, para que um campo agrícola se torne uma espécie de modelo da Agricultura Natural para, só a partir daí, começarem a vir os rendimentos para o agricultor e sua família. Dessa forma, precisamos encontrar uma espécie de caminho do meio, através do qual seja possível garantir a subsistência e desenvolvimento da família agricultora, à medida que o equilíbrio ecológico vá, gradualmente, sendo estabelecido na propriedade.

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Quando falamos em planejamento agrícola a partir do trabalho com a Agricultura Natural, estamos nos referindo a uma forma bem diferente daquela conhecida pelos agrônomos e técnicos especializados no agronegócio convencional. Aqui não cabem as mesmas planilhas de cálculos em que se entram, por exemplo, com os resultados das análises de fertilidade de solos e imediatamente conseguem-se os receituários com as formulações e quantidades de fertilizantes necessários para se garantir uma colheita, pré-definida, de uma determinada cultura agrícola. Até porque tentar fazer isso numa propriedade agroecológica em que se cultivam dezenas de espécies de plantas diferentes na mesma machamba, dividindo muitas vezes os mesmos espaços, esse tipo de cálculo pode ser muito difícil senão quase impossível.


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Na lógica do trabalho natural, precisamos levar em conta que a ordem dos fatores pode sim mudar os resultados finais. Por exemplo, na nossa experiência com as machambas, observamos que, até certo ponto, quem determina a quantidade de uma certa cultura a ser plantada é o próprio campo. Quando é o agricultor quem determina a quantidade que ele quer colher, o que parece ser o mais lógico pelo senso comum, pressionado pela demanda do mercado consumidor, raramente ele irá prestar a devida atenção na capacidade natural do seu campo em atender às demandas externas. O resultado dessa forma de agir é um aumento considerável da artificialidade do sistema. Em outras palavras, provavelmente irá ser necessário alterar, e muito, as condições naturais de um campo para ele conseguir atender às expectativas de produção. Por esse motivo é que na estratégia de produção natural ou orgânica de alimentos, a biodiversidade é de suma importância. A lógica é consideravelmente diferente daquela lógica convencional de cultivo, onde se preferem grandes campos de monocultivo no lugar de diversificar a produção agrícola com dezenas de plantas diferentes. Evidentemente que isso também leva à necessidade de desenvolver novas formas de comércio dos produtos agrícolas, e vamos estudar um pouco mais sobre isso ao final do curso. Quando falamos em planejamento agrícola, nossa visão vai muito além da simples relação área a ser cultivada e produtividade alcançada. Nosso objetivo na Agricultura Natural é garantir que a produção de alimentos respeite o seu meio ambiente de forma a garantir permanentemente a produção agrícola ao longo dos anos e gerações. Nesse sentido, alguns passos iniciais são fundamentais para o sucesso do nosso trabalho.

Observação e interação Consideramos fundamental observar atentamente as condições naturais do solo de uma determinada propriedade antes de tentar estabelecer as metas de produção agrícola. Isso está de acordo com o princípio de minimizar a artificialização do meio através de técnicas exageradas de correção de solo, aração e outros. Além disso, é preciso ter em conta o balanço hídrico necessário para o pleno desenvolvimento das culturas plantadas. Por exemplo, 51


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se na propriedade a água é um fator limitante, escolher culturas que demandam grande quantidade dela como bananeiras, inhames e outros, não será, de forma alguma, uma estratégia interessante. Importante estar alerta para todos os elementos do sistema como ventos predominantes, existência de barreiras naturais como árvores, depressões no solo, zonas úmidas, etc. Conhecer cada metro quadrado da área onde será implantada sua lavoura ou machamba será muito útil e poderá trazer, a médio e longo prazo, informações valiosas a respeito dos resultados parciais alcançados. Também é importante conhecer quais as espécies de animais que habitam a área tais como pássaros, lagartos, cobras, roedores, etc. As abelhas são fundamentais para garantir a polinização das futuras culturas e sendo assim, tentar identificar o local das colmeias, assim como os ninhos dos pássaros também será interessante. Nas nossas machambas, esses locais são considerados verdadeiros santuários e todos os esforços são empregados para preservar todas as espécies de animais ali presentes. As plantas nativas, com suas floradas periódicas, também são responsáveis por manter todo um universo de insetos e pequenos animais. Sendo assim, um levantamento das espécies existentes, com a devida interpretação da sua presença no campo conforme discutimos anteriormente (plantas indicadoras), será valioso para definirmos os futuros locais de cultivo.

Captação e armazenamento de energia Na ânsia de logo obter os resultados agrícolas, a maioria dos agricultores, quando inicia o seu trabalho numa determinada área, logo promove a chamada limpeza do terreno. Porém, o que ele de fato acaba por fazer é desperdiçar enormes quantidades de energia acumulada, muitas vezes ao longo de anos, na forma de biomassa, resultado direto da absorção da luz solar e de complexos sistemas metabólicos. Toda a vegetação inicialmente presente numa determinada área representa um incomensurável esforço da natureza em abastecer o solo com a energia vital para que possamos, no seu devido tempo, cultivá-lo e obter nossos alimentos verdadeiramente saudáveis. 52


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Dessa forma, uma etapa muito importante do planejamento agrícola, no nosso contexto de trabalho, refere-se ao reconhecimento da necessidade de não apenas tentar aproveitar integralmente a energia natural de um terreno como também em promover as ações necessárias para manter e, até certo ponto, aumentar a sua capacidade em acumular essa mesma energia. Já discutimos a importância das árvores e, sendo assim, uma forma de preservar e aumentar a energia de um campo é preservar todas as árvores que forem possíveis. Se eventualmente houver mesmo a necessidade de retirar algumas delas, é extremamente recomendável plantar outras nas proximidades daquelas que foram retiradas. Muitas vezes os agricultores “abrem” o solo com máquinas agrícolas pesadas, como por exemplo o trator acoplado ao arado ou grade niveladora, e o deixam exposto ao sol e chuva sem nada a ser cultivado. De fato, muitas vezes para que possamos cultivar o nosso solo será necessário promover algumas operações com a ajuda de maquinaria. No entanto, só devemos realmente preparar áreas que irão ser imediatamente cultivadas. Do contrário, é preferível que as deixemos mantidas com sua vegetação, preferencialmente nativa. Mas também podem ser plantadas diversas espécies de plantas que promovam um condicionamento melhor do solo como girassóis e diversas outras culturas como as leguminosas, que são excelentes fixadoras de nitrogênio. Dessa forma, promovemos o cultivo do sol, uma forma diferente e elegante de dizer que iremos produzir matérias-primas para a obtenção de nosso adubo natural. No período chuvoso e de altas temperaturas, é interessante tentar fazer com que o nosso campo absorva e acumule o máximo de energia possível. O plantio de espécies fixadoras de nitrogênio, de espécies que produzem muita biomassa e de outras que promovam a biodiversidade, é uma estratégia muito interessante para enriquecer nossos solos. Vivemos em um mundo de riquezas sem precedentes resultantes da coleta de enormes estoques de combustíveis fósseis criados pela Terra ao longo de bilhões de anos. Temos utilizado parte dessas riquezas para aumentar nossa colheita dos recursos renováveis em proporções insustentáveis. A maior parte dos impactos adversos dessa excessiva colheita ficará mais evidente na medida em que a disponibilidade de combustíveis fósseis for diminuindo. Em linguagem financeira, estamos consumindo o capital principal de forma irresponsável, o

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que levaria qualquer empresa à falência. Precisamos aprender como economizar energia e reinvestir a maior parte da riqueza que estamos consumindo ou desperdiçando atualmente, de modo que nossos filhos e descendentes possam ter uma vida igual ou melhor que a nossa. Conceitos inapropriados de riqueza nos levaram a ignorar oportunidades para capturar fluxos locais de formas renováveis e não renováveis de energia. Identificar e atuar nessas oportunidades pode suprir a energia com a qual poderemos reconstruir o capital principal, bem como proporcionar renda para nossas necessidades imediatas. O sol, o vento e os fluxos de escoamento superficial de água, quando bem manejados, são algumas das fontes de energia que podem ser utilizadas para o bem comum não só da propriedade, mas também de toda a comunidade do seu entorno. Segundo alguns estudiosos, os estoques mais importantes com valor futuro, ou seja, uma espécie de poupança para o futuro, incluem:

• Solo fértil com alto teor de matéria orgânica; • Sistema de vegetação perene, especialmente árvores, produção de

alimentos e outros recursos úteis;

• Corpos e tanques de água; • Edificações com utilização de energia solar. Obtenção e otimização dos rendimentos Você não pode trabalhar de estômago vazio. Como vimos até aqui, devemos planejar qualquer sistema agrícola para que ele nos proporcione autossuficiência em todos os níveis, utilizando energia capturada e armazenada eficientemente para manter o próprio sistema e capturar mais energia. Contudo, sem uma produção útil imediata e verdadeira, qualquer coisa que projetarmos e desenvolvermos tenderá a enfraquecer até a morte, enquanto elementos que geram uma produção imediata proliferarão, ao menos nos primeiros anos. 54


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Produção, lucro ou renda funcionam como uma recompensa que encoraja, mantém e/ou reproduz o sistema que gerou o rendimento. Desse modo, sistemas bem-sucedidos se disseminam. Em linguagem de sistemas, essas recompensas são chamadas de circuitos de retroalimentação positiva. Aqui começa a aparecer um importante aspecto do trabalho com a Agricultura Natural quando privilegiamos a biodiversidade de nossos campos. Uma das características de sistemas dessa natureza é que eles permitem ao agricultor um fluxo constante de produtos sendo colhidos e consequentemente comercializados. Por exemplo, um agricultor que cultiva 20 ou 30 espécies diferentes de plantas, com ciclos produtivos razoavelmente distribuídos ao longo do ano, terão muito mais condições de manter suas feiras, digamos, semanais, bastante abastecidas ao longo do tempo. Do contrário, se forem cultivadas poucas espécies vegetais de cada vez, como infelizmente acontece com grande parte dos agricultores, os rendimentos tenderão a se concentrar em algumas poucas épocas ao longo do ano. Além disso, é preciso levar em consideração que na maioria das vezes em que os agricultores estão colhendo, por exemplo, o tomate, a maioria de seus vizinhos também o estarão fazendo. A consequência imediata é uma acentuada queda dos preços e, com isso, os agricultores poderão ficar em sérios apuros. Por outro lado, a diversificação das culturas também abre a chance de agregação de valores com as colheitas. A presença de frutas nativas, aliada à colheita de outras como morangueiros, physalias (golden berry), etc., podem ser fontes muito interessantes de renda a partir de doces e geleias produzidos pelas famílias camponesas em instalações relativamente simples e de baixo custo de implantação.

Plantar de acordo com a época certa do ano Muitas vezes, por pressões do mercado, ocorre que os agricultores tentam a todo custo forçar a natureza de muitas plantas cultivadas. Um exemplo clássico é o caso das alfaces que, sendo plantas originárias de climas mais amenos e que necessitam de condições mais favoráveis de chuvas, hoje são cultivadas em praticamente qualquer parte do planeta. Evidentemente que isso trouxe consequências sérias como a crescente fragilização das inúmeras variedades de alface melhoradas geneticamente 55


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ao longo das últimas décadas. Além disso, em muitos lugares onde a água é escassa, com pouca precipitação pluviométrica ou ainda onde as chuvas não são regulares ao longo de todo o ano, apela-se para sistemas de irrigação que muitas vezes acabam por consumir quantidades muito grandes de água, podendo até ocasionar sérios danos às populações locais no futuro. Esse é mais um exemplo de artificialização excessiva dos sistemas agrícolas e, segundo os fundamentos da Agricultura Natural, mais cedo ou mais tarde a natureza irá cobrar o seu preço. Portanto, saber escolher que espécie plantar e qual a melhor época do ano é fundamental para o agricultor obter sucesso no seu trabalho. Existem muitas variedades de plantas que foram, ao longo do tempo, sendo adaptadas para esta ou aquela condição climática, especialmente em relação à temperatura ambiente e à quantidade de luz solar disponível ao longo dos dias. Não é difícil encontrar sementes de plantas no mercado que são “indicadas”, por exemplo, para serem cultivadas no verão, embora sejam plantas originalmente de climas frios. O agricultor poderá escolher dentre muitas espécies diferentes, mas aconselhamos que fique atento para o princípio de que, do ponto de vista da Grande Natureza, muitas destas plantas são estranhas ao ambiente onde ele vive e trabalha. Portanto, ele deverá levar em conta esse fato, principalmente nas eventuais ocorrências de pragas e doenças. Como forma de auxiliar na escolha das culturas a serem semeadas e cultivadas ao longo do ano, apresentamos o nosso calendário agrícola, elaborado a partir da observação de campo ao longo dos últimos anos nas condições climáticas da província de Maputo, em Moçambique.

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Começando a preparar o solo Viemos até aqui discutindo diversos conceitos que irão nos ajudar a compreender um pouco mais sobre diversos aspectos da Agricultura Natural. Se esta apostila fosse um manual agrícola típico, talvez tivéssemos iniciado nossa discussão de uma maneira completamente diferente da que estamos apresentando aqui. E isso não é sem motivo. Pela ciência convencional, o solo é visto apenas como um suporte “inerte” (portanto, sem vida) que irá manter nossas culturas e ainda um meio físico através do qual as plantas podem obter seus nutrientes, sejam eles de fontes naturais ou artificialmente fornecidos pelo homem. A esta altura, esperamos que já tenha ficado claro para todos os leitores, que na nossa abordagem de trabalho, o solo, e portanto o seu preparo, constitui um dos passos fundamentais que irão propiciar, no futuro, as colheitas fartas e sadias típicas da Agricultura Natural. No capítulo 3, do Módulo I da nossa apostila do curso, tivemos a oportunidade de apresentar a visão de Mokiti Okada sobre o solo. Aconselhamos vivamente o leitor que releia aquele capítulo e repita esse procedimento tantas vezes sejam necessárias, até que fique bem claro o ensinamento por ele apresentado. Em outras palavras, tudo começará pela forma com que iremos tratar o nosso solo, se como um ser vivo ou apenas um amontoado de rochas pulverizadas, argilas e areia. O preparo do solo para a prática da Agricultura Natural envolve diversas etapas de trabalho. A primeira delas foi a discussão anterior, reconhecendo-o como um ser vivo que necessita de todos os cuidados para que possa manifestar sua verdadeira natureza. Na sequência do trabalho, procuramos sempre manter o solo coberto com algum tipo de vegetação, como por exemplo, leguminosas que funcionam como adubação verde. Nas condições ideais, essas coberturas verdes conseguem manter os solos protegidos das intempéries do sol e das chuvas fortes e propiciam um meio através do qual bilhões de micro-organismos irão naturalmente se fixar a eles.

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Cobertura do solo com feijão-guandu e abóbora – Polo de Agricultura Natural da Moamba (Note a cobertura morta de capim nas entrelinhas dos plantios)

A presença de matéria orgânica no solo é de suma importância. Porém, diferentemente do que a maioria das pessoas pensa, a matéria orgânica não é adubo. Ela é alimento para a vida microbiana aeróbica do solo, responsável por fixar o nitrogênio atmosférico e mobilizar diversos nutrientes minerais presentes nos constituintes dos solos. Tendo essa informação como base, vemos a importância de cuidarmos de forma adequada de nossos solos, antes mesmo de lançarmos nossas sementes ou transplantarmos nossas mudas.

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O uso de maquinaria pesada, principalmente com o uso do arado ou grade, pode provocar em pouco tempo a desestruturação física dos solos, ao permitir a formação de uma laje de compactação, normalmente localizada a uns 20 ou 30 cm de profundidade. É essa laje de compactação a principal responsável por impedir a percolação da água para camadas mais profundas do solo bem como a formação de agregados originários da atividade microbiológica benéfica. Com o tempo, a água estagnada na superfície tenderá a provocar uma compactação muito mais acentuada do solo e como


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consequência disso, com o passar do tempo, pode não restar outra alternativa senão o abandono da área por até muitos anos. Preferencialmente, devemos usar máquinas leves para a execução dos trabalhos de preparo dos nossos solos. Além disso, devemos também prestar bastante atenção nas condições de umidade, pois as atividades mecânicas, se executadas com o solo úmido, podem provocar danos ainda maiores favorecendo também a compactação. Para um solo ser considerado saudável, ele deve ser agregado, ou seja, deve apresentar uma porosidade suficiente que permita a penetração adequada das raízes das plantas, a entrada de ar, necessária para o desenvolvimento dos micro-organismos benéficos, e também, como já mencionamos, a água. Conhecendo melhor o solo, sua fertilidade, interação com os insetos e micro-organismos, além do funcionamento das plantas, compreenderemos melhor os processos da natureza e, com a ajuda dela, o nosso trabalho tenderá a ser bem-sucedido. No solo existem milhares de seres vivos de inúmeras espécies diferentes, que interagem e se complementam no processo de decomposição da matéria orgânica. Toda essa atividade biológica acaba por promover a disponibilização dos nutrientes necessários para o desenvolvimento vegetal em quantidades adequadas e equilibradas. É esse conjunto de vida, matérias decompostas e nutrientes disponibilizados, que dá qualidade ao solo. Esta qualidade significa mais fertilidade, estrutura e umidade, dentre outros fatores. Quanto mais vida, mas fertilidade há no solo. Quanto mais fertilidade, maior garantia de saúde para as plantas e animais. E quanto mais saúde, maior produtividade do sistema de produção. De forma geral, existem três tipos de solo: arenoso, areno-argiloso e o argiloso. Cada um destes três tipos de solo apresenta certas peculiaridades que lhes são inerentes e que definem as suas potencialidades para o desenvolvimento de determinadas culturas. Assim, existem culturas que se adaptam melhor a solos arenosos, como é o caso do amendoim e do feijãonhemba, outras a solos argilosos e assim por diante. Cabe a cada agricultor, portanto, observar, estudar e aprofundar estas particularidades e definir o melhor sistema de plantio a ser adotado, de acordo com a realidade encontrada no local. 61


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Manejo ecológico do solo Como já vimos, para um manejo ecológico do solo devemos introduzir os conceitos básicos para que os praticantes possam conduzir sua produção agrícola natural, de forma a aproveitar o máximo do potencial existente no local e permitir maior interação com a natureza e os fatores que predispõem ao sucesso da produção natural. Dentre esses conceitos já citamos a biodiversidade, introdução de barreiras de vento, adubação verde e a consorciação de culturas. Falta-nos ainda discutir um pouco mais sobre a cobertura do solo e o aumento do sistema radicular das plantas. A prática da cobertura do solo é uma técnica extremamente importante nos trópicos, uma vez que auxilia na redução da temperatura do solo, principalmente em épocas muito quentes e, ainda, protege-o contra o calor intenso, o impacto das chuvas e dos ventos fortes. Essa prática contribui para a redução de perdas do solo por erosão, além de auxiliar na estruturação e na manutenção da sua umidade, garantindo assim, economia de água na produção agrícola. A cobertura do solo consiste na aplicação de materiais de origem vegetal sobre a superfície, podendo este ser material seco (cobertura morta), bem como material verde (cobertura viva), na forma da própria vegetação espontânea natural da região. O plantio adensado das culturas também pode representar o papel de cobertura viva no solo. O ideal é que esta cobertura seja feita com materiais disponíveis na propriedade, tais como palhas de capim, cana, caniço, cascas de árvores e outros materiais. Uma das alternativas que estamos utilizando em Moçambique é o uso de caniço para recobrir muitos dos nossos canteiros. O caniço é um material relativamente barato e de fácil acesso à população moçambicana e o seu uso traz muitas vantagens, além da proteção dos solos contra as chuvas torrenciais. O caniço também ajuda a manter a umidade do solo e uma temperatura mais amena, normalmente na casa dos 20 aos 25oC ao longo de todo ano. E além disso, é um produto natural, que irá se decompor ao longo dos anos enriquecendo ainda mais o solo com matéria orgânica, contrariamente ao que acontece, por exemplo, quando se usam lonas de plástico preto. Do ponto de vista biológico, o caniço permite que o solo respire muito mais facilmente e consiga atingir um equilíbrio mais interessante entre as culturas cultivadas e as espécies espontâneas. Aqui também entra o raciocínio já discutido anteriormente da necessidade 62


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de minimizar a artificialização dos sistemas agrícolas, principalmente quando trabalhamos com a Agricultura Natural. Acreditamos que nossas intervenções, quando necessárias, devem levar em conta a capacidade da própria natureza em restabelecer seu equilíbrio original de forma mais pacífica. Fornecer aos campos uma alternativa natural de cobertura, ao invés de forçar o sistema todo com o emprego de materiais não biodegradáveis e que ainda alimentam toda uma cadeia de produção química industrial, como são os plásticos, vai ao encontro com o raciocínio de privilegiar os ciclos naturais de todo o nosso meio ambiente.

Uso do caniço para cobrir canteiros de produção agrícola – Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene

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Dentre outros benefícios da cobertura do solo, podemos ainda citar o estímulo ao desenvolvimento das raízes das plantas, que se tornam mais eficazes em absorver água e nutrientes do solo; o aumento da capacidade de infiltração de água, reduzindo a erosão; controle da vegetação espontânea (note-se que não falamos em eliminação da vegetação espontânea); ativação da vida do solo, favorecendo a reprodução natural de micro-organismos benéficos às culturas agrícolas; e abrigo para diversas espécies de pequenos animais e insetos, contribuindo para o equilíbrio ecológico do sistema.

Otimizando os espaços Para finalizarmos esse capítulo, gostaríamos de discutir agora uma questão estratégica, que muitas vezes pode significar a própria viabilidade dos campos agrícolas a serem implantados, principalmente em termos de sua sustentabilidade a longo prazo. Trata-se de como ocupar o nosso terreno com os campos e canteiros. A permacultura introduziu o conceito de design agrícola aos campos de cultivo. A lógica desse trabalho leva em consideração usar os espaços de maneira inteligente e, consequentemente, mais eficaz. Uma discussão mais detalhada do design permacultural pode ser encontrada através de algumas das referências bibliográficas ao final desse módulo da apostila. Mais um aspecto interessante e que gostaríamos de aprofundar um pouco mais aqui diz respeito à forma com que muitas vezes organizamos nossos canteiros e machambas. O modelo que apresentaremos não foi desenvolvido inicialmente por nossa equipe e acreditamos que já exista há muito tempo espalhado pelo mundo afora. Trata-se da configuração mandala. Mas antes de continuarmos, vale a pena ressaltar que o nosso manejo do solo não é refém desse tipo de configuração. Apenas damos a ele certa preferência por apresentar muitas vantagens em termos dos baixos custos de implantação, melhor gerenciamento da área, economia de energia, etc. Contudo, em determinadas circunstâncias, podemos e fazemos uso de outras configurações em nossos campos.

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Uma horta ou machamba mandala, como por vezes a chamamos, é constituída por uma série de canteiros circulares concêntricos. Normalmente instalamos nossa fonte de água no centro dessas mandalas para que possamos ter um melhor controle das operações de irrigação, com considerável


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redução do esforço físico. Isso porque nem sempre é possível termos à mão os sofisticados sistemas de irrigação e, por vezes, mesmo em algumas de nossas áreas, somos obrigados a realizar a irrigação manual. Esta é, aliás, a realidade da maioria dos agricultores camponeses no interior da África. E por isso mesmo que algumas de nossas machambas são mantidas intencionalmente com o mais baixo nível de tecnologia externa, exatamente para que sirvam como referência de trabalho para pequenos agricultores familiares. Na configuração mandala temos muitas vantagens operacionais. Por exemplo, a eficiência das barreiras de vento quando instaladas nas bordas de canteiros circulares concêntricos traz a vantagem de proteger todo o perímetro da área interna, independente da direção do vento num determinado dia. Assim, não precisamos nos preocupar com a questão das direções preferenciais dos ventos que, em muitas regiões, mudam com o passar dos meses. Outro aspecto interessante diz respeito à economia de energia. Exemplifiquemos isso com um pequeno exercício. Vamos imaginar que nosso agricultor camponês irá implantar sua machamba numa área de 2.500 metros quadrados. Agora vamos imaginar que ele, como a grande maioria dos agricultores, queira configurar sua área de forma retangular, e nesse caso, vamos supor que o faça de maneira que a área tenha as dimensões de 20 x 125 metros. Agora, para efeito didático, vamos supor que a única fonte de água disponível esteja localizada numa das extremidades dessa área. O leitor provavelmente já deve ter visto áreas de cultivo coletivo pelo interior de Moçambique ou mesmo em outros países, onde os agricultores se instalam ao redor de fontes de água em lotes retangulares. Portanto, nem é tão difícil assim imaginar esse nosso exemplo. Agora vamos considerar as operações de irrigação manual. Como pode ser visto pelo diagrama a seguir, na configuração de terreno considerada, nosso agricultor terá de levar a água a uma distância de até 125 metros da sua fonte. Considere que muitas vezes ele só dispõe de regadores manuais e tenha uma noção do esforço gigantesco que ele será obrigado a fazer durante todo o dia, sete dias por semana, 54 semanas por ano e assim por diante. A esse esforço, nossa equipe costuma dar o nome de índice de xima1. Em outras palavras, nosso agricultor gastará enormes quantidades de energia e tempo que, de outra 1. Alimento tradicional feito a partir da farinha de milho branco e muito consumido pela população moçambicana. Em outros países africanos existem variações do prato como é o caso do fungi em Angola. No Brasil, o angu seria um prato muito similar.

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forma, poderiam estar sendo empregados em outras atividades mais cruciais em sua machamba. A irrigação é só uma das operações que demandam gasto de energia. Também é preciso considerar os tratos culturais como um todo, desde o transplantio de mudas até a capina, sem esquecer, é claro, as colheitas.

Diagrama dos canteiros retangulares e nos formatos de mandala

Já num sistema mandala, temos uma lógica bem diferente. Para a mesma área de 2.500 metros quadrados, podemos instalar nossos canteiros dentro de um espaço de 50 x 50 metros. Isso quer dizer que na nossa mandala, a partir do centro onde estará nossa fonte de água, a maior distância que o agricultor precisará percorrer, em qualquer que seja a direção, será de apenas 25 metros. Isso corresponde, a grosso modo, a uma redução de 80% do esforço empregado!

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Claro que essa é uma simplificação do cálculo, pois é preciso considerar muitas variáveis para tentar chegar a um número mais preciso. Mas o importante aqui é apresentar a lógica do trabalho quando tentamos otimizar nossos espaços e campos de cultivo. Por outo lado, existem inúmeras variações


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desse tipo de configuração e a escolha do modelo a ser adotado ficará a critério, claro, dos próprios agricultores. A intenção de apresentar esse modelo aqui é de apenas dar uma referência a mais e mostrar algumas das vantagens de se gastar algum tempo planejando as atividades antes de iniciar o cultivo da área propriamente dito.

Implantação da Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene, em formato mandala

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Demarcação dos canteiros nas mandalas É muito simples implantar uma mandala. Para facilitar a marcação dos canteiros, podemos utilizar estacas de madeira, fita métrica e cordas para definir os limites de cada canteiro. Assim, colocamos as estacas em cada limite, amarramos uma corda em cima da superfície do solo e iniciamos o levantamento dos canteiros com o auxílio da enxada. Para solos arenosos deve-se tomar o cuidado para fazer pequenas bordas, transformando o canteiro em pequenas bacias, para que a água de rega não escorra lateralmente pelos canteiros. Já no caso de solos de textura média ou argilosos, esse tipo de formato de canteiro não é o mais recomendado, pois algum eventual excesso de água de irrigação poderá fazer com que se criem lodaçais nessas pequenas bacias. Nesse caso, o melhor é levantar os canteiros como mostrado na figura abaixo.

Perfil dos canteiros construídos em terrenos arenosos no formato de bacias

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Perfil dos canteiros construídos em terrenos com solo de textura média e argilosos, no formato “normal”


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Incorporação de matéria orgânica Após o preparo dos canteiros, iniciamos a incorporação do material orgânico (restos de folhas, de capim, composto, etc.) e revolvemos a terra, juntamente com o material orgânico até o limite máximo de 20 cm. Em seguida, nivelamos o canteiro e cobrimos com capim seco, deixando o solo em preparo por até 10 dias. Se o material incorporado for constituído por folhas secas e capim seco, bem como material proveniente da compostagem, o período de preparo pode ser reduzido para 5 dias ou menos. Estes prazos dependerão da natureza do material utilizado e das observações dos próprios agricultores. Durante o período de preparo, o solo deve ser molhado diariamente, apenas para manter a umidade. Se observar que o solo está úmido, não é necessário fazer rega. Após esse período, devemos verificar o cheiro do solo. Se estiver com cheiro agradável, como se fosse solo de mata virgem, o canteiro está pronto para ser semeado.

6. Compostagem O composto orgânico, assim como toda a matéria orgânica, é um alimento da microvida e, por isso, um condicionador do solo (PRIMAVESI, 2006). Por condicionamento de solo entendemos a sua capacidade de produzir e manter grumos, tornando-o agregado e, portanto, fisicamente apto a garantir um pleno desenvolvimento das plantas. Existem várias formas de produzir os compostos para serem usados na Agricultura Natural. Também podem ser empregados vários materiais vegetais, bem como resíduos de determinadas atividades agropecuárias. Este último ponto é um assunto que ainda levanta muitas dúvidas e, por isso mesmo, vamos aprofundá-lo um pouco mais à frente. Em Moçambique, nosso composto natural muitas vezes não é mais do que folhas e capins secos. Isso porque, em muitos casos, a disponibilidade de água, inclusive para manter as composteiras úmidas, é muito precária. Dessa forma, acabamos por incorporar ao solo materiais que ainda não foram degradados por micro-organismos do solo, o que também pode ser, do ponto de vista da

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conservação de energia, muito interessante. Numa compostagem convencional, a mistura de resíduos vegetais, muitas vezes acrescida de resíduos agroindustriais e mesmo agropecuários, sofre um processo de decomposição aeróbica denominado fermentação. Para que este processo microbiológico se desenvolva de forma eficiente, são necessários alguns cuidados, como por exemplo, o constante revolvimento das leiras de composto para garantir a entrada de ar nos interstícios da massa de matéria orgânica. Do contrário, ou seja, se não for fornecido oxigênio suficiente para esse processo, a rota metabólica que será seguida pelos micro-organismos será a da putrefação, com a produção de diversas substâncias secundárias, muitas delas tóxicas, indesejáveis para manter nossos solos saudáveis. O processo é exotérmico e isso quer dizer que ele libera grandes quantidades de energia, principalmente na forma de calor. Assim, o revolvimento das leiras também tem o efeito de manter as temperaturas mais amenas, pois do contrário, os micro-organismos aeróbicos naturais acabam morrendo, dando lugar aos putrefadores. Existem vantagens de se incorporar materiais não decompostos no solo, principalmente em termos de conservação da energia contida nesses restos de vegetais. Começamos este capítulo justamente falando que o composto, na verdade, é alimento para a microvida no solo. Portanto, desse ponto de vista, podemos considerar que quanto mais rico ele for nutricionalmente, mais organismos ele irá alimentar. Dessa forma, um número também maior de espécies desses micro-organismos acabará se fixando naturalmente no solo. Do mesmo modo que já discutimos a importância de mantermos a biodiversidade dos nossos campos agrícolas em termos de número de espécies de plantas diferentes, também no caso dos micro-organismos, além é claro dos representantes da mesofauna, essa biodiversidade será fundamental para o bom desempenho do nosso trabalho com a Agricultura Natural. Por vezes acontece que muitos agricultores tentam inocular os seus solos com suspensões de micro-organismos tidos como benéficos, como os rizóbios. Tais suspensões podem ser obtidas comercialmente ou até mesmo extraídas das proximidades da área a ser cultivada, como por exemplo, da serrapilheira (aquela camada de folhas decompostas nos solos de matas) de pequenas florestas e capoeiras. Nossa experiência, contudo, tem mostrado que se conseguirmos ficar atentos a uma série de conceitos do trabalho natural com 70


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o solo, esse tipo de intervenção, que para muitos pode até ser considerada uma espécie de artificialização do sistema, ainda que em menor grau, tornase completamente desnecessária. Uma das consequências imediatas disso é a redução ainda maior dos custos de produção, já que muitas vezes esse tipo de biotecnologia tem um preço alto, principalmente para os padrões camponeses da maioria dos países africanos. A manutenção da biodiversidade nos campos agrícolas, inclusive com a presença de espécies espontâneas e nativas da região, poderá ser um meio muito eficaz de instalar e manter a microbiota nativa daquele solo. Se esta microbiota será aquela que promoverá a saúde do campo ou aquela que irá até fornecer substâncias tóxicas ao solo e, consequentemente, às plantas, vai depender das ações que forem promovidas pelos agricultores. O argumento muitas vezes usado por fabricantes de produtos biotecnológicos é que seus produtos acabam por resolver todos os problemas dos agricultores, mesmo que eles não tenham nem noção da origem desses mesmos problemas. E esse talvez seja um dos grandes perigos pois, com o tempo, a tendência é as pessoas irem pouco a pouco perdendo a noção de conceitos fundamentais da natureza do solo e, a partir daí, criando a dependência de tecnologias externas. Recomendamos vivamente a leitura do capítulo 18 do livro “Cartilha do Solo”, de autoria de Ana Primavesi que, na nossa opinião, descreve com extrema lucidez a questão dos compostos na Agricultura Natural e também na agricultura orgânica. Vamos aqui resumir um pouco o texto original, sem tentar perder sua essência. Quando falamos em composto nas regiões tropicais, temos de levar em consideração que sua incorporação no solo não pode ser feita a mais de 30 ou 40 cm de profundidade. Ao contrário, ele deve ficar na superfície do solo ou na camada superficial e, para que isso ocorra, a enxada rotativa pesada não serve para realizar essa operação, razão pela qual recomendamos o uso de maquinarias leves. O composto produzido com material da própria área pode não manter, necessariamente, a saúde das culturas. Ele vai manter essa saúde se for feito a partir das espécies vegetais nativas da região. Do contrário, se for obtido a partir de restos de materiais híbridos, oriundos de regiões de climas completamente diferentes daquela onde se está trabalhando, como de outros países e continentes, dificilmente se conseguirá manter uma população saudável

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de micro-organismos nativos. Esse é um erro que muitos agricultores orgânicos e naturais cometem mundo afora. Principalmente no caso das hortícolas, os compostos produzidos a partir de seus resíduos de produção costumam não trazer resultados satisfatórios, já que a maioria delas são originárias de países de climas frios e, portanto, diferente das condições existentes nas regiões tropicais. Essa discussão reforça ainda mais a importância de se preservar as espécies nativas da região nos nossos campos de Agricultura Natural, muitas vezes nascendo de forma espontânea. O composto produzido a partir dessas espécies terá um valor muito superior àquele eventualmente obtido a partir de plantas “estrangeiras”.

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Colônias naturais de micro-organismos fixadores de nitrogênio (rizóbios) em simbiose com espécies nativas da região do Polo de Agricultura Natural da Moamba


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Existem muitos trabalhos que descrevem a produção de composto a partir de resíduos industriais como cervejarias, fábricas de processamento de alimentos e até resíduo orgânico oriundo do lixo urbano. Além desse tipo de material, também é muito comum a referência do composto obtido a partir da cama-de-frango, ou outro resíduo animal, misturada com resíduos da agricultura convencional, como no caso de bagaço de cana. Evidentemente que em todos esses casos, não se pode dizer que o composto obtido seja “químico”. Ele é sim “orgânico”, mas isso não quer dizer que esteja limpo, ou seja, livre de substâncias tóxicas, como por exemplo, os agrotóxicos e os metais pesados, presentes principalmente no lixo urbano, ou ainda os antibióticos presentes nos resíduos de criação convencional de animais. Como podemos ver, tão importante ou mais que usar composto, é saber a origem dos materiais a partir dos quais ele será obtido. Sem saber exatamente essa origem, muitos agricultores, ainda que bem-intencionados, acabam contaminando seus solos e dependendo do tipo de contaminação, serão necessários muitos anos até que tais substâncias saiam do sistema. Primavesi também cita: “Acredita-se que o composto é a única fonte de nitrogênio, além dos rizóbios das leguminosas. Isso não é correto e, geralmente, existe pouca inter-relação entre o nitrogênio fornecido pelo composto e o nitrogênio que se encontra no solo. Qualquer material orgânico, inclusive a palha aplicada superficialmente consegue fixar nitrogênio do ar durante a sua decomposição. Portanto, o que importa não é tanto o material com que o composto é feito, mas que a sua decomposição final no solo seja feita por bactérias aeróbicas capazes de fixar nitrogênio.” Muitos também pensam que o nitrogênio proveniente dos compostos nunca causa desequilíbrio ao solo, por serem “naturais”. Na verdade, não é bem assim que as coisas funcionam. Se o composto for rico em nitrogênio, e isso normalmente acontece quando introduzimos na sua formulação os resíduos das criações camponesas de animais, podem-se verificar alguns problemas nas lavouras. Inicialmente, as plantas que recebem esses compostos tendem a desenvolver folhas grandes e vistosas que muitos acreditam ser devido a uma alimentação excelente por parte das plantas. Mas o que de fato ocorre na maioria desses casos é a deficiência de micronutrientes, no caso específico do cobre, induzida pelo excesso de nitrogênio. A consequência 73


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quase sempre é o aparecimento de vários tipos de insetos sugadores que irão se aproveitar dos exsudatos metabólicos, em especial açúcares e aminoácidos livres, verdadeiros banquetes para os pulgões, por exemplo. O agricultor que não ficar atento a esses detalhes cai facilmente na armadilha de passar os anos seguintes tentando encontrar “remédios naturais” para os problemas de suas lavouras, ao invés de se fixar na origem dos desequilíbrios observados pelas diversas culturas. E aí também se tornam presas fáceis das “empresas milagrosas” que tentam vender suas “facilidades biotecnológicas”. A conclusão desse parágrafo deixamos para a imaginação de cada leitor.

Construindo as composteiras na mandala Normalmente para se obter o composto usam-se leiras, que nada mais são que canteiros da mistura dos diversos materiais utilizados, normalmente sobre o piso de terra batida ou ainda em cima de pisos de betão. Em Moçambique, usamos uma estratégia um pouco diferente e que vem sendo aprimorada ao longo dos anos. Dentro daquela lógica que apresentamos no final do capítulo anterior, quando discutimos as machambas em formato de mandalas, também no que diz respeito às nossas composteiras, seguimos um caminho semelhante. O interessante é que o resultado que apresentaremos a seguir foi conseguido a partir do desenvolvimento do conceito da mandala feito pelos nossos próprios funcionários de campo. No início das nossas atividades, escolhíamos algumas árvores no nosso terreno e, em volta delas, cavávamos uma espécie de canteiro com 60 a 80 cm de profundidade. Claro que isso era muito facilitado pelo tipo de solo arenoso da nossa região, mas o fato é que dispúnhamos normalmente de três ou quatro anéis concêntricos, dentro dos quais armazenávamos alguns dos poucos resíduos de nossa produção agrícola e uma quantidade grande de folhas secas das árvores, principalmente cajueiros, mangueiras, mafureiras, massaleras e canhueiros, além de várias espécies de capins, oriundos das capinas. Ao construir essas leiras sob a copa das árvores, o objetivo é tentar manter o material o mais refrescado possível, além da sombra ajudar na manutenção da umidade. 74

Porém, como logo ficou evidente, era muito mais proveitoso, e


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energeticamente mais econômico, construir as composteiras dentro das mandalas. Para isso, escolhemos alguns segmentos de canteiros e reproduzimos o trabalho descrito no parágrafo anterior. A diferença é que fazendo dessa forma, economizamos muita energia no transporte do composto para os canteiros. Além disso, a própria decomposição do material, com o passar do tempo, vai enriquecendo o solo que futuramente passa a ser canteiro cultivado. Hoje, esse é o nosso padrão de composteiras, quando delas necessitamos.

Composteira no interior da mandala da Agricultura Natural na comunidade de Santa Isabel, Marracuene

Composteira sob a copa de um cajueiro, na Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene

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7. Produção de mudas Agora que já conhecemos um pouco mais sobre a natureza do solo, já estudamos como organizar nosso terreno, reconhecemos as características de nossa área e região, preparamos nossos canteiros e fizemos nossas composteiras, chegou o momento de começarmos a aprender um pouco mais sobre como produzir adequadamente nossas mudas. Muitas espécies de plantas, em especial as hortícolas, possuem sementes muito pequenas e suas plântulas são muito delicadas. Além disso, nessa fase do desenvolvimento vegetal, as raízes também são extremamente finas e qualquer descuido por parte do agricultor pode danificá-las, com considerável prejuízo no desenvolvimento final das plantas, além da necessidade que terá de consumir mais água de irrigação quando essas mudas forem transplantadas, como veremos um pouco mais à frente. Porém, temos que levar em consideração ainda as questões econômicas, pois nem sempre as sementes que temos à disposição no mercado são baratas, principalmente levando em consideração a realidade socioeconômica das comunidades de agricultores camponeses do interior da África. Por outro lado, temos tentado também produzir e distribuir nossas próprias sementes oriundas da Agricultura Natural, principalmente para aquelas espécies vegetais de mais fácil propagação. Também temos incentivado um grande número de pequenos agricultores que o façam e distribuam parte de sua produção para aqueles que queiram iniciar esse tipo de trabalho. Como já tinha ficado evidente anos atrás, a produção de sementes na ótica da Agricultura Natural também segue uma lógica um pouco diferente do sistema convencional. Por isso, as quantidades de sementes muitas vezes obtidas em nossos campos naturais não são as mesmas verificadas nos campos repletos de tecnocracia. Dessa forma, a produção adequada de mudas a partir de sementes naturais ganha, no nosso contexto africano, contornos que merecem um pouco mais de atenção. 76


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Algumas sementes da Agricultura Natural produzidas em Moçambique

Normalmente os camponeses do interior moçambicano estão habituados a produzir suas mudas lançando as sementes adquiridas diretamente em canteiros, que são chamados de sementeiras. Inicialmente, esse tipo de trabalho traz considerável economia de tempo, mas a longo prazo estarão embutidas nessa equação variáveis que podem deitar por terra a sustentabilidade do sistema. Isto por vários fatores como veremos a seguir. O primeiro ponto que precisamos considerar é o fato de que as sementeiras consomem grande quantidade de sementes sem que todas elas cheguem a ser transplantadas. Num levantamento que realizamos há alguns anos verificamos que, numa sementeira típica, o percentual de perda de mudas que não eram transplantadas ou ainda não conseguiam sobreviver era de mais de 50%. O agricultor precisa entender que quem mais ganha com esse tipo de prática é a indústria produtora e revendedora de sementes! Mas os

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danos não são somente esses. No sistema de sementeiras, as plântulas nascem muito próximas umas das outras e assim, seus delicados sistemas radiculares ficam entrelaçados. Ao serem separadas as mudas, por ocasião do transplantio, é impossível não danificar suas delicadas raízes. O resultado é o stress que a muda sofre ao ser colocada no seu local definitivo no canteiro. A maioria das mudas de hortícolas plantadas dessa maneira levam dias para recuperar seu vigor, quando o conseguem. E para tentar atenuar esse stress, quantidades maiores de água são utilizadas na irrigação dos canteiros nessa fase. Além disso, existe a perda de tempo útil em que a planta já teria de estar dando continuidade ao seu desenvolvimento, mas que agora ela passa por um processo de quase ressuscitação no campo. Quando começamos a discutir essas questões com nossa equipe de campo há alguns anos e também com agricultores familiares de nossa região, descobrimos que muitos deles simplesmente não acreditavam que uma única sementinha era capaz de se transformar numa planta vigorosa e produtiva. Acabamos por adotar o lema de que “uma semente, uma planta” na tentativa de convencê-los até mesmo do poder da natureza. Apesar das resistências normais a qualquer ideia nova por parte de um grupo de pessoas ou comunidade, começamos a preparar nossas primeiras bandejas de mudas, algo impensável para muitos dos nossos colaboradores de até então.

Construindo o viveiro de mudas Para a produção adequada de mudas é necessário termos um espaço devidamente protegido dos ventos fortes, da insolação direta e da ação predatória de alguns animais como galinhas e pássaros. Na fase de desenvolvimento inicial, as plântulas são uma verdadeira iguaria e, por isso, muitos animais as apreciam.

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A construção do viveiro poderá ser feita usando-se materiais que muitas vezes são encontrados no próprio terreno ou nas suas vizinhanças. Também podem ser usados materiais comprados em lojas especializadas, mas no caso desse curso, vamos dar prioridade, sempre que possível, às formas mais simples, levando em conta, mais uma vez, a realidade de nossas comunidades agrícolas.


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O primeiro passo é determinar a quantidade de mudas que serão necessárias para manter o campo em produção permanente, isto é, a quantidade de mudas que precisam ser produzidas ao longo dos meses para garantir que quando um pé de repolho, por exemplo, seja colhido, exista uma muda daquela mesma planta pronta para ser plantada no mesmo lugar da que foi retirada. Esse aspecto é de vital importância, pois dependendo da cultura desejada temos janelas de cultivo bastante estreitas no decorrer do ano e, nesses casos, cada dia conta. Além disso, terra parada inutilmente não produz comida e precisamos aproveitar ao máximo as atividades microbiológicas do solo, os compostos incorporados e a água de irrigação para otimizar nossa produção agrícola. Assim, dentro das condições normais, quanto menos tempo nossos canteiros permanecerem vazios entre uma colheita e o replantio, melhor. Uma forma simples de construir um pequeno viveiro de mudas, usando estritamente materiais locais, pode ser vista na figura abaixo. Esse viveiro foi construído com estacas de madeira e, no lugar do tradicional sombrite, foram usadas folhas de coqueiro entrelaçadas.

Viveiro de mudas construído com estacas de madeira e folhas de coqueiro na comunidade do Chitondo, interior da província de Inhambane

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Mas para o caso de se desejar uma produção maior de mudas, podem ser construídos viveiros maiores. Um de nossos viveiros foi construído com as dimensões de 5 x 10 metros, usando basicamente toras e estacas de madeira para as estruturas, caniço para os revestimentos laterais e sombrite para a cobertura. A sequência de fotos a seguir mostra algumas etapas da construção desse nosso viveiro, instalado em Marracuene.

Implantação do viveiro de mudas na Machamba Modelo de Agricultura Natural de Marracuene 80


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Devemos tomar cuidado para não construirmos o viveiro em áreas muito sombreadas. Muitas das espécies de culturas necessitam de uma certa insolação para que suas sementes germinem bem e se desenvolvam adequadamente. Dentro do possível, procuramos instalar nossos viveiros em alguma área que permita um sombreamento somente parcial. Isto porque, em alguns casos, há plantas que já não suportam o forte calor africano e as sombras acabam ajudando a atenuar as temperaturas no interior dos viveiros. A produção de mudas de hortícolas, bem como frutíferas, florestais e/ou nativas requer cuidados diários, uma vez que problemas adversos podem ocorrer durante o período de desenvolvimento da muda, podendo assim, prejudicar todo seu planejamento de produção. Devemos observar a porcentagem de germinação das sementes, acompanhar o seu desenvolvimento e verificar como se comporta em situações de calor intenso, falta de luz solar no viveiro, falta ou excesso de água, etc. O resultado deste comportamento poderá definir a melhor época de cultivo das mesmas. É muito importante o agricultor ter o hábito de anotar todas as informações pertinentes, bem como as observações que for fazendo ao longo do tempo para que, no futuro, essas mesmas informações possam ajudá-lo a otimizar cada vez mais a sua produção agrícola.

Preparando as bandejas de mudas Para preparar mudas de forma adequada precisamos de algum investimento. Agora é que a economia de recursos financeiros que a Agricultura Natural nos proporciona começa a mostrar seus resultados. Parte do dinheiro economizado quando evitamos comprar adubos e defensivos, poderá ser utilizada em investimentos mais duradouros na propriedade, como por exemplo, bandejas de mudas e eventuais sistemas simplificados de rega. Evidentemente que em escalas domésticas ou mesmo em pequenas hortas escolares, podemos utilizar materiais alternativos e recicláveis tais como bandejas de ovos, garrafas plásticas e outros. Mas já para uma produção mais sistemática, bandejas próprias para mudas acabam sendo muito mais interessantes a médio e longo prazos. Basicamente, em Moçambique, existem dois tipos de bandejas para mudas. A mais comum e barata é feita de plástico e possui modelos com as células de vários tamanhos. Outros tipos de bandeja são aquelas feitas com

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esferovite (isopor), de preço um pouco mais elevado. Nossa experiência tem mostrado que tendo os cuidados necessários, essas bandejas podem durar anos e sua aquisição pode ser feita por sistemas de cotas entre grupos de agricultores, com redução considerável dos custos individuais iniciais.

Tipos diferentes de bandejas de mudas. À esquerda vemos as bandejas de esferovite e à direita as de plástico

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Uma vez escolhida a bandeja, passamos para a produção do substrato. A produção de mudas requer alguns cuiados especiais e um deles diz respeito ao material sobre o qual iremos lançar nossas sementes. Convencionalmente, esses substratos são oferecidos já “enriquecidos” com fertilizantes químicos e, muitas vezes, já com algum tipo de defensivo (agrotóxico). No nosso caso, porém, temos na produção das mudas a primeira oportunidade de reeducar nossas sementes, principalmente aquelas ainda adquiridas comercialmente, ao tipo de manejo que a planta irá receber ao longo do seu desenvolvimento. Nossos substratos não recebem nenhum tipo de adição de substâncias sintéticas e tentamos mantê-los o mais próximo possível, em termos de composição, ao tipo de solo que as futuras plantas terão à sua disposição.


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Preparo do substrato O substrato que devemos colocar nas bandejas de produção de mudas (plástica, esferovite) deverá ser preparado com 50% de terra (arenosa) e 50% de composto cortado em partículas bastante reduzidas. Em seguida, devemos molhar o substrato até atingir umidade de 30%, de forma que possamos preencher as bandejas sem que o solo seja perdido nas aberturas do fundo. Uma forma prática de saber se a umidade está adequada é pegar uma porção de substrato na mão e apertá-la. Se, ao abrir a mão, não se formar um torrão significa que ainda precisa de mais água. Se ao apertar o substrato escorrer água entre os dedos, significa que a umidade está excessiva. O ideal é que se forme um torrão que se desfaça com o apertar dos dedos da outra mão.

Preenchimento das bandejas de mudas com substrato

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Nesta etapa podemos usar misturas de terra e areia, acrescidas de composto de folhas secas muito trituradas. Uma alternativa que verificamos com o passar dos anos é usar a terra escurecida que fica no fundo de nossas composteiras ou mesmo a camada superficial de solos que encontramos em áreas de cultivo de composto, ou seja, naquelas áreas onde deixamos o mato crescer com o acúmulo de restos de folhas das árvores. Uma outra proporção interessante a ser usada na formulação do substrato é ter 50% de areia, 30 a 40% de composto natural e 10 a 20% do solo dos canteiros que receberão as mudas. Porém, para cada região, os próprios agricultores poderão desenvolver seus substratos de forma mais adequada às suas necessidades e condições locais. O conceito que precisa ficar claro é que esse material precisa ser leve para que as plântulas possam desenvolver suas raízes de forma adequada, sem adensamentos e estagnação de água.

Semeadura Antes de terminar o preenchimento do substrato nas bandejas, devese deixar uma pequena parte não preenchida de cerca de 3 mm e iniciar a semeadura das culturas. Vale ressaltar que a profundidade de plantio poderá variar de acordo com cada cultura. Após semear as sementes, cobrir as bandejas com o mesmo substrato preparado e regar com pulverizador.

Semeadura nas bandejas de mudas

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O tempo de permanência das mudas no viveiro varia de acordo com a cultura, podendo estar entre os limites de 20 a 30 dias. De forma técnica, as plantas devem ser transferidas para o canteiro quando estiverem com 3 a 4 folhas definitivas.

Irrigação das bandejas Por fim, devemos também ter muito cuidado com a irrigação das bandejas contendo as sementes e plântulas. Nessa fase, se não houver a atenção necessária, jatos fortes de água podem até mesmo deslocar as sementes de seus receptáculos e, no caso das plântulas, danificá-las severamente. O ideal é que essa operação seja feita com o auxílio de pulverizadores, desde que nunca tenham sido usados, anteriormente, com venenos e agrotóxicos. Sistemas adaptados de microaspersão também podem ser usados.

Irrigação de mudas com o uso de pulverizador

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Uma alternativa muito interessante, e de custo quase zero, é construir os nossos próprios regadores de viveiros. Para isso, basta tomar uma garrafa PET de água, por exemplo, e com o auxílio de uma agulha de costura com a ponta aquecida ao rubro, perfurar a parte lateral superior. Dessa forma, será possível obter um fluxo muito suave de água, e assim, evitamos maiores problemas.

Regador para mudas fabricado com garrafa PET reciclada

Viveiro de espécies florestais e frutíferas

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Para a produção de mudas de espécies frutíferas, florestais e/ou nativas devemos preparar bem o solo que será colocado nas bolsas plásticas, pois o tempo de permanência das diferentes espécies de plantas no viveiro podem variar de meses a até dois anos, dependendo da espécie. O substrato poderá ser feito da mesma forma proposta para o viveiro de hortaliças e em seguida, semeadas as culturas.


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Produção de mudas de espécies florestais frutíferas no viveiro da Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene

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8. Plantio e transplantio No capítulo anterior, discutimos a importância da produção adequada de mudas, especialmente daquelas plantas que possuem sementes muito pequenas. No entanto, por vezes, é recomendável proceder à semeadura direta de muitas culturas agrícolas, mesmo que estas tenham sementes pequenas, como é o caso, por exemplo, das cenouras. Após atingir o período adequado de preparo do solo, podemos iniciar o plantio/transplantio das culturas, respeitando-se, como já dissemos, a melhor época de produção, o tipo de solo mais adequado, bem como o espaçamento correto para cada caso. A profundidade de semeadura das sementes varia com cada cultura, mas de forma geral, devemos semear a cultura a uma profundidade de 3 vezes o tamanho da semente. As sementes muito pequenas colocadas em profundidades muito elevadas podem não ter força suficiente para se desenvolverem.

Plantio Após o período de preparo da terra, retira-se o capim seco e se revolve a terra novamente, pois durante o período de preparo, podem ter se formado

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Plantio direto de rabanetes com caniço nas entrelinhas – Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene


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camadas duras na superfície do solo. Em seguida são abertas linhas de plantio e se semeia a cultura desejada, respeitando-se o compasso. Por fim, cobre-se com uma fina camada de capim seco ou ainda o caniço, nesse último caso, nos intervalos entre as linhas.

Transplantio As culturas que necessitam de transplantio devem ser retiradas cuidadosamente do viveiro de mudas com o uso de uma pá de transplante, após atingirem 3 a 4 folhas definitivas. Abre-se uma cova no canteiro definitivo e se planta a muda, nivelando-a com a superfície do solo. Em seguida, cobrese com terra, preenchendo os espaços vazios e dando uma leve pressão para evitar bolsões de ar. Após o transplantio, deve proceder a rega e, por fim, cobre-se com capim seco para proteger a planta contra a radiação solar intensa e manter a umidade do solo por mais tempo.

Transplante de mudas

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O transplantio das culturas que estão em viveiro deverá ser realizado preferencialmente no período mais fresco do dia, ou seja, a partir das 16 horas, de forma que as plantas não sofram após sua transferência para o campo. Determinadas culturas necessitam de equipamentos adicionais para promover a semeadura dos campos. É o caso das cenouras, cebolas e rabanetes por exemplo. Essas culturas podem e devem ser plantadas com um certo adensamento para garantirem uma boa produção por hectare. Porém, o número de plantas por metro quadrado acaba sendo muito alto e, se formos colocar as sementes no solo manualmente, certamente teremos muita dificuldade em obter os rendimentos agrícolas adequados. A alternativa, portanto, é usar semeadores e plantadeiras. No caso de cereais como o milho, por exemplo, a semeadura poderá ser feita manualmente, caso a área a ser cultivada seja relativamente pequena. Porém, se a intenção é cultivar em grandes espaços, o uso de equipamentos é quase inevitável.

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Uso de plantadeira tipo matraca no plantio de feijão no Polo de Agricultura Natural da Moamba


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Existem no comércio diversos tipos de semeadeiras e plantadeiras. A escolha poderá ser feita, principalmente em relação ao capital disponível para ser investido. Mais uma vez, levando em consideração a realidade econômica de nossas comunidades agrícolas, vamos nos atentar aos equipamentos mais simples e baratos.

Plantadeira alternativa para sementes miúdas como cenouras, rabanetes e outros. Uma videoaula mostrando a construção desse equipamento pode ser visualizada no endereço https://www.youtube.com/watch?v=cqLOt4TMt0c

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9. Tratos culturais Tratos culturais são operações agrícolas que devem ser realizadas durante o período de desenvolvimento das culturas, de forma que a planta possa expressar o máximo de seu potencial de produção. Dentre estas práticas podemos citar: adubação de manutenção, capina, escarificação, desbaste, tutoramento, controle de insetos, cuidados com rega, cuidados no transplantio e amontoa.

Adubação de manutenção Antes de iniciarmos o plantio ou transplantio das culturas no campo, preparamos o solo de forma a garantir os nutrientes para o seu desenvolvimento através da ativação de sua microbiota, principalmente. No entanto, por vezes, estes nutrientes incorporados ao solo durante seu período de preparo não são suficientes para garantir o bom funcionamento do sistema até que as culturas atinjam seus respectivos pontos de colheita, bem como suas produções desejadas. Sendo assim, é importante fazermos a adubação de manutenção das culturas, lembrando sempre que a matéria orgânica incorporada ao solo servirá para manter ativa sua biologia. Esta operação consiste em colocar compostos orgânicos previamente decompostos ao redor de cada planta, tomando-se o cuidado para não colocá-los sobre a planta, pois isso poderia ocasionar queimaduras devido ao processo de decomposição da matéria orgânica parcialmente decomposta. Essa prática deverá ser realizada quando observarmos que as culturas estão apresentando alguma deficiência e/ou paralisação no seu desenvolvimento.

Capina (sacha) A capina (sacha) deve ser praticada periodicamente, à medida que observarmos que a vegetação espontânea está se desenvolvendo mais que as culturas principais. O capim retirado do local poderá ser incorporado novamente ao solo ou mesmo servir como composto para o próximo cultivo. 92


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Escarificação Com as regas diárias dos cultivos, o solo, quando for de textura média ou argilosa, tende naturalmente a ficar parcialmente compactado em sua superfície, trazendo como consequência a redução da infiltração da água e impedindo o desenvolvimento adequado das raízes das plantas, bem como a absorção de nutrientes. Sendo assim, ao observarmos uma redução no desenvolvimento das culturas, devemos fazer uma leve escarificação, ou seja, revolver a terra com um ancinho ou sacho manual ao redor de cada planta ou linha de plantio, de modo que o solo fique mais fofo e permeável. Durante esta prática, devemos tomar o cuidado para não ocasionar a quebra ou danos às raízes. O uso constante de cobertura morta pode ajudar a evitar a necessidade desse tipo de trato cultural.

Desbaste O desbaste de plantas é uma operação agrícola que consiste em arrancar as mudas excedentes que se desenvolvem nos canteiros das hortícolas que foram plantadas diretamente. Um exemplo prático é o caso do plantio de cenoura e beterraba. Durante a semeadura, normalmente colocamos mais de uma semente em um único sítio dentro da linha de plantio com objetivo de garantir a germinação. Com isso, ao germinar, nasce mais de uma planta em um único local e assim, torna-se necessária a retirada das mudas excedentes assim como é indispensável deixar apenas uma única planta, de forma que a raiz possa se desenvolver adequadamente e a produção seja garantida.

Tutoramento Algumas hortícolas crescem muito, mas têm os caules finos e que se quebram ou dobram com facilidade, principalmente quando estão produzindo. Caindo, ficam encostados ao solo úmido e suas folhas apodrecem, prejudicando a planta e a sua produção. Além disso, nessa condição, dificultam muito a colheita dos frutos, como por exemplo, os tomateiros. Para evitar que isso aconteça, devemos fazer o tutoramento ou estaqueamento das plantas, principalmente com bambus ou estacas de caniço, por exemplo. Estas estacas poderão servir como suportes de sustentação da planta, como é o caso do tomate e do feijão verde.

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Outra forma de fazer o tutoramento é colocar nos limites do canteiro um tronco de madeira de aproximadamente 1 metro de altura, esticar um arame por cima e, em seguida, colocar em cada planta uma linha de algodão que possa servir como tutor, sendo a linha amarrada ao pé da planta até o arame que está esticado acima, de forma que a planta permaneça sustentada.

Tutoramento usando estacas e arames

Controle de insetos Na agricultura natural, o controle do ataque de insetos deve ser feito através do estabelecimento do equilíbrio ecológico em todo o sistema. Neste sentido, devemos trabalhar com os conceitos de manejo ecológico do solo, que permitem estabelecer uma produção agrícola, onde a biodiversidade, as interações do solo com as culturas e o clima sejam levados em consideração 94


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para o sucesso da produção natural e assim, as plantas atingirem seu máximo potencial de desenvolvimento. O inseto não deve ser encarado como um agente prejudicial ao sistema, mas sim como parte integrante de todo o sistema produtivo. Se um ataque de insetos está ocorrendo em sua produção agrícola é para mostrar que algo na sua forma de manejar o solo não está de acordo com as Leis da Natureza. Ao desbravar uma área para o plantio de culturas, sem querer, acabamos por gerar desequilíbrios ao sistema, acarretando destruição dos abrigos dos inimigos naturais e exposição do solo a condições adversas, gerando, consequentemente, a predominância de uma determinada população de inseto que acaba tornando-se “praga”. Neste sentido, o estabelecimento de aceiros e faixas de vegetação nativa entre os canteiros produtivos, o respeito à melhor época de cultivo e a aptidão do solo com a cultura, tornam-se fundamentais para a manutenção do equilíbrio natural entre os cultivos e, com isso, manter o sucesso da produção agrícola.

Cuidados com a rega A necessidade de água das culturas varia de espécie para espécie, existindo culturas que sobrevivem em condições de sequeiro e outras que necessitam de áreas inundadas para se desenvolverem adequadamente. As condições de sequeiro são estabelecidas após o pegamento da cultura no campo e um exemplo prático são as culturas de manga, caju, massala, maphilwa, canhueiro e mafureira que, após estabelecidas no campo, praticamente sobrevivem com a absorção da água subterrânea. Já o arroz e o agrião são exemplos de culturas que se desenvolvem em locais inundados, sendo, portanto, mais propícios para serem produzidos em solos argilosos, que conseguem reter maiores quantidades de água. Sendo assim, respeitando-se as condições inerentes de cada cultura, podemos definir alguns cuidados com a rega. Ela deve ser feita preferencialmente, no período da manhã até no máximo 8 horas e, no final do dia, a partir das 16 horas. Devemos tomar cuidado para não jogar jatos fortes da água sobre o solo, bem como sobre as plantas, pois do contrário podemos

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criar camadas duras na superfície do solo e ainda quebrar as plantas. Isto geralmente acontece quando são utilizados mangueiras ou baldes para realizar a rega. Portanto, uma prática simples para quem utiliza mangueiras, é colocar o dedo na ponta da mangueira, de forma a reduzir o impacto da água e regar a sua horta como se fosse uma chuva fina.

Amontoa Essa prática agrícola deve ser realizada em algumas culturas, principalmente aquelas que objetivamos colher os bulbos e/ou raízes, como é o caso do amendoim, a batata-doce, batata-rena, beterraba, cebola, cenoura, rabanete, entre outros. Muitas destas culturas, antes mesmo de atingir sua produção, começam a sair do solo e, com isso, sofrem com ressecamento e reduzem seu desenvolvimento. Portanto, é indispensável a operação de amontoa, que se refere à junção de mais terra ao redor da base do caule da planta, de forma que a terra cubra a parte da raiz que está saindo e garanta melhor produção.

10. Irrigação e gestão da água Ao longo desse módulo da nossa apostila já tivemos várias oportunidades de falar sobre a água de irrigação nos campos para a prática da Agricultura Natural. Na verdade, vários assuntos estão sendo tratados nesse nosso material de forma orgânica, ou seja, distribuído ao longo do texto. Para facilitar a organização do nosso material escrito, ainda lançamos mão do artifício de localizar os tópicos para serem aprofundados, mas de uma maneira geral, assim como acontece com as nossas machambas, tudo está conectado. Vamos, pois, aprofundar agora um pouco mais a questão da água, mencionando e repetindo, sempre que necessário, algumas informações já apresentadas anteriormente.

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Um fator limitante para a prática da atividade agrícola pelo interior do continente africano e em muitas regiões do planeta é, sem dúvida nenhuma, a disponibilidade de água. Seja na propriedade, na sua região ou ainda


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na bacia hidrográfica onde estiver inserida a atividade agrícola, o acesso a água é primordial para o sustento das lavouras. Nem sempre podemos contar com as chuvas, pois em muitas regiões elas já não são muito distribuídas ao longo do ano e já em muitos casos, ao longo de vários anos. O processo de desertificação que atualmente se verifica em muitas regiões do planeta e em especial do continente africano é um reflexo direto dessa má distribuição das chuvas e tem provocado cada vez mais conflitos pelo acesso à água. Água é vida. Dessa forma, também na Agricultura Natural precisamos estar atentos ao uso correto e ao manejo adequado da água para que nossas produções tenham sucesso permanente. Isto implica em não só saber usar a água que eventualmente temos à nossa disposição, mas também em sermos capazes de orientar nossos vizinhos em como fazê-lo. Tudo está conectado e, sendo assim, qualquer atividade que desenvolvermos em nossos terrenos terá um impacto no nosso entorno. Se esse impacto será positivo ou negativo, isso vai depender exclusivamente de nós mesmos. Para clarear um pouco mais a ideia apresentada, vamos imaginar que, num determinado momento, um agricultor resolva instalar uma plantação de bananas pelo método da Agricultura Natural, por exemplo. Dependendo da região onde ele estiver, pode acontecer que esse produto tenha uma excelente aceitação no mercado da sua região, conseguindo atingir ótimos preços. Daí, a produção de bananas naturais poder se converter numa excelente fonte de renda. Mas, seguindo nosso exemplo, vamos supor ainda que a área disponível para a implantação desse bananal fique numa região com total carência de água, sem rios ou lagos na sua proximidade. Como alternativa para a irrigação, suponhamos que se estabeleça um projeto através do qual o agricultor irá captar água subterrânea e promover a irrigação por gotejamento. Até aí, talvez ele possa fazê-lo sem grandes prejuízos globais, desde que talvez plante apenas algumas dezenas ou mesmo poucas centenas de bananeiras. Mas imagine que ele resolva investir num bananal com milhares de bananeiras e lembremos que essas plantas irão demandar grandes quantidades de água durante todo o seu ciclo de crescimento e produção. A água subterrânea não “nasce” espontaneamente do solo. A água faz parte de um ciclo através do qual ela circula por todo o planeta Terra. A esse ciclo damos o nome de Ciclo da Água. 97


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O Ciclo da Água

No subsolo, a água fica armazenada nos espaços porosos de terra ou rocha. Chamamos essa porção de terra de aquífero e, dependo da composição geológica onde estão localizados, os aquíferos podem ter diversas classificações. Os aquíferos confinados são aqueles onde a água está presa no interior de massas rochosas sem que sejam capazes de se reabastecer, pelo menos em intervalos de tempo de algumas dezenas de milhares de anos. Normalmente a água armazenada nesse tipo de aquífero está sob pressão e a grandes profundidades. Já no caso dos aquíferos semiconfinados ou dos aquíferos abertos, eles estão localizados em porções de terra onde é possível ocorrer a sua recarga, ou seja, a sua realimentação periódica. Esses aquíferos são muito mais ativos no ciclo da água e normalmente estão localizados em camadas mais superficiais de subsolo. Ao fazermos uso da água subterrânea na forma de poços perfurados, é muito importante, no contexto geral de nossas atividades tendo por base a sustentabilidade de todo o nosso sistema agrícola, sabermos a origem dessa água. No caso de se usarem aquíferos confinados, é bom sempre lembrar 98


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que se trata de um recurso finito, embora muitas vezes possam ainda levar décadas para que se esgote. Um exemplo marcante na atualidade é o uso do aquífero existente sob o deserto do Saara que vem abastecendo gigantescas fazendas de produção agrícola no Egito. Estudos já apontaram que aquela água toda, que pode parecer muito nos dias atuais, se consumida no ritmo atual, será completamente esgotada em menos de 100 anos. A última recarga daquele aquífero foi feita, muito provavelmente, durante a última era glacial do planeta. Portanto, uma vez esgotada aquela água, toda aquela região só a terá de volta daqui a uns 20 ou 30 mil anos pelo menos. Já no caso da água subterrânea proveniente de aquíferos abertos, como acontece com a água de poços rasos e cisternas, sua dinâmica se faz presente em escalas de tempo muito menores. Em determinados casos, quando fazemos uso da água proveniente de poços rasos, é comum termos uma vazão menor durante determinados meses, em função principalmente da exploração desses aquíferos, pelas comunidades em geral, nos perídos de seca. Em outras plavras, quanto maior o número de poços numa determinada região, maior será o consumo da água armazenada e, caso as chuvas não sejam suficientes para reabastercer esses aquíferos de forma adequada, esse recurso poderá ser, inclusive, motivo de sérios conflitos entre vizinhos. Voltando ao exemplo da plantação de bananeiras, se nosso agricultor não estiver atento à origem da sua água subterrânea, sua atividade poderá, a médio ou mesmo curto prazos, produzir uma série de impactos negativos no seu entorno. Mesmo com a boa intenção de se tentar produzir um tipo de alimento mais saudável, se as condições do ambiente não forem as mais adequadas ao tipo de cultivo instalado, os resultados globais poderão não ser tão interessantes assim. A água proveniente de rios possui uma outra dinâmica local, mas sua origem também continua sendo a água proveniente do subsolo, uma vez que, por maior que seja um rio, ele sempre nasce a partir de uma pequena nascente. Daí o fato de muitos países possuírem leis rígidas para proteger a todo custo as áreas onde ocorrem essas nascentes. Do contrário, caso nenhum esforço seja feito para protegê-las, um elo fundamental do ciclo da água será quebrado e as consequências poderão ser desastrosas. Do ponto de vista prático, quando tivermos nossas áreas de cultivo instaladas nas proximidades de rios, podemos fazer a captação de água

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seja por meio do simples escoamento superficial, quando a topografia assim o permitir, seja pelo uso de eletro ou motobombas. Quanto mais distante nossa área estiver das margens do rio, ou lagoa, maiores serão os gastos necessários com a aquisição de equipamentos e materiais para conduzir a água até onde estiverem localizadas as lavouras. Os custos, porém, não são somente com a aquisição de materiais e equipamentos, mas também com a energia necessária para fazê-lo. No caso de se usar eletrobombas, os custos com a energia elétrica poderão ser, inclusive, um fator limitante da produção agrícola, principalmente em locais onde não houver subsídios das concessionárias de energia elétrica ao trabalho do campo. No caso das motobombas, os gastos com combustíveis fósseis também poderão ser altos, sem falar nos impactos ambientais imediatos provocados pelas emissões contendo gases de efeito estufa. Por fim, o escoamento superficial pode parecer o ideal, pelo menos em termos de consumo de energia, já que faz uso da gravidade. Mas ele tem o incoveniente de não ser praticável a grandes distâncias das fontes de água, por exigirem condições topográficas bastante específicas. Além disso, essa forma de conduzir a água pela superfície do solo pode se revelar um problema muito sério, já que normalmente essa operação acarreta grandes perdas de nutrientes presentes nas camadas superfiais de solo e, com o tempo, acabam por provocar sua desestruturação física. Por fim, o escoamento superficial também tem o grande inconveniente de acabar por consumir quantidades quase que absurdas de água, pois dificilmente os agricultores que fazem uso desse tipo de sistema instalam, em seus canais de irrigação, medidores de vazão. Já deve ter ficado claro até aqui que, qualquer que seja a fonte de água ou o método a ser implantado para conduzi-la até nossas lavouras, o manejo correto do solo será, desculpem-me o trocadilho, o divisor de águas do sucesso do nosso trabalho. Tão importante quanto saber a origem e a forma de conduzir a água até o campo, conhecer a preservação adequada da água no nosso solo será fundamental para garantir nossas produções agrícolas.

Irrigação com o uso de aspersores 100

Exsitem diversos tipos de aspersores disponíveis no mercado. Normalmente esse tipo de equipamento exige instalações mais robustas como


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sistemas de bombeamento de água de altas vazões, tubulações específicas, etc. A rigor, são mais usados quando se deseja irrigar grandes extensões de área de uma só vez. Assim, inicialmente se busca economizar energia com poucas operações ao logo do tempo, mas com grande consumo de água. Um dos grandes problemas em se usar exclusivamente sistemas de aspersores é o fato de que a irrigação acaba sendo feita de forma irregular em termos das reais necessidades das diversas culturas instaladas no campo. Lembremse mais uma vez que estamos trabalhando aqui sob a ótica da Agricultura Natural e, portanto, de sistemas agroecológicos onde a biodiversidade estará, na medida do possível, sempre presente nos campos de cultivo. É possível perceber, portanto, que usar aspersores implica duas coisas basicamente: o agricultor acabará criando grandes campos de monocultivo para equilibrar o consumo de água na operação de irrigação ou ele irá irrigar os campos biodiversificados de maneira desigual em termos das necessidades individuais de cada tipo de planta ali instalada. Mas por outro lado, pode acontecer o uso desse tipo de sistema de irrigação por algumas outras limitações. No nosso caso, no Polo de Agricultura Natural da Moamba, estamos numa região que sofre com ventos fortes praticamente durante todo o ano. Como veremos mais adiante, em algumas das nossas machambas usamos o escoamento superficial, mas em outras, não temos alternativa senão o uso de aspersores com vazões mais altas para garantir que água caia sobre o solo e não seja levada pelo vento. A partir do momento em que conseguimos instalar barreiras de vento adequadas, foi possível planejar e instalar sistemas de microaspersão, como será descrito no item a seguir. Ao instalar aspersores pelo campo, o agricultor deve ficar atento à capacidade de vazão do seu equipamento. Dependendo do tipo de aspersor usado, ele poderá fornecer um grande fluxo de água e um raio de ação elevado. Sistemas maiores, os chamados canhões de água, podem alcançar facilmente dezenas de metros de raio de sua pluma de irrigação. Nos casos dos aspersores menores, raios típicos vão de 3 a 6 metros. A altura do aspesor também será importante, pois se ele for instalado muito baixo diminuirá seu raio de ação; do contário, se for instalado demasiadamente alto, os ventos poderão interferir mais fortemente, dissipando a água e impedindo que ela caia sobre o solo onde esteve instalada a cultura. A altura ideal de aspersores com 3 a 4 metros de raio de ação é de aproximadamente 1 metro.

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Sistema de irrigação por aspersão no Polo de Agricultura Natural da Moamba

Dependendo da fonte de água, pode ser necessária a instalação de filtros de linha após a captação pelas bombas (elétricas ou movidas a combustíveis). Isso diminuirá as paradas para manutenção dos bicos dos aspersores que por vezes acabam entupindo com resíduos de vegetação e outros materiais em suspensão na água. Porém, mesmos os filtros necessitam de limpeza constante e, para evitar demasiadas interrupções das operações, é interessante instalar pelo menos dois filtros em paralelo na linha. Dessa forma, opera-se com um filtro e assim que seja necessário fazer sua limpeza, abre-se o outro e continua-se a irrigação sem interrupção. 102


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Irrigação com microaspersores Essa é uma variante do sistema discutido anteriormente. A principal diferença é a quantidade de água que se consegue despejar sobre a superfície do solo. Enquanto sistemas de aspersão típicos operam com vazões da ordem de 50 L.min-1 ou mais, sistemas de microaspersão operam na faixa de 50 L.hora-1. Portanto, ele oferece um controle muito mais eficiente da quantidade de água utilizada e, como é instalado com alturas de 20 a 30 cm, é possível direcioná-los de forma mais eficaz a cada canteiro ou conjunto destes. A desvantagem nesse caso é que se a área a ser irrigada for muito grande, serão necessários muitos mais microaspersores do que se fôssemos usar os aspersores tradicionais. Além disso, os cuidados com a limpeza da água antes dela entrar nas tubulações também são muito maiores, já que os orifícios pelos quais a água passa nos microaspersores são muito menores. Microaspersores são muito úteis no nosso trabalho agroecológico e, se melhor manejados, dão uma resposta em termos de relação custo/benefício muito interessante ao agricultor. Nossa experiência tem demonstrado que a

Sistema de microaspersão instalado na Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene

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instalação desses sistemas, juntamente com o tipo de manejo que promovemos nos nossos solos, dão resultados realmente satisfatórios. Contudo, como já mencionamos, sua eficiência estará diretamente relacionada com a capacidade de instalarmos sistema agroecológicos equilibrados, principalmente com a presença de barreiras de vento adequadas. Do contráro, as plumas de irrigação desse tipo de sistema são muito finas e facilmente levadas pelo vento.

Sistema de microaspersão alternativo construído com materiais baratos como hastes de higienização auricular (cotonetes)

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Em termos de economia de água, os sistemas de microaspersão também revelam ser muito mais interessantes que os sistemas convencionais de aspersão. Dessa forma, quando a disponibilidade de água for fator limitante da produção num dado local, o uso de tal método para a irrigação das machambas pode ser uma das alternativas mais viáveis, tanto em termos de eficiência direta quanto em termos de sustentabilidade ambiental.

Irrigação por gotejamento Este é um método de irrigação muito controverso na atualidade. Enquanto muitos defendem o seu uso e disseminação, quase indiscriminada, em regiões com carências crônicas de água, outros argumentam que o seu uso prolongado pode acabar degradando os solos pela salinização. Isto porque, ao longo do tempo, a água vai sendo distribuída na superfície do solo somente em pontos específicos, repetidamente. Portanto, em solos propensos ao efeito de salinização, que é o aumento da quantidade de sais, seja pelo acúmulo de fertilizantes químicos usados no decorrer de anos anteriores, seja pelas condições geológicas naturais da região, o uso de sistema de gotejamento pode acelerar ainda mais os seus efeitos negativos. Costumamos lembrar que os sistemas de gotejamento foram inicialmente desenvolvidos pelos israelenses, numa tentativa de promover o cultivo em regiões áridas e desérticas. De fato, essa tecnologia se mostrou extremamente eficiente naquelas regiões que de outra forma, não se conseguiam implantar quaisquer campos de cultivo. Mas uma coisa que acaba passando despercebida pela maioria das pessoas é que o tipo de solo sobre o qual os sistemas de gotejamento foram inicialmente desenvolvidos foi o arenoso. Nesse tipo de solo, a salinização é muito mais difícil de acontecer do que em solos de textura média ou argilosa. Nesse último caso, bastam algumas semanas de irrigação constante para se verificarem os efeitos da salinização. Portanto, querer disseminar esse tipo de tecnologia olhando apenas pelo lado da economia de água que ele promove, consideravelmente menor que em todos os outros métodos, é analisar o problema apenas por um único ponto de vista. Também nesse caso, falta a visão sistêmica, ou seja, de observar e analisar o sistema como um todo. 105


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Ainda sob o aspecto de sistemas agroecológicos, em que já discutimos bastante a necessidade de reconhecer o solo como uma entidade viva, composta de milhares de espécies se inter-relacionando constantemente, o fornecimento de água localizado apenas em regiões específicas acaba criando uma espécie de microdesertos ao longo de toda a área. Ou seja, naquelas áreas onde a água não alcança, estabelece-se um tipo de ecossistema típico de desertos, diferentemente do que acontece nas proximidades das plantas. Mais uma vez, o sistema não contempla as conexões de vida existentes entre o solo, seus habitantes e as culturas. Lembremos novamente que ele foi inicialmente desenvolvido para se tentar produzir comida no deserto e, naquele caso, o fornecimento de nutrientes oriundos de fertilizantes químicos, muitas vezes dissolvidos na própria água de irrigação, nem era questionado, como ainda não o é na maioria dos casos. Do ponto de vista da microbiota natural, alimentada que deve ser em nossos campos pela aplicação de composto natural, como também já discutimos, o fornecimento de água e a manutenção da umidade do solo são fatores essenciais para o estabelecimento de ciclos produtivos mais saudáveis. Por vezes, agricultores naturais argumentam que o sistema de gotejamento ajuda a evitar que o mato cresça entre as culturas. Porém, acreditamos que a essa altura já esteja devidamente claro que esse é um raciocínio que vai de encontro com conceitos fundamentais discutidos ao longo de todo esse texto. A água aplicada sobre um campo agrícola equilibrado ecologicamente será usada por todos, micro-organismos, insetos, plantas espontâneas e culturas agrícolas. Evidentemente que não estamos aqui condenando os sistemas de irrigação por gotejamento. Até porque, a exemplo do que tinham à sua disposição, os técnicos israelenses que inicialmente desenvolveram esse tipo de sistema, em muitos lugares no mundo, inclusive no interior de muitos países africanos, a carência de água é quase total. Nesses locais talvez não tenhamos mesmo outra alternativa a não ser usá-los, mas como também não cansamos de repetir, que esse uso seja feito precedido de muita reflexão para que, assim que eventuais problemas venham a ocorrer, os agricultores e técnicos extensionistas sejam capazes de encontrar soluções viáveis para todos. 106


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Irrigação por escoamento superficial Em África esse deve ser o tipo de irrigação mais facilmente encontrado e disseminado entre os agricultores camponeses. Quando se dispõe de relativa quantidade de água e as condições do terreno são propícias, sem dúvida nenhuma que é o método escolhido justamente por quase não envolver custos com equipamentos, instalação e energia. Contudo, devem-se tomar cuidados especiais para se evitar a lavagem da superfície do solo. A passagem constante da água pelos canais de escoamento e campos irrigados vai, aos poucos, retirando da superfície do solo não só os nutrientes que foram sendo disponibilizados, mas também a própria microbiota instalada. Além disso, como já mencionado, acabam sendo consumidas enormes quantidades de água e se os agricultores não tomarem cuidado, os solos acabam ficando encharcados e, em pouco tempo, desestruturados e salinizados. Uma forma bem interessante de usar esse tipo de método de irrigação é quando conseguimos cobrir todo o nosso solo com uma camada espessa de cobertura morta ou mulch. Dessa forma, evitamos que as partículas finas do solo sejam carreadas pela água, ficando retidas na matéria orgânica. O mesmo acontece com os micro-organismos e mesofauna, que encontram um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Além disso, a cobertura do solo, se bem-feita, faz com que a umidade seja mantida por muito mais tempo. Com isso, as próprias operações de irrigação acabam sendo feitas com intervalos bem maiores de tempo, o que, por sua vez, acarretam economia de água e energia, quando essa é necessária. Uma videoaula mostrando esse tipo de sistema em funcionamento pode ser assistida no endereço http://youtu.be/ LqRZLMMvUIM.

Criação de zonas úmidas dentro das machambas Essa é uma técnica muito interessante de ser aplicada nos nossos campos. Trata-se de criar espaços e intervalos destes com pequenos tanques e canais de escoamento de água. No geral, esses tanques e canais ficam todos interligados e a finalidade dessas zonas úmidas é a de primeiro facilitar as captações e distribuição de água por todo o terreno. Mas não fica só por aí. Com o tempo, essas zonas vão sendo habitadas por inúmeras espécies de 107


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animais que acabam ajudando muito no controle biológico natural de nossas lavouras. Assim, sapos e rãs, principalmente, ajudam no controle de gafanhotos e outros insetos. Além disso, a presença de zonas úmidas permanentes no terreno atraem os pássaros e inúmeros insetos, inclusive os polinizadores. Por fim, estas aberturas no solo vão sendo responsáveis por ajudar a manter a umidade do subsolo do seu entorno, pois também funcionam como uma espécie de porta de entrada para a água.

Instalação da zona úmida numa das machambas do Polo de Agricultura Natural da Moamba

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Zona úmida em machamba no Polo de Agricultura Natural da Moamba

Podemos plantar e cultivar, ao longo desses canais e zonas úmidas, diversas espécies de plantas que acabam demandando maiores quantidades de água como inhames, bananeiras, agriões, e até arroz. Com o passar do tempo, diversas dessas zonas podem ir sendo conectadas por todo o terreno e o resultado global será, por exemplo, o estabelecimento de uma zona com microclima muito mais agradável e adequado para se trabalhar com a terra.

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Qual o melhor sistema de irrigação? Talvez não exista um sistema ideal de irrigação. Como tentamos mostrar ao longo desse capítulo, cada um dos sistemas aqui apresentados e dos muitos outros que existem pelo mundo, possuem vantagens e desvantagens. A escolha de qual sistema utilizar deve ser feita depois de muita observação e reflexão, como discutimos no início desse módulo. Caberá ao agricultor pesar na balança as vantagens e desvantagens desse ou daquele método de irrigação. E por vezes, como é o nosso caso, podem-se usar vários métodos diferentes numa mesma propriedade, em função das características de cada parte específica do terreno. Mais importante do que tentar criar uma espécie de escala de eficiência dos diversos métodos de irrigação, é sermos capazes de compreender os diversos conceitos que estão por trás desse tipo de operação agrícola. Assim procedendo, a escolha acabará sendo feita de forma muito mais eficaz e os resultados serão muito mais interessantes.

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11. Bibliografia sugerida BOFF, L. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2013. BOFF, L. Cuidar da Terra, proteger a vida. Editora record. Rio de Janeiro, 2010. CARTA DA TERRA. Disponível em: http://www.cartadaterrabrasil.org. EHRLICH, P. The rivet poppers. 1981. Disponível em: http://forest.mtu.edu/ classes/un1001/Ehrlich%20-%20extinction%20ch%201%20and%202.pdf MEISHU-SAMA. Os novos tempos. Igreja Messiânica Mundial de Angola, 2009. MILANO, S.; PONZIO, R.; SARDO, P. A biodiversidade. Fundação Slow Food para a Biodiversidade. Itália, 2013. PRIMAVESI, A. Cartilha do solo. Fudação Mokiti Okada. São Paulo, 2006. WILSON, E. O. The diversity of life. Hardcover, 1992.

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