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APRESENTAÇÃO PROVISÓRIA Reúno aqui a maioria dos textos publicados no blog www.poderdapalavra.com.br original,praticamente intocados além de uma revisão. Como uma medida de emergência para reativar rapidamente o blog e facilitar o gerenciamento estão

organizados em um ebook e tanto a ordem como a classificação ainda está imprecisa, além de alguns posts estarem faltando. O processo será aperfeiçoado gradativamente nos próximos dias, mas a prioridade é para a produção de novo conteúdo.


Apresentação provisória

Uma trilha de garrafas e oásis

Reflexões de aniversário

Contos de terror

Admirável Mundo Novo nos filmes infantis

Ainda sobre Almodóvar, mulheres e homens

O macaco estava certo

Uma Utopia Imbecil

Maquiavel e a política contemporânea

Arquitetura islâmica tenta construir visões do Paraíso

O senhor das moscas O que é um Líder? O aprendizado

Luz Palavra divina

Oração sem sujeito

Estilo sintetizou influências culturais diversas

Absoluto e relativo

Unidade na diversidade

As Cruzadas

Interferências mútuas

Horário Eleitoral na Grécia Antiga

Saiba mais sobre o assunto

O som e o tempo

O Voto é Sagrado

Ética e Estética

Paradoxos da Douta Ignorância

Em quem eu voto, e por que

Volver

Religião, ideologia e ciência

A sobrevivência de uma metáfora

Antígona e o Bobo

A pena e a bomba

Filhos do Sol, filhos da terra

Animal e humano

Existe uma filosofia Islâmica?

Uma reunião com o coronel Kurtz

Apresentação

Tiranias

Mutilação necessária

Nós, o Povo

Introdução

Caso Isabela: fatalismo x políticas públicas

Tentativas de definição e categorização da Filosofia Islâmica Fontes da filosofia islâmica A reconstrução do legado grego

O homem que escrevia Entre escravos

Cosmogonias, mitos e o defeito do tapete

Polir a armadura

O voto é profano

Chá com djinns

A Flauta de Rumi

O triste fim da Literatura Infantil

Dilemas da escola

Um cadáver perfumado sorrindo

O djinn me fala sobre liberdade e escravidão

Prosa e poesia

O aprendiz de imbecil

Modernos, modernistas e modernosos

Está na hora desta “gente diferenciada” mostrar seu valor

Educação, quantidade e qualidade

Política e insanidade


A memória do herói

Dinossauros, clones e o unabomber

O ópio dos intelectuais Imagens de Deus

"Há momentos nos quais só trabalhar para o futuro nos consola"

O resgate do poder da palavra

O ideal e o possível

Eclipse! Revoluções, evoluções e involuções Cassandras e Prometeus

Introdução Ascensão e queda da filosofia grega Defina seus termos

Um email do arquipélago

Sócrates e a crença que basta saber o que é a bondade para ser bom

Vidas plenas

A sociedade perfeita

Venerável Mundo Novo

Platão e a necessidade de construir a "Cidade Perfeita" guiada pela ética

Apresentação: Justificativa e objetivos Enquadramento do problema

O caminho do meio

Metodologia

Aristóteles e a moderação das paixões como caminho da felicidade

Análise dos resultados e conclusões esperadas

Conclusão

Cronograma Bibliografia Textos de caráter Metodológico Geral: Textos de caráter teórico sobre Análise do Discurso Textos relacionados a fundamentos teóricos da Sociologia da Religião Outros textos relacionados à Religião: Outros textos relacionados ao Islam e Fundamentalismo Textos sobre o Irã: Fontes Diversos textos disponíveis nos sites

A era dos fundamentalismos O legado racionalista e a irracionalidade cotidiana Modernidade e Fundamentalismos

Continuidades e rupturas nas três Éticas

A guerra e as massas Guerreiros e pacifistas O berço do herói Representação Política da Mulher Fins do mundo A Conferência - Final Assombrações Oriente e Ocidente A busca da "fórmula social" O defeito do tapete Eterno e etéreo

Um leitor sincero

Escrever!

O Sheikh e os djins

O cansaço da elite

Poder e Autoridade

Não se trata câncer com argumentos

As religiões como fonte da ética

O imbecil e o guerreiro

A espada e a pena

Alguns conselhos de Napoleão sobre Política

Fila infernal Misericórdia e Sabedoria

Reflexões de vésperas de aniversário


A solidariedade radical de Dom Helder Câmara

Progressista

A inebriante liberdade dos Rubayat

Um antigo templo na floresta

Democracia e aristocracias

Tapete Persa

A lógica do arbitrário

A seleção natural das religiões

Professores e mestres

Profissão, Vocação, Destino

Eminências podres

ideias de náufrago

o sagrado do cotidiano

A prova do lenhador

O mundo está na mente de Pessoa

Renovando esperanças

Vathek: uma infernal joia oriental

Um pais de verdade

Razão e emoção

O outro, o mesmo

O diabo e o monge

Mr. Slang e o Orkut

O eloquente silêncio de Tchekhov

Escrever e ler

Mandinga

Precisamos de Quixote

Direitos e deveres

Legados

Razões do discurso secularista e imperial

Media e accountability

Caquinho de espelho Livros de insônia Cenários dantescos Política e poesia: linguagens opostas

A face terrível da guerra

Para um muçulmano irado Mensagem na garrafa Cegueira temporária Humano e Divino

Demônios do passado e do futuro

Ágora Eletrônica Cibernética?

Buscar o evidente

A verdade e seus amigos

Equilíbrio Dia dos namorados

Aos amigos Alexandre, Hilal e seu djinn-writer

A verdade se defende

Olhar do coração

A última e mais concreta muralha

O discurso imperial da modernidade

Talento e técnica

Realpolitik e "Política de Princípios"

A invasão

Liberdade e escravidão

A beleza nos une

Veredas

Ceticismo e ingenuidade

A Aniquilação

A verdade a as lacunas

A Aversão às elites

paleta

Balzac e imprensa

Perdei a esperança, vós que entrais

Invocação

seus

ou

Teletela

contra-venenos

à


Forma e conteúdo

Espada

Vazio

O autoritarismo das Utopias

O medo da imortalidade

Conferência

Novas tecnologias e o serviço público

Mais uma vez o mundo não acabou

Empatias

Responsabilidades

Chaves de Lobato A tentação da ação

Ágora eletrônica cibernética

A salvação como mercadoria

Histórias de robôs

Personas

Eu, eu mesmo e meu blog

O círculo da Intolerância

Arqueologia pessoal

Jornadas cotidianas

Livre-me das utopias

Noite gelada

Orientalismo e ocidentalismo

Meditação sobre um trecho de Laylat e Majnun de Rumi

A persistente flor Tchetchena

Ainda pode haver esperança?

Revistando o camelo

Assentando as fundações

O evangelho segundo Prometeu

A reação necessária

Liberdade

Livros que não precisaram ser lidos

Deus está morto?

Só a prosa é que se emenda

Política e insanidade

O diálogo necessário com cristãos e judeus

Ágora Eletrônica Cibernética?

Nem contrários, nem semelhantes, mas inteiros

A democracia de cada um

Notícias e abutres

Avaliações incorretas sobre o Poder

Olhar Professores e mestres

A execução de Saddam e os sonhos de outro mundo

Síndrome de Mowgli

Política grande e políticas pequenas

A literatura do assombro de Borges

As esperanças de uma nova era

Livro debate problemas paulistanos

Lampejos

O sociólogo dos bárbaros

Vinhas da esperança

Companheira de jornada

Cochilo

Aves de arribação

Da arte de construir pontes

Modesta proposta para uma utopia futurista

Voltaire e o Islam

Não me desperte

Viagens diversas na mesma jornada

ou

Teletela

Silêncio

ou

Teletela

Pessoas e livros

Profanação


Meu silêncio

A perigosa apatia do eleitor

Não, não quero você como musa

Buscas

O Amor nos tempos

Ouvindo agora: canticos sufis

A ilusão do mundo da informação

Real e ideal

Os limites éticos da experimentação animal

Redes de ideias

O autoritarismo das Utopias

Realistado

A inebriante liberdade dos Rubayyiat de Khayyam

A conferência II

O caminho nos escolhe Viagem Noturna O discurso imperial da modernidade Confie no conto, não no contador O contrabandista Profissão, Vocação, Destino Seleção e eleição Não basta a voz das urnas Aron e a superação da geopolítica Uma utopia mais do que pessoal Sobre a leitura Bradlee & Mr. Boot Guerra e Paz Visões do Outro Mr. Slang e o Orkut Estamos livres do holocausto nuclear? Sementes da intolerância 64: nunca mais! Pobres escolas Tolo Tecnocratas da imaginação Brincadeiras Eugenia e outras bobagens perigosas Sampa Guerra e Paz

Lendo o rubayyiat de Khayyam

Passagens Hikmat wa rahmat Outra visita do djin O que me leva a escrever Festas


REFLEXÕES DE ANIVERSÁRIO "Contra o que se sóe julgar, é a criatura de seleção, e não a massa, quem vive em essencial servidão. Não saboreia sua vida se não a faz consistir em serviço para algo transcendente. Porisso não considera a necessidade de servir como uma opressão. Quando esta, por azar lhe falta, sente desassossego e inventa novas normas, mais difíceis, mais exigentes, que o oprimam. Isto é a vida como disciplina - a vida nobre -. A nobreza define-se pela exigência, pelas obrigações, não pelos direitos." (Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas) Todos os que proclamam algum processo de elevação espiritual como algum tipo de processo mágico jamais poderão ser capazes de sentir a satisfação e o efeito das pequenas ações cotidianas que marcam o caminho longo deste processo e estão acessíveis a qualquer um capaz de um mínimo de disciplina. Falo isto para justificar este meu post de aniversário, afinal uma das ações que tem sido mais relevantes para a minha vida tem sido planejar minha ações a cada dia e fazer o balanço do que consigo ou não realizar e porque no final do dia. Esta contabilidade da vida, seguindo os fluxos naturais de dia, semana, mês, ano, nos ajudam a assumir o controle da própria vida, a não ser apenas reativo ao que ocorre, mas tomar a frente de nosso destino. Ao mesmo tempo a avaliação constante nos ajuda a ver onde e porque falhamos partindo do princípio, claro, que somos capazes de sermos sinceros conosco, o que por si só é um desafio. Libertar-se da postura estéril de culpar-se para tomar a posição de avaliação do que precisa ser corrigido e melhorado é por si só um elemento de separação entre elite e massa, afinal nada mais simples que culpar-se, portanto se punir, ao invés de fazer o esforço para corrigir-se.

Penso que em poucos momentos da minha vida evolui tanto quanto neste período entre meus dois aniversários. Passei a compreender de fato, no coração, questões que compreendia só em tese. Libertei-me de boa parte das ambições e ao livrar-me delas, suponho, coloquei-me à altura de enfrentar desafios maiores. Penso que me libertei também de muitas fraquezas, como o desejo de agradar e a preocupação excessiva - diria quase "nipônica" lembrando-me do livro de Ruth Benedict "O Crisântemo e a espada", que ando relendo - com a reputação. Ser capaz de livrar-me destas cadeias me deixou mais sincero comigo mesmo e com os outros, infenso a tentar temperar minhas opiniões e ações segundo a vontade alheia. Esta servidão à própria imagem não deixa de ser ao mesmo tempo uma escravidão e uma idolatria ao próprio ego, concluí. Penso que estas reflexões tiveram um papel fundamental nesta imensa parte de mim que sempre foi a vocação política ter voltado a ser um território habitado. Foi preciso que eu a tivesse deixado de lado, como mera tarefa profissional - a ser cumprida da melhor forma como qualquer tarefa, mas sem paixão - tivesse resistido a todos os cantos de sereia do Coronel Kurtz, já tivesse optado por ser outra coisa, enfim tivesse me libertado desta paixão. Então as circunstâncias atropelaram minhas opções com novas e jamais pensadas oportunidades. Ao mesmo tempo em que surgiram oportunidades já esquecidas, eram resgatados pelas circunstâncias estes sonhos, tudo parecia ao mesmo tempo novo e inesperado e renascido do passado. Mas, por paradoxal que seja, e como se eu soubesse que seria assim, cada passo foi imaginado, previsto, construído. Não imagino que este processo pode ser descrito de forma adequada, mas achei uma descrição bem satisfatória revendo a série de entrevistas de Joseph Campbell - que tem o título de seu livro mais conhecido "O Poder do Mito" - quando o antropólogo fala de um momento em nossa vida que parece justificar nossa existência até então, que dá ordem a todo processo caótico que nos


levou até aquele momento, como se toda nossa vida tivesse a finalidade de nos preparar para aquele momento. A Márcia tem sido a grande parceira neste processo todo, juntos enfrentamos os momentos ruins e os bons momentos, as vitórias e conquistas. E sem dúvida às vezes estes últimos são muito mais difíceis de serem enfrentados. Ainda mais quando as vitórias exigem um grau de dedicação ao trabalho e esforço muito acima da que seria exigida de um trabalho qualquer. A tranquilidade que ela me dá para cumprir meu destino é mais do que extraordinária ou imaginável. Curioso que jamais tenhamos discutido, nem nos bons nem nos melhores momentos destes meses todos. E esta ausência de discussão por menor que seja não é pelo motivo esperado, pela nossa capacidade mútua de dialogar sobre tudo, de conversar com calma, não se chegou jamais a um momento no qual esta disposição para o diálogo teve de ser sacada e utilizada. Bastou a empatia, a capacidade de sentir o outro e identificar-se com ele para que tudo fluísse com incrível calma e naturalidade toda tensão colocada no lugar certo, no momento certo, aonde ela realmente é útil. Em outras palavras, há calma não pela frieza ou ausência de emoções ou excesso de racionalidade, há calma justamente porque se transcende tudo isto em um outro grau de via compartilhada. Nem estranho quando tantos comentam nossas semelhanças, até físicas. Mas houve metas nas quais fracassei e falhas. A principal delas foi, na minha avaliação, não ser capaz ainda de atingir aquela superação da raiva e do ódio, até da vingança. Sei que o bom guerreiro é capaz de lutar sem nenhuma paixão, sem ódio àquele que enfrenta. Aliás nenhuma religião tradicional elimina a luta, o conflito, mesmo o extremamente pacífico Jesus que prega santidade diz que não veio trazer a paz, mas a espada. Todas as fés nos ensinam a lutar contra o mal, a começar pelo mal dentro de nós. Mas todas exigem a disciplina de não lutar com ódio ou medo, porque neste caso

estaríamos de fato lutando nas fileiras contrárias. A satisfação toda que senti, por exemplo, com a queda e humilhação de pessoas que me perseguiram, por exemplo, não pode ser um sentimento positivo. Eu ter expressado claramente minha satisfação e até participado de algumas correntes de comentários e boatos foi algo que fez com que depois eu me sentisse fraco e indigno do papel que imagino para mim. Certamente não devia ter sido hipócrita somando-me a muitos que aparentavam um pesar que não tinham, mas também não deveria ter me somado aos que festejavam cada notícia envolvendo o nome do perseguidor em um escândalo. Deveria, antes, ter me considerado contemplado e protegido por ter sido afastado de um lugar onde os relâmpagos da desonra caíram muitas vezes. Eu mesmo sempre havia dito a vários amigos, em especial à Renilde, que Deus havia sempre me concedido servir apenas a pessoas sérias e jamais ter sido confronto com algum dilema ético. No nível racional compreendi que todos os dissabores que passei tinham uma finalidade maior, mas creio que no coração a lição não foi totalmente absorvida. Ao mesmo tempo cheguei a um grupo político no qual este tipo de compreensão é absolutamente essencial. Grupo perseguido, humilhado, traído, atacado duramente pelos últimos quinze anos, só será capaz de obter a vitória na medida em que se liberte dos ódios e ressentimentos. Também tem o grande mérito de ser um grupo que passou por todos os filtros que a vitória e ainda mais a derrota podem oferecer, aqueles que sobraram resistiam a todas as tentativas de cooptação, não sucumbiram ao desânimo, não abriram mãos de ideais e só fizeram crescer a vontade de fazer diferente e criar o novo. É ao mesmo tempo um orgulho fazer parte não só do grupo como de seu núcleo formulador, assim como é enorme desafio a mim mesmo estar á altura da tarefa. Mas para isto terei de ser capaz de enfrentar minhas fraquezas e ser bem sucedido onde falhei.


Por fim em meio a tantos aspectos positivos e grandes vitórias a vaidade, que andava há anos sob controle, vai achando espaço para ressurgir e eu penso que tenho falhado muito além do aceitável em controlá-la. Vaidade baseada às vezes no medo, às vezes no sentimento de vingança, enfim, naqueles sentimentos inferiores. Reconhecer estas fraquezas me ajuda também a ser mais tolerante, outro problema com o qual tenho lidado mal, afinal se eu que deveria ter uma consciência muito maior da importância da autodisciplina falho com tanta frequência como posso cobrar melhor desempenho de outros. S E G U N D A - F E I R A , 3 0 JU L H O , 2 0 0 7 - 1 2 : 3 8

Comunicação, Pessoal, Arte, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião Ortega y Gasset, Ruth Benedict, Joseph CampbellDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10642


ADMIRÁVEL MUNDO NOVO NOS FILMES INFANTIS Tenho falado diversas vezes sobre o fim da literatura infantil, em triste decadência. Sempre uso o exemplo de que as obras infantis de Monteiro Lobato dificilmente conseguiriam ser lidas pelas crianças de hoje, mas por outro lado tenho de reconhecer a qualidade crescente dos filmes infantis. E quando falo em qualidade não me refiro apenas à crescente e impressionante qualidade técnica, com destaque para a utilização de grandes atores na caracterização dos personagens e vozes, mas também à sofisticação dos roteiros. A primeira vista este aparente paradoxo de livros infantis com conteúdo se degradando e filmes para crianças em uma escalada positiva de aprimoramento sugere a hipótese de uma mudança de linguagem e meio no qual a linguagem multimídia substitui a escrita. Talvez ainda seja cedo para afirmar isto, mas há vários aspectos que apontam para que esta hipótese não seja de todo descartada. O mundo vai se tornando mais complexo, mas muito do que se tenta escrever para crianças segue fórmulas antigas, está repleto de pretensões pedagógicas – portanto carente de sinceridade. Ao mesmo tempo uma coisa que me chama atenção nos roteiros de vários filmes infantis recentes é justamente a complexidade das tramas e dos dilemas éticos e morais dos personagens. Ainda que sem dispensar os finais felizes recomendados para filmes infantis, vários deles não tem aquela postura maniqueista, aquela separação clara entre bem e mal. Tenho 38 anos e os filmes

infantis que assisti quando criança em geral tinham estas imagens simplistas e estereotipadas. Heróis e burocratas: O burocrata submetendo o herói em um contexto quase nietzschiano em "Os Incríveis". Apenas para citar alguns exemplos simples o dilema entre natureza e cultura no leão de Madagascar, os conflitos éticos do guaxinim e a guerrilha anti-consumista em “Os Sem Floresta” - diria que a tradução do título "Over the hedge" para "os Sem Floresta" foi mais do que feliz e apropriada na versão brasileira -, o paradoxo do pirata em “Piratas do Caribe 2” que tem uma bússola que aponta para o que ele mais deseja, mas que não funciona porque ele não consegue decidir o que mais quer, os conflitos da inveja em “Toy Story”, a oposição entre o heroico e o burocrático – que nos bons aspectos lembra Weber e nos nem tão positivos Nietzsche. Por sinal até mesmo com o direito à cólera heroica – em “Os Incríveis” com seus super-heróis aposentados pelos processos judiciais, para não falar das maravilhosas desconstruções. Claro que nem sempre as desconstruções são felizes, como prova a tentativa, a meu ver infeliz, de recontar a história de Chapeuzinho Vermelho em "Deu a louca na Chapeuzinho" - infeliz até no título traduzido - como história policial, dos contos de fada e do consumismo nos dois filmes de Shrek. Também me chamam a atenção algumas citações elaboradas, como a de “Beleza Americana” em “Madagascar” ou de “Cidadão Kane” em “Os Sem-Floresta”, as quais pelo menos falam bastante sobre a formação das pessoas que trabalham nestas produções. Um aspecto curioso a ser notado é que também as histórias infantis tradicionais tinham um conteúdo nas entrelinhas muito mais complexo, bastante explorado mas não esgotado pela psicanálise, e só nas fases mais recentes é que acabaram tornando-se assépticos e “morais”. Mesmo Lobato, por sinal, nada tem deste moralismo insosso e mesmo que escreva com a finalidade também de ensinar algo às vezes o faz sem


pedantismo e com o desejo de ensinar a audácia de duvidar, criticar e pensar por si próprio. Mais vale ser um ogro feliz: Discussão sobre individualidade e diversidade em Shrek. Como os modernos raramente entendem os símbolos, acabam perdendo a capacidade de escrever para crianças, através deles, chateiam ao invés de divertir, até porque as crianças hoje tem um acesso a informação muito maior. Ao mesmo tempo, penso eu, certa visão evolucionária não permite compreender que as crianças tem um outro tipo de sensibilidade – que com o tempo e a educação/adestramento se perde - que permite que elas compreendam as coisas de forma muito mais profunda do que se possa imaginar, decifrem os sinais e até acessem certas noções simbólicas nem sempre muito evidentes para nós adultos, que já temos a mente meio adormecida. Conformismo vilão: Adultos infantilizados e consumistas como antagonistas em "Shrek" e "Over the Hedge". A capacidade do ser humano de manter e ouvir os anciãos foi um elemento essencial na nossa evolução. Hoje em dia, em especial com a informática, Internet e a civilização eletrônica como um todo é comum que haja certa inversão com os filhos e netos ensinando aos pais e avós, o que pode ter alguns aspectos negativos. Contudo é preciso notar também que em um mundo de adultos cada vez mais infantilizados não deixa de ser alvissareiro que as crianças sejam estimuladas de uma forma mais elevada, inclusive contra o consumismo que é um dos aspectos essenciais desta infantilização dos adultos. Note-se que em diversos destes filmes, citaria em especial Shrek com sua fada-madrinha-perua e “Os Sem Floresta” com a síndica-perua, o antagonista da história é justamente o adulto infantilizado, porta-voz do consumismo. TERÇA-FEIRA, 12 DEZE MBRO, 2006 - 13:23

Pessoal, Poesia, Educação, Literatura, Cinema, Sociologia e cia. Monteiro LobatoDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10179


O MACACO ESTAVA CERTO Um dos meus filmes preferidos sempre foi “O Planeta dos Macacos” de 1968. Ainda era criança a primeira vez que assisti mas me impressionou muito e a cada vez que assisto me chama a atenção um outro ângulo. Caso raro no qual os roteiristas e o diretor conseguiram produzir um resultado muito melhor e mais profundo do que o livro no qual foi baseado alterando quase tudo. Para ter uma ideia do livro basta dizer que a infeliz versão mais recente de “O Planeta dos Macacos” é relativamente fiel à obra literária original, por isto não estava lá a maioria dos elementos que tornaram a versão de 68 um clássico, mesmo nestes tempos de efeitos especiais. O primeiro ângulo que me chamou a atenção no filme, ainda quando tinha uns 6 anos, foi a questão dos maus-tratos aos animais, a vivissecção, as caçadas, as quais ganham uma força significativa através da inversão de papéis. Como até hoje esta é uma questão relevante para mim e uma das minhas batalhas pessoais, profissionais e políticas sinto a importância daquele filme. Outro aspecto que vi com interesse algum tempo depois foi a manipulação e o controle da informação e do conhecimento. No filme uma das mais relevantes cenas neste sentido é aquela na qual o promotor prova que o humano não tem raciocínio porque é incapaz de citar ou expor o significado das escrituras sagradas dos macacos. Inquisição: No "julgamento do humano" contra facção do "julgamento do macaco" no qual fundamentalistas condenavam a evolução - o desconhecimento das escrituras sagradas é prova da falta de raciocínio de Taylor.

Há, contudo, uma dubiedade no filme e em grande parte esta é a grande criação que adiciona algo que não faz parte nem de forma embrionária do livro original que é um tanto difícil de comentar sem estragar a história para quem não viu o filme nenhuma vez ainda – a despeito do infeliz designer da capa do relançamento do clássico em DVD ter tido a imprudência de usar justamente a cena do desfecho como base. Esta dubiedade é personificada no filme pelo antagonista, Dr. Zaius, ao mesmo tempo conhecedor da história toda, portador de conhecimento que os outros buscam – e que se revela no final da história – mas que esforça-se a todo custo – utilizando os dogmas religiosos – para que não seja conhecido. Quando ele diz ao astronauta para não procurar respostas porque pode não gostar delas – frase que em certo sentido resume um do dramas essenciais do filme, na minha visão – dr. Zaius demonstra que há um certo sentido em todo aquele ocultamento das verdades por detrás do sagrado. Há algo terrível a ser escondido para que não se repita, tal como tantas seitas e místicos ao longo da história disseram. O diretor estava talvez preocupado com os problemas da sua época e os medos daquele momento, sobre os quais também não posso falar muito sem estragar algo da história do filme. Se ele teve também uma certa interpretação metafísica da história não saberia dizer com certeza, apenas especular. Mas diria que na última vez que assisti o filme na semana passada a “descobri” com bastante clareza a ponto dela parecer evidente e até me espantar por não tê-la visto antes. Um aspecto curioso é que esta outra interpretação, que cria uma outra “camada” no filme no qual a jornada de Taylor é em certo sentido um percurso quase iniciático transforma a posição dos personagens e faz do antagonista Dr. Zaius quase um guia, enquanto dá um certo caráter perverso aos cientistas-chimpanzés cheios de bondade e especulação. Não deixei de me lembrar de uma frase de Schuon na qual ele diz que tudo que pertence a este nosso mundo, a este estado, é dúbio, até mesmo a tradição e seus guardiães. Também curioso que esta


afirmação está justamente no trecho em que ele fala sobre certo conceito associado a simbologia do "defeito do tapete" - que comentei em artigo anterior - e eu tenha tido a impressão justamente de ter encontrado o defeito neste tapete. QUARTA-FEIRA, 13 DEZEMBRO, 2006 13:56

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Cinema, Política SchuonDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10187


MAQUIAVEL E A POLÍTICA CONTEMPORÂNE A Maquiavel é talvez um dos autores - como a imensa maioria dos clássicos de qualquer área - mais mal compreendidos tanto pela crítica como, principalmente, pelo senso comum. A própria significação que se dá ao termo maquiavélico revela esta incompreensão. A principal destas incompreensões provavelmente é a que o vincula à ação inescrupulosa e ao desejo do poder pelo Poder. Nada mais contrário a Maquiavel, ao definir que "os fins justificam os meios" frase habitualmente utilizada fora de contexto - ele não desprezava os fins, os objetivos, mas sim os colocava em seu devido lugar: no centro de planejamento de qualquer ação política. E quais eram os fins que Maquiavel almejava, é apergunta que poucos se fazem. Em primeiro lugar ele desejava trazer para a Itália uma instituição republicana na qual a vontade do povo fosse respeitada. É bastante evidente em um texto dele - muito menos conhecido que "O Príncipe" Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio sua vocação republicana e em certa medida democrática. Mas mesmo nas páginas do Príncipe ele adverte ao soberano que é perigoso ser odiado pelo povo e que a um governante que não é capaz de manter-se em paz com o povo é inútil a proteção dos exércitos e fortificações. Isto se dá porque na sua compreensão de sociedade há atores múltiplos - o príncipe, os nobres, o povo - e portanto ele é capaz de perceber que sempre existirão conflitos na sociedade. Este modelo é muito diferente dos posteriores que irão imaginar a existência de

um Estado acima da sociedade - como o pensado pelo modelo liberal - ou apenas como apêndice de uma parte da sociedade como os Marxistas. Ainda hoje parece ser um paradigma eficiente para analisar a política. Metas realistas Maquiavel dedica boa parte dos seus textos a avaliar que é necessário ver a política como ela é, não como ela deveria ser. Ao afirmar isto ele em momento nenhum advogou que os muitos truques - do assassinato à corrupção - analisados por ele fossem um padrão ou um ideal do que deveria ser a política - tampouco de que ela sempre haveria de ser assim. Ele apenas constatou fatos e analisou os dados presentes. Assim a visão de Maquiavel é essencialmente estratégica: definir o objetivo, enxergar a realidade como ela é, refletir como a partir daquela realidade dada se pode chegar à situação desejada no objetivo, rever os objetivos a partir desta reflexão e, finalmente, pensar nas táticas que podem ajudar a concretizar o objetivo através de um processo gradual de metas realistas e concretas. Além disto ele adverte de um lado para que não se perca o objetivo de vista e de outro para que nem toda tática é recomendável. A questão não é portanto linear nem são infinitas as escolhas porque algumas delas ampliam o risco admissível. Os riscos, avalia ele, às vezes devem ser corridos porque a sorte em geral favorece aos audazes, mas se deve estar conscientes deles. Mais ou menos o conceito de risco calculado da estratégia militar contemporânea. Assim ele sabe que o Estado que ele deseja não será obtido enquanto a Itália não for unificada. Sabe que ela não será unificada a não ser por um Príncipe forte e que este processo inevitavelmente conduzirá a guerras e violência. Sabe que esta centralização precisa se dar em torno de um nome forte porque precisará obrigatoriamente combater a aristocracia com a qual o Estado republicano final não será possível. Daí o conteúdo até brutal em alguns momentos do Príncipe.


Síndrome de Cassandra Curioso que Maquiavel, ao lado de dois outros grandes estrategistas - Ibn Khaldun e Karl Clausewitz - jamais tenham sido ouvidos em sua época. Maquiavel passou a vida toda tentando se fazer ouvir pelos príncipes italianos. Khaldun passou a vida fugindo de corte em corte do Magreb onde inevitavelmente caia em desgraça. Clausewitz jamais conseguiu ser levado a sério pelo Estado maior prussiano. Tal como a personagem da mitologia grega, os três parecem ter recebido ao mesmo tempo o dom de prever o futuro e a maldição de não ser capaz de convencer ninguém das suas previsões por mais acertadas que fossem. Ainda assim Maquiavel continua hoje sendo um eficiente conselheiro, Clausewitz moldando os exércitos contemporâneos e Khaldun arrancando exclamações sobre a atualidade de seu modelo de interpretação do desenvolvimento das sociedades. Enquanto isto os contemporâneos a eles que obtiveram seus efêmeros sucessos tiveram o nome apagados da história. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:09

Islam, Islam, Pessoal, Pessoal, Arte, O futuro, Sociologia e cia., Política, Política Maquiavel, Ibn Khaldun, Karl ClausewitzPP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/54


O SENHOR DAS MOSCAS “Se fizer uma revolução, a faça por diversão Não a faça com a cara zangada Nem a faça com mortal seriedade Faça-a por diversão (...) Não a faça porque odeia as pessoas mas para abrir seus olhos” (DH Lawrence, A Sane Revolution) Para ser absolutamente sincero irrita-me ouvir tantos comentários e queixas sobre os políticos. Não porque acredite nas mentiras deslavadas contadas nas CPIs ou nos dossiers e cartilhas que tentam explicar o inexplicável, também perdi muito da fé, das esperanças, daquelas certezas que nos fazem engolir as histórias e os sapos em nome da causa ou de necessidades táticas. O que me irrita é ver que as pessoas, pelo seu comportamento em inúmeros casos, não seriam distintas dos piores políticos – e creiam, há inúmeros que são bons. Eu deixei de acreditar que qualquer sistema possa melhorar automaticamente as pessoas. Pelo contrário, chego a conclusão que as pessoas são capazes de degradar a mais bem elaborada das utopias. A internet é um meio onde isto pode ser facilmente percebido. É só olhar a violência com que se referem aos políticos, facilmente também transposta para qualquer um na comunidade, lista de discussão, fórum, página ou blog que ouse contestar suas verdades absolutas, para verificar que por pior que seja o político aquele indivíduo que o critica é um tirano ainda pior. Digo sempre que

governar a utopia é muito fácil, porque ali existe uma única vontade, uma só pessoa que decide como todas as demais vão viver, já as sociedades concretas onde há outra pessoa além do autor são coisa bem diferente. Retirei-me de uma comunidade dedicada a espichaçar este símbolo do que é mais desprezível neste país – a deputada Angela Guadagnin, aquela que há zombou de todo o país executando a dança da pizza e que caso se reeleja comprovará a tese hegeliana de que todo povo tem o governo que merece e que merecemos não só ser roubados, mas que os corruptos ainda zombem de nós. Sai porque no meio de toda a brutalidade da ação dela, todo o sentido político da dança da pizza a única coisa que os débeis que participam da comunidade conseguiam dizer era que ela era uma balofa, uma baleia e coisas do tipo, como se a a feiúra e a repugnância interior da deputada não dispensasse qualquer outro comentário, como se fosse uma questão estética ao invés de ética. Enfim, os que estavam lá eram pelo menos tão desprovidos das qualidades morais quanto a própria deputada, companheiros na mediocridade e no nojo que causam. A internet, que é sempre meu assunto das sextas, é muito pródiga neste tipo de personagem que encarna a escória da humanidade, extravasa toda sua prepotência, vive das aparências, dos chavões, da cultura de almanaque. Talvez isto possa ser explicado pela rapidez e brevidade das comunicações – que facilitam o trabalho dos impostores intelectuais – e o anonimato ou ao menos a ausência de contato direto – que permite que o ego se veja livre de limites – ajudem a explicar estes comportamentos, mas há também os pescadores de águas turvas que transformam o desvio de personalidade próprio e alheio – em ideologia. O que me entristece ás vezes é que poderia ser diferente. Barato, rápido,


seletivo, a Internet oferece um meio interessante de se estabelecer um outro parâmetro de comunicação. Ao mesmo tempo é também um argumento para demonstrar a tese principal, de que qualquer sistema é falho porque depende das pessoas e não de alguma resposta brilhante de seus mecanismos. Imagine-se o cenário de uma comunidade ideal. Um grupo de pessoas pequeno o bastante para se conhecerem e tomarem as decisões em conjunto, mas suficiente para dar conta das tarefas básicas. Sem contato com algum meio externo ou tendo qualquer um deles com algum elemento de coerção sobre os demais. Poderia até incluir a condição adicional de serem crianças ou adolescentes, imagens de inocência ou rebeldia, para garantir que aqueles que não confiam em ninguém com mais de 30 também pudessem ter uma visão mais idílica da situação. Em geral esta situação seria vista pelas pessoas como uma espécie de paraíso, de sociedade ideal. Mas o escritor William Golding escreveu em 54 um livro – transformado duas vezes depois em filme, só assisti a de 90 - “O Senhor das Moscas” no qual o resultado da experiência não é um paraíso, mas um inferno. Sem nenhuma regra de autoridade o que ocorre é o poder da força, o crime, a maldade em uma forma quase pura. Um sonho, talvez, para aqueles que dizem admirar Nietzsche, mas um pesadelo para todos os seres humanos normais, aqueles que não integram a escória da humanidade. Há algo do “Senhor das moscas” em quase toda comunidade que se organiza através da internet e quem assistir ao filme ou ler o livro – o primeiro me parece mais brutal e portanto mais adequado – não deixará de reconhecer os personagens. Um tipo de comunidade, em particular, tem o costume de transformar-se em algo muito similar, o assim chamado micronacionalismo (como disse o nome é infeliz e pouco

esclarecedor mas não fui eu quem criou, refere-se à simulação de países virtuais), não pela repetição do cenário – adolescentes, na maioria, quase sempre em uma ilha. As diferenças de cenário só aguçam as semelhanças, pois não se podendo usar a força bruta, visto que o contato é virtual, utilizam-se de outros meios em especial da capacidade de adular, fazer demagogia, das alianças do vulgar contra o diferente de que fala Gasset, a inexistência de regras transforma-se na multiplicação delas até o infinito, sempre, claro, podendo ser modificadas ou alteradas segundo as conveniências. Não deixa de ser mais terrível que o “Senhor das Moscas”, não só por ser real, mas por se saber que as pessoas que estão lá infelizmente não vão ficar isoladas em uma ilha mas sairão de lá para o mundo real tendo aprendido a utilizar a truculência e a fazer qualquer coisa pelo poder. Enfim, ao invés de tornar-se uma escola da elite que ensine a buscar a autoridade que dispensa qualquer coerção ou símbolo – por sinal eram de uma os jovens do livro – transforma-se em uma universidade para formar a escória que só pensa no próprio ego e em todos os meios de atingir o poder e manter-se lá. Não poderia deixar de dizer, antes que todos fiquem horrorizados e não passem nem perto destas comunidades, que a esperança na humanidade também pode ser restaurada por algumas delas, nas quais existe um ambiente saudável, produtivo, de respeito e trabalho, nas quais em geral até se consegue ter um ambiente tão sólido que os egoístas que ali caem acabam se sentindo mal e indo procurar os seus semelhantes em outras plagas, tal como os espíritos de Swedenborg ou, na expressão de Attar: “pássaros de mesma plumagem andam juntos”. S E X T A - F E I R A, 2 J U N H O , 2 0 0 6 - 1 5 : 2 6


Poesia, Literatura, O futuro, Cinema, PolĂ­tica, Filosofia e cia Friedrich Wilhelm Nietzsche, DH Lawrence, William Golding, Swedenborg, Farid ud-din Attar, Outros ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10027


O QUE É UM LÍDER? As pesquisas de opinião surgiram na melhor das intenções como um instrumento auxiliar da formulação de políticas, definição de estratégias e concretização dos potenciais de liderança. Mas enganos comuns provocados por ausência de personalidade ou excesso de demagogia - perverteram seu sentido original de "saber como a população pensa para saber que rumo tomar" para um amorfo "vamos dizer o que eles querem ouvir". A chamada "opinião pública" é algo muito recente na história da humanidade, no máximo remontando à revolução francesa. Talvez por isto ela tenha sido negligenciada pelos mais diversos filósofos que pensaram no que deveria ser a democracia. Quando a descobriram imaginaram-na como um dos pilares do Estado Democrático, uma força maior capaz de vigiar e dirigir os detentores do poder, mas logo se viu que esta era uma ilusão ingênua. Ao pretensamente "materializar" a opinião pública as pesquisas passaram a levar aos líderes a volatilidade de opiniões e a ausência de perspectivas menos imediatistas diretamente às lideranças políticas. Com isto destruíram estas lideranças que ou deixaram de ser verdadeiros líderes pois pararam de decidir quais eram os caminhos a tomar ou passaram a se tornar líderes demagógicos que só falam aquilo que interessa à massa. Mercador de esperanças O líder não é aquele que faz o que esperam dele, mas sim aquele que é capaz de convencer a sociedade que aquilo que ele pode fazer é o que deve ser feito. Napoleão disse que o líder é um "mercador de esperanças" e neste papel está implícita a ideia de convencer a sociedade de seus projetos. Não é possível construir qualquer coisa concreta sobre o castelo de areia da

"opinião pública" porque hoje ela quer uma coisa, amanhã outra e não se preocupa com o futuro a não ser de uma forma muito vaga. Isto não significa que a "Opinião Pública" não deva ser levada em consideração, ou que não tenha nenhum valor, apenas que não é suficiente para levar qualquer sociedade para algum lugar. O verdadeiro líder é capaz de identificar o que a população pensa tanto quanto de estabelecer um projeto próprio de sociedade e exercício do poder, a partir da interação destes dois dados chega então a um certo meio termo que nem ignore a opinião popular nem desvirtue os seus projetos. O líder autoritário que insista na realização de seus projetos ignorando a vontade geral está fadado ao fracasso, ao ostracismo e no máximo será saudado pelas gerações posteriores como visionário, mas será incapaz de chegar e manter-se no poder. O líder demagógico que insista em apenas seguir as aspirações da massa será levado a mil becos-sem-saída, envolver-se-á em tantos conflitos grandes e pequenos, mudará tanto de opinião que está igualmente fadado ao fracasso e ao descrédito, inclusive junto à massa que o guiou. Caminho do meio A alternativa das lideranças reais, tão escassas na cidade, é a capacidade de sentir os anseios da multidão, analisar suas tendências, projetar suas aspirações e a partir destes dados estabelecer um plano estratégico para colocar seu projeto, sempre com algumas concessões. Maquiavel determinou com exatidão que o público se engana com questões gerais, mas normalmente acerta em questões particulares, o que parece ser facilmente demonstrado pela história. Assim um vasto projeto geral dificilmente seria compreendido pela maioria da população, mas dividindo-o em pequenas partes oportunamente apresentadas, defendidas com bons argumentos, justificadas por necessidades concretas que todos podem enxergar, habilmente trazidas à agenda do cidadão em momentos


adequados quase sempre serão entendidas e apoiadas. Evidente que há dois perigos que o líder deve estar disposto a correr ao fazer isto, o primeiro é que sua ideia inicial estará sujeita a ser modificada no decorrer da discussão e ele deve estar preparado para negociar estas mudanças. A segunda que ele corre o risco de se perder nas partes e esquecer o todo se não tiver uma visão estratégica de futuro, portanto um planejamento eficaz e de longo prazo. Carisma e intuição Toda esta avaliação sobre liderança pode dar a impressão que o papel do líder é um papel técnico, mas isto não é verdade até porque em geral os técnicos são péssimos políticos e líderes fracos no mais das vezes. Para que não se corra o risco deste mal entendido, ou de imaginar que qualquer um pode tornar-se um líder se dotado de algum conhecimento específico é preciso levar algumas coisas em consideração. Para a imensa maioria das lideranças de fato o conhecimento da opinião pública e as estratégias a seguir são intuitivos. Sem precisar analisar uma única pesquisa ele sabe o que a população quer e pode usar este conhecimento tanto para fazer demagogia como para alavancar saltos mais altos rumo a um poder mais permanente que o do demagogo. A esta intuição soma-se o que se convencionou chamar de carisma, esta mal definida capacidade hipnótica que faz o líder ser capaz de convencer a massa que o que ele propõe é o que ela quer e ser capaz de convencer a sociedade a segui-lo. Sem este poder de persuasão tão mal definido dificilmente alguém se tornará líder sem o recurso das técnicas, até porque o carisma não é algo que possa ser aprendido, mas um dom que pode no máximo ser treinado e turbinado com a técnica e a estratégia. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:05

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Política, Filosofia e cia

PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/49


O APRENDIZADO Por conta da necessidade de organizar as ideias e planejar acabo tendo de escrever sobre política porque é difícil falar sobre outra coisa senão aquilo que se tem em mente. No meio de tantas dúvidas, incertezas, descrenças e fés vou tentando encontrar esperanças de que a política ainda possa ser um campo de luta. Acho que poucos de todos os pensadores, antigos ou modernos, amaram tanto a democracia como o liberal e utilitarista Stuart Mill. Não vejo em nenhum outro pensador à esquerda ou à direita o mesmo sentido de defesa da democracia como valor essencial, não conjuntural, em elemento de princípio e fim em si, não mero instrumento. É com a função de preservá-la e desenvolvêla que ele pensa as instituições, não com o de manipulá-la. Mas, encanta-me, sobretudo a noção fundamental no pensamento dele de que a democracia é o único regime no qual os homens podem aprender, desenvolver-se, portanto o único aceitável para seres humanos plenos. Muito mais avançado e radical do que os homens-massa que acham mil desculpas para idolatrar o tipo mais desprezível de ser humano político - o ditador de qualquer tipo - Mill assinala que é impossível existir algo como um "bom déspota". Ainda que a finalidade dele realmente fosse tomar as decisões mais favoráveis ao seu povo - como alegam todos os tiranos, em geral quanto mais afundam nas suas paranoias e psicoses - que acometem 11 em cada dez tiranos, demonstrando assim tanto a sua condição subumana quanto a estupidez, covardia ou ganância daqueles que louvam os loucos - o processo em si não seria bom porque levaria a atrofia moral e intelectual do povo submetido a não ser responsável por tomar as suas decisões. O aprendizado é assim o grande argumento em defesa da democracia. Ainda que os populismos diversos tenham em muitos lugares pervertido o conceito de democracia

em si - talvez porque aplicada de cima para baixo, copiando modelos externos, em um povo que não tinha a cultura cívica necessária para operá-la com correção coisa que Mill também fala - não deixo de crer que ainda se aprende algo. Primitivos demais em nossa concepção de política ainda vivemos da esperança que alguém faça as coisas por nós, esperamos ainda por algum Dom Sebastião e esta é a tônica de todas as campanhas eleitorais e, pior ainda, das propagandas governamentais. Somos treinados para viver sob déspotas e esperamos que quem governe aja assim. Lembro-me de um personagem de Conrad, o italiano que dirige o hotel de Sulaco, em Nostromo, em uma republiqueta latinoamericana genérica chamada de Costaguana. Veterano exilado do Exército de Garibaldi, o Sr. Viola tem entusiasmo pelas revoluções e revolucionários, mas profundo desprezo pelas sucessivas e sangrentas revoluções que ocorrem em Costaguana, nas quais fortunas trocam de mãos e a liberdade é apenas um tema vago de discursos do futuro ditador e seus capangas. Somos assim. Ficamos sentados esperando que alguém faça algo por nós e no máximo nos indignamos quando as promessas impossíveis não são cumpridas. Fico tentado a fazer uma digressão aqui em referência aos artigos anteriores porque Garibaldi sintetiza o belíssimo conceito do momento no qual as antigas elites europeias chegam ao fundo do pântano da sua indignidade, deixando por completo de ter um comportamento de elite, enquanto surge uma outra elite de fato não só nãoaristocrática mas anti-aristocrática no sentido mais limitado do termo. Os mil de Garibaldi, devotados à liberdade, vivendo em austeridade, sem temor e com disposição de lutar encarnam os valores eternos das verdadeiras elites, enquanto o último resquício da "nobreza" de nome mas não de direito empenha-se nas intrigas, covardias, futricas e conspirações que só os mais vis homens-massa teriam a falta de pudor de cometer. Quando, escreveria "se" mas não percamos o otimismo, formos civilizados poderemos


aprender melhor o que de fato é democracia, aceitarmos a nossa parte dos encargos, desprezaremos aqueles que fazem os discursos de déspotas dizendo ser a solução para os problemas. Quando chegarmos neste momento, aplaudiremos aqueles que nos dizem o quanto somos responsáveis pelos desmandos e vaiaremos os prestidigitadores que dão a ilusão de dar uma solução. De qualquer forma, só conseguiremos chegar neste ponto na medida em que continuarmos tendo a liberdade de errar, portanto aprender, através da democracia, qualquer outro método sendo um retrocesso. SEGUNDA-FEIRA, 9 ABR IL, 2007 - 14:44

Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Política, Filosofia e cia Stuart Mill, Joseph ConradPP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10548


ORAÇÃO SEM SUJEITO “Oh meu Senhor, :Se eu adorá-lO por medo do inferno, queime-me lá/Se eu adorá-lO pela esperança do paraíso, feche-me as portas dele/Mas se eu adorá-lO por Si só apenas, me dê a beleza da sua Face” (Rabi'a de Basra, século 8) “Ó Deus, se eu oro, jejuo e dou esmolas, porque quero ganhar o céu, não me deixe entrar lá nunca. E, se eu faço todas essas coisas, porque tenho medo do inferno, lance-me lá agora!” (Teresa d'Avila) Com o tempo fui deixando de escrever sobre religião, principalmente porque as pessoas tendem a ser muito passionais nesta questão e nem sempre querem entender o que é dito, postura que leva ao pior tipo de desentendimento e ao mais desagradável dos debates, aquele no qual a meta dos que discutem não é retirar o véu da verdade mas ganhar a parada. Com isto acabei preferindo só debater estas questões de forma privada, através de correspondências principalmente. Hoje, contudo, abri uma exceção, talvez pela necessidade de organizar o pensamento e tantas coisas que tenho debatido. Espero não me arrepender mais uma vez, ainda mais porque tento escrever não sobre estas tantas manifestações concretas da religião que existem por aqui, mas em uma tentativa de alcançar ou ao menos vislumbrar num relance aquela idéia de religião que existe nos mundos superiores. Acredito que a fé ou está no coração ou não está em lugar algum. Por isto é muito mais fácil converter aos outros que a si mesmo e talvez por isto o Profeta do Islam tenha chamado a primeira a

pequena Jihad e a segunda de Grande Jihad. A hipocrisia, que como disse Voltaire, é a homenagem do vício à virtude, ou seja, a ação daqueles que incapaz de transformar-se contentam-se com a aparência da correção. É desta necessidade de aparentar que vem toda a aparência de zêlo com tudo que é externo, visível. Ninguém, também, é mais preocupado com a ortodoxia do que o hipócrita, quem sabe porque os grandes problemas para ele não sejam realmente importantes, então nunca surgem dúvidas na sua vida, porque sua essência não está realmente motivada. Porque a tarefa mais difícil de todas é converter-se – e aprendi que infalivelmente as falhas que vejo nos outros na verdade estão em mim e é por um zelo hipócrita que elas me chocam – acho que a religião, qualquer uma, é uma questão profundamente pessoal. Não falo aqui desta idéia corrente de uma religião pessoal, no qual cada um pega o que quer das várias fés – como se estivesse em um supermercado – e quase invariavelmente pega os direitos de cada uma e raramente os deveres. Falo de questão pessoal porque se trata acima de tudo de uma relação pessoal, íntima, com Deus. Não nego a relevância dos rituais, dos símbolos, das restrições cujo sentido mais elevado as pessoas não são capazes de vislumbrar, ainda mais neste nosso mundo desencantado no qual as portas para o que não existe de forma sensível estão fechadas porque poucos as querem abrir. Mas nenhum este métodos todos – e só consigo ver uma grande consistência neles nas mais variadas fés e regras – pode ter valor se não houver a condição prévia da sinceridade no coração. Falo isto por imaginar, por intuir, por enxergá-la nas ações de santos de todas as fés, por ter um dia a esperança deste estado, não por experiência própria. Não sou uma pessoa religiosa, sempre me sinto um pouco hipócrita quando falo


do assunto porque como todos penso muito mais em Deus quando preciso da ajuda dele do que quando ele me abençoa. Só de vez em quando me lembro que os dons que tenho são muito mais dádivas dele do que mérito meu. O que seria da minha cultura de que me envaideço tanto, pro exemplo, se não fosse a memória que ele me deu. Não tenho dúvidas que os homens são iguais em seus direitos, mas são também muito diferentes em seus deveres, porque de cada um será cobrado segundo aquilo que recebeu e às vezes me angustia pensar do que fiz dos meus dons. Mas a grande dificuldade para além desta constatação é ser capaz de atingir um dia o ponto mencionada pelas duas santas que cito na epígrafe, de não fazer isto pelas recompensas deste ou do outro mundo, mas só e apenas só pelo amor a Deus.

T E R Ç A - F E I R A , 6 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 3 : 3 9

Islam, Pessoal, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10030


ABSOLUTO E RELATIVO A noção de que a verdade é múltipla e certa interpretação, a meu ver equivocada, do termo “pluralismo” – designando não a multiplicidade de opiniões e o direito à existência desta multiplicidade, mas a igual validade de todas as visões de mundo – parecem a primeira vista uma ideia muito simpática e pacificadora. Como qualquer visão do mundo é possível, legítima e igualmente válida ninguém tem o direito de tentar impor a sua a outro – o que é correto – mas também não precisa justificar a sua, convencer, persuadir e, sobretudo, buscar os pontos em comum e a partir dos muitos pontos de início da largada tentar chegar a um ponto de vista comum na chegada. A noção de que tudo é relativo, a negação do absoluto, tem, então, o efeito de eliminar todas as chances de unidade, separam-se as ideias, os conceitos e os seres humanos em grupos que não só são distintos como estão condenados a afastarem-se cada vez mais. Como admite que todas as verdades sejam válidas de um lado deixa de permitir que as ideias se troquem, se mesclem e busquem a aproximação com a verdade, de outro estabelece que como o embate não possa ser feito no plano das ideias – visto que todas são igualmente válidas – nem se precisa justificar as ações, que seriam incompreensíveis aos que não compartilham delas, nem se pode buscar outra forma de lidar com o outro senão com a conversão forçada ou emocionalmente motivada. Os filósofos gregos, que não caíam nestas armadilhas, distinguiam entre a doxa, a opinião, e a verdade. Ainda que só já na sua fase de decadência esta distinção tenha precisado ser teorizada, argumentada e defendida – e diga-se de passagem esta é a grande crítica de Sócrates, Platão e Aristóteles à democracia ateniense, para os quais a forma como os tiranos tinham

estruturado a democracia levava ao império da doxa no lugar do conhecimento – a ideia sobrevive até época bem recente. A noção de absoluto, é preciso dizer, desmoralizou-se com o passar do tempo porque foi sendo utilizada não como método de buscar a unidade, mas como mera desculpa ou pretexto para uma dominação baseada na força. Mais uma vez destaco meu ponto de vista que a “rebelião das massas”, o processo que corre no mundo atual quando o vulgar se impõe como regra e esforça-se por esmagar o seleto, é culpa da incapacidade moral e intelectual daqueles que ocupando a função de elite – ou seja, sem que fosse a elite de fato – utilizam as noções da tradição e do absoluto apenas como desculpas e meios para manter-se no poder, perdendo toda a autoridade. E é porque a busca do absoluto no qual se faz o caminho da opinião ao conhecimento foi infinitas vezes utilizado não como deveria mas como instrumento de dominação política, econômica e – para usar um termo caro aos marxistas, mas ainda assim útil quando compreendido de forma mais abstrata – ideológica que se desmoralizou e – de fato – transformou-se naquilo que hoje dizem os ideólogos do homem-massa: ferramenta de manipulação. Isto não significa que o pensamento relativista, segundo o qual cada um pode ter a sua própria verdade tenha triunfado. A Igreja preferiu em um momento crítico na sua história a Inquisição ao diálogo e ao convencimento, ela também abriu mão do absoluto porque tirou dele justamente a sua característica de levar à unidade. O preço que pagou por isto é a dessacralização do mundo em que vivemos, ou seja, o fracasso da sua missão de elite. Processo semelhante vem acontecendo com a ciência. Desgrudada dos fins, buscando a sua justificativa em algum movimento inelutável que passa por cima de tudo – como no debate sobre clonagem, pesquisa com embriões e até no tema mais concreto da vivissecção de animais em pesquisa – a ciência vai se ideologizando, virando


cientificismo e também perdendo seu caráter persuasivo para vestir-se com poder – não com autoridade – e assim condenar a si mesma ao mesmo fim que a história reservou a todos os conhecimentos que deixaram de visar o fim último de encontrar a unidade das opiniões na verdade: virar mero pretexto político e desmoralizar-se. Sinto-me à vontade para ler tanto Guénon atacando a ciência e o mundo moderno como o cético Carl Sagan em “O mundo habitado pelos demônios” ou “Dragões do Éden” defendendo a ciência e atacando as superstições. Paradoxal, mas não mera coincidência, que o ataque de ambos se volte contra as superstições, em particular contra o que hoje pode ser chamado de “novo-erismo”. É afinal na caricatura da tradição ou da ciência – e ás vezes de ambos – que este novo-erismo vai buscar algum poder – já que não tem como ter autoridade porque é justamente o pensamento do homem-massa por si só, sem nenhuma autoridade. E o que é a superstição senão aquilo que sobrevive de uma estação no caminho do absoluto, um fragmento perdido que ao ser retirado do contexto deixa de ter significado próprio, passa então a ser relativo. A própria ciência vai se tornando uma superstição na medida em que deixa de ser um caminho para o absoluto para tentar tornar-se instrumento de poder, tornando-se uma destas muitas verdadezinhas irredutíveis a unidade com as quais se forma esta noção relativista. As assim chamadas ciências sociais e humanas e a filosofia moderna – para a qual filósofo é o que detém um determinado título não aquele que fez alguma contribuição original e relevante ao pensamento humano, concepção que tem algo de supersticiosa por atribuir importância ao pedaço de papel e não ao conhecimento – já estão em grande parte dissolvidas nesta sopa. A biologia e as ciências médicas caminham rapidamente pelo mesmo caminho porque já não são capazes de justificar muitos de seus procedimentos senão invocando o supersticioso argumento de que não se

pode deter o caminho da ciência – argumento que encontrei inúmeras vezes contrapondo-se a legislação de Proteção Animal e que vejo agora repetido na questão da utilização de embriões humanos – que revela a incapacidade de formular qualquer argumento objetivo, persuasivo e acaba sendo o mesmo que se utilizava na Idade Média para justificar a inquisição. Mesmo desmoralizado pelo mau uso, contudo, continuo a acreditar que o absoluto é possível e não posso aceitar as ideias relativistas segundo as quais cada grupo, religião, sistema de crenças, opinião política são ilhas com o mesmo direito. Admitir isto para mim é aceitar que como todos tem razão a única forma de chegar a uma conclusão é nos matarmos para ver qual é afinal o mais forte, ao invés de debater com sinceridade para talvez descobrir que todos estavam no caminho certo mas não conseguiam enxergar o quadro todo porque faltavam unir os vários pedaços. TERÇA-FEIRA, 24 ABRIL, 2007 - 13:32

Islam, Comunicação, Pessoal, Arte, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião René Guénon, Carl SaganDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10556


AS CRUZADAS Cruzadas completam 901 anos No dia 27 de novembro completou-se 901 anos do apelo do Papa Urbano II aos nobres europeus para a libertação da Palestina ocupada pelos muçulmanos. O chamamento do Papa, realizado durante um torneio de cavalaria em Clermont, França, deu início ao que se poderia chamar de Primeira Guerra Mundial de fato. Durante duzentos anos cavaleiros e peregrinos plebeus lutaram em 8 expedições que saindo da Europa atacaram territórios no Oriente Médio. Todas com exceção da primeira destas expedições foram derrotadas e algumas delas sequer chegaram a atingir a Palestina, preferiram ficar pelo caminho e saquear a Bizâncio ortodoxa. As motivações para movimento de tamanha envergadura até hoje escapam a compreensão dos historiadores. Provavelmente não houve uma única razão, mas uma mistura de muitos motivos diferentes indo de interesses políticos e econômicos até uma fé sincera mas fanática. Os nobres europeus desejavam terra, em especial aqueles que não eram primogênitos e portanto não tinham direito a herança, mas muitos nobres abonados deixaram tudo para se dedicar a conquista da Terra Santa. Nas duas pontas extremas das tropas cruzadas encontram-se exemplos de motivações não econômicas ou políticas. Entre as tropas de elite, em especial a Ordem dos Templários encontravam-se soldados das mais nobres e ricas famílias europeias que faziam voto de pobreza. Entre os miseráveis, em especial os que participaram de duas cruzadas extra-oficiais, a "dos mendigos" e a "das crianças" encontra-se mais traços de messianismo do que intenções concretas. Divisões da fé

A fé pode ter desempenhado um papel importante como motivação de boa parte dos Cruzados, mas a Quarta Cruzada, por exemplo, preferiu saquear o porto de Zara e Bizâncio ao invés de se encaminhar à Palestina. Também é importante destacar que os Cruzados sempre violaram os acordos firmados com as potências muçulmanas, alguns dos quais garantiam a posse de Jerusalém, Belém e de um corredor do litoral até as duas cidades. Curiosamente entre os Templários ocorreram diversas conversões ao Islam, como a de Sir Robert de Saint Albans. As Cruzadas sempre encontraram o mundo islâmico dividido e os comandantes cruzados não raro se aproveitaram politicamente destas divisões, embora para o ocidente até hoje estas alianças não sejam claras. Até para legitimar o ataque ao Oriente Médio era necessário imaginar os muçulmanos como um bloco. Mas os cruzados também se encontravam bastante divididos entre interesses religiosos e políticos muito distintos. A rivalidade entre o Papado e o Sacro Império Romano Germânico chegou a ser uma das motivações para as Cruzadas, da mesma forma que a Cruzada dos reis desintegrou-se por conta da disputa entre Ricardo Coração de Leão da Inglaterra e Felipe Augusto da França, para não falar da própria disputa intestina pelo trono entre Ricardo e seu irmão João Sem Terra. Além disto o pano de fundo da batalha era a disputa entre o Papado e a igreja ortodoxa grega. Apesar de inicialmente ter apoiado as ações cruzadas o Império Bizantino foi uma das grandes vítimas da ação dos cruzados que chegaram a apoiar um golpe de Estado contra Bizâncio e saqueado a cidade. Matança em nome de Deus Tanto as fontes cristãs como muçulmanas mostram que longe de representarem os ideais cavalheirescos os cruzados implantaram o domínio da barbárie nas batalhas que travaram e ainda mais nas terras que conquistaram. Comentando a tomada de Jerusalém pela Primeira Cruzada o cristão Guillaume de Tiro afirma:


"Correram para lá (detrás das muralhas do templo) todos juntos, conduzindo atrás de si uma imensa multidão de cavaleiros e infantes, atacando com suas espadas todos os que se apresentavam, não perdoando ninguém e inundando a praça do sangue dos infiéis". Atos ainda mais abomináveis foram registrados, como os casos de canibalismo dos Cruzados em Maara. O cronista da época, Raoul de Caen não deixa dúvidas: "Em Maara os nossos faziam ferver os pagãos adultos em caldeiras, fincavam as crianças em espetos e as devoravam grelhadas". Outro cronista cruzado consegue ser tão cruel na descrição como no que descreve: "Os nossos não repugnavam em comer não só a carne dos turcos e dos sarracenos mortos como também a carne dos cães", de onde se depreende que comer cães era menos horripilante que devorar a carne humana. Muçulmanos e cristãos ortodoxos não eram poupados nos ataques cruzados independentemente da idade e sexo. O plano daqueles que guerreavam em nome de Deus parecia ser realizar uma ampla limpeza étnica que exterminasse a população palestina e judaica para substituíla por colonos europeus. Os cristãos de rito oriental, que viviam em "simbiose" com os governantes muçulmanos, muitas vezes ocupando altos cargos administrativos, também estiveram entre as vítimas preferenciais dos cruzados, ao mesmo tempo que passavam a ser olhados com reservas pelos governantes árabes e turcos da região. Nestorianos, jacobitas, armênios, maronitas, ortodoxos gregos e outras seitas cristãs sofreram grande perseguição nos territórios tomados pelos cristãos. Quando Jerusalém foi ocupada pelos cruzados foram expulsos da cidade os sacerdotes não católicos e a praxe da missa ser oficiada na Igreja do Santo Sepulcro por sacerdotes de todas as denominações cristãs foi abolida para favorecer os católicos romanos. A marca da perseguição católica aos cristãos orientais permaneceu tão viva que até hoje,

na mais sagrada Igreja do cristianismo as chaves são guardadas por uma família muçulmana que só pode abrir a igreja na presença de sacerdotes de todas as oito denominações presentes. É certo que os códigos de honra atribuídos aos Cruzados também não foram respeitados por eles. Ao longo das Cruzadas diversos tratados de paz foram propostos pelos comandantes muçulmanos, todos eles foram aceitos pelos cristãos para serem desrespeitados logo que os Cruzados recuperavam alguma força. O governante egípcio de origem curada, Sales ad-Din (que passou à história ocidental como Saladino) firmou diversos tratados com os europeus. Saladino buscava uma pacificação da região e por mais de uma vez aceitou a formação de um domínio cristão sobre Jerusalém e parte da Palestina, incluindo um corredor até o porto de Haffa. Sua piedade com os derrotados chegou a garantir a ele uma visão simpática do mundo ocidental, Dante e Ariosto lhe traçam uma imagem romântica em suas obras. Atraso ocidental As Cruzadas, contudo, representaram um grande passo do Ocidente rumo a Idade Moderna. As gerações de Cruzados nascidas no Levante se demonstraram capazes de aprender com a cultura islâmica mais desenvolvida e levar para a Europa conhecimento tanto filosófico e científico como tecnológico. O aprendizado mais rigoroso da Medicina fornece um bom exemplo disto. No início das Cruzadas os conhecimentos médicos europeus iam pouco além das mais brutais superstições como descreve o médico cristão árabe da corte do emir de Chazyar, Thabet, enviado ao governador cruzado de Muneitra, aliado do emir. Convocado a corte de um dos senhores feudais europeus no Oriente Médio o médico do emir descreve sua experiência: "Fizeram vir a minha presença um cavaleiro que tinha um abcesso na perna e uma mulher desnutrida e definhada. Coloquei um emplastro no cavalheiro e o tumor abriu e melhorou. Para a mulher prescrevi uma


dieta. Mas um médico franco chegou e disse: 'este homem não sabe tratar deles!'. E dirigindo-se ao cavaleiro perguntou-lhe: 'Você prefere viver com uma perna só ou morrer com as duas?'. O cavaleiro tendo respondido que preferia viver com uma só perna, o médico ordenou que viesse a ele um cavaleiro bem forte e um machado bem afiado. O médico ordenou que colocassem a perna do paciente sobre um cepo e disse ao recém chegado que desse uma boa machadada para corta-la de uma só vez. Sob meus olhos o homem descarregou o primeiro golpe na perna, depois como ela continuasse presa, bateu uma segunda vez. O tutano da perna esguichou e o ferido morreu no mesmo instante. Quanto a mulher, o médico franco a examinou e disse: 'Ela tem um demônio na cabeça que está apaixonado por ela, Cortem-lhes o cabelo'. A mulher recomeçou então a comer seu alimento com alho e mostarda, o que agravou seu definhamento. ' Foi o diabo que lhe entrou na cabeça' , afirmou o médico. E pegando uma navalha, fez-lhe uma incisão em forma de cruz, deixando aparecer o osso da cabeça, que lhe esfregou com sal. A mulher morreu imediatamente". Ordálios e cidadania Também chocaram aos muçulmanos do Oriente Médio a justiça europeia. Acostumados a uma longa tradição de julgamentos baseados em provas, argumentações, jurisprudência, enfim, a um processo racional de decisão, os muçulmanos chocavam-se com os Ordálios, "julgamentos de Deus" dos europeus. O historiador árabe Ussama Sultan narra suas impressões sobre a justiça dos cruzados a quem chamavam "franj": "O jovem que era objeto das suspeitas foi atado, suspenso pelas omoplatas a uma corda e lançado no tonel. Se fosse inocente, diziam eles, ele se afundaria na água, e seria retirado por meio de uma corda. O infeliz, quando o jogaram dentro da barrica, fez esforço para ir até o fundo, mas não conseguiu e teve de se submeter aos rigores da sua lei. Então lhe passaram pelos olhos um buril de prata, avermelhado no fogo, e o cegaram".

Porém os ocidentais aprenderam ao longo de algumas gerações na Palestina com os muçulmanos, coisa que estes não conseguiram fazer. Na opinião do historiador contemporâneo, Amin Maalouf, de cuja obra "As Cruzadas vistas pelos árabes" são retiradas a maior das citações acima, os ocidentais tinham instituições estáveis e reconhecidas por todos, já entre os governantes muçulmanos prevalecia a vontade absoluta do soberano. O mesmo Ussama que se revoltou com os Ordálios reconhece que "quando os cavaleiros proferem uma sentença, esta não pode ser modificada pelo rei". Outro historiador da época, Ibn Jubair, ficou admirado com o respeito ao domínio dos bens de raiz, mantido mesmo pelos servos muçulmanos dos nobres ocidentais, garantindo a manutenção e exploração das áreas. Divisão dos Cruzados

muçulmanos

fortaleceu

Quando as primeiras tropas de cavaleiros cruzados chegaram ao Levante não encontraram um território unificado. Apesar de nominalmente toda a região estar submetida ao Califado Abássida de Bagdá, o califa era praticamente um refém dos sultões turcos seldjúcidas que haviam dominado de fato a região vindos das proximidades da Mongólia. Mas mesmo o sultão não tinha mais do que uma autoridade também nominal sobre as centenas de pequenos emirados governados por generais turcos geralmente dados a uma vida luxuosa e à bebida, além de a constantes disputas entre eles, além de em geral agirem com extrema crueldade. Não tivessem sido os Cruzados tão violentos em sua entrada no Levante e a maioria árabe da população os teria preferido aos generais turcos. As regiões ocupadas pelos Cruzados, da Asia Menor à Palestina, eram um rosário de cidades-estado praticamente autônomas em relação a qualquer poder central. A maior parte delas era governada pelos turcos, sempre em guerra com os emirados vizinhos, de dominação recente perante a população árabe que em geral os detestava.


A única região relativamente forte em todo o Oriente Médio Muçulmano na época era o Califado Fatímida do Egito, rival de Bagdá, os califas de Bagdá haviam transformado o credo xiíta em religião de Estado e tentavam dominar o resto da região, de fé sunita. Entretanto os califas fatímidas como os abássidas também eram apenas uma autoridade nominal, ficando o poder efetivo nas mãos dos vizires. O mais importante destes vizires no período das Cruzadas será justamente um cristãos armênio, Chewar. Unidade A reação muçulmana aos cruzadas só conseguiu se articular quando surgiram governantes fortes o suficiente para em primeiro lugar unificar pela conquista os emirados muçulmanos para em seguida enfrentar os cruzados. Depois de sucessivas tentativas e derrotas o primeiro emir turco a constituir um reino unificado, embora ainda sob a suserania de Bagdá, foi Zinki. Este era um general turco convocado pela população de Alepo para liderar a luta pela expulsão dos ocidentais. Carregando o título turco de Atabeg, "pai do soberano", Zinki conseguiu unificar a Síria central e a Armênia impondo as primeiras derrotas significativas aos Cruzados. Ao contrário dos outros generais preferia dormir na palha com seus soldados e desprezava os palácios e o luxo, apesar de estar constantemente embriagado. Um novo passo rumo a vitória será dado pelo seu filho, Nur-ad-Din, que conquistará o Egito fatímida extinguindo o califado xiíta. Mais virtuoso que o pai Nur-ad-din conseguirá ser mais respeitado pela população árabe, mas seus filhos acabarão sendo suplantados depois da sua morte por um de seus generais, Salah-ad-din, destinado a ser o grande herói muçulmano das cruzadas. Rei pobre O pai de Salah-ad-din, Ayuub, um militar curdo, entrará para o serviço de Zinki quando salva a vida do general durante uma derrota na guerra contra um califa que tentava recuperar o poder efetivo de mando. Criado na corte Salah-ad-Din é

levado ao Egito por seu tio e acaba se tornando vizir do último califa fatímida e soberano vassalo de Nur-ad-Din. Com a morte deste, Saladino guerreia contra os herdeiros e consegue unificar o Oriente Médio muçulmano e impor derrotas significativas aos Cruzados retomando a maior parte das cidades costeiras dominadas por eles. Contudo Saladino tenta insistentemente firmar uma trégua com os ocidentes, tendo como principal interlocutor Ricardo Coração de Leão. Infelizmente a maior parte dos tratados não são respeitados e as guerras são reiniciadas. Ao contrário de seus antecessores, Saladino é um governante piedoso, que não tenta se igualar em crueldade aos adversários. Seus atos de misericórdia alcançaram e fascinaram o ocidente a tal ponto que fica difícil separar a realidade da lenda. Nem sempre contudo suas ações diplomáticas eram bem vistas pela população árabe que controlava que as consideravam excessivamente condescendentes. Também era avesso ao luxo, tendo vivido a maior parte da sua vida numa tenda ao invés dos palácios que conquistou. Quando morreu sua família foi obrigada a emprestar os objetos para o funeral porque o mais poderoso governante do Oriente Médio não tinha nada de seu. 200 anos de conflito Segue um quadro resumindo os principais acontecimentos dos 200 anos de combates entre cruzados e muçulmanos da convocação das Cruzadas a tomada de São João D'Acre, último bastião cruzado. 1095 - O papa Urbano II convoca os europeus a libertarem a Terra Santa do domínio dos infiéis num torneio de cavalaria em Clermond, França. Diversos fanáticos propagam a ideia pela população e antes mesmo da cruzada oficial ser lançada formase uma cruzada de mendigos e camponeses pobres que largam tudo para ir a Terra Santa. 1096 - A Cruzada dos Mendigos é derrotada ainda na Ásia Menor em Nicéia, no território onde se localiza a atual Turquia, pelo emir turco seldjúcida Kilij Arslan.


1097 - A Cruzada dos barões marca a primeira expedição oficial que toma Nicéia e expulsa Kilij Arslan dominando a Ásia Menor.

1128 - Fracassa um ataque cruzado a Damasco. O general turco Zinki torna-se senhor de Alepo.

1098 - Os cruzados tomam Edessa e Antióquia e derrotam o exército de Karbuka, senhor de Mossul. Na tomada da aldeia de Maara são relatados atos de canibalismo dos cruzados.

1135 - Zinki fracassa na tentativa de tomar Damasco.

1099 - Queda de Jerusalém, exército egípcio é destruído. O cádi (juiz muçulmano) de Damasco vai a Bagdá pedir ao Califa a decretação da Jihad contra os invasores europeus, sem ser atendido.

1138 - Zinki anula uma coalizão entre os cruzados e os bizantinos na batalha de Chayzar.

1100 - Baudoin, do Condado de Edessa, um dos domínios cruzados do Oriente Médio, escapa de uma emboscada perto de beirute - provocada pela desunião entre os emires turcos, e se proclama Rei de Jerusalém. 1104 - Vitória muçulmana em Harran, desencorajando a expansão cruzada para o leste. 1108 - Batalha em Tell Bacher revela a desunião entre os líderes dos dois lados. Tanto em um campo como no outro se encontram cruzados e muçulmanos lado a lado contra cruzados e muçulmanos.

1137 - Zinki captura Fulque, rei de Jerusalém, mas o solta em troco de um resgate.

1140 - Aliança entre a Damasco muçulmana e a Jerusalém cruzada contra Zinki. 1144 - Zinki retoma Edessa e completa a destruição dos quatro reinos cruzados no Levante. 1146 - Zinki morre sendo sucedido por seu filho Nur-ad-Din, "Luz da religião". 1148 - Uma expedição cruzada comandada por Conrad, imperador alemão e Luís VII, da França, é derrotada ao tentar tomar Damasco. 1154 - Nur-ad-Din assume o poder em Damasco unificando o território sírio sobre o seu controle.

1112 - Resistência vitoriosa em Trípoli.

1163-1169 - Cruzados e as tropas de Nur-adDin lutam pelo Egito, cabendo a vitória a Chirkuh, general curdo a serviço de Nur-adDin. Mas Chirkuh morre dois meses depois de ser proclamado vizir, sendo sucedido por seu sobrinho Iussef Ibn Ayuub, conhecido como Salah-ad-Din, "benção da religião", que ficou conhecido nas canções de cavalaria ocidentais como Saladino.

1115 - Aliança dos emires muçulmanos e nobres cruzados da Síria contra uma expedição enviada pelo sultão turco de Bagdá.

1171 - Saladino proclama o fim do califado fatímida e governa o país em nome de Nurad-Din, este vê com desconfiança o crescente poder de seu general.

1119 - Ilghazi, senhor de Alepo na Síria, derrota os cruzados em Sarmada.

1174 - Nur-ad-Din morre, Saladino em luta contra os herdeiros dele apodera-se de Damasco.

1109 - Queda de Trípoli depois de 2 mil dias de sítio. 1110 - Queda de Beirute e Saida. 1111 - O cádi de Alepo, Ibn al-Khachab, organiza uma rebelião contra o califa de Bagdá para exigir sua intervenção contra os cruzados.

1124 - Os cruzados tomam Tiro, passando a controlar toda a costa com exceção do enclave de Ascalon. 1125 - Ibn al-Khachab, cádi de Damasco e principal defensor ideológico da unidade muçulmana contra os cruzados é morto por um membro da seita dos Assassinos.

1183 - Saladino apodera-se de Alepo unificando o Egito e a Síria sob o seu comando. 1187 - Saladino derrota os cruzados em Hittin, reconquista Jerusalém e a maior parte das cidades sob o domínio cruzado limitados agora a Tiro, Trípoli e Antióquia.


1190-92 - Negociações entre Saladino e Ricardo Coração de Leão permitem aos cruzados recuperarem diversas cidades, persiste a disputa por Jerusalém. 1193 - Saladino morre lançando o império aiúbida em guerra civil, até ser reunificado pelo seu irmão, al-Adil, "O justo". 1204 - A quarta cruzada toma o porto de Zara do rei cristão da Hungria para pagar aos venezianos pelo transporte. Depois tomam e saqueiam Constantinopla substituindo o imperador bizantino por um títere e criando o Império latino, de duração efêmera. 1218-21 - Os cruzados invadem o Egito e tomam Damieta ameaçando o Cairo, O sultão al-Kamal, "o perfeito", filho de al-Adil, expulsa os invasores. 1129 - Al-Kamal faz um tratado de paz com o imperado Frederico II entregando aos cruzados o controle de Jerusalém, de uma faixa costeira na Palestina e de um corredor entre as duas áreas. Ocorrem tumultos entre a população muçulmana, em especial a de origem árabe, que se indigna com os termos do acordo. 1244 - Depois dos cruzados desrespeitarem o tratado Jerusalém é retomada. 1248-50 - São Luís tenta ocupar o Egito mas é derrotado e capturado. Os sultões aiúbidas são depostos pelos mamelucos, escravos brancos da Ásia Central que comandavam a administração e o exército. 1258 - Os mongóis saqueiam Bagdá e eliminam o último califa abássida. 1260 - O general mameluco Baibars derrota e expulsa os mongóis, com a vitória consegue apoio para derrubar o sultão e tornar-se o soberano mameluco. 1269 - Baibars toma Antióquia e massacra a população. 1270 - São Luís morre ao tentar a conquista de Túnis na África do Norte. 1289 - Qalaun, sultão mameluco, se apodera de Trípoli. 1291 - Depois de 196 anos de luta os cruzados se retiram da Palestina com a perda de São João d'Acre. O risco de uma Nova Cruzada

Para mim a incompreensão entre a cultura ocidental e a Islâmica pode levar a um novo enfrentamento tão cruel como as Cruzadas. Muitas circunstâncias são semelhantes até demais, só que naquela época o mundo islâmico era mais desenvolvido culturalmente que o europeu, ao contrário do que ocorre hoje. Reina entre os ocidentais uma incompreensão quase total do que seja o Islam, como existia na Europa Medieval. Esta quase total ignorância em relação ao mundo islâmico faz com o ocidental médio não tenha mais que uma "visão confusa e estereotipada" do muçulmano. Outra semelhança é o estado de profunda divisão dos muçulmanos, quase sempre baseada em questões que nada tem a ver com a fé. Tanto de um lado como do outro o que existem são interesses políticos e econômicos muito concretos que não tem nada a ver com fé, religião e muito menos com Deus. O campo preferencial da Nova Cruzada é a informação. Quem controla a produção, organização e distribuição da informação pode voltar para onde quiser os seus canhões e exércitos. Existe um esforço da mídia em tentar, tal como nos tempos medievais, excluir os muçulmanos da espécie humana e com isto tornar mais aceitável perante a opinião pública o seu extermínio. Interesses políticos e econômicos fazem com que as incompreensões se ampliem e podem levar a legitimação de um conflito que hoje já é latente. O estereótipo do árabe terrorista, mal encarado e fanático ameaçando civis está se enraizando no imaginário ocidental, embora não tenha correspondente na realidade. O verdadeiro caráter da Jihad - chamada pelos ocidentais de Guerra Santa - por exemplo, não tem nada a ver com a impressão que o noticiário internacional dá dela todos os dias. A Jihad é basicamente defensiva e só pode ser convocada pelo consenso de todos os muçulmanos quando existe uma agressão ou ameaça eminente de agressão.


Também existe grande interferência das potências ocidentais nas regiões muçulmanas e em especial no Oriente Médio. A Guerra do Líbano é alimentada desde o século passado pelo imperialismo ocidental e existem evidências de ligações da CIA em um sem número de conflitos dos muçulmanos. Espero que a facilidade de comunicação entre os povos permita em tempo curto um maior contato entre a cultura ocidental e a islâmica. Só ambos se compreendendo e respeitando mais poderemos criar a cooperação ao invés da guerra. LEIA MAIS As informações utilizadas neste textos foram retiradas das seguintes fontes: As Cruzadas vistas pelos árabes - Amin Maalouf - Editora Brasiliense. História das Cruzadas - Joseph François Michaud - Editora das Américas Prolegômenos - Ibn Khaldun - Sociedade brasileira de Filosofia. Uma história dos Povos Árabes - Albert Hourani - Companhia das Letras. Orientalismo, o Oriente como criação do Ocidente - Edward Said - Companhia das Letras. Atlas da História do Mundo Folha - The Times. Revista Superinteressante nº 10, outubro 1995. Caderno de Domingo do Estado de São Paulo, 19 de novembro de 1995. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:09

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião Guillaume de Tiro, Raoul de Caen, Ussama Sultan, Amin Maalouf, Ibn Jubair, Joseph François Michaud, Ibn Khaldun, Albert Hourani, Edward SaidDT, PP

Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/7


HORÁRIO ELEITORAL NA GRÉCIA ANTIGA Antígona - ...a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! e ninguém sabe desde quando vigoram! Tais decretos, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venham a punir os deuses! (Antígona, Sófocles) Repete-se a ponto de ter se tornado lugar comum a exaltação aos múltiplos legados da Grécia Clássica, em particular citando os dois mais destacados: a Filosofia e a Democracia. O senso comum perde muito da riqueza desta herança ao não ver que estes dois ramos construíram-se em profunda oposição um ao outro. Da mesma forma quem vê as costumeiras máscaras simbolizando a tragédia e a comédia poucas vezes se dá conta do intenso debate político travado através destes gêneros. Artigo publicado Imprensa

no

Observatório

da

A hipótese de que a tragédia era patrocinada pelas facções aristocráticas gregas por este seu princípio de que há uma ordem no universo que não pode ser violada sem trazer consequências terríveis parece ser muito real. É verdade, contudo, que as facções democráticas patrocinavam a comédia, destinada a satirizar as personagens políticas, particularmente as aristocráticas, portanto ambas estavam contaminadas pela disputa

política. <--break--> A oposição entre a tragédia universalista, aristocrática, conservadora e a comédia particularista, burguesa, democrática poderia ser exemplificada por inúmeros elementos. Um só já destaca esta natureza complementar: o júri das tragédias, nos festivais, era formado por cinco sábios de distinção escolhidos entre as famílias aristocráticas, enquanto os cinco juízes das comédias eram pessoas sorteadas entre os cidadãos como forma de representar o gosto da multidão, do homem comum. Esta distinção torna-se ainda mais significativa na medida em que estas formas de escolha serão também o centro das grandes polêmicas entre os filósofos aristocratas e os políticos democratas quanto a forma de ocupar cargos públicos. Enquanto Sócrates, em especial, ironizava o fato de ser exigido de um homem preparo para treinar um cavalo mas não para dirigir uma cidade, no apogeu da democracia grega vários cargos eram ocupados por sorteio, visto ser esta a única forma na qual cada cidadão teria as mesmas chances de ser eleito. Não é à toa que o democrático Aristófanes, na sua peça de maior repercussão As Nuvens satiriza o aristocrático Sócrates, justamente naquilo que é mais caro ao filósofo: o treino da juventude nobre nas artes do raciocínio e da argumentação. No diálogo Górgias, contudo, Platão atribui a Sócrates uma crítica demolidora da retórica. Segundo ele a retórica estava para a política assim como a culinária estava para a medicina, ou seja, era uma substituição do objetivo de buscar a verdade, o melhor, o equilíbrio pelo prazer momentâneo e efêmero. Nas palavras de Sócrates, segundo Platão a retórica com os interesses superiores do homem não se preocupa no mínimo, mas vale -se do prazer como de isca para a ignorância, enganando-a a ponto de parecer-lhe de muito maior valia. Foi assim que a culinária se insinuou na medicina, pretendendo conhecer os mais saudáveis alimentos para o corpo, de forma que se o médico e o cozinheiro tivessem de entrar num concurso


em que crianças fossem juízes, sobre quem mais entendesse da excelência ou da nocividade dos alimentos, o cozinheiro ou o médico, este morreria de fome. Não deixa de ser paradoxal que Sócrates e ainda mais seu discípulo Platão estejam entre os maiores adversários da retórica ainda que uma dissidência da facção aristocrática de Aristóteles tenha acabado por adotar uma visão da retórica que assemelhasse à caricaturada por Aristófanes. Aliás, olhando a questão por este lado nem é estranho que Aristóteles tenha se aliado politicamente àqueles que irão destruir as facções pelo controle militar da Grécia enfraquecida pelas disputas e, ainda mais, será aos valores tradicionais invocados antes pelos aristocratas que apelará o último grande orador democrático grego Demóstenes. Mas, voltando à tragédia e à comédia, não se encontrará um texto de tragédia na qual não esteja em posição central esta ideia cara à aristocracia de que há uma ordem no mundo a qual ninguém pode escapar e que portanto cada um é para o que nasce, como dizem as ceguinhas de Campina Grande citando o ditado. Nem mesmo nos textos cujo conteúdo profundamente revolucionário é evidente em particular Antígona e Prometeu Acorrentado a noção da existência de uma ordem superior à qual nem mesmo os deuses podem escapar. Prometeu, por exemplo, responde a Hermes que ele irá aprender quando o deus diz ao titã que ai de mim! é uma expressão que Zeus não conhece. Creonte aprende que há um preço alto a ser pago pela tirania, ou seja, pelo exercício ilegítimo do poder político e pelo desrespeito de valores estabelecidos pelos deuses. Ao mesmo tempo a comédia não ironiza tanto os valores tradicionais em si, mas antes a hipocrisia de uma aristocracia corrompida que já não faz jus aos valores de educação, temperança e piedade que embasam sua posição superior, invocando

assim apenas os direitos, mas não os deveres devidos a sua posição. Lisístrata reclama que se fosse para um bacanal nem precisaria ter convidado as mulheres, mas como as chamava pra discutir assunto sério poucas apareceram, sem dizer que ao final vence a todos pelo apelo ao prazer. Assim Estrepsíades o pai que contrata Sócrates, n'As Nuvens para tentar treinar o filho preguiçoso para a carreira na política lamenta-se: Pelos deuses! As coisas por aqui\Eram bem diferentes, certamente\Nos velhos tempos, antes dessa guerra! \Maldita guerra! Arruinou Atenas.\Não se pode sequer, de agora em diante,\Chibatear sem dó nossos escravos Para Hauser há um progressivo avanço das tendências democráticas tanto na comédia quanto na tragédia, o qual reflete-se sobretudo na transição do formalismo característico de uma visão de mundo aristocrática para o naturalismo mais ao gosto burguês. Particularmente ele destaca a importância das fontes de financiamento seja através dos cofres públicos ou de doações dos particulares ricos a qual acaba resultando na exclusão da massa de um poder decisivo no processo de escolha. Para ele há uma contradição latente, em especial na tragédia, na medida em que ela parte de um fundo mitológico tradicional mas deve agradar a uma massa popular ainda que em um certo sentido também elitizada, particularmente em Atenas por conta dos recursos do imperialismo. É preciso notar, contudo, que a Medeia de Eurípedes não foi bem aceita tanto pelo público quanto pela crítica por romper diversos cânones formais da tragédia. E entre esta tragédia de transição e o Édipo Rei de Sófocles em certo sentido seu oposto na medida em que é o padrão há apenas 3 anos de diferença. Também não deixa de ser fato curioso que Sócrates seja um personagem favorito a ser ironizado nas comédias, ao mesmo tempo


que a crítica moderna em especial Nietzsche e em menor escala Ortega y Gasset o apontem como o representante da antitragédia, na medida em que invocaria um papel central à razão deslocando aquilo que Nietszche chama de amor ao destino. Postura esta que não deixa de parecer paradoxal porque a menos nos momentos pré-Eurípedes os infortúnios do herói jamais são casuais, mas antes marcados por uma lógica que, mesmo arbitrária, faz sentido. Um dos cânones da tragédia que Eurípides viola, por sinal, é exatamente a noção de que a desventura do herói no momento da peripécia não deve ser casual, mas provocada por uma ação dele mesmo em algum grau não deliberada. Correndo o risco de estender demais para além do assunto parece relevante notar que as consequências funestas da inobservância de algum rito, mesmo quando esta omissão é involuntária é tema recorrente de inúmeras mitologias. Em um momento no qual somos confrontados com a barbárie de disputas políticas no gigantesco anfiteatro da televisão durante o horário eleitoral não deixa de representar um terror adicional sabermos que houve um momento no qual a partir da matéria prima tradicional produzia-se um material que até podia ser político e marcado pelas facciosidades da época, sim, mas guardavam uma profunda reflexão sobre a natureza do homem. Nestes 2500 anos a política deixou de ser algo sagrado - no melhor sentido do termo - para virar uma disputa bestial - e bestial aqui talvez não seja força de expressão. Por mais que o quadro pareça uma comédia no sentido atual e não clássico do termo, ele é na verdade trágico. Tal como para o protagonista da tragédia grega é preciso dizer que esta situação não é algum arbítrio dos deuses, é antes o resultado das nossas ações de desvelo, descaso, omissões e ações. DOMINGO, 14 SETEMBRO , 2008 - 23:37

Pessoal, Poesia, Arte, Teatro, Política, Filosofia e cia, Religião Sófocles, Sócrates, Platão, Aristófanes, Aristóteles, Demóstenes, Arnold Hauser, Eurípedes, Nietzsche, Ortega y GassetDT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10695


O SOM E O TEMPO No final de 2006 estive às voltas com dois conceitos com os quais não tenho muita afinidade: som e tempo. Tenho péssimo ouvido para música e prefiro, sempre, a expressão escrita, mais afeita à razão, aos argumentos. Também prefiro pensar sobre as coisas eternas, imaginar que o tempo é um tanto uma ilusão ou convenção nossa. De repente caiu no meu colo a atribuição profissional de conduzir e divulgar algumas entrevistas, obrigando-me a aprender a lidar com arquivos de áudio. Como adoro aprender coisas novas entusiasmei-me em buscar programas de tratamento de áudio, lidar com seus recursos, verificar o que faziam os botões e filtros, obter progressivamente os resultados. Depois de alguns dias fui me acostumando a ver as palavras também como um conjunto de ondas. Eu que me importo quase que só com o conteúdo delas passei a me interessar por elas também enquanto formas puras. Eu, que gosto de pensar mais na eternidade do que no tempo, me vi lidando com milésimos de segundo e vendo como eles são relevantes na edição de uma entrevista. Imaginar que as palavras também são apenas ondas mecânicas, compostas de quase infinitas frações mínimas de tempo, ao invés de conceitos mágicos que ao menos enquanto tendência visam a eternidade não prejudicou minha relação com elas. Deu-me, talvez, a dimensão do caráter meio mágico que elas tem. Logo que tive tempo para aproveitar em outros campos o conhecimento recentemente adquirido passei a vasculhar arquivos de músicas, recitações religiosas e outras fontes de áudio tentando ver se esta

mágica era perceptível no formato das ondas ou nas frações de milésimos de segundo. Sempre acreditei no simbolismo sonoro, intangível e inexplicável, que recheia recitações devocionais diversas – como digo sempre já pude sentir com clareza o efeito da leitura do Sagrado Alcorão mesmo sendo uma língua que eu compreendo pouco. É evidente que o segredo não está no formato das ondas, mas não deixa de ser curioso a obediência a certas regras, as amplitudes, as frequências, até mesmo é possível enxergar as rimas em uma onda que se repete com impressionante regularidade na voz de um recitador de qualidade. Impossível descrever a sensação de ver uma rima em sua forma pura, livre do convencionalismo humano e sujeita apenas à regularidade da forma totalmente abstrata. DOMINGO, 11 FEVEREIR O, 2007 - 07:02

Pessoal DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10477


ÉTICA E ESTÉTICA Mergulhei em textos díspares nestes dias para tentar subir um degrau na compreensão das relações entre ética e estética, uma das muitas questões nas quais oscilo de paradoxo em paradoxo sem conseguir chegar a uma conclusão objetiva. De um lado parecem-me razoáveis as formulações tradicionais que ressaltam a beleza como esplendor da verdade – na frase famosa de Platão – mas considero pobre as formulações que estacam a harmonia, o equilíbrio, a proporção, como “sintomas” do que é belo. A meu ver este tipo de concepção acaba levando a uma estagnação, à produção que acaba se prendendo a fórmulas e por não ousar perde o sentido, vira imitação e com isto perde seu caráter de arte e em conseqüência sua beleza. Particularmente neste mundo que se torna cada vez mais caótico estas concepções que ressaltam a ordem e a harmonia parecem se tornar extemporâneas e incapazes de sensibilizar. Lembro de duas reflexões absolutamente distintas. De um lado São Bernando criticando “estas terríveis coisas belas” referindo-se à arte sacra medieval repleta de fórmulas grandiosas, defendendo uma volta a uma concepção mais naturalista e na qual se voltasse a ver na natureza uma imagem do sagrado. Curioso que qualquer coisa “bucólica” hoje em dia soa fundamentalmente como fals, pois a natureza não faz mais parte do cotidiano da imensa maioria de nós, quantos pro exemplo já viram uma ovelha para serem capazes de imaginar um pastor? De outro me lembro de Henry Muller, com seu texto caótico, grosseiro – penso particularmente no Trópico de Câncer, por exemplo – no qual, contudo, há um desejo de se enxergar para além das convenções. Parafraseando Borges, para o qual toda arte “engajada” era lamentável e segundo o qual “a única arte reacionária é a medíocre”, penso também que o maior sinal de que

qualquer limite facilmente acaba levando à mediocridade proque de tanto tentar prender a inspiração acaba afastando-a. Mas, paradoxalmente, nem sempre me agrada este certo pessimismo que tende para o niilismo do que é contemporâneo, que tenta convencer as pessoas da inutilidade da vida. Curiosamente eu diria que eu próprio me policio bastante e costumo deixar de lado tudo que escrevo que não me parece “bom”. Há, claro, dois tipos de negação da realidade e nem sempre é fácil distingui-las, talvez proque nem mesmo o autor as distinguia. De um lado a negação dos sentidos humanos, terrenos, da vida, concepção que embora pareça às vezes pessimista não é de fato para quem tem alguma compreensão de que não estamos restritos à existência física. De outro lado, porém, há a compreensão dos desejos constantemente frustrados de um ser humano cuja realidade é sofrer e morrer e pronto. Mas esta não é uma distinção objetiva, varia conforme quem lê, até em que época lê. Talvez um pouco por isto me lembre de Henry Muller, em cuja “obscenidade” há o mérito de buscar o rompimento com as fórmulas estabelecidas e em cuja “grosseria” há uma dúvida sobre o mundo ter sentido ou o ser humano ser apenas um “piolho”. Como todo bom escritor de verdade ele não chega a conclusões, apenas formula questões. Curioso que só por este traço é possível distinguir a literatura e a sabedoria dos infinitos textos de auto-ajuda que circulam por aí – sempre lembrando que os grandes mestres de todas as tradições em geral não escreviam, motivo pelo qual seriam odiados hoje pela indústria editorial que fatura milhões com a prolixidade daqueles que se dizem discípulos deles. Mas como “medir” se uma obra de arte atinge este ideal subjetivo de arte que é fazer pensar, transcendendo a mera percepção sensível para atingir diretamente a consciência? Ao mesmo tempo como não falar de angústia, de pessimismo, de falta de sentido em um mundo no qual o ser humano está insulado, desligado de tudo que diga respeito ao outro e desligado de tudo que é


transcendente. As fórmulas estéticas dos tradicionalistas, como Schuon e ainda mais como Guénon, parecem ser absolutamente insatisfatórias, artificiais, quase inúteis e absolutamente improdutivas e “mediocrizantes” quando aplicadas neste mundo contemporâneo. Certamente são válidas para se examinar uma miniatura persa ou uma catedral gótica, mas estas são expressões que não fazem mais parte do nosso mundo, “recriá-las” seria produzir uma falsidade e portanto um objeto desprovido de verdade, portanto de real beleza. Ao mesmo tempo também vejo falta de sentido no extremo oposto, naquela criação que é feita com o intuito exclusivo de chocar, cujo único conteúdo está contido na violação das regras, em ser “novo” como se isto bastasse. Ao mesmo tempo que certa dose de “absurdo” e “assombro” é essencial á arte – e mesmo o conservador Aristóteles reconhece este elemento como essencial – ele tem de ser ferramenta, não é capaz de substituir por si só o conteúdo. Mas é impossível definir os limites claros entre estes dois extremos – que na verdade é um limite só, entre o sincero e o artificial e assim os redutos “academicistas” e “ultrapós-vanguardistas” são em essência a expressão do mesmo tipo de mediocridade. Qualquer teorização sobre o assunto só pode desviar a atenção do verdadeiro foco – e aqui me lembro deste personagem contemporâneo cada vez menos raro do pseudo-artista que produz para a crítica – porque a utilidade da Beleza é justamente ser capaz de transcender o conhecimento discursivo. Daí, penso eu, será que toda esta reflexão que fiz até aqui não é absolutamente inútil?

SEGUNDA-FEIRA, 6 NOVEMBRO, 2006 12:13

Islam, Pessoal, Arte, Literatura, Filosofia e cia

Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10156


EM QUEM EU VOTO, E POR QUE A responsabilidade de recomendar o voto em alguém é muito grave. Ainda mais nestes tempos terríveis de descrédito na grande maioria das vezes completamente justo e motivado nas instituições políticas e nos homens públicos em especial. Continuo firme na crença de que se as pessoas conscientes, com senso, informação e visão se omitirem nesta escolha a decisão ainda assim será tomada. E será tomada pelos votam por impulso seu próprio ou de terceiros ou for fatores totalmente alheios à política ou, ainda pior, por aqueles que estão no último degrau da condição humana e transformam o voto em mercadoria. Por mais difícil que seja é necessário votar, ainda mais nas eleições parlamentares onde há imenso leque de opções, mesmo que a maioria dos candidatos esteja abaixo do lamentável. Costumo dizer que pior que o político profissional, aquele para a qual a política não é um exercício de nobreza, mas vil fonte de recursos, só o político amador, ou seja, aquele que não tem nenhum preparo, formação e às vezes nem afinidade com a atividade política. Esta atividade exige calma, reflexão, disposição para o diálogo, estudo e dedicação, qualidades que certamente não são encontradas na imensa maioria das pessoas que aparecem no show de horrores que se tornou o horário eleitoral dos candidatos aos parlamentos. Acredito também que mesmo esta massa disforme que é a multidão pode aprender com o tempo. Espero que o momento de registrarem seu protesto votando em aberrações políticas já foi, assim como o de votar em celebridades de ocasião. Vai ficando evidente o quanto estes tipinhos

comportam-se depois de eleitos exatamente como os piores de todos os políticos profissionais. Por conta destas questões acho que sempre que possível é melhor reeleger um bom homem público do que fazer experiência com amadores. Há um conceito neste comportamento que merece ser destacado. Uma das cosias que mais se houve nos bastidores dos parlamentos é que dedicarse a fazer a grande política, exercer um mandato pleno, é uma grande bobagem e um erro, porque há dezenas de bons deputados e vereadores que não se reelegeram enquanto há milhares de maus elementos que retornam com um sorriso debochado no rosto. Assim reeleger um bom parlamentar é demonstrar que vale a pena dedicar-se à política. Colocado tudo isto, quero dizer que na cidade de São Paulo voto em José Police Neto no. 45000, do PSDB. Netinho é um velho amigo desde a adolescência. Mas certamente não recomendaria um voto baseado em laços pessoais, mesmo que em momentos difíceis com o que a política nacional vive hoje nos voltemos para o pouco que sobra que são os laços afetivos. Ele tem sido um parlamentar dedicado, competente, colocado a inteligência a serviço do interesse público e trabalhado de acordo com as boas práticas da grande política.


Para que esta minha avaliação possa ser julgada de forma mais objetiva, destaco que ele foi apontado como O MELHOR VEREADOR pelo Movimento Voto Consciente, ONG que há 21 anos fiscaliza o trabalho da Câmara Municipal de São Paulo, segundo critérios técnicos.

Alguns textos que ele escreveu durante o período que trabalhamos juntos O site do candidato Se você ficou convencido, puxa vida, fico contente. Peço então que você me ajude nesta tarefa escrevendo ou telefonando para seus amigos e se eles não tiverem candidatos indique o Netinho 45000. Se não ficou, bom, me escreva se houver alguma dúvida, crítica ou sugestão. QUINTA-FEIRA, 2 OUTUBRO, 2008 - 14:51

Pessoal, Política PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10704

Leia aqui a avaliação Também foi apontado como Melhor Vereador por levantamento realizado pela revista Veja São Paulo (a popular Vejinha) Leia aqui a avaliação


RELIGIÃO, IDEOLOGIA E CIÊNCIA "Não, definitivamente a religião não é uma simples 'secreção' da vida em sociedade. Porventura não existe na alma humana, seja qual for a estrutura do grupo social, uma necessidade de elevação, uma aspiração à transcendência, tão bem expressa pela noção do sagrado, e que a vida em sociedade não é suficiente para explicar?" (Armand Cuvillier, Sociologia da Cultura) Em conferência realizada pela Sociedade Brasileira de Sociologia em 1997, na UNB, o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, da USP, avaliou como fracassados os esforços da Sociologia da Religião se consolidar como disciplina acadêmica. Diz ele: "No apelo à factualidade empírica da revanche de Deus, que identificam na nova visibilidade pública da efervescência das culturas e subculturas religiosas, aplaudem o alegado retorno do sagrado como se representasse o fim do processo de secularização. Uma profecia a mais, das clássicas, a não se cumprir". Embora justa no sentido apresentado por ele - que enxerga o evidente comprometimento, no sentido afetivoemocional, dos próprios pesquisadores com o tema - a observação parece ignorar o caráter ainda nascente de uma Sociologia da Religião. É preciso notar que todo o aparato teórico e metodológico utilizado para estudar o fenômeno social de base religiosa sofre de alguns problemas sérios, dentre os quais se destaca a indefinição dos conceitos e o caráter dependente que todos os modelos clássicos atribuem a esfera do religioso. A primeira carência de conceito se revela na própria definição do que seria religião. A necessidade de se pensar um conceito tão abstrato a ponto de poder ser utilizado sem

muitas ressalvas, fale-se do totemismo aborígene ou da altamente hierarquizada Igreja Católica, é um desafio que ainda não está superado. As definições em geral vinculam o conceito de religião a uma fenômeno que determina o que é sagrado e o que é profano. Mas ao fazerem isto acabam por simplesmente empurrar o problema à frente, pois passa a ser necessário definir o que seria o sagrado. Qualquer definição que defina religião em função do sagrado - e praticamente todas as definições clássicas o fazem - acaba sendo contaminada por uma certa tautologia remetendo o leitor a ficar preso em um círculo vicioso do qual dificilmente ele pode escapar. Talvez o motivo do equívoco apontado por Pierucci nos sociólogos da religião se deva não tanto ao comprometimento dos mesmos como "revanchistas de Deus", mas muito mais devido à imprecisão dos conceitos que levam muitos a considerar as manifestações religiosas visíveis - o aumento do público nos cultos, a ampliação de publicações e produtos religiosos, o desenvolvimento dos fundamentalismos como um Ressurgimento religioso. Parece evidente que uma definição suficiente de Religião deveria ser capaz de englobar não só as religiões propriamente ditas, mas também as tendências secularistas, o ateísmo e mesmo aquilo que Garaudy chamou de cientificismo. Isto porque de certa forma estas visões de mundo tem um elevado grau de correspondência com os fenômenos religiosos, dialogam com eles e de certa forma pretendem substitui-los. Se tomando, apesar das limitações mencionadas, a noção da religião como definidora do que é sagrado ou profano, há igualmente no secularismo uma definição do espaço e tempo do sagrado. Ao mesmo tempo parece ser inevitável desdobrar o que se vem tentado definir como religião em múltiplos conceitos. Parece evidente que, por mais que sejam termos relacionados numa mesma equação,


existe uma distinção fundamental entre Religião e religiosidade, entre Religião e Igreja Institucionalizada, entre Religião e Fé. Todas as teorias clássicas tentam fundir todos estes conceitos e criar um sistema que os harmonize e parecem ter falhado. Bourdieu demonstrou como apesar do papel paradigmático do modelo Weberiano contribuir muito para elucidar o fenômeno religioso não é capaz de formar um todo coerente e precisa apelar a conceitos obscuros e mal definidos como o carisma. Mas igualmente Durkheim e Mauss parecem ter de recorrer a conceitos mal definidos - e de certa forma tautológicos - para tentar explicar o fenômeno religioso, com a noção de "crença".

inegável, mas, à exceção de Weber o conteúdo próprio de uma doutrina não teria vida própria para nenhum dos outros teóricos. Mas mesmo para Weber o papel da religião é sempre dependente do social, já que ele vê o social como "selecionador" das ideias religiosas. Aqui é preciso aplicar as teorias a si mesmas, "mobilizar contra a ciência que se faz a ciência já feita" como defende Bourdieu, para verificar que como produtos de um determinado período histórico nenhum dos três autores seria capaz de produzir uma teoria do fenômeno religioso capaz de dar a ela uma certa autonomia e, principalmente, dar à esfera religiosa qualquer papel ativo e primordial em qualquer fenômeno religioso.

Marx, seguindo a tradição da filosofia clássica alemã, a despeito do seu "a religião é o ópio do povo" (ironizado por Aron que disse ser o marxismo "o ópio dos intelectuais") contribui de forma significativa - e pouco percebida - para a definição do termo ao entender a religião como uma visão de mundo, uma cosmovisão.

A noção de uma certa "impostura" ou ao menos de "legitimadora" da religião que é paradoxalmente consensual nos três autores é típica do pensamento europeu ocidental no período histórico no qual os três viveram. E esta noção continua predominante até mesmo nas recentes gerações de sociólogos da religião - ou sociólogos religiosos como diz Pierucci ainda que com sinal trocado.

Bourdieu retoma a ideia no seu "Economia das trocas simbólicas" dando à religião a característica de uma estrutura estruturante, ou seja, uma estrutura social que contribui para a definição das outras estruturas. É uma tentativa de harmonizar os conceitos dos três autores clássicos e contribuições posteriores simultaneamente retirando a noção de coerção social de Durkheim - transformada em coerção hierática - a noção de monopólio hierático e banalização do sagrado institucionalizado em Igreja de Weber e a noção de religião como ideologia, como forma de organizar os dados da realidade sensível de Marx.

SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:50

Escapa a este sistema qualquer maior autonomia do fenômeno religioso em relação ao conjunto do social. É evidente que existe uma interação entre o religioso, o social, o econômico e o político que é

Islam, Pessoal, Pessoal, Sociologia e cia., Filosofia e cia, Religião Armand Cuvillier, Antônio Flávio Pierucci, Roger Garaud, Pierre Bourdieu, Émile Durkheim, Karl Marx, Marcel MaussDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/43


castigo de Édipo e seus pais vem da tentativa dos três de burlar os desígnios divinos.

ANTÍGONA E O BOBO BOBO - SE EU FALAR SOBRE ISSO COMO COSTUMO, QUE SEJA CHICOTEADO O PRIMEIRO QUE ME COMPREENDER. (SHAKESPEARE, REI LEAR, ATO I, CENA IV) ANTÍGONA - SE TE PARECE QUE COMETI UM ATO DE DEMÊNCIA, TALVEZ MAIS LOUCO SEJA QUEM ME ACUSA DE LOUCURA. (SÓFOCLES, ANTÍGONA)

Um dos personagens abordados de forma mais injusta pelo senso comum é o bobo da corte. Com o tempo a imagem que se fez dele transformou-o justamente no seu contrário. O bobo não era a figura caricata que tenta agradar o soberano para colher algumas migalhas do banquete do poder. É, pelo contrário, aquele que diz verdades tão profundas a ponto de precisarem ser travestidas de pantomimas para serem apresentadas aos mortais. Só o bobo, pela sua loucura, é capaz de contrariar todos os interesses, deixar de lado todas as manobras, desvelar-se de tudo que é subterrâneo portanto seguro para dizer na cara do rei as coisas desagradáveis. É esta dimensão que torna o bobo um sucessor dos personagens trágicos. Não há como não relacionar o bobo medieval, por exemplo, com o adivinho Tirésias, em Édipo Rei ou Antígona de Sófocles. Também Tirésias é a ponte entre mundos diversos trazendo aos homens as mensagens terríveis nos momentos cruciais. A mensagem das divindades, do mundo superior, trazida por Tirésias é a mesma expressa na fala final do Corifeu da Antígona: Não formules desejos... Não é lícito aos mortais evitar as desgraças que o destino lhes reserva! O dilema fundamental de Édipo em Édipo Rei nada tem a ver com o sentido dado à história por inúmeros comentaristas que não leram o texto e baseiam-se apenas em algum sentido captado de forma fugaz em algum texto de popularização psicanalítica. O

Acho pouco explorado o fato de que a punição tripla, extensiva a toda a família, jamais teria ocorrido não somente se Jocasta e Laio não tivessem tentado escapar aos oráculos. Tivesse Édipo ficado na casa de seus pais adotivos e se conformado com seus augúrios infelizes e o fado não teria se confirmado. Da mesma forma não tivessem Laio e Jocasta tentado dar um jeitinho de escapar à previsão do oráculo o desenrolar da história seria outro. Há neste ponto não só uma noção da impossibilidade de escapar do destino, mas um sentido de omnisciência da divindade, sentido este que por sinal lembra trechos do Sagrado Alcorão mencionando as andanças de Moisés junto com o Khidr, além de várias outras passagens de histórias tradicionais. Ainda assim é fundamental destacar que o desastre dos heróis não é casual, fortuito, mas um resultado direto de suas ações, assim se o destino é arbitrário em vários pontos, o desenlace da história jamais é. Voltando à questão do Bobo, há algo que falta em Tirésias para encaixá-lo neste papel. A verdade na língua de Tirésias queima inclusive a ele próprio, é um fardo, algo desagradável. Ele implora a Édipo em Édipo Rei quando é chamado: TIRÉSIAS - OH! TERRÍVEL COISA É A CIÊNCIA, QUANDO O SABER SE TORNA INÚTIL! EU BEM ASSIM PENSAVA; MAS CREIO QUE O ESQUECI, POIS DO CONTRÁRIO NÃO TERIA CONSENTIDO EM VIR ATÉ AQUI. E, AINDA DE FORMA MAIS DRÁSTICA, PARA NÃO SER FORÇADO A ESCLARECER A HISTÓRIA: TIRÉSIAS - JAMAIS CAUSAREI TAMANHA DOR A TI, NEM A MIM! POR QUE ME INTERROGAS EM VÃO? DE MIM NADA OUVIRÁS! E POR FIM SÓ FALA SOB INTENSA COAÇÃO, AOS SER AMEAÇADO DE SER ELE PRÓPRIO ACUSADO PELO CRIME DE ÉDIPO: TIRÉSIAS - SERÁ VERDADE? POIS EU! EU É QUE TE ORDENO QUE OBEDEÇAS AO DECRETO QUE TU MESMO BAIXASTE, E QUE, A PARTIR DESTE MOMENTO, NÃO DIRIJAS A PALAVRA A NENHUM DESTES HOMENS, NEM A MIM, PORQUE O ÍMPIO QUE ESTÁ PROFANANDO A CIDADE ÉS TU!


Para não me estender não comento a suspeita, desde a primeira vez que li Édipo Rei, de que há um conluio entre Tirésias e Creonte. Ressalto apenas que achei a hipótese mais consistente a despeito de Tirésias também profetizar o castigo a Creonte pela tirania - depois de ter lido Antígona, na qual é dito: CREONTE - TODA A RAÇA DOS ADIVINHOS É CÚPIDA!. TIRÉSIAS - E A DOS TIRANOS ADORA OS PROVEITOS, POR MAIS VERGONHOSOS QUE SEJAM. CREONTE - SABES QUE É A UM REI QUE DIRIGES TAIS PALAVRAS? TIRÉSIAS - BEM O SEI. GRAÇAS A MIM PUDESTE SALVAR O ESTADO. CREONTE - ES UM ADIVINHO ESPERTO: MAS TENS PRAZER EM PROCEDER MAL. TIRÉSIAS TU ME OBRIGAS A DIZER O QUE TENHO EM MENTE! CREONTE - POIS FALA! CONTANTO QUE A GANÂNCIA NÃO TE INSPIRE !

Bem diferente é a invocação do Bobo do Rei Lear, de Shakespeare, talvez a personagem do tipo melhor acabada, ao lado do Bobo do filme Ran de Kurosawa que é inspirado no primeiro. Quando Lear reclama que seu bobo é um bobo amargo o Bobo responde com mordacidade dizendo que o verdadeiro bobo é o rei: LEAR UM BOBO AMARGO. BOBO - SABERÁS DIZER, MEU RAPAZ, QUE DIFERENÇA HÁ ENTRE UM BOBO AMARGO E UM BOBO DOCE? LEAR - NÃO, MENINO; ENSINA-MA. BOBO - QUEM O CONSELHO TE DEU DE DOAR TODAS AS TUAS TERRAS PÕE AQUI AO LADO MEU, E O DELE TOMA; NÃO ERRAS: VERÁS LOGO, LADO A LADO, O DOCE BOBO E O AMARGOSO; UM AQUI, SARAPINTADO, O OUTRO AÍ MESMO, ACHACOSO. LEAR - COM ISSO QUERES DIZER QUE EU SOU BOBO, MENINO? BOBO - JÁ ABRISTE MÃO DE TODOS OS OUTROS TÍTULOS; ESSE É O ÚNICO QUE TE VEIO DO BERÇO.

E para não deixar dúvidas, mesmo quando lamenta a posição de Bobo ele coloca-se acima do rei: BOBO - NÃO POSSO COMPREENDER QUE TU E TUAS FILHAS SEJAIS APARENTADOS; ELAS ME AÇOITAM POR EU DIZER A VERDADE, ENQUANTO TU PRETENDES FAZER O MESMO

NO CASO DE EU MENTIR, SEM CONTARMOS QUE ALGUMAS VEZES TENHO SIDO AÇOITADO POR ESTAR QUIETO. QUISERA SER TUDO NESTE MUNDO, MENOS BOBO, MAS NÃO DESEJO SER O QUE ÉS, TIO; DOS DOIS LADOS RASPASTE O ESPÍRITO, SEM DEIXAR NADA NO MEIO...

É este aspecto, senão de felicidade de destemor frente ao poder, que torna próximos os personagens da Antígona e do Bobo. Ambos priorizam uma fidelidade a valores superiores, tradicionais, e confrontam o poder estabelecido em nome destes ideais elevados. É digno de nota que há identidade de valores nas duas peças, em ambos os casos está em cheque a fidelidade e amor devido aos familiares, norma cujo desrespeito desgosta a justiça do universo. Também é importante reafirmar que um certo estado de loucura serve como justificativa a ambos, como no trecho da Antígona mencionado na epígrafe. Nos dois casos a loucura é antes uma forma superior de ver as coisas que se confronta com a visão limitada e interesseira do senso comum. É esta definição que faz os loucos de Deus dotados de uma visão que ultrapassa a dos homens comuns e faz com que o Bobo do Rei Lear seja aparentado ao sábio zen aspecto enfatizado na versão de Lear realizada por Kurosawa, de Nasrudin e de personagens de quase todas as tradições. É neste sentido que muitas vezes Antígona é interpretada com certo equívoco na medida que é vista como a revolucionária que confronta o poder. Se esta leitura tem certa consistência na medida em que ela coloca seus ideais acima do teor do Estado e contesta com a própria vida um decreto cujo conteúdo é injusto, por outro lado seu motivo não é a tomada do poder ou a implantação de alguma nova ordem, mas a retomada da ordem tradicional. Não é em nome da individualidade que ela confronta Creonte, mas do seu senso de dever com a tradição, inclusive sem buscar por isto qualquer recompensa, nem mesmo a de fugir ao castigo imposto a sua família pelo fado, como destaca a parte final do texto: ANTÍGONA - Ó CIDADE DE MEUS PAIS, TERRA TEBANA! Ó DEUSES, AUTORES DE MINHA RAÇA! VEJO-ME ARRASTADA!


CHEFES TEBANOS, VEDE COMO SOFRE A ÚLTIMA FILHA DE VOSSOS REIS, E QUE HOMENS A PUNEM, POR HAVER PRATICADO UM ATO DE PIEDADE!

O crime de Creonte ou mais propriamente a sua ação que gera a Hibrys resultando na sua desgraça é tentar colocar seus desígnios acima daqueles determinados pelos deuses. A luta de Antígona, na qual ela não tem prazer além de cumprir o que considera um dever, não é para destituir o tirano, apenas este cumprimento de um dever que ela considera sagrado. Da mesma forma o Bobo de Shakespeare, portanto também o de Kurosawa, também não espera alguma recompensa senão o cumprimento do seu dever de fidelidade ao rei, mesmo quando isto resulta em seu prejuízo pessoal e no ódio do restante da corte. O Bobo é aquele que se arrisca a ser o bom conselheiro, ainda que numa linguagem criptográfica e confusa. É curioso o paralelo com algumas referências de Thomas Morus na parte inicial da Utopia, na qual ele recomenda a quem tem talento e visão não se tornar um áulico: Quanto aos conselhos dos reis, eis aproximadamente a sua composição: Uns se calam por inépcia, e teriam mesmo grande necessidade de ser aconselhados. Outros, são capazes, e sabem que o são; mas partilham sempre do parecer do preopinante, que está em melhores graças, e aplaudem, com entusiasmo, as pobres imbecilidades que este entende desembuchar; esses vis parasitas só têm uma finalidade: ganhar, por uma baixa e criminosa lisonja, a proteção do primeiro favorito. Os outros, são escravos de seu amor próprio e escutam apenas a própria opinião, o que não é de admirar, pois a natureza insufla cada um a afagar com amor os produtos de sua invenção. É assim que o corvo sorri à sua ninhada, e o macaco aos seus filhotes. É a incapacidade da razão, dos valores elevados, da análise desvinculada dos interesses pessoais e imediatas que torna o Bobo necessário, já que traz à tona como uma ação demente as únicas respostas que tem ligação com o sentido universal das

questões. Em particular numa sociedade dessacralizada, tecnocrática, na qual não há qualquer tipo de transcendência, não é de se admirar que este papel de guardião da verdade mais elevada do Bobo seja incapaz de ser compreendido e ele seja visto apenas como mais um áulico tentando agradar aos poderosos, assim como certa singeleza da ação de Antígona, a perder a vida apenas para cumprir um dever sagrado seja tampouco compreendido em sua simplicidade, geralmente confundido com alguma postura revolucionária. QUARTA-FEIRA, 17 SETEMBRO, 2008 13:33

Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Cinema, Política, Religião William Shakespeare, Sófocles, Akira Kurosawa, Thomas Morus,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10699


FILHOS DO SOL, FILHOS DA TERRA A terra desempenha em inúmeras crenças para não falar da imagem no senso comum um papel gerador. Já houve mesmo teorias científicas e econômicas sobre o papel da terra. Assim como não nos damos conta que na realidade o sol não nasce e se põe todos os dias - a despeito destas imagens estarem fortemente enraizadas na nossa linguagem diária - também o papel da terra na geração e manutenção da vida é ínfimo. A terra não é muito mais do que simples suporte. A energia para a vida vem do Sol, a matéria que a compõe vem do ar e da água, da terra se utiliza uma pequena porção de componentes em geral complementares. A ciência já comprovou isto há mais de um século, mas continuamos a dar à terra este papel gerador. Penso no sentido simbólico desta realidade porque a característica de todo processo natural é ter também um sentido simbólico porque todos os processos, no final, são um só. É curioso que a terra é símbolo do que é estável, permanente, sólido. Também a vemos como símbolo materno. Na mitologia islâmica a diferença entre os seres humanos e os djins é que somos feitos de água e terra enquanto os djins são feitos de ar e fogo. Mas grosso modo, tanto do ponto de vista científico como mitológico somos como os djins, feitos de ar e fogo. Cada átomo de carbono que está em nossos corpos um dia esteve no ar, cada joule de energia que os mantém unidos um dia chegou á terra na forma de raios solares. Penso também em outras analogias possíveis para esta constatação. Por exemplo que mesmo nos julgando filhos da terra, somos na verdade filhos do sol, da luz, mesmo quando esta realidade é mascarada pelas aparências. Da terra temos o suporte, uma pequena fração de nossos

componentes - lembro aquela pequena parcela de não-divindade que foi necessária misturar-se ao Todo para gerar o cosmo. Toda interpretação literal - como a que costuma ser feita pelos que ignoram os símbolos - tende ao disparate. Penso nos grupos extremistas que afirmam viver de luz, de uma forma ou de outra todos vivem de luz porque é a energia solar que sustenta a maior parte da vida do planeta. É a transformação da energia solar em energia química que permite o crescimento das plantas, portanto dos animais que se alimentam delas e dos animais que se alimentam dos que se alimentam de plantas ou de outros animais. Salvo parte das fontes artificiais - energia hidrelétrica e nuclear - e uma ínfima proporção de fontes naturais de energia química no fundo dos oceanos toda a energia que circula no planeta vem da luz do Sol. Penso na beleza desta constatação de que não somos seres da terra, somos apenas a materialização de uma luz superior que nos infunde a energia necessária para sobreviver. S E G U N D A - F E I R A , 2 3 JU L H O , 2 0 0 7 - 1 4 : 1 1

Islam, Pessoal, Arte DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10635


Aristóteles, O Filósofo, por São Tomas de Aquino, grande tributário dele.

EXISTE UMA FILOSOFIA ISLÂMICA? APRESENTAÇÃO MUTILAÇÃO NECESSÁRIA Em sua História da Filosofia, Will Durant, dedica uma única linha para falar da filosofia islâmica, ainda assim para dizer apenas que "no Século XIII, toda a Cristandade ficou assustada e estimulada por traduções árabes e judaicas de Aristóteles". Outros atribuem um papel grandioso à filosofia e a Cultura islâmica e a colocam de forma exagerada como motor do Renascimento Europeu, como Asin Palácios ao atribuir a Divina Comédia a um plágio de Dante a um poeta persa. Não é estranho, portanto que Dante tenha colocado no Limbo, no setor onde havia um grande clarão, junto com Sócrates, Platão e Aristóteles os dois principais filósofos árabes, ibn Sina (Avicena) e Rushd - Inferno, Canto IV, versos 142 a 144. E que ainda por cima tenha acrescentado ao nome de Rushd o epíteto de autor de grandes obras numa referência aos seus comentários de Aristóteles. O verdadeiro papel da Filosofia Islâmica parece estar entre estes extremos, nem o exagero da mera tradução, nem o do "plágio renascentista". Ao mesmo tempo herdeira do legado clássico, mas não apenas sua copiadora, afinal os paradigmas platônicos e aristotélicos precisaram ser "reconstruídos" para se incorporarem - e não sem dor - ao universo muito próprio do pensamento islâmico. Ao mesmo tempo esta "reconstrução" preservou os ensinamentos originais e os consolidou, a ponto de ibn Rushd ser chamado pelo título de O Comentador, por sua interpretação de

O objetivo deste texto é apresentar grosso modo a filosofia islâmica de seu período considerado "clássico" segundo a maioria dos autores, de al-Kindi a ibn Khaldun, enfocando - por razões de economia apenas os autores principais e mais influentes (al-Kindi, al-Farabi, ibn Sina, alGhazali, ibn Ruchd e finalmente ibn Khaldun que não se considerava um filósofo mas evidente tem sue papel junto aos outros por sua notável contribuição pioneira à filosofia da história). Diversos outros autores são deixados de lado, não significando que sejam menos importantes, mas apenas que não tiveram a mesma importância paradigmática dos citados para a filosofia propriamente dita, nem reflexos sobre o pensamento ocidental posterior como estes tiveram. Uma notável omissão, perceberá o observador mais atento, é a dos matemáticos como alKhwarism e Khaiyyam. Também é significativa a ausência dos teólogos, à exceção de Ghazalli e breve referência a ibn Taimyya, tendo em vista que o objetivo do seminário é sobretudo realçar o papel da filosofia islâmica como sucessora da filosofia clássica e precursora da renascentista, legado ao qual estes pensadores são alheios, para não dizer antagônicos. Estas mutilações, bem como as inúmeras simplificações do texto se devem de um lado a necessidades didáticas e de outro ao fato do público alvo ser formado não de especialistas ou pessoas com interesse específico na Filosofia Islâmica, mas de um público apenas com interesses gerais em filosofia. A meta, portanto, é dar uma ligeira noção sobre o tema e indicar fontes nas quais, mais conhecido, pode ser buscado. A essência do seminário, portanto, são as persistências e rupturas entre a filosofia clássica e a Islâmica enfocando-se essencialmente o que houve de mais significativo na "reconstrução" Islâmica da filosofia grega de Aristóteles e, em menor


escala, de Platão e dos neoplatônicos, em especial Plotino.

INTRODUÇÃO TENTATIVAS DE DEFINIÇÃO E CATEGORIZAÇÃO DA FILOSOFIA ISLÂMICA Falar sobre a filosofia islâmica sem mencionar o seu ambiente social e político e, em especial, seu contexto religioso é uma missão impossível. Contudo é, ao mesmo tempo, difícil restringir esta contextualização a um limite tal no qual o objeto deixe de ser a Filosofia Islâmica para tornar-se a Civilização Islâmica. É, até mesmo, difícil definir exatamente o que se entende por "Filosofia Islâmica" já que como se discute abaixo o sentido estrito dado pelos pensadores muçulmanos à palavra filosofia tinha até mesmo um certo caráter pejorativo. As imagens que vêm à mente quando se menciona o Islamismo - ou mais propriamente Islam - não deixam dúvida sobre a importância de Deus na sociedade muçulmana. Da mesma forma os inúmeros conflitos envolvendo a Civilização Ocidental e a Islâmica ao longo da "linha de fratura", da chamada "fronteira sangrenta do Islam", que diariamente frequentam o noticiário, falam por si só da importância para qualquer um que se pretenda bem informado de conhecer, ainda que de forma superficial, o pensamento islâmico. Contudo, para os mais afoitos, provavelmente haverá uma certa sensação de "frustração" com este seminário, afinal pouco ou nenhum vínculo claro existe entre a sofisticada e intricada filosofia muçulmana medieval e a moderna erupção do Ressurgimento Islâmico pelo mundo. De certa forma são justamente aquele campo do pensamento islâmico que sempre se opôs aos filósofos que vem comandando este "Ressurgimento". É preciso destacar que "falasifa" - forma arabizada da palavra grega para filósofo não tem o mesmo sentido na Cultura

Islâmica que tinha na grega ou veio a ter no Ocidente. Termo de certa forma pejorativo, destinava-se sobretudo a rotular os pensadores que dedicavam-se ao pensamento especulativo, em geral considerado como desprovido de maior utilidade prática. É por isto que Ibn Khaldun - de certa forma o último dos filósofos do período "clássico" islâmico, dedica diversos capítulos de seu monumental Muqqadimmat a contestar os filósofos e proclamar mesmo no título de um dos capítulos que "A filosofia é uma ciência vã em si mesma e nociva em suas aplicações". Para ele a filosofia é um "acidente da civilização", um daqueles muitos luxos perigosos e efeminados que os impérios sedentários adotam na sua fase de decadência. E ao dizer isto Khaldun, que tenta a todo momento estabelecer algum grau de generalização que permita o "descobrimento" de leis que regem a história, inclui na mesma categoria também o pensamento especulativo bizantino e sassânida, dois grandes impérios destruídos pelas primeiras arremetidas dos muçulmanos. De certa forma ele as considera como "discussões bizantinas" como a do famoso debate sobre o "sexo dos anjos". Outro pensador fundamental do Islam, Ghazalli, também faz duras críticas aos filósofos e um de seus textos mais importantes e conhecidos chama-se justamente Tahafut -al-Filasafat (A Refutação dos Filósofos). Diz ele no seu Ihya Ulum al din (Revivificação das Ciências Religiosas): "O essencial é o Alcorão e a Suna, o resto é sem interesse, talvez condenável, a menos que se trate de refutar uma inovação (Bidah)". O conhecimento especulativo é um dos principais alvos da crítica de Ghazalli e sobretudo da sua própria auto-crítica. "O pior suplício no Dia do Juízo Final", diz ele, "será o do sábio que não aproveitou seu saber diante de Deus". A despeito de tudo isto, Ghazalli tem um papel fundamental no desenvolvimento da Kalam, a teologia


dialética que iria inspirar fortemente a Escolástica Medieval. Albert Hourani, no seu "Uma História dos Povos Árabes" destaca que: "As especulações dos filósofos eram encaradas com desconfiança por algumas escolas religiosas e alguns soberanos, mas outras formas de usar a razão para elucidar a natureza das coisas despertavam menos suspeitas e tinham usos práticos". Tanto que de todos os filósofos propriamente ditos, o único que gozará de vasto prestígio e aceitação apesar da ousadia de suas ideias será ibn Sina, não tanto por sua filosofia, mas pelo seu papel fundamental como médico e cientista. A própria referência de Dante a ele, embora colocada dentro da "filosofica famiglia" (ver nota ), parece estar se referindo mais a sua atuação como médico, já que o coloca junto com Galeno e Hipócrates. Mas se for deixando de lado este uso estrito da classificação de filósofo limitada ao pensamento dito especulativo, a lista de filósofos muçulmanos cresce muito. Um dos grandes pontos de divergência entre aqueles que enaltecem ao extremo a importância da filosofia islâmica e aqueles que lhe atribuem no máximo a função de transmissão do conhecimento grego parece ser derivado justamente desta incompreensão sobre qual o uso que está se dando ao termo "filosofia". Há também um importante elemento, típico da estrutura social islâmica "clássica", que não pode ser desprezado nesta análise. Não há uma "profissão" filosófica entre os muçulmanos, ou uma situação tal que os permita se dedicarem exclusivamente à filosofia. Sem exceção os pensadores muçulmanos são juristas (faqh) ou teólogos ('alim), alguns ocupam as importantes funções de juiz (cádi) ou jurisconsulto (mufti), quase sempre atuam como conselheiros ou diplomatas das cortes e não são raros os que tem atividades comerciais. Os pensadores islâmicos são em geral membros da elite comercial (Hourani chega a usar o termo "burguesa") e herdeiros de uma longa tradição familiar de erudição e

cargos. Tem todos eles uma educação esmerada, mas geralmente tradicional e voltada sobretudo para a formação religiosa. Esta educação é em geral um meio termo entre o estilo da Academia e do Liceu gregos e as universidades da Renascença, baseia-se sobretudo no estudo de textos e exercício do debate dialético junto a um mestre primeiro junto as colunas das mesquitas, depois em instituições específicas voltadas para a educação, as madrassas. De certa forma o pensamento islâmico do período também está passando por uma transição, iniciada já na fase helenística, na qual a filosofia começa a dar forma às ciências particulares e a incorporar-se à técnica, processo que culminaria, no ocidente, com a revolução científica da Idade Moderna e contemporânea e para a qual a Filosofia Islâmica deu uma contribuição significativa ainda pouco reconhecida. O Filósofo muçulmano é também um cientista e em alguns momentos mesmo um técnico - como o médico ibn Sina. Ele, com raras exceções não está preocupado só com filosofia, mas também com a matemática campo no qual as contribuições árabes como a álgebra e a trigonometria são inegáveis -, astronomia, medicina, farmácia, geografia, química, ótica, engenharia, arquitetura e muitas outras áreas nas quais as contribuições originais ou de síntese dos muçulmanos é extremamente significativa. É também um sábio religioso, conhecedor da teologia, exegeta do Alcorão, intérprete da jurisprudência islâmica (shari'ah) e não raro um místico (sufi), preocupado com as dimensões esotéricas do conhecimento religioso e praticante da êxtase mística. É igualmente não raro poeta e político, homem de Estado que ao contrário dos gregos intrometem-se nas disputas intestinas das cortes que, também ao contrário dos gregos, não são assembleias democráticas mas ambientes onde impera uma autoridade absoluta. Em geral as obras desses sábios são enciclopédicas, como retrata bem a Muqqadimmat de Khaldun cujas mais de mil


páginas não são senão um "prefácio" a um texto infinitamente maior. Vivem eles então um conflito entre um conhecimento que começa a se diferenciar e se partir e a pretensão de abarcá-lo todo, dilema que por si só limita os sábios reconhecidos a uma certa dose de genialidade para ser capaz de ostentarem tal título. Há contudo uma especificidade que dá interesse especial à filosofia islâmica estritamente falando, lhe define o contorno, o objeto e os métodos, uma característica que permite a Louis Grandet e Fernand Braudel responderem afirmativa à questão: "Existe uma filosofia islâmica?". E essa especificidade pode ser obtida sobretudo naquela filosofia especulativa, é a tentativa de conciliar o legado peripatético grego a uma cosmovisão, uma "Weltanschauung" fortemente monoteísta. É, enfim, este esforço de reconstruir o pensamento grego para que ele "coubesse" dentro do Islam, se harmonizasse com a Verdade Revelada, que dará a essência do caráter da filosofia grega. É em função desta temática que se limitou a seleção dos autores que serão analisados na sequência.

FONTES DA FILOSOFIA ISLÂMICA A RECONSTRUÇÃO DO LEGADO GREGO A filosofia grega e helenística é, sem dúvida, a matéria prima com a qual a filosofia islâmica foi construída, o que levou os pensadores ocidentais a considerar por muito tempo que não existia uma filosofia islâmica, que o trabalho dos pensadores muçulmanos no máximo teria sido o de preservar e transmitir o conhecimento dos gregos. É a visão, por exemplo, do mais renomado dos "orientalistas" Renan que chega a justificar suas posições a partir de alguns pontos de vista racistas como o da superioridade da mente ariana sobre a mente semita. Curiosamente Renan justifica sua posição racista afirmando que a mente semita não pode se ater senão ao detalhe, sendo incapaz de gerar teorias gerais. Curioso

porque o que se vê na filosofia islâmica é justamente o contrário, tal como os gregos, eles se recusam a dividir o conhecimento em compartimentos, todos os grandes filósofos muçulmanos, como foi comentado anteriormente, pretendiam estender seu conhecimento sobre todas as áreas possíveis, da poesia à matemática, passando pela política e pela jurisprudência. A matéria-prima do legado grego por mais importante que tenha sido no conjunto do pensamento islâmico, não o limita, pelo contrário, impõe aos filósofos muçulmanos o desafio de reconstruí-lo a partir da Weltanschauung muçulmana e harmonizálo com a Verdade Revelada. De uma forma muito geral, há três fontes que se combinam para a formação da filosofia islâmica: o legado grego que fornece o substrato, a teologia e a jurisprudência religiosas (usulal-kalam, usul al-fiqh) que lhe definem a forma e limites e o misticismo e conhecimento esotérico islâmico (tasawwf) que lhe enriquece o alcance e em geral lhe fornece a linguagem. O legado grego é tanto aristotélico como neo-platônico, embora o primeiro tenha gozado de mais prestígio por sua noção mais "prática" de conhecimento" e pelo reconhecimento da validade de sua lógica inclusive para a prática da jurisprudência religiosa (ijthad). O neoplatonismo entra quase de contrabando na filosofia islâmica devido ao fato da Enéade do neo-platônico Plotino ter sido durante muito tempo atribuída a Aristóteles - a chamada "Teologia de Aristóteles". O neoplatonismo, contudo, alimenta a linha de filósofos muçulmanos mais originais, que culmina na tradição "clássica" do Islam medieval com Ibn Sina e alimentará até hoje a escola de pensamento xiíta, menos ortodoxa e tradicionalista que a sunita, apesar da nossa imagem no senso comum dizer o contrário. Já o aristotelismo reinterpretado pelos filósofos islâmicos teve um papel fundamental no renascimento ocidental, em especial através da obra de ibn Rushd - Averroés - como já mencionado antes, conhecido como "O Comentador" e por isto é mais conhecido.


Visto com certa desconfiança, o legado grego não poderia ser incorporado sem uma reconstrução ao pensamento islâmico. Precisava de um esforço de harmonização de conceito que o tornasse aceitável, o que implica em recusar alguns pontos e desenvolver outros. A religião e a linguagem são também processos cognitivos, algo que nos fornece os elementos para compreender e organizar o mundo, portanto esta "reconstrução" seria essencial não só pelo caráter total do Islam. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:08

Islam, Pessoal, Poesia, Educação, Literatura, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião Albert Hourani, al-Kindi, ibn Khaldun, Ghazalli, Ibn Sina, Sócrates, Aristóteles, Platão, Will Durant, Asin Palácios, Dante,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/6


COSMOGONIAS, MITOS E O DEFEITO DO TAPETE Não tenho nenhuma simpatia por estas tendências contemporâneas que tentam justificar ou legitimar a religião a partir de seu cotejamento com os dados científicos do momento. Grosso modo foi este tipo de disparate que fez com que várias passagens de vários livros sagrados fossem interpretadas literalmente e os conhecimentos científicos da época transformados em questão de fé, transformando – só para citar um dos exemplos mais famosos – a hipótese científica antiga da terra ser o centro do universo em uma verdade teológica. Ciência e Religião pertencem a universos e ordens de grandeza distintas, uma fala do efêmero e outra do eterno, a mistura das duas certamente não produz nada de produtivo. Para quem acredita que um determinado mito – e mito não significa como usualmente se usa hoje, mentira, mas uma verdade cuja expressão transcende tempo e espaço e não pode ser descrita com precisão através de palavras - ajuda a compreender o universo é irrelevante saber se há pontos de contato entre esta história e as últimas modas científicas. No sentido oposto desta relação, os mitos até podem ajudar a orientar a ciência, não quando tratados como hipóteses, mas orientando a pesquisa segundo a linguagem e as técnicas próprias da pesquisa. Contudo como este é um terreno meio pantanoso é melhor deixar uma longe da outra. Isto não me impede, porém, de observar com interesse os avanços científicos e as sucessivas teorias – diria que certo

conhecimento tradicional faz com que não só eu não me surpreenda como até espere alguns resultados. Em particular as hipóteses sobre a criação do universo – em certo sentido é justamente das cosmogonias que o mitos são feitos e reatualizados – oferecem algumas oportunidades de reflexão bem interessantes. Não entro em detalhes muito específicos porque estes a todo instante mudam, mas me prendo particularmente a um dos fatos. O Universo não surgiu por ser um todo harmônico – como creem todos aqueles que por uma leitura muito literal imaginam a ordem de outras esferas como algo que se espelha aqui também. Aquilo que é perfeito e está em ordem não se movimenta. É justamente a imperfeição, um ponto de caos, um desequilíbrio mesmo que mínimo, que faz com que as coisas funcionem. A mínima dimensão dos desequilíbrios que puseram o universo em movimento e o fizeram ser o que é não pode deixar de lembrar de certas teses tradicionais, como as que destaquei no post “O Defeito do Tapete” – porque também o tapete persa é uma imagem cosmogônica. Nada disto tem a ver com o dualismo – como dizem aqueles que só entendem o Tao superficialmente, por exemplo – e muito menos com algum maniqueísmo. As forças de criação e destruição não são coisas distintas, mas parte intrínseca de tudo. Não fosse uma mínima desproporção entre matéria e anti-matéria e o universo não existiria, assim como outros mínimos desequilíbrios produziram as várias outras etapas que acabaram levando as coisas a serem como são. Também a luz, as estrelas, os elementos, os planeta e enfim a vida chega a existir pelos desequilíbrios, pelos defeitos do processo que criam em algum momento uma situação nova, uma crise que não pode ser respondida pelo funcionamento normal. Como a ciência que lhe espelha, o universo é a sucessão de modelos que fracassam e de novos ajustes que surgem.


Estes desequilíbrios, estas interações entre ordem e caos – como está em moda dizer hoje, esquecendo-se que todas as religiões e doutrinas tradicionais já mencionam isto e nos mitos o mundo sempre é fundado pela luta das personificações de ambos – enfim, este movimento não é bom, nem ruim, é apenas necessário para que o universo e tudo que há nele exista. Isto não impede nem prova que haja outras esferas nas quais o movimento não exista, um mundo de ideias platônicas, de arquétipos. A ciência nos fala deste mundo que se compõe e decompõe, os mitos daquele outro mundo e de como a partir dele se criou este. Há fascínio e espaço suficiente nos dois para que se deseje empobrecer algum dele com explicações simples. Acho que é mais uma “dualidade” minha a ser encontrada nesta dupla fascinação. TERÇA-FEIRA, 13 FEVEREIRO, 2007 - 05:53

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10538


O VOTO É PROFANO Em resposta ao post O Voto é Sagrado no blog Poder da Palavra Um dos principais argumentos dos patrícios romanos para não atender à reivindicação de um “tribuno da plebe” que defendesse os direitos dos romanos não-nobres era a ausência de provisão deste cargo nas leis sagradas. Mesmo quando tiveram de ceder à pressão o cargo de tribuno manteve um caráter ímpio e a própria inviolabilidade do tribuno – aponta Foustel de Coulanges – era motivada por este caráter “impuro” da função. O mais antigo dos truques para afastar parcelas da população do processo de decisão é a invocação de razões “sagradas”, das quais o caso do tribuno da plebe é apenas um pequeno exemplo. Com todos os pesares, lamentações e retrocessos, ainda assim, a história política da humanidade é a amplificação da proporção da população que detém os direitos de cidadania. Cada um destes passos históricos foi antecedido e sucedido por resmungos teológicos contra o pecado, heresia ou blasfêmia que se estava cometendo ao aceitar aquele círculo adicional de pessoas ao universo dos que deveriam decidir. [Bobo da Corte] SEXTA-FEIRA, 24 OUTUBRO, 2008 - 20:20

Pessoal, Poesia, Política DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10738


A FLAUTA DE RUMI Uma amiga me pede que eu explique Rumi, que cito tanto e que tem estado tão presente em tudo que faço nos últimos tempos. Não me sinto a vontade para explicar, afinal a mesma pergunta há poucos meses teria uma resposta muito distinta, porque antes eu nada entendia de Rumi, sabia alguns belos versos, alguns detalhes biográficos, tinha uma idéia mais ou menos vaga das coisas sobre as quais ele falava. Nunca esperem de mim alguma explicação acadêmica sobre o assunto. Não ligo para contextos, datas e coisas do tipo, apenas para a impressão que este ou aquele autor causa em mim, a forma como eu o entendi – que pode até ser a errada, mas e daí, já que o importante é a imagem dele em mim. Para explicar Rumi ao invés de ir buscar algum poema dele eu prefiro pegar algo bem contemporâneo – bom, já ouvia quando era criança, mas acho que dá pra dizer que é contemporâneo – a letra de Pedaço de Mim, de Chico Buarque. O sentimento mais essencial de Rumi é o mesmo desta música tão triste. Cito um verso, meio ao acaso porque poderia citar qualquer outro:

várias formas uma das mais belas é quando diz que o canto da flauta é triste pela saudade que sente do junco do qual foi cortada. Também expressa esta saudade na ausência de seu mestre Shams al-Tabrizi ou mencionando a história corânica da paixão escandalosa de Zuleika, esposa de Potifar, por José. Esta saudade, este sentimento de insaciedade, estas buscas todas, diz Rumi, são na verdade uma transferência, uma expressão de um sentimento que não somos capazes de alcançar de imediato: a dor da alma por estar separada do Uno. Para ele somos como a flauta que lembra e sofre por não estar mais ligada ao junco e por isto canta. Esta sensação está expressa em diversas metáforas, a embriaguez, o amor, a identidade com o outro, as saudades do Bem-Amado, a dor da perda. Mas não são só metáforas, mas símbolos mais expressivos porque também estes tantos estados não só expressam o que no fundo é esta sensação de separação da Unidade como também podem ser portas através das quais se pode chegar a desvelar o Amor Divino, do qual todos os demais amores são emanações.

OH, PEDAÇO DE MIM OH, METADE ARRANCADA DE MIM LEVA O VULTO TEU QUE A SAUDADE É O REVÉS DE UM PARTO A SAUDADE É ARRUMAR O QUARTO DO FILHO QUE JÁ MORREU

Não é estranho, assim, que diversas ordens sufis – bem como instituições semelhantes da mais variadas fés – busquem entre aqueles que outros julgam perdidos, porque de uma forma estranha entre esses às vezes é possível encontrar corações despertos incapazes de encontrar o caminho. Os corações, contudo, não podem ser despertados à força e sempre acho que fazem mais bem do que mal aqueles que tentam fazê-lo assombrando os infelizes com ameaças terríveis se não despertarem, situação que só serve para causar inútil ansiedade.

O tema central de Rumi é a saudade, a dor da separação, que ele expressa de

Os simples mortais com suas vidas sem inquietudes só tem um coração que dorme, portanto não imagino que


qualquer um possa entender Rumi. Talvez possam achar belo, repetir alguns versos, até colocá-lo entre seus autores preferidos – como eu próprio fiz tantas vezes – mas para entender realmente Rumi é preciso vê-lo com os olhos que Majnun – o apaixonado – vê Laylat – o objeto da sua paixão (curioso que a palavra tenha a mesma raiz de Lilith). O próprio Rumi não entenderia sua poesia e sua música se não tivesse sido iluminado pelo Sol de Tabriz, o pobre derviche que um dia o visitou, arrancou de suas mãos o manuscrito que ele escrevia, mostrou como tudo que ele vivia era vaidade e ilusão e o convidou a atender ao chamado de seu coração, despertando-o. Um viu no outro algo distinto do que todos os demais viam. Reza a lenda que Shams havia ofertado a alma a Deus em troca de ser capaz de despertar um coração. É na superação da dor da perda de seu mestre desaparecido que Rumi consegue desvelar aquele amor profundo, aquele amor que não é reflexo nem emanação, o Amor Divino, único que é capaz de reparar esta sensação de ter um pedaço de si separado do todo. Mas aqueles que estão entre os pobres mortais e não sentiram o amor não conseguirão despertar para aquele Amor mais profundo, aquele Amor que permite transcender a identidade. As pessoas costumam confundir o amor ao outro com o amor ao ego disfarçado. O Amor de que fala Rumi não é este último, nem a dor profunda da qual ele fala é estas inquietações do ego que afligem aqueles que amam a si próprios. Mas sobre isto nada do que eu falar pode ser entendido por quem não sentiu e tudo que eu falar já é bem sabido por aqueles que já viveram isto. Digo apenas que quando este sentimento ocorre muitas vezes ele é capaz de ser estendido à humanidade, ao mundo, não se fixa no

objeto porque ele dá a compreensão da unidade mais profunda.

SEGUNDA-FEIRA, 11 SE TEMBRO, 2006 13:26

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DILEMAS DA ESCOLA Um dos assuntos sobre os quais mais tenho pensado, discutido e escrito profissionalmente é Educação. Não é um desafio fácil, ainda mais na situação em que me encontro hoje. Ainda que jamais tenha sido - intencionalmente pelo menos irresponsável em escrever sobre o que não é plausível, hoje em dia estas minhas palavras tem responsabilidade adicional porque em certa medida implicam uma intenção de se colocar em prática, em médio prazo, tudo aquilo que é escrito. A pressão acontece porque poucas questões se tornaram tão complexas quanto a educação. Em meio a pirotecnia de governos preocupados em dizer que fazem algo e corporativismo de entidades ligadas a educação mas em geral tendo o contracheque como preocupação principal há uma enorme preocupação de todos em fazer algo. O problema é que ninguém sabe exatamente o que precisa ser feito. Talvez decepcione àqueles que imaginam que todos os problemas do Brasil são produto das nossas mazelas nacionais, mas a crise da educação é internacional. Com certeza nossos problemas são agravados por falta de prioridade, visão e honestidade, pela imensa dimensão das tarefas educacionais inclusive causadas por decisões corretas - caso da universalização do ensino. Mas mesmo fortificada pelas circunstâncias nacionais, a crise da educação é uma crise mundial e este elemento é um aspecto importante a se considerar, inclusive porque um dos eixos desta crise global é o corporativismo. Um dos elementos que agravam meu conflito interno escrevendo sobre educação é o fato de jamais ter tido uma opinião muito positiva sobre ela. Como Herman Hesse sempre achei que o futuro é construído por

aqueles que fogem da escola. Sempre achei que a cultura tem um poder transformador muito maior, mais efetivo e de melhor qualidade que a educação, quase sempre destinada apenas a reproduzir valores e saberes. Cito sempre a frase de Borges, na qual ele diz que uma biblioteca o educou muito mais que as escolas. Como me agradam os paradoxos, diria que um dos motivos da crise da educação é justamente um dos resultados da crise da autoridade. Esta crise da autoridade, inspirada pela erosão geral de toda autoridade, fomentada por metodologias pretensamente experimentais e revolucionárias de ensino segundo as quais o professor não deve ensinar, amplificada pela dissolução dos laços familiares e desaparecimento a figura paterna que nos treina em lidar com a autoridade, enfim, de inúmeros elementos que retiram do processo educacional o seu centro, que deveria ser a figura do mestre. Huxley destaca o papel da rígida formação escolar oferecida pelos jesuítas - em particular em Os demônios de Loudon, onde dedica a abertura do livro a esta questão como central na história de vários personagens fictícios ou históricos incluindo o rebelde e anti-clerical Voltaire. Sair deste paradoxo não deixa de ser um exercício interessante. Chega a ser tentadora a solução fácil, segundo a qual há dois tipos de pessoas, aquelas que precisam da escola e aquelas para as quais ela é não só desnecessária mas prejudicial. Aos primeiros estaria destinado o papel de subalternos aos quais o aprendizado do conhecimento reproduzido nas escolas seria importante, às segundas, em muito menor número, as escolas seriam um entrave à livre expressão e uma amarra ao conhecimento. Mas me causa repulsa esta solução fácil, a qual implica em negar a identidade fundamental dos seres humanos e a minha profunda crença de que todos podem desenvolver todo o seu potencial. Mesmo admitindo-se a existência de homens-massa e homens-de-excelência, como quer Ortega Y Gasset, ainda assim é


preciso verificar que ambos se beneficiam com a disciplina. Não é à toa que a grande maioria dos grupos tradicionais tem uma imensa parte de seu processo de formação voltado a destacar a importância da disciplina. Nenhum buscador sincero jamais chegará a lugar algum enquanto não descobrir a importância da disciplina e do respeito à autoridade, mesmo que por conta de outras circunstâncias haverá o momento de romper com elas. É a Ortega y Gasset que recorro para tentar compreender a importância da disciplina e da autoridade de um lado e entender as causas da crise da educação. Para o homemmassa toda disciplina, qualquer cosia que coloque limites a satisfação dos seus desejos é deplorável. Portanto é natural que ele busque o conhecimento pelos meios fáceis, porque qualquer esforço é para ele intolerável, assim como toda autoridade é insuportável, salvo quando coagido a obedecê-la. Para agravar o paradoxo, é preciso reconhecer que os métodos considerados antiquados e autoritários de ensino geraram muito maiores intelectuais, escritores, pensadores e até educadores do que todas as modernas teorias, às quais tem levado o nível médio de conhecimento a graus muito baixos, salvo - talvez - quando se trata do conhecimento altamente especializado (o qual é também uma abdicação de esforçarse em qualquer outro campo do conhecimento salvo aquele que se deseja). Imaginando, então, que a autoridade do mestre é um aspecto importante na educação se chega a certo beco sem saída, porque autoridade não é algo que possa ser dada, ainda que em certas circunstâncias possa ser ensinada, desde que o aluno a deseje e se esforce para aprender, sobretudo, a auto-disciplina (porque ninguém terá autoridade sobre outro se não tiver em primeiro lugar sobre si mesmo). Por mais que avalie que a questão a valorização do professor não é uma questão salarial e veja com antipatia a preocupação corporativa não posso deixar de concluir que não haverá saída da crise da educação sem

esta recuperação dos salários dos professores. Um mau professor não ensinará melhor se ganhar mais, claro, mas havendo melhores salários jovens de talento, de excelência, voltarão a se interessar pela carreira e com o tempo ocuparão o espaço dos maus profissionais. Hoje isto só acontece no caso extremamente excepcional de alguém cujo grau de abnegação seja tão grande, a vocação de professor seja tal, que mesmo em circunstâncias extremamente adversas resolva seguir a carreira do magistério. Toda a estrutura educacional conspira contra este infeliz sacerdote do conhecimento, voltada para reforçar e premiar a mediocridade - às vezes até o descaso. Mudar isto é um dos grandes desafios de quem deseja provocar a revolução da educação que se precisa. Uma questão relacionada a esta demonstra que há esperanças e meios. Por mais que se fale na recuperação do status social do professor, estou absolutamente certo que junto à população, no imaginal e mesmo no imaginário da sociedade, o mestre jamais chegou a perder a autoridade social que teve em outros momentos. Salvo, talvez, para certos segmentos de jovens que idolatram o traficante, o jogador de futebol, a celebridade e outros personagens que se antepõem como modelo ao que detém o conhecimento - na maior parte da sociedade o respeito ao papel do professor permanece resguardado, mesmo quando os que o detém não correspondem às expectativas. Esta minha hipótese é passível de comprovação, basta chegar a qualquer ambiente e discutir a questão e verá que a despeito de tudo o professor goza de consideração. A perda de status é apenas financeira e mesmo vivendo em uma sociedade na qual as pessoas são medidas pelo valor quantitativo das suas posses, ainda assim, o professor goza de respeito. Curiosamente o desrespeito vem muitas vezes do Estado, que devia representar os valores que a população tem. Ao contrário do que é dito existe muita verba para a educação. A questão não é quantitativa, mas qualitativa: se gasta mal. E se gasta mal em


grande parte porque o professor é pouco considerado neste processo. A última moda nas soluções pirotécnicas de governos para demonstrarem sua preocupação com a educação é a distribuição de uniforme e material escolar, ao lado das já reincidentes grandes estruturas. A população acaba sendo iludida ou subornada por estas iniciativas, mas mesmo estes segmentos podem ser convencidos com facilidade de que nada disto tem a ver com a educação que precisamos. Por fim acho que há outro elemento nesta crise que precisa ser enfrentado pelo conjunto da sociedade, porque é um elemento cultural. A escola tinha mais valor quando se imagina que o acesso à educação permitiria alguma ascensão social, o chamado capital humano. É em grande parte neste sentido que o traficante e o jogador de futebol são antíteses do professor porque demonstram a inutilidade financeira da educação. Em plena era da informação, na qual o conhecimento é matéria prima fundamental, não se convence a sociedade a sonhar que a escola pode representar uma estratégia de evolução pessoal no único valor que sobrevive - que é o financeiro. Certamente há algo de muito errado em todas as estratégias, mesmo aquelas que não são baseadas em ideais mais elevados. Q U A R T A - F E I R A , 2 5 JU L H O , 2 0 0 7 - 0 5 : 0 0

Pessoal, Arte, Educação, Literatura, O futuro, Política, Filosofia e cia, Religião Herman Hesse, Borges, Huxley, Voltaire, Ortega y Gasset,PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10637


O DJINN ME FALA SOBRE LIBERDADE E ESCRAVIDÃO Quem passou esta semana para visitar-me foi aquele djinn que por algum tempo foi meu escravo, encarregado de redigir boa parte de meus textos. Veio de livre e espontânea vontade, com um bronzeado de quem está aproveitando as férias após milênios de escravidão e certo ar de sarcasmo de sempre. Fiquei com a impressão de que só perguntou o que eu andava fazendo por educação, porque parece muito bem informado sobre meus afazeres atuais, não teve dificuldade nenhuma em encontrar minha nova sala 5 andares acima da anterior e ainda estava afiado para debater minhas ações atuais. Depois das formalidades de praxe, e como muçulmano o djinn alongou-se nas fórmulas, ele foi direto ao foco: – Tem certeza que tudo que anda fazendo é realmente pelo que acredita, não está mais preocupado às vezes com as três moedas de ouro, glória e vaidade! Acho que só dele, da Márcia e de alguns poucos amigos muito próximos toleraria uma pergunta tão direta em um tom tão acusativo. É verdade, às vezes me pego em devaneios de poder, em sonhos de glória, às vezes o que era para ser meio torna-se fim em minhas preocupações. Mas não dou o braço a torcer. – Há oportunidades que surgem raramente na nossa vida, tenho de aproveitá-las e estar preparado para elas – eu disse, sem estar totalmente convencido das minhas palavras. – Sei, está procurando os atalhos, né – disse ele com uma gargalhada, demonstrando que sabia bem o sentido que dou à palavra. Dei um riso amarelo e ameacei protestar, ele não me deixou falar e seguiu:

– A vida de vocês humanos é tão curta e frágil que acho que é inevitável que pensem assim, é uma pena, caso contrário poderiam fazer grandes coisas. – Mas eu nunca desejei outra coisa senão fazer grandes cosias, é por isto que trabalho feito louco aqui. Por isto deixei a tranquilidade dos devaneios, porque surgiu a oportunidade de agir concretamente. Balançando a cabeça ele retrucou: – É melhor parar de tentar se justificar, estas suas últimas frases são indignas de você. – Como assim – disse eu baixando a guarda. – Se vai um dia fazer algo grandioso vai ser por causa destes devaneios, só por causa deles, se sua ação concreta não for ao mesmo sentido do devaneio logo se sentirá escravo de novo. – Mas a disciplina... – Se a disciplina for inspirada pelas cosias que acredita, então é a disciplina do homem livre, caso contrário é apenas a submissão de escravo. E olha que de escravidão eu entendo! – Para quem vive em liberdade há tão pouco tempo está pretendendo entender muito do assunto. – Ninguém sabe tanto sobre a liberdade quanto o escravo, caso não saiba, porque passei séculos pensando sobre ela. É possível aprender virtude mesmo do pior pecador se conseguimos vê-lo como um professor, também é possível aprender sobre a liberdade com o mais submisso dos escravos. – Em certo sentido somos todos escravos de algo. Ponderei. – Não, só somos escravos de nós mesmos, esta é a única escravidão. Só nos submetemos a algo porque nosso ego tem algum desejo, é o medo da morte, o medo de perder a vida, que impede que o escravo se revolte e por isto ele se conforma com a escravidão. – Mas não sou um escravo, pelo contrário, jamais estive em uma posição na qual pudesse fazer tantas coisas. – E está nesta posição porque demonstrou sua liberdade e sua auto-disciplina, sua autoridade, então tenha sempre isto em mente. Lutou até agora pelo que acreditava,


não por esta ou aquela fração de poder, continue assim, é só isto que vim dizer. – E não é isto que venho fazendo, ora essa! – Não. Sabe que nem sempre. Quanto tempo anda perdendo pensado no poder, só no poder, não nas cosias que precisa fazer para merecê-lo. Para não falar das pequenas satisfações e vingancinhas. Tudo isto é indigno de você, meu amigo. São atitudes de um escravo da ira e da cobiça. – Como você disse lá atrás, sou humano. – Não é motivo para conformar-se com isto, se entregar às fraquezas. Falou isto e sumiu como costuma fazer, me deixando a sós com tantas indagações. S E X T A - F E I R A , 2 7 JU L H O , 2 0 0 7 - 0 5 : 0 9

Islam, Pessoal, Arte, Educação DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10639


MODERNOS, MODERNISTAS E MODERNOSOS “A OUTRA ESPÉCIE É FORMADA DOS QUE VEEM ANORMALMENTE A NATUREZA E A INTERPRETAM À LUZ DAS TEORIAS EFÊMERAS, SOB A SUGESTÃO ESTRÁBICA DE ESCOLAS REBELDES, SURGIDAS CÁ E LÁ COMO FURÚNCULOS DA CULTURA EXCESSIVA. SÃO PRODUTOS DO CANSAÇO E DO SADISMO DE TODOS OS PERÍODOS DE DECADÊNCIA; SÃO FRUTOS DE FIM DE ESTAÇÃO, BICHADOS AO NASCEDOURO. ESTRELAS CADENTES, BRILHAM UM INSTANTE, A MAIS DAS VEZES COM A LUZ DO ESCÂNDALO, E SOMEM-SE LOGO NAS TREVAS DO ESQUECIMENTO”. (MONTEIRO LOBATO, PARANOIA OU MISTIFICAÇÃO)

Um amigo me pede um texto sobre Monteiro Lobato e os modernistas após alguma polêmica sobre o assunto. Se eu precisasse reduzir todo o comentário a uma frase diria que Lobato é que era verdadeiramente moderno naquele momento. Se pudesse ainda acrescentar algo comentaria que a crítica de Lobato aos modernistas não é pela inovação proposta por eles, mas pela falta de novidade e sinceridade do movimento. O que ocorria de mais moderno no país, naquele momento, era justamente a superação dos modelos copiados das últimas modas europeias, francesas em particular. Moderno de fato era a crença profunda de Lobato que o pensamento brasileiro deveria refletir sobre os problemas do país, usando a linguagem do povo e jogando no lixo os academicismos, elitismos e sectarismos todos. Talvez na sua fonte os movimentos que pretendiam revolucionar as linguagens artísticas tivessem na sua origem um elemento inovador, mas quando desembarcaram aqui ao Brasil eram só mais uma forma de academicismo vulgar de

burgueses sem ter mais o que fazer para salientar-se. Pouca coisa pode demonstrar o caráter de "farsa"da Semana de 22 com o fato de que os modernistas pagaram a estudantes para vaiá-los e atirar coisas no palco, já que falharam até em provocar o choque que desejavam, mas tinham dinheiro sobrando para comprar mídia. Infelizmente pouca gente hoje lê os originais, os textos fontes. Contentam-se em pontificar com o que ouviram falar do amigo do primo que ouviu alguém comentar sobre o que leu na orelha do almanaque citando um comentarista que leu uma resenha de um livro mencionando a obra original, às vezes até conformam-se com algo ainda mais vago como as teses e dissertações de crítica literária. Garanto que qualquer um que ler o artigo Paranoia ou Mistificação de Lobato - fruto do mito que ele era contra a "modernização das artes" poderá ver claramente que a crítica "emiliana" concentra-se sobre dois pontos: O primeiro é a absoluta falta de sinceridade que ele vê na obra de Anita Malfatti: nos manicômios essa arte é sincera, produto lógico dos cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas zabumbadas pela imprensa partidária mas não absorvidas pelo público que compra, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo tudo mistificação pura. Em segundo lugar há uma crítica também severa a certa arte que para se proteger é apresentada como hermética, capaz de ser compreendida por experts, análise que Hauser, por exemplo, também faz várias décadas depois, demonstrando a vitalidade e visão de Lobato. Para ele toda a discussão em torno da arte modernista é um grande jogo de comadres se promovendo uns aos outros, um pacto corrupto: Teorizam aquilo com grande dispêndio de palavreado técnico, descobrem na tela intenções inacessíveis ao vulgo, justificamnas com a independência de interpretação


do artista; a conclusão é que o público é uma besta e eles, os entendidos, um grupo genial de iniciados nas transcendências sublimes duma Estética Superior. A verdade é que a grande maioria do que o país produziu de melhor em todos os campos da ação intelectual - Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Paulo Freire, enfim todos que ousaram pensar de forma original, mesmo pagando o preço da originalidade que é o erro ocasional nas generalizações, sobre os problemas brasileiros - são de uma forma ou outra herdeiros ou parentes desta vertente que começa em Lobato. É preciso incluir aí os próprios modernistas que deram certo, porque a oposição entre Lobato e os modernistas é parte mito e parte mistificação. Mario e Oswald de Andrade, por exemplo, logo deixaram de lado a bobagem "modernosa" voltada para a forma e a técnica, que é o centro da crítica de Lobato, para incorporar através do Movimento Antropofágico uma proposta que é muito similar aquilo que Lobato lhes recomendava fazer vários anos antes. Não nego que Lobato, até como pintor frustrado que era, tenha algumas visões antiquadas sobre as artes plásticas em especial. Neste ponto não foi capaz de compreender a mudança na linguagem do meio que ocorria. Em parte a crítica não é completamente inadequada porque a mesma falta de transcendência é apontada como a chave para a desumanização da arte por Ortega y Gasset, filósofo espanhol que alguns anos depois tenta fazer com o pensamento espanhol a mesma revolução de compreensão original. Uma das questões importantes a se guardar é que este debate entre os verdadeiros modernos - aqueles que de fato inovam, acrescentam algo ao que já existe - os modernistas - aqueles que fazem do novo profissão de fé simplesmente porque é novo

então deve ser necessariamente bom - e os modernosos - impostores e charlatões de toda espécie que se escondem por detrás das cortinas de fumaça sectárias, todo este embate, ainda está acontecendo por todo lado, não acabou em 22. Até por isso vale a pena reler os textos de Lobato comentando o assunto, no original, é claro. SEXTA-FEIRA, 17 OUTU BRO, 2008 - 14:32

Pessoal, Arte, Educação, Literatura, Política, Filosofia e cia Monteiro Lobato, Arnold Hauser, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Ortega y Gasset,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10725


EDUCAÇÃO, QUANTIDADE E QUALIDADE "ACIMA DE TUDO, PRECISARÃO DE COISAS QUE O DINHEIRO NÃO PODER COMPRAR: IDEIAS E CORAGEM, DETERMINAÇÃO E DISPOSIÇÃO PARA AUTO-AVALIAÇÃO, REFORÇADAS POR UM DESEJO DE AVENTURA E MUDANÇA" (PHILIP COOMBS, A CRISE MUNDIAL DA EDUCAÇÃO)

Um dos meus maiores esforços pessoais ao escrever nestes últimos tempos é garantir a sinceridade do que escrevo, não me autocensurar pelo fato das coisas que escrevo agora passam em certo grau a serem compromissos maiores, quase um programa de governo. Nem sempre é fácil porque tendo a fazer propostas radicais - no sentido original do termo de atacar a raiz das questões - em um momento no qual as pessoas tendem à superficialidade. Revolto-me com o gosto das pessoas pela quantidade. Acho que há certo aspecto infantil nestas soluções quantitativas. Para a criança é relevante ter dezenas de brinquedos, ou livros e revistas, ou roupas, que jamais usará, porque ela confunde a posse com o usufruto. Também a maioria da população pensa de forma quantitativa, acha que ter grandes prédios ou aumentar as verbas para isto ou aquilo será capaz de resolver o problema. Querem um grande prédio para uma escola, um hospital gigantesco, um enorme centro cultural - para só usar alguns exemplos concretos com os quais me deparei nos últimos meses - sem se importar se a escola realmente ensinará, se os postos de saúde locais não dariam um atendimento mais adequado ou se pequenos grupos ativos de cultura não teriam melhor efeito. A imensa maioria dos homens públicos mima a criança-povo não só dando o que ela pensa que deseja, mas incentivando este

desejo quantitativo. Às vezes por semvergonhice mesmo, porque grandes prédios significam cifrões na equação com as empreiteiras, mas às vezes pensam em construir o óbvio por pura falta de imaginação e criatividade mesmo. Quando comecei na vida política a esquerda era, talvez, mais inteligente e menos esperta. Denunciava as "obras faraônicas" dos governos como sendo más respostas às reais necessidades da população. Por malandragem ou covardia este discurso sumiu, assim como o que criticava o assistencialismo, o clientelismo, o paternalismo, todos devidamente legitimados. Revolta-me que a "grande ideia" corrente para educação seja construir prédios, dar merenda, uniforme e material escolar. Lamentável que o mesmo Anísio Teixeira que me dá alento para pensar a educação seja usado como álibi para esta preocupação estritamente material. É típico do nosso tempo que ao sentido múltiplo de "Educação Integral" seja dado só o se sentido material, mas não é de forma alguma inevitável. Quando Philip Coombs - que foi da Unesco como Teixeira - escreveu em 1968 sobre a crise mundial da educação já antevia muitas dificuldades que seriam geradas pelo processo de universalização do ensino que corria pelo mundo. Uma das chaves das suas propostas era criatividade e outra avaliação permanente, ao lado disso falava de combater a inércia tanto interna como externa ao sistema, destacando que a relação entre escola e sociedade deveria ser dialética, ou seja a escola deveria não só atender às demandas da sociedade, mas ser capaz de contribuir para que estas demandas fossem as mais adequadas. Julgo que um dos mais graves erros da esquerda em termos de educação foi menosprezar e desmantelar a educação técnica de qualidade. Há um grande esforço nos últimos anos para recuperar isto, mas só muito recentemente se pensa no assunto de uma forma mais adequada.


Mas a crise da educação é também sintoma da crise de autoridade generalizada. Resgatar o papel e a autoridade do mestre, que tanto descaso de um lado, teorias pretensamente "alternativas" e desvalorização profissional de outro desgastaram. O corporativismo, que é a espécie mais danosa da inércia interna, tem sido o grande elemento de reação a qualquer mudança. Em uma máquina do tamanho da educação estadual em São Paulo imagino que é uma força incapaz de ser enfrentada com eficiência. Certamente é uma pena, mas se houver meio de evitar que as boas experiências,as iniciativas pessoais e os esforços das pequenas minorias de mestres já se conseguirá muita cosia. Infelizmente a boa vontade, a dedicação e até a abnegação não tem como serem induzidos por políticas públicas, mas cabe esperar que ao menos elas não sejam punidas, o que já é grande coisa. Avaliações, as temos aos montes, mas elas são hoje apenas números mortos, atestados de óbito da nossa educação e futuro. Resta esperar que sejam exumadas para servir de ferramenta às mudanças que são necessárias. Nem que seja para demonstrar o que não está funcionando e a inutilidade de merendas, uniformes e prédios. T E R Ç A - F E I R A , 3 1 JU L H O , 2 0 0 7 - 0 5 : 0 7

Pessoal, Educação, Política Philip Coombs,PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10643


UMA TRILHA DE GARRAFAS E OÁSIS Há poucos textos esotéricos tão belos como o Arcanjo Escarlate de Suhrawardi (link para o texto em espanhol abaixo). Falo, claro, da verdadeira busca, não do misticismo de boutique, que é exatamente o oposto da Senda, através do qual podem ser compradas várias receitas e objetos mágicos sempre acima do preço, não só por serem inócuos, mas porque os resultados que eles podem gerar já estão sempre dentro de nós. O principal relato de Surahwardi é uma lição usual ensinada por tantos mestres – na história da caverna de Platão, na Canção da Pérola dos Gnósticos, só para mencionar duas das mais relevantes mas que ele apresenta de forma muito bela. Um amigo diz ao outro que um dia foi um falcão, capturado na rede da Predestinação pelos caçadores Destino e Decreto e levado para uma terra distante de seu ninho, atado, encarcerado, até esquecer-se de quem realmente era e mesmo ao ponto de acreditar que sempre havia sido aquele pobre prisioneiro. “Me mantinham (os dez carcereiros) tão aturdido que esqueci todo meu passado, meu ninho, meu país distante e tudo quanto havia conhecido ali. Até que cheguei a acreditar que havia sido sempre aquele em que havia me convertido”, diz o amigo relatando sua experiência como falcão. Não vou dizer como termina o relato, recomendo que leiam o texto que recomendo abaixo, porque queria me concentrar apenas nesta situação no qual a nossa verdadeira identidade, aquela que reside em nosso coração, fica perdida. É um momento delicado porque não se lembrar o caminho pode fazer

com que nos aprofundemos pelos atalhos e nos percamos ainda mais nestas florestas negras das nossas ilusões e, até, que acabemos por levar outros por este caminho. Foi pensando nestas coisas e em outras que me veio a imagem de um náufrago perdido em uma ilha deserta, lançando mensagens na garrafa na esperança de ser salvo e então voltar para casa. Mas há também outro tipo de náufrago, aquele que nem se lembra mais de seu lar, já está tão habituado a sua rotina na ilha que teme abandoná-la. Às vezes a solidão o incomoda e então ele também lança mensagens em garrafas, mas sua esperança é que algum navio que a receba também naufrague e assim, como disse num exercício de poesia no qual tentei expor esta imagem “tenha companhia em seu exílio”. Parece absurdo e paradoxal, mas há sim quem resista a libertar-se e voltar a si. Eu mesmo tantas vezes me sinto teimoso nisto, por mais que tantas vezes tenha vislumbrado o prazer do real. Como disse um xeque sábio, nenhum ladrão quer roubar uma casa vazia e assim – ao contrário do que dizem os que prometem fórmulas e amuletos mágicos – quanto mais se avança na trilha com mais furor investem os saqueadores, animados com o tesouro espitirual amealhado ao longo do caminho. Mesmo na bondade e na compaixão, até no amor que é este sentimento que tanto auxilia a jornada, às vezes há armadilhas. Ao menos comigo sinto às vezes que minhas qualidades se tornam servas de meus defeitos, confundo auto-controle com covardia, humildade com subserviência, compaixão com condescendência, amor incondicional com a ausência da necessária autosuficiência. A verdade é que os pontos de equilíbrio não são fáceis, exigem sabedoria tal que só pode vir de Deus, como uma graça, não é algo que se obtém estudando ou pensando e, neste sentido, Pessoa tem


toda a razão ao dizer que pensar é estar doente dos olhos. Como eu disse em outro exercício de poesia, a virtude do oásis é estar cercado pelo deserto, é isto que o torna aprazível e desejável, assim por incrível que possa parecer é preciso as vezes se sentir mesmo sedento no deserto para que eu lembre de orar a Deus e pedir que ele indique o Oásis mais próximo onde posso beber esta água refrescante da sabedoria. Assim vou levando minha caravana de oásis em oásis, esperando sempre um dia conseguir chegar à cidade natal e de novo me descobrir falcão. http://www.verdeislam.com/vi_09/901d .htm

SEXTA-FEIRA, 11 AGOSTO, 2006 - 15:08

Islam, Pessoal, Poesia, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10078


CONTOS DE TERROR Contos de terror são considerados, assim como os romances policiais e de ficção científica, categorias menores da literatura por um postulado cuja principal utilidade é o de ser desmentido pela crítica em alguns casos excepcionais. O cinema deu uma nova vida ao "ramo", mas ao mesmo tempo parece ter lhe roubado a alma, transformando o gênero em mera oportunidade para a exibição de efeitos especiais tão numerosos que lhe tiram o caráter assombroso derivado justamente da surpresa e raridade. Os mestres do conto de terror, seus pais, foram certamente Nathaniel Hawthorne e Edgar Allan Poe, dois americanos do século passado que inventaram a imensa maioria dos artifícios da arte e as ferramentas essenciais do ofício. Praticamente contemporâneos, além de conterrâneos, eles seguem, contudo, linhas diametralmente opostas. O horror de Poe é essencialmente descritivo, reside na força que faz as cenas da "Queda da Casa de Usher" ou as vítimas dos "Crimes da Rua Morgue" ou o terrível "O Gato Preto" pularem do livro para a realidade, impressionando até o leitor mais distraído. Já o terror de Hawthorne é mais conceitual, reflexivo. É o horror provocado não pelas cenas, mas pela atrocidade do enredo em si. Aquele que assombra a "Casa das Setes Torres" não precisa aparecer uma única vez para que todos saibam que ele está lá. O simpático e caricato demônio de "A estrada de Ferro Celestial" - paráfrase bem humorada do "Caminho do Peregrino" de Bunyan - não é menos aterrador ao fim por ser tão simpático. O terror do "O Véu Negro do Pregador" é realmente aterrador, ainda que o sobrenatural não interfira lá uma única vez.

Os conceitos, o enredo - não as cenas - é que tem a função de provocar o terror em Hawthorne e é isto que o torna tão díspare em relação aos autores de terror que o sucedem. Não se admira que as raras adaptações para o cinema de seus livros, como A Letra Escarlate e a Casa das Sete Torres tenham fracassado, pois são histórias para serem lidas, para que se reflita sobre elas. Poe já se insere numa tradição que tanto o precede - com o Fausto e os contos de Hoffman - como que o sucede até os autores atuais, especialmente Stephen King - autor que apesar dos fins essencialmente comerciais não deixa de ainda ter algum conteúdo que a indústria cultural não conseguiu lhe roubar. Curiosamente também as adaptações cinematográficas de Poe são frágeis, as suas imagens vívidas são valiosas quando se dispõe apenas do texto, mas ligeiramente ridículas quando transpostas para a tela. Afinal o seu principal mérito é produzir na mente do leitor as cenas terríveis que descreve, quando a imagem está disponível, já não precisa ser formada nas mentes porque projetada na tela, ela praticamente perde o sentido. Assim o assassino da Rua Morgue nos provoca arrepio no texto, mas nos fazer rir na tela quando vemos aquela fantasia ridícula de orangotango usada por um ator. Não se pode, contudo, menosprezar algo que em Poe também é conceitual, justamente o que falta ao terror contemporâneo. A culpa, por exemplo, é elemento de terror muito presente em sua obra, dando-lhe uma dimensão muito mais psicológica que propriamente de terror. A maior parte dos seus herdeiros não percebeu isto com precisão e se a imensa maioria dos filmes de terror hoje são puras descrições de fatos aterradores narrados mais por efeitos especiais do que por si próprios, é porque os conceitos foram perdidos. O recente "Sexto Sentido" - a despeito de seu caráter meio doutrinário -


esforça-se para superar isto e de certa forma o consegue, mas para manter a atenção e as salas lotadas cedeu à tentação fácil dos efeitos visuais e cênicos rotineiros. Pouco depois outro autor, desta vez no Velho Mundo, iria se associar a estes dois como inspirador de gerações de autores de terror, Kafka. é aterrador tanto pelos conceitos de livros como "O Processo" e "A Metamorfose" como pelas suas descrições sombrias, contudo nele tudo é terror, a escuridão não surpreende porque nela falta o contraste da luz que existe em Hawthorne, ou a surpresa de Poe, lá o terror é esperado, assim não aterroriza. Evidente que esta observação não diminui a importância da obra de Kafka em outros setores, mas do ponto de vista das "tecnologias de aterrorizar" suas construções são pobres, até porque não é este o objetivo delas. De volta ao Novo Mundo é preciso ainda considerar um outro autor, Henry James com o seu "A outra Volta do Parafuso". James parece se encaixar perfeitamente na descrição de Will Durant segundo o qual ele faz literatura como se fizesse filosofia, enquanto seu irmão (o filósofo pragmático William James) faz filosofia como se fizesse literatura. A consequência disto é que enquanto a filosofia de William é teoricamente dirigida ao "homem da rua" a literatura de Henry é um tanto quanto indigesta. Nela parece haver apenas conceitos, quase que enfastiando o leitor. Como Ortega e Gasset, Henry James parece escrever para escritores, não para o grande público, o que talvez explique todo o seu prestígio nos meios literários apesar dos poucos leitores. A lista ainda é grande, mas por aqui já é possível traçar uma morfologia do Conto de Terror que assinale os seus elementos essenciais. O maior deles é certamente a surpresa, o espanto causado por acontecimentos repentinos e inesperados que de um lado se harmonizam perfeitamente com a trama e de outro irrompem nela de forma não previsível. A

previsibilidade, tão cotidiana nas fitas de terror que circulam por aí, tiram qualquer expectativa de assombro. O horror pode ser tanto conceitual como o de Hawthorne, ou descritivo como o de Poe - idealmente mescla os dois - mas não pode ser evidente. O contra-exemplo são as tendências dos filmes comerciais de que todos sabem o que vai acontecer na cena seguinte, menos os personagens, de forma que junto com a surpresa se vai o conceito e só sobra o horror de uma descrição que deve mais aos recursos de computação gráfica do que ao mérito do autor. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:18

Pessoal, Arte, Literatura, O futuro, Cinema, Filosofia e cia, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/11


AINDA SOBRE ALMODÓVAR, MULHERES E HOMENS Fale com ela: Rosário Flores e Pedro Almodóvar durante as filmagens de "Fale com Ela" (2002). www.imdb.com Um dos comentários que fiz no texto anterior, sobre o filme “Volver”, é que ao mesmo tempo em que ele destaca certa diferença de percepção masculina e feminina, o próprio fato dele ser um homem realizando filmes “de sensibilidade feminina” e que tem esmagadora maioria de seu público composto por mulheres é uma negação se não da diferença ao menos de que ela tenha a amplitude toda que faz parecer. Evidente que há algo de estilizado, portanto caricato como disse ontem, mas os aplausos do público feminino, por sua vez, também estabelecem certa contradição com esta ideia do caricato. No filme considerado “masculino” de Almodóvar, “Fale com ela”, é evidente certa inversão de papéis, com uma mulher em um papel de toureiro que mais do que masculino é considerado até certo “símbolo” de virilidade. D.H. Lawrence no primeiro capítulo de “A Serpente Emplumada” é dos poucos que mostra a tourada como uma farsa cruel e covarde. enquanto mostra um homem em um papel de enfermeiro também não só usualmente exercido por mulheres, mas também carregado de certa “simbologia” feminina. O Macaco Nú: Capa do livro de Desmond Morris no qual ele tenta analisar e explicar alguns comportamentos humanos a partir de um ponto de vista estritamente zoológico.

Evidente que há diferenças significativas entre homens e mulheres quanto a diversos aspectos psicológicos. Contudo parece ser claro – e talvez por isto Almodóvar seja capaz de superar boa parte das contradições “caricatas” - que uma grande parte destas diferenças são culturais e sociais mais do determinadas por algum fator natural. Embora comumente mencionados pelo senso comum, os padrões “animais” de comportamento masculino e feminino nos mamíferos não tem nenhuma base científica para o ser humano. Não por alguma questão moral ou religiosa, mas até pelas explicações biológicas e zoológicas sérias – e dentre todas destaco o excelente livro, clássico na década de 70, “O Macaco Nú”, de Desmond Morris – que ao invés de buscar meras analogias convenientes procura comparar e explicar algumas ações segundo regras realmente científicas. Por exemplo, ainda que o senso comum geralmente associe a sexualidade a um comportamento animal, Morris destaca que para nenhum outro animal o sexo tem um papel tão central e relevante quanto tem para o ser humano. Para os animais o sexo é um acontecimento eventual, quase sempre anual salvo para os animais menores, relacionado à necessidade de sobrevivência da espécie. O mesmo motivo, afirma ele, faz com que o sexo tenha este aspecto central na vida humana – dada a necessidade de um forte laço – mas desligado do processo reprodutivo. Paradoxalmente, na contra-mão do que dizem algumas religiões, agir como um animal seria praticar sexo apenas com finalidades reprodutivas, literalmente falando. Chega a ser curioso, na perspectiva ocidental, que uma religião vista como machista e moralista (no sentido estrito que o termo tem para nós) como o Islam tenha sido praticamente a única não só a sacralizar o sexo como também definir direitos muito específicos para as mulheres neste aspecto.


Morris também destaca algumas explicações zoológicas – ainda que seu estudo esteja um pouco desatualizado – para alguns comportamentos que tornam o homem um animal com características diferenciadas. Duas delas são bem relevantes, uma é a diluição das hierarquias e padrões de dominância, necessária à caça e coleta cooperativa necessária aos bandos proto-humanos O que em grande parte vem de certa feminização, inclusive do ponto de vista hormonal e a outra é justamente uma significativa redução das diferenças entre machos e fêmeas. Diga-se de passagem que o orgasmo feminino é um privilégio humano sem similar em outros animais e que esta redução das diferenças vem em grande parte das dosagens de hormônio masculino nas fêmeas. Em parte alguns destes aspectos existem já nos bonobos, primatas mais próximos dos homens com os quais compartilhamos mais de 99,5% dos genes. Ainda que muitos estudos recentes tenham demonstrado que algumas dimensões “utópicas” dos bandos de bonobos construídas por estudos antropológicos tenham sido exageradas. Não há, assim, nenhum embasamento mais sério que justifique as teses, muito difundidas em livros de auto-ajuda e revistas femininas, de alguma diferença fundamental e essencial entre homens e mulheres. A rigor, fisiologicamente falando, um homem apenas com testosterona teria a ejaculação precoce que caracteriza todos os demais machos mamíferos e uma mulher sem nenhuma dosagem de testosterona seria frígida como as demais fêmeas mamíferas. A separação dos dois mundos ocorreu ou muito antigamente – quando se imagina as divisões primitivas do trabalho e das esferas pública e privada – ou muito recentemente, quando se leva em conta a perda de relevância da família como estrutura social. Cresce a cada ano, por exemplo, a proporção de mulheres que são chefes de família. As diferenças vão crescendo – sob o

estímulo do mercado, por sinal, para o qual quanto mais nichos e segmentos houver mais probabilidade de agregar valores haverá – estimuladas por certa necessidade de afirmação e pela imposição de valores grupais. Quase arrisco-me a dizer que há uma perenização do comportamento de uma determinada fase infantil na qual meninos e meninas vivem em mundos hostis. E como a infantilização dos adolescentes vem avançando até as primeiras fases da vida adulta, por sinal, como já previa Huxley em "Admirável Mundo Novo" que é uma sociedade de adultos em eterna adolescência. É neste contexto que os filmes de Almodóvar fazem uma curiosa reflexão sobre papéis e naturezas, às vezes confirmando-os, às vezes negando-os, muitas vezes brincando com o fato comumente ignorado pelas políticas sexistas de um lado ou outro de que também os homens estão sujeitos a um papel social, mas em todo caso sempre fazendo refletir sobre isto, mesmo que em certo sentido realmente “histérico” no sentido original do termo, ou seja, uterino, visto que ele se move em um mundo ao mesmo tempo essencialmente feminino mas também quase misógino, no qual as mulheres estão sempre a beira de um ataque de nervos. TERÇA-FEIRA, 5 DEZEMBRO, 2006 - 15:45

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Cinema, Política, Religião Desmond Morris, Aldus HuxleyDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10175


tem efeito como é justamente por conta disto que eles se tornam czares.

UMA UTOPIA IMBECIL Bom, dia de jogo do Brasil então ninguém deve mesmo ler este post hoje, mas quem sabe um outro dia o post será lido, então escrevo por conta do exercício Não me agradam as Utopias, salvo como exercícios abstratos, porque elas são sobretudo a noção de que a vontade de um deve se sobrepor a de todos os demais e sacrificar todo o resto à manutenção de uma estabilidade impossível. Prefiro as distopias, que mostram como estes projetos sempre tendem a se tornar terríveis. Para não ser injusto com Platão, Morus, Campanella e outros teria de dizer que nem sempre eles tem culpa das leituras que fizeram de suas obras, mas daí a discussão seria longa demais. Quem sabe fica pra outro dia. Perdoem-me, então, aqueles que compreendem os outros sentidos destas utopias. Uma única utopia me agradou muito, a despeito de toda a simplicidade, quase rudeza, de propor coisas, como a supressão do trabalho intelectual, que na boca de qualquer outro soaria como uma coisa absurda, mas que no contexto da história faz sentido. Refiro-me à História de Ivan, o Imbecil, de Tolstói, que já citei a semana passada. Não vou entrar nos detalhes da história, porque é um conto curto e espero que posam ler. Procurei pra ver se encontrava um link com a história em português mas infelizmente não encontrei. Só para situar o leitor no raciocínio, três irmãos tornam-se czares, um comerciante, um soldado e um imbecil. O Diabo, irritado com a harmonia que reina entre eles, sobretudo por causa do imbecil, primeiro tenta desuni-los confiando a missão a três diabos jovens, não só isto não

Assumindo a tarefa ele próprio, consegue fazer com que os dois irmãos percam seus reinos. Mas quando chega ao reino de Ivan, que já havia deixado o palácio, abandonado as insígnias do cargo e retomado seu trabalho como camponês, fazendo com que todas as pessoas sensatas abandonassem o país, ficando nele apenas os imbecis. Talvez por isto a nação prosperasse, não com ouro, mas com vastos suprimentos de comida e trabalho para todos, cada um cuidando de sua vida e lá ninguém passava fome desde que trabalhasse ou pedisse um prato de comida pelo amor de Deus. A simplicidade do raciocínio dos imbecis deixa transtornada a lógica sutil do Diabo, que vê cada um de seus planos para destruir o reino de Ivan ir por água abaixo a cada discussão com algum de seus cidadãos. Quando um exército estrangeiro invade, por instigação do Diabo, o reino Ivan e todos os imbecis dizem aos soldados que se eles estão passando dificuldades em sua terra que venham viver na fartura com eles em suas terras ou levem aquilo que precisarem. Com o tempo nem sob ameaça de corte marcial e execução os soldados conseguem mais continuar a destruição e pedem para ser levados dali, não sem que antes muitos deles desertem e fiquem vivendo com os imbecis. Quando tenta utilizar o dinheiro para destruir o reino também as especulações do Diabo são mal sucedidas, porque tirando as crianças que acham que o ouro brilhante é um excelente brinquedo – cena similar á Utopia de Morus – ninguém se interessa por ele. Confrontado pelo dilema impossível de trabalhar ou pedir pelo amor de Deus para ganhar um prato de comida o Diabo morre de fome na terra dos imbecis. A grande diferença entre esta Utopia de Tolstoi e outras tantas que há é que o mestre russo concentrou-se na mudança do homem, através de Deus, ao invés de apostar como tantos outros em alguma


legislação mágica, instituições maravilhosas, salvaguardas infalíveis. Os cidadãos são imbecis porque são uma tábula rasa, livre de qualquer conceito ou preconceito, onde a vontade de Deus pode ser escrita, tal como um dos títulos do profeta do Islam é o de “profeta dos iletrados”. Certamente haverá quem diga que esta utopia de Tolstoi é mais difícil de ser realizada que qualquer uma das outras, afirmação que deve realmente ser verdadeira. Mas diria também que é a única realmente possível e capaz de funcionar. Quase horário do jogo, sozinho aqui escrevendo um post que nem sei se será lido (hoje com certeza não será), estou me sentindo um imbecil, graças a Deus.

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Islam, Pessoal, O futuro, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10033


ARQUITETURA ISLÂMICA TENTA CONSTRUIR VISÕES DO PARAÍSO A celebrada arquitetura islâmica tenta mostrar a magnificência de um Deus onipresente e invisível através de uma "sinfonia de pedra" - harmônica, matemática, racional, musical - que tenta simbolizar esta transcendência. Esta é a opinião do filósofo e historiador da arte Roger Garaudy, ele próprio convertido ao Islam depois de ter sido dirigente do Centro de Formação Política do Partido Comunista francês, com o qual rompeu no Maio de 68. O desafio de expressar este "Deus onipresente e invisível", para ele, foi encontrado num forte simbolismo cuja expressão típica é a mesquita, edifício destinado às orações, verdadeira porta entre a realidade sensível e a realidade transcendente. Para Garaudy três elementos sintetizam este simbolismo: a ordem geométrica e harmônica, o uso da luz e a caligrafia que ornamenta os detalhes. As curvas que se perseguem ao infinito e se entrelaçam formando hexágonos e outras figuras geométricas numa repetição criativa. Os suaves mas marcantes contornos delineados a gesso copiando formas vegetais e minerais. Os arcos harmoniosos e semi-cruzados compondo uma sinfonia de pedra. Para Garaudy é necessário recorrer à música como metáfora para tentar descrever a harmonia matemática da mesquita.

LUZ Para ele a luz - segundo símbolo - é tão evidente que nem sempre é percebido. A luz, destaca ele, é referenciada incontáveis

vezes como metáfora da Divindade, da Revelação e portanto é evidente o papel da iluminação no conjunto da Mesquita, reforçado por mil artifícios técnicos buscado pelos arquitetos muçulmanos. O terceiro símbolo é a caligrafia, os desenhos suaves que formam imagens e que marcam todos os pontos principais da mesquita e encontram sua expressão mais significativa no "mihrab", oratório na parede ao fundo da mesquita que marca a "qibla" direção de Meca para onde todo muçulmano se volta quando faz as suas orações, verdadeiro símbolo da unidade de toda a Ummah - a comunidade dos muçulmanos. Outro símbolo importante é a água, presença marcante das construções islâmicas. Na mesquita, água com seu simbolismo de "purificadora" serve para marcar a passagem do profano ao sagrado, do mundo real para o transcendente. No Sahn - pátio aberto que antecede o Haram (sala destinada às orações) - há sempre um sabil, fonte de água corrente na qual os fiéis fazem as suas abluções rituais - o wudhu lavando mãos, antebraços, roto e pés, purificando-se para a oração.

PALAVRA DIVINA A área externa a mesquita é marcada pelo minarete, torre da qual o muezin faz cinco vezes ao dia o adhan - chamado para a oração - avisando a vizinhança que chegou a hora de rezar. Para o historiador de arte há um outro simbolismo nem tão evidente no conjunto, o de um jardim, com as suas flores na decoração, suas árvores estilizadas em colunas, seu córrego metamorfoseado na fonte. Um jardim iluminado pelo sol e no qual uma suave melodia de fundo - a música da palavra divina, ressoa através do aliterado canto do muezin, na salmodiação do Iman ao recitar o Alcorão, na caligrafia que ilumina as paredes e sobretudo naquela ordem matemática e harmônica do conjunto. É o Jardim do Paraíso.


ESTILO SINTETIZOU INFLUÊNCIAS CULTURAIS DIVERSAS A base da arquitetura islâmica vem da herança mediterrânea praticada por gregos e romanos mesclada à influência do Império Sassânida na Pérsia e, posteriormente da renovação trazida por invasores turcos e mongóis que trouxeram influências novas mais do Oriente. Contudo não há como negar que não houve apenas uma amálgama de estilos anteriores, mas uma verdadeira síntese baseada numa nova visão de mundo. A arte muçulmana é extremamente conceitual, repleta de significados inseridos nos detalhes, de símbolos flagrantes, mas sutis. Talvez por isto mesmo jamais foi uma obra de autor, mas um concerto de milhares de artesãos anônimos que tentavam louvar a seu Deus e não a si mesmos. Assim no céu da arquitetura mais cintilante não brilha a estrela de nenhum arquiteto, mas o esplendor de uma fé.

UNIDADE NA DIVERSIDADE Do estilo básico da arquitetura islâmica surgiram cinco estilos diferenciados em suas ênfases, materiais e recursos. Na península arábica, Síria e Egito predominou um estilo mais fiel à tradição mediterrânea. No Maghreb (Norte da África) e na Espanha Muçulmana desenvolveu-se uma forte variante regional mais grandiloquente que a anterior, ainda que sua tributária. Esta variante, em geral chamada de estilo mourisco buscou um refinamento das formas originais, mas procurou seus próprios caminhos uma vez que estava mais livre das influências orientais. Na Pérsia a influência Sassânida com as suas fachadas monumentais foi bastante forte e desenvolveu-se um estilo visual mais elaborado e rico em detalhes que na região mediterrânea. Na Índia os imperadores Mughal criaram um estilo eclético no qual se nota a forte influência tanto dos estilos hindus e budistas como de outras culturas circundantes, configurando um estilo cuja marca principal é o ecletismo.

Por fim a arquitetura Otomana, de surgimento mais tardio incorpora a herança bizantina de Constantinopla alimentada pela grandiosidade de um Estado forte, portanto generoso, e pela busca de uma excessiva sobriedade.

INTERFERÊNCIAS MÚTUAS Contudo esta classificação não é definitiva porque os estilos se influenciam mutuamente, em grande parte devido à mobilidade dos artesãos e constantes mudanças políticas. Os artífices da corte de um soberano que perdia poder ou era derrubado em geral se mudavam para outra corte mais afortunada. Governantes em ascendência buscavam prestígio e legitimidade contratando artesãos habilidosos para embelezar sua capital. Além disso a unidade da língua - mesmo nas regiões onde o árabe não era a primeira língua, era falado pela elite - as estradas relativamente seguras e a ampla circulação de mercadorias permitia o fluxo de ideias e pessoas.

SAIBA MAIS SOBRE O ASSUNTO L'Islam habite notre avenir (o Islam habita nosso futuro) Livros em português: O melhor da arte islâmica, Teresa Peres Higuera, G&Z Edições, Lisboa - livro de leitura rápida, com boas ilustrações e texto acessível e explicativo. Coleção História Geral da Arte, Volume Arquitetura II - Ediciones Del Prado Enciclopédia vendida recentemente em bancas a preço acessível traz boas ilustrações e bom texto. Coleção Grandes Impérios e Civilizações, Volume O Mundo islamita, esplendor de uma fé, Ediciones Del Prado - também vendida em bancas, aborda o desenvolvimento histórico e as manifestações culturais e espirituais do mundo islâmico, boas ilustrações e mapas, texto com forte sotaque português de Portugal.


Uma História dos Povos árabes, Albert Hourani, Companhia das Letras - Ótimo texto sobre as bases sociológicas das opções estéticas da arquitetura islâmica e outras manifestações culturais, pelo escopo do trabalho não inclui a Índia Mughal - ótimo texto mas peca pela falta de ilustrações que seriam essenciais. Prolegômenos, Ibn Khaldun, Sociedade Brasileira de Filosofia - raríssima tradução do clássico Muqqadimah de Khaldun que está a pedir uma reedição. A tradução é péssima, apesar de toda a boa vontade dos tradutores, sem ilustrações. Na Internet IslamicArt - http://www.islamicart.com/ excelente site bastante completo e técnico, muitas ilustrações, inclusive diversas reaproveitadas aqui. Passeio por Ispahan http://isfahan.anglia.ac.uk:8200/ - site excelente no qual você pode conhecer Ispahan, Irã, reconhecido como patrimônio da humanidade pela Unesco. Site interativo no qual você mesmo define o seu roteiro. Inclui explicações detalhadas sobre arquitetura e história do Islam, do Irã e da arquitetura Islâmica numa interface muito simpática. Muslims Students Association http://wings.buffalo.edu/sa/muslim/umma/ lang.html - O site da Associação dos Estudantes Muçulmanos dos Estados Unidos oferece diversos links relacionados a cultura islâmica em um site simples e sem muitos recursos, mas atualizado regularmente. O Minarete www.geocities.com/Athens/Agora/3836/ - a próxima edição desta revista eletrônica trará esta reportagem com informações complementares e fotos coloridas. (em português) www.islam.com.br - traz fotos de algumas mesquitas brasileiras. (em português) Yahoo - www.yahoo.com - oferece muitas referências sobre arquitetura islâmica, infelizmente a maior parte dos links já não existem mais. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:08

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião Roger Garaudy,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/5


O VOTO É SAGRADO A escola onde voto em São Paulo – a FAI, na Avenida Nazaré no bairro do Ipiranga – já foi um seminário e conserva algo da atmosfera de mosteiro com os arcos ao estilo mourisco nos corredores ladeando o jardim, além dos diversos ciprestes. Em outras palavras estão presentes elementos considerados sagrados por três distintas culturas – cristã, islâmica e celta. Fica fácil, assim, lembrar-me que o voto é sagrado cada vez que compareço às urnas, em um ambiente que mesmo já bastante alterado ainda faz lembrar um espaço de meditação e elevada reflexão Curiosamente a bela arquitetura do prédio não deve ser considerada relevante para os atuais ocupantes que em seu site não tem sequer uma boa foto do estabelecimento. Para conseguir a foto que ilustra este post precisei procurar algum fotógrafo generoso que tivesse disponibilizado a foto na Internet. Deve ser diferente votar em uma destas escolas modernas, todas feitas para serem muito parecidas, retangulares, retas, desprovidas de praticamente todos os adereços. É de se imaginar que nestes locais também o voto deva ser um processo meio industrial, automatizado, rápido tal como o ambiente. Já no meu local de votação, pelo contrário, é quase impossível não fazer uma reflexão mais profunda, desde a primeira vez que fui votar lá já senti esta sensação de grave respeito enquanto percorria os corredores procurando a seção na qual voto. Quando falo de sagrado é claro que não me refiro a nenhuma forma destas misturas de religião e política que correm por aí se desmoralizando mutuamente pela profanação daquilo que devia ser santo para ambas que é a consciência do eleitor. Falo de sagrado no sentido de que decidir quem deve liderar o grupo a partir do livre arbítrio de um lado e do uso da razão do outro é uma das mais elevadas ações humanas.

Traços rudimentares da política já existem no reino animal, em especial ente nossos parentes mais próximos – chimpanzés e bonobos – entre os quais nem sempre a decisão é pelo critério exclusivo da força bruta, o que demonstra que estes animais estão acima, na escala evolutiva, dos eleitores humanos que votam em um candidato porque ele está na frente nas pesquisas. Há uma racionalidade implícita em todo voto, algo que antecede mesmo a inteligência humana como disse acima. Mas o tipo de racionalidade que torna o voto sagrado é outro. Se todo tipo de autoridade legítima é em certo sentido uma unção divina – seja lá o tipo de divindade que se adote – a escolha do eleitor consciente deve ser capaz de enxergar para além de si mesmo, refletir sobre o destino que deseja para a comunidade da qual faz parte, buscando nas opções existentes as melhores qualidades. A primeira violação a esta sacralidade é a gerada pelas intromissões da força – seja a força bruta seja a que emana do vil metal. Acovardar-se em uma decisão importante ou transformar uma escolha que deveria ser motivada pelo interesse coletivo em uma fonte de vantagem individual são verdadeiras blasfêmias. Em um patamar quase tão baixo como as anteriores, mas difícil de fugir nesta era das massas, está a escolha determinada a partir dos engôdos da antipolítica que é o “marketing eleitoral”. Toda a parafernália criada para transformar a decisão nobre e racional em um impulso emocional de multidão subverte a própria essência da política e serve a uma diminuição, amesquinhamento mesmo, do homem transformado em gado a ser conduzido às urnas como se fosse a um matadouro. Poucas coisas conectam tanto o homem ao sagrado quanto a esperança – talvez por isto mesmo ela é a dúbia virtude que fica presa à aba da caixa de Pandora. Talvez muito desta “dessacralização” do voto venha da falta generalizada de esperança que reina. Ainda assim há a escolha de nos deixarmos levar pelas profanações ou nos portarmos como


seres humanos de fato e transformarmos o momento de voto numa reflexão profunda e não em impulso. SEXTA-FEIRA, 24 OUTU BRO, 2008 - 18:16

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10737


PARADOXOS DA DOUTA IGNORÂNCIA Criticar o catolicismo tornou-se prática tão comum nos dias de hoje, por todos aqueles que olham para os fatos históricos cometidos pelos homens em nome desta fé – o que ocorre com todas as religiões – que muitas vezes grandes pensadores católicos ficam perdidos e esquecidos. Isto sem dúvida é uma pena, porque recuperar vários deles demonstraria a enorme unidade que há em todas as tradições religiosas, ao menos para mim quando vejo esta identidade das idéias mais profundas e centrais só sinto reafirmar a minha fé nesta unidade fundamental e a crença de que toda diferença aparente é má tradução, entendimento superficial ou mero apego a preconceitos. Alguém pode objetar que diversos destes grandes pensadores acabaram sendo contestados, até humilhados e condenados, em particular pela Inquisição. Não nego, mas apenas destaco mais uma vez o risco de toda institucionalização, que torna as pessoas mais surdas a ouvir aquilo que lhes desagrada – e por alguma secreta lei dos grupos é ao comum que os mais medíocres sejam os mais dedicados á institucionalização, portanto mais avessos a qualquer talento. Dos vários nomes que poderia citar dedicome hoje a escrever sobre Nicolau de Cusa e sua tese – tão próxima do Vedanta Advaíta, dos mestres zen, de variadas ordens sufis – da “Douta Ignorância”. Engraçado, para começo de conversa, que Nicolau me pareça claro e transparente em sua exposição de uma idéia tão complexa, enquanto a imensa maioria de seus comentadores me parecem obscuros porque enchem de explicações metafísicas e lógicas o conceito justamente da incapacidade de compreender. Se precisasse resumir em uma frase a idéia

de Nicolau de Cusa (claro com todas as inevitáveis fragilidades de tal redução) diria que o centro da “douta ignorância” é o reconhecimento de que a natureza da divindade não pode ser conhecida. Pensando em como todas as diferenças religiosas se dão justamente pro tentar compreender e delimitar o “divino” dentro de limites do conhecimento humano- tarefa fatalmente condenada ao fracasso – já se imagina o grande potencial para a superação das diferenças religiosas que existia nele (como também no Mestre Eckhart que o antecede, outro grande pensador católico precisando ser recuperado). Uma das questões de “método” de Nicolau de Cusa diz respeito justamente àquela maravilhosa figura do pensamento que é o paradoxo. Não é estranho que mestres vindos de caminhos tão distintos utilizem tanto os paradoxos – dos mitos gregos aos poemas zen, passando, claro, pelas histórias do mullah Nasrudin – afinal o paradoxo requer uma reflexão mais elevada, a superação do conhecimento discursivo, só pode ser resolvido deixando-se de lado as regras da lógica. Cada paradoxo me parece sempre como uma escada a um plano mais elevado do pensamento, não sujeito a estas limitações de nossa compreensão limitada. Nicolau de Cusa vê Deus justamente como a superação das dualidades, vistas como ilusões provocadas exatamente pela nossa incapacidade de enxergar mais profundamente. Como tantos pensadores tradicionais, Nicolau de Cusa enxerga que apesar de Deus não poder ser compreendido pela razão humana, marcada pelas dualidades e pelas limitaçõe, ainda assim a finalidade fundamental e essencial do homem é justamente conhecer a Deus, o que é possível olhando-se não para fora ou para cima, mas para dentro de si, visto que o homem é a imagem contraída da divindade, em uma escala ainda maior do que o é também toda a natureza. O processo então para chegar-se a esta compreensão é a via da “douta ignorância”, aquela que se dá conta da impotência do saber racional e, que pro efeito desta libertação dos conceitos, busca imaginar a divindade não como algo que seja –


portanto limitado a uma compreensão ou comparação com as categorias existentes – mas pelo processo da “teologia negativa” constituída justamente no despir das qualidades, formas, limites, até ser capaz de compreender justamente o vazio e a negação. Ao mesmo tempo o pensador tem enorme preocupação em justificar sua posição dentro de uma visão ortodoxa da sua fé, só com muito esforço seus inimigos e detratores conseguem levar adiante as acusações de heresia contra ele, anos depois, pro sinal deixadas de lado. Se tem aqui outro paradoxo – a nos fazer ao menos desconfiar de todo pensamento heterodoxo repleto de “novidades” - que é o de concepções tão próximas em religiões distintas ao mesmo tempo esforcem-se por justificar-se e explicar-se dentro dos limites ortodoxos, a ponto até de em muitos casos terem sido estes pensadores que revitalizaram e deram novo impulso a estas tradições. Nicolau de Cusa não conseguiu ter a mesma influência sobre o catolicismo que teve por exemplo, Shankara, para o hinduísmo, Al-Ghazalli para o islam sunita, mas nos pontos de contato não se poderia destacar o paradoxo de que os três eram ortodoxos em suas fés.

QUINTA-FEIRA, 9 NOVE MBRO, 2006 13:48

Islam, Pessoal, Poesia, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10160


VOLVER Volver: Carmem Maura e Penélope Cruz , "Volver". www.imdb.com Meus filmes preferidos de Almodóvar são “A Flor de Meu Segredo” e “Fale com ela”, mas sem dúvida o último filme, “Volver”, é bem impressionante. A temática principal do filme, para mim, pareceu ser a cumplicidade feminina, e neste sentido “faz par” com a cumplicidade masculina de “Fale com Ela” os cartazes dos três filmes, retirados do site de cinema www.imdb.com, estão disponíveis nos links para download abaixo. Claro que é uma teoria muito particular e qualquer explicação sobre a criação tende a ser reducionista e frágil. Contudo é preciso notar que Almodóvar sempre parece ter uma linha ao longo da qual cria os filmes. Sempre destaco que praticamente todos os filmes até “Tudo sobre minha mãe” já estavam em esboço em um filme dele de 83, “Maus Hábitos” - “Entre tenieblas” no título original -, o que reforça a ideia de uma continuidade e até complementaridade entre os diversos projetos, até porque parece haver certa unidade estética entre os filmes desta fase com as cores berrantes e os bolerões que alteram-se nos filmes seguintes. “Volver” é quase todo em três cores, branco, negro e vermelho, todas as demais sendo quase incidentais, ao contrário das “cores de Almodóvar” dos filmes mais antigos ou dos tons pastéis - em particular a cor tipicamente masculina -, o próprio predomínio do vermelho em "Volver" e do violeta em "Fale com Ela", inclusive no cartaz, fala sobre esta complementaridade. A despeito de certa representação estilizada, portanto sempre tendendo a certa caricatura, não deixa de ser curioso que em “Fale com ela” o centro sejam dois personagens masculinos, mas o foco sejam as mulheres, enquanto em “Volver” os homens são quase ausentes, sendo apenas

elementos perturbadores. O fato de ser um homem a escrever e dirigir filmes que tem uma esmagadora plateia feminina e que fala sobre as mulheres e os sentimentos femininos é, por si só, uma certa contraprova da tese central do diretor que há uma sensibilidade feminina diferenciada da masculina. Às vezes até acho que no fundo há uma certa misoginia em Almodóvar, quem sabe até uma “inveja do útero” como diria alguma escola de psicanálise heterodoxa. Uma das referências que piscaram na minha mente quando assisti o filme foi um trecho de Mircea Eliade no qual ele compara a visão religiosa da morte nas sociedades primitivas baseadas na caça – de natureza masculina – e a visão das sociedades agrícolas – de natureza feminina. A despeito de certos discursos sexistas, as sociedades humanas evoluíram do patriarcado das sociedades de caça – que deram o caráter coletivo e público às sociedades masculinas e a perspectiva individual e privada das mulheres para as sociedades matriarcais baseadas na agricultura. A caça, por lidar com recursos que a experiência logo mostrou serem escassos, via a morte como um acontecimento trágico. Até hoje as sociedades de caçadores – que tem como concepção de mundo a visão xamânica muito similar atestando sua antigüidade e embasando as teorias de que também nossos ancestrais pré-humanos praticavam crenças semelhantes – demonstram um respeito pela presa e invocam a necessidade de pedir perdão a ela e permissão a algum ser superior para o abate (assim como de alguma forma preveem a existência de algum tipo de “senhor ou senhora das feras” que pune os abusos, arquétipo tanto de Diana grega como do Curupira brasileiro). Já a descoberta da Agricultura deu ao ser humano a perspectiva de recursos renováveis e uma cosmovisão da morte relativizada. Eliade chega a insinuar que os sistemas simbólicos que falam de juízo final


são masculinos e pastoris (o pastoreio sendo a versão atualizada da caça) e os centrados na transmigração sejam agrícolas. Eliade também destaca que os rituais cruéis, sacrifícios e holocaustos inclusive humanos, surgem nas sociedades femininas. A hipótese é tentadora, ainda que historicamente tenha muitas exceções para se confirmar, a maior delas na Índia dominada pelos indo-europeus. Mas a despeito de todas as reflexões sobre a morte, em particular pela belíssima cena inicial do filme em um cemitério, o filme não me pareceu ser sobre ela, mas sobre a estruturação de uma sociedade cada vez mais feminina em um mundo no qual os homens estão mais ausentes (e neste sentido “Volver” tem um certo laço com “Tudo sobre minha Mãe”). A própria cena inicial pareceu-me ter exatamente este caráter, assim como o fato dos personagens masculinos serem praticamente figurantes, mesmo quando geram algumas das chaves do filme. Não tenho conhecimento para avaliar o filme do ponto de vista técnico, mas arriscome a observar que o bom desempenho da usualmente medíocre Penélope Cruz ajudou-me a resolver uma dúvida – se Almodóvar tem um talento especial para escolher bons atores e atrizes ou se é a sua direção que faz com eles rendam todo o seu potencial. Fiquei também curioso em encontrar uma explicação para a substituição dos bolerões – menos presentes desde “Fale com Ela” - pelo Flamenco, em particular pelo flamenco mais “morisco” no qual os vocaleios são mais importantes, igualmente trágico, mas enérgico ao invés de lamuriento. Certamente Cruz não é Estrella Morente, mas o desempenho quase de improviso é aceitável. Estrella Morente cantando a música flamenca do filme, link youtube http://www.youtube.com/watch?v=ezAUF0 rq46c , Visualização Flash neste site

SEGUNDA-FEIRA, 4 DEZEMBRO, 2006 13:28

Pessoal, Poesia, Arte, Cinema DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10168


A SOBREVIVÊNCIA DE UMA METÁFORA Não entendo quase nada de cinema, como em todas as artes fora a literatura – da qual reconheço que de tanto ler os autores e jamais ler a imensa maioria dos críticos acabei aprendendo um pouco – só posso opinar como espectador, como público vulgar. Por isto sempre me agradam mais as grandes sacadas estéticas, as tiradas filosóficas, as entrelinhas dos filmes comerciais do que os chamados filmes de arte, ainda mais aqueles para os quais é preciso ter doutorado em cinema para compreender. Tiro do baú um exemplo que muitos considerariam grotesco, bateriam na madeira e excomungariam com a atitude da bisneta de Tia Nastácia, PHD em cinema. Uma comédia mais do despretensiosa, comercial, pop, Mudança de Hábito (Sister Act, 1992). No filme, se é que alguém não assistiu, tanto que passou pela TV, Whoopi Goldberg, representa uma cantora de cabaré que após testemunhar um assassinato é escondida em um convento de freiras e acaba por revolucionar o coral da igreja. A sacada absolutamente genial é a adaptação que ela faz das canções de cabaré em música sacra, colocando Deus no lugar do galã da música. Considero genial a transformação porque na verdade a maior parte da poesia lírica vem justamente da utilização do amor entre homem e mulher como metáfora do amor divino, nascido da poesia música de diversas culturas, mas principalmente da islâmica, e vice versa, da utilização das imagens religiosas consagradas deste amor para expressar um sentimento mais carnal. Dos autores mais modernos acho que o último grande nome que faz isto é Rilke, ele próprio

inspirando-se em grande parte na poesia islâmica, em especial Rumi. Assim o impacto da transformação de música quente de cabarés em música sacra não deixa de ser uma recolocação da questão em sua fonte. Nem sei se o diretor ou os roteristas sabiam disto quando bolaram, mas este conhecimento é quase irrelevante, até porque não é preciso saber disto para apreciar a cena, ainda que acrescente mais prazer, quase deleite estético ver esta brincadeira. Quando tantos ritmos modernos surgiram da música sacra, em especial dos negros americanos do sul dos EUA – provável referência mais próxima dos roteiristas – só se pode concluir que estas duas imagens do amor são intercambiáveis, mesmo numa cultura tão secularizada e individualista como a nossa, a ponto de um filme feito “para as massas” com este jogo possa ser compreendido e apreciado. Esta constatação, para mim ao menos, é muito mais relevante do que conhecer as referências históricas de quem fez o roteiro. Mas todas as sutilezas teológicas não param por aí. Justamente por ter como base as canções de cabaré a freira-corista destaca exatamente o amor passional, incondicional, prazeroso, tal como na poesia, por exemplo, de Saadi ou Shams al-Tabrizi, não as imagens edulcoradas do amor fácil, belo e frio que tantos tentam chamar de amor a Deus. Não o amor a si próprio, mas o amor ao outro, no qual não há espaço para estas tantas imagens modernas de aflições provocadas ao próprio ego, ao sujeito deste amor e não ao objeto. Mesmo fora do campo da poesia, nunca é demais lembrar que o sheikh al-akbar – o maior dos sheikhs – ibn 'Arabi – descreveu sua teofania nas Revelações de Mecca através das imagens de seu amor pela bela Nizam, filha de seu mestre. Por sinal, A Interpretação dos Desejos, uma das partes deste livro consiste de poemas especialmente dedicados a Nizam. Curioso que há tempos penso escrever sobre o assunto, acho até que desde a primeira vez que assisti ao filme e até já ensaiei alguns artigos sobre o tema mas sem mencionar o filme. Curioso que comece de


coisa tão prosaica com um filme já velho, destes que passam na sessão da tarde, para chegar a um dos maiores pensadores muçulmanos. Nada curioso que só agora finalmente tenha conseguido realmente escrever um texto começado tantas vezes, porque ao invés de apenas conhecer o tema, desta nossa forma livresca – como faria o djinn – agora falo de coisas que sei e posso compreender melhor este aspecto completo destas experiências.

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Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Cinema, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10055


A PENA E A BOMBA Como disse outro dia, estou relendo "O Crisântemo e a Espada" - estudo sobre a cultura japonesa realizado pela antropóloga americana Ruth Benedict durante a segunda guerra mundial. Já na universidade sempre achava os livros de antropologia muito mais interessantes que os de Política ou Sociologia, ainda que em geral discordasse de muitos aspectos deles, o interessante livro da antropóloga não foge desta regra. Um dos muitos aspectos relevantes do livro é que não é um estudo desinteressado, mas um levantamento cuidado feito a peio e com o patrocínio do Ministério da Guerra americano com o intuito de auxiliar na formulação da política americana em relação ao Japão durante e após a guerra. Algumas das perguntas que o estudo precisava responder eram quais seriam as melhores formas de redigir a propaganda atrás o front e avaliar quais seriam as dificuldades da invasão e capitulação. Não ficaria surpreso se o estudo não estivesse entre os argumentos que embasaram e "justificaram" o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki lamentável acontecimento que faz aniversário nos próximos dias. Parto desta aparente contradição para destacar o que considero um dos aspectos mais simplificadores do estudo de Benedict: a oposição entre o crisântemo - a apurada e delicada preocupação estética japonesa - e a espada - a índole guerreira de seu povo. Também se poderia falar da pena e a bomba para descrever esta cooperação patriótica que coloca o estudo científico a serviço dos interesses militares sem ver qualquer tipo de conflito. É preciso lembrar - saindo do universo etnocêntrico americano - que a associação entre artes, em particular a poesia, e a guerra não é algo inusitado como ela defende nos pressupostos do estudo. Pelo

contrário ao longo da história é praticamente o padrão que um mesmo segmento social se dedique às duas tarefas, muitas vezes de forma simultânea. Quase me sinto tentado a dizer que o ocidente a partir da Idade Moderna é que é a exceção à regra, hipótese que teria inclusive a explicação de que isto se deve à "desaristrocratização" da guerra, popularizada pela conscrição e pela adoção da pólvora que passou a recrutar a população - e em geral segmentos marginais da população - ao invés de algum tipo de estrato guerreiro. Nas sociedades hindus, por exemplo, tanto poetas como guerreiros pertencem à casta xátria e as características dos dois papéis são consideradas inseparáveis, como o emocionalismo, a coragem, o preparo, a inspiração. No mundo budista, da mesma forma, há uma associação entre o preparo para a luta e a inspiração artística. Estadistas, generais, filósofos e poetas confundem-se em diversas culturas tradicionais como a islâmica, a grecoromana em seus momentos clássicos, a renascença italiana, na cultura provençal. Como quase sempre somos melhores em enxergar o outro que a nós mesmos, não é estranho que ela não enxergue a conexão entre a ciência e a guerra que, de certa forma, marca a cultura ocidental. Ligação esta que não existe somente em termos de tecnologia - na qual as relações promíscuas entre ciência e guerra são evidentes - mas também em relação às humanidades. O papel da antropóloga no caso em questão é uma sofisticação do papel de auxiliar do colonialista que cientistas de humanidades desempenharam - em particular mas não só no século XIX. Papel não só de justificar a colonização, mas de estudar as melhores formas de implementá-la, avaliar as ferramentas a serem utilizadas, estabelecer estratégias de dominação e controle e, por fim, treinar "elites" nativas ocidentalizadas para garantir que com a substituição as metrópoles tudo continuaria funcionando de forma integrada ao sistema econômico. Muito de toa a rejeição ao ocidente que percorre o mundo - em particular o mundo


islâmico - deriva destas estratégias coloniais e o fracasso destas "elites substitutas" ocidentalizantes - ainda que quando providas de um discurso de esquerda ou revolucionário, como Saddam Hussein. Outra importante posição que Benedict vê e que é uma das teses centrais do estudo, a "explicação" das diferenças entre as duas nações - Estados Unidos e Japão - segundo ela é a oposição entre a visão orientada à igualdade como valor fundamental nos EUA e a estrutura fortemente hierarquizada do Japão. Assim colocada parece ser muito simpática a visão dela, fundamentada em grande parte na imagem que Tocqueville teve da América, mas ignorando as advertências que o diplomata francês fazia sobre as consequências desta determinada visão de igualdade. Penso que pouca coisa do estudo sobrevive a um confronto com a realidade moderna. Na medida em que o amor pela igualdade transforma-se, como aliás previu Tocqueville, numa imensa fraqueza e insulamento dos cidadãos que os tornam frágeis frente ao Estado e às grandes corporações e a aversão a qualquer hierarquia transforma-se em dissolução da autoridade, horror ao mérito e elemento desagregador quando verifica-se que há algo de errado no modelo. É preciso pensar, então, em qual medida este ideal de igualdade não é um discurso servindo a outro interesse mais do que uma realidade. Há, aqui, uma conexão fundamental com a dissociação entre o crisântemo e a espada que a autora faz. Para ela o soldado é algum tipo grosseiro que vive em uma trincheira, portanto há uma enorme distância entre este elemento desagradável mas necessário e o guerreiro japonês, capaz de terrível crueldade mas também preocupado com a poesia e outras expressões estéticas. Ao mesmo tempo, ela própria é a pesquisadora, a aparentemente neutra cientista detentora do conhecimento e da técnica que pode colocar-se acima de qualquer critério, inclusive ético, para orientar a ação militar. Não há concepção de

igualdade entre ela e o pobre soldado enlameado que luta nas ilhas do Pacífico e ela até permite-se certa justificativa romântica do tratamento cruel dos japoneses com os prisioneiros de guerra. Ao mesmo tempo que legitima a guerra em defesa de uma concepção de igualdade sente-se atraída pelas virtudes japonesas. Mereceria talvez um estudo antropológico a forma crescente pela qual o "país da igualdade" de direitos vem demonstrando crescente preocupação com as virtudes heroicas. O filme "O último samurai", por sinal, é quase uma reatualização dos valores demonstrados por Benedict, ver os dosi demonstra o quanto uma determinada concepção evolui em meio século. QUARTA-FEIRA, 1 AGOS TO, 2007 - 05:04

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Cinema, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Ruth Benedict, Tocqueville,DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10644


ANIMAL E HUMANO Sempre acho curiosa a construção de uma oposição humano-animal que costuma figurar em tantos sistemas de pensamento. Até posso compreender certo sentido simbólico desta pretensa dualidade, pelo sentido que faz pelo desconhecimento do comportamento animal ou pelo conhecimento superficial. Na imensa maioria dos casos, contudo, a expressão é utilizada para avaliar ou até justificar comportamentos que nada tem a ver com a animalidade em si. Ainda que pareça paradoxal, penso que a imensa maioria dos nossos defeitos vem do nosso livre arbítrio, ou seja, da nossa natureza divina, mais do que de nosso substrato animal. Lembro-me da frase de Schuon: “os homens vão ao fogo porque são deuses e salvam-se porque são criaturas”. Também não posso deixar de lembrar-me de um texto de Lobato no qual diz que o homem é um macaco que caiu de cabeça de uma árvore e como sequela desta “Queda” passou a agir de forma estúpida, diferente da natureza onde todos os comportamentos têm um sentido. Por fim lembro-me de um texto de um pensador muçulmano onde ele destaca que toda a natureza é muçulmana – ou cristã, budista, hindu, enfim – no sentido amplo do termo visto que se submete às leis que a regem. Vale lembrar que Jesus também destacou este aspecto quando recomendou que olhássemos os lírios do campo. Considero que obtenho sabedoria e discernimento estudando os comportamentos animais, até no sentido de avaliar melhor os seres humanos. Nos animais os comportamentos seguem regras talvez mais claras, não maquiadas, mas há um tanto de animal no ser humano e

considero o livro de Desmond Morris, O Macaco Nu, que cito por aqui com frequência, quase como uma leitura obrigatória. No ser humano os comportamentos simbólicos, as linguagens naturais estão contaminadas pelas tentativas de controle e até pelas palavras. Não é à toa que em praticamente todas as tradições os mestres ensinam tanto pelo silêncio, pela observação, pela imitação, pelos gestos, pelos rituais, enfim, por métodos que não estão contaminados pelos sentidos apenas aparentes. Uma das coisas que mais me chamaram a atenção na similaridade entre outros mamíferos sociais e o ser humano é a facilidade pela qual se distingue o poder e a verdadeira autoridade. Os animais dominantes em um grupo são na imensa maioria do tempo calmos e tranquilos, em particular quando estão bastante seguros de sua autoridade sobre o bando. A agitação e movimentação só ocorre nos estratos inferiores ou nos momentos nos quais a liderança está de fato ameaçada seja pela fraqueza do animal dominante seja pelo fortalecimento de seus rivais, ou seja, em momentos nos quais o equilíbrio está rompido. A imensa maioria daqueles que exercem o poder agem não com a serenidade tranquila de quem detém a autoridade, mas com a agitação do líder fraco ou do rival ameaçador. Como os homens perderam boa parte de sua capacidade de compreender estas linguagens de sinais imaginam que a agitação é símbolo de poder e atividade de liderança. Mas ainda assim lá no íntimo conservamos certa capacidade de perceber isto, como pode ser visto pelas múltiplas descrições de grandes personagens nas quais se destaca a serenidade que só a disciplina e a reflexão são capazes de dar. S E G U N D A - F E I R A , 1 6 A B R I L, 2 0 0 7 - 1 1 : 3 8


Islam, Pessoal, Arte, Política, Filosofia e cia, Religião Frithjof Schuon, Monteiro Lobato, Demond Morris,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10552


UMA REUNIÃO COM O CORONEL KURTZ I saw this station, these men strolling aimlessly about in the sunshine of the yard. I asked myself sometimes what it all meant. They wandered here and there with their absurd long staves in their hands, like a lot of faithless pilgrims bewitched inside a rotten fence. The word 'ivory' rang in the air, was whispered, was sighed. You would think they were praying to it. A taint of imbecile rapacity blew through it all, like a whiff from some corpse. By Jove! I've never seen anything so unreal in my life. And outside, the silent wilderness surrounding this cleared speck on the earth struck me as something great and invincible, like evil or truth, waiting patiently for the passing away of this fantastic invasion. (Joseph Conrad, No Coração das Trevas) Poderia falar muitas coisas de Joseph Conrad, de como é impressionante que uma pessoa adquira tal maestria em escrever em uma língua que não só não é sua língua nativa - ele é polonês de nascimento - mas que aprendeu tardiamente, poderia falar de suas descrições precisas e encantadoras, poderia falar em como utiliza com cuidado conhecimentos técnicos de navegação e reconstrói suas experiências pessoais. Mas na verdade o que me atrai mais nele é a loucura de um tipo muito especial que acomete seus personagens. Este sentimento está na culpa de Lord Jim, na obsessão política e infame do Agente Secreto - grande estudo da personalidade do terrorista - mas está, sobretudo, na progressiva perda de sentido da realidade de Kurtz em "No Coração das Trevas".

Conheço poucos casos de adaptação bem sucedidas de livros para o cinema como o relacionamento que há entre o livro de Conrad e "Apocalipse Now". Ao mesmo tempo são enredos distintos contando a mesma história, resumida, no filme, ao essencial que é esta loucura. A transformação do cenário das florestas do Congo para o Vietnã, do comércio de marfim para a guerra, dos belgas para os americanos, dos agentes coloniais para os soldados, apenas acentua o caráter central da história. Como naqueles jogos de Borges no qual ele conta uma mesma história em contextos distintos ou elenca os múltiplos cenários nos quais poderia inserir uma história, as diferenças entre a novela de Conrad e o roteiro de Apocalipse Now só acentuam a história central. Uma das oposições centrais de "No Coração das Trevas" parece-me ser entre a monotonia rotineira e desmotivada dos agentes coloniais em oposição à apaixonada ação de Kurtz. Ao longo de todo o trajeto seja no Vietnã ou no Congo - o protagonista vai ouvindo falar de Kurtz. Só ele quer estar ali, só ele tem ideia do que fazer ali, só ele não está de passagem, só ele leva a sério certo discurso de civilização e humanismo. Não tenho dúvidas que por tudo isto Kurtz é irmão de Quixote e, como ele, enlouquece de uma insânia que nem por ser mais violenta deixa de ser a mesma. Kurtz tem me ligado diversas vezes nestes dias. Acordei hoje com ele ao telefone me falando de suas ideias enquanto ia a uma reunião. No final da tarde sou eu quem me reúno com ele lá no coração das trevas. Como o protagonista da história de Conrad vou me sentindo percorrendo o rio e ouvindo falar de Kurtz e suas historias e projetos, me fascinando com aquele ponto alucinado de luz em meio a um dos lugares mais escuros da terra. Encontrar Kurtz me anima, faz com que eu sinta que não sou como os demais personagens que Conrad coloca no livro notadamente a maior parte deles sequer tem nome - um peregrino sem fé. Confronta-me, como diz o protagonista de


No Coração das Trevas com algo grande e invencível, como o mal ou a verdade. Preciso parar agora para atender ao telefone, é Kurtz chamando... SEXTA-FEIRA, 2 MARÇO , 2007 - 13:25

Pessoal, Arte, Literatura, Cinema, Política Joseph Conrad, Borges,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10540


TIRANIAS Em um aparente paradoxo, sempre são as massas que criam as ditaduras, os totalitarismos. Historicamente mesmo as várias democracias tem sido momentos de transição para as tiranias, ainda que ao menos pareça que se consegue algo novo em alguns momentos. Ortega y Gasset diz que "quando a massa atua por si própria, o faz de uma só maneira, porque não tem outra: lincha". Tocqueville assinala o risco de um Estado que é tudo frente a um indivíduo que não é nada como caminho quase natural da democracia, no qual os cidadãos são "mais que reis e menos que homens". É preciso notar, contudo, que este tipo de risco só ocorre e só existe na medida em que aqueles que deveriam dar a linha e a direção, as elites - ou como diz Gasset "as minorias excelentes" - deixam de cumprir com eficiência o seu papel de guia e perdem a sua autoridade, seja pela sua falta de disciplina moral, egoísmo, cobiça de direitos ou preguiça de cumprir os deveres. Em geral estes motivos acontecem exatamente porque em algum ponto da história o critério do método de formação desta elite fracassou, particularmente quando o que deveria ser baseado no mérito passou a ser definido por critérios familiares ou de afinidade. Em outras palavras, quando uma elite deixou de ser de fato uma minoria excelente, quando perdeu a autoridade e restou apenas o poder e por isto se torna odiosa. A noção de um Imperador, ditador, presidente, enfim de um governante todo poderoso é cara à massa porque coloca todos os cidadãos em uma mesma e idêntica posição de submissão, cumpre a ambição da massa de aniquilar qualquer coisa que se sobreponha à média. Quando uma elite está em processo de decomposição, ou seja já perdeu a sua Autoridade, assume perante este desafio uma postura defensiva e arrogante, incomoda-se com os símbolos de poder e em requisitar privilégios,

justificando assim os desejos da massa. Já a elite verdadeira que ainda detém a vitalidade do conhecimento do próprio mérito e missão não se incomoda com os sinais externos de poder, porque sabe que eles não significam nada. É por este motivo que mesmo vendo todos os inconvenientes e riscos da democracia, continuo a acreditar que dentre todos ela é ainda o método de seleção de uma elite mais adequado. Mesmo com todas as dificuldades, ela ainda é um meio no qual os méritos pessoais e a disciplina pode contemplar no longo prazo, ou seja, depois que todos os excessos da massa e todas as tentativas de aniquilar a excelência chegam a extremos, haverá espaço para que uma elite de verdade - daquela que não se preocupa com os direitos mas sim com os deveres - consiga eleger-se. Ao menos é o único método que a história não provou ainda que falha, como todos os outros produzidos pelas diversas aristocracias ao longo da história, que no final sempre produzem personagens como Fernanda del Carpio de "Cem anos de Solidão", apegada ao pinico de ouro com brasão como última coisa que sobrou da herança familiar. É evidente que há uma enorme distância entre o que a democracia é e o que deveria ser. Quando acordo otimista acho que um dia esta distância será reduzida e penso que dentro de qualquer verdadeira elite só a democracia poderia ser uma forma de governo, porque a disciplina, o desprezo pelos luxos e símbolos de poder, o respeito natural à sabedoria que não considera aviltante reconhecer hierarquias de fato, tudo isto faz com que os fantasmas da democracia estejam afastados. Assim só uma elite educada no princípio de que pode votar e deve votar sempre no melhor dentre os seus pares será capaz de um dia obter o respeito da massa, a "Autoritas", tornando assim a democracia um meio mais efetivo de tornar-se o que deveria ser, ao invés de ser apenas o caminho para os autoritarismos. SEGUNDA-FEIRA, 9 ABR IL, 2007 - 14:05


Comunicação, Pessoal, Política, Filosofia e cia Ortega y Gasset, Tocqueville,DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10547


NÓS, O POVO

caricatural que produziram do “povo” mostra que no fundo eles compreenderam pouco do que viram. Os indivíduos concretos do tal “povo” estão muito mais para o ladino Salathiel ou a

“Mas pra mim, seu doutor não leve a mal, pra mim coisa que não presta não pode ter nenhuma beleza...” (Guimarães Rosa, Sagarana) Abstração terrível este de “povo”. Seja para ser aclamada ou vilipendiada ainda assim é uma abstração terrível, tanto pela sua absurda imprecisão de tentar reunir milhares de indivíduos em uma única categoria seja pela assustadora constatação de que ela faz algum sentido. Lobato foi meu primeiro doutrinador, devo muito a ele e o defendo como um dos poucos que pensou o país com coragem e imaginação. Mas ele cometeu um erro terrível, o mesmo erro de todos os outros “Brown Sahibs” que serviam de arautos da modernização ocidentalizante, menosprezar esta abstração de povo. Não quero nem falar aqui de todas as mistificações promovidas por uma ou outra ideologia sobre o povo, queria ir mais fundo, falar mesmo da profunda psicologia que emana deste povo, em especial dos camponeses – e somos urbanos e industriais há tão pouco tempo que ainda somos quase todos camponeses lá por dentro - e que tão poucos foram realmente capazes de compreender. A mania das “escolas” de tender de um lado ao extremo conforme as modas tem parte da culpa nesta confusão sobre a identidade nacional. Lobato e Euclides da Cunha tinham quase a obrigação de atacar de frente a besteirada da imagem idealizada que veio antes. Mas erraram na dose e a imagem

manipuladora Maria Irmã de Sagarana do que para Tia Nastácia, mas também não chegam ao ponto de serem Macunaímas, que é a imagem inversa. É estranho que tanto Rosa como Lobato não falam de ouvir dizer – o mesmo não se pode dizer do autor dos Sertões e outros - mas Rosa conseguiu entender aquele povo que o circundava, Lobato não. Tema recorrente da literatura “mística” é de repente perceber que um daqueles ingênuos e precários personagens à volta é na verdade o mestre sábio que se procura ou se evita. O episódio clássico de Luke Skywalker encontrando Yoda é apenas uma das formas de contar esta história que aparece mil vezes, assim como muitas das histórias do Mullah Nasrudin e de muitas de todos os folclores. Digo isto porque o que tantos não perceberam é que o esforço mental, intelectual e até espiritual necessário para ocultar a própria sabedoria é muito mais complexo do que para mostrá-la. É muito mais fácil tornar-se um falastrão do que um dissimulador. Aqueles que olharam o povo com os olhos do deslumbrado com a


civilização e modernidade só enxergaram ingenuidade onde havia dissimulação. O maior erro de todas as visões paternalistas e populistas da política é esse. Não é achar que o povo deve ser defendido contra as maldades de alguma elite ou estrangeiro, é achar que o povo precisa desta proteção, eu não é capaz de defender a si próprio. E quando vejo as “oposições” esbravejarem e ficarem meio tontas com os movimentos dos quais não conseguem tomar parte eu sorrio porque elas também tem esta visão distorcida do povo. O povo, estou crente disto, brinca com as rivalidades das nossas elites políticas ingênuas a ponto de considerarem-se muito sábias e acima do povo. Não querem mudar por sejam avessos ao progresso como achava Lobato, não querem mudar porque não faz sentido deixar um mundo que se domina por um outro novo no qual novas regras terão de ser feitas. As elites políticas aposentaram as visões políticas e projetos de futuro para lutar pelo poder, o povo entendeu o movimento, e se a briga é só pelo poder mais vale conseguir alguma coisa bem concreta hoje mesmo ao invés de discursos nos quais nem quem os proferem acredita mais. Tal como Ladino Salathiel o povo é melhor estrategista político que os grandes estrategistas. TERÇA-FEIRA, 11 JANE IRO, 2011 - 12:28

Literatura, Política Monteiro Lobato, Guimarães Rosa, Euclides da CunhaDT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10760


CASO ISABELA: FATALISMO X POLÍTICAS PÚBLICAS A violência contra a criança está na ordem do dia da sociedade com o Caso Isabela, que vem ocupando grande parte do noticiário na TV, rádio e jornais. No jornal Folha de São Paulo de hoje Carlos Heitor Cony faz uma comparação entre este caso específico e as notícias que comumente ocupam o noticiário policial. Cony escreve: “Em tempos outros, anteriores à violência urbana, às balas perdidas e às tropas de elite, volta e meia havia casos assim, escabrosos. Homens que serravam mulheres e as colocavam dentro da mala ou as enterravam no quintal, tarados seriais que nem iam para a cadeia, mas para hospitais psiquiátricos (...) Eram crimes personalizados e, por isso, mais horripilantes. Tal como o da menina que foi atirada ou caiu da janela. A culpa não é social. É dolorosamente humana.” Com todo respeito que tenho pelo cronista quero discordar da análise feita por ele. Por mais que existam os componentes pessoais, psicológicos, em casos como este há sim causas sociais motivando muitos destes crimes. E se há causa social a questão é passível de ser enfrentada pelo Estado através de políticas públicas que ajudem a identificar, prevenir e controlar a violência contra as crianças. Em todo o mundo, em especial nos países desenvolvidos, tem aumentado os casos deste tipo de violência contra crianças e adolescentes. Ao lado de distúrbios psiquiátricos e outros desarranjos de natureza psicológica tem aumentado o número de casos em que situações de extrema violência ocorrem de forma banal e por motivos fúteis, tanto em termos de

violência doméstica, como na pedofilia e nos casos de bullying ou de reações violentas ao bullying como no Caso Columbine. A escalada da violência contra as crianças é um sintoma de uma doença social, que deve ser diagnosticada e tratada pelo bem do nosso futuro. Em primeiro lugar temos de reconhecer que, apesar da superexposição do assunto na imprensa, a abordagem tem contribuído muito pouco com uma discussão mais séria do assunto. Mesmo ocupando longas horas e páginas do noticiário, todo o espaço tem sido ocupado na descrição de procedimentos jurídicos ou forenses e depoimentos emocionais. Esta exploração dos fatos cria o paradoxo de ao invés de se enfrentar a violência ela seja estimulada. Ao invés de estimular a reflexão sobre as raízes desta violência contra as crianças a superficialidade da imprensa tem estimulado a formação de turbas raivosas propensas a um linchamento. Em segundo lugar é necessário aprender com as experiências, aprimorar as ferramentas que já existem. É este aprendizado que faz com que a tragédia não seja em vão, porque quando se aprende com as lições dos erros e omissões se retira mesmo das piores experiências alguns ensinamentos. Tanto no caso da empresária que torturou inúmeras crianças e adolescentes em Goiás como no de Isabela havia antecedentes de agressões ou suspeitas registrados em boletins de ocorrência. A Sociedade Brasileira de Pediatria chegou a editar um manual para que suspeitas de violência domésticas possam ser identificadas e possam ser recomendadas providências. Creches e escolas podem ser também pontos de detecção e enfrentamento destas suspeitas e ameaças se os funcionários tiverem o treinamento adequado. Além disso, a Lei Maria da Penha oferece um


importante arcabouço jurídico para enfrentar a violência doméstica, embora ainda seja pouco conhecida dos cidadãos. Por fim é preciso ir mais fundo nesta questão da violência doméstica, em particular da violência contra a criança esforçando por eliminar a violência latente na sociedade, estimulando as formas pacíficas de resolução de conflitos pelo diálogo – como fazem os círculos de Justiça restaurativa, por exemplo, estimulando as pessoas a enxergar e entender o outro ao invés de permanecerem insuladas em si mesmas. É a partir deste esforço passaremos da visão fatalista segundo a qual casos como de Isabela são inevitáveis para a visão de que é possível prevenir e controlar a violência doméstica através de políticas públicas. QUINTA-FEIRA, 17 ABR IL, 2008 - 15:20

Comunicação, Pessoal, Arte, O futuro, PolíticaPP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10658


O HOMEM QUE ESCREVIA Às vezes me sinto como um dos últimos sobreviventes de alguma etnia em extinção. Imagino que deve ter sido uma sensação semelhante a de Dom Quixote antes de simplesmente perder de vez o juízo. Basta olhar em volta para ver que o exercício da escrita está desaparecendo. Não, não adianta dizer que nunca as pessoas escreveram tanto e citar, por exemplo, as mensagens da Internet. Em primeiro lugar, sem nem entrar no mérito da qualidade terrível do conteúdo, em geral elas são reproduzidas até o infinito, muito pouco é criado de fato e as pessoas sequer são capazes de exercer a mínima reflexão crítica sobre elas. Em muitos casos desconfiam que sequer quem a reenvia a lê. Ainda sem entrar na questão do gosto duvidoso, faço sobre este mau exemplo duas observações. A primeira é que há coisas que não podem ser ensinadas pela palavra escrita – diga-se de passagem, que a grande maioria dos mestres de verdade jamais escreveu uma linha. A segunda é que os amontoados de lugares comuns, das poesias “batatinha-quandonasce”, como as descreve bem apropriadamente a Márcia, de histórias edificantes que nada edificam – porque para edificar é preciso construir algo novo e derrubar algo velho em que lê – e do amontoado de conceitos pseudo-científicos e pseudo-religiosos que quando examinados com critério percebe-se não estarem embasados em nada, tem pouco – mas muito pouco mesmo – a ver com a essência da palavra escrita – e de certo modo com a palavra em qualquer forma que ela possa assumir. A essência da palavra, do discurso, é a persuasão. Pode até não assumir sempre

esta forma e em geral é mais eficiente quando não parece estar fazendo isto. Mas se caracteriza pela coesão e coerência, ainda quando aquilo que a mantém unida esteja fora do texto e da estratosfera, ainda quando a coerência deva ser buscada em algum conjunto transcendental de ideias. Um texto que parece argumentativo, mas cujos fundamentos são vagos, obtusos ou truncados – quando não inexistentes – não é nada. Ao mesmo tempo o texto deve justificar-se por si, nem que seja pelos seus silêncios, sem precisar de nada externo. Mas a triste verdade, aquela que me faz sentir pouca esperança, por mais otimista que seja a minha natureza, é que sequer é destes textos que falo quando digo que as pessoas estão perdendo a capacidade de escrever. Confesso que tive quase vontade de chorar a algumas semanas quando vi colegas de trabalho vasculhando computadores em busca de um convite para uma festa de algum ano anterior para não ter de escrevê-lo de novo. Todos eles com formação universitária e excelente nível social e econômico, demonstrando que a questão não é social, educacional ou econômica, é cultural mesmo. Vira-e-mexe vêm me pedir para escrever alguma coisa – eu sou afinal “o homem que escreve” – mas sempre fico chocado ao ver que pedem para escrever cosias tão básicas, elementares e curtas – um convite, o texto de alguma placa de homenagem, um bilhetinho – que houve tempo em que me revoltava contra tal tratamento leviano com minha função. Uma vez me pediram para escrever um bilhetinho para um presente que dariam ao professor de um curso de redação, verdadeira demonstração da absoluta inutilidade do curso e fracasso do professor que não conseguiu ensinar ninguém dentre todos os alunos a juntar letras por duas linhas para formar o texto de um cartão. Hoje estas coisas não chegam mais a me tirar do sério, só me enchem de tristeza por ver


um mundo no qual as pessoas capazes de expressar-se pela escrita – portanto pela razão – irão ser uma escassa elite desiludida com o futuro e sentindo-se fracassada na sua tarefa de guiar. De forma nenhuma me considero reacionário e muito menos avesso à tecnologia, à multimídia, à utilização da imagem e do som. Pelo contrário, na época de universidade era praticamente o único da área de humanas da universidade que dominava os computadores e a estatística. A questão é apenas a do desaparecimento da escrita, cuja consequência é o desaparecimento da linguagem em médio prazo. Não, não seremos mudos, não é isto que estou dizendo. A linguagem é mais do que uma expressão de sons ou gestos, é acima de tudo a vontade de comunicar algo, de preferência algo relevante. É até possível que a maioria considere que comentar o Big Brother – como ouço por todo lado, até no gabinete do Kurtz – é relevante. Isto por si já demonstra o meu raciocínio. QUARTA-FEIRA, 28 MAR ÇO, 2007 - 11:03

Pessoal, Poesia, Educação, O futuro, Sociologia e cia., Política DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10545


ENTRE ESCRAVOS “Tornai-me a aparecer, entes imaginários, que me enchíeis outrora os olhos visionários! Poder-vos-ei fixar?... Tenho inda coração capaz de se render à vossa sedução?...

com muita dificuldade se consegue encaixar um ou outro oásis sabendo que serão exatamente os oásis os primeiros a ser violentamente podados pelo cliente. Quando a nuvem se materializou naquela enorme figura azinhavrada fui tomado pela saudade dos velhos tempos, quando bastaria incumbir o djinn da tarefa e colher os resultados e elogios.

(...) O que foi, torna a ser. O que é, perde existência. O palpável é nada. O nada assume essência.” ( Fausto, Goethe)

– Assalamu 'alaikum – cumprimentou ele com sua voz de toró.

Houve tempos nos quais podia escrever para outros um texto do qual discordasse, de forma rápida e praticamente indolor. Este exercício foi ficando cada vez mais penoso e embora ainda seja capaz deste ofício de ghost-writer confesso que o resultado é um produto sem alma. Pateticamente percebo que muitos, em especial os clientes, não percebem a diferença.

– Só passando para visitar um velho amigo, meu caro – disse ele com uma expressão que deixava claro que a visita tinha um motivo muito diferente.

A quase ninguém posso explicar a diferença e a dificuldade de executar estas tarefas hoje em comparação com o passado. Na verdade jamais escrevi aqueles textos, eles eram obra de um djinn escritor que mantive como escravo em uma garrafa por muitos anos e em um momento de grandeza ou fraqueza libertei. Há tempos ele não me faz uma visita, não por descaso ou ingratidão, mas pela multidão de tarefas acumuladas em tantos anos de seu cativeiro. Mas cada vez que ele aparece me inunda de uma sabedoria tão profunda, uma análise tão sagaz e uma sinceridade tão acirrada que me dá remorso tê-lo usado de forma vil em tarefas tão banais. Se um dia eu também for livre como ele sei que não serei tão sábio porque não tenho os milhares de anos da sua experiência, mas espero espelhar-me na sua independência de espírito e julgamento. Na última vez que ele apareceu debruçavame sobre um texto árido, daqueles que só

– Alaikum us Salam – cespondi – que bons ventos o trazem?

– É um mundo curioso quando ex-escravo e ex-amo podem se chamar de amigos – comentei, já nem tão animado com a visita porque senti nele um ar de recriminação. – Quem anda com um ar de escravo é você, tantas correntes que nem saberia por onde começar se fosse soltá-lo. – É preciso ganhar a vida, você é um djinn, não tem como avaliar com é difícil a vida de um humano, com tão pouco tempo de vida para fazer tantas coisas e ainda assim tendo de ter como preocupação principal a sobrevivência. – Você fez quarenta anos, passou da idade na qual os pecados são pesados com pesos mais leves e você mesmo disse que se a finalidade da vida do homem é enriquecer a memória emotiva de Deus não há pecado pior do que ser chato. – Bom, se estou sendo chato o que você está fazendo aqui, ninguém pediu para você vir aqui se aborrecer e já abri mão do poder de invocá-lo para qualquer coisa – Falei meio sem paciência de ouvir o sermão que eu sabia por onde andaria e em que destino chegaria. – Lembra quando se mudou para São Paulo e ficava perdido pela cidade a cada vez que ia a um destino diferente porque ao invés de seguir as placas para um local ia a todo momento mudando o trajeto para seguir


uma placa para um local diferente, mais próximo ou mais fácil de chegar? Você anda fazendo a mesma coisa com a sua vida. – Arco com as consequências dos meus erros – disse, em mais uma tentativa de encerrar a conversa. – Não consegues decidir se é brâmane, guerreiro, político, monge, escritor, jornalista ou seja lá o que for. Acaba sendo levado pelas circunstâncias e dando muita importância a coisas secundárias, fica cheio destas susceptibilidades que te irritam e fazem tanto mal para você, te distraem do seu trabalho sério. Se a questão fosse só sobreviver seria fácil para você lidar com estas coisas, e eu sei bem como funciona isto porque tenho milhares de anos de escravidão que não quebraram o meu espírito. – Um humano é um humano e um djinn é um djinn! Não venha comparar a sua escravidão à minha porque são coisas diferentes. – Se a tua intenção fosse só ter a tua tranquilidade para fazer as coisas que precisas e sobreviver tudo seria muito mais simples. O problema de verdade é que lá dentro tu és escravo de tuas ambições, não adianta dizer o contrário, tu queres ser grande, mas pelos motivos errados, pelos métodos errados e por causa disto não consegues te engrandecer pelos motivos certos. – Este seu monólogo está irritando, simplesmente ignora o que eu falo e continua com este seu sermão. – Se eu abro espaço desvias o assunto da conversa para o que te interessa e não para o que é importante. Não vais me prender com os grilhões destas tuas falsas questões, já estive acorrentado por séculos demais. O teu problema é apenas escolher o caminho, qualquer outra questão é tergiversação. – Sabe quanto acredito que é o caminho que nos escolhe. – Até para que o caminho te escolha deves saber para onde queres ir. Estás sempre mudando de objetivos, sempre alterando as tuas prioridades. O caminho já te escolheu,

mas sempre rodas em círculo procurando atalhos. – Temos de enfrentar os desafios que se colocam na nossa frente. – Desafios que tu mesmo te colocas por ambição ou vaidade, porque não consegues ficar quieto fazendo o que tens de fazer. Na verdade és quem duvida do poder da palavra que tanto invocas. Deveria ser uma honra e um desafio suficiente trabalhares teu dom, mas estás sempre caçando miragens e trocando o essencial pelo acessório. – Você faz parecer tudo muito simples, a realidade é mais complicada. -Nem tu mesmo acreditas nisto, é até impiedade falares assim, tu que sempre foste tão protegido – Disse ele com a cara amarrada enquanto sumia no meio da nuvem, me deixando com ainda mais coisas para pensar, mas ao menos com uma boa história para contar no blog com se fosse ficção. SEXTA-FEIRA, 7 NOVEMBRO, 2008 - 15:38

Islam, Comunicação, Pessoal, Literatura, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10741


POLIR A ARMADURA A paixão da política abandonou-me com o tempo, fui chegando à conclusão de que adianta pouco tentar mudar algo no Estado ou na sociedade, valendo mais a pena mudar o homem em si. E, como diz Pessoa, mudarse a si exige tanto esforço que não sobra tempo para quem está empenhado sinceramente na tarefa de tentar mudar qualquer outro. A política, contudo, não me abandona. Há seis anos ela é a minha profissão, com desafios e responsabilidades crescentes. A vocação da política é algo curioso, por mais que a paixão seja essencial nela, estar desprovido das paixões facciosas e dos encantamentos do poder tem um efeito benéfico na compreensão não só do que a política deveria ser, mas também o distanciamento necessário para auxiliá-la a trilhar este caminho. Mencionei muitas vezes uma tradição do profeta do islam segundo a qual não se deve ambicionar uma função pública, mas que ela deve ser aceita quando ofertada porque então terá a orientação necessária. Fico um pouco constrangido de dizer estas coisas porque faz parte da praxe da política simular a surpresa e a ausência de desejos e ambições, mas só posso dizer que não é hipocrisia. O antigo amigo que chamo pelo codinome de Kurtz, em referência ao personagem de Conrad, foi o grande responsável pela minha entrada na vida política em um momento no qual aquilo não era mais objetivo vital meu. Há seis anos, depois de vários anos sem contato, ele me ligou e disse que precisava de mim. As circunstâncias, as necessidades, as estratégias, o destino, enfim, fez com que sem nos afastar seguíssemos caminhos distintos – ainda que em contato e próximos.

Há algumas semanas ele ligou de novo, conversamos várias vezes, com o brilho nos olhos que dá a ele mais ainda o perfil de Kurtz, os planos, os projetos, a expressão da vocação política em sua forma mais pura, ele diz que é hora de reagrupar – “É o projeto da nossa vida!” – diz ele em um tom que resume. É um ponto de inflexão, um momento no qual as decisões são necessárias. Mesmo sem acreditar mais que a política possa de fato mudar e melhorar a vida das pessoas nem por isto ela deve ser deixada nas mãos daqueles que poderiam piora-la. É hora de novamente vestir a armadura, selar o cavalo e combater, transformando a desilusão com a política na capacidade de distanciar-se e observar objetivamente. QUARTA-FEIRA, 14 MAR ÇO, 2007 - 14:27

Islam, Pessoal, Arte, Política DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10544


O APRENDIZ DE IMBECIL Viu-se empenhado em erguer uma gigantesca muralha feita apenas de livros. A muralha crescia, crescia, ele já não podia ver o mundo ao seu redor e o próprio Sol não penetrava mais no espesso muro de livros (Herman Hesse, O Homem de muitos Livros) Ontem, quando comecei a responder aos emails e scraps que recebi por conta do post “Uma utopia imbecil” http://www.poderdapalavra.com.br/port al/futuro/utopia_imbecil - finalmente consegui entender algumas coisas que dizia um dos meus autores preferidos, Herman Hesse, em diversos textos, mas em especial em dois – O Jogo das Contas de Vidro e o conto O Homem de Muitos Livros (no livro Fábulas). Pode parecer estranho que eu gostasse dele antes de entendê-lo por completo, mas, enfim, estou ainda aprendendo a lidar com a minha imbecilidade e por isto ainda tenho muitas coisas para descobrir que não sei e para chegar à conclusão que eu não conhecia. Ser esperto é algo muito fácil, já ser imbecil requer muita disciplina mental e esforço. Exibir-se, inclusive à própria modéstia, não requer também muito esforço, porque somos acostumados a fazer isto desde a infância e ao longo de todo nosso dia, já conseguir aquela limpidez de pensamento de Ivan, o Imbecil é ou um dom divino ou algo que só muito exercício pode nos dar ao longo do tempo, exigindo certo controle do pensamento que, se descuidamos, tornase logo esperteza e todo o trabalho fica perdido. Enfim, ser imbecil, para quem não nasce puro de coração como Ivan, é um privilégio.

É esta a lição dos dois textos de Hesse que só entendi ontem, ainda que tenha os lido tantas vezes. Também hoje não vou contar a história dos dois livros, porque a finalidade não é que as pessoas não precisem lê-los, mas justamente que sintam um vontade muito grande de ir até a biblioteca mais próxima, nem que seja para dizer que eu estava errado na minha interpretação. No Jogo das Contas de Vidro há uma comunidade dedicada com zelo religioso ao “jogo”, elaborada técnica que envolve concentração, esforço, dedicação, estudo, mas cuja finalidade não fica bem clara. No conto um personagem vive cercado por livros, nos quais prefere viver ao invés de no mundo (e quem ler alguns posts anteriores vai verificar o quanto eu não tinha entendido a mensagem), mas vai aos poucos se afastando deles até que descobre o mundo real e a vida. Também o Diabo, do conto de Tolstoi que motivou estes posts todos, tinha muito orgulho de seu trabalho intelectual, ainda que não tenha conseguido convencer os imbecis da eficiência de seu método contra as mãos calejadas deles. É um tanto neste jogo com as palavras, argumentos, idéias, que vivem os espertos. Estão preocupados com o deleite provocado por esta distração, com o efeito que causam sobre os outros. Já os imbecis tem a preocupação com o desconforto que as palavras causarão em si mesmos. Os primeiros profanam o poder da palavra para seu prazer, os imbecis por seu lado desconfiam que há algo de sagrado nelas, alguma força que provoca inquietação. Tenho ainda um longo caminho até conseguir tornar-me um imbecil, porque descobrir que não se tem conhecimento é muito mais difícil do que entreter a si e aos outros com alguma sombra de


conhecimento. É, enfim, muito mais simples ser um almanaque de referências esparsas do que a lousa em branco na qual Deus pode ensinar através da pena.

ainda sei e o que pretendo um dia chegar a ignorar. Ainda não consegui ser um completo imbecil, mas, se Deus quiser, algum dia chego lá.

Mas tenho conseguido fazer alguns avanços nesta área. Já me sinto, por exemplo, imbecil o suficiente para não entender porque as pessoas acham que ao depositar um voto na urna a cada dois anos exerceram sua participação política. Também já me sinto imbecil o suficiente para não ter a menor noção de todas estas sutilezas que fazem os seres humanos serem distintos em seus direitos, muito menos sou capaz de entender estas grandes teorias de que de alguma forma tentam limitar o conceito de humanidade a só uma parte dela.

PS: Cheguei em casa e fui checar a referência do conto de Hesse e vi que não só o título era outro - não A Muralha dos Livros mas O Homem de Muitos Livros, que me pareceu um título infeliz e inferior ao que eu me lembrava - como que muitas coisas estavam lá bem claras, eu que não tinha entendido direito.

Em termos teológicos minha imbecilidade já avançou bastante. leio os mais diversos livros sagrados e acho que todos eles estão dizendo exatamente a mesma coisa, às vezes até me acontece de não lembrar-me se uma determina coisa eu li em um ou outro deles. Mas não sou tão imbecil a mencioná-los pelo nome porque infelizmente sei que se fizer isto terei de ficar me desculpando com os espertos, aqueles que entendem as diferenças que há entre Deus nas diversas fés, por vários dias. Sou absolutamente incapaz de compreender as profundas distinções que qualquer religioso com um mínimo de formação poderia apontar entre eles e quando se trata das seitas, denominações e cismas, então, os ódios que umas devotam às outras parece-me totalmente incompreensível. Penso que jamais entenderei, por mais que me expliquem, porque quanto maior a proximidade das crenças e mais sutis e frágeis as diferenças parece ser mais raivoso o ódio entre elas. Já me estendi demais hoje e então fico por aqui neste balanço entre aquilo que

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Islam, Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10034


CHÁ COM DJINNS O djinn – aquele que até outro dia eu mantinha prisioneiro e o obrigava a escrever por mim - veio me visitar e tomamos juntos um chá. Mesmo eu, que já estava acostumado sua sua carantonha verde, confesso, me surpreendi com sua aparência desagradável, mas tentei disfarçar, sem muito êxito. Quem me conhece pessoalmente sabe que eu não sei mentir. Perdeu o hábito de ter um djinn em casa, não é? Vendo que não conseguia disfarçar minha repugnância. Imagina, é sempre um prazer rever alguém que foi tão próximo por tantos anos. Digo eu com meu péssimo mentirês, meio consternado e preocupado em não provocar a susceptibilidade desta raça de fogo e ar, portanto cheia de orgulho e instabilidade, que são os djinns. Ibn 'Arabi garante que todos eles são do signo de sagitário e ás vezes eu concordo com o grande mestre. Meu primo Iblis manda lembranças e reclama que há tempos não o atende nem dá retorno aos recados dele? Diz o djinn entre gozador e sério. Com ele não quero conversa, nunca quis, aliás já estou farto de djinns, bons ou maus. Opsss, espero que ele não se ofenda, mas poxa vida, às vezes tenho o direito de uma vida mais prosaica, sem tantas intromissões do maravilhoso e do fantástico. Você é muito racional! Estou aqui sentado com um gênio, tomando chá e fumando narguilê, ouvindo ele me dizer que tem recados do inferno e sou muito racional, o que é que falta, um tapete mágico? Só queria uma vida mais comum, que não tivesse que andar simultaneamete por tantos mundos ao mesmo tempo. Diz isto porque está meio chateado, estressado, mas gosta mas gosta mesmo é destes outros mundos. Comenta ele meio irônico. Gostava mais quando achava que eles eram só imaginação, conforme vão invadindo a realidade vão ficando aborrecidos. Digo eu

meio chateado com os rumos de uma conversa que não me agrada. Mas justo agora que anda fazendo tantos progressos, nem eu que vivo a séculos por tantos lugares falaria tão bem destas coisas. Já foi o tempo que você me conquistava com estes elogios, viu, adulações de escravo não me valem de nada. Já não é mais meu senhor, se te elogio é porque merece. Me adulas porque talvez sonhe em vingarse, não acha? Mas não vai funcionar, já me libertei destas minhas vilezas. Ah é, mas esta sua escolta de djinns, pelo menos fico satisfeito de saber que precisou de quatro para fazer o meu trabalho, hehehehe. Em primeiro lugar nenhum deles escreve, nem falam comigo, os proibi, só aceitei porque Hilal insistiu muito, mas mesmo assim quero que eles sumam rápido. Digo com um certo olhar de indignação com os quatro djins que guardam as minhas portas com alabardas prateadas com uma estampa de lua crescente. - Por falar em Hilal, por onde anda aquele chato, achei que fosse tomar chá conosco. Pergunta o djinn olhando para os lados como se o procurasse. Deve ter percebido que ando aborrecido com todas as coisas que não são deste mundo e ficam á minha volta e só vem aqui fazer seu trabalho e some em silêncio, mas estive na casa dele ontem, logo depois que voltei da oração do primeiro dia do mês de rajab. Se anda cheio de nós porque o visitou? Uma coisa é eu resolver ir quando preciso buscar alguma inspiração, ver coisas novas, outra muito diferente é quando elas me visitam, ainda mais em horas impróprias e sem aviso. Se os vários mundos estão separados não eram para se misturarem assim. Quem construir as pontes foi você, ora essa. Diz o djinn já meio indignado com minhas referências mais do que diretas ao meu desagrado com a presença dele. Construi as pontes para que eu passasse por elas e trouxesse um pouco desta beleza e destas maravilhas para cá, em doses homeopáticas, como diz o chavão. Não para


que ficasse todo este trânsito por aqui. Bom estão em vez desta escolta malencarada Hilal devia ter é lhe mandado guardas de fronteira, hehehehe. Mas é isto mesmo que eles são, não percebeu? Só deixaram você entrar porque precisava falar com você, saber como anda, se está se cuidando e para dizer um adeus de uma forma mais adequada do que da última vez, como amigos e homens livres. Mas se voltar sem avisar não será rcebido. Ouvido atento e boa vontade - Disse o gênio meio cabisbaixo e sem o mesmo ar de deboche – curioso ver o quanto de você vinha de mim e como está mais confiante e menos crédulo. A propósito, aquela coisa de Iblis foi uma brincadeira, você sabe, né... Pois foi uma brincadeira de mau gosto, como quando este seu parente infeliz é tão cínico não relato do Sagrado Alcorão sobre a Hora, quando ele ri na cara dos seus seguidores e diz que ele jamais compartilhou da crença deles de que era um associado do Altíssimo. Destas imagens todas de meus primos pobres a que acho mais engraçada é a daquele conto russo, do diabo que de tanto assistir aos sermões se converte, vai limpando a Igreja e por final resolve ir pregar no Inferno, provocando muitas gargalhadas nos outros, que tomando a pregação por brincadeira se divertem imitando-o, alguns muito melhor que eles. Diz o gênio mais agradável. Pregar é sempre mais fácil do que dar o exemplo, e quem dá o exemplo não precisa pregar porque tem luz nas suas ações, não acha? Não se acha atormentado com esta idéia da necessidade de ser bom? Acho que isto te angustia demais da conta, sabe, por isto fez estas pontes todas por onde as maravilhas transitam. Como todos os humanos tem muita pressa, ainda mais agora que eu me fui, não devia ter tanta ansiedade, se preocupa com as pequenas coisas, uma de cada vez, é melhor ser um humano apenas decente – o que não é tão difícil visto que os padrões de vocês estão muito baixos – do que ser um mau santo. Perde batalhas porque só quer lutar as grandes guerras, ao invés de treinar nas pequenas até ter

habilidade suficiente, é pro sito que anda chateado com o maravilhoso. Olho meio espantado para o gênio, meio surpreso com toda esta sabedoria e moderação de onde só costumava ouvir deboches e ironia. Não gostei dele ter me dito isto, porque tinha a ver com coisas que eu pensava, assim bastou ouvir estas palavras de alguém cujas intenções eu suspeito para que minha crença nelas se abale. Hahahahahahaha – gargalha o gênio adivinhando meu pensamento pelas minhas feições, sou péssimo mentiroso, como disse – acabo de te ensinar duas lições pelo preço de uma, não se lembra do que disse Ghazalli: não procura saber quem diz a verdade, mas conhece antes a verdade e saberá em quais bocas ela anda? Estou dispensando aconselhamento espiritual de seres que vivem em outros mundos e segundo outras lógicas, outras verdades, meu amigo, mas agradeço a intenção. Só achei curioso que me diga o mesmo que o xeque me disse ontem. Só Hilal me diz outra coisa... Já reparou que quando eu estava por aqui confiava muito mais nele do que confia agora? Antes ele era o seu queridinho dos três, agora desconfia dele, aposto que foi até a casa dele só pra ter certeza de que não ficava em algum abismo infernal. Quando eu estava pro aqui queria ser ele, agora que me fui só quer ser o Alexandre. Desconfio sim, acho até que tenho motivos, acho que ele exacerba meu orgulho e até meu individualismo. Me dá uma certa sensação de poder com a qual não sei lidar bem porque achava que seria mais disciplinado. Pois é, achou que todos os seus defeitos eram culpa da minha influência, né, pode falar a verdade. Agora está percebendo que até algumas de suas qualidades vinham de mim. Disse o gênio entre compreensivo e irônico. Diz a verdade! Esta sua angustia, meu amigo, é a sensação que se tem quando se é livre. Eu também passo por isto. Acho que não sinto falta de quando você me mandava escrever isto ou aquilo, pesquisar aquele assuntos, descrever


algumas coisas da minha vida? Agora eu mesmo tenho de pensar não que fazer, por mim mesmo. Hilal às vezes é cruel e em outras horas omisso. Ainda não sei bem o que fazer desde que me livrei de você. Você gostaria de ser ele, de sempre saber o que fazer para ser correto, de não ter medo de errar, de ter sempre na ponta da língua a palavra certa. Eu sei, até eu sinto ás vezes inveja daquele equilíbrio perfeito dele. Mas isto também é uma escravidão, a guerrilha não é menos guerra porque tem poucos soldados ou visa alvos pequenos, é a luta que dá pra se travar. Com perseverança, com novos obstáculos a cada dia, tem os mesmos efeitos, é até mais difícil de ser derrotada. Não ouviu o que o xeque falou pra você ontem, sobre a cada derrota descobrir o que falou? Anda me espionando? Pergunto eu espantado. Na falta d que fazer e sem ter feitos amigos neste meu mundo eu observo você. Incomodo, mesmo quando sou discreto? Incomoda sim, oras, e a minha privacidade. Só fui com você até um lugar público, queria ver se ia mesmo, sei que evita estes lugares por conta de seu orgulho e vaidade, tem medo de ser repreendido, de ver que não é Hilal não. Ando me curando disto, por isto mesmo este trânsito entre o fantástico e a minha casa anda me azucrinando. Tenho desejo de ser apenas Alexandre. Já viu nestes dias todos o quanto precisa ter cuidado com as coisas que deseja, não viu? Ainda mais com toda esta sua escolta. Diz o djinn olhando de soslaio para seus primos ricos, como ele os chama. Bom, isto não precisava me falar, né, por sinal foram estes desejos todos que me enfastiaram das maravilhas e me fizeram desejar o prosaico. Muito bom ver você mais sábio, feliz aniversário. Disse o gênio e evaporou.

S E X T A - F E I R A , 2 8 JU L H O , 2 0 0 6 - 2 0 : 2 7

Islam, Pessoal, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10059


O TRISTE FIM DA LITERATURA INFANTIL Lobato, dizem, deixou de escrever para adultos porque desistiu de tentar colocar ideias nas cabeças deles, repletas demais de costumes, vícios e preconceitos para que coubesse alguma coisa mais. Resolveu, então, sugerir ideias às mentes infantis, menos doutrinadas na mediocridade e parece ter tido efeito, afinal os "filhos de Lobato" marcaram algumas décadas de progresso do país, ainda que nenhum deles tenha tido a mesma coragem do mestre. Quem lê os textos para adultos de Lobato, em geral artigos de jornal, lamenta a opção do escritor porque certamente ele teria muito ainda a dizer a todos. Sua mente desacostumada às normas que em geral a acorrentam produz ideias originais, juízos tão estranhos como corretos, coloca o dedo na ferida profunda da nação sem medo nem piedade; tudo isto alinhado numa prosa elegante, culta e cheia de referências sem ser pedante, às vezes numa história profunda e comovente retirada às páginas da história ou do noticiário. De todos os livros - em geral coletâneas dos artigos - o meu preferido é "Na Antevéspera", escrito na década de 20 (com alguns acréscimos posteriores e anteriores). Lá ele destila críticas profundas ao governo federal, aqueles tumultuados anos de Arthur Bernardes e Washington Luis, com toda a violência sincera do seu texto. Eram anos de chumbo, principalmente para os paulistas, marcados pelo Estado de Sítio, pelo bombardeio de São Paulo que o marcou profundamente - "só a insânia o poderia invocar [o princípio da autoridade] para destruir São Paulo", escreve ele - de níveis insuportáveis de corrupção governamental

e de um profundo desejo de mudanças que depois seria habilmente manipulado pela Revolução de 30. Frente à vileza do governo Lobato eleva os personagens que enfrentam este estado de coisas à categoria de heróis. A Coluna Miguel Costa - que depois se fundiria com as tropas do Sul formando a Coluna Prestes - é saudada pelo seu heroico abandono de São Paulo, fazendo cessar o bombardeio, assim como heroico é o soldado que mata um oficial francês que por motivo fútil o chicoteia o rosto - privando Damasco de mais um bombardeador, ironiza ele - e o soldado nordestino que havia lutado por São Paulo e perdido um olho (isto já em 32) mas placidamente aceita as ofensas racistas de uma velha dama quatrocentona, só para citar alguns. Mas cada vez que releio Lobato, que comecei a devorar mal aprendi a ler, sou assaltado por uma dúvida que me atemoriza quanto ao futuro: será ele ainda legível para as crianças de hoje? Dou uma olhada nos livros infantis que circulam por aí e sou tentado a acreditar que não. Quase sempre se tratam de livros que tratam as crianças como imbecis, nos quais não se pode aprender nada. Quase sempre são tão desprovidos de conteúdo que precisam apelar para outros aspectos como estratégias de marketing, assim proliferam livros nos mais diversos formatos e materiais justamente porque nenhum deles tem conteúdo, então precisam buscar algum atrativo que o substitua. Lobato escrevia às crianças com o mesmo esforço e qualidade com o qual escrevia para os adultos. A diferença, se há, é que nos livros para crianças reforçava o aspecto lúdico, buscava estimular a fantasia e nunca usava expressões sem as explicar. Não usava um texto primário e uma temática imbecilizada como a imensa maioria dos escritores infantis de hoje fazem. Talvez ele acreditasse que o poder da fantasia, aquela mágica que encontra uma eficiente metáfora lobatiana no "pó de


pirlimpimpim", seria a única esperança para que no futuro as crianças que o lessem resolvessem pensar e mudar radicalmente o país que ele amava tanto e que era tão castigado. A tarefa, deveria saber ele, era tão imensa que exigia uma grande dose de imaginação e da coragem que a fantasia dá para ser efetuada. Os atuais livros para crianças, boçalidades mercantis, certamente não exercem nem exercerão este papel. Talvez, pelo contrário, irão desestimular as crianças de pensar fazendo-as imaginar que as suas histórias cretinas e monossilábicas fazem parte de algum tipo de literatura, garantirão que as novas gerações não conheçam nunca a leitura de livros de qualidade e ensinarão que o formato ou material no qual o livromercadoria é feito é mil vezes mais importante que o conteúdo. Meu único alívio é saber que estas bobagens que se chamam hoje de livros infantis nunca chegarão a um milésimo da glória de Lobato. Seus autores e editores poderão ganhar fortunas comercializando este lixo todo a pais e filhos ignorantes, mas jamais deixarão o nome para a posteridade como Lobato fez. A mais certa das imortalidades - aquela representada pelo nome que deixamos quando abandonamos a vida - não é nada conivente com a ignorância e a mediocridade. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:23

Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro Monteiro Lobato,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/17


UM CADÁVER PERFUMADO SORRINDO Cadáver sorridente: Capa do livro "A publicidade é um cadáver que nos sorri" de Oliviero Toscani, responsável pelas campanhas polêmicas da Benetton. Raramente assisto TV, ainda mais TV aberta, eventualmente um ou outro programa e de vez em quando, por necessidade profissional, algum telejornal – não para me informar, claro, mas apenas para ver que tipo de informação os telespectadores estão recebendo. Nesta semana quando me arrisquei a ligar a TV fiquei meio chocado com a brutalidade de uma propaganda de perfume e fiquei imaginando como uma empresa que até me parecia séria pelas suas preocupações ambientais tem tão pouco apreço a sua imagem – ou tanta confiança na insensibilidade de seus consumidores – a ponto de idolatrar o consumidor e ironizar a beleza. Na propaganda um garoto esforça-se para decorar um famoso soneto de Camões – que como incorporado à letra de uma música do rock nacional imagino que não seja nada assim tão transcendental – e quando o recita para a garota ela se espanta, ele fala pra ela esquecer e então dá o perfume e ela fica contente. Difícil ser mais grosseiro, retratar melhor o que há de pior na modernidade com a eliminação da beleza e do sentimento em proveito do consumismo. Esta absoluta inversão de valores lembroume do livro do polêmico publicitário responsável pelas igualmente polêmicas campanhas da Benetton, Oliviero Toscani: “A publicidade é um cadáver que nos sorri”. A despeito da fama de utilizar a polêmica e até a ética e os valores mais elevados apenas

para ganhar publicidade grátis as considerações que ele faz no livro, parecendo mais pensador libertário do que publicitário, não deixam de fazer alguns alertas sobre como estamos chegando no Admirável Mundo Novo. Até o fato dele ser um publicitário bem sucedido reforça – e não atenua – na minha modesta opinião o impacto dos fatos que ele observa e para os quais chama a nossa atenção. A exposição sem máscara de uma visão de mundo no qual o sentimento e a beleza não tem valor, mas sim aquilo que nós podemos comprar, audaciosamente apresentada nesta propaganda – com o agravante de utilizar crianças – mostra que ou a empresa perdeu o senso ao aprovar a campanha que alguma mente doentia criou ou realmente estamos ainda pior do que se podia imaginar. O caráter comercial das datas comemorativas, algumas delas criadas com a finalidade única realmente de vender, outras – como o natal – apropriadas inescrupulosamente pelas empresas que a esvaziam de sentido, não chega a ser um processo novo. Lembro-me lá dos tempos de minha adolescência militante quando minha cidade natal ganhou notoriedade nacional, no mal sentido, quando resolveu queimar em praça pública um livro didático que criticava, entre outras coisas, esta comercialização do natal. Na época apenas 2 dos 17 vereadores foram contra a “pequena inquisição” (um deles, Azuaite França é meu amigo e vereador até hoje e votei nele enquanto morei por lá), mas o resto do país ficou horrorizado com o obscurantismo e a ignorância (basicamente quiseram queimar o livro porque não o entenderam). A diferença que mostra o grau de putrefação deste cadáver nesta e em uma ou outra propaganda que de vez em quando aparece idolatrando o consumismo sem rodeios, eufemismos ou metáforas, é que a transformação da data festiva em oportunidade de negócios aparece como elemento central, como a alternativa válida,


como a coisa certa a fazer. Há no comercial grotesco a ideia de que não adianta tentar inventar ou sensibilizar, a única coisa que realmente tem valor é o sentimento expresso através de uma mercadoria. De minha parte jamais voltarei a pisar numa loja que vende um produto anunciado desta forma, mas milhares de outros consumidores não perceberão a brutalidade da propaganda e outros milhões até acharão “legal” a propaganda e irão as lojas adquirir seu sucedâneo de lirismo. Saber que isto pode acontecer é que torna a propaganda triste como um velório. QUARTA-FEIRA, 6 DEZEMBRO, 2006 - 14:51

Comunicação, Pessoal, Arte, Política, Filosofia e cia DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10176


PROSA E POESIA Li em algum lugar que somos prosaicos quando fazemos aquilo que somos obrigados e somos poéticos quando fazemos algo com paixão. Nestes dias eu tenho sentido muito a realidade desta sentença. Já havia esquecido o quanto a ação política pode ser poética, mesmo nestes tempos de desesperança, mesmo nestes tempos nos quais os sonhos precisam ser reconstruídos de quase zero. Também sinto o resgate do orgulho da minha ação profissional. Recupero a sensação de que com todas as dificuldades é possível pensar e construir o novo. Não tenho tido muito tempo para escrever, passo os dias em uma enorme correria – reuniões; textos para escrever, ler, discutir; acompanhar as discussões no plenário; redigir leis; comentar outras; pesquisar alternativas e propostas e, principalmente, debater com a sociedade soluções ao mesmo tempo possíveis e audaciosas. Este desafio de romper o ciclo da crescente mediocridade faz com que não sinta tanto esta falta de tempo de escrever para o blog. Lidar com a realidade, com a diversidade, é certamente um caminho perigoso. Continuo, como já disse antes há vários amigos, acreditando que enquanto minha luta é pelo que acredito e não por 3 moedas de ouro conto com a necessária proteção. Alguns colegas de trabalho, por sinal, me disseram nestes dias pelos corredores que era uma pessoa de sorte, pois se tivesse ficado onde estava teria de falar não sobre o novo, sobre o rompimento da mediocridade, mas sobre outros assuntos nada nobres. Mais uma vez só posso assinalar que o caminho nos escolhe e que neste caminho há uma sabedoria superior. Q U A R T A - F E I R A , 1 1 JU L H O , 2 0 0 7 - 2 0 : 2 1

Pessoal, Poesia DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10633


ESTÁ NA HORA DESTA “GENTE DIFERENCIADA” MOSTRAR SEU VALOR Foi uma besteira, uma frase infeliz dando vazão ao preconceito grotesco que é de bom tom manifestar nos eventos sociais privados mas que se evita expressar em público, mas corre o risco de desencadear um mobilização social e - claro – política como há duas décadas não se via e finalmente começar a concretizar alguma das muitas esperanças de uma internet como veículo democrático. Vai ser mais um flashmob sem maiores consequências além da curtição ou o “Churrascão da Gente Diferenciada” vai se tornar a nossa Praça Tahrir e obrigar as demandas de democracia política e social efetiva serem finalmente colocadas na agenda?

Eu, particularmente, não tenho a resposta e não imagino que ninguém a tenha neste momento mas acho que o Churrascão, com toda a irreverência, tem este potencial pra ser nossa Praça Tahir sim. Não é possível se enganar pela pequena magnitude do evento gerador. Revoluções maiores já começaram com fatos ainda menores - que é o “Se não tem pão comam bolo” de Maria Antonieta perto da manifestação de asco pelo povo da moradora de Higienópolis? - como a história cansa de mostrar, e a motivação do Churrascão tem todos os elementos para ser um grande evento histórico, inclusive o ser pitoresco e ao mesmo tempo sintetizar em um pequeno gesto uma montanha de contradições e ressentimentos acumulados por séculos de exclusão social e

discriminação exatamente em um momento no qual os segmentos oprimidos da relação encontram-se em uma situação de força e prestígio. Adicionalmente há muitos elementos martelando um conflito que demanda solução, a própria referência depreciativa ao “povão” feita pelo mais ilustre morador de Higienópolis há algumas semanas ainda não foi bem deglutida e ao invés de dividir acabou solidarizando os segmentos médios que ele queria atingir com os segmentos mais pobres que ele desprezou, tanto pela solidariedade na discriminação quanto pela ascensão recente da tal “nova classe média”. Toda a truculência de Bolsonaro contribuiu também para criar uma tensão social de reação à discriminação que também joga lenha na fogueira de toda esta tensão social represada. O Apartheid socio espacial paulistano faz com que dos seis distritos com maior densidade populacional três estejam nos limites extremos da cidade. E é assim há muito tempo, tanto que o Bixiga deve seu nome ao fato de ser o bairro da “gente diferenciada” do passado, lazarentos, mendigos, libertos e seus patronos as vítimas da varíola, enquanto Higienópolis tem este nome justamente porque era a área alta, drenada, saudável da cidade construída para que os ricos residissem nela. Assim o horror da moradora a que a gente diferenciada contaminasse seu ambiente asséptico e higiênico expressa nada mais que uma convicção quase natural, reforçada por mais de dois séculos de planejamento urbano, de que ali era o lugar dela e que a gente diferenciada não pertencia àquele espaço, que ela tinha pago caro justamente para ver-se livre de ter contato com este “tipo de gente”. Não há morador da periferia que sacoleja por três a quatro horas por dia, horas roubadas do seu lazer, educação, cultura, descanso e convívio familiar (mas neste


assunto os eternos defensores da família nunca se metem cobrando soluções) às vezes mais, no transporte coletivo que não sonhe em ter uma estação do metrô próxima de casa, mesmo sendo um metrô que saia lotado nos horários de pico. No imaginário desta pobre população a recusa do metro em nome de manter a higiene do bairro soa como um tapa na cara. A elite brasileira sempre foi reacionária e odiou seu povo, isto não é novidade e basta aproveitar a data do 13 de maio e acompanhar os debates que se travaram para a abolição da escravidão para ver o quanto ela evoluiu pouco tanto na visão de mundo quanto nos argumentos. A paciência do povo, contudo, esgota-se um dia de tanto esperar que ela chegue ao menos até o começo do século XX, que pelo menos deixe de lado os temores de Cotegipe e as teorias de Gobineau. E este momento está visivelmente próximo. Ficaria admirado, mas não surpreso, se tudo começasse no Churrascão.

SEXTA-FEIRA, 13 MAIO , 2011 - 01:14

Política PP, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10773


POLÍTICA E INSANIDADE Não sou autoritário em política, mas não acredito muito nesta questão de “ouvir a sociedade”. Evidente que não porque ouvir a sociedade não seja importante, mas porque quase sempre por detrás deste lugar comum esconde-se ou a ausência de propostas efetivas ou a falta de coragem de enunciar projetos realmente novos. Ademais na medida em que há pouca cultura cívica, noção de cidadania, hábito do debate racional, há casos nos quais por “ouvir a sociedade” entende-se de fato “reunir uma massa de manobra para aplaudir entusiasticamente alguma ideia pré-concebida”. Este simulacro de democracia é muito mais comum do que parece. Até do ponto de vista de um pequeno grupo que se reúna para uma tarefa coletiva, por exemplo redigir um texto, por mais democrática que seja a relação entre elas ninguém redige a várias mãos. O trabalho mesmo na pequena equipe não ocorrerá senão na medida em que as tarefas forem divididas e alguém for escolhido para definir um texto, uma base concreta sobre a qual depois poderão ser feitas as alterações, modificações, acréscimos e edições. Falei de dois problemas, falta de ideias ou falta de coragem para expressá-las. Não deixa de ser curioso que aos loucos não faltem nenhuma delas e seja comum que as pessoas que buscam as lideranças políticas com soluções para os grandes ou pequenos problemas do país sejam muitas vezes lunáticos. Por incrível que pareça há vezes nas quais mesmo destes saem ideias interessantes. Lembro-me de uma vez na qual uma destas pessoas com alguns parafusos a menos, famosa até na cidade, fez uma ponderação

relativa ao fato dos esfignomanômetros – os aparelhos que medem pressão – poderem errar. A questão nos intrigou e fizemos alguma pesquisa no assunto, verificando não só a ausência de alguma norma a respeito como até que em todo o país havia só um aparelho de aferição. Alguns meses depois, quando o Inmetro lançou as normas de aferição destes equipamentos – e é preciso dizer que o fez muito prontamente – iniciou o programa justamente na Câmara Municipal do interior onde eu trabalhava e que era presidida pelo vereador que teve o bom senso de dar ouvidos à “louca” e tomar as providências. Curioso parece que no processo geral de degradação de tudo nem mesmo os loucos são mais como os de antigamente, como tantas e tantas personagens da mitologia, do folclore e da história que se expressavam com a absoluta liberdade concedida àqueles que são loucos, que certamente tem no bobo-da-corte o seu arquétipo, mal compreendido na imagem moderna do personagem. Hoje até os loucos calculam, pensam, buscam interesses pessoais ou estão tão fora da realidade que falta aquele tom de discernimento. Também engraçado que boa parte daqueles que procuram um gabinete político sejam loucos – de um tipo ou de outro – porque no fundo isto parece estar me dizendo que só eles ainda acreditam que algum político possa resolver algo. Os momentos quando me sinto mais ligado à política são paradoxalmente aqueles nos quais me deixo levar também por certa insânia, por certa expectativa ou esperança de que é possível fazer diferença. No meu juízo perfeito preocupo-me apenas em fazer o meu trabalho da forma mais profissional possível, até de sair caçando trabalho quando não há; mas é só quando deixo um tanto do juízo de lado que começo a articular e sonhar em como as coisas poderiam ser diferentes, como se pode romper o paradigma vigente para se pensar em algo novo, começo a traçar propostas que não estão embasadas em “ouvir a


sociedade”, mas tentam construir uma nova forma de ver as coisas. QUINTA-FEIRA, 19 ABR IL, 2007 - 04:33

Pessoal, Arte, Política DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10555


A MEMÓRIA DO HERÓI Agrada-me certa noção presente em algumas tradições segundo a qual a meta de nossa existência seria acrescentar certo tipo de “memória emotiva” à divindade, através a qual Ele pudesse enxergar-se. Em tal concepção o maior pecado seria ser chato, ter uma vida convencional da qual se é apenas sujeito passivo, portanto falhando do intuito fundamental da existência que seria o de acrescentar alguma vivência rica à unidade. Se há alguma dimensão religiosa do herói ela certamente estaria contida em uma mentalidade como essa. Nas culturas mais antigas a imortalidade era privilégio justamente dos que tinham dado à vida uma dimensão heroica – só os que haviam conquistado a glória podiam habitar a ilha dos bem aventurados na qual a Idade de Ouro não tinha cessado, aos demais estava reservada a eternidade como sombra fugidia no Reino de Hades. Com o tempo estas noções de imortalidade foram se modernizando e democratizando, perdendo a sua essência. Há pouco ainda existiam aqueles que pretendiam ser possível comprar a salvação, portanto a eternidade. Também a noção heroica perverteu-se, lá na idade média Ibn Khaldun dizia que as reputações eram fraco indicador da qualidade dos guerreiros, generais e príncipes porque só aquele que não tinha apego a estes tipos de vaidade poderiam ter esta dimensão heroica, logo aqueles que contratavam poetas, músicos e bajuladores para saudar seus méritos é justamente porque não os tinham. Na modernidade, com os recursos da publicidade criam-se falsos heróis a todo instante e ninguém liga muito para as ações heroicas, quando muito, ligam por um instante e depois se esquecem.

Quem se incomode com isto nada tem desta dimensão heroica, porque sua meta não é o reconhecimento, mas o engrandecimento de si próprio, o ter algo de interessante a contar quando retornar à unidade. Mas, enfim, o que seria um herói! Penso que é uma pergunta que não pode ser respondida, nem precisa. As mitologias diversas oferecem inúmeros modelos, mas o modelo fundamental, penso eu, subsiste dentro de cada um. Ao menos potencialmente cada ser humano pode atingir alguma dimensão heroica. A grande dificuldade, contudo, é liderar a si mesmo, vencer-se, submeter à alma animal à essência divina – afinal de que outra coisa as religiões e as mitologias falam senão desta batalha fundamental – sem o que se é um escravo do nosso eu inferior. Sem esta vitória – que não é um processo mágico, mas luta diária - não haverá herói de fato. Até por isto todos os que se jactam de seu heroísmo acabam por demonstrar a falta dele, motivo pelo qual toda definição de heroísmo já começa falsa. Há quem diga que o tempo dos heróis já passou. Não estou certo disto, pelo contrário penso que em nenhum outro momento eles foram tão necessários e tão difíceis de serem produzidos. Vivemos nestes dias sombrios nos quais não só a questão do heroísmo não está colocada em pauta, mas mesmo falar em superar-se é fora de moda. Perdemos a noção do eterno porque valorizamos o rápido, o urgente; perdemos o sentido do esforço porque o mérito está em obter as coisas sem esforço; perdemos a noção da disciplina porque o que tem valor é não submeter-se a nada, a ser escravo do nosso ego. Ao mesmo tempo nos sentimos pequenos demais para ser heroicos, tudo é complexo, difícil, impossível. Há também muita confusão entre submeterse às disciplinas externas e submeter-se à própria disciplina; entre transcender o juízo dos outros, as convenções sociais – o que só pode ser feito por aquele que se libertou do desejo de agradar – como não estar sujeito a regra nenhuma e a nenhum princípio. Por


mais que algumas destas coisas pareçam semelhantes – e há nos homens-massa muito esforço em confundi-las mesmo - elas não só são distintas como contrárias. Saber bem a diferença, penso, já é tarefa heroica. Se a nossa meta fosse ser este caquinho de espelho do Altíssimo penso que poucas ações poderiam ser tão esclarecedoras do que a reflexão sobre como este valor transcendente nos guia, já que para isto seria preciso vasculhar nosso eu mais elevado em busca das pistas que Ele tivesse deixado S Á B A D O , 2 8 JU L H O , 2 0 0 7 - 0 5 : 0 3

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Sociologia e cia. DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10640


O ÓPIO DOS INTELECTUAIS Um levantamento dos livros mais influentes do século, realizado por editores ingleses, apresentou uma série de surpresas. Há algumas omissões questionáveis como Admirável Mundo Novo de Huxley, alguns livros óbvios como o "Em Busca do Tempo Perdido" de Proust e "A Interpretação dos Sonhos" de Freud, mas há sobretudo uma grande surpresa, "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", de Marx Weber. Não seria de se admirar se a comunidade acadêmica da área de Ciências Sociais brasileira fizesse protestos à inclusão, tão difamado costuma ser o livro em tantos cursos por aí. Cursos que parecem ter sido estruturados para confirmar a frase de Raymond Aron, um weberiano por sinal, que "o marxismo é o ópio dos intelectuais". O texto clássico de Weber é tão criticado como pouco lido e ainda menos entendido. Corre o boato, largamente difundido, que o texto é uma resposta à Teoria Marxista e ao materialismo histórico no qual seriam os fatores culturais, ideológicos que determinam o caráter da sociedade. Weber jamais disse isto, como poderiam atestar os marxistas se tivessem lido o texto. O que Weber diz na verdade, grosso modo porque sua conceituação não pode ser facilmente resumida, é que as doutrinas religiosas criam uma determinada ética emanada delas e esta ética interage com o meio econômico - assim como com o político e o social, mas primordialmente o econômico - em alguns casos estimulandoo, em outros inibindo-o. Neste sentido, a doutrina tem um papel interativo, mas independente e em alguns momentos primordial, numa determinada transformação social. No livro em questão, a tese essencial de

Weber, também aqui mutilada pela simplificação, é que os valores protestantes de parcimônia, de valorização da circulação da riqueza em vez do seu entesouramento, de valorização do trabalho, entre outros, favoreceu o desenvolvimento do capitalismo (e não o aparecimento, note-se esta distinção sutil mas essencial) nos países protestantes e o inibiu nas nações católicas como Portugal, Espanha e França. Certamente o trecho causa revolta tanto a marxistas como a católicos, numa curiosa reedição de uma Santa Aliança... Analise-se então o que os marxistas consideram um hipotético contraponto à tese Weberiana. Segundo eles os princípios católicos faziam parte da superestrutura ideológica do sistema feudal, com o surgimento do capitalismo a nascente burguesia precisava lutar pelo controle da estrutura econômica e consequentemente mudar a superestrutura ideológica. A Reforma Protestante, foi, portanto uma expressão, um disfarce, de uma luta que era econômica ou no máximo política, voltada em especial para a legitimação da cobrança de juros, proibida pela Igreja. Surge de imediato um vácuo, o fato de não obstante tal constatação, os países católicos tornaram-se capitalistas. E que não se alegue a Contra-Reforma para refutar isto, porque esta não fez nenhuma adaptação "capitalista" na doutrina católica, mas antes pregou uma volta aos velhos valores medievais. A reação católica não foi a de se modernizar, como seria de se supor pela tese marxista, mas sim de tornar reais e concretos os valores morais que ela pregava mas que eram hipocritamente violados. Nas mãos de Marx, intelectual brilhante, dedicado, criativo, culto, sua teoria era uma coisa, ele próprio estava consciente que ela era uma abstração da realidade, um modelo teórico a ser constantemente aprimorado. Não obstante os seus preconceitos e idiossincrasias - típicos da sua época - ele deu grandes contribuições ao conhecimento do homem e da sociedade. Já aqueles que se


chamam marxistas - termo que Marx por sinal ironizava - em geral usam a teoria de Marx como uma desculpa para não ter de pensar mais profundamente. O que em Marx era uma teoria fortemente criativa e inovadora, na imensa maioria dos marxistas é um modelo grosseiro e simples para explicar da realidade, tratando tudo que não pode ser explicado de forma satisfatória como irrelevante. Com isto sequer conseguem apreender toda a riqueza do próprio Marx. Ao contrário de Marx, inclusive, pouco se preocupam em conhecer qualquer interpretação alternativa da realidade ou se debruçam num esforço sério de entender e criticar estas outras interpretações. Weber é um caso exemplar, assim como Durkheim, de autor que apesar de toda a sua relevância é pouco lido, refutado pelo que alguém achou que ele dizia ao invés do que pelo ele mesmo disse. É evidente que o marxismo - ao contrário do que dizem seus detratores, eles próprios culpados do mesmo pecado de criticar pelo que acham que Marx disse ou pelo que os marxistóides disseram - ainda tem um grandioso e fundamental papel como ferramenta de compreensão da realidade econômica, social e política. Mas esta contribuição é tolhida porque de perspectiva científica o marxismo vai se tornando uma superstição, um preconceito, uma doutrina religiosa, que faz fenecer todo o seu potencial criativo e revolucionário. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:48

Pessoal, Arte, O futuro, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Aldous Huxley, Marx Weber, Raymond Aron,DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/39


IMAGENS DE DEUS "As opiniões dos homens sobre Deus surgem apenas na imaginação deles, e é absurdo tentar deduzir alguma coisa do que dizem; bem ou mal, eles o disseram de si mesmos, Não de Deus" (Farid Ud-Din Attar, A conferências dos Pássaros) Ao longo dos séculos os homens tem intuído a existência de um Ser Superior que criou o mundo e zela pelo Universo. É perceptível uma evolução deste conceito para formas cada vez mais abstratas, imateriais e sobretudo a crescente consciência de uma unidade. Mesmo sob o clima de absoluto relativismo cultural que predomina na cultura pósmoderna, as pessoas intuem esta unidade da divindade como um conceito mais evoluído do que o da multiplicidade de deuses. No momento atual o mundo vive entre dois extremos quanto à questão religiosa, digladiam-se materialistas extremos para os quais a crença em Deus é uma superstição dos tempos de ignorância e fundamentalistas para os quais Deus é tudo e o que o homem faz não é senão a vontade d'Ele. Nos interstícios destas visões antagônicas de um Deus que é tudo ou nada, pululam velhas superstições antiquadas, politeístas e mesmo animistas (pois a tal crença em duendes e coisas do tipo não passa de um renascimento do animismo mais grosseiro). Mesmo entre os que ainda creem em Deus há uma pluralidade de papéis atribuídos à Divindade que desafiam qualquer tentativa de catalogação. Talvez porque com as Igrejas perdendo o seu poder de coação e coerção ideológica tenha sido aberto o caminho para que cada um crie uma divindade à sua imagem e semelhança e segundo as suas próprias conveniências. Tal como na metáfora dos sufis, Deus é como

um espelho que se partiu em milhões de pedaços que cada um recolhe, vê o seu reflexo e proclama: este é Deus. Tal noção, ainda que muito simpática à época atual de iconoclastia e individualismo gera, contudo, um problema extremamente complexo. A mais inconteste justificativa de Deus talvez seja a do filósofo pragmático norte-americano William James, o qual avalia que se a crença na existência de Deus torna o homem mais feliz e a sociedade mais solidária, então esta crença é verdadeira. Mesmo no senso comum existe esta noção e não foi uma única pessoa que afirmou que se Deus não existe, então tudo é permitido. Isto porque um dos maiores benefícios advindos no mundo material da crença em Deus é o da obediência a um código ético e moral. Este benefício se esvai quando cada um passa a crer num Deus particular, obrigatoriamente conivente com as nossas faltas como nós somos, obrigatoriamente rígido com as faltas dos outros como nós somos. Este tipo de crença nos coloca como juízes únicos de nossos próprios comportamentos e só se pode duvidar da imparcialidade deste juiz. Ainda que se conteste a validade efetiva de fazer alguém se comportar bem não por ter a bondade dentro de si, mas por temer o castigo do Inferno e desejar as delícias do Paraíso - tema que por sinal abordei em artigo anterior - este mecanismo ainda garante um certo padrão de comportamento ético e moral. E se há abusos na manipulação destes conceitos por diversas crenças, o abuso não impede o uso, como diz a máxima do direito. O místico Swedenborg levou estes conceitos até o extremo do relativismo criando um céu e um inferno voluntários, no qual cada um se dirige ao ponto no qual se sente mais à vontade. No Inferno swedenborguiano habitam aquelas pessoas que de tão más


não podem suportar a bondade e preferem as trevas por aversão à luz. Falta plausibilidade neste inferno voluntário porque ele ignora a aversão do homem ao castigo e a eterna irresponsabilidade do ser humano. No outro extremo a poetisa muçulmana Rabi'a fala de um amor a Deus tão intenso que torna seu portador bom, não por temor ao Inferno ou desejo do Paraíso. Ambas as imagens baseiam-se em um homem especial, e não nos mortais comuns já que há três espécies de homens, aqueles que são naturalmente bons para os quais qualquer coação no sentido do bem é desnecessária. A imensa maioria que fará o bem se a isto for encaminhada ou o mal se não temer represálias e uma terceira classe para qual nem mesmo as mais severas coerções serão capazes de evitar que façam o mal. Os dois extremos parecem ser igualmente raros, ainda que a sociedade atual reprima o primeiro e incentive ao máximo o último. Esta fragmentação da imagem de Deus criando para cada um uma divindade particular - extrapola qualquer discussão teológica e coloca um problema que apesar de pertencente à esfera da filosofia, refletese muito materialmente sobre uma questão social concreta. Isto porque rompe um símbolo de um consenso social sobre o que é aceitável ou não e ao fazer isto extingue um parâmetro razoável para se definir o que é permissível. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:34

Islam, Pessoal, Poesia, Filosofia e cia, Religião Rabi'a al-Adawiyya, Swedenborg, Farid ud-din Attar,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/76


O RESGATE DO PODER DA PALAVRA "Não há criação estatal se a mente de certos povos não é capaz de abandonar a estrutura tradicional de uma forma de convivência e, ademais, de imaginar outra nunca existida (...)O Estado começa por ser uma obra de imaginação absoluta. A imaginação é o poder libertador que um homem tem. Um povo é capaz de organizar um Estado na medida da sua imaginação" (Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas). A crise institucional do país aparece de forma clara, evidente por si mesma e atinge em especial aos parlamentos. É preciso enfrentar a questão de frente e ir para além da simples discussão técnica sobre reforma política, emendas e remendos na legislação. A despeito de ser possível enfrentar alguns aspectos específicos desta crise através de mudanças na legislação, em particular nos sistemas eleitorais, a raiz mesmo da questão parece estar mais ligada a outros elementos que, se não forem pensados, tornarão mesmo a mais radical reforma política inócua. A falácia segundo a qual todas as vicissitudes e idiossincrasias do nosso sistema político serão extintas por algum conjunto de leis de uma reforma política - a qual por sinal já virou "palavra mágica" descrevendo propostas tão diversas a ponto de perder o valor como conceito e até como slogan ignora o elemento essencial de todo processo. O que nos falta não são leis, mas de um lado uma cultura cívica, um conceito ativo de cidadania e de outro o hábito de debater e defender as ideias. Somos, como povo e como dirigentes, talvez até criativos demais no acessório, mas padecemos de uma falta de originalidade fundadora. Foi legado ao Brasil uma

estrutura política vinda de outros climas e realidades - Monteiro Lobato dizia que era uma "rosa artificial" - e a este modelo inadequado, quase caricato - como por exemplo as eleições a bico de pena na República Velha ou os senadores biônicos no Regime Militar - foram sendo incorporados casuísmos diversos - a sub-representação dos estados mais populosos, por exemplo que desfiguraram a questão ainda mais. Uma das primeiras vítimas deste processo foi o debate político propriamente dito. Destacando que corrente política nenhuma parece estar livre desta tendência, o exercício da palavra, do esforço de persuasão, de convencimento por argumentos, apequena-se a cada ano. Até como efeito disto não se consegue discutir a questão com a seriedade que ela merece porque a todo instante apenas se pensa nas questões efêmeras e pequenas. Discute-se a todo momento tendo em vista apenas as configurações de poder, pensando-se em como obter uma vantagem tática, mas não se discute a questão estrutural. Assim como a criança que nasce com dificuldades de audição tende a ter problemas de audição, porque não consegue ouvir aos outros e a si mesmo, também a falta do exercício de parlamentar acaba por prejudicar a capacidade de audição da sociedade política. Tornam-se cada vez mais raros momentos como aqueles nos quais com um discurso Mario Covas convencia a Câmara dos Deputados a não votar a autorização para processar Márcio Moreira Alves - em 68 - ou conquistava a luz de propostas a liderança da bancada do PMDB na Constituinte em 87. Surdos aos argumentos alheios e sabendo que os adversários são igualmente surdos aos seus, o Parlamento vai perdendo sua capacidade de falar, o discurso perde sua qualidade fundamental de tentar persuadir. Deixa então de haver, de fato, o embate de ideias na tentativa de convencer ou produzir um consenso que seja a síntese de visões distintas. Chega-se não ao verdadeiro consenso, busca da razão, mas apenas a frágeis e circunstanciais equilíbrios de


poder, quase sempre orientados em função de elementos externos ao jogo parlamentar. A crise moral, os sucessivos escândalos, também estão diretamente relacionados a este processo. Pois como a palavra vale pouco ou nada, então o que vale a pena é buscar algum nicho corporativo, transformar o voto em moeda ou, no melhor dos casos, utilizar o mandato como peça de alguma máquina política. A própria generalização formulada pelo eleitor médio - que não distingue entre o parlamentar preocupado em construir um mandato sério, o "mercador de ilusões" ou o "balconista de grandes e pequenos negócios" - torna-se parte integrante de todo o fluxo descendente da política porque a vítima preferencial desta indiferenciação é justamente o bom parlamentar, já que o eleitor dos "picaretas" vota segundo outras motivações. A crise política não será resolvida por truques de marketing - aliás é até bom lembrar que parte do escândalo do mensalão se deu em torno do superfaturamento e desvio de verbas de uma campanha para melhorar a imagem da Câmara dos Deputados. Se não por outros motivos porque a linguagem do marketing e da publicidade é um monólogo e o que precisamos é de diálogo. Um diálogo criador que nos permita de novo termos imaginação para pensar o novo. Q U I N T A - F E I R A , 2 6 JU L H O , 2 0 0 7 - 0 5 : 0 9

Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Filosofia e cia Ortega y Gasset,PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10638


ECLIPSE! Schuon diz que o corpo masculino simboliza a geometria que coloca ordem no caos e o corpo feminino simboliza a música que leva à transcendência. Nesta simbologia a mulher seria o centro da circunferência e o homem o circulo que a delimita, o homem é o sentido horizontal, a mulher é o vertical, duas dimensões de uma mesma unidade. Símbolos, como a poesia, não se explicam, sente-se e compreende-se ou não. Diria apenas que os símbolos não são arbitrários – como os signos linguísticos – portanto só fazem sentido porque são verdadeiros em todas as suas expressões, inclusive as reais. Guénon dizia que a melhor forma de combater uma ideia é plagiá-la. Esta citação me veio à mente, por exemplo, quando assisti ao Código da Vinci. Nada na história é novidade para quem se preocupa a sério com o Sagrado Feminino – por sinal as divergências entre xiitas – que invocam a autoridade espiritual dos descendentes de Fatimah, filha do profeta do Islam – e sunitas tem similaridades. A incompreensão do autor, assim como de todo este novo-erismo que tenta inventar algo novo ao invés de buscar as raízes, é não ser capaz de libertarse da visão dualista. Ying e Yang não são coisas distintas, na medida em que são vistos como forças opostas; o conceito do Tao é destruído ou sequer pode ser concebido. Limitar o uno a um aspecto estritamente feminino é tão destrutivo como o contrário e não raro esconde ainda mais do que a forma chamada de “patriarcal”. Como em muitos outros aspectos penso que é o aprofundamento em um caminho que produz a compreensão da unidade, mais do que através das misturas, fusões, ecletismos e sincretismos, como uma montanha na qual há inúmeras cavernas que conduzem ao salão central. Éramos amigos muito antes de nos rendermos às evidências de que havia atração e os elos eram muito mais fortes do que poderiam transparecer naquela imagem

já translúcida na qual nos conhecíamos sem máscaras, para além das personas. A maravilhosa contradição é que talvez seja o fato dela conhecer as fragilidades e sensibilidades – lembro de uma brincadeira que ela fez quando leu alguns artigos que escrevi como ghost-writer para uma cliente feminina, estranha posição esta de entrar no personagem para escrever para outros - que me deixa à vontade para ser tão masculino no momento necessário. Não contrario a zoologia, por isto não me escravizo aos papéis mas aceito - com prazer, claro – as dimensões físicas dos papéis que ela me dá. Difícil descrever esta harmonia de música e geometria, mistura de caleidoscópio e caixa de música, que nestes meses todos, com tantas dificuldades e novos problemas jamais definhou ou esmaeceu. Falar de ausência de conflitos pode ser ilusório, pode vir de algum se anular ou sujeitar, ou, num estágio mais avançado, pode vir de surgirem os motivos de conflito mas eles serem resolvidos no diálogo, ou ainda de cada um antecipar as limitações e dificuldades do outro, fase que pode ser considerada bastante elevada, mas pode vir apenas da disciplina do espírito e da segurança mútua, da capacidade de agir em sincronia e avaliar tudo objetivamente. Mas de alguma forma sei que esta nossa harmonia é ainda mais elevada que isto, a ponto de às vezes dispensar as palavras e por isto conversamos de tantos outros assuntos e tão pouco de nós mesmos. QUINTA-FEIRA, 8 MARÇO, 2007 - 16:12

Islam, Pessoal, Poesia Schuon, Guénon,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10543


REVOLUÇÕES, EVOLUÇÕES E INVOLUÇÕES A primeira vez que li George Orwell estava ainda na infância. Familiares decidiram que "A Revolução dos Bichos" era uma leitura interessante para me curar das minhas precoces inclinações comunistas. Li e gostei do livro, mas o remédio não teve o efeito previsto, tanto que alguns anos depois, com 13 anos tornei-me militante de um PCdoB que ainda se orgulhava de ser stalinista e ainda na ilegalidade, mesmo que já fora dos períodos mais sérios da ditadura militar. Lembrei-me desta história nestes dias relendo "Lutando na Espanha" – relato de Orwell sobre a sua experiência na Guerra Civil Espanhola - e a coletânea de ensaios "Dentro da Baleia". Orwell tem a capacidade de chamar a minha atenção e proporcionarme o prazer da leitura até mesmo quando ataca coisas nas quais acredito. Em Dentro da baleia ele desmonta vários de meus autores preferidos – Tolstoi, Russel e Swift em especial – ainda assim lá estou lendo pela enésima vez, lendo e refletindo sobre os textos, até dando razão a algumas das críticas feitas. Minha consolação vem em parte do fato de que lá no fundo, nas entrelinhas, há muita admiração e respeito de Orwell pelos mitos pelos ícones que ele se propõe a destruir, talvez seja isto que faça a análise dele ser repleta de sinceridade e portanto de verdade e beleza. "Revolução dos Bichos", "Lutando na Espanha" e "1984" são um mesmo livro contando a história de formas deferentes, o relato da guerra civil espanhola é a matriz na qual os outros foram plasmados, é uma descrição que impulsiona as narrativas nas quais o resultado daquelas práticas que ele denuncia vão gerando outros cenários. Há casos nos quais se percebe como os

indivíduos da fábula foram decalcados a partir de personagens da vida real. Sansão, o cavalo fiel e batalhador que toma com motto “O camarada Napoleão tem sempre razão” é um é moldado em um dos milicianos com quem ele se encanta nas trincheiras da Catalunha. Ele não enxerga estes dois militantes dedicados com desprezo, por mais profunda que seja a crítica às vãs esperanças que motivam os dois personagens. Sobre o personagem de Lutando na Espanha ele afirma: “Era um moço de seus vinte e cinco anos de idade, com expressão carrancuda, espadaúdo, cabelo meio avermelhado e louro. O quepe de couro, de bico, estava repuxado de modo feroz sobre um dos olhos, e de perfil para mim, tinha o queixo encostado ao peito, olhando com perplexidade um mapa que um dos oficiais abrira sobre a mesa. Alguma coisa, em sua expressão fisionômica, causou-me profunda emoção. Era o rosto de um homem que assassinaria outro, ou daria sua própria vida por um amigo, o tipo de rosto que se espera encontrar num anarquista, embora com toda a probabilidade ele fosse comunista. Encontravam-se, naquela expressão, candura e ferocidade ao mesmo tempo, bem como a reverência patética que os analfabetos possuem por aqueles que julgam seus superiores. Estava mais do que claro que ele não entendia patavina do mapa, cuja leitura e interpretação deviam, a seus olhos, constituir estupenda façanha intelectual. Eu não sei por que, mas poucas vezes vi alguém que me agradasse de modo tão imediato”. Já sobre Sansão, a admiração de Benjamin, o burro, pelo cavalo é expressa de forma semelhante ao do autor. Por mais que deplorem a ilusão, admiram a força e até a ingenuidade do iludido tanto quanto odeiam o ilusor. Neste sentimento mais de admiração que de desprezo pela “disciplina proletária” é que julgo que há a enorme diferença entre Orwell e outros tantos que denunciaram a


manipulação dos dirigentes sobre os liderados. No passado a discussão política da esquerda chamava isto de stalinismo e o deplorava ou defendia, mas para muito além dos partidos comunistas foram se traçando com mais ou menos nuances estas práticas. A diferença sensível é que muitas e muitas vezes esta denúncia da disciplina e do chamado “centralismo democrático” era no fundo aquilo mesmo que os defensores da medida – stalinistas em maior ou menor grau – diziam: uma aversão pequenoburguesa à disciplina, de um lado, e um sentimento de superioridade de alguns indivíduos, particularmente os intelectuais diversos, sobre a massa do povo. Estas discussões todas parecem ter ficado guardadas em algum baú de recordações do passado, de uma época em que estas questões todas passavam por inúmeras horas de discussão. Mas o pior é que não são, se não por outros motivos porque foi neste universo que surgiram e se formaram muitas das lideranças políticas que estão por aí – e não só as de esquerda, mas muitos, em especial os mais insignes, de direita. O autoritarismo stalinista soçobrou, mas sob inúmeras formas e pretextos continua sendo cada vez mais o método de organização política mais efetiva e mais comumente colocado em prática por aí. Pior! As alternativas a ele são em geral coisas ainda piores e mais deploráveis, ou é o quadrilhismo puro e simples, ou o personalismo caudilhista ou uma mescla de sentimentos ressentidos envenenados até o cerne por sentimentos fascistas, fascistóides e preconceituosos. A efetividade de algum tipo de “centralismo democrático” dá a quem o utiliza uma enorme vantagem sobre os grupos menos organizados e disciplinados, faz com que ativistas diversos em vários locais falem a mesma língua e compartilhem de um plano de ação comum, isto sem dúvida dá a eles uma enorme vantagem estratégica. O fluxo

na direção contrária, da base para o topo da pirâmide, mesmo sempre sendo um aspecto secundário do centralismo democrático, mesmo quando utilizado de forma mutilada tem a vantagem de produzir informações, muitas vezes relativamente precisas. Mesmo com a prática de “decidir antes para depois fazer a reunião” tal método enquanto estratégia de combate é excelente. Preocupa-me saber como este processo inevitavelmente termina como a história, inclusive a história recente do país, não cansam de dizer. Preocupa-me ainda mais a falta de alternativas a este processo. Só me resta descobrir se esta desesperança está em mim ou se no mundo! S E X T A - F E I R A , 1 1 A B R I L, 2 0 0 8 - 1 4 : 2 7

Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Política George Orwell,DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10657


ganha uma dimensão maior e mais ampla quando se tem uma ao lado da outra.

CASSANDRAS E PROMETEUS Desde a época na qual a vocação e a profissão da política não se entremeavam, quando tentava apontar caminhos enquanto jornalista para a política, sentia que pesava sobre mim maldição similar a de Cassandra – a troiana que havia recebido a benção de prever o futuro e a maldição de suas previsões jamais serem acreditadas. Achei, então, de bom augúrio que na reunião do mandato parlamentar no qual atuo desta semana, a primeira na qual exerço oficialmente o novo papel de chefe de gabinete, tenha sido sugerida pelo deputado a leitura de um artigo referindo-se ao mito de Cassandra – o excelente artigo “Sob o signo de Cassandra” do diplomata Marcelo Dantas. Meu novo papel tem em si o desafio de ser capaz de materializar numa estrutura eficiente os valores e conceitos antes formulados apenas como textos, como palavras. Mesmo parecendo paradoxal, às vezes é mais simples convencer grande número de pessoas distantes do que um pequeno grupo de pessoas próximas. Não falar a um público disperso e mais ou menos amorfo, mas a alguns poucos indivíduos com os quais se convive todo dia traz a grande responsabilidade de se viver o que se diz, de enfrentar as dificuldades concretas. Escrever é sempre um ato aristocrático e individual, portanto autoritário. Mesmo quando se pretende convencer, persuadir, quando há diálogo, este diálogo é em certa medida falso porque sempre escrevemos para nós mesmos, antes de escrever para os outros – ao menos quando se escreve com sinceridade. Já a ação de dirigir a ação deve ser democrática, depende de elementos externos a si. O esforço de construir a governança requer a avaliação das forças e fraqueza dos outros – e ainda mais de si mesmo. A distinção entre autoridade e poder, sobre a qual sempre escrevo tanto,

Passei os últimos 25 dos meus 38 anos falando sobre como achava que devia ser a política, sobre a necessidade de construir o novo, ter a coragem de criar, ousar conceitos novos. Daqui a pouco tenho de romper as barreiras entre o idealizado e o concreto, não sem certa sensação desta síndrome de Cassandra ter sido deixada de lado, ao menos para um certo grupo que decidiu que a esperança é possível, mesmo no cenário trágico. Q U A R T A - F E I R A , 2 0 JU N HO , 2 0 0 7 - 1 3 : 3 6

Comunicação, Pessoal, O futuro, Política PP, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10560


fascinante para ele. Diria que preferia ver as criações de Deus às dos homens.

UM EMAIL DO ARQUIPÉLAGO Eu tenho poucos amigos no sentido mais estrito e profundo do termo. Alguns sequer conheço pessoalmente - Renilde, Daniel, Wagner - outros passo anos sem ver, mas quando os reencontro é como se tivéssemos mantido contato por todo aquele tempo. São amizades que dispensam a presença física e até mesmo o contato frequente para se manter ativas e fortes, mas é sempre um grande prazer reencontrar qualquer um destes grandes amigos. Assim, foi com enorme satisfação que abri minha caixa de e-mails ontem e encontrei uma mensagem do meu amigo argelino, que não vejo há uns 10 anos e com quem não tinha mais contato há tempos. Sei que algumas das pessoas com as quais converso imaginam que meu amigo argelino é uma espécie de personagem literário, alguma versão islâmica de Mr. Slang - o amigo inglês no qual Lobato coloca alguns comentários mas na verdade ele existe e a maioria das histórias que conto em tantas conversas aconteceu mesmo. Uma das histórias envolvendo meu amigo argelino que mais conto é aquela na qual ele, encantado com o Brasil, me pede algumas sugestões de lugares para visitar. Entre as sugestões menciono as cidades históricas de Minas. Ele me pergunta quantos anos elas tem, eu respondo algo entre 300 e 400 anos, mas com o auge em cerca de 250 anos atrás. Ele então responde, não com afetação ou orgulho, mas com simplicidade, que a casa onde ele mora na Argélia - situada em uma cidade construída pelos romanos, mas famosa pelas suas mil mesquitas - tem mais de 800. Não porque nos achasse sem história, mas por viver em um mundo tão repleto de história - sempre viveu na Argélia e na França - aquilo que é eterno, em particular a natureza, interessava muito mais e tornava o Brasil muito mais

Falávamos - e mesmo nos e-mails acontece isto - uma algaravia meio misturada de português, que ele não falava bem embora compreendesse, de francês, que eu compreendo mas falo mal, de inglês que ambos tinham um domínio relativo e termos esparsos de árabe, quase inevitáveis quando se discute o Islam. Ainda assim nos entendíamos bem, mesmo quando nas sextas-feiras reuníamos a nossa minúscula congregação - que incluía também um marroquino e um chinês - para as orações, que ele sempre fazia questão que eu dirigisse porque era o brasileiro, era aquele que ia ficar. Imagino que uma das coisas que leva alguns ouvintes e leitores a suspeitar que ele seja um personagem ao invés de pessoa real é a interessante combinação de elementos com os quais o pinto. Ele é uma pessoa de carne e osso, sim, mas nem por isto deixa de ser também um símbolo. Descendente da dinastia andaluz dos Almohadas - outra história popular é o quanto ele se surpreendia em ver logo a primeira geração de descendentes de estrangeiros se considerarem brasileiros porque sete séculos depois sua família ainda se considera andaluz mais do que argelina. Mas também de veteranos da guerra de independência argelina, a mais cruel e suja de todas as guerras coloniais - e outra história é que apesar de ter a vida toda ouvido falar de Ibn Khaldun - que escreveu o seu livro mais famoso, ainda que pelo prefácio - os prolegômenos - mais do que pelo conteúdo do livro propriamente dito, foi nas nossas conversas sobre o autor que ele viu o quanto o autor era tão atual e capaz de explicar processos históricos bem recentes. Muçulmano devoto - boa parte do tempo discutíamos versículos do Alcorão e preceitos islâmicos e eu checava se o sentido de um ou outro versículo era aquele mesmo que estava nas traduções - mas também cientista - estava no Brasil justamente fazendo seu pós-doutorado em engenharia


química e na Argélia trabalha em um importante centro de pesquisa. Uma outra história dele que gosto de contar porque me parece uma belíssima declaração de amor, é que preocupado com o isolamento da sua mulher permitiu que ela deixasse de usar o véu - delicado véu argelino com bordados dourados - e pediu a Deus que o peso, a carga, daquele pecado caísse sobre ele. Uma abnegação tão grande que oferece aquilo que tem mais valioso como tributo de um amor feito não com a grandiloquência dos atos heroicos e hipócritas, mas com uma postura singela, tranquila, mais uma vez sem nenhuma ostentação. QUINTA-FEIRA, 8 MARÇO, 2007 - 13:33

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Sociologia e cia., Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10541


VIDAS PLENAS Estou com a mesa cheia de coisas para fazer, textos para escrever, ideias no papel para colocar em prática. Mas não dava para não escrever, curioso como tudo flui melhor quando escrevo e fui chegando a conclusão que este é um exercício fundamental. Passei os últimos dias meio aborrecido com os imensos vazios à minha volta no ambiente profissional. Aqui da minha baia ouço os ruídos todos, mesmo sem querer, e me dava certa sensação de revolta jamais ouvir falar nada sério, nunca se conversar com prazer sobre política, por exemplo. Também as notícias que vem lá da fortaleza de Kurtz nem sempre são animadoras, demonstrando que mais do que fenômeno casual ou local é algo generalizado. Quando nem Kurtz, que tal como o personagem acredita que são preciso menos e melhores pessoas para ter chance de ganhar as batalhas não consegue recrutar os guerreiros que deseja é sinal da imensa falta de seres humanos que há no Brasil. Sinto-me como vindo de algum outro tempo distante e já finito, quando o enorme privilégio de fazer parte do Poder, do Estado, do núcleo dirigente, enfim, nem que fosse como contínuo – curioso lembrar que quando Kurtz começou sua trajetória era o garoto que cuidava da xérox - era um prêmio aos melhores e mais disciplinados soldados. Mas depois de refletir, meditar, pensar, esforçar-me para retirar do meu pensamento aquilo que fosse subjetivo, enviesado, cheguei à conclusão que as maiores vítimas são os próprios alienados. A indignação foi em grande parte substituída por certo sentimento de piedade com relação àqueles que vivem vidas vazias, naqueles que transformam o que poderia ser uma experiência extraordinária em mera ocupação do tempo de ócio com tédio pretensioso.

Como sempre, quando algo me irrita nos outros busco também em mim as mesmas falhas. Julgo que esta é sempre uma grande arma para lutarmos pela nossa superação, porque na imensa maioria das vezes o erro que vemos outros está em nós mesmos. Às vezes me sinto também desmotivado, fazendo muito menos do que poderia fazer, nem sempre enxergando a imensa responsabilidade que me foi dada. Não tenho ambições tacanhas ou pobres, esforço-me por concentrar-me no meu aprimoramento, mas sei que muitas vezes negligencio tantas tarefas que poderia fazer e que se estão na minha frente devem ter um motivo. Como tenho dito, a paixão da política me abandonou, mas isto também significa que agora posso ser melhor guerreiro, porque o soldado ideal – como por sinal diz Kurtz, não o meu mas o de Conrad e Coppola, e o Bahgavad-Gita – é aquele que combate sem paixões e ódios, mas pelo dever e pela consciência profunda da justiça da luta. Q U A R T A - F E I R A , 1 1 A B R I L, 2 0 0 7 - 1 3 : 0 4

Pessoal, Arte, Cinema, Política DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10550


Outros textos relacionados à Religião: *

VENERÁVEL MUNDO NOVO A visão da Modernidade no discurso de Khomeini Anteprojeto de pesquisa Resumo: o presente anteprojeto pretende delinear uma pesquisa sobre a forma como a temática da modernidade é vista no discurso de Khomeini ao longo de sua trajetória pública. A hipótese central traçada é que ao mesmo tempo que ele rejeita a identidade entre modernidade e ocidentalização tenta construir um releitura da modernidade compatível com o Islam. "Sem a modernidade não haveria fundamentalistas, bem como não haveria modernistas" (Bruce Lawrence, Defenders of God: The Fundamentalist Revolt Against the Modern Age) "Todo dia é Ashura, Todo lugar é Karbala" (Palavra de ordem da Revolução iraniana, criada por Ali Shari'ati) "Oferecem-se apenas duas alternativas ao selvagem: uma vida insana na Utopia, ou a vida de primitivo numa aldeia de índios, mais humana em certos aspectos, mas em outros, pouco menos excêntrica e anormal" (Aldous Huxley, prefácio a reedição de Admirável Mundo Novo) Apresentação: Justificativa e objetivos * Enquadramento do problema * Metodologia * Análise dos esperadas *

resultados

e

conclusões

Cronograma * Bibliografia * Bibliografia * Textos de caráter Metodológico Geral: * Textos de caráter teórico sobre Análise do Discurso * Textos relacionados a fundamentos teóricos da Sociologia da Religião *

Outros textos relacionados ao Islam e Fundamentalismo: * Textos sobre o Irã: * Fontes *

APRESENTAÇÃO: JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS A Revolução Iraniana que há pouco completou 20 anos trouxe a expressão "fundamentalismo" ao noticiário diário e deu uma nova dimensão aos movimentos de "Restauração Divina" que até então eram vistos mais ou menos como uma curiosidade marginal. No prefácio do seu Defenders of God: The Fundamentalist Revolt Against the Modern Age - talvez o mais importante e coerente texto sobre o tema, Bruce Lawrence, professor de História das Religiões da Duke University, diz que "Eu nunca pensaria em escrever este livro sem o choque da Revolução Iraniana de 79". As recentes eleições no Irã - primeiro a presidencial depois a parlamentar demonstraram a complexidade daquela Revolução nem sempre compreendida pela grande mídia - e consequentemente pelo senso-comum. Nesta visão maniqueista de que só existem duas forças em combate uma das quais deve obrigatoriamente defender a modernização - entendida quase sempre como ocidentalização - e outra se opor a esta modernização simplifica-se o problema de forma extrema e confundemse conceitos muito distintos. Em recente artigo no "Le Monde Diplomatique", Eric Rouleau, demonstrou que a disputa de "conservadores" e "progressistas" no Irã não se dá em termos de Islam x Ocidentalização ou nem mesmo de Estado Secular x Religioso, mas entre diferentes correntes políticas que pleiteiam, ambas, raízes nos primórdios da Revolução Iraniana. A necessidade de se caracterizar a Revolução Islâmica do Irã como um protótipo da Revolução Iraniana fez com que se perdesse de vista o fato dela ter sido um movimento que em determinado momento uniu as mais diversas correntes de opinião


do país, da esquerda aos setores mais conservadores. Provavelmente um dos principais biógrafos de Khomeini no Ocidente, Mathew Gordon, avalia que os caminhos tomados pela Revolução sofreram forte influência da liderança carismática, mas também influenciaram sobre a tomada de decisão de Khomeini que, a princípio, parecia simpatizar com algumas facções mais "progressistas" na disputa pelo poder que se seguiu à Revolução. Mas a incapacidade de compreensão da dinâmica das forças políticas no Irã leva a mídia a uma visão absolutamente distorcida, e às vezes estapafúrdia, dos eventos recentes como a de recente editorial do Jornal o Estado de São Paulo - de 22/2/2000intitulado : "Um voto contra a treva" no qual avalia que o voto anti-"conservador" no Irã foi uma reabilitação do Xá e uma condenação do clero xiíta. Se há alguma unanimidade no Irã, ela certamente é a condenação ao Xá, não compartilhada apenas por escassos segmentos de classe média alta e alta - a maior parte fora do país - que tinham fortes vínculos com o Xá. A perspectiva de um mundo no qual diversas civilizações competirão entre si e em especial contra a Civilização Ocidental, cenário esboçado por Huntington em "O Choque de Civilizações" e a "Recomposição da Ordem Mundial" eleva a importância dos acontecimentos no Irã a uma dimensão ainda maior na medida em pode ajudar a definir os termos e condições nos quais estes conflitos se darão. De certa forma o Irã sempre foi o protótipo da Revolução Fundamentalista, portanto sujeito a uma política de contenção semelhante à aplicada à URSS e China nos anos da Guerra Fria justificada por uma mesma "Teoria do Dominó" segundo a qual a queda do Irã deveria provocar a queda de dezenas de outras nações muçulmanas na região. Estas hipóteses jamais se confirmaram e com exceção de alguma influência no Líbano e em regiões de conflito para a qual ocorreram voluntários iranianos como Bósnia e Kossovo - a Revolução Iraniana

amais teve grande impacto sobre as Nações muçulmanas. As diversas explicações para isto ainda que toquem em pontos reais não tem sido suficientemente convincentes. De uma forma esta pesquisa tentará mostrar que o movimento Iraniano é por demais aberrante para ser classificado como "Fundamentalista" porque não compartilha da mesma identidade ideológica ou social de qualquer outro grupo "fundamentalista" islâmico ou não. Esta distinção se deve em grande parte ao fato do Irã ser xiíta, ainda que elementos exclusivos da sociedade iraniana também não possam ser ignorados. É também uma hipótese de trabalho que o relacionamento do Irã com a modernidade é vinculado fortemente à noção xiíta de "reconstruir" segundo padrões islâmicos o pensamento vindo de outras culturas. Neste sentido é preciso observar que historicamente o Islam Xiíta tem sido mais propenso a aceitar influências externas que a ortodoxia sunita, a ponto da filosofia xiíta ter incorporado sem maiores traumas o neo-platonismo e o misticismo enquanto a ortodoxia fechou as portas a estas duas influências desde os seus primórdios. Mas a hipótese principal deste trabalho é que a visão da Revolução, e em especial a visão de seu líder máximo, não era de contestação da modernidade ou de volta a um passado idílico, mas de construir uma Utopia futurista na qual as conquistas científicas e tecnológicas estariam sujeitas e ao serviço de uma visão islâmica do mundo. O tema da modernidade é bastante frequente nos discursos tanto de Khomeini como de outros ideólogos da revolução iraniana como Mutahari e Shariati - este último talvez o mais importante líder laico da Revolução Iraniana. Em parte esta presença do tema é um esforço para responder à publicidade oficial do regime do Xá, que tentava assimilar qualquer oposição a ele a uma postura reacionária como o progresso. A utilização do termo reacionário, por sinal, parecia irritar bastante a Khomeini que periodicamente tenta desvincular-se desta pecha e atribui a penetração desta imagem de "conservador" ao dinheiro gasto pelo Xá


com a compra de jornalistas ocidentais. Em diversos de seus discursos ele esforça-se por responder a esta questão rejeitando o epíteto de reacionário e até solicitando ao Xá que se ele não deseja implantar uma legislação islâmica que ao menos siga a Constituição Revolucionário de 1905. É por sinal na Revolução constitucionalista de 1905 que se deve buscar algumas das mais profundas raízes do movimento de 79. Ela é o grande modelo da frente que tomou o poder em 79 e é com base nela que Khomeini evoca o exemplo de um clero "progressista" e politicamente ativo. É em grande parte a este movimento do início do século que se deve o fato do Irã ser um dos poucos países do mundo islâmico a ter uma ordem constitucional relativamente estável e eleições periódicas, fato que inusitadamente passa despercebido pela mídia ocidental. John Sposito esforçou-se para demonstrar que a Ameaça Muçulmana era um invenção destinada, entre outras coisas, a justificar a manutenção de elevados gastos militares. Mas há no conflito entre Irã e Ocidente talvez algo mais, há a necessidade de se criar uma imagem ideológica do Outro capaz de associar qualquer esforço de resistência à Ocidentalização idealizada como Modernização ou modernidade universais como um movimento reacionário. Assim está diretamente relaciona às hipóteses mais centrais do projeto a existência de um viés sistemático na mídia ocidental cujos objetivos são demonizar quaisquer reações à globalização econômica e ocidentalização cultural e reforçar os valores ideológicos, políticos e sociais através do contraste com este Outro estereotipado e demonizado. Em termos específicos da Revolução Iraniana, o projeto se propõe também a verificar os aspectos particulares deste processo que se devem a elementos específicos da sociedade iraniana e do Islam Xiíta, parcialmente responsáveis pelo caráter notadamente aberrante - como se tentará mostrar ao longo da pesquisa - do caso iraniano em relação a outros

movimentos ditos "fundamentalistas". Na medida do possível se tentará esclarecer também a importância ainda pouco esclarecida de alguns pontos, em especial do fato do Islam xiíta ser uma religião milenarista - em seu sentido amplo e não estrito já que não prevê um período de mil anos de felicidade - e messiânica, ponto sobre o qual a bibliografia é contraditória.

ENQUADRAMENTO DO PROBLEMA Embora hoje extremamente associada ao Islam, a expressão fundamentalismo surgiu para designar o revivalismo protestante norte-americano da virada do século passado para este. O seu uso fora deste contexto é bastante questionado até porque, a rigor, os grupos a que se refere quando se fala do Islam não tem uma preocupação literalista na interpretação do Alcorão. Além disso, como destaca um dos mais eminentes filósofos muçulmanos contemporâneos, Seyyd Hossein Nasr no seu "Traditional Islam and the Modern World", o termo tem sido usado com tal amplitude, para designar tantos grupos tão distintos entre si - alguns dos quais sem qualquer orientação extremamente exotérica que justifique o uso - que o termo perdeu a sua utilidade como categoria científica. Lawrence justifica não só o uso de do rótulo "fundamentalista", bem como o caráter paralelo deste movimento tanto no Protestantismo, como no Judaísmo e no Islam e, embora limite sua análise a estas três crenças, avalia que existe similar em qualquer outra fé - mencionando explicitamente o Hinduísmo, o Budismo e o Sikhismo. Para ele, mesmo que o rótulo não seja absolutamente adequado, ele permite, enquanto categoria, que se faça um estudo comparativo analisando semelhanças e diferenças até que chegue ao cerne do problema, portanto o nome que se dá ao fenômeno, em si, não é importante. Admitidas estas restrições de cunho instrumental, parece ser admissível utilizar o termo.


Considerar a todos como diferentes manifestações de um mesmo processo, avalia Lawrence, permite que se investigue as semelhanças e diferenças e, em especial, que se trate do problema em relação ao contexto contemporâneo da modernidade, sem o qual, avalia ele, a análise não faz sentido. A conclusão semelhante chegam Martin Marty e Scott Appleby no seu "The Glory and The Power: The Fundamentalist Challenge to the Modern World" que tenta traçar um paralelo entre o fundamentalismo protestante, judaico e muçulmano. Eles contudo atêm-se a uma interpretação tradicional do fenômeno fundamentalista, entendendo-o como uma teodicéia destinada a explicar a perda de poder e prestígio das camadas tradicionais da sociedade e a dissolução de seus sistemas valorativos e cognitivos, mobilizando estes segmentos a partir de uma volta aos sistemas tradicionais, o que implica numa rejeição da modernidade, ou da Modernidade Tardia como prefere Giddens. Não é esta visão profundamente influenciada pela sociologia tradicional que irá dar uma interpretação satisfatória do problema, na avaliação de Lawrence. Neste ponto ele concorda com Nasr e destaca o caráter essencialmente nãotradicional do fundamentalista. Por mais que ele fale da tradição e evoque não sem saudades um passado glorioso - geralmente imaginário - o fundamentalismo seria, para ele, sobretudo uma tentativa de reconstruir a modernidade a partir de um conjunto de valores e sentidos orientados pela Restauração Divina. Também é a análise que faz Samuel Huntington no seu quase clássico "O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial" quando diz, referindose ao chamado fundamentalismo islâmico, que depois de décadas de "Kemalização" na qual se pretendeu modernizar o Islam, aparece a tendência contrária de "islamizar a modernidade", experiência que por sinal encontra um profundo paralelo no "período clássico" da Civilização Muçulmana no qual o conhecimento da Antiguidade foi reconstruído a partir de uma Weltanschauung islâmica.

Um dos grandes méritos de Lawrence é quebrar a noção do senso-comum sobre o fundamentalismo, segundo ele fruto de uma intricada aliança entre a Academia e a Imprensa sensacionalista (literalmente "The Ivory Tower" e The Yellow Press"). O objetivo dos fundamentalistas não é uma volta ao passado, ainda que um passado fictício, nem a negação das "comodidades" modernas, mas a submissão desta modernidade a um conjunto de valores e sentidos orientados para a Restauração Divina. Assim ele acrescenta à "ameaça fundamentalista" desprovida de seu caráter fantasioso - a ameaça da plausibilidade. Citando diversos autores especialmente Keppel, Huntington desmistifica outro ponto: os fundamentalistas não são os miseráveis analfabetos das aldeias ou da periferia das grandes cidades, fanatizados por religiosos reacionários. São em geral pessoas de classe média - ou mesmo da elite - quase sempre com instrução superior ou pelo menos técnica, fruto das segundas gerações educadas segundo o modelo ocidental. Como destaca Huntington, entre os muçulmanos os jovens são religiosos e seus pais seculares, fenômeno que aprece se repetir em outros fundamentalismos. A própria Revolução Iraniana - tomada de forma equivocada, como se pretende demonstrar, como protótipo da "ameaça fundamentalista" - foi em grande parte uma revolução conduzida por jovens. A fusão de tantas concepções diferentes em um mesmo conceito traz paradoxos e inconsistências que podem acabar levando a busca de uma abstração tal que explique o conjunto do fenômeno fundamentalista uma aventura sem chances de sucesso. Torna-se necessário, então, algum tipo de definição que norteie a classificação do que seria "Fundamentalismo" que seja capaz de demonstrar uma unidade do fenômeno sem abstrair as diferenças significativas. A definição de Lawrence atende, em parte, a esta questão: "Fundamentalismo é a afirmação da autoridade religiosa como holística e absoluta, não admitindo crítica ou limitação; é expressado através da demanda coletiva que aquelas ordenações


doutrinárias e éticas derivadas das Escrituras Sagradas deve ser publicamente reconhecida e legalmente reforçada". O centro da definição dele, portanto, reside na questão das Escrituras como elemento legitimador da autoridade, aspecto que em si não é suficiente para enquadrar o conjunto dos fenômenos que ele define como "Fundamentalismos", até porque as diversas fés tratam de forma diferente o papel das escrituras. A substituição da Escritura pela Revelação, portanto a legitimação baseada numa transcendência tão cara a Garaudy, por exemplo, parece tornar um pouco mais adequada a definição de Lawrence. Curiosamente falta na definição dele justamente o que é sua principal contribuição ao tema: a caracterização que o "Fundamentalismo" é um fenômeno da modernidade. A distinção essencial que ele faz entre o Revivalismo e o "Fundamentalismos", analisada em artigo anterior, dissolve-se em meio à definição dada por ele. Ainda que sua recusa em tentar enquadrar seu trabalho em uma avaliação humanista ao invés de sociológica - responsável por uma visão menos esquemática e mais rica do fenômeno - ela em outros pontos limita a amplitude da sua avaliação por recusar-se a incorporar alguns conceitos relativamente solidificados da Sociologia da Religião. O que dá uma certa unidade ao fenômeno Fundamentalista parece ser não a questão das Escrituras e de sua interpretação pretensamente literalista - em especial no Islam, como já foi comentado, esta definição exclui a maior parte dos grupos - é o desejo de sacralizar, ou ressacralizar, o mundo, em especial o mundo moderno. A Utopia Fundamentalista é a construção de um Sacred New World no qual aos benefícios e comodidades materiais e intelectuais da modernidade se some a solidez comunitária e altos padrões éticos e morais determinados pela Revelação. Entendido desta forma, o "Fundamentalismo" é uma tentativa de reconstrução do moderno à luz do sagrado, não como uma aceitação dos meios

modernos instrumentais - como a TV, os meios de transporte e o aparato bélico citados tanto por Lawrence como por Aplleby e Marty - mas da própria modernidade em si. O tema é recorrente nas mais diversas elaborações do pensamento islâmico contemporâneo, seja no radical ideólogo dos Irmãos Muçulmanos, Sayyid Qutb - para quem a tarefa do Islam é reconciliar religião e ciência separadas por uma "esquizofrenia ocidental" e retomar o desenvolvimento para os quais os valores ocidentais já não são mais válidos - ou para o mártir da revolução iraniana, Murtada Mutahari - para quem o Islam é capaz de contrabalançar o que deve permanecer e o que deve ser mudado, até porque "não se imiscui no padrão e forma de vida exterior, que é totalmente dependente do grau de conhecimentos humanos" porque a essência d''as instruções islâmicas dizem respeito ao espírito, ao significado e finalidade da vida, e ao melhor caminho que um homem deve seguir para atingir a meta final". Esta ênfase em trazer o sagrado de volta à modernidade, e reconstruir esta a partir dos valores transcendentes, traça uma distinção essencial do que se chama de "Fundamentalismo" islâmico dos outros "Fundamentalismos". O primeiro paradoxo que surge nesta questão é que o Islam é ao mesmo tempo a maior ameaça à hegemonia ocidental e a que mais se esforça para incorporar, ainda que de forma reconstruída, o legado iluminista, científico e tecnológico; enquanto o "Fundamentalismo" protestante, que traça sua genealogia diretamente da própria essência de valores da sociedade moderna e nela está intrinsecamente ligada, é a que mais rejeita a modernidade. No senso comum, em especial devido à Yellow Press, existe uma confusão de dois momentos distintos deste processo de luta pela Restauração Divina que resultou no Fundamentalismo. Lawrence destaca as diferenças essenciais entre os revivalismo religioso que periodicamente assalta o mundo e o Fundamentalismo, ideologia que tenta sacralizar a modernidade.


Ainda que a distinção seja polêmica e as fronteiras sejam pouco definidas, a distinção parece ser útil. Aos primeiros podem-se aplicar as explicações básicas da Sociologia da Religião e seus métodos e interpretações clássicas, analisando-os como uma tentativa de reconstruir o Sistema Cognitivo e Simbólico destruído pela rápida evolução da modernidade, de, enfim, encontrar certezas num mundo que privilegia a dúvida e a constante metamorfose, aportar em um porto seguro enquanto a tempestade da anomia não cessa. É, sobretudo, uma atitude defensiva. O Fundamentalismo, ao contrário, retoma a ofensiva ao tentar reconstruir - não negar a modernidade. Neste ponto a diferenciação do chamado Fundamentalismo Islâmico em relação a outros Fundamentalismos, cristão, judeu, marxista ou cientificista, parece se destacar e a impropriedade do termo ganha tanto um destaque como um sentido inusitado. Por detrás do conceito de Fundamentalismo está implícita uma noção de regresso aos Fundamentos da Fé, portanto de rejeição do que não está nas Sagradas Escrituras, o próprio Lawrence que defende ardorosamente a utilidade do termo bem como sua aplicabilidade a qualquer fé, nega que este sentido vulgar do termo seja o sentido real. Destaca ele quatro condições essenciais para a caracterização do Fundamentalismo: um reforço recíproco entre crença e práticas rituais, uma tradição articulada que deriva sua legitimidade da autoridade de textos religiosos, um líder carismático que lidere a formação institucional durante este processo - por vezes contestando a estrutura vigente - e por fim uma ideologia ligando o líder carismático aos grupos dispersos. Nesta última condição está, como destaca Lawrence, implícita a aceitação pelos seguidores não só da autoridade do líder e das tradições, mas a interpretação particular que ele faz delas, e portanto de uma construção ideológica. Lawrence percebe que por mais que se tente extrair autoridade das escrituras, não se trata de um simples processo de leitura, mas sim de releitura. O termo Fundamentalismo

torna-se então um tanto incomodo porque se descobre que não há literalismo explícito, há, sempre, uma interpretação intermediária. O que é fundamental, portanto, não é a adesão literalista, mas a busca de legitimidade a partir de uma interpretação exclusiva. Ainda com todas estas advertências e limitações assinaladas por Lawrence para o literalismo, é preciso notar que o alicerce da República Islâmica e do pensamento político de Khomeini é uma criação nova, a doutrina do Velaiat-al-fiqh, formulada por ele no final dos anos sessenta. O discurso dominante na mídia e mesmo na Academia ocidental dá pouca importância ao fato de que foi esta elaboração teórica de Khomeini que permitiu uma mescla de elementos ocidentais e modernos - como a instituição de partidos, parlamento e de um Estado com um certo grau de democracia reconstruídos a partir de uma releitura islâmica da visão ocidental de Estado. Uma das hipóteses que se tentará demonstrar ao longo da pesquisa é que esta mescla foi essencial para garantir a ampla aliança política e social que foi responsável pela vitória da revolução iraniana. Foi esta interpretação particular de Khomeini, espera-se demonstrar, que colocou do mesmo lado os setores religiosos e laicos da sociedade iraniana. Apesar disto a doutrina do predomínio do jurista sempre esteve longe de ser uma unanimidade na sociedade iraniana e é sobre ela que se concentra os conflitos atuais no Irã. Outro ponto que Lawrence questiona pouco, é que se a existência de uma liderança carismática é essencial no período formativo, a institucionalização e racionalização durante as gerações seguintes é que dará, ou não, o caráter de permanência do grupo. A Revolução Iraniana sobrevive 10 anos, metade de sua existência, à morte de Khomeini sem que tenha produzido outro líder carismático com o mesmo peso, autoridade e principalmente carisma, como demonstram os acontecimentos recentes no Irã, tão pouco compreendidos pela mídia ocidental. Em outro momento se tentará mostrar como as


condições específicas do Irã foram determinantes para esta persistência, bem como para uma certa racionalização e institucionalização da Revolução Iraniana, condições estas tão específicas que refutam em grande estilo a tese comum do Ocidente da ascensão de Khomeini em 79 como arquétipo das revoluções fundamentalistas. A hipótese da liderança carismática como ponto essencial do Fundamentalismo, embora consistente no caso do Fundamentalismo Protestante e Judaico, não parece ser apropriada ao Fundamentalismo Islâmico. Uma avaliação preliminar dos textos dos teóricos do movimento como Said Qutb - ideólogo dos Irmãos Muçulmanos do Egito - demonstra, pelo contrário, uma preocupação em articular uma argumentação racional quase sempre utilizando categorias do Pensamento Ocidental onde se percebe, por sinal, um evidente esforço de adaptação do pensamento marxista. O próprio Lawrence observa que o termo ideologia ganha um sentido positivo e não pejorativo na terminologia do pensamento fundamentalista islâmico. Uma interpretação particular das relações entre o fundamentalismo islâmico e a Modernidade é defendida por Eric Hobsbawn em Era dos Extremos. Segundo ele há uma afinidade entre a forma como os fundamentalistas em geral, e os iranianos em particular, vêem o progresso e a visão do pensamento nazista, ou seja, o progresso é enaltecido por um lado, mas nunca deixa de ser visto como uma ameaça ao modo de vida "puro". Ao longo da pesquisa se tentará demonstrar que esta visão, embora instigante, não encontra apoio nos fatos. Há, por fim, uma outra possibilidade de investigação deste relacionamento dos Fundamentalistas com a Modernidade que encontra raízes profundas no pensamento ideológico: o conflito entre comunidade e sociedade. Embora exista evidente semelhanças entre as duas situações, se tentará demonstrar que não se trata do esforço de uma comunidade para reagir à penetração pela sociedade global, mas de um conflito entre duas formas societárias

com projetos diferentes de futuro que, obrigatoriamente, devem interagir. De uma forma geral, mesmo o mais arcaizante modelo fundamentalista, como a reacionária monarquia saudita e até mesmo o Taleban, não rejeita a modernidade, apenas deseja em maior ou menor grau a sua reconstrução segundo princípios baseados na escritura. Mesmo os fundamentalistas americanos com sua aversão por Darwin e o redivivo "Julgamento do macaco" são ardorosos defensores das liberdades individuais e do legado da Reforma e da liberdade individual. Mas esta relação com a modernidade vai muito além da simples utilização de equipamentos modernos para divulgar sua mensagem ponto comumente abordado tanto pela Academia como pela mídia. A crítica não é à razão em si, mas à razão instrumental que dissocia o conhecimento e a tecnologia de finalidades, por incrível que pareça, humanitárias. Chocam-se não com a Razão, mas justamente com a irracionalidade da Utopia consumista e individualista que tira o sentido das coisas não só porque erode os sistemas cognitivos de natureza religiosa, como perceberam os sociólogos da religião desde Wach, mas também porque é desprovida de um sentido universal em si. A realidade, contudo, nem sempre é tão simples em especial por causa da enorme abstração que se faz ao chamar um conjunto tão amplo de movimentos sociais sobre o mesmo rótulo de ""Fundamentalismos"". O próprio "protótipo" do "Fundamentalismo" que é a Revolução Iraniana dificilmente poderia ser classificado estritamente como Fundamentalista, mesmo a sua limitação a "Fundamentalismo" Islâmico esclarece muito pouco porque não dá conta da especificidade xiíta - talvez como fruto do pouco conhecimento do Ocidente sobre o xiísmo, revelado entre outras coisas pelo sentido com o qual o termo "xiíta" foi incorporado na língua portuguesa como sinônimo de ortodoxo e radical. Há por fim um aspecto metodológico em torno do tema extrema importância que a


associação do Fundamentalismo com a política, distinção que em alguns momentos tem servido para separar fundamentalismo de Revivalismo. Embora útil ao se analisar os fenômenos relacionados às religiões ocidentais, em especial o protestantismo, esta distinção parece ser tornar enviesada ao lidar com o Islam que por definição é também um modelo de Estado e uma Ordem Econômica, temática por sinal muito frequente nos discursos de Khomeini. Quando ele tenta distinguir entre o clero "conservador" e o "progressista" ele o faz justamente em função da preocupação deles com a política.

METODOLOGIA O eixo central do trabalho é a pesquisa documental através da aplicação das técnicas de análise do discurso aos pronunciamentos feitos por Khomeini. Há um problema aqui por não se lidar diretamente com o material na língua original, o farsi, mas através de traduções para o Inglês, o francês e o Espanhol, portanto não se recorrendo ao que, a rigor, seria uma fonte primária. Em parte se pretende atenuar esta deficiência metodológica através de um conhecimento razoável da terminologia técnica da jurisprudência e teologia islâmica e pelo uso de diversas traduções cotejadas. A base da pesquisa será a coletânea de discursos de Khomeini traduzidas para o inglês pelo Institute for te Compilation and Publication of the Works of Iman Khomeini, sediada em Teheran, que reúne os mais importantes discursos feitos por Khomeini de 62 a 78 e passa por ser uma tradução acurada para o inglês. Também é importante no contexto da pesquisa os livros nos quais ele expõe a doutrina do Valayat al-fiqh - o domínio do jurista - que serve de base e legitimação para suas reivindicações da constituição de um Estado islâmico no qual um grupo de jurisconsultos muçulmanos desempenham uma espécie de Poder Moderador. Ainda que de forma fragmentária, este texto de Khomeini está publicado em diversas línguas.

Como complemento a estes dois grandes grupos de documentos, o Testamento Político e Religioso de Khomeini, editado em diversas línguas inclusive em português, também fornece uma visão importante sobre o pensamento do líder iraniano na medida que é um texto destinado não só aos iranianos ou xiítas, nem mesmo apenas aos muçulmanos, mas pretende se dirigir a todas as nações "sob jugo imperialista" mais ou menos como uma grande conclamação a uma revolução mundial. Paralelo a esta leitura sistemática de textos do próprio Khomeini pretende-se estudar textos de outros ideólogos da revolução Iraniana, em especial Ali Shariati e Murtada Mutahari analisando semelhanças e diferenças entre estas visões. Estas análises seriam também confrontadas com a cobertura da imprensa mundial sobre o tema desde os anos anteriores à Revolução até alguns anos após o seu início e, em certa medida, em relação aos acontecimentos recentes na medida que ajudem a elucidar alguns aspectos significativos para a pesquisa. Também se pretende fazer uma grande revisão bibliográfica sobre o fundamentalismo islâmico e outros movimentos tanto fundamentalistas como revivalista que permitam que se faça uma análise comparativa que busque as semelhanças e diferenças entre a dinâmica do movimento no Irã e em outras sociedades. Para aprofundar esta discussão também se estudará alguns textos referentes à história recente do Irã e ao movimento de 1905.

ANÁLISE DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES ESPERADAS A partir da análise dos textos descritos no capitulo anterior se pretende obter uma visão consistente de como a modernidade é tratada por Khomeini e uma demonstração aceitável de que este é um dos temas fundamentais de sua plataforma políticoideológica-religiosa. Espera-se também que os dados obtidos sejam suficientes e consistentes para demonstrar através tanto


da importância no contexto do discurso como pela quantidade para demonstrar que Não se pretende uma destruição da ordem moderna, mas sim uma releitura islâmica desta modernidade. Pretende-se também demonstrar como este tema evolui ao longo dos anos no discurso de Khomeini desde o momento no qual ela começa a publicamente enunciar sua oposição ao xá até os primeiros anos posteriores à Revolução. Espera-se ser capaz de demonstrar que houve uma alteração significativa do enfoque inicial, no qual Khomeini ainda não é uma liderança conhecida nem um clérigo de grande importância até os momentos que antecedem a revolução no qual seu discurso deve ser capaz de unificar uma grande frente republicana que inclui lideranças laicas e de esquerda e, posteriormente, uma guinada mais clerical que se dá após de um lado a consolidação de seu poder e de outro à mobilização dos setores mais "conservadores" da sociedade. Em relação tanto a Shariati quanto a Murtada Mutahari - ambos falecidos no início do processo revolucionário - espera-se que os dados sejam consistentes para demonstrar que para ambos - embora representando visões muito diferentes da revolução - a releitura do Ocidente é muito importante. Tanto um como outro, como demonstra um pesquisa preliminar em seus textos, dão grande importância ao conhecimento produzido no ocidente e não raro citam autores tipicamente ocidentais como Marx e Shaw. Da comparação com a história, estrutura, estratégias e princípios norteadores com outros movimentos islâmicos espera-se demonstrar o caráter aberrante da Revolução Iraniana em relação a todos os demais movimentos, em especial outros movimentos islâmicos. Além disto a inexistência de qualquer laço entre eles, e nem mesmo de simpatia ou identidade entre eles, também ajudaria a demonstrar que a hipótese comumente utilizada da Revolução Iraniana como protótipo da revolução Fundamentalista é implausível. Espera-se também demonstrar que esta

diferenciação não se deve, como afirma Lawrence, apenas pelo fato dela ter atingido o poder e portanto "fugido" do padrão dos outros movimentos que são tipicamente de oposição, mas sim a um fenômeno bastante distinto. Da mesma forma, espera-se que parte deste processo possa ser explicado pelo fato de no Irã a oposição laica ter subsistido ao Regime do xá enquanto nas outras ditaduras e "regimes de Bunker" do Oriente Médio a oposição religiosa - quase sempre fundamentalista - ter sido praticamente o único canal de oposição a estes regimes. Por fim, pretende-se que os resultados sejam suficientes para contestar a hipótese central de Lawrence - ao menos no caso da revolução iraniana - segundo a qual os fundamentalistas são modernos mas não modernistas. Espera-se ser capaz de demonstrar que é a erupção do que ele chama de valores "modernistas" na sociedade iraniana que provocam a erupção de reações a este projeto de modernidade ocidental, mas que as respostas desenvolvidas por estas sociedades não são obrigatoriamente Não-modernas e muito menos anti-modernas, mas sim o esforço de construção de um outro modelo no qual não exista a identidade entre modernização e ocidentalização. Neste sentido espera-se que as conclusões do trabalho aproximemse das conclusões de Huntington segundo as quais os valores da Civilização Ocidental tenderão a perder a sua pretensão a valores universais.

CRONOGRAMA Estima-se um prazo de quatro meses para a transformação deste anteprojeto em um projeto definitivo. A maior parte deste tempo será utilizada para a leitura e sedimentação da bibliografia selecionada e para um exame inicial da base de dados selecionada de forma a aprimorar e verificar a viablidade das hipóteses iniciais e a consequente transformação delas em hipóteses mais elaboradas. Durante este processo espera-se que seja desenvolvido um plano de prova das


hipóteses mais elaborado e detalhado que, ainda que na forma de teste prévio, possa já ser aplicado a pelo menos uma parte dos dados disponíveis para verificar sua plausabilidade e consistência. Nestes quatro meses, portanto espera-se os seguintes resultados concretos: Revisão bibliográfica e fichamento dos textos incluídos na bibliografia; Exame inicial da base de dados com definição de categorias mais precisas a serem investigadas; Seleção de fontes documentais e avaliação da sua confiabilidade, em especial quanto a jornais e revistas do período; Desenvolvimento de um plano de provas das hipóteses que avalie, pelo menos, os seguintes itens: A verificação do caráter aberrante da Revolução Iraniana através de categorias que permitam a comparação entre ela e outros movimentos fundamentalistas e revivalistas; A evolução de alguns temas nos discursos de Khomeini ao longo dos períodos e sua associação com outros eventos, em especial com o crescimento de sua popularidade; Os eixos de semelhança e diferença entre a visão de Khomeini e outros líderes revolucionários; distanciamento entre as palavras e ações de Khomeini, e entre suas ações e os fatos retratados pela mídia. A construção de um tipologia do fundamentalismo que forneça um modelo mais adequado que a de Lawrence.

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DIVERSOS TEXTOS DISPONÍVEIS NOS SITES: www.khomeini.com www.khamenei.com www.shariati.com www.irna.com Jornais e revistas. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:05

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, O futuro,

Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião Aldous Huxley, DH Lawrence, Eurípides, Samuel Huntington, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/3


A ERA DOS FUNDAMENTALIS MOS "Sem a modernidade não haveria fundamentalistas, bem como não haveria modernistas" (Bruce Lawrence, Defenders of God: The Fundamentalist Revolt Against the Modern Age) A Revolução Iraniana que completou 20 anos no início deste ano trouxe a expressão "fundamentalismo" ao noticiário diário e deu uma nova dimensão aos movimentos de "Restauração Divina" que até então eram vistos mais ou menos como uma curiosidade marginal. No prefácio do seu Defenders of God: The Fundamentalist Revolt Against the Modern Age - talvez o mais importante e coerente texto sobre o tema, Bruce Lawrence, laureado professor de História das Religiões da Duke University, diz que "Eu nunca pensaria em escrever este livro sem o choque da Revolução Iraniana de 79". Embora hoje extremamente associado ao Islam, a expressão fundamentalismo surgiu para designar o revivalismo protestante norte-americano da virada do século passado para este. O seu uso fora deste contexto é bastante questionado até porque, a rigor, os grupos a que se refere quando se fala do Islam não tem uma preocupação literalista na interpretação do Alcorão. Além disso, como destaca um dos mais eminentes filósofos muçulmanos contemporâneos, Seyyd Hossein Nasr no seu Traditional Islam and the Modern World, o termo tem sido usado com tal amplitude, para designar tantos grupos tão distintos entre si - alguns dos quais sem qual orientação extremamente exóterica que justifique o uso - que o termo perdeu a sua utilidade como categoria científica. Lawrence justifica não só o uso de do rótulo "fundamentalista", bem como o caráter paralelo deste movimento tanto no Protestantismo, como no Judaísmo e no

Islam e, embora limite sua análise a estas três crenças, avalia que existe similar em qualquer outra fé - mencionando explicitamente o Hinduísmo, o Budismo e os Sikhs. Ele avalia que ainda que o rótulo não seja absolutamente adequado, ele permite, enquanto categoria sociológica, que se faça um estudo comparativo que permite que se chegue ao cerne do problema e que portanto o nome que se dê ao fenômeno, em si, não é importante. Admitidas estas restrições de cunho instrumental, parece ser admissível utilizar o termo. Considerar a todos como diferentes manifestações de um mesmo processo, avalia Lawrence, permite que se investigue as semelhanças e diferenças e, em especial, que se trate do problema em relação ao contexto contemporâneo da modernidade, sem o qual, avalia ele, a análise não faz sentido. A conclusão semelhante chegam Martin Marty e Scott Appleby no seu The Glory and The Power: The Fundamentalist Challenge to the Modern World que tenta traçar um paralelo entre o fundamentalismo protestante, judaico e muçulmano. Eles contudo atêm-se a uma interpretação tradicional do fenômeno fundamentalista, entendendo-o como uma teodicéia destinada a explicar a perda de poder e prestígio das camadas tradicionais da sociedade e a dissolução de seus sistemas valorativos e cognitivos, mobilizando estes segmentos a partir de uma volta aos sistemas tradicionais, o que implica numa rejeição da modernidade, ou da Modernidade Tardia como prefere Giddens. Não é esta visão profundamente influenciada pela sociologia tradicional que irá dar uma interpretação satisfatória do problema, na avaliação de Lawrence. Neste ponto ele concorda com Nasr e destaca o caráter essencialmente nãotradicional do fundamentalista. Por mais que ele fale da tradição e evoque não sem saudades um passado glorioso - geralmente imaginário - o fundamentalismo seria, para ele, sobretudo uma tentativa de reconstruir a modernidade a partir de um conjunto de valores e sentidos orientados pela Restauração Divina. Também é a análise que


faz Samuel Huntington no seu quase clássico O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial quando diz, referindo-se ao chamado fundamentalismo islâmico, que depois de décadas de "Kemalização" na qual se pretendeu modernizar o Islam, aparece a tendência contrária de "islamizar a modernidade", experiência que por sinal encontra um profundo paralelo no "período clássico" da Civilização Muçulmana no qual o conhecimento da Antiguidade foi reconstruído a partir de uma Weltanschauung islâmica.

a modernidade, mas sim aproveitar-se ao máximo dela para reconstruir o mundo. A própria ciência é comumente utilizada até mesmo como elemento de "legitimação" da religião, em especial nos fundamentalismos não-ocidentais. Assim se tem uma situação curiosa no qual o fundamentalismo é, de certa forma, o último rebento do Iluminismo.

Um dos grandes méritos de Lawrence é quebrar a noção do senso-comum sobre o fundamentalismo, segundo ele fruto de uma intricada aliança entre a Academia e a Imprensa sensacionalista (literalmente the Ivory Tower e The Yellow Press). O objetivo dos fundamentalistas não é uma volta ao passado, ainda que um passado fictício, nem a negação das "comodidades" modernas, mas a submissão desta modernidade a um conjunto de valores e sentidos orientados para a Restauração Divina. Assim ele acrescenta à "ameaça fundamentalista" desprovida de seu caráter fantasioso - a ameaça da plausibilidade.

"Fundamentalistas e modernistas podem discordar em como interpretar o futuro à luz do presente, mas ambos dividem uma propensão a viver como se este futuro estivesse já despido de qualquer outro sentido a não ser aquele que eles singularmente atribuíram a ele" (Bruce Lawrence, Defenders of God: The Fundamentalist Revolt Against the Modern Age)

Citando diversos autores, Huntington desmistifica outro ponto: os fundamentalistas não são os miseráveis analfabetos das aldeias ou da periferia das grandes cidades, fanatizados por religiosos reacionários. São em geral pessoas de classe média - ou mesmo da elite - quase sempre com instrução superior ou pelo menos técnica, fruto das segundas gerações educadas segundo o modelo ocidental. Como destaca Huntington, entre os muçulmanos os jovens são religiosos e seus pais seculares, fenômeno que aprece se repetir em outros fundamentalismos. A própria Revolução Iraniana - tomada de forma equivocada, como se pretende demonstrar, como protótipo da "ameaça fundamentalista" - foi em grande parte uma revolução conduzida por jovens. Não se pretende em nenhuma das ideologias fundamentalistas - exceto, talvez, em agrupamentos extremados como o Taliban, que não serve de parâmetro - banir

O LEGADO RACIONALISTA E A IRRACIONALIDADE COTIDIANA

Terminei meu artigo ontem asseverando que os Fundamentalismos, em especial o muçulmano, são o último rebento do Iluminismo, posição que parece ser inusitada e contradizer a realidade. No máximo se admitira esta suposição no sentido deles serem uma tentativa de resposta ao espírito do Iluminismo, contudo um exame mais profundo demonstra que ao contrário de tentar destruir a ordem iluminista, eles tentam melhora-la, ainda que para isto defendam a superação de alguns de seus postulados básicos. Neste ponto, as similaridades e diferenças dos três mais importantes Fundamentalismos - o protestante, o judeu e o muçulmano tornam-se elementos importantes para a compreensão do fenômeno, tal como Lawrence avaliou em seu livro. No senso comum, em especial devido à Yellow Press, existe uma confusão de dois momentos distintos deste processo de luta pela Restauração Divina que resultou no Fundamentalismo. Lawrence destaca as diferenças essenciais entre os revivalismo religioso que periodicamente assalta o mundo - e talvez tenha inspirado a Weber sua tese do "Reencantamento do Mundo" e


as teses modernas da Revanche de Dieu formuladas primeiramente, salvo melhor juízo, por Gilles Keppel - e o Fundamentalismo, ideologia que tenta sacralizar a modernidade. Ainda que a distinção seja polêmica e as fronteiras sejam pouco definidas, a distinção aprece ser útil. Aos primeiros podem-se aplicar as explicações básicas da Sociologia da Religião e seus métodos e interpretações clássicas, analisando-os como uma tentativa de reconstruir o Sistema Cognitivo e Simbólico destruído pela rápida evolução da modernidade, de, enfim, encontrar certezas num mundo que privilegia a dúvida e a constante metamorfose, aportar em um porto seguro enquanto a tempestade da anomia não cessa. É, sobretudo, uma atitude defensiva. O Fundamentalismo, ao contrário, retoma a ofensiva ao tentar reconstruir - não negar a modernidade. Neste ponto a diferenciação do chamado Fundamentalismo Islâmico em relação a outros Fundamentalismos, cristão, judeu, marxista ou cientificista, parece se destacar e a impropriedade do termo ganha tanto um destaque como um sentido inusitado. Por detrás do conceito de Fundamentalismo está implícito uma noção de regresso aos Fundamentos da Fé, portanto de rejeição do que não está nas Sagradas Escrituras, o próprio Lawrence que defende ardorosamente a utilidade do termo bem como sua aplicabilidade a qualquer fé, nega que este sentido vulgar do termo seja o sentido real. Destaca ele quatro condições essenciais para a caracterização do Fundamentalismo: um reforço recíproco entre crença e práticas rituais, uma tradição articulada que deriva sua legitimidade da autoridade de textos religiosos, um líder carismático que lidere a formação institucional durante este processo - por vezes contestando a estrutura vigente - e por fim uma ideologia ligando o líder carismático aos grupos dispersos. Nesta última condição está, como destaca Lawrence, implícita a aceitação pelos seguidores não só da autoridade do líder e das tradições, mas a interpretação

particular que ele faz delas, e portanto de uma construção ideológica. Lawrence percebe que por mais que se tente extrair autoridade das escrituras, não se trata de um simples processo de leitura, mas sim de releitura. O termo Fundamentalismo torna-se então um tanto incomodo porque se descobre que não á literalismo explícito, há, sempre, uma interpretação intermediária. O que é fundamental, portanto, não é a adesão literalista, mas a busca de legitimidade a partir de uma interpretação exclusiva. Outro ponto que Lawrence questiona pouco, é que se a existência de uma liderança carismática é essencial no período formativo, a institucionalização e racionalização durante as gerações seguintes é que dará, ou não, o caráter de permanência do grupo. A Revolução Iraniana sobrevive há 10 anos, metade de sua existência, à morte de Khomeini sem que tenha produzido outro líder carismático com o mesmo peso, autoridade e principalmente carisma, como demonstram os acontecimentos recentes no Irã, tão pouco compreendidos pela mídia ocidental. Em outro momento se tentará mostrar como as condições específicas do Irã foram determinantes para esta persistência, bem como para uma certa racionalização e institucionalização da Revolução Iraniana, condições estas tão específicas que refutam em grande estilo a tese comum do Ocidente da ascensão de Khomeini em 79 como arquétipo das revoluções fundamentalistas. De uma forma geral, mesmo o mais arcaizante modelo fundamentalista, como a reacionária monarquia saudita e até mesmo o Taleban, não rejeita a modernidade, apenas deseja em maior ou menor grau a sua reconstrução segundo princípios baseados na escritura. Mesmo os fundamentalistas americanos com sua aversão por Darwin e o redivivo "Julgamento do macaco" são ardorosos defensores das liberdades individuais e do legado da Reforma e da liberdade individual. A crítica não é à razão em si, mas à razão instrumental que dissocia o conhecimento e


a tecnologia de finalidades, por incrível que pareça, humanitárias. Chocam-se não com a Razão, mas justamente com a irracionalidade da Utopia consumista e individualista que tira o sentido das coisas não só porque erode os sistemas cognitivos de natureza religiosa, como perceberam os sociólogos da religião desde Wach, mas também porque é desprovida de um sentido universal em si. É nesse sentido que paradoxalmente o Fundamentalismo é o último rebento das tradições Iluministas de colocar a razão, a ciência, a tecnologia à serviço de uma ética universalista ainda que rompendo com diversos de seus postulados, em especial a separação entre religião e Estado e a tolerância religiosa. Curiosamente seus adversários ideológicos - quando não políticos e econômicos - os modernistas negam justamente tanto o universalismos através dos multiculturalismos, como até mesmo a submissão a uma ética universal ou mesmo a qualquer ética. Duas faces de uma mesma moeda cunhada na França oitocentista, Fundamentalismo e modernismo, traçam uma luta para definir quem construirá o futuro no qual já antecipadamente vivem e, paradoxalmente, alimentam-se um do crescimento, das falhas e virtudes, do outro.

MODERNIDADE E FUNDAMENTALISMOS Nos dois artigos anteriores foi admitido a compreensão do "Fundamentalismo" como um fenômeno global, presente em diversas religiões, em especial no Islam, no Judaísmo e no Cristianismo, na forma e com as restrições apontadas por Lawrence. Ainda que radicalmente contrário a este uso do termo, o filósofo muçulmano Seyyed Hossein Nasr, defende a mesma ideia de que o "Fundamentalismo" é um produto da modernidade e em geral se inspira nos métodos, ideologias e concepções de mundo derivadas do ocidente. A fusão de tantas concepções diferentes em um mesmo conceito traz paradoxos e inconsistências que podem acabar levando a

busca de uma abstração tal que explique o conjunto do fenômeno fundamentalista uma aventura sem chances de sucesso. Torna-se necessário, então, algum tipo de definição que norteie a classificação do que seria "Fundamentalismo" que seja capaz de demonstrar uma unidade do fenômeno sem abstrair as diferenças significativas. A definição de Lawrence atende, em parte, a esta questão: "Fundamentalismo é a afirmação da autoridade religiosa como holística e absoluta, não admitindo crítica ou limitação; é expressado através da demanda coletiva que aquelas ordenações doutrinárias e éticas derivadas das Escrituras Sagradas deve ser publicamente reconhecida e legalmente reforçada". O centro da definição dele, portanto, reside na questão das Escrituras como elemento legitimador da autoridade, aspecto que em si não é suficiente para enquadrar o conjunto dos fenômenos que ele define como "Fundamentalismos"", até porque as diversas fés tratam de forma diferente o papel das escrituras. A substituição da Escritura pela Revelação, portanto a legitimação baseada numa transcendência tão cara a Garaudy, por exemplo, parece tornar um pouco mais adequada a definição de Lawrence. Curiosamente falta na definição dele justamente o que é sua principal contribuição ao tema: a caracterização que o "Fundamentalismo" é um fenômeno da modernidade. A distinção essencial que ele faz entre o Revivalismo e o ""Fundamentalismos"", analisada em artigo anterior, dissolve-se em meio à definição dada por ele. Ainda que sua recusa em tentar enquadrar seu trabalho em uma avaliação humanista ao invés de sociológica - responsável por uma visão menos esquemática e mais rica do fenômeno - ela em outros pontos limita a amplitude da sua avaliação por recusar-se a incorporar alguns conceitos relativamente solidificados da Sociologia da Religião. O que dá uma certa unidade ao fenômeno Fundamentalista parece ser não a questão das Escrituras e de sua interpretação pretensamente literalista - em especial no


Islam, como já foi comentado, esta definição exclui a maior parte dos grupos - é o desejo de sacralizar, ou ressacralizar, o mundo, em especial o mundo moderno. A Utopia Fundamentalista é a construção de um Sacred New World no qual aos benefícios e comodidades materiais e intelectuais da modernidade se some a solidez comunitária e altos padrões éticos e morais determinados pela Revelação. Entendido desta forma, o "Fundamentalismo" é uma tentativa de reconstrução do moderno à luz do sagrado, não como uma aceitação dos meios modernos instrumentais - como a TV, os meios de transporte e o aparato bélico citados tanto por Lawrence como por Aplleby e Marty - mas da própria modernidade em si. O tema é recorrente nas mais diversas elaborações do pensamento islâmico contemporâneo, seja no radical ideólogo dos Irmãos Muçulmanos, Sayyid Qutb - para quem a tarefa do Islam é reconciliar religião e ciência separadas por uma "esquizofrenia ocidental" e retomar o desenvolvimento para os quais os valores ocidentais já não são mais válidos - ou para o mártir da revolução iraniana, Murtada Mutahari - para quem o Islam é capaz de contrabalançar o que deve permanecer e o que deve ser mudado, até porque "não se imiscui no padrão e forma de vida exterior, que é totalmente dependente do grau de conhecimentos humanos" porque a essência d'"as instruções islâmicas dizem respeito ao espírito, ao significado e finalidade da vida, e ao melhor caminho que um homem deve seguir para atingir a meta final". Esta ênfase em trazer o sagrado de volta à modernidade, e reconstruir esta a partir dos valores transcendentes, traça uma distinção essencial do que se chama de "Fundamentalismo" islâmico dos outros "Fundamentalismos". O primeiro paradoxo que surge nesta questão é que o Islam é ao mesmo tempo a maior ameaça à hegemonia ocidental e a que mais se esforça para incorporar, ainda que de forma reconstruída, o legado iluminista, científico e tecnológico; enquanto o

"Fundamentalismo" protestante, que traça sua genealogia diretamente da própria essência de valores da sociedade moderna e nela está intrinsecamente ligada, é a que mais rejeita a modernidade. A realidade, contudo, nem sempre é tão simples em especial por causa da enorme abstração que se faz ao chamar um conjunto tão amplo de movimentos sociais sobre o mesmo rótulo de ""Fundamentalismos"". O próprio "protótipo" do "Fundamentalismo" que é a Revolução Iraniana dificilmente poderia ser classificado estritamente como Fundamentalista, mesmo a sua limitação a "Fundamentalismo" Islâmico esclarece muito pouco porque não dá conta da especificidade xiíta - talvez como fruto do pouco conhecimento do Ocidente sobre o xiísmo, revelado entre outras coisas pelo sentido com o qual o termo "xiíta" foi incorporado na língua portuguesa como sinônimo de ortodoxo e radical. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:59

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, O futuro, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião DH Lawrence, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/46


UM LEITOR SINCERO Li ontem em um ensaio de Anaïs Nin a afirmação dela de que só ao escrever ela conseguia a unidade, ou seja a superação das dualidades e conflitos. Não só pelo mesmos motivos, mas também por outros sinto também esta unidade quando escrevo, mesmo quando às vezes sento para escrever algo e o texto acaba falando sobre outro assunto. Não poderia deixar de ser desta forma, porque é um momento, quando há sinceridade, no qual o que circula no papel é o que está no coração, para além das aparências, interesses e vaidades. Não significa que estas outras coisas não interfiram, mas conforme vão se tornando mais importantes tendem a gerar um conflito difícil de superar, acabam tendendo a quebrar aquela unidade que só a sinceridade é capaz de dar. Não é incomum que o processo de escrever, e também em outras artes, acabe levando à loucura ou às drogas, ou ao menos a um consumo da própria pessoa na ação, por um lado, e à queda na mediocridade e no óbvio, de outro. Sintomas de que deixou de existir o momento de unidade, que o autor deixou de ser uma ponte entre dois mundos porque optou por um deles. Penso, então, em um romance de Tolstói, Redenção. Difícil imaginar a coragem de auto-crítica tão ferrenha e aqueles que louvam Ana Karênina ou Guerra e Paz como obras do grande mestre deviam ler Redenção ao menos para saber o que o próprio achava delas. Ele jamais será o mesmo depois deste livro, se dedicará a coletar e consolidar contos populares, escrever para crianças, redigir histórias de cunho mais religioso e ás vezes político, mas no bom sentido do termo, preocupado não com o poder, mas à

autoridade espiritual a qual este poder deve estar submetido. Mas a sinceridade também é necessária a quem lê – e como Borges orgulho-me mais das páginas que li do que as que escrevi – e hoje ela também é algo que falta porque nem sempre se tem as melhores intenções ao se ler. Esta sinceridade é tanto da boa vontade com o autor, lê-lo sem preconceitos, sem julgá-lo de antemão, deixá-lo tentar convencer, só emitindo julgamento após este esforço receptivo, quanto também do que se busca ao lê-lo. Esta primeira condição é mais fácil de ser descrita, porém mais difícil de ser colocada em prática porque nem sempre nossa mente pode se ver livre destas noções prévias. A segunda condição é difícil descrever, mas qualquer um que foi obrigado a ler livros na escola – e acho que todos passaram por esta experiência – sabe bem qual é a sensação de se ler sem sinceridade, portanto sem vontade. Nesta última também é preciso incluir aqueles que leram para dizer que leram, mas este ultimamente tem buscado mais os almanaques, as resenhas, as orelhas, que dão o mesmo efeito da aparência de conhecimento com muito menos esforço. Eu tive a felicidade, quando era criança, de não saber que existiam livros difíceis de serem lidos, clássicos que precisavam de erudição e coisas do tipo, lia o que me caia a mão e em especial uma coleção de livros clássicos da Abril cujos volumes chegavam a cada semana. Uma das minhas frustrações na época foi não ter conseguido ler Ulysses de Joyce – um dos poucos livros que até hoje não consegui ler nem com sofreguidão e muito esforço – e levei uns 10 anos para descobrir que a falha não era totalmente minha. Guénon cita em um artigo comentando a decadência da modernidade, justamente como exemplo desta, que a Summa Teologica era um manual universitário á época que foi escrito mas que poucos


poderiam ler hoje. Sem nem precisar ir tão longe diria que mesmo para muitos adultos hoje seria difícil ler os livros infantis de Lobato. Parte da culpa disto é de uma civilização visual, como comentei em meu segundo post da segunda, outro tanto talvez seja da degeneração da educação, ainda que nem sempre no sentido que se diz. Mas sobre isto gostaria de falar em outra oportunidade, com mais espaço e tempo, até porque o assunto merece. Mas cada um de nós também tem a responsabilidade nas suas mãos, todos aqueles que enxergam estas coisas tem de pensar também sobre como agir, como fazer a sua parte ao invés de simplesmente colocar-se em uma posição de vítima de alguma destino cruel, de alguém que é vítima de um sistema. Para fechar volto a Tolstói, uma dos contos dele com lugar de destaque entre meus preferidos, “A História de Ivan, o Imbecil”, porque Ivan tornou-se czar por acidente e era um imbecil, resolveu agir como todos os seus súditos e trabalhar, como todos os espertos resolveram sair do reino e só ficaram os imbecis tudo corria na mais perfeita ordem e perfeição, afinal cada um era ignorante demais para saber que o esforço de uma única pessoa que fizesse a sua parte seria suficiente para mudar algo. Impossível pensar em Utopia mais singela e ao mesmo tempo tão funcional.

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Islam, Pessoal, Arte, Educação, Literatura, O futuro Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10031


O SHEIKH E OS DJINS Eu não sou um leitor preconceituoso, leio quase tudo que me cai na mão – até os panfletos que voam pela rua, como dizia Cervantes – mas como nem sempre se tem tempo para ler tudo o que se deseja muitas vezes acaba-se por fazer um pré-julgamento de algum autor e colocando-o no final da fila. Foi este o meu caso com Naguib Mahfouz, tão saudado em críticas e resenhas como defensor da modernização do mundo islâmico e vítima dos extremistas, que ainda que me despertasse alguma curiosidade ia sempre adiando a leitura por imaginar tratar-se de mais um daqueles "brown sahibs", ainda que goste de vários deles como Tariq 'Ali e o próprio Amin maalouf. Tirou-me desta visão equivocada uma irmã muçulmana que insistiu para que eu o lesse e indicou um livro “Noites das Mil e Uma Noites” - em inglês, onde as Mil e Uma Noites são mais conhecidas como “Noites Árabes” ele tem o também sugestivo título de “Arabian Nights and days”, dias e noites árabes, menos fiel ao título original árabe mas preservando em parte o espírito, ainda que não destaque justamente o aspecto de trevas expresso no original. Mal consegui largar o livro até terminálo e cheguei à conclusão que tanto extremistas muçulmanos quanto os que o elogiam, pelos motivos errados, no Ocidente não devem tê-lo lido ou se leram não entenderam. O mesmo diria de um crítico que disse que ele tentava ser árabe mas só conseguia ser egípcio, epigrama reciclado há décadas que

talvez possa ser aplicado a outros livros mas de forma alguma a este, que mais que árabe, esta ficção copiada pelos políticos demagogos do nacionalismo ocidental, é islâmico. Não posso falar pelas outras obras, em especial Midaq Alley, a qual dizem ter sido condenada por blasfêmia, mas também serviu de base a um belo filme mexicano, mas se houve algo que me impressionou no livro de Mahfouz foi justamente a profunda piedade e religiosidade. “Não se esqueça que terá de prestar contas Àquele que lê os corações”, diz um dos djins; “Quando chamados a fazer o bem se dizem fracos, quando comandados a fazer o mal dizem que cumpriram ordens”, diz outro. Para usar uma expressão popular, diria que os críticos religiosos “passam recibo” - como aqueles que o esfaquearam em um atentado, e extremistas que tentam em bando matar um velhinho de 92 anos somam a habitual covardia dos terroristas uma dose adicional de vileza e falta de amor a Deus - ao condená-lo porque seu alvo não é a religião, mas a hipocrisia, a mesma hipocrisia que todas as pessoas que se voltaram verdadeiramente para Deus, em qualquer religião, sempre tentaram exorcizar de suas sociedades. Quanto à obra em si, a despeito das outras considerações, considerei realmente brilhante a forma com a qual ele entrelaça diversas histórias tradicionais das mil e uma noites em histórias que podem ser lidas de várias formas, tanto pelo seu sentido filosófico, como pelo seu ensinamento religioso e até como fábula política. O entrelaçamento ocorre não só no eixo central da história – que tem como cenário justamente onde terminam as mil e uma noites, ou seja, quando Shariar, depois de ouvir as histórias de Sherazade, desiste em definitivo de


matar as esposas, mas também nas histórias de diversos personagens, arriscaria dizer na de todos, nas quais estão enxertados cenários das Noites. Algumas vezes este processo é evidente, como no caso de Sindbad, O Marujo. Mas ás vezes é oculto – até porque as múltiplas edições das Noites variam muito e as quatro que eu tenho chegam ás vezes a não se aparecer uma com a outra - como no caso do belo casal que os gênios transportam para passarem a noite juntos, no homem pobre que gasta um tesouro para criar uma falsa corte na qual, por oposição a real, é feita a justiça, nos passeios do soberano pelas noites. Para não falar nos djinns que tem papel relevante – ainda que nem tanto quanto pareça à primeira vista, no desenrolar das histórias, afinal com todos os seus poderes são coadjuvantes cujos planos dependem dos corações dos homens para serem bem ou mal sucedidos. Nesta transposição o autor consegue manter muito do caráter cruel, arbitrário até, que existe no “original”, ainda que ás vezes tornadas mais prosaicas, e com isto mais humanas, como no caso das preocupações em esconder a gravidez da irmã de Sherazade, sujeita à brincadeira dos gênios mencionada acima. Em outros casos alguns símbolos velados nas Noites são colocados de forma mais evidente, em particular no caso do sheikh sufi que mesmo surgindo pouco é um dos centros e de certa forma o protagonista da história porque quase tudo gira de alguma forma em torno dele, inclusive como tendo sido ele a ensinar as histórias que Sherazade, sua antiga pupila, conta para conter Shariar. A morte, a loucura, uma certa sensação de caráter inelutável do destino dão certo tom sombrio à obra em uma leitura inicial, mas a mensagem geral pareceume muito otimista porque de uma forma geral diz que o homem sempre pode

libertar-se e salvar-se, dependendo apenas de si e de sua capacidade de enfrentar a falsidade e as conveniências com a Verdade. Que um dia os governantes, em especial os do mundo islâmico mas também os de toda parte, possam ter o destino de Shariar. É evidente que sem ler outros livros não posso traçar um perfil mais preciso, mas pelo que pude sentir em Noite das Mil e Uma Noites – assim como em Akhnaton, o Faraó Herege, que no título original tem o subtítulo relacionado à morador da verdade – no qual mergulhei em seguida, onde um jovem escriba entrevista diversos personagens para tentar descobrir a verdadeira história do Faraó proscrito – há um profundo amor do autor pela verdade, combinado com um grande estilo de contador de histórias, assim como a preocupação de não ser nem do Oriente, nem do Ocidente, mas do lugar onde more a verdade.

TERÇA-FEIRA, 23 MAIO , 2006 - 14:22

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Cinema, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10017


PODER E AUTORIDADE “A Massa esmaga todo o diferente, egrégio, individual, qualificado e seleto. Quem não seja como todo mundo, quem não pense como todo mundo, corre o risco de ser eliminado” (Ortega y Gasset, A Rebelião das massas) Dizia ontem que um dos maiores mal entendidos em relação à questão das “elites” é a confusão entre Estado e Sociedade, o qual por sua vez leva a se confundir a noção de elite com as múltiplas oligarquias que tem usurpado o poder ao longo da história em nome de algum tipo de pretensa legitimação aristocrática. Certamente este abuso do conceito de elite tem grande parte da culpa pela degradação que hoje transforma o termo em ofensa, tanto quanto certa aversão e desconfiança da massa àquilo que não se conforma a seus gostos. O sentido original de elite é o da fração especializada, seleta, de um grupo e todas as comunidades, por mais vulgares que sejam, sempre tem uma “minoria seleta”. A Aristocracia, em seu emprego original, era a defesa de que aos melhores da sociedade deveria ser entregue a pesada e severa responsabilidade de governar. É neste sentido que praticamente todos os filósofos gregos são inimigos da democracia e defensores da aristocracia. Sócrates sempre destacava que era necessário preparar-se para comandar um cavalo, mas não um povo, Platão idealizou uma sociedade ideal governada por uma elite austera duramente selecionada e diariamente provada, Aristóteles considerou a aristocracia como a melhor forma de governo. É

necessário dizer que se há um grande responsável pela degradação e desmoralização do conceito sempre foram aqueles que transformaram aquilo que era um dever de mérito em um privilégio de nascença, desde a Grécia clássica até os tempos de hoje. Penso que Tocqueville foi o primeiro a dizer que o espaço político ocupado pelas aristocracias, “cujos privilégios a tornaram odiosa”, precisava ser preenchido ou se teria um Estado Tirãnico e absoluto. Ele via, já no inicio do Século XIX, na sociedade civil organizada o mais promissor substituto de uma força que detinha autoridade por si mesma e portanto poderia enfrentar o Estado a condição essencial para a defesa da liberdade. Mas outro dia comento melhor isto. Interessa agora mais discutir outra coisa, que é a distinção entre dois conceitos fundamentais para se compreender esta questão das elites: Poder e Autoridade, normalmente confundidos. Se fosse preciso distingui-lo em uma única questão diria que o Poder é algo atribuído a alguém ou a um grupo, enquanto a autoridade reside em si própria, nos méritos de quem a detém. Certamente quem detém a Autoridade – por conta de seus méritos, qualificações, disciplina, enfim, por algum motivo que o distingua da massa, pode e em geral tem algum poder. Já a posse do Poder, ainda mais nestes tempos de hoje, não dá a ninguém alguma autoridade, podendo até em geral retirá-la na medida que o exercício do poder sempre revela o que de mais profundo existe no espírito. Nenhum exemplo talvez possa ser melhor do que a recente passagem pelo poder de Lula e do PT, no qual toda a autoridade moral como defensores da ética, acumulado em duas décadas, dissolveu-se nos escândalos do exercício do Poder. Também coisa similar ocorreu com as diversas “elites” - no sentido e com a conotação que o termo tem hoje, de


simplesmente um grupo que detém o poder e não dos melhores – as quais por conta de seu egoísmo, ignorância, arrogância, privilégios, conseguiram tornar odioso ao termo e transformar idéias como as de aristocracia, nobreza, como sinônimo de corrupção, degeneração, putrefação. É mais que evidente que as qualidades que dão a autoridade não se transmitem pelo DNA, pelo contrário, em geral a transmissão hereditária do Poder, ao invés da seleção pelos méritos, causa uma degeneração rápida de qualquer qualidade porque retira do beneficiado a necessidade de aprimorar-se e competir para ocupar a posição de destaque. Desta degenerescência à transformação daquilo que era dever em um privilégio oligárquico é apenas um pequeno passo e assim qualquer nobreza hereditária, monarquia, oligarquia, pretensão de superioridade pelo sangue ou nascimento só pode ser estúpida e ser defendida pro estúpidos ainda maiores que através destes argumentos falaciosos buscam ocupar uma posição para a qual não estão qualificados por suas qualidades. Assim penso que só a Democracia oferece o ambiente adequado de competição que promova a seleção natural das lideranças realmente aptas. A dificuldade disto é apenas ser capaz de dar à democracia a objetividade necessária para julgar aqueles que tem autoridade suficiente para exercer o poder. Aos verdadeiramente dotados de mérito a aversão da massa ao “seleto” não é um obstáculo, mas um desafio e uma prova de sua Autoridade. Por mais problemas que esta aversão represente – e neste sentido me sinto oposto ao de Ortega y Gasset – a capacidade de lutar apesar dela é um filtro muito mais apropriado do que qualquer outro que a história registrou.

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Islam, Comunicação, Pessoal, Arte, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10003


AS RELIGIÕES COMO FONTE DA ÉTICA "Por mais incisivas que as influências sociais possam ter tido sobre uma ética religiosa num determinado caso, ela recebe sua marca principalmente das fontes religiosas e, em primeiro lugar, do conteúdo de sua anunciação e promessa" (Weber, A psicologia social das religiões mundiais) Fiz ontem um rápido, portanto injusto e incompleto, quadro das principais abordagens do fenômeno religioso com o objetivo de chegar ao papel da religião na sociedade pós-moderna. Destaquei em especial a noção de Weber segundo a qual a religião é um fenômeno autônomo, que até interage com o meio social - de forma ativa e não passiva como em Marx. Avancei um pouco no conceito de Weber a partir da noção de uma "seleção natural" das ideias religiosas - conceito do filósofo pragmático William James - realizadas pelo crivo da correspondência entre as mensagens e as necessidades religiosas de uma comunidade. É esta última ideia que gostaria de desenvolver melhor hoje. Weber destaca a adaptação da mensagem numa doutrina dela derivada, desenvolvida pelas gerações posteriores do segmento social que adotou aquela mensagem como sua. Mas esta relativa plasticidade da doutrina depende de um lado do conteúdo original da Revelação, e de outro das camadas sociais que aderem à doutrina. O autor destaca como exemplo deste processo a tendência às religiÕes desenvolvidas no seio das camadas cívicas, burocraticas, de ter um caráter de rpecrição moral, prática; enquanto as religiÕes cujos adeptos pertenciam a camadas intelectuais tinham um caráter místico e extático. Mas, em qualquer dos casos, há sempre uma autonomia da mensagem que é

determinante, ainda que não seja determinante sempre ou exclusivamente determinante. Mas a noção de Weber que talvez mais nos interesse é a que vincula a adoção de uma determinada doutrina à uma "necessidade religiosa" que, grosso modo, seria a necessidade de racionalização dos sentimentos de um grupo. Isto porque da doutrina religiosa emana uma ética que rege as relações sociais e pessoais em um determinado grupo e portanto a religião é importante elemento legitimador destas religiões. Porém, ao contrário da perspectiva marxista, a religião não é passiva neste processo pois é capaz de determinar quais serão estas relações. O porque de algumas religiÕes terem se tornado mundiais, outras terem se mantido como seitas limitadas e outras terem simplesmente desaparecido talvez possa ser explicado pelos conceitos de James. Da imensidão de idéais religiosas que surgem e das consequentes éticas delas derivadas algumas encontram indivíduos para os quais elas são úteis - portanto verdadeiras enquanto outras não. O caráter intermitente, até recalcitrante, de algumas destas ideias religiosas poderia ser explicada pela existência de algumas ideias do passado que não encontraram adeptos mas ficaram "em estado de latência" até serem úteis. A principal base teológica do calvinismo, por exemplo, encontra-se já em Germe no pensamento do catolicíssimo Santo Agostinho no século V. Ainda sobre os calvinistas é muito interessante analisar o surgimento da Reforma Protestante para "testar" estas ideias - porque uma coisa é testar as teorias pelos seus resultados, como pregava james, outra pelos seus modelos esquemáticos. A visão clássica do assunto, que figura em milhares de livros didáticos adeptos de um marxismo vulgar, simplesmente Nào encotnra respaldo nos fatos. Dizem estes livros que o protestantismo surgiu para liberar a burguesia da proibição da usura pregada pelo catolicismo. Um fato curioso nisto é que a Contra-reforma católica não foi uma concessão à esta "modernização" mas justamente uma


retomada dos valores católicos originais. Mas basta examinar os fatos para ver, por exemplo, que as ideias protestantes não surgem em áreas comerciais - embora seja verdadeiro que será nas áreas comerciais que ele irá se desenvolver acima de todas as dificuldades. A ideia central, que será desenvolvida nos próximos artigos, é que existe uma "necessidade religiosa" tanto social quanto individual e que para atendê-la existe uma certa competiçào entre diversas mensagens religiosas. Mas, sobretudo, que não é esta competiçõa que cria esta necessidade já que uma das respostas possíveis a estas necessidades é a sua substituição por ideias não reconehcidas como religosas - como a crescente sacralização do consumo e dos valroes monetários - ou ainda, tema principal desta série de artigos, a fragmentaçào de um sistema religioso em religões particulares no melhor estilo "faça você mesmo". SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:44

Pessoal, Pessoal, Sociologia e cia., Filosofia e cia, Religião william james, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/36


Cristianismo

A ESPADA E A PENA A espada e a pena A Construção da imagem do Islamismo na mídia brasileira Anteprojeto de pesquisa Carlos Alexandre Gomes Sumário Apresentação: A construção da imagem do Islam na mídia brasileira *

638 7 Islamismo 540 18 Catolicismo 520 16 Judaísmo 375 18 Budismo

Fundamentos teóricos *

326

O outro, o Mesmo *

27

As armadilhas *

Protestantismo

A espada do Islam *

118

Fundamentalismo Islâmico *

4

Índice de tabelas

Hinduísmo

Tabela I - Menções a algumas religiões selecionadas nos textos da Folha de São Paulo entre 94 e 98. *

76

Tabela II - Conflitos Etnopolíticos 93-94 * Tabela III - Conflitos Étnicos 93 * Apresentação: A construção da imagem do Islam na mídia brasileira O Islamismo - ou mais apropriadamente Islam - ocupa parte significativa do noticiário diário tanto nos jornais e revista como na TV. Uma consulta ao arquivo da Folha de São Paulo ( ), por exemplo, revela um total de 540 menções a Islamismo, número só superado pelas referências a Cristianismo. Pesquisa similar no Jornal O Estado de São Paulo revela 455 textos com referências ao Islamismo. Tabela I - Menções a algumas religiões selecionadas nos textos da Folha de São Paulo entre 94 e 98.

1 Fonte: CD-Rom da Folha de São Paulo, 94-98 É evidente que parte destas referências justifica-se pela emergência de diversos conflitos ao redor do mundo envolvendo muçulmanos (ver Tabela II e Tabela III). Ainda assim poucas vezes estes conflitos são analisados em maior profundidade e quase sempre as causas políticas, sociais, econômicas e históricas dos conflitos são negligenciados em favor de uma explicação simplista baseada em rivalidades religiosas. Tabela II - Conflitos Etnopolíticos 93-94 Intracivilizacional Intercivilizacional Total Islamismo 11 15

Religião

26

Número de textos

Outros

Número de títulos

19


5 24 Total 30 20 50 Fonte: Gur, citado por Huntington, pág 327. Tabela III - Conflitos Étnicos 93 Intracivilizacional Intercivilizacional Total Islamismo 7 21 28 Outros 21 10 31 Total 28 31 59 Fonte: Huntington, pág 327. Assim qualquer conflito envolvendo muçulmanos torna-se um conflito religioso, ainda que em boa parte das vezes o conflito sequer tenha algo a ver com religiòa ou esta ocupa apenas um pequeno papel como motivador do conflito. Em muitos casos, como se tentará demosntrar durante a pesquisa, grupos e governos laicos são rotulados como muçulmanos, como no caso da Indonésia ou Iraque. Em outros, como no caso de Kossovo, a identidade muçulmana das vítimas é sistematicamente ignorada pela mídia. Em outras palavras, sempre que possível o agressor é identificado como muçulmano, sempre que possível a vítima é não identificada como muçulmana. Geralmente existe também uma identificação entre o conflito e uma resistência contra a modernidade responsável pelo rótulo de

"reacionário" e "fundamentalista" comumemente associado ao Islam. O Terrorismo, outro rótulo normalmente associado ao Islamismo, é usado asism como o de "fundamentalista", de forma indiscriminada. Assim o bombardeio de áreas civis ao Sul do Líbano por Israel não é considerado nem uma atrocidade nem um ato terrorista, mas os ataques da milícia xiíta Hezbollah a alvos militares israelenses em área libanese ocupada o são. Evidente que não se pretende negar aqui nem a existência destes conflitos nem se justificar atos terroristas. Contudo se tentará demonstrar que existe um viés sistemático na cobertura da imprensa sobre fatos relacionados ao Islamismo destinado a reforçar uma imagem ideológica do outro o mais terrível quanto possível. Ainda que possa ser notado algum esforço para reduzir a imagem estereotipada, até proque ela vai se tornando insustentável pelo conflito com os fatos, persiste o viés, mais sutil e portanto mais perigoso. Said discutiu os objetivos e motivações desta imagem estereotipada em três livros, um dos quais tratando especificamente da cobertura - no duplo sentido da palavra - do Islam pela mídia. Segundo ele a construção de um discurso orientalista, que se amplia para a imagem estereotipada do islam na mídia ocidental, está diretamente vinculada à necessidade de legitimar a dominação imperialista sobre estas nações. Ao longo deste processo se aliena da condição de humanidade o outro e se reforça a noção de civilização Ocidental como Universal. Outro autor que aborda o tema, John Esposito, vai mais além e vincula a necessidade de criação de um mito da Ameaça Islâmica à permanência de elevados gastos militares injustificáveis depois do fim da Guerra Fria. Huntington constrói um cenário no qual está previsto um conflito mais ou menos inevitável entre o Ocidente e as outras civilizações, dentre as quais a mais passível de conflito é a Islâmica tanto pela ampla herança no imaginário ocidental do muçulmano como o "Outro" por excelência


como pela existência de uma ampla linha de fratura entre as duas civilizações. Mas as amplas referências ao Islam na mídia não se restringe a editoria de Internacional, mas se espalha por diversos setores do jornal, em especial pelas editorias de Cultura e Opinião. Se existe um visível esforço pela superação das visões estereotipadas dos muçulmanos na Editoria Internacional, o mesmo não ocorre em outras editorias nas quais é justamente o estereótipo que é utilizado não mais associados aos fatos, mas justamente como um rótulo, às vezes quase como um xingamento e - aqui se concentra o eixo central do trabalho - como um símbolo de tudo que seja atrasado, reacionário, antiquado ou contrário a uma modernidade que se pretende inevitável. Para além das motivações levantadas pelos autores citados, se levanta nesta pesquisa a hipótese de que a mídia, se apropriando de fatos e associando-os a esta atávica visão do Islam como o "Outro" detestável, tenta construir uma imagem ideológica do Islam que sirva de contraste aos valores morais, estéticos e até espirituais que se pretende difundir. Neste processo o contraste Modernidade x Islam - dicotomia que, como se pretende demonstrar, é frequente na mídia - parece visar uma alienação do homem frente ao processo da modernidade, visto não mais como um fruto do seu esforço coletivo, mas como algo além, inelutável e, sobretudo, que precisa ser aceito tal como é apresentado. Neste sentido se reforça a imagem de um reino de trevas fundamentalista que seria a única alternativa a esta modernidade que é exposta. Fundamentos teóricos O outro, o Mesmo O etnocentrismo é praticamente tão velho como a humanidade. Não há tribo que não se considere o centro do universo e é sintomático que praticamente todos os povos chamem a si mesmo pelo nome de "humanos" ou palavra de significado similar em suas línguas e utilize nomes pejorativos para os outros, especialmente seus vizinhos.

Mesmo as visões que tentam recuperar a identidade essencial da raça humana em geral assimilam esta identidade a uma aceitação dos valores impostos pela cultura que tem esta noção. O contraponto à diversidade das culturas seria, portanto, a aceitação dos valores de uma civilização, ainda que este processo varie nos graus de violência e sujeição aplicados ao outro. Mas há outra questão por detrás deste processo nem sempre percebida. A "demonização" do outro não é apenas uma justificativa para a agressão, a guerra, a conquista, mas é também um importante instrumento para consolidar os valores e imagens ideológicas do próprio grupo. Os grupos definem-se - como destacou Gurvitch - também - e fundamentalmente em oposição ao outro. Neste processo o outro deixa de ser real para tornar-se uma construção ideológica, um monstro dotado de todos os defeitos e qualidades opostos ao da sociedade que o constrói. Assim não é estranho, como notou Said, que a moralista sociedade vitoriana pintasse os muçulmanos como lúbricos e libidinosos e a lúbrica sociedade contemporânea os pinte como moralistas extremos. Um rápido exame dos fatos é suficiente para demonstrar que quem mudou não foram as sociedades muçulmanas, mas as ocidentais e - ao alterarem seus códigos morais inverteram sua imagem ideológica dos muçulmanos, falsas tanto em um caso como no outro porque estereotipada. Nesta fase da modernidade tardia a mídia tem um papel essencial neste processo de consolidação da imagem e dos valores dos grupos através da demonização do adversário. Ela consolida em milhares de notas diárias os estereótipos dos "vizinhos" e ao fazer isto incute nas pessoas as noções do que é aceitável ou não na sua própria sociedade. O objetivo deste estudo preliminar é demonstrar como se dá este processo através de uma análise do noticiário sobre o Islamismo. A escolha do Islamismo se justifica pelo fato dos muçulmanos sempre terem sido os vizinhos próximos da


Civilização Ocidental com quem compartilham o que Huntington chamou de "as fronteiras ensangüentadas do Islam". A existência desta "linha de fratura" milenar fez com que o muçulmano fosse a imagem do Outro por excelência no imaginário ocidental. Assim através dele a cultura eurocêntrica pode demonizar os comportamentos que não aceita e fortalecer seus próprios valores, conceitos, préconceitos e visão de mundo. Said já demonstrou em seu livro excepcional que existe um outro Oriente que não é o Oriente Geográfico, mas aquele que só existe como eixo de um discurso orientalista destinado a justificar a supremacia ocidental. Tentando ir mais além, é preciso enxergar que este "discurso" é também uma forma de socialização na qual se define claramente quais os comportamentos socialmente aceitáveis e os valores desejáveis. As armadilhas Uma visão ideológica não prescindi de algumas pequenas armadilhas, pequenos jogos de espelhos mentais que garantem uma visão parcial da realidade ampliadas por extrapolações convenientes. Sem esta dose de verdade - ou para ser mais preciso esta meia-verdade - a irrealidade ideológica não poderia ser enxergada como se fosse o real, o óbvio. Ideologia é sobretudo uma forma como a realidade é interpretada, a forma como se decodifica as sombras que passam no fundo da caverna e como estas tornam-se símbolos providos de sentido. Assim a mídia é mais eficiente na medida em que parte de fatos concretos, de pequenas migalhas de realidade para construir este mundo irreal. A espada do Islam No caso do Islam são muitas estas migalhas. Começam, por exemplo, com a imensa quantidade de conflitos inter-civilizacionais envolvendo muçulmanos. De um total de 50 conflitos etnopolíticos entre 93 e 94 Huntington contou 26 envolvendo o Islam, dos quais 15 intercivilizacionais de um total de 20. (ver Tabela II - Conflitos Etnopolíticos 93-94 e Tabela III - Conflitos Étnicos 93)

Este elevado número de conflitos fornece muita matéria-prima para o noticiário - e consequente para a reprodução ad infinitum dos estereótipos do muçulmano. Poucas vezes estes conflitos são analisados em função da realidade histórica e geopolítica no qual se encontram, no contexto, por exemplo, das grandes linhas de fratura intercivilizacionais que unem e separam muçulmanos e ocidentais. Eles quase nunca são enxergados, também, à luz do processo de dominação colonial e imperialista que algumas vezes traçou fronteiras artificiais e outras roubou das sociedade muçulmanas seus valores - tanto morais como econômicos - condenando-os por tentar recuperá-los. Também ignora que na imensa maioria destes conflitos o agressor não foram os muçulmanos. Dos 50 casos tabulados por Gur e dos 59 contados por Huntington há menos de 20% no qual muçulmanos agiram como agressores. Algo não notado por eles é que mesmo nesta minoria de casos a religião não desempenhou nenhum ou pouco papel na agressão. Payne cita como elemento tanto de apreensão como prova desta "vocação militarista" do Islam a alta proporção de soldados nos países ditos islâmicos bem como seus elevados orçamentos militares. O fato verdadeiro esconde outras realidades por detrás deles, como por exemplo a existência de permanentes ameaças externas nestes países e o fato dos mais militarizados estados islâmicos serem laicos e ocidentalizados, como a Turquia e o Iraque. Isto para não falar dos "estados de bunker" citados por Huntington e mantidos, basicamente, pelos interesses ocidentais na região. O Iraque, por sinal, oferece uma ótima oportunidade para se analisar este processo de construção ideológica na mídia. Saddam é um governante laico que comanda um partido - o Ba'hat - fortemente laicizante que em linhas gerais segue o modelo kemalizante. Armou-se em grande parte com orientação e financiamento ocidental e


impelido por eles iniciou a guerra contra o regime iraniano. Uma pesquisa nos jornais ocidentais sobre Saddam antes da Guerra do Golfo revelaria muitos elogios do ocidente ao esforço do líder iraquiano para "tirar seu país do atraso" e combater a influência religiosa. Na iminência da Guerra a imagem vai sendo transformada na de um governante fanático, coisa que Saddam nunca foi, e a mídia o converte de ateu em líder muçulmano. Enquanto foi fiel aos interesses geopolíticos ocidentais Saddam teve toda liberdade não só para armar-se até os dentes como para oprimir a importante minoria curda no norte e a maioria xiíta (51 da população do Iraque é xiíta) do sul. Quando avançou sobre as reservas do Kwait - virtual protetorado ocidental como outros regimes do golfo - tornou-se então o alvo da mídia que para tentar justificar a guerra em termos ideológicos - ocultando seu caráter puramente econômico - apresentando-o como um campeão do Islamismo. Engodo tão eficiente que até mesmo muçulmanos de diversas partes do mundo aderiram a ele. Fundamentalismo Islâmico Outra armadilha muito útil à construção ideológica, amplamente utilizada pela mídia, é a generalização. Através dela a diversidade do Outro é reduzida ao mínimo facilitando a substituição dos seres humanos reais ao estereótipo conveniente tanto à condenação do membro de outra cultura como ao reforço dos valores da sociedade à qual se pertence. A releitura de culturas locais muito diferentes, as divergências teológicas e de jurisprudência do Islam associadas à inexistência de uma hierarquia eclesiástica muçulmana, as múltiplas influências culturais, a multiplicidade de linguagens, entre outros fatores, dão ao Islam uma enorme variedade. Ainda que haja continuidades do Marrocos à China e da Ásia Central à África Subsaariana, há também evidentes diversidades que constituem uma rica variação de subculturas dentro da cultura islâmica.

Lidar com esta variedade é um problema para a mídia, ela portanto simplesmente a ignora a não ser para destacar algum aspecto negativo em um ou outro caso ou um "enfraquecimento do Islam". Ela também aproveita desta diversidade para dizer que há "bons muçulmanos", não por mera coincidência sempre os moderados extremos e quase sempre aqueles que esforçam-se por ver no Islam apenas uma devoção particular. O evidente confronto desta generalização com a realidade fez com que se limitasse a sua abrangência através de um outro rótulo vago e genérico, mas menos abrangente que o do Islamismo; o chamado "fundamentalismo islâmico". Mas igualmente aqui o rótulo é aplicado a tantos grupos tão diferentes entre si, tão diversificados em seus objetivos e meios que a utilidade dele é amplamente questionável. Contudo o rótulo tornou-se tão popular graças ao que Lawrence chamou de intricada interface entre a Torre de Marfim Acadêmica a imprensa sensacionalista - que já não pode ser ignorado nem pela comunidade acadêmica. O próprio Lawrence, mesmo enxergando todas as suas limitações, não é capaz de prescindir dele no seu livro, certamente um dos mais importantes textos atuais sobre os Fundamentalismos. A generalização do uso do termo tem causado significativa confusão, transformando qualquer movimento revivalista religioso, especialmente muçulmano, em um movimento "fundamentalista". Às vezes, como demonstraram Sposito e Said, com motivações muito materiais e concretas como a manutenção dos investimentos militares pós Guerra fria através da construção de uma nova ameaça que substitua a "ameaça vermelha". A rigor a produção acadêmica tem feito uma distinção entre o Fundamentalismo e o Revivalismo religioso levando em conta o caráter nitidamente político do primeiro como fez, por exemplo, Lawrence ao dizer que o fundamentalismo se relaciona à esfera


política mais do que a religião em si. Esta distinção, por sinal, é parte do mecanismo da mídia para separar os "bom moços" dos muçulmanos maus. Os "bons muçulmanos" para a mídia são sempre aqueles que vêem a religião islâmica apenas como uma devoção particular ou no máximo como uma lei de "status pessoal". O ressurgimento Islâmico, por sinal, é em grande parte uma reação a esta visão propagada desde os períodos coloniais e assumida pela maior parte das elites nativas que emergiram dos processos de independência, quase sem exceção. A imagem geralmente associada ao "fundamentalista", ou seja praticamente qualquer grupo que imagine que a sociedade dos países ditos muçulmanos deva se organizar de alguma forma segundo um padrão islâmico, é a do reacionário de aldeia que vive na idade Média. A maior parte dos leitores ficaria certamente surpresa ao constatar que o perfil dos grupos "fundamentalistas", incluindo os mais radicais, é composta ao contrário de uma classe média urbana, escolarizada em grande parte até o nível universitário em áreas técnicas, jovem e sobretudo laico. O grande mérito de Lawrence foi ter detectado que o chamado fundamentalismo não é um movimento tradicionalista como o noticiário nos faz acreditar, mas uma reação moderna a um determinado projeto de modernidade. Em geral existe um forte componente anti-tradicionalista na pregação fundamentalista ao qual é dado pouca importância pela mídia porque, afinal, contraria o estereótipo. Como se verá adiante esta imagem ideológica tem importância fundamental no reforço dos valores da sociedade de consumo para a qual qualquer apego ao "velho" - seja ele em termos de ideias ou produtos porque tudo já se tornou mercadoria - é comportamento perigoso que precisa ser exorcizado. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:06

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião

Aldous Huxley, DH Lawrence, palavra, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/4


FILA INFERNAL Estava outro dia na fila do banco quando uma senhora resolveu converter na marra o caixa, para desespero do caixa de de todos na fila. Durante uns quinze minutos ela tentou convencê-lo a ir até sua Igreja, entregar a ele a intimação de Jesus para que ele lá comparecesse caso contrário coisas terríveis ocorreriam a ele. De todos que estavam lá, eu inclusive, o caixa foi o que melhor se comportou, foi tentando se esquivar de forma educada e polida, tão educada e polida que a senhora entendeu a delicadeza dele como atenção e ia insistindo. Por uns quinze minutos infernou a vida do rapaz e dos demais na fila. Infernou aqui em sentido literal, porque certamente a insistência prepotente dela, a invasão do espaço e da liberdade de todos fez com que todos se afastassem um bocado de Deus. Chegou um momento no qual o pobre caixa percebeu que se não fosse mais claro a mulher não sairia dali de jeito nenhum virou pra ela e disse que não adiantava ela falar porque ele não iria até a Igreja dela e ela estava atrapalhando as pessoas que precisavam do Caixa inutilmente. Ele disse isto em um tom firme e decidido, mas educado, sem levantar a voz. A mulher, quase aos berros virou pra fila e disse “Como ele é grosseiro, vocês não acham! Está mesmo com Satanás dentro dele e não quer tirar!” e saiu ofendida indo procurar outras vítimas para o seu exorcismo. Em primeiro lugar peço desculpas a todos os leitores protestantes, por usar um exemplo tirado da comunidade deles. Sei que a maioria dos que freqüentam qualquer uma das muitas denominaços são em geral pessoa ótimas, equilibradas, organizadas e até mais diligentes e disciplinadas que a maioria dos

brasileiros. Só utilizei aqui como exemplo este caso pelo caráter emblemático e corriqueiro, porque esta é uma cena do nosso cotidiano. Poderia também ter feito referência a muitos de meus irmãos muçulmanos, alguns dos quais até investidos de algum poder para falar em nome da comunidade, que fazem papel tão feio em todos os encontros multireligiosos falando não da unidade das fé em Deus tão belamente expressa no Sagrado Alcorão, mas de discursos nos quais ou colocam o Islam como alvo de alguma conspiração, pobre vítima de interesses inconfessáveis envolvendo um monte de politicagem no discurso ou, pior ainda, contrariam o espírito do próprio evento dizendo o quanto o Islam é a melhor religião. Isto quando não fazem os dois discursos inúteis, antipáticos e, a meu ver, equivocados. Não acredito em proselitismo de nenhuma espécie. Para mim sempre parece uma violência, um tentativa de impor nosso ponto de vista a outro e nos encher de orgulho e, na nossa mente, de créditos junto a Deus como bons recrutadores. O importante é o destino comum, não o caminho que leva a ele, como disse um mestre sufi, os caminhos para Deus são tantos quanto são os corações dos homens. Durante muito tempo achei que não deveria escrever sobre assuntos religiosos ou espirituais. Sempre me assusta o medo da hipocrisia e me anima a idéia que um exemplo simples é melhor que todas as pregações possíveis. Contudo, mesmo sendo um péssimo muçulmano, às vezes sou tomado destas preocupações e então se torna difícil não escrever sobre estes assuntos, de forma nenhuma como alguém que tem respostas, mas apenas como alguém que quer fazer perguntas, imaginando que estas também sejam úteis a outros que também estão em alguma senda ou em busca delas. É com este espírito não de crítica, mas de


tentar compreender, que menciono este episódio do banco. Lembro-me de quantas vezes, mesmo que com mais sutileza, fiz coisas similares não só na religião, mas na política, no jornalismo, na literatura e em tantos outros campos porque é quase da minha natureza ter juizos absolutos sobre as coisas, ainda que felizmente jamais me aferre a eles, nem prenda meu pensamento com os grilhões dos sistemas e rótulos. Não sei quanto aos outros, mas tive muitos momentos de fé cega. Não nego que houve momentos em que esta âncora firme, esta bússola do rumo certo, este mapa do correto me foi útil. Também vejo nos outros muitas vezes que esta certeza é produtiva, ajuda a reconstruir muitas vidas nas quais a esperança tinha se esgotado. Mas acho que há dois inconvenientes nesta fortaleza inexpugnável da fé. A primeira diz respeito aos outros, à esta atitude de tentar converter todos os outros a sua verdade. Muitas vezes isto surge como uma forma de amor ao próximo, um desejo de compartilhar aquela paz que se obteve. Mas aos poucos este sentimento original, quando não é baseado apenas no exemplo, vai sendo contaminado pelo lodo da vaidade, pelo barro da ambição, vai transformando a água cristalina daquele amor inicial em um pântano. Mais grave, contudo, é o resultado pessoal de se encastelar em uma visão de mundo. Quando isto acontece nós chegamos á conclusão de que já sabemos tudo e com isto paremos de aprender e de questionar. Estagnamos e com isto perdemos este atributo essencial do ser humano que é a curiosidade, tão importante em nossa evolução, inclusive física. Aterroriza a maior parte das pessoas a noção que as dúvidas também podem ser abençoadas, talvez até mais do que as certezas. Mas só através do questionamento podemos descobrir que estamos vivos.

TERÇA-FEIRA, 8 AGOSTO, 2006 - 18:23

Islam, Comunicação, Pessoal, Arte, Literatura, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10071


MISERICÓRDIA E SABEDORIA Uma grande amiga sempre me fala de orar não apenas ao Deus-Pai, mas também ao Deus-Mãe. É evidente que em uma religião tão centrada justamente na unidade divina, na superação de toda dualidade e diversidade, como é o Islam – e também o Tao, meu versículo preferido do Sagrado Alcorão, por sinal, diz o mesmo que a famosa passagem do Tao, ambos falando da criação – não há espaço simbólico para qualquer representação feminina nem masculina. Não quer dizer, contudo, que não haja uma forte simbologia feminina, boa parte dela “lost in translation” ou reprimida em culturas patriarcais, a ponto de usualmente o Islam ser considerada um religião misógina no ocidente. Dentre os 99 nomes de Deus, os dois mais comumente invocados tanto no Sagrado Alcorão – onde abrem todas as suratas – como pelo cotidiano do bom muçulmano que nada faz antes de pronunciar a frase invocando ao menos um destes nomes, al-rahman e al-rahim, são atributos femininos. Em geral as duas palavras são traduzidas como “O Clemente, O Misericordioso”. Me lembro de uma vez ter visto em uma tradução portuguesa de um livro xiíta a tradução como “Todo-Clemência”, “TodoMisericórdia”. A questão ultrapassa o simples gênero da palavra, porque a raiz dos termos – rhm (e no árabe e nas outras línguas semitas como o hebraico e o aramaico a raiz das palavras é uma questão muito relevante proque guarda uma identidade de sentido) tem forte ligação com a idéia de útero. Há, inclusive um hadith qudsi, uma das 40 tradições sagradas na qual Deus fala na primeira pessoa, na qual esta referência é bem clara e a utilização do útero como símbolo do lugar de origem é extremamente significativa. Ibn 'Arabi em muitos de seus escritos, não só se refere a Deus com um

pronome feminino, mas o chama de Mãe. O mesmo faz Rumi. De uma forma geral os nomes de Deus estão divididos, na tradição islâmica, em dois grandes atributos, Majestade e Beleza – jalal e jamal. Os do primeiro grupo em geral não só palavras masculinas, mas atributos associados a imagem masculina, patriarcal. Os do segundo, por outro lado, são atributos femininos e em geral, mas nem sempre, maternais. Chega a não ser estranho que as visões exotéricas – ou seja, da religião formal – enfatizem os atributos da Majestade, enquanto os esotéricos – voltados para o aspecto interior da religião – enfoquem mais os femininos. Em grande parte, por sinal, o mesmo ocorre nas mais diversas tradições e quando sito não acontece há um sentido simbólico no processo. Ao lado da Misericórdia há um outro aspecto feminino que tem um papel central em toda a cosmovisão islâmica, traçando por sinal uma vasta área de intersecção com outras tradições, inclusive a dos gnósticos cristãos e dos gregos, que é a Sabedoria – Hikmat, em árabe - muitas vezes personificada – como foi por 'Arabi em Najma ou por Rumi em Laylat, por Maria, mãe de Jesus, mesmo nos textos mais tradicionais. Não se deve estranhar que na poesia esotérica islâmica Deus seja o Bem Amado, enquanto o buscador é o Amante, imagem que como disse em um texto anterior teve grande influência no Ocidente até hoje. Os exemplos destas simbologias são muito presentes, Maria discutindo com os doutores da lei – onde se pode ver talvez o confronto entre conhecimento e sabedoria, no fato de ser Khadija que dá ao profeta do islam a certeza da sua missão. No fato de ser através de Fatimah – cognominada justamente “A Radiante” - que o legado do profeta é transmitido e que ela seja concebida, segundo a tradição, justamente na Noite em que o Profeta faz sua Viagem Noturna. Coincidência, para quem acredita nelas, que o nome da filha do Profeta tenha se tornado um nome cristão tão comum por conta de um santuário construído numa cidade nomeada em homenagem a ela. Ou que seja sempre através de uma mulher


que os grandes sheikhs se tornam sheikhs, que seja por Sherazade que o rei acalma sua ira. Ou ainda que Ibn 'Arabi expresse como a mais alta contemplação possível de uma expressão de Deus neste mundo dos sentidos seja a contemplação da mulher amada, enfim, os exemplos são múltiplos.

SEXTA-FEIRA, 25 AGOSTO, 2006 - 17:26

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10091


DINOSSAUROS, CLONES E O UNABOMBER Leio, não sem surpresa, que cientistas anunciam um clone humano para daqui a dois anos. Como já foi dito antes, a ciência separou-se de vez da sabedoria e a sociedade, hipnotizada pela magia do cientificismo, separou de vez a descoberta dos meios da reflexão sobre os fins. A qualquer tentativa de se fazer esta reflexão a ciência, e ainda mais o cientificismo - a ciência transformada em superstição - reagem com gritos histéricos de "obscurantistas e inquisidores". De uma forma geral consideram-se eles acima e fora da sociedade e imaginam que refletir sobre as consequências de seus experimentos seria uma aberração. Mesmo assim é necessário refletir sobre isto. A clonagem de seres humanos é uma ameaça séria demais para não merecer que se enfrente a inquisição cientificista. Os riscos são vários, há o risco óbvio de se aniquilar a diversidade genética da humanidade, tornando-a mais suscetível a uma epidemia ou a alguma doença genética. Quanto se conhece ainda sobre os genes? É algo difícil de responder, mas pode ser suficiente dizer que entre um homem e um chimpansé há menos de 0,5% de diferença. Entre um ser humano e outro esta diferença é ainda mais ínfima, por mais diferenças que eles tenham, revelando que todos os homens surgiram de um pequeno grupo de primatas bem sucedidos. Esta pequena margem de diferença é importante porque ela derruba um dos mitos centrais do cientificismo segundo o qual ocorre uma evolução permanente e linear no mundo. A própria ciência já tratou de demonstrar o quanto isto é falso e quanto de acaso está presente na chamada evolução. Mas o senso comum ainda não absorveu por

completo estes conceitos de multilinearidade e acaso que permeiam a evolução e continua imaginando o progresso como uma estrada sem encruzilhadas nem trombadas. Um bom exemplo é o dos dinossauros. Teste seus conhecimentos: "os dinossauros se extinguiram porque entraram em um "beco evolucionário" que os transformou em seres grandes demais para conseguir sobreviver, tornando-se ineficientes, certo?". Talvez o leitor ficará surpreso em saber que a resposta acima, ensinada nos livros didáticos, provavelmente está errada. Diversas pesquisas recentes tem formulado teorias consistentes segundo as quais a extinção dos dinossauros foi provocada pelo choque de um meteorito ou cometa de grandes proporções na Terra, tornando o ambiente impróprio. Os argumentos a respeito disto são convincentes, mas extrapola os objetivos deste artigo apresentá-los. Esta hipótese de trabalho levantaria a seguinte pergunta, pois bem, se o meteorito não tivesse se chocado com a Terra, será que o mundo ainda seria dominado pelos dinossauros? Será que o homem teria surgido? Vale lembrar que os dinossauros dominaram a terra por dezenas de bilhões de anos, enquanto o ser humano ainda não completou 100 mil anos de existência e 10 mil de civilização. Voltando à diversidade genética, a pesquisa na área tem demonstrado que ao invés de sermos no nosso passado ante-pré-histórico uma espécie bem sucedida fomos um fiasco à beira da extinção. Dos muitos grupos de humanóides que surgiram apenas um pequeno bando (Adão e Eva?) conseguiu sobreviver e gerar descendentes que hoje enchem o planeta. A fraternidade dos seres humanos não é uma mera ficção ideológica ou teológica, mas um conceito real. Reduzir ainda mais esta diversidade é um ponto perigoso, mas que fatalmente ocorrerá quando a manipulação genética e a clonagem se tornarem tecnologias mais corriqueiras, o que pode ocorrer daqui há um século, uma década ou no ano que vem! É de um louco, o Unabomber - cientista brilhante transformado em terrorista pela


paranóia do progresso - que vem uma das advertências mais sérias em relação à clonagem. Ele diz que a produção de "superorgãos" por clonagem será uma vantagem competitiva do ser humano e que por isso logo se tornará não mais opcional, mas compulsória. As vantagens que a clonagem e a manipulação genética produzem, diz ele, serão de início utilizada por alguns. Estes terão tal vantagem sobre os demais que logo também aderirão aos novos mecanismos. Por fim a situação será tal que a desvantagem do cidadão não-turbinado pela genética será tal que ele será obrigado a recorrer a estes recursos. Em meio a sua paranóia o Unabomber apresenta exemplos consistentes deste processo com as máquinas, a eletricidade e até mesmo os computadores que em breve se tornarào acessórios indispensáveis ao ser humano. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:08

Islam, Islam, Pessoal, Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/66


"HÁ MOMENTOS NOS QUAIS SÓ TRABALHAR PARA O FUTURO NOS CONSOLA" Momento 1 - Uma sirene e as luzes de um carro de polícia faiscam atrás do carro do deputado, o motorista imagina que eles querem ultrapassar e abre passagem, mas ele continua seguindo atrás. Quando o carro para numa rua tortuosa e esburacada de uma cidade da periferia do ABC, no lugar da reunião, nós descemos, o carro da polícia para e dois soldados de armas na mão pulam da viatura. Alguém explica para os policiais que é o deputado. Os policiais, meio envergonhados e assustados tentam explicar que a culpa do mal entendido não é deles: - Vimos um carro grande, com placa de carro oficial, nestas quebradas, não é época de eleição, imaginamos que só podia ser sequestro! Impossível escapar do jargão "cômico se não fosse trágico" que o fato de um homem público reunir-se com sua comunidade quase seja ocorrência policial... Momento 2 - Leio revoltado que uma Secretaria da Saúde recorreu ao STJ para não ser obrigada a comprar, por liminar, remédios de alto custo necessários para garantir a vida dos pacientes. A revolta chega ao asco quando vejo que o mesmo estado daquela secretaria está envolvido até o pescoço nas falcatruas denunciadas pela Operação navalha. Não tem recursos para salvar uma vida, mas para montar esquemas com empreiteiras tem. Muito nojo da política, muito desprezo por quem vota em gente capaz destas brutalidades, mas me consola uma frase da correspondência entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato: Há momentos nos quais só trabalhar para o futuro nos consola SEGUNDA-FEIRA, 21 MAIO, 2007 - 19:18

Pessoal, Educação, O futuro, Política PP, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10559


O IDEAL E O POSSÍVEL O conceito de Ética em Sócrates, Platão e Aristóteles "Se imaginais que, matando homens, evitareis que alguém vos repreenda a má vida, estais enganados; essa não é uma forma de libertação, nem é inteiramente eficaz, nem honrosa; esta outra, sim, é mais honrosa e mais fácil: em vez de tampar a boca dos outros, preparar-se para ser o melhor possível." (Palavras atribuídas a Sócrates por Platão, ao final do seu julgamento) Sumário Introdução * Defina seus termos * A sociedade perfeita * O caminho do meio * Conclusão * Bibliografia *

INTRODUÇÃO ASCENSÃO E QUEDA DA FILOSOFIA GREGA Uma pergunta que irá ocorrer a qualquer um que estude a história da filosofia grega será porque ela atinge seu esplendor teórico justamente no momento de sua decadência material. Sócrates, Platão e Aristóteles vivem justamente no momento que a sociedade grega em geral, e a ateniense em particular, vive seu ponto mais baixo cuja culminação será a unificação e dominação dos helenos pelos macedônios de Filipe e Alexandre. De uma forma geral eles vivem o momento de maior desagregação interna, de dominação da política pelos demagogos, pela decadência dos velhos modos de vida, da superação da riqueza intelectual pela

material. Ainda assim refletem sobre as mais altas virtudes humanas e vêem a felicidade justamente na bondade, conceito que unifica as três noções de ética, ainda que divergindo sobre o significado da eudaimonia - a felicidade derivada da harmonia entre os componentes da alma. Há um aspecto necessário a ser compreendido nesta noção dos três filósofos serem o canto do cisne da filosofia grega. Seus antecessores e adversários não são conhecidos a não ser por fragmentos, em geral recolhidos e comentados por seus detratores, assim não há como asseverar que Sócrates e seus dois discípulos sejam tão superiores aos que os antecederam. A filosofia que antecede aos sofistas é marcada por uma compreensão da identidade entre ser humano e ser cidadão tão profunda que a hipótese de uma dissociação entre o bem individual e o bem comum sequer é formulada, é entendida como dado da realidade e premissa básica de qualquer reflexão sobre o ser humano. Da noção de um "Império da Lei" e não de reis, deuses e sacerdotes deriva a maior parte da originalidade do pensamento grego, ainda que raramente seja motivo da apreensão dos filósofos. O que se busca então é no máximo mecanismos que possam aprimorar as leis, avaliar entre as possíveis alternativas qual seria a mais racional - portanto melhor - para a consecução deste Império da Lei. As primeiras reflexões de natureza ética que surgem neste período, especialmente Pitágoras, não visam senão ao esforço de avaliar como poderiam ser julgadas as alternativas postas de forma perfeitamente racional. Mas o dinamismo da sociedade grega acaba trazendo em si um novo mundo que iria aos poucos se infiltrar no antigo, voltar contra si mesmos os princípios tanto da democracia quanto da filosofia. Este processo começa com os conflitos da crescente camada de comerciantes enriquecidos contra as velhas aristocracias - cuja base do poder era de um lado a tradição e de outro a propriedade fundiária - e termina com a ascensão dos


tiranos - magnatas que se postulam defensores das camadas mais pobres da população. Marco significativo neste processo será a constituição de um imperialismo ateniense disfarçado em aliança político-militar na chamada Liga de Delos, constituída inicialmente como estratégia defensiva contra a invasão persa, mas que os atenienses relutam em dissolver após a vitória contra os Aquemenidas. O domínio imperial de Atenas garante à cidade as fontes tanto de seu supremo desenvolvimento como o embrião da sua decadência. Ao canalizar para a cidade vultoso volume de recursos, o imperialismo garante um esplendor em todas as artes. É o período dos grandes monumentos, do supremo desenvolvimento da escultura, da mais ampla extensão da democracia que chega à sofisticação de pagar uma contribuição a todos os cidadãos que compareçam às Assembléias, como absoluta garantia do direito a todos a participar das decisões da cidade. É também o momento no qual os sábios de todo o mundo helênico - da Ásia Menor à Calábria, então chamada de Magna Grécia - convergem à Atenas na busca tanto de um ambiente de efervescência cultural como de patronos, os mecenas. Mas este crescimento tem um preço amargo a ser pago. O crescimento das desigualdades sociais gera crescentes conflitos, a extensão da democracia estimula o florescimento e domínio da demagogia, o necessidade de justificação do Imperialismo rompe com as velhas noções de Império da lei e igualdade dos homens. Por fim gera a reação dos dominados, liderados pela oligarquica cidade de Esparta que leva ao fim da Liga de Delos e a restauração - ainda que temporária - da oligarquia ateniense. O fruto filosófico deste período atribulado são os sofistas, geralmente acusados de seus adversários de destacar o conhecimento de sua base moral, ensinando que qualquer discussão poderia ser vencida desde que utilizados os meios corretos. Ainda que esta visão possa ser mero exagero dos seus

comentadores - e é a partir deles que os conhecemos - há uma certa lógica entre a evolução econômica e política dos gregos e a atribuição de "valor instrumental" ao velho conhecimento grego de natureza especulativa. Independente das críticas aos sofistas serem tendenciosas ou honestas, há nelas um componente novo, inusitado, crítico: o relativismo moral. Da velha identidade entre a felicidade individual e o bem comum da sociedade grega se chegará, através dos sofistas, a uma situação na qual tanto o primeiro como o segundo tornam-se relativos, não universais ou divinamente inspirados. O pensamento sofista não deixa de ser um ataque à hipocrisia ateniense no qual os velhos valores não são mais evocados senão como uma justificativa da dominação de Atenas sobre outros Estados, dos ricos demagogos sobre os velhos ideia da democracia, da escravidão e da plutocracia na qual a sociedade grega havia se transformado. A noção de "o homem é a medida de todas as coisas", de Protágoras é sobretudo uma contestação da própria essência da legitimidade do Estado grego, firmada já não mais numa profunda consciência do Império da Lei, mas simplesmente em um amontoado de convenções sociais habilmente manipuladas pelos ricos. O cerne desta estrutura de legitimação é trazida à luz por Trasimaco, para qual a justiça e outros conceitos derivados da lei não eram senão ferramentas para que os fortes submetesse e dominassem os fracos. Conceitos deste tipo iam contra todos valores da sociedade grega, transformavam o velho respeito ao "Império da lei" em mera hipocrisia, o velho sentimento de missão e superioridade gregos em vaga justificativa da escravidão. Eram, portanto, noções perigosas demais para não serem respondidas, ainda que a resposta não pudesse deixar de se tornar ela própria um tapa no rosto da hipocrisia dominante. É nesse contexto de decadência e crise moral que os esforços intelectuais de


Sócrates, Platão e Aristóteles devem ser entendidos. Quando se enxerga a questão por este prisma, o fato de Sócrates ter "inventado" a Ética revela não o surgimento de uma nova ordem, mas antes a necessidade de se refletir, sistematizar e defender conceitos que antes eram dados como automáticos, em especial quanto à essência da ética, ou seja, as relações entre o bem comum e a felicidade individual.

DEFINA SEUS TERMOS SÓCRATES E A CRENÇA QUE BASTA SABER O QUE É A BONDADE PARA SER BOM O pressuposto básico da Ética de Sócrates que basta saber o que é bondade para que se seja bom - pode parecer ingênuo no mundo de hoje, no qual já está profundamente gravado na nossa mente que só algum grau de coerção é capaz de evitar que o homem seja mau. Na sua época era uma noção perfeitamente coerente com o pensamento - ainda que não com a prática - da sociedade grega. Antes dele não teria havido uma reflexão organizada sobre a ética e o "homem moral" a não ser o relativismo dos sofistas, neste sentido é inegável que ele é o "Pai da Ética. Contudo é preciso ponderar que desde períodos mais antigos havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual tão arraigada na mente grega que talvez tal reflexão não fosse necessária ou sequer capaz de ser concebida. Só a dissociação de ambas na decadência grega é que teriam, pela primeira vez, postulado a necessidade de alguma teoria que explicasse esta dualidade. Ao contrário da posição de Will Durant, portanto, só a decadência dos gregos, a dissolução entre uma teoria que concebia a identidade entre o homem e o cidadão e uma prática na qual os valores morais significam pouco - cujo resultado é a hipocrisia denunciada pelos sofistas - é que tornaria Sócrates necessário.

É com os sofistas que Sócrates dialoga, em um esforço para refutar seu relativismo moral cuja validação, sabe ele, significaria o fim do "espírito grego". O grande mérito de Sócrates é enfrentar de forma virulenta a hipocrisia da sociedade ateniense cuja resposta aos sofistas era apenas a reafirmação insincera dos velhos valores. Sócrates defende a identidade entre os interesses individuais e os comunitários como único caminho para a felicidade, o que implica na valorização da bondade, da moderação dos apetites, na busca do conhecimento. Como se explicaria, então, a dissociação real de ambos, se ao homem, como afirma Sócrates, basta saber o que é bom para que ele seja bom? Os sofistas responderam a esta questão considerando que a Ética era mera convenção social, Sócrates os refuta, afirmando que a aparente dissociação se dá justamente porque os homens não sabem o que realmente é a bondade. Esta noção perdida em meio à vaidade e a hipocrisia dominante cegaria o homem que ao invés de lutar por objetivos reais confunde-se na névoa das convenções sociais. Já se sente aqui o embrião da noção que Platão consolidará e generalizará na sua Alegoria da Caverna. Assim ao mesmo tempo Sócrates busca uma volta às velhas tradições da Cidadania, mas para isto precisa voltar-se contra estas próprias tradições. Ele aceita os princípios gerais definidos por aquelas tradições, mas apenas como um conceito, uma categoria a ser investigada pela mente humana, rejeitando tanto a forma pela qual estes valores são apreendidos como o conteúdo usualmente atribuído a eles. Assim ele ao mesmo tempo se contrapõe aos sofistas e aos tradicionalistas, aos primeiros por negarem uma realidade objetiva e universal aos valores éticos, aos segundos por não serem capazes de compreender a essência destes valores. Ele próprio pensa na Ética não como uma especulação abstrata, mas como uma força transformadora, capaz de trazer a felicidade


a ambos, Sociedade e Indivíduo - aliás a única forma de se obter esta felicidade.

capaz de por si só, tornar o homem mais sábio e melhor.

À questão sobre o que é a Justiça - para dar um exemplo prático desta dupla oposição de Sócrates - os sofistas dizem que ela é a convenção estabelecida pelo mais forte para dominar o mais fraco, os tradicionalistas a entendem como o conjunto das instituições eu definem o "Império da Lei". Sócrates diz que ambos estão certos e errados ao mesmo tempo. Os sofistas não estão errados porque a descrição deles corresponde ao estado de coisas na época, os tradicionalistas também não estão errados porque o princípio que teoricamente rege aquelas instituições seriam aqueles elevados valores da cidadania.

A própria ausência de respostas em Sócrates é certamente parte deste método, ele teme que se der respostas aquela verdade acabará se cristalizando com o tempo e se transformando ela própria em mera convenção. O caminho teria de ser trilhado por cada um, enquanto indivíduo e ao mestre não caberia indicar o caminho, apenas advertir contra os atalhos perigosos.

Mas ambos estão errados, porque a deterioração da justiça não significa que não exista objetivamente uma Justiça e que esta não seja uma meta a ser alcançada - ao contrário do que pensam os sofistas - e porque o que as pessoas entendem como justiça não é justiça de fato, apenas uma visão distorcida daquele conceito - ao contrário do que dizem os tradicionalistas. O problema ético, para Sócrates, é sobretudo uma questão de definição de termos. Como chegar a estes valores absolutos que guiariam o homem? Sócrates não dá uma resposta absoluta, antes propõe um método para se chegar a resposta, demolindo as visões correntes, mostrando quão ilusórias eram as certezas, abalando as convicções arraigadas através de questionamentos implacáveis. Sócrates é um perguntador, disposto a arrancar as pessoas da vã certeza vaidosa na qual se encontram para fazê-las mergulhar mais profundamente em suas consciências em busca de respostas. A elas ele não oferece nenhuma resposta, apenas a esperança que ao fim haverá respostas definitivas, mas que estas não podem ser compreendidas sem provocar uma mudança do próprio homem. A mais profunda garantia da sua ética é justamente este potencial auto-reconstrutivo da verdade quando vista sem os véus das aparências e vaidades, um conhecimento

Mas seus discípulos Platão e Aristóteles nem sempre serão capazes de compreender esta lição maior de seu mestre. Cada um deles irá interpretar a reflexão sobre os homens, a Moral e a Ética que Sócrates teve o mérito de trazer à baila como objeto de estudo segundo seus ideais de uma Cidade moralmente perfeita na qual houvesse uma harmonia entre os diversos interesses individuais e coletivos. E ambos dão respostas diametralmente opostas...

A SOCIEDADE PERFEITA PLATÃO E A NECESSIDADE DE CONSTRUIR A "CIDADE PERFEITA" GUIADA PELA ÉTICA A resposta de Platão à necessidade de se resgatar o velho sentido da Ética, da Justiça e da Moral, perdidos durante o período de crescimento e enriquecimento de Atenas, contaminados pela hipocrisia, é a "volta a uma sociedade mais simples". Mas não uma volta ao passado real, antes a um passado imaginário situado em algum lugar no futuro no qual os velhos valores - renovados a partir das indagações e críticas de Sócrates possam orientar uma sociedade estável que tende à perfeição. Assim à dissociação entre o mundo real e os valores éticos Platão contrapõe a necessidade de uma reconstrução da sociedade segundo estes valores, por mais radical que ela possa parecer. O eixo da ampla reforma sugerida por Platão para construir a sociedade perfeita é a substituição da plutocracia que reinava na Atenas Imperial dos mercadores por uma


"timocracia do espírito" na qual os governantes seriam os melhores dentre os homens de seu tempo em termos de conhecimento e sabedoria. Mas as implicações da utopia platônica não param por aí. É necessário limitar ao mínimo a propriedade, tornar-se vegetariano - como proposto por Pitágoras - e até extinguir as unidades familiares de forma a garantir que todos se sintam irmãos de fato porque criados pelo Estado, não por famílias. Ele não se propõe a eliminar os mercadores e agricultores, mas limitar-lhes a ação e, sobretudo, privar-lhes por completo do poder político. A eles não seria imposta a dura disciplina da posse em comum das mulheres, das dietas e exercícios rigorosos, mas exige-se obediência à lei dura e às ordens dos Guardiães, a elite dirigente concebida por Platão Sobre estes Guardiães pesa tal grau de regras e responsabilidades que a escolha deixa de ser um privilégio para tornar-se um sacrifício, só concebível para aqueles que conseguem realmente compreender que a eudaimonia exige perfeita identidade entre o bem comum e a satisfação pessoal. Insatisfeito com os rumos da democracia, Platão concebe um sistema de governo no qual a educação universal - rígida e valorizada - serve tanto como elemento selecionador de quais elementos entrarão na classe dos Guardiães, como elemento da formação destes guardiães. Esta noção em certa medida vem das inúmeras ocasiões nas quais Sócrates deplorou a pouca preparação intelectual dos dirigentes, clamando que era incompreensível que para as tarefas mais triviais se exigisse preparação, mas que aos governantes bastava serem capazes de conduzir pela demagogia ou pela compra de votos à massa dos atenienses. Platão sabe que a disciplina extrema que prega a seus guardiães - paradoxalmente tão próxima dos grandes adversários dos atenienses, os espartanos - não pode ser estendida a toda a sociedade, mas a considera essencial à existência de um princípio ético de fato que guie o conjunto da sociedade.

No pensamento de Platão, portanto, o reencontro da ética e da realidade se dá através de uma grande reforma social, política e econômica que torne a cidade mais simples, mais desligada dos valores materiais, mais igualitária. A preservação desta nova cidade só poderia ser feita se o poder fosse centralizado neste estrato dominante dos guardiães para os quais a simplicidade e a privação - bem como a educação - deveriam ser ainda mais rígidos. Estes homens, escolhidos por seus méritos, praticaram a harmonia completa do verdadeiro sentimento ético, sacrificando a si próprios em detrimento do bem comum sem outra recompensa senão a gratidão de seus súditos. Homens de vontade férrea não teriam famílias nem posses e viveriam numa fraternidade na qual não existiria espaço para a hipocrisia ou a vaidade. Até que ponto as concepções de Platão são as de Sócrates, em nome de quem o discípulo fala em seus diálogos - cujos oponentes usuais são geralmente os sofistas - é uma questão ainda não esclarecida. A crítica textual em geral considera que os primeiros diálogos seriam mais fiéis às palavras de Sócrates, enquanto os últimos já contém interpolações platônicas demais para serem considerados como fruto de outra autoria que não a do próprio Platão. Ainda assim a concepção essencial da ética de Sócrates - segundo a qual basta saber o que é a bondade para ser bom - é também a concepção de Platão, mas com duas diferenças básicas. Sócrates jamais exprimiu de forma objetiva o que ele entendia como bondade, deu apenas definições negativas do conceito demonstrando o caráter superficial deste e outros conceitos em sua época. Platão por sua vez define esta bondade como sendo a ideia Geral de bondade, seu conceito mais abstrato cuja sombra era as noções cotidianas da bondade. Para descobrir o que era a Bondade, portanto, seria necessário afastar esta sombra refletida pelas convenções para chegar à noção em si da bondade. A segunda diferença é que ao propor sua utopia, Platão


esforça-se se não para definir este conceito absoluto de bondade, ao menos para definir como seria uma sociedade na qual ela poderia prosperar. A noção desta ideia Geral da bondade é exposta no debate em torno do Anel de Giges, que permitiria ao seu proprietário tornar-se invisível - e as similaridades com o conto de H.G. Wells no século XX não é mera coincidência. A questão debatida é se uma pessoa que pode se tornar invisível, portanto está além do alcance de qualquer atitude coercitiva para praticar o bem, ainda assim seria boa. Para Platão, uma pessoa que conheça a essência da bondade sabe que só pode ser feliz se agir corretamente e assim a posse do anel não fará diferença para ela. Mesmo intocável pelo longo braço da lei este indivíduo que detém o conhecimento não se sentiria tentado a agir de forma diferente.

O CAMINHO DO MEIO ARISTÓTELES E A MODERAÇÃO DAS PAIXÕES COMO CAMINHO DA FELICIDADE Enquanto Platão sonha com uma sociedade ideal na qual não praticar o bem torna-se uma impossibilidade tal a extensão das instituições que eliminam a vida privada, Aristóteles propõe o que, de certa forma, pode ser compreendido como um caminho contrário. Para ele a Lei deve ser capaz de compreender as limitações do ser humano, aproveitar-se das suas paixões e instintos, e produzir instituições que promovam o bem e reprimam o mal. Assim se para Platão a Lei deve moldar o real, para Aristóteles o real deve moldar a Lei, única forma de seu cumprimento ser possível a todos. A exposição destes conceitos na Ética de Aristóteles parece estar diretamente dirigida contra a Utopia platônica que, na visão de Aristóteles, está condenada ao fracasso porque não respeita os impulsos do homem, seus apetites e paixões.

Mas esta visão não pode ser entendida como uma ausência de princípios éticos fortes ou a abstenção de promover o Bem que Aristóteles entende também como uma aspiração do ser humano capaz de conciliar o interesse individual e o comunitário. Pelo contrário, ele propõe um controle estrito sobre as paixões, com a diferença que ele deriva delas tanto as virtudes quanto os vícios, ao contrário de seus mestres predecessores. A essência da virtude seria, então, a moderação entre os extremos de cada paixão, a Regra Dourada do caminho do meio entre a indulgência absoluta e a privação absoluta. Assim a verdadeira definição de coragem estaria entre a covardia e a bravata itimorata, a amizade entre a subserviência e a insolência. É evidente o vínculo com os múltiplos questionamentos de Sócrates sobre as essências dos valores morais, bem como com a noção das ideias Gerais de Platão. Mas se há uma continuidade há igualmente uma ruptura nesta nova noção. A mais significativa dela é a existência de uma resposta objetiva àquilo que Sócrates recusou-se a responder e Platão respondeu de forma abstrata e filosófica. Aristóteles está preocupado em termos de Ética - como no restante da sua filosofia - em encontrar regras claras que possam ser conhecidas, rotuladas, catalogadas. Ele também não está preocupado em uma utopia mirabolante, mas em construir uma sociedade com os homens que estão disponíveis, não com super-homens idealizados, assim tenta construir uma visão de ética que seja capaz de atender à maioria. A despeito disto traça uma visão aristocrática da sociedade na qual os méritos de forma alguma equivalem e no qual os homens estão classificados segundo níveis bastante objetivos - do ponto de vista dele - que faz com que alguns sejam senhores e outros escravos. A justificativa deste sistema que racionaliza a escravidão e imagina um continuum do mineral ao homem - cujo tipo mais elevado seria o filósofo - seria o pressuposto de que


todos os seres foram criados com uma finalidade em um projeto bem definido de universo ao qual os teólogos cristãos medievais designarão de Summus Boni - O Bem Supremo. A atribuição do homem, para ele, seria o pensamento racional, característica que o distinguiria do animal. Assim se tem um homem ideal que é puro pensamento especulativo e racional e portanto se concretiza no filósofo. Os gregos, dentre todos os povos, teriam mais consciência desta importância da racionalidade e portanto se justifica a escravidão dos bárbaros cujo nível está mais próximo dos animais irracionais. Só através da concretização desta "finalidade racional", crê Aristóteles, o homem poderia atingir a Eudaimonia, a felicidade da harmonia interior. Há nesta consideração uma ruptura radical com os predecessores já que para o macedônio a finalidade da Ética já não será mais o Bem por si mesmo, mas o Bem enquanto elemento que leva à Felicidade, objetivo principal do homem. Aristóteles distingue entre dois tipos de Bem, entre o que é Instrumental e o que é Intrínseco. Os primeiros são bons porque levam à Bondade, enquanto os segundos são bons por si mesmos. Assim o conhecimento também é dividido entre o conhecimento prático e teórico, o primeiro sendo o conhecimento de como agir corretamente e o segundo o conhecimento do que é bom por si mesmo.

CONCLUSÃO CONTINUIDADES E RUPTURAS NAS TRÊS ÉTICAS Há elos que ligam os conceitos de Ética defendidos por Sócrates - a noção que basta saber o que é o Bem para praticá-lo - por Platão - segundo o qual é essencial conhecer a ideia Geral do Bem - e por Aristóteles - para quem o Bem equivale à moderação das paixões. Todos os três estabelecem como fonte da Ética a noção que a Felicidade -

entendida no sentido mais amplo da eudaimonia - era a recompensa dos virtuosos. Este conceito é consistente com a hipótese apresentada na Introdução de que a decadência moral de Atenas - fruto da substituição de uma sociedade tradicional por outra de natureza mercantil - havia dissociado o bem individual do bem coletivo tornando necessária uma construção que estabelecesse de novo parâmetros capazes de harmonizar os dois conceitos. Não é por outro motivo que os três filósofos dialogam principalmente com os sofistas, responsáveis pela outra resposta a esta questão - segundo a qual todo princípio ético e moral era mera convenção, desprovida de significado em si. Os três autores buscarão então constituir uma Teoria Ética que parte das premissas que, de um lado, existe uma Ética objetiva e de outro que o homem só pode ser feliz se seguir estes princípios. O tratamento dado ao tema, contudo, varia em cada autor pela interação destas premissas gerais com a teoria mais geral segundo cada um deles interpreta o mundo. Sócrates tem o mérito de introduzir a discussão sobre o homem na Filosofia de forma sistemática, defendendo a posição que mais do que as forças da natureza, o homem deveria ser o objeto das reflexões. Ainda que, como foi visto, esta reflexão tenha sido impulsionada por necessidades bastante concretas - em especial de responder aos sofistas - isto não lhe retira o mérito de trazer o cidadão ao centro do debate. A essência da Ética Socrática é o poder libertador do verdadeiro conhecimento confrontado com a hipocrisia. É através deste conhecimento, crê Sócrates, que cada indivíduo é capaz de um dia chegar à compreensão do que é o Bem, conhecimento que por si só tem efeito transformador tanto de quem o adquire como da sociedade na qual ele vive. Note-se que a genialidade de Sócrates está em produzir uma resposta aos sofistas mas que também enfrenta os tradicionalistas -


oposição que se reflete nos dois grupos de acusação que levam ao julgamento do sábio. Por detrás deste ataque em duas frentes está a percepção que os velhos valores não podem ser restaurados sem que impere esta hipocrisia que ele tanto condena, é preciso, isto sim, constituir novos valores objetivos para além das convenções. Partindo dos mesmos pressupostos de Sócrates, Platão avança no sentido de buscar uma definição concreta para esta Ética objetiva, definindo aquilo que Sócrates não ousou definir. Seu conceito de que seria a ideia geral de Bem que precisava ser buscada é uma reconstrução adequada à sua noção deste mundo como um reflexo do Mundo das ideias, acessível apenas aos dotados de um raciocínio filosófico avançado. Deste conceito ele extrai tanto a necessidade de uma classe de Guardiães dirigentes absolutos escolhidos pelo mérito e mantido puros por uma rotina ascética desligada dos interesses materiais - como um projeto de sociedade destinada a exercer o maior grau possível de controle sobre os cidadãos. Ao mesmo tempo que ele advoga que alguns indivíduos seriam bons mesmo sem a coação - como na discussão com os sofistas sobre o Anel de Giges proclama a necessidade de uma estrutura social no qual a vida privada está limitada ao mínimo - ou a nada no caso dos Guardiães que tem todas as atividades em comum. A dualidade entre o bem comum e o bem individual - essência da Ética - torna-se, com Aristóteles, totalmente descolada. Enquanto Platão advoga uma sociedade ideal na qual os dois conjuntos de interesses são mantidos juntos à força, Aristóteles tenta pensar uma sociedade na qual as instituições - baseadas numa análise das paixões humanas - tentam harmonizar estes sentimentos básicos dos seres humanos de forma a produzir o melhor resultado possível. Em outras palavras, enquanto Sócrates formula o problema, Platão tenta criar uma Ética Ideal que molde os homens a viver na virtude, enquanto Aristóteles busca uma

Ética do Possível, que não desrespeite a paixões humanas - ignoradas por Platão para quem o homem é uma tabula rasa na qual qualquer coisa pode ser escrita - mas antes as oriente pelo caminho da ponderação até a maturidade racional do equilíbrio.

Abrão, Bernardete S. História da Filosofia, Coleção Os Pensadores, Nova Cultural, São Paulo, 1999. ARENDT, Hanna, Condição Humana. Trad. Celso Lafer. Florence, Editora Universitária (USP) ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco in Aristóteles- Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. BEAVERS, Anthony & PLANEAUX, Cristhopher. Exploring Plato's Dialogues. Online: http://plato.evansville.edu/life.htm, 20/11/99. Bunnin, Nicholas & Tsui-James, E.P. Glossary of Philosophical Terms. On-line: http://www.blackwellpublishers.co.uk/PHIL OS/philglos.htm, 19/11/99. CHATELET, François. História da Filosofia. Rio de Janeiro: Ed. Zahar. CHAUÍ, Marilena et alii. Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1985. DURANT, Will - A História da Filosofia, Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1996. Encyclopedia Britannica, www.britannica.com . 18/11/99.

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Pessoal, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, O futuro, Política, Filosofia e cia, Religião Sócrates, Aristóteles, Will Durant, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/78


A GUERRA E AS MASSAS A importância dada à Guerra Civil americana é em geral tributada à mania dos americanos de olhar para o próprio umbigo e desprezar a história universal. Mania americana à parte, a Guerra da Secessão tem uma importância inegável na história mundial, e não só na militar, porque inaugura um novo tipo de guerra. Antes dela as guerras eram coisas para profissionais, em geral voltadas apenas para questões estratégicas, no máximo admitindo uma ou outra idiossincrasia nacional. A Guerra Civil americana inaugurou a entrada das massas na guerra e, com elas, a necessária motivação ideológica para legitimar a racionalizar o conflito. As velhas batalhas entre as nações européias eram decididas por elegantes aristocratas que invocavam disputas sobre direitos hereditários e buscavam sua legitimidade em árvores genealógicas. Napoleão começou a mudar isto ampliando muito seu exército, dando uma certa aspiração ideológica à motivação da soldadesca, substituindo a aristocrática cavalaria pela popular infantaria e pela burguesa artilharia. Mas a Guerra de Secessão foi o primeiro conflito em escala industrial, e industrial não apenas quanto ao equipamento, mas à mentalidade. Em primeiro lugar foi uma guerra na qual as tropas profissionais cediam lugar aos conscritos iniciando o terror do alistamento militar obrigatório em massa. Em segundo lugar prendia-se a um rígido sistema de emprego de tropas, cronogramas de aplicação, racionalização dos esforços e, sobretudo, a obsessão de dar um ritmo preciso a todos os movimentos. Kissinger afirma que uma das maiores causas da 1ª Grande Guerra foi a autonomia de decisão militar, imposta por uma necessidade das planilhas de mobilização. A guerra em escala industrial exigia uma

disciplina fabril para a qual as discussões políticas eram um empecilho retardatório que poderia ser fatal. A Guerra Civil americana também inaugurou todo um novo glossário não só inexistente mas impossível antes. Uma destas concepções foi a noção de Guerra Total, ou seja um conflito que só poderia ser resolvido pela aniquilação do adversário, e sua versão mais branda mas igualmente cruel da rendição incondicional. Mas talvez a mais importantes das mudanças na arte de matar inaugurada pela era industrial é a ideologização dos conflitos. No Ancient Régime a guerra era uma ação de mercenário, ou pelo menos profissionais, que pouco se importavam com as questões de legitimidade heráldica que os faziam lutar. Mas desde Napoleão o motivo pelo qual se lutava ia se tornando cada vez mais importante. Clausewitz descobriu a importância desta motivação entre os soldados, mas só muito depois dele a ideologização das guerras ganhou importância, em especial na 2ª Guerra onde o conflito ideológico era, caso raro, real e não mera racionalização. Eric Hobsbawn em A Era dos Extremos (Companhia das Letras, 99, 600 p.) destaca o paradoxo que foi a democracia que inventou este tipo de guerra. Nos regimes democráticos a guerra precisa da aprovação popular e o meio mais fácil de obter isto é demonizar o adversário. Todas as guerras desde então precisaram ser colocadas em um plano de luta do Bem contra o Mal para conseguir amparo popular. O amplo suporte popular a Reagan em sua "cruzada anti-comunista" em parte só pode ser bem sucedido pela demagógica eficiência com a qual ele conseguiu sensibilizar a opinião pública americana. Sem a força deste apelo jamais ele teria conseguido ampliar os gastos militares em um sociedade ainda traumatizada pelo Vietnã. Só a força desta crença permitiu que se sobrevivesse aos escândalos envolvendo a CIA e métodos muito questionáveis para quem se propunha a ser o Exército do Bem.


A crueldade da terrível máquina de matar que tornaram-se as forças armadas modernas só poderia ser suportada por um amplo esforço ideológico de mobilizar as massas contra os inimigos. Até mesmo carnificinas desnecessárias e terríveis como a perpetrada pelos americanos contra Hiroshima e Nagasaki conseguiram suporte popular das nações criminosas. Ainda hoje não se fez uma revisão adequada da deflagração da Era Atômica, cada dia mais injustificada como esclarecem um número crescente de pesquisas na área. Isto demonstra o quanto este efeito demonizador persiste no tempo e pode ter efeitos desconhecidos. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:01

Comunicação, Pessoal, Arte, Política, DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/48


GUERREIROS E PACIFISTAS Sou um pacifista radical, mas um pacifista que não só não deixa de admirar as qualidades de guerreiro – como dizia Gandhi, ao pacifista são necessárias todas as qualidades do guerreiro menos o crime – como também tenho a consciência de que há momentos nos quais a luta é necessária. Não só aquela luta íntima pelo aprimoramento constante, pela necessidade de superar-se sempre, mas ás vezes também a luta que tenta restabelecer o equilíbrio ao redor. Talvez por isto eu tenha a satisfação de ter entre meus amigos tantos pacifistas radicais como diversos militares e me entenda muito bem com ambos. Aliás uma verdade que transparece em inúmeros livros de memórias escritos pro militares e em relatos de guerras é justamente que ninguém odeia tanto a guerra como os soldados, nem por isto eles se furtam ao seu dever. Os louvores à guerra como estado permanente, como ideal até – em alguns casos – vem em geral dos gabinetes refrigerados e românticos da academia e da burocracia, não dos quartéis. Também as estratégias e táticas militares que levaram às diversas políticas de “açougueiro” - em especial nas guerras que ocorreram desde a Guerra Civil Americana, que a grosso modo foi a primeira guerra “de massas” - com grandes massacres não vieram de militares de carreira, nem de elites militares tradicionais. Não fossem as razões humanitárias, ficaria muito curioso em ver como todos estes nietzschianos de boteco que infestam a Internet iriam resistir a alguns dias na trincheira enfrentando uma investida inimiga à ponta de baioneta para cumprir o ideal de super-homem de seu mestre, só para ver se resistiriam mais do que os poucos dias que o próprio conseguiu viver no exército (claro que todos eles acham que seriam oficiais bem longe da

linha de frente). Os grandes povos é segmentos guerreiros, por sinal – mongóis, turcos, mamelucos, cossacos, highlanders escoceses (derrotados justamente por enfrentar em combate de grandes proporções os ingleses, mas depois incorporados ao ex[ercito britânico como unidade especial), celtas (o grande mérito de estrategista de Cesar foi sobretudo forçar Vercingetórix a um confronto direto de grandes proporções, do qual o líder gaulês fugia), citas e tantos outros – sempre evitaram a carnificina e o embate direto, procurando elo contrário o combate de atrito. Também neste sentido não se pode esquecer que buscar o confronto direto somente quando há condições de superioridade é um dos conselhos mais persistentes e evidente da Arte da Guerra. A guerra, eu diria, só é bonita entre aqueles que a conhecem só através de alguma imaginação romântica, alguma impressão subjetiva. Aqueles que realmente a lutam sabem que ela tem faces terríveis, mas tem a sensação de dever suficiente para saber que mesmo sendo sempre ruim às vezes é inevitável. Não me arriscaria a definir algum parâmetro objetivo sobre a “guerra justa” dilema ético, religioso e filosófico debatido há milênios sem alguma resposta totalmente satisfatória. Penso que é uma questão tão complexa, tão cheia de nuances, tão influenciada pelas propagandas e ideologias, que não pode ser totalmente resolvida salvo em alguns poucos casos. Um deles, que eu já citei inúmeras vezes, é a atual luta entre Estado com a sociedade contra o crime organizado. Luta que embora, para mim, seja evidentemente uma guerra tão justa como necessária, tem sido alvo de críticas e emperramentos pelo que me parece um excesso de pacifismo que pode até ser letal para a civilização – ao menos em algumas regiões - em algum ponto do futuro. Claro que é necessário combater o crime organizado também através da extensão dos serviços e equipamentos públicos às zonas de litígio, com a educação, a cultura, o lazer, o desenvolvimento econômico e tudo mais,


estas questões também fazem parte da batalha. Mas, enfim, este é apenas um exemplo para debate, sem nenhuma pretensão de encerrar o assunto nem desviar da questão principal. Dois livros bem conhecidos, por sua vez, falam um pouco do excesso de formalismo da disciplina militar, que acaba levando a certo esvaziamento de sentido. De um lado “O Deserto dos Tártaros” de Dino Buzatti – onde um forte meio esquecido é mantido especialmente pela ilusão de glória que um dia seria trazida por uma guerra improvável, no qual o excesso de preocupação com o regulamento preenche o vazio de atividade. O outro é “O Cavaleiro Inexistente” de Italo Calvino, no qual se confronta a minuciosa preocupação regulamentar de um cavaleiro que não existe, a vanglória dos outros paladinos e o ardor de dois jovens cavaleiros meio revoltados com toda aquela burocracia que lhes parece sem glória. Vale lembrar que também em “Nada de novo no Front” – livro que comentei há alguns dias - Erich Remarque em diversos momentos ironiza e até critica ferozmente os militares que estavam bem longe da linha de frente e se apegavam a todos os formalismos possíveis, até desvalorizando aqueles que realmente estavam arriscando a vida. É o caso de um major que exige as continências regulamentares e ameaça puni-lo por “trazer os maus hábitos da frente” ou o sargento instrutor que tortura os recrutas, mas treme de medo quando é mandado para a frente e revela-se um completo covarde. Se a belicosidade é um comportamento deplorável é preciso reconhecer que também o é a covardia. Quando a primeira se volta para si próprio pode levar ao necessário aprimoramento, mas mesmo aí há limites, há momentos no qual ela se torna auto-destrutiva. A covardia, pro sua vez, mesmo em pequena quantidade acaba levando a uma degradação do ser humano. A postura adequada do pacifista, assim, me parece ser aquela na qual a rejeição da violência e do conflito não é movida pela covardia, mas por certa coragem realmente guerreira, porque no soldado há sobretudo o auto-controle e não a mera expansão

desenfreada das paixões e iras, cimo pensam aqueles que desconhecem de fato a guerra.

TERÇA-FEIRA, 21 NOVE MBRO, 2006 - 16:02

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O BERÇO DO HERÓI "Eu vos afianço, homens que me mandais à morte, que o castigo vos alcançará logo após a minha morte e será muito mais duro que a pena capital que me impuseste" (Sócrates, em discurso aos que o condenaram) Com este mesmo título, Dias Gomes nomeou uma peça de teatro que depois serviria de base à sua famosa novela Roque Santeiro. A base do enredo já havia sido fornecida antes por Euclides da Cunha, que em Os Sertões fala de um certo cabo Roque dado como morto durante uma patrulha na Guerra de Canudos e que depois revela-se um covarde que havia fugido. Mas a ideia deste artigo é falar sobre outra coisa, só de leve relacionada ao tema da peça do dramaturgo brasileiro: a estranha relação dos gênios com a comunidade que os cerca. Como está fartamente documentado, raros gênios são considerados como tal pelos seus conterrâneos e contemporâneos. A ditadura da mediocridade em geral prefere louvar algum medíocre e odiar os que tem talento e a figura de Sócrates condenado ao envenenamento é quase um arquétipo deste papel. Com precisão o pensador grego vaticinou que ao invés de o marcarem com o opróbrio da condenação, condenariam a si mesmo à eterna vergonha de terem assassinado um gênio. Michelângelo carregou por toda a vida a cicatriz no rosto que lhe foi feita por um colega invejoso de quem o pintor zombará com a calma ironia da genialidade. A marca serviu-lhe como um estigma da genialidade confrontada com a mediocridade da massa e um verdadeiro sinal da inveja que provocaria nos seus contemporâneos por toda a sua vida.

Só para citar mais um caso, dos inúmeros que poderiam ser citados, menciono a estranha relação do escritor alemão Thomas Mann com Lubeck. Por ocasião da publicação do romance Os Buddenbrook (1901), Mann não só tornou-se persona nom grata na cidade alemã como quase foi linchado e precisou sair da cidade às escondidas. O motivo foi o retrato sem retoques da hipocrisia tediosa da sociedade local. Pouco antes de morrer, contudo, Mann foi convidado a voltar à cidade como convidado de honra para, pasmem, receber o título de Cidadão Honorário em festejada homenagem que incluiu a inauguração da "Budenbrookhaus", praticamente um museu em sua homenagem. O episódio de Mann, que por sinal serviu de inspiração para este artigo, revela o quanto de temor existe neste ódio do vulgo ao talento. Queiram ou não os medíocres, a história, e em especial o conhecimento, é obra destes talentos e embora sejam odiados a multidão, a turba, sempre é obrigada a reconhecer isto. Mais do que reconhecer, é comum que a turba acabe por idolatrar a obra póstuma daquele a quem odiaram em vida. Só para se concentrar em um pequeno período da história, os nomes de Dante, Maquiavel, Michelangelo, Da Vinci e Galileu estão hoje indissoluvelmente ligados à Renascença Italiana, contudo nenhum deles escapou do ódio de seus contemporâneos, da perseguição dos poderosos e do exílio. Mas certamente não se verá nas ruas de Florença nenhuma referência aos que movidos pela inveja os perseguiram, certamente nenhum monumento será erguido àqueles que inflamaram a turba contra estes homens. No máximo se lista os nomes dos detratores do talento no rol dos infames, como se eles isolado tivessem tentado humilhar os talentosos e não como se fossem o que de fato eram: porta-vozes da mediocridade.


Ao analisar o peso das reputações dos generais e guerreiros na definição de uma batalha, o pensador árabe Ibn Khaldun outra vítima das intrigas dos invejosos que o obrigaram a passar a vida toda fugindo de cidade em cidade e até se escondendo no deserto - diz que o valor delas é nenhum, em especial quando se trata de pessoas vivas. Ele avalia que as reputações podem ser facilmente compradas por um punhado de ouro (hoje certamente o item sofreu deflação) e que os únicos que não tinham interesse nos panegíricos eram os homens realmente dotado de valor. Sofrer com a inveja - e mesmo o ódio - de seus contemporâneos e conterrâneos é como um tributo cobrado a quem realmente tenha talento, um instrumento para burilar seu talento, conter sua vaidade, dirigi-lo para o que é realmente importante ao invés de ter preocupações com as vãs glórias instantâneas. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:33

Islam, Pessoal, Teatro, Literatura, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Sócrates, Dias Gomes, Lubeck, Thomas Mann, Euclides da Cunha, ibn KhaldunDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/26


injustos com tantas pessoas dedicadas que sacrificam a vida pessoal à carreira pública.

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DA MULHER Chega a ser triste ver o Dia Internacional das Mulheres - que é um marco da luta das mulheres pelos seus direitos mais do que uma homenagem ao feminino - transformarse em mais uma data comercial, ser esvaziado de seu conteúdo para ser exatamente uma celebração fugaz não só sem relação com o sentido original mas em muitos sentidos oposto a ele. Um dos efeitos disto é que a mulher que acaba sendo homenageada é aquela que menos tem a ver com a data, até porque as que estão na trincheira desta luta não tem quem as presenteie com mimos.

Fala-se muito da questão da participação política da mulher e da necessidade de ampliá-la, mas não se diz o mais importante, que o gênero não pode ser programa de governo. Em outras palavras é excelente que um número maior de mulheres seja candidata e que as pessoas votem nelas, mas para ser uma representante feminina – e o mesmo vale por etnia, idade, opção sexual, enfim qualquer segmento que se pense – é preciso mais do que apenas pertencer àquele segmento, é preciso ter consciência, identidade e bandeiras de luta. Neste sentido a Delegada Rose é uma expressão precisa do que é uma representante feminina no parlamento e tanto o legislativo como a sociedade, em particular as mulheres e a polícia, ficarão muito mais pobres sem a presença dela a partir da outra semana. QUINTA-FEIRA, 8 MARÇO, 2007 - 15:03

Nos últimos quatro anos tenho associado esta data com uma das parlamentares com as quais eu tenho a honra de trabalhar, a Delegada Rose. Assim este 8 de março foi excepcionalmente triste porque ela não foi reeleita e a data também assinala a última semana de uma sucessão de mandatos iniciada em 1991. Deputada preocupada com o trabalho parlamentar, presente, interessada, diretamente ligada à questão dos Direitos da Mulher antes mesmo de ser a titular da primeira Delegacia de Mulheres, uma das poucas vozes com bom senso ao se manifestar com conhecimento de causa sobre segurança pública, mesmo nos períodos de histeria sobre o assunto – equidistante do discurso fantasioso e exagerado dos direitos humanos quanto da truculência demagógica. Quando ela não se reelegeu senti certa culpa, gostaria de ter feito mais, ter contribuído mais. Turvou um tanto a minha alegria de ver meus candidatos eleitos ter sabido que ela não se elegeu. Pensei muito no quanto os julgamentos da sociedade são

Pessoal, Política PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10542


FINS DO MUNDO Releio, com entusiasmo, um livro que nas primeiras vezes que li não me agradou tanto: O Périplo de Baldassare, de Amin Maalouf. Resolvi relê-lo de tanto que estava me lembrando de algumas passagens dele e assim deixei a primeira impressão de lado e reli com um pouco mais de boa vontade. Ao mesmo tempo que gosto muito de Maalouf como contador de histórias, descreio da visão política secularista que ele adota como pano de fundo, mas sobre isto já escrevi diversas vezes. O grande tema de fundo do livro é a crença de todos com o fim do mundo, anunciado então para o fatídico ano de 1666. É evidente que em toda época de crise, de mudanças, as pessoas tendem a acreditar que o mundo vai acabar, o que não deixa de ser, em certo sentido, uma verdade porque há um mundo morrendo e outro nascendo. É em um mundo de lado em transformação concreta e de outro perante a perplexidade das profecias e sinais que o protagonista, um pacato comerciante de livros de origem genovesa estabelecido no Oriente Médio se envolve em uma grande viagem entanto recuperar um antigo livro árabe – o Centésimo Nome de Mazandarani – que concederia poderes a quem o lesse. O paradoxo do livro é que o comerciante não é nenhum fanático, pelo contrário, é um cético, desligado das questões religiosas e descrente das profecias, mas que acaba sendo arrastado no meio do turbilhão das perplexidades da época. Mesmo sem acreditar ele fica confuso com tantos sinais de um mundo que se desagrega. Seu companheiro em uma parte de viagem é outro cético, um judeu cujo pai está envolvido no círculo íntimo de Sabbatai Zevi, o místico judeu que se proclama o Messias e ajunta multidões esperando o final dos tempos. Ambos caminham em uma trilha que não desejavam, arrastados pela força dos tempos, pelos sinais, pelas circunstâncias, pela perplexidade com a falta

de sentido das coisas. Lembrei-me enquanto lia de outro livro – este um livro acadêmico – Mil Anos de Felicidade, de Delumeau, grande catálogo comentado de todas as previsões milenaristas, suas bases – ou falta de base – seu contexto e suas conseqüências. O autor observa que a despeito de todos os riscos, a imensa maioria das previsões tem sempre uma data certa e precisa. De minha parte sinto certa identidade com o personagem de Maalouf, desanimado com os cenários futuros que surgem, com a falta de sentido que as coisas vão tomando. Penso que também o autor deve ter se sentido assim e por sito escreveu o livro. Não vou contar o final, claro, mas é no chegar a ele que entendi proque o livro não me agradou. Conservo a crença, quixotesca talvez, de não ser indiferente aos destinos do mundo.

TERÇA-FEIRA, 24 OUTUBRO, 2006 - 16:37

Islam, Pessoal, Arte, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10155


A CONFERÊNCIA FINAL Olha, se vai me libertar me liberte de uma vez por todas, se não vai deixa eu voltar para minha garrafa com tranqüilidade, porque não agüento mais esta novela mexicana, vocês dois adoram fazer drama de tudo, que saco! Disse o gênio meio aborrecido. Acho que ele tem razão, Alexandre, porque se demora tanto, porque hesita? Diz Hilal com aquele sorriso de quem faz uma pergunta sempre sabendo a resposta. Vocês são terríveis quando concordam, na última vez que concordaram assim me fizeram atravessar o centro a pé de madrugada, hehehe. Sabem que se demoro a deixar algo é porque quando deixo fica lá em um passado remoto que raramente visito. Meu amigo djinn, entenda que sua amizade nestes anos todos me foi muito cara, sua ajuda muito preciosa, se hesitei até agora não é porque quero um escravo, faz tão pouco tempo que entendi que era um cativo, mas porque estimo sua companhia. Comento eu, meio sensibilizado, com aquela sensação estranha que sinto quando é Hilal que escreve. É fácil não sentir o peso dos grilhões quando eles atam outros pés que não o seu, Alexandre. Disse Hilal com aquele tom de censura muito firme mas muito terna. Não precisa ser tão duro, Hilal, ele também foi tantas vezes escravo sem o sentir também, então sua crítica não é justa. Diz o gênio e sua defesa me comove. “Vil como ter um escravo”, eu disse uma vez, mas sou obrigado a dizer que entre nós, meu amigo djinn, nunca soube quem era o escravo e quem era o senhor. Quantas vezes não fui tomado por esta

sua misantropia, por certo gosto de fausto, por maravilhar os outros com nossos talentos, quantas coisas não escrevemos só para sermos admirados e não para realmente dizer algo. Quem é o mestre e quem é o escravo? Então o liberta e liberta a você próprio. Diz Hilal, com aquela voz de comando que ele sabe que me irrita, é quase uma provocação dele, um teste se estou pronto pra minha liberdade. Curioso que neste momento eu penso acima de tudo nos meus poucos mas tão seletos leitores. Quantos deles admiram o texto do gênio e não o meu, não o de Hilal. Curioso que os textos de Hilal estão sempre entre os mais lidos, mas, enfim, não é um cálculo preciso porque sempre divulgo mais os textos dele, talvez porque confie que eles são mais sinceros, mais úteis. Engraçado que também os melhores amigos que fiz por meio dos meus textos chegaram quase sempre através dos textos de Hilal. O estilo do gênio – gongórico, me disse um amigo faz bem uns 20 anos – tem outro tipo de admirador. Nos últimos tempos até o Alexandre tem conseguido se sobressair, ele que sempre foi o mais apagado, mesmo quando o Hilal não era uma presença tão viva, acho que foi justamente o destaque dos três, cada um com seus dilemas, valores, perspectivas e estilos que permitiu que cada um se desenvolvesse. Enfim, não me arrependo do momento em que decidi dar a cada um o seu papel, até agora há boatos sobre um quarto personagem que mantém um blog secreto em algum canto da blogosfera. Pego a tampa de cobre da garrafa do gênio, com o selo de Salomão gravado em ouro. Jogo no chão e quebro com uma pisada forte; Está livre, meu amigo, segue teu destino! Obrigado, saiba que destes séculos todos os últimos anos estiveram entre os mais agradáveis – disse o gênio enquanto se evaporava em uma nuvem verde que tomou o caminho da janela e sumiu aos


pouco. Hilal olhou-me com um olhar de amizade, aquele seu sorriso discreto mas profundo. Agora eramos só eu e ele na tarefa. Corro para escrever o desfecho da história e quase me surpreendo em achar que sem o gênio meu estilo ficou mais límpido.

S E G U N D A - F E I R A , 2 4 JU L H O , 2 0 0 6 - 1 4 : 3 6

Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10054


ASSOMBRAÇÕES Ontem fui ao cinema, depois de tempos sem ir, pra ocupar a mente e escolhi um filme meio ao acaso, só porque gosto de filmes de terror, mesmo achando que eles vão ficando piores a cada safra, com os efeitos especiais ocupando o espaço que deveria ser do verdadeiro terror que se constrói na nossa mente. Assombração (o título em português é lamentável e apelativo, em inglês é Recycle, não faço idéia de qual o nome original do filme em chinês, mas imagino que deva expressar figura semelhante ao do inglês). A escolha casual revela como sempre aquela sabedoria com a qual às vezes somos agraciados quando sabemos ver e ouvir os sinais. Mas vou me ater à história descontextualizada, o filme é sobre uma escritora que começa a escrever uma história de terror e no decorrer das experiências que invoca faz uma jornada pelo inferno de seu processo criativo, onde residem as sobras de seu pensamento, os personagens abandonados, as coisas que ela não quis criar. Quase impossível dizer mais sem que se estrague o prazer do filme. Então me atenho aos detalhes, há efeitos especiais, sim, que ajudam muito em cenas terríveis, capazes realmente de assustar. Mas eles são apenas o adorno, o complemento do verdadeiro terror, que é sempre psicológico. A jornada da escritora pelo seu inferno criativo tem muitos pontos em comum com tantas outras jornadas místicas, nas quais enfrentamos nossos medos. Expressasse naquele simbolismo antigo, que é capaz de superar as barreiras culturais e religiosas, falando assim na linguagem antiga ao mesmo tempo oculta e evidente. Sempre penso que os verdadeiros símbolos tem esta qualidade mágica de não importar em qual sistema ele seja decodificado, em todos fará sentido. Já disse algumas vezes que os debates sobre reencarnação ou não não fazem muito sentido para mim, porque se atém a uma representação, não a idéia

central e essencial da questão, das nossas opções pelo mundo material ou espiritual. As idéias de tempo e espaço, a meu ver, tem mais relação com este nosso conhecimento limitado do mundo, Para Deus, que tem o conhecimento perfeito, simultâneo, onipresente e onisciente não há estas nossas idéias de sucessão no tempo e deslocamento no espaço não devem fazer sentido. Da mesma forma pouco importa se a jornada se dê de fato ou seja só a representação de nossos dilemas psicológicos, que simbolizamos para que nos seja mais fácil enfrentar. Em todos os casos o relevante é sempre o resultado e não o meio. Mas como todas as boas jornadas tem também as suas características específicas, seus cenários particulares. Quando a trama parece estar resolvida a sua verdadeira conotação, relacionada com a responsabilidade de quem cria, muda repentinamente o sentido de tudo que foi visto. Não é um filme que recomendo a quem não esteja bem, é sombrio, depressivo. Mas é um filme que em algum momento quem cria ou quem busca algo em si deve assistir. A mim valeu muito.

SEGUNDA-FEIRA, 14 AGOSTO, 2006 - 13:16

Pessoal, Literatura, Cinema, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10079


ORIENTE E OCIDENTE Não posso deixar de comentar antes de tudo que admiro e muito o trabalho de Amin Maalouf e que são muito poucos os autores que reli tanto quanto ele, só Samarkanda devo ter lido umas vinte vezes e está entre meus livros preferidos e um do s quais mais uso trechos e histórias em amterial que produzo. Isto posto, minha admiração por ele enquanto escritor não impede que tenha certa visão crítica quanto às posturas políticas e concepção de mundo apresentada por ele, a qual me parece influenciada pelo orientalismo. "Ao observar seus rostos em prantos, devastados, ao fitar esses olhos desvairados, esgazeados e súplices, revelou-se a mim toda a miséria da Pérsia, almas em farrapos assediadas por lutos infinitos" (Amin Maalouf, Samarcanda) O atual radicalismo islâmico que diariamente enche as telas do noticiário internacional é em grande parte fruto de uma reação a um movimento contrário iniciado décadas antes, no qual uma elite culta, diplomada por universidades européias, tentava apagar ou reconstruir a velha tradição oriental pela adoção de valores de estilo ocidental. Os episódios mais conhecidos desta luta entre reformistas e tradicionalistas estão no meio político como a Revolução Iraniana de 79, ainda que a mídia pouco se ocupe dos casos nos quais os reformistas ocidentalizantes produziram regimes monstruosos como o a Síria, do Iraque e da Turquia. Mas esta luta também se trava no campo da cultura, em especial da literatura, na qual os "ocidentalizantes" em geral vem obtendo maiores êxitos. Alguns deles,

mais radicais, pregam praticamente a assimilação cultural ao ocidente, outros defendem uma integração que se tornou conhecida como a postura do "melhor dos dois mundos". É difícil saber quantos deste último grupo eram realmente sinceros e quanto não eram mais que pontas de lança do imperialismo cultural, até porque por controlar muitos dos meios de divulgação o Ocidente Imperial geralmente fazia com que personalidades sinceras na busca do "melhor dos dois mundos" - como fala um poeta paquistânes desse período agitado - transformassem-se em ideólogos da submissào cultural. O acirramento do conflito políticoeconômico gerou o que se convencionou chamar - erroneamente, creio eu - de fundamentalismo islâmicos e uma multidão de intelectuais sinceros acabou sendo colocada no mesmo cesto dos lacaios do Império Ocidental. Um exemplo significativo é o do escritor egípcio Nagib Mahfuz, vítima de um atentado de radicais porque ousava falar da mesma dúvida que Al-Ghazali falava na Idade Média, daquela dúvida que dialecticamente gera a fé. É neste contexto que deve ser examinada a obra dúbia de Amin Maalouf, escritorhistoriador franco-libanês. O olhar de Maalouf sobre o Oriente é um olhar tipicamente ocidental, os defeitos que ele vê sào os defeitos que um ocidental veria, as virtudes que ele enxerga sào aquelas que um ocidental sensível veria. Como um ocidental ele vê um exotismo no Oriente demonstrando todas as sinuosidades e segundas intenções do discurso orientalista - brilhantemente desnudado pelo crítico literário palestino-americano Edward Said. Este olhar viciado não tolhe seu talento para contar histórias e realizar uma mescla suprema e agradável de história e literatura - como em Samarcanda ou na biografia romanceada de Leão, o Africano - porque a distorção pdoe ser


medida, pesada, corrigida por um olhar crítico. O problema é queMaalouf tenta se apresentar como um oriental, intenção transparente no título de seu livro mais conhecido no Brasil - "As Cruzadas vistas pelos Árabes" - e aí o que antes era uma visão equivocada passa a ser um visào deturpada, um desonestidade intelectual. Um exame mais detalhado do "Cruzadas" demonstra que ao contrário do que o título sugere ele utilizou muito mais fotnes ocidentais - em especial o monumental calhamaço "História das Cruzas" de Joseph François Michaud e as fontes primárias registradas por este mesmo autor - do que em fontes árabes. Isto até seria natural porque as Cruzadas foram muito mais um acontecimento ocidental do que oriental e com exceção das áreas diretamente englobadas no Teatro de OperaçÕes das Cruzadas, pouco impacto elas tiveram na historiografia islâmica. O problema todo é que a partir de uma visão que pinta os europeus como bárbaros incultos e os muçulmanos como homens refinados - o que é em grande parte um exagero - Maalouf chega a conclusões inusitadas para tentar explicar porque o fracasso dos europeus marcou a ascensão da Civilização Ocidental e a vitória dos estados muçulmanos o ocaso da Cultura Islâmica. Aqui há um grande contrabando ideológico - do mesmo tuipo desmascarado por Said - que tenta atribuir este processo à superioridade das instituições ocidentais e à relação contratual existente na servidão, o que é no mínimo um disparate. Ele chega mesmo a atribuir os sucessivos fracassos da resistência muçulmana ao caos dinásticos que seria evitado no ocidente através da primogenitura, o que representa ignorar todo o processo histórico por detrás disto. O contrabando ideológico é ainda mais

grave em Samarcanda. As duas primeiras partes do livro são excelentes. Localizadas no período medieval a primeira tenta fazer uma biografia romanceada de Omar Khayyan e de dois de seus contemporâneos mais famosos, o competente Nizam Al-Mulk - vizir persa dos sultÕes turcos que dominavam o califado - e Hassan Al-Sabbah - talentoso jovem que um dia se tornaria o legendário Velho da Montanha, comandante da igualemnte legendária Ordem dos Assassinos. É à esta ordem que Maalouf dedica a segunda parte do livro, pura ficção mas que ele tenta dar ares de realidade. As duas partes seguintes, situadas na Pérsia do início deste século, mesclam ficção e realidade em doses preocupantes. Curiosamente o livro se torna extremamente atual nestes tempos de nova rebelião estudantil no Irã, porque o conflito entre a facção conservadora e a progressista é exatamente o mesmo que hoje assola aquele país. E curiosamente Maalouf comete os mesmos erros de análise que o noticiário comete hoje em dia, demosntrando que nenhum dos depois foi capaz de realmente compreender o conflito, nem a sociedade iraniana ao imaginar que o que se trava lá é uma luta entre próocidentais e pró-orientais, entre religião e laicismo.

SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:49

Islam, Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Teatro, Literatura, Política, Religião Omar Khayyam, Amin Maalouf, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/41


A BUSCA DA "FÓRMULA SOCIAL"

Estatística e Matemática em instrumentos de diagnóstico e insistir neles mesmo quando os especialistas do velho mundo lhes torciam o nariz. A brilhante denúncia de sua esterilidade teórica feita por Wright Mills na sua A Imaginação Sociológica referese antes ao uso que se faz deles que a eles próprios.

Escrevi ontem sobre o curioso pragmatismo do espírito norte-americano, mas nem de perto esgotei o tema ao qual volto hoje. Há neste "espírito norte-americano" um gosto demasiado por esquemas e fórmulas e uma certa aversão à história que invade da literatura à ciência.

Porém, a despeito de toda a importância destes instrumentos - cujo potencial aprendi a admirar com a professora Elza da Ufscar há neles um vício que não é deles, mas da referida mentalidade americana: a noção de que eles bastam e que a sociedade pode ser explicada a partir de alguma fórmula matemática.

Há alguns anos um amigo argelino me pediu sugestões de lugares para visitar no Brasil e entre outras opções mencionei as cidades históricas de Minas. À menção delas ele me perguntou qual a idade destas cidades históricas e as situei há mais ou menos 2 ou 3 séculos. Tive então de me conformar quando ele me disse que a sua casa na Argélia tinha seis séculos. Para as nações jovens da América, percebi então, a noção de antiguidade é muito menos limitada. Que eu me lembre não há romance significativo na literatura americana que esteja situado fora da efêmera história americana. Mesmo quando tocam no assunto, como em "Um ianque na Corte do Rei Arthur" o fazem em termos de troça. Ou ainda como em alguns livros de Sci-fi de Asimov (em especial a Tetralogia Fundação) como algo muito esquemático. Nada semelhante às peças de Shakespeare sobre Roma, à "Salambô" de Flaubert ou a Thais de Anatole France. A aversão à história também se transmitiu às ciências da sociedade produzidas nos Estados Unidos e exportadas para outros lugares. Ainda que esta tentativa de eliminar a história tenha alcançado seu ápice no estruturalismo francês, é nos Estados Unidos que ela nasce e se torna obsessiva. A ciência social norte-americana produziu resultados notáveis em termos de instrumentos para analisar a sociedade, em especial ao converter modelos avançados de

A tal psico-história criada por Asimov em Fundação reflete justamente esta esperança de criar um conjunto de fórmulas através das quais se pode prever os caminhos da sociedade. A complexa Teoria dos Jogos de Von Neumann é sobretudo uma outra tentativa de fazer isto, Não menos ficcional, diga-se de passagem. Ambas só podiam florescer nos Estados Unidos, pois ainda que se diga que Asimov era russo e Neumann alemão, em nenhum outro lugar do mundo encontrariam quem lhes desse apoio e credibilidade a não ser nas terras do Tio Sam. Em nenhuma outra comunidade intelectual do mundo estas ideias de reduzir a humanidade a um conjunto de variáveis obteria tanta repercussão e prestígio. Mas esta discussão não é simplesmente sobre a crença em um determinismo estatístico que descrê do livre arbítrio do homem imaginando que basta descobrir uma fórmula para ter uma razoável previsão do que a sociedade fará. Ela é, na verdade, sobre como tal mentalidade influencia as pessoas que passam a julgá-la como verídica e, por isso, acabam por torná-la realmente real. Inúmeras vezes já mencionei que a ciência facilmente se transforma em cientificismo superstição banal e prepotente - e no caso desta mentalidade dita pragmática e da tentativa de reduzir as relações sociais a um conjunto de equações facilmente nasce o


arcabouço ideológico de algo assustador: o tecnocratismo.

muito

Por mais que a Teoria dos Jogos possa ser um instrumento eficiente de análise, ela se torna algo grotesco quando se torna o único meio de análise e não passa de um disparate quando se atribui a ela um certo poder mágico de descrever o futuro, qual pitonisa moderna. Contudo desde a década de 40, por exemplo, é ela que tem guiado a política externa - e qume sabe a interna - dos Estados Unidos. Há grande possibilidade de terem sido algoritmos baseados no trabalho de Von Neumann que decidiram pela entrada dos Estados Unidos no Vietnã e guiaram a Otan na intervenção em Kossovo e sabe-se lá quais planos eles tem para a nossa Amazônia. Outros Artigos na área selecionada SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:42

Pessoal, Poesia, Educação, Teatro, Literatura, O futuro, Cinema, Sociologia e cia., Política, Shakespeare,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/33


O DEFEITO DO TAPETE “A natureza é o que Deus cria como Deus, a Arte é o que Deus cria como homem”. (Inayat Khan) Todo tapete persa legítimo, tecido sob os cuidados de um mestre tapeceiro tradicional, tem algum defeito. Há duas explicações para isto, uma metafísica outra corporativa, ambas são não excludentes porque, afinal, todo símbolo tem muitos significados. A explicação metafísica é que só o que é feito por Deus é perfeito, portanto tentar a perfeição seria quase uma blasfêmia, a explicação corporativa é que através do defeito um outro mestre tapeceiro pode reconhecer se o tapete é legítimo ou não. Diria que tanto a explicação que reconhece o sagrado como a que preserva o segredo me deixam tão impressionado que eu vejo um caráter complementar nas duas. Acho que uma das maravilhas da arte é justamente esta, o artista pinta um quadro ou o poeta escreve um verso e quando vê há, até para ele, um sentido muito diverso daquilo que ele estava pensando. Todas as metáforas e imagens parecem ser tão intercambiáveis. Ninguém vai acreditar, eu sei, mas há imagens que eu uso que às vezes encontro em poemas de verdade. Em muitos casos foi um livro que eu li, guardei sem me lembrar de onde tirei. Mas há outros que acho em livros e poetas que estou lendo pela primeira vez, juro que não é desculpa pra algum plágio. Em outros casos fico surpreso em encontrar um sentido simbólico tão evidente e do qual não suspeitei em um texto que falava sobre outra coisa. Ou, pelo contrário, descobrir aspectos bem psicológicos ou até mundanos em algo que eu escrevi com a intenção de ser simbólico. O sentido de qualquer obra de arte senão

aquele que é percebido por quem a observa. Qualquer explicação sobre isto é certamente inútil e quem precisa de algum decifrador que lhe explique talvez devesse ficar em casa assistido TV. Ao mesmo tempo, contudo, há impressões, imagens, símbolos, determinados efeitos, capazes de ser percebidos e admirados de uma maneira específica. O músico, derviche e “místico” indiano Inayat Khan (e uso os aspas para distinguir o termo místico, relacionado a mistério, do seu uso habitual nos dias de hoje, que é justamente o oposto) diz que sempre que um artista cria algo que ele próprio olha e se admira de ter feito – como o famoso “parla” de Michelangelo a uma de suas estátuas – há ali um conteúdo e um autor outro, uma inspiração, uma iluminação. Com imensa sabedoria Inayat Khan diz: “A natureza é o que Deus cria como Deus, a Arte é o que Deus cria como homem”. A “imperfeição” do tapete persa exemplifica bem esta questão de criar como homem, de como as coisas que vem de outros de nossos estados não podem chegar até aqui inteiras, ainda mais nestes tempos e nestes ciclos, onde como destacam tantos sábios de fés tão diversas, perdeu-se quase por completo o ideal elevado. O primeiro poeta que eu li, que me fez voltar os olhos para a poesia, foi Pessoa. Nele este processo de intuição e inspiração é de tal forma consciente que cada poema, às vezes um só verso, falem por tratados e tratados. Talvez por isto ele pudesse levar uma vida tranquila, não se abatia pelo orgulho, nem pelo efêmero, ainda que fosse “argonauta da sensibilidade doentia”, convivia bem com o patrão Vazquez. Era tranquilo como era Khayyam, que morreu velhinho, ainda que os poemas de ambos sejam terremotos que fendem a terra e revelam céus e infernos dentro de quem lê. Para traçar um paralelo, há belíssimas imagens no atormentado Mario de SáCarneiro – imagens certamente trazidas através da ponte que liga este nosso mundo ao Mundo Imaginal, o Mundos das ideias arquetípicas, mas há nele ali aquele imenso


de não ser capaz de lidar por completo com o processo todo, o mesmo com o depressivo Rilke. A pintura, em particular, oferece dezenas de exemplos deste mesmo processo, do qual Van Gogh é o caso exemplar. Engraçado que nestes tempos modernos, confundindo efeitos com causas, criou-se o mito de ser necessário ser maldito para produzir arte. Buscasse a insígnia e a distinção de ser artista tentando se comportar como os atormentados artistas, não a expressando pela obra, pela opressão da intuição estética que racha montanhas, mas apenas substituindo os efeitos pela aparência de que eles ocorrem. É como um tapete no qual estivesse faltando justamente o defeito. QUARTA-FEIRA, 20 SETEMBRO, 2006 15:30

Arte, Poesia, Comunicação, Pessoal, Religião Fernando PessoaDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10128


ETERNO E ETÉREO “O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem” (Guimarães Rosa, citado no artigo Sobre política e jardinagem, Folha de São Paulo, 19/5/200 de Rubem Alves) Continuo preocupado com a “poesia da política”. O foco da minha meditação diária, daquele pequeno espaço no qual me esforço para estar conectado ao sagrado e desligado das urgências, tem sido fugir das armadilhas da realidade e reunir forças para não se render a algum pragmatismo. Houve tempos no qual eu achava que o pragmatismo era um passo essencial para encher de carne o esqueleto da utopia. Hoje acho que já temos pragmatismo demais. O desafio hoje é continuar sonhando. Curioso que em nenhum outro momento da minha vida tive o poder individual de fazer as coisas. Há tantas coisas agora que dependem mais de mim do que de qualquer outra pessoa. Sem o esforço de visualisar os sonhos de olhos abertos eu imagino que seria fácil se perder por estes labirintos nos quais a modernidade anda. Só tenho pedido a Deus ser capaz de manter o foco e sonhar. Paradoxal que como pessoa que decide foque o sonho enquanto como conselheiro sempre me esforcei em ser realista e quase pragmático. Parece-me o sinal de estar em um caminho reto, salvo se a autocrítica já tenha ido para o espaço e eu não tenha me dado conta. Li em algum lugar que não há coisa mais difícil que salvar um povo que não quer ser salvo. Não concordo, mas reconheço quanto há de obstáculos em todos os caminhos. Estamos nos afundando em um pantanal. Afundando todos juntos, porque mesmo aqueles que apontam enorme indignação com os rumos das cosias, em especial da política, não tem nojo, mas inveja. Indignam-se não por

aquelas coisas ocorrerem, mas porque não estão incluídos nelas. E neste todos reúno boa parte, a imensa maioria, do povo. Muitos dos sonhos e projetos desabam porque as lideranças políticas – da rua à nação – estão preocupados em sobreviver e a corrupção começa quando um político é pesado a partir do dinheiro que dá a esta ou aquela entidade ou liderança. Não temos democracia, apenas um imenso mercado das consciências. Para ter créditos para adquirir produtos neste mercado adianta pouco ter boas ideias, fazer projetos interessantes e discursos significativos. É preciso apenas ter dinheiro. O poder da palavra, a persuasão, no máximo garante uma boa barganha, mas não a vitória. Como mais vale o dinheiro que a palavra, então o que passa a valer é a capacidade de transformar palavra em dinheiro. Alquimistas ao contrário, transformando o que é nobre em vil! Estes têm o futuro quase garantido, mesmo se pegos com a mão na massa poderão ser anistiados pela inconsciência coletiva e voltarão consagrados na eleição seguinte. Mas não sou um homem sem esperanças – não tenho talvez aquela esperança dúbia como a que ficou pres ao gargalo do jarro de Pandora – mas tenho a esperança de que ainda é possível construir o novo. Minha esperança reside em um pilar prático e outro etéreo. O pilar prático é que haverá um momento no qual não haverá mais dinheiro em circulação suficiente para comprar consciências. Um dia chega-se ao fundo do cofre e neste dia as tensões não poderão mais ser aliviadas pela propina grande ou pequena – porque aumenta os que querem vender mas os preços sobem. Tem de se chegar a um momento no qual será preciso ser tão vil para ter dinheiro suficiente para comprar a parte de poder que cada cidadão que será evidente que estamos no fundo do poço e é preciso começar de novo a acreditar. A outra esperança reside na crença de que o aviltamento não é a condição normal do ser humano. A nobreza do comportamento e a


autoridade moral hão de voltar a tocar o coração os homens algum dia. Mesmo nos ambientes mais sórdidos ainda haverá situações nas quais alguém poderá exercer o poder com autoridade e a pequena luz que vier dali será capaz de iluminar a treva em volta ou ao menos demonstrar que a luz não é um fato de ficção. Em qualquer caso, estas esperanças residem na possibilidade da existência de uma elite no sentido mais antigo e preciso da palavra que não abra mão de seu dever e ouse assumir suas responsabilidades e negar os atalhos, que tenha a autoridade do exemplo, da vida simples, da rejeição da força pelo argumento, da dedicação muito acima dos padrões esperados, da capacidade de abrir mão aquilo que as afasta do centro. Se esta suposição comprovar-se falsa, então não há esperanças. T E R Ç A - F E I R A , 1 7 JU L H O , 2 0 0 7 - 1 6 : 1 1

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Política, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10634


ESCREVER! Um dos palpites que mais dou a todos é para que escrevam. Não importa se com dificuldade, não importa muito nem o que escrevam – até porque neste caso a prática sempre leva ao aprimoramento. A prática é também uma invocação da inspiração, um exercício interno da inteligência. Até já sonhei um dia com a possibilidade de que cada morador de minha cidade tenha seu blog e, por incrível que pareça, estive várias vezes perto de colocar em prática este sonho. Sempre fico curioso quando encontram sentidos profundos em coisas que escrevo falando de outras coisas, ou, ao contrário, quando não vêem os sentidos mais profundos aonde eles deveriam estar. Com o tempo, contudo fui me libertando da tentativa de entender isto e assim meu texto ganhou mais sinceridade. Talvez seja por isto que os poemas simbólicos que fazia antes quase nada digam a mim, enquanto textos descritivos que faço hoje sejam compreendidos como alguma experiência mística. Nada disto se torna relevante na medida em que cada um, inclusive eu próprio, retira do texto aquilo que é significativo para si. Talvez me dê alguma responsabilidade adicional pelo que escreva, para que isto não seja compreendido de alguma forma tão deturpada que passe a ter o sentido contrário do que deveria ter, mas mesmo isto acontece em alguns momentos. Ser lido só reforça em mim a impressão, o ensinamento, sobre como as metáforas são intercambiáveis. Contudo a finalidade essencial de escrever não é e não pode ser de forma alguma ser lido, mas o prazer deve vir da própria ação de escrever. Na medida em que existe a preocupação em ser lido surge a névoa do “tentar agradar” e ela sempre contamina o que se escreve, tira a autenticidade e a sinceridade fundamental de um texto. Ao mesmo tempo no momento em que se

abandona estas outras intenções quaisquer que “sujam” o texto quem escreve recupera aquela intuição estética fundamental. Cito sempre como grande exemplo deste processo Tolstói. Embora seja aclamado pelos livros iniciais da sua carreira, estou absolutamente certo que os textos finais, a partir de redenção em particular, o fizeram muito mais feliz e a simples lembrança de “Ana Karenina”, por exemplo, era triste para ele. Vejo o mesmo processo em Herman Hesse, como comentei há tempos. Há também exemplos múltiplos de autores que ao longo do tempo vão perdendo a inspiração, rendendo-se à tentação do sucesso, seus livros vão aos poucos perdendo a “anima” e no final tornam-se quase vazios, ou ainda daqueles autores que escrevem para serem interpretados pela crítica. Escrever, na minha visão, é fundamentalmente um exercício para si. Se algo sairá de útil ou belo do processo é algo que não cabe decidir, no máximo haverá momentos nos quais se contempla o que foi escrito e chega à conclusão que a inspiração passou por ali, de tanto ser invocada, então o resultado é muito superior àquele que quem escreve poderia obter. Pessoa dizia que escrevia porque era inevitável, publicava proque esta era a regra. Penso que há muita sabedoria nisto e nestes tempos de internet, na qual publicar deixou de ser um luxo reservado a poucos mas uma possibilidade aberta a todos a regra se tornou ainda mais flexível. Mas escrever é tarefa que cabe também a nós, pobres mortais sem o talento de Pessoa, independente de sermos lidos ou não escrever significa refletir sobre o que está a nossa volta, sobre as nossas impressões, sentimentos, questionar a nossa própria racionalidade e nossas razões. Ao mesmo em uma escala mínimo é um exercício da inteligência que nos eleva um pouco acima, desperta nossa consciência. Para mim, que não busco o conhecimento, mas esta benção que é a ignorância, a incapacidade de enxergar a infinidade de coisas que há neste nosso mundo, escrever também se torna uma forma de desconstrução, de descascar a realidade na


esperança de encontrar este desconhecimento da nossa realidade. Desconheço os caminhos que poderiam levar a este vazio, mas estou certo que a sinceridade é a trilha, sempre, em tudo. E ser sincero é o segundo palpite que dou a quem escreve, caso contrário de nada valerá.

SEGUNDA-FEIRA, 25 SE TEMBRO, 2006 16:56

Pessoal, Poesia, Arte Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10134


O CANSAÇO DA ELITE Fico espantado com a aversão que se tem hoje pela palavra elite, atirada como xingamento ou ostentada pelo seu inverso. A questão essencial parece ser apenas a ausência de uma definição dos termos, ou seja de se compreender que elite significa aquela parte da humanidade que transcende a existência vulgar. Ela não se contrapõe à “verdade evidente por si mesma” – na bela forma da Declaração de Independência dos Estados Unidos – de que os homens nascem iguais, mas apenas reconhece também a outra verdade evidente por si mesma que o uso que os homens fazem da vida que recebem não é igual. Repito talvez pela milésima vez que há a igualdade de direitos, não a de deveres. Qualquer um que reivindique mais direitos ou menos deveres pertence não à elite, mas á escória. A elite é justamente aquela parte da humanidade que não precisa de absolutamente nada – nem leis, nem contenção, nem repressão, nem castigo, nem reconhecimento, nem apreço, nem recompensa, nem prêmio, nem poder – para agir corretamente e cumprir sua missão. Por isto raramente se verá um integrante desta elite reivindicar sua posição de elite, afinal a opinião da massa pouco importa a ele. Li hoje na coluna de Gilberto Dimenstein a história de um catador de lixo, até outro dia sem-teto, que se resgatou por ser capaz de escrever histórias que vivia ou inventava. É para mim mais fácil considerá-lo um membro desta elite do que tantos subumanos que circulam em carros importados e roupas de grife por precisarem compensarem com o brilho material seu vazio interior que lhes retira o que há de humano. Nem comparo com os intelectualóides e artistóides que disfarçam

a ausência de talento e senso estético em linguagens obscuras e chavões pretensamente herméticos porque daí já seria covardia. Também sorrio quando ouço falar que a política só melhorará com a educação. Sorrio porque me lembro da política universitária e acadêmica, dos doutos conchavos, da maestria nas manobras, das magníficas demagogias, dos magistrais loteamentos de cargos e dos nepotismos licenciosos cometidos cotidianamente por aqueles que receberam a melhor educação. Sorrio porque sei que não só disciplina moral e conduta ética não se aprendem na escola como muitas vezes ela ensina métodos para tentar justificar as patifarias com linguagem grandiloquente e argumentos dialéticos. A questão não é se a elite deve ou não governar a massa – como massa entenda-se aquela maioria da população que depende de castigos e recompensas para agir dentro das fronteiras e objetivos da humanidade. Isto é o que sempre ocorre e no momento em que se tenta estabelecer algum critério ou delimitação é porque a pretensa elite deixou de ser ela própria de fato. A questão apenas é manter a elite motivada para cumprir seu papel. E este desafio é muito maior, ainda mais nos dias de hoje em que todos estão cansados e desanimados com uma sociedade que parece – em todos os campos, da arte à política, da ciência à religião e até na economia – mais e mais ocupada por um avanço crescente da massa. O vácuo, a meu ver – porque nada mais é o domínio da massa senão o vazio – se dá apenas porque a elite de fato desistiu, cansada das imposturas e arrogâncias. QUINTA-FEIRA, 29 MAR ÇO, 2007 - 05:21

Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Política, Religião DT


ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10546


NÃO SE TRATA CÂNCER COM ARGUMENTOS Só por este dia tumultuado, confuso e amedrontado em São Paulo já pude imaginar como deve ser terrível viver em um país em guerra, com este terror tornado cotidiano e ampliado diversas vezes. É mais do que suficiente para quem já é pacifista tornar-se ainda mais e para quem não é tanto assim começar a repensar em seus valores. Uma história que sempre conto quando falo de liderança é a do pugilista Muhammad ´Ali. Na segunda metade dos anos sessenta perdeu título, fama, amigos (bom, a menos os falsos amigos) e quase perdeu a liberdade por recusar-se a responder ao alistamento, mesmo após ofertas generosas de acordo. Teve a coragem de ir contra a guerra do Vietnã em uma época na qual a maioria ainda a considerava patriótica e necessária e a sua objeção de consciência como um ato vil e covarde. Começou a luta praticamente sozinho, contra tudo e contra todos, mas quando a concluiu, vitorioso o país todo endossava sua aversão à guerra e ele voltava a ser um herói. Penso que a verdadeira liderança é esta, não a de ser líder às custas de ser um servo da opinião pública, dizendo apenas o óbvio, mas tendo a coragem de ousar desafiar a voz corrente. É evidente que o verdadeiro líder não tenta impor esta sua vontade à força, caso no qual seria apenas um tirano sem valor. Resiste, teima, argumenta, persevera, tenta convencer até o momento no qual seu ponto de vista ser reconhecido pelos outros. Alguma hora, em algum momento - ainda que às vezes tarde demais - se a sua visão tiver valor será finalmente compreendida. Não tenho a pretensão de ter este papel, mas sinto necessidade de dizer algo a respeito deste caso de quase guerra civil que São Paulo vivencia nestes dias.

Faço esta longa introdução para dizer que a despeito de todo meu amor à paz sinto que ás vezes a hora é de lutar. De tanto se martelar discursos estereotipados sobre segurança pública, a maior parte reciclados desde a época do Regime Militar, talvez mesmo anteriores, praticamente não temos mais há tempos muito que dizer sobre o assunto a não ser repetir chavões. Enquanto o crime organizado se expandiu, se modernizou, espalhou seus tentáculos por aí continuamos a repetir a lengalenga que segurança pública é uma questão de combate à desigualdade social. Falamos muito sobre Direitos Humanos, mas esquecemos que a própria Declaração dos Direitos Humanos diz que os artigos dela constante não podem ser usados contra os princípios dela. Até agora fomos nos desarmando em nome destes direitos, quem sabe achando que nossa atitude comoveria os gângsteres. Falar de qualquer cosia que significasse uma repressão firme ao crime organizado era ganhar um rótulo de direitista, de fascista. Enquanto sito a verdadeira barbárie, o verdadeiro fascismo, foi se armando e a cada vez mais colocando as garras para fora. Esteve presente no episódio, por exemplo, a família dos presos do lado de fora dos presídios apedrejando a vigilância e em plena sintonia com os motins, comprovando algo que muitas vezes foi dita e rebatida com vigor. Estavam lá os 12 mil pesos beneficiados com o Indulto do Dia das Mães ajudando na articulação e na ação da grande quadrilha. Estavam lá os celulares e armas que sempre conseguem chegar aos presídios. Estava lá a perseguição aos policiais, até mesmo nas suas próprias casas. Não estavam lá, nos enterros dos policiais nenhuma das entidades de Direitos Humanos, como foi tantas vezes reclamado. Não estavam em lugar nenhum todos aqueles que reclamavam da truculência policial a qualquer ação firme da polícia (a questão tendo de ser discutida caso a caso, não transformada em panfletagem política). Pela manhã a grande vítima do ataque da barbárie era o povo mais pobre, como sempre, e faço questão aqui de usar pobre ao invés destes eufemismos todos que na


verdade insinuam que ser pobre é vergonha. Privados de ônibus, com medo, confusos, sem saber muito a quem apelar. Leio o comentário mais do que infeliz de que isto acontece porque não temos doutores o suficiente, vindo de alguém que por sinal sempre fez marketing da sua ignorância como prova de bondade e confiabilidade e quase deixo de lado os princípios e fico com muita raiva do sujeito. A maior parte da população não teve condições de estudar e tornar-se doutor. Nem por isto sai por aí de metralhadora em punho assassinando policiais a sangue frio. Outros, felizmente muito menos, puderam estudar, tornaram doutores de porta de cadeia e servem de pombos-correio ou cosia pior para o crime organizado, outros freqüentaram as universidades como estudantes profissionais e acabaram fazendo parte do Mensalão. Penso no que há de cruel nesta visão de mundo de que as pessoas precisam ser subornadas com o acesso aos serviços públicos para não se tornarem marginais. Muitos acharão que este é um raciocínio conservador, direitista, mas não penso assim, afinal o que há de mais nobre no pensamento de esquerda é a crença na bondade essencial do ser humano, esta é talvez a mais perene de todas as distinções possíveis entre esquerda e direita, que não é soterrada sob os muros ou serve a retóricas vazias. Certamente o crime organizado se aproveita dos vazios do Estado, tanto como os grupos extremistas do Oriente Médio, mas de nada agora que eles estão fortes e consolidados dizer que só resgatar a dignidade das pessoas dando a elas os seus direitos fundamentais vai resolver. Não se cura um câncer argumentando com ele ou fazendo uma dieta saudável depois que ele está implantado e pode ter certeza que não vai confortar nem um pouquinho o paciente falar que ele devia ter se preocupado com a saúde desde alguns anos. É preciso, claro, pensar nos erros cometidos, refletir sobre os enganos, verificar onde se falhou, tomar medidas preventivas, mas antes é preciso extrair o câncer senão o paciente morre durante o seminário da junta médica. E eu acho que agora é

essencial que a sociedade se una, faça com que a Polícia se sinta segura e legítima para agir com a dureza que a ocasião exige, antes que a metástase torne-se incontrolável contaminando as instituições e então nada mais poderá ser feito senão administrar doses de morfina e rezar.

SEGUNDA-FEIRA, 15 MAIO, 2006 - 14:03

Islam, Pessoal, Arte, Literatura, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10011


O IMBECIL E O GUERREIRO Como eu disse nos posts anteriores tornarse um imbecil não é uma tarefa fácil para quem não nasce com o dom e vive em um mundo no qual é tão fácil adquirir esta aparência de conhecimento que caracteriza o “esperto”. Acho que uma das áreas nas quais meu aprendizado de imbecil está mais avançado é no campo da política, em poucas outras áreas eu tenho tantas perguntas sem respostas, nenhuma capacidade de enxergar alguma solução, quase chego àquele ponto ideal de tábula rasa. Uma das provas desta minha ignorância é que insisto em ocupar o espaço deste blog nas segundas-feiras falando de política. Não estivesse neste caminho do absurdo e chegaria á conclusão que dada a brutal divisão na sociedade entre aqueles que não acreditam em mais nada e aqueles que podem acreditar em tudo se a retribuição for adequada não há mais anda que a política possa fazer por nós, nem há ninguém interessado de verdade no assunto. Mas tenho esta crença de que quando se escreve para agradar aos outros há uma grande tendência a ser inútil, porque se escrevemos para construir um mundo melhor é dever fazer as pessoas se questionarem. Como esforço-me por ser um imbecil não consigo imaginar qual a relação entre a política e este apertar de botões que ocorre a cada dois anos. Assisto os programas eleitorais e fico pasmo ao ver as pessoas falarem que não agüentam mais este falatório de política porque eu próprio não consigo enxergar absolutamente nada de política naqueles programas, nem nas notícias de jornal. Em minha ignorância diria que o problema não é a política, mas justamente a falta dela. Nas campanhas em que me envolvi antes de ter conseguido entrar neste processo de desaprendizado eu sempre apresentava

projetos que de alguma forma poderiam estimular as pessoas a se organizarem para resolver seus próprios problemas. Os espertos sempre diziam que não havia tempo para fazer estas coisas, que havia a preocupação com a eleição próxima, que estas outras coisas estariam entre as prioridades passada a questão das urnas e só se voltava a falar do assunto na eleição seguinte, quando já havia pouco tempo de novo. Conforme fui desaprendendo estas artes eleitorais fui descobrindo como elas são inúteis. Também fui perdendo a capacidade de enxergar a questão partidária, cometi a insensatez de achar que há boas pessoas em quase todos e que ao invés de pensar em fortalecer um partido ou outro seria mais interessante fazer as pessoas terem senso crítico suficiente para escolherem o partido por si próprias, até porque há realmente a necessidade de muitas e muitas visões para que do debate entre elas acabe surgindo alguma coisa positiva. Julgo que nunca mais conseguirei compreender de novo porque as pessoas que estão em um partido conseguem ser tão criteriosas no julgamento das falhas dos outros e nos seus acertos e pelo contrário tão incapazes de enxergar seus erros e os méritos alheios, aliás, não só na política. Por todas estas minhas incapacidades de conseguir compreender este alto jogo da política comecei a achar na minha ingenuidade que se for possível mudar algo algum dia será na nossa pequena política do dia a dia. A começar da forma pela qual tratamos o outro, na forma pela qual travamos uma discussão não para vencer o adversário, mas para junto com ele poder dar um passo a mais rumo à verdade. Passando pela forma como lidamos com os problemas do dia a dia, como tratamos aqueles que são subordinados a nós ou àqueles aos quais estamos subordinados – por sinal sempre noto que uma característica dos espertos é tratar mal aos que estão abaixo e bajular os de cima, esforço-me por tratar bem a todos, em especial aqueles que estão subordinados e, no dia em que conseguir ser um completo imbecil talvez faça o contrário dos espertos


porque não terei capacidade de compreender nem o que é o medo. Os espertos sabem que é inútil tentar fazer qualquer coisa. Uma das características pelas quais se pode reconhecer um imbecil é que ele acha que pode fazer alguma diferença nesta coisa toda, que pode melhorar algo. Aqueles que chegaram ao ponto de serem imbecis completos são capazes de achar até que podem mudar o mundo, e o que é pior, com a força apenas de seu exemplo. Acreditam, parodiando a frase de um dos grandes imbecis do mundo contemporâneo, que ao imbecil são necssárias todas as qualidades do guerreiro, exceto o crime S E G U N D A - F E I R A , 1 9 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 4 : 1 1

Islam, Comunicação, Pessoal, Arte, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10035


conta, por mera intuição ou instinto de sobrevivência política!

ALGUNS CONSELHOS DE NAPOLEÃO SOBRE POLÍTICA Curiosamente é possível encontrar até mesmo relendo as notas do General Bonaparte alguns conselhos e comentários que parecem ter sido escritos ontem, diretamente dirigidos a personalidades do meio político da cidade. A primeira nota que chama a atenção por se encaixar perfeitamente na situação é a frase do corso na qual ele assinala: "uma Câmara é excelente para obter do povo aquilo que o rei não pode pedir-lhe". Não é de se estranhar esta atualidade, Napoleão fala das coisas como elas são, não como deveriam ser. Chega até perto do cinismo quando descreve táticas e estratégias para obter e manter o poder. Como não ficar chocado quando se ouve o general dizer que "há vícios e virtudes circunstanciais" ou que "os homens são melhor governados por seus vícios que por suas virtudes", ou ainda que "tem-se que derramar desgraças sobre aqueles a quem não se pode conceder mais recompensas". Contudo a quem vive de perto o mundo da política estas coisas não são nada mais que a constatação dos fatos. O meio político reúne todos os vícios do mundo real, destilados até que neles não sobre o menor vestígio de alguma virtude escondida no meio deles. Para Napoleão a virtude não é senão um subterfúgio ocasional do velhaco. Diz ele: tão tranquilas são as pessoas honradas e tão ativas as velhacas que amiúde é necessário servir-se das segundas". E ele vai mais longe: "há patifes suficientemente patifes para se portarem como pessoas honestas". Quanto não há por aí de pessoas que agem segundo o velho imperador sem se darem

Um dos alvos preferidos de Napoleão é a democracia. Ao mesmo tempo que Napoleão estendeu reformas jurídicas e institucionais de caráter democrático por toda a Europa, fica claro que estes valores, para ele, não eram mais do que uma bandeira para iludir o povo. Ele mesmo diz que o bom líder é aquele que age para seu povo como um mercador de sonhos. "Um povo só se deixa guiar quando se lhe aponta um aponta um futuro, um chefe é um comerciante de esperanças" diz ele textualmente. Napoleão crê que os homens estão muito mais dispostos a bater-se pelos seus interesses do que pelos seus direitos. Numa época na qual se fala tanto de cidadania e de direitos a frase continua ainda muito viva. O pequeno caporal triunfou porque foi capaz de mostrar à multidão o quanto cada um, individualmente, poderia ganhar com a mudança do status quo, e não porque refletiu abstratamente sobre os direitos que instauraria. Outro ponto constante em Napoleão é o desprezo pela qualidade da opinião pública, do senso comum. Ele sabe que ela é poderosa e a manobra com habilidade, mas não confia nem nela, nem naqueles que dizem agir em nome dela. "Os povos devem ser salvos apesar de si mesmos", comenta ele. Hábil jogador do xadrez político, manipulador de intrigas e conspirações, estas artimanhas o preocupavam e o irritavam permanentemente. Fica claro que Napoleão jamais confiava em quem tinha ao seu lado, mas o tempo todo adverte para o cisma do grupo politicamente dominante com conselhos que bem poderiam ser utilizados pelos articuladores do Balaio de Gatos. Ele diz, por exemplo, que qualquer agrupamento de interesses muito heterogêneo está condenado a se autodestruir, assim como avisa que "de cada cem favoritos reais, noventa e cinco foram decapitados".


A intriga, e em especial a intriga palaciana, revoltavam Napoleão que a condena em diversos trechos. Os parlamentos são apontados por Napoleão como ninhos estéreis de intrigas e se propõe a agitar diretamente a população, única atitude daqueles que realmente foram capazes de produzir algum poder transformador. Além disso ele crê que nos parlamentos e gabinetes há uma verdadeira perseguição a todos que realmente tem algum talento e que os partidos "se debilitam pelo medo que tem das pessoas capacitadas". "Bem analisada, a liberdade política é uma fábula imaginada pelos governos para embalar seus governados", assinala ele em outro ponto. Infelizmente quase 200 anos depois tem de se admitir o quanto as análises cínicas e frias do corso ainda são procedentes, demonstrando a nossa falha em construir um sistema que realmente configurasse o lema de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" no mundo real e não no vago horizonte de esperanças a ser mercadejadas no balcão do empório de ilusões da política. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:06

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/50


REFLEXÕES DE VÉSPERAS DE ANIVERSÁRIO Dizer que a idade é psicológica ou um estado de espírito é sempre um lugar comum, destas coisas que repetimos muito sem pensar. Não acho que seja correta a interpretação que se faz em geral destas expressões tentando dar legitimidade a comportamentos pueris ou de adolescentes em cabeças grisalhas, como no poema de Hugo creio que “cada idade tem seu prazer e sua dor”. Porém, acho que há uma disposição dentro de nós que dá a medida da nossa idade na medida em que mesmo nos comportando de acordo com as responsabilidades de nossa idade somos capazes de enfrentar desafios e planejar o futuro com a curiosidade e coragem das crianças. Eu, particularmente, nunca tive uma boa relação com a minha idade. Tive poucos amigos adolescentes quando era um deles e tenho vários hoje quando há muito já deixei de ser um. Mas há muito já tinha a esperança de sempre ser capaz de manter aquele espírito audacioso, despojado, generoso dos jovens – o qual infelizmente está se extinguindo mesmo neles por conta desta nossa cultura individualista e consumista. Quando leio algo que escrevi há algumas semanas e não concordo mais com aquilo isto me dá alegria, não por ser incoerente, mas por perceber uma evolução no meu pensamento sobre aquele ponto. Se eu precisasse descrever este sentimento de juventude que mencionei em um único traço usaria esta capacidade de não ter certezas absolutas e não aceitar as verdades absolutas por mero comodismo. Não deixa de ser curioso que não tinha este tipo de sentimento de forma tão clara quando era jovem. Vivia naquela época a necessidade das certezas absolutas, Falei

duas vezes nos últimos tempos sobre professores e mestres e me lembrei de uma conversa há alguns dias com a Cláudia e a Márcia na qual mencionei um outro mestre que eu tive, este já na universidade, Albertino, que me ensinou justamente o quanto eu não sabia, o quanto eu encolhia o mundo pro tentar enquadrá-lo, como Proteu, em meus esquemas analíticos, na minha cosmovisão. Certamente ele teve este papel fundamental de libertar a minha mente e elevar a minha percepção e mesmo sendo ateu abriu-me as portas para tantas experiências espirituais que depois tive. Sem dúvida alguma, me ensinou o caminho até esta fonte da juventude mental que é a dúvida. Foi uma das muitas pessoas que tive a felicidade de encontrar pela minha vida que foram capazes de ensinar-me algo muito valioso. Algumas vezes a lição precisou ser amarga porque eu reagia a ela, em outras foi doce quando me submetia ao aprendizado, mas todas as vezes que recusei-me a aprender e me afastei do meu caminho, abandonei este meu ímpeto jovial de aprendizado naufraguei e perdi o sentimento de unidade em mim mesmo. Vejo pela rede muitas pessoas se intitulando de mestre, coisa que nenhum que o fosse de verdade faria, às vezes rio da pretensão, às vezes me preocupa que capturem algum incauto, eu e Cláudia discutimos justamente isto ontem à noite. Até de brincadeira, lá no meu país virtual, é um título que me preocupa. Mas como ninguém é vítima totalmente inocente avalio que mesmo os falsos mestres podem ensinar algo aos discípulos que os aceitam, porque acabarão mostrando a eles que o caminho da liberdade e do conhecimento exige a aniquilação da vaidade e não o incentivo dela e que aqueles que alimentam o orgulho próprio ou dos que desejam dominar mais cedo ou mais tarde desvelarão suas faces. Voltando às escolas e à juventude, preocupa-me às vezes alguns métodos modernos de ensino no qual em nome de não se impor uma relação de submissão ou frustrar a criatividade se acaba deixando de ensinar a domar o orgulho e a ter uma postura de humildade frente ao


conhecimento. Tive algumas boas mestras no segundo grau – como comentei em post anterior - que em momentos de dificuldade, isolamento, frustração me fizeram exercitar, descobrir e valorizar meus talentos e certamente foram importantes, mas o professor que me ensinou a duvidar do que eu sabia foi ainda mais fundamental. A atual ausência de professores que detenham a autoridade – friso a diferença fundamental com o poder – para varrer as certezas e ensinar a disciplina que leva á liberdade é um problema educacional mais grave do que verbas, projetos ou coisas similares. Ainda mais neste momento do mundo no qual a escravidão do egoísmo cega a tantos olhos que a vêem como liberdade. O equilíbrio entre a busca constante da juventude e a humildade que só a maturidade pdoe conferir é a meu ver uma meta possível em nossas vidas. Da juventude este ponto de equilíbrio traz a consciência que deverá ser sempre um processo e não um lugar ou momento definitivo, da maturidade este equilíbrio recebe o legado de não ser mais necessário buscar a autoafirmação, compensar as inseguranças.

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Pessoal, Poesia, Educação, O futuro Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10051


ponto de colocar a vida e a segurança em risco.

A SOLIDARIEDADE RADICAL DE DOM HELDER CÂMARA "Todas as revoluções não são obrigatoriamente boas (...) mas a história mostra que algumas eram necessárias e produziram bons frutos" (Dom Helder Câmara) Interrompo em parte o tema - Religião - que vinha sendo tratado nos artigos anteriores para à luz de um fato - o falecimento de Dom Helder Câmara - continuar tratando do tema. Pode parecer estranho, e realmente deve ser, que alguém fora do meio católico, ligado a outra fé, se sensibilize com o falecimento desta notável figura humana que foi o arcebispo de Olinda e Recife. Mas é certo que esta estranheza só é realmente estranha a quem não conheceu o arcebispo. Ainda que recorrendo ao que provavelmente será um chavão na imprensa nos próximos dias, é impossível não ver o contraste entre a figura meiga e franzina do arcebispo frente a toda a sua força interior. Homem incapaz de conhecer o medo - o que demonstra sobretudo o extremo da sua fé e a certeza de estar agindo com correção Dom Helder Câmara tece a coragem de enfrentar tanto os algozes do regime militar como as forças conservadoras dentro da hierarquia da qual fez parte. Jamais perguntou se os perseguidos políticos que defendia eram católicos, protestantes, judeus ou ateus, os defendia não por um sentimento corporativo, mas sobretudo porque nele os valores humanos - e cristãos - estavam enraizados demais para fazer esta distinção. Alguém já disse que é fácil amar ao amigo, muito mais difícil era amar àquele que nos contesta e Dom Helder foi capaz deste amor incondicional a

Mas é um fato tangente a esta dedicação que chama atenção à toda a força da figura franzina do arcebispo. Ele agia não por considerar esta ação um mérito, mas porque a tinha no seu íntimo como um dever seu como um cristão. Não agia para ser louvado como exemplo de cristão, mas porque uma ética profundamente arraigada em seu espírito não lhe mostrava outro caminho senão o que ele tão heroicamente seguiu. Não tentou jamais ser herói, mas apenas um cristão consciente de suas responsabilidades com a humanidade, mas este desprendimento o fez ainda mais heroico e exemplar. É certamente um dos melhores exemplos que se pode ter de uma figura humana rara para a qual até a omissão entendida como não fazer tudo que estivesse ao seu alcance pelos seus semelhantes - era um pecado terrível. Mais polêmica é a sua interpretação do pensamento social da Igreja que está na raiz do que depois se convencionou chamar de Teologia da Libertação. Em um documento de 1967 assinado por diversos bispos do terceiro mundo, do qual Dom Helder não só foi signatário como um dos principais autores, está presente uma radical condenação do capitalismo. Mais do que isto, o documento assinala que deveria haver um motivo de alegria pelo surgimento da via socialista: "Se durante um século a Igreja tolerou o Capitalismo (...), pouco conforme à moral dos profetas e do Evangelho, ela não pode deixar de se alegrar por ver aparecer na humanidade outro sistema social menos afastado desta moral". É evidente que Dom Helder se preocupava com os contrabandos ideológicos do socialismo, em especial o ateísmo e o materialismo, mas nem por isso deixava de julgar possível conciliar fé e justiça social em um socialismo humanista e cristão. Indo além julgava que esta opção era um dever


dos cristãos porque colocava em prática os princípios de solidariedade que estão na raiz do cristianismo. Este pensamento provoca reações profundas até hoje dentro da Igreja e gerou muitas críticas tanto sinceras como hipócritas, além de uma incompreensão generalizada. Até hoje se atribui a estas questões a culpa pela perda de fiéis católicos para outras crenças num raciocínio que beira o cinismo. Beira o cinismo porque todos aqueles que criticam esta "opção política" de padres pejorativamente chamados de "vermelhos" jamais viram qualquer problema quando os padres alimentavam o poder político dos coronéis. Também beira o cinismo porque ao acusarem-nos de cripto-marxistas automaticamente os colocam numa posição de crítica feroz à essência do marxismo, já que a religião para os marxistas seria sempre um fenômeno acessório das relações econômicas, condenadas apenas a reproduzir a ideologia dominante. Mas, principalmente, beira o cinismo porque a dissolução da religião na sociedade contemporânea - aqui retomando o fio da meada dos artigos anteriores - se dá justamente pela extrema valorização moral do individualismo e do materialismo - na pregação consumista - criada pelo capitalismo e que é justamente o alvo principal atacado por estes sacerdotes. Dom Helder foi mais que um símbolo desta luta contra o individualismo opondo a ele uma solidariedade radical que encarna o sentimento de Misericórdia extrema tão pregado e tão pouco colocado em prática pelas mais diversas fés. Talvez isto explique porque a figura dele é tão cara até a quem não compartilhe com ele da crença cristã, como eu que sou muçulmano, afinal ele se tornou um símbolo daquela dedicação ao próximo que todos os verdadeiros crentes de qualquer fé só podem admirar como um sinal da Misericórdia de Deus para com os homens. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:31

Islam, Islam, Pessoal, Pessoal, Poesia, Poesia, Arte, Sociologia e cia., Política, Política, Religião DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/73


A INEBRIANTE LIBERDADE DOS RUBAYAT "Nada, eles não sabem nada, nada querem saber/ Vês esses ignorantes, eles dominam o mundo./ Se não é deles, chamam-te de descrente" (Khayyam, Rubayat) Durante muito tempo da minha vida fui ateu. Não de um ateísmo sincero, mas um ateísmo religiosamente militante, fruto mais daquela presunção intelectual da adolescência que de um sentimento real. Há alguns anos tento me reconciliar com Deus que, a exemplo de tantas outras dádivas que tenho recebido, me devolveu a fé. Nem sempre é um caminho fácil porque o ser humano tem muito orgulho de sua liberdade - mesmo quando ela é imaginária - para se curvar à vontade d'Ele. A mim sempre pareceu uma covardia seguir regras ao pé da letra por ter medo de errar, assim como me soa uma impiedade a noção de fazer o bem por desejo do Paraíso ou temor do Inferno. Ao contrário da imensa maioria da minha comunidade religiosa, penso que se deve seguir a senda reta pelo prazer que ela proporciona e não por ter outros interesses e segundas intenções. Curiosamente encontrei uma das mais belas expressões deste mesmo sentimento numa poetisa e mística muçulmana do Século 8º - Rabi'a alAdawiyya - no obra de quem um dos poucos leitores desta coluna, meu eterno professor Deonísio da Silva, certamente não deixaria de perceber tantas nuances de semelhanças com Santa Teresa. Rabi'a disse, por exemplo: "Oh Deus!/ Se eu O adorar por medo do Inferno, queime-me no Inferno/ Se eu O adorar por desejar o Paraíso, expulse-me do Paraíso/ Mas se eu O adorar somente por Si Mesmo, não me negue Sua eterna Beleza". Em outro poema Rabi'a celebra o mesmo desejo da Luz: "Eu

Te amo com dois amores: amor para minha felicidade, e amor verdadeiramente digno de Ti/ Quanto ao amor de minha felicidade, que só me ocupe de pensar em Ti e em nada mais/ Quanto ao amor verdadeiramente digno de Ti, que Teus véus caiam e que eu Te veja/ Nenhuma glória para mim nem em um nem no outro, Mas glória a Ti, por aquele e por este". Certamente tal espécie de conceito dificilmente seria bem aceito no mundo muçulmano, mesmo naquela época áurea tão distante dos assim chamados fundamentalismos contemporâneos, a não ser nos círculos místicos dos sufis, aonde tal tipo de poesia poderia ser compreendida em sua plenitude. O início do ocaso daquela época foi testemunhado por outro poeta e sufi, o astrônomo Omar Khayyam. Ao contrário de Rabi'a, contudo, o astrônomo teve a felicidade de ser descoberto no Ocidente por Fitzgerald, cuja versão dos Rubayyat exemplar demonstração da poesia inglesa do século passado, diria Borges não sem ironia - o celebrizaram e mitificaram. Rabi'a viveu numa época onde sua poesia, mesmo restrita a alguns círculos, era respeitada. Khayyam participou da derrota da criatividade pela tradição. Poucos sabem ao certo o quanto do acirrado ódio de Khayyam aos devotos realmente estava nos Rubayyat originais, como boa parte da grande poesia os rubais foram feitos para serem recitados e só pouco antes de serem descobertos pelo ocidente haviam sido escritos em lingua persa. Como Homero e Shakespeare, Khayyam também se confunde com uma personagem mítica, se não porque sua existência real seja contestada, ao menos porque em sua obra enxertaram-se tantas coisas que já não se sabe mais o que realmente teria sido feito por ele, quais foram as inserções dos amigos e inimigos. Mas certamente a preocupação com o excessivo zelo dos devotos deveria estar lá em algum ponto, assim como um certo descaso com a teologia contábil que transforma a fé em uma coleta de cupons


para um concurso cujo prêmio é o Paraíso e a derrota é o inferno. Também está lá uma apologia do vinho inadmissível em um muçulmano, mas facilmente explicável para qualquer um que tenha um vaga informação sobre os sufis para saber que a embriagues em Khayyam é apenas uma metáfora da experiência mística. Isto acabou por criar um paradoxo no qual as mais belas poesias dedicadas ao vinho vieram de fiéis de uma fé a qual proíbe o consumo do álcool. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:34

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Literatura, Religião Shakespeare, Omar Khayyam, Rabi'a al-Adawiyya, Edward Marlborough FitzGerald, Jorge Luis Borge, Omar Khayyam, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/28


DEMOCRACIA E ARISTOCRACIAS Não consigo chegar a nenhum acordo comigo mesmo sobre a democracia. De um lado sinto a democracia real como algo que caminha para o grotesco, impele o ser humano para os mais baixos degraus da vida social, estimula a mediocridade e a corrupção, entrega o poder a pessoas que nenhuma autoridade tem para exercê-lo. De um outro lado a vejo como um ideal sublime, única forma de governo capaz de realmente fazer jus à condição humana e a única na qual é possível evitar a degradação. Não, a questão não está em distinguir a democracia ideal e a real. Esta seria uma distinção simplista e, ademais, há pontos questionáveis na democracia ideal tanto quanto há aspectos elevados na democracia real. Para os filósofos gregos a democracia era condenável como princípio, não só pela sua rápida degradação em domínio dos demagogos como pela sua ideia central do governo pertencer ao povo e não aos dotados de qualidades especiais e autoridade. Contudo é fundamental dizer que eles próprios não foram capazes de imaginar um sistema melhor, nem mesmo em termos de modelo idealizado. (Mesmo a rígida República de Platão fundamenta-se em trapaças e truques sustentando a impossibilidade de uma ética absoluta ao dar aos guardiães o direito de trapacear para garantir a estabilidade do sistema.) Descartando em absoluto todo sistema autoritário, em geral baseado apenas em argumentos levantados de última hora para tentar dar aparência de legitimidade a algum déspota, o pouco que sobra de teorias nãodemocráticas que conservam algum fundo de autoridade está baseado em algum critério aristocrático que em certas circunstâncias pode ser justificado.

Parece razoável imaginar que tarefa tão importante quanto o governo de uma nação seja entregue a pessoas preparadas para isto, capazes de diagnosticar problemas e apontar soluções, que dediquem suas vidas a servir o bem público. Esta é a base fundamental de qualquer argumento nãodemocrático que mereça ser levado em consideração. As vertentes não-democráticas - note que não uso o termo antidemocráticas - usam variantes deste argumento, talvez nem sempre expresso com tanta clareza e sem disfarces, mas ainda assim contendo a mesma essência. É o argumento dos tecnocratas, que imaginam que a crescente complexidade das tarefas administrativas exige um homem público preparado, um burocrata profissional ou um técnico com grande formação. Note-se que este argumento disfarça-se quando se diz que esta burocracia tecnocrática serve a um governante eleito, ao qual caberia dar as linhas gerais da política a ser seguida. O eixo central de toda a minha fé democrática é que aristocracia literalmente governo dos melhores - alguma foi capaz de propor método satisfatório de seleção de quais seriam "os melhores", detentores portanto do direito de governar. Até é possível argumentar com razoável eficiência em defesa da tese central aristocrática - no sentido exato do termo, claro, não daquela expressão política conservadora que ele passou a ter. Quase ninguém poderia confrontar a ideia de que o poder deveria ser exercido por aqueles que tem a dedicação e o preparo para exercê-lo da melhor forma possível. O problema é a incapacidade absoluta de formular um meio eficiente para esta seleção. As "aristocracias" - no sentido distorcido do termo - do antigo regime não só dão farta demonstração da ineficiência do critério hereditário como, no entendimento de Ortega y Gasset, são responsáveis pela desmoralização do termo nobreza. E isto mesmo quando ao nascimento soma-se o ensino e o treinamento, demonstrando que


mesmo em condições ideais de vida com o acesso a todas as oportunidades possíveis não há como garantir que uma pessoa tenha a autoridade necessária a quem governa. É justamente onde as noções nãodemocráticas fraquejam que a democracia tem seu pilar fundamental de sustentação. Só nela é possível imaginar um critério de seleção perfeitamente justo e capaz de aprimorar-s com o tempo e corrigir enganos. Em última instância um mau governo é também desejo do povo, enfim a democracia seria um sistema que se aprimora inclusive pelos erros. A concepção paternalista de todo pensamento não-democrático é o de que o povo é sujeito a erros frequentes, é como uma criança que deve ser protegida das consequências de suas ações. Qualquer pai razoável sabe que esta concepção é problemática, impede o amadurecimento, tanto das crianças como dos povos. Analisando assim as duas grandes vertentes do pensamento não-democrático - a necessidade dos que governam serem os mais preparados e os que levantam os perigos da escolha democrática - chego a conclusão que por mais justos que possam ser os argumentos eles são ineficazes e até prejudiciais na proposição de soluções. A própria democracia em si parece a mim ser muito mais eficaz no sentido de resolver os dois problemas, de um lado porque não é impossível supor que podendo escolher o povo um dia aprenda a escolher os que são melhores, desde que tenha informação, independência e formação adequada para isto. E que as próprias escolhas erradas são parte deste processo de aprendizado. No máximo penso que é necessário restringir as possibilidades de escolhas frontalmente autoritárias, que visem tirar a nação do universo democrático, porque neste caso a retomada da democracia poderia obrigar ao apelo a métodos não políticos da força, da rebelião. Todo o raciocínio seria muito mais bonito não fosse as evidências concretas de degradação e fracasso progressivo a democracia. Convivendo no meio político

todo o dia sinto esta degradação de forma muito clara. A começar pelo movimento popular, no qual é crescente o número de pretensas lideranças ansiosas pro vender o apoio ou trocá-lo por benefício pessoal, tanto como na própria sociedade o número de pessoas dispostas a transformar seus direitos em objeto de barganha é crescente. Diria que o número de pessoas que leva a política a sério é declinante. Há os demagogos prontos a conduzir as massas a demandas inviáveis que nem eles mesmo no poder teriam intenções ou condições de atender, há mobilizações feitas por motivos vis, há absoluta falta de responsabilidade e seriedade. Sem discutir quem veio primeiro, diria que todo este ambiente corrompido, pantanosos, incentiva os escândalos que estão no noticiário, afinal em um mundo no qual as ideias e as palavras valem tão pouco mesmo muita gente séria que deseja sobreviver na política tem de buscar acumular o único bem desejado: grana. É em um momento de degradação absoluta como este que se torna ainda mais necessário ter aquele tipo de dedicação e abnegação que fundamenta as verdadeiras nobrezas, quando se tem de dizer que há custos éticos que não podem ser pagos para chegar ao poder, só assim se preserva a autoridade necessária para que o poder seja exercido da forma como deve. Em outras palavras, parece-me que o tipo de "elite" que a democracia requer para funcionar bem é de um molde muito mais avançado do que as elites aristocráticas, porque não só precisam de toda a autoridade, conhecimento, preparo, coragem que as "elites" tradicionais, mas também precisam da abnegação e determinação para lutarem para chegar ao poder de um lado convencendo as massas e de outro a disciplina moral de rejeitar todos os atalhos deste caminho. Estas pessoas, são poucas mais existem, estão muito acima do nível moral de qualquer outra aristocracia que já tenha exercido o poder, mas acima até das elites ideais como os guardiães da República de Platão, que precisavam de expedientes para governar. T E R Ç A - F E I R A , 2 4 JU L H O , 2 0 0 7 - 0 5 : 1 3


Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Filosofia e cia DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10636


A LÓGICA DO ARBITRÁRIO Há uma ruptura violenta entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, a despeito de se falar tanto hoje em ciência, progresso tecnológico e coisas do tipo. O senso comum é incapaz de perceber a verdadeira essência das coisas e, sobretudo, de perceber que a aparente ordem que se vê no cotidiano é simplesmente uma arbitrariedade estabelecida como uma convenção implícita em todo o processo de socialização e educação. Paredes não são objetos sólidos, embora estejamos acostumados a vê-la como tal, afinal há nela mais vácuo entre de dentro dos átomos do que matéria propriamente dita. A linguagem, em particular, é sobretudo um conjunto de símbolos arbitrários que nos parecem naturais, óbvios até, porque fomos acostumados a associar símbolos arbitrários a noções concretas. O batido, mas excelente, exemplo do número de matizes que os esquimós enxergam no branco é uma ótima demonstração desta arbitrariedade, assim como o número de cores do arco-irís, que são 7 para nós mas variam de um a 12 em outras culturas. Ao mesmo tempo há outro elemento complicador destes processos, já que se o senso comum pode ser tomado como quase concreto, desnecessária maiores demonstração, a ciência tem de conformarse com modelos teóricos para explicar o mundo. Àquilo que parece ser evidência a ciência tenta explicar com uma suposição abstrata. Parece ser evidente que a popularizaçõa de conceitos científicos, a crescente

importância da tecnologia na vida do cidadào comum e o acesso às mais variadas fontes de comunicação diminuiria esta distância. Mas, de fato, parece que só tem aumentaod o cientificismo - isto é, a ciência rebaixada ao nível de superstiçõa quando chega ao nível do homem comum. O brilhante livro de Alan Sokal - Imposturas Intelectuais - baseado em um "trote" passado por ele numa revista científica para maiores detalhes cheque os links: http://www.physics.nyu.edu/faculty/sokal/ transgress_v2/ transgress_v2_singlefile.html e http://www.physics.nyu.edu/faculty/sokal/ folha.html (este último em português) demonstra como podem ser perniciosos os efeitos deste cientificismo até mesmo para os cientistas, o que não se dirá para o homem comum. Sokal fez algo muito parecido com o que eu e o amigo Cirilo Braga fizemos num passado recente quando inventamos Ivonei Pena. Escreveu um artigo cheio de conceitos aparentemente inovadores, pretensamente baseados nas últimas fronteiras da ciência, adornado por expressões que não significam absolutamente nada mas soam bem em um texto acadêmico e o enviou a uma revista científica. A revista não só o publicou como abriu longo debate sobre o tema no qual uma série de pretensos cientistas e filósofos tomaram parte com furor. Assim como Ivonei Pena questionava se a "globalização era realmente globalizante ou apenas globalizadora", Sokal - no seu artigoparódia - afirmava: "Em nenhum lugar esse movimento pode ser identificado mais claramente do que na teoria quântica da gravitação. Pesquisas recentes nessa área, alimentadas pela metacrítica do desconstrutivismo, têm liberado a investigação científica de seus velhos pressupostos objetivistas e, em consequência, trazido a física para uma crescente harmonização com as humanidades. Tão íntima é essa aproximação que, por exemplo, as teorias


psicanalíticas de Jacques Lacan encontram confirmação em investigações realizadas no terreno da teoria quântica de campos. E é sintomático observar a dívida da nova física para com o trabalho de pensadores desconstrutivistas, como é exemplo paradigmático a teoria da estrutura e dos signos no discurso científico, de Derrida." O grande perigo deste cientificismo é seu potencial para transformar-se em um substituto das velhas máquinas de coerção ideológica, já que sob uma autoridade usurpada passam a se tornar elementos legitimadores de uma determinada ordem política, social e econômica. Neste sentido não há diferença entre ele e as religiões tradicionais, já que ele exerce a mesma função de elemento estruturante, de forma sob a qual o mundo é compreendido e explicado e pelo qual o caótico aleph da realidade objetiva torna-se um todo ordenado e separa-se o arbitrário do organizado. Se há um certo caráter transcendente nas religiões que permitem que elas tenham um certo caráter libertador e revolucionário - ao menos em alguns momentos -, que seja, enfim, um contrato social regendo e organizando as sociedades, gerando um grau mesmo que mínimo de solidariedade e propiciando certo conforto - mesmo que apenas espiritual - o cientificismo é de uma lógica brutal, individualista e determinista ao extremo. O tipo de sociedade que pode brotar da dominação ideológica do cientificismo é, na melhor das hipóteses, aquele estado totalitário e desumano pregado por Platão. Um Estado no qual a massa deve obedecer cegamente a determinação dos seus guardiães-filósofos - ideia por sinal muito simpática a tantos cientistas - e na qual não há espaço nem para a solidariedade e muito menos para a compaixão. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:41

Comunicação, Pessoal, Arte, Educação, Política, Política, Filosofia e cia PP, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/32


PROFESSORES E MESTRES Estou com uma meia-dúzia de posts na cabeça para escrever hoje, mas como acredito em uma frase que é tanto um hadith muçulmano – ou seja uma frase proferida pelo profeta do Islam - como uma das preferidas de Abraham Lincoln segundo a qual uma boa ação todos os dias é mais valorosa do que inúmeras que são feitas em um único dia e esquecidas, tenho de escolher um dos temas e opto justamente pelo menos promissor deles, justamente para que as outras idéias tenham mais tempo de amadurecer, de ser buriladas na troca de correspondência com os amigos, que encontrar apoio em alguma linha de algum livro.

Todas as pessoas sensatas falam há muito tempo que não há saída para o país sem educação. Monteiro Lobato já fazia cruzadas sobre este assunto na década de 20. Não faltam nas campanhas eleitorais as promessas de prioridade e até os projetos mirabolantes destinados a causar a impressão que se dá importância à educação. Vou decepcionar talvez a quase todos vocês dizendo que isto não é verdade. A educação não foi concebida – ao menos neste nosso modelo ocidental, mas também em outros lugares e culturas – para provocar mudança, mas justamente para gerar conformidade. Se nunca se dá muita bola para o assunto no Brasil – salvo quando há necessidade de mão de obra mais especializada – é porque o povo brasileiro é tão pacato, tão rebanho, que ela nunca foi muito necessária para sossegar os ânimos. Antes que me crucifiquem, isto não quer dizer que eu ache que se devam fechar as escolas ou que eu ache que a educação é importante. Certamente a educação é importante na medida que é ferramenta

essencial – mas não suficiente – para a aquisição de uma compreensão mais elevada do mundo. Por si só ela não produz mudança alguma, quando funciona muito bem – o que não é o caso do Brasil – pode até inibir muito qualquer mudança necessária. Este potencial modificador que se espera da educação vem a meu ver da cultura. Antes que o foco se pera em intermináveis discussões sobre o sentido do termo cultura abrevio o debate dizendo apenas que estou usando estes dois termos – educação e cultura – no sentido “administrativo” que eles tem. Chego, então a um dos pontos essenciais que queria debater, aquele momento no qual a estrutura educacional criada para gerar conformidade começa a ser subvertida de dentro pela descoberta que aquele mundo que nos ensinam a entender e aceitar não é o único possível. Este processo se dá em especial quando não se tem um professor – profissional burocraticamente empenhado em enfiar no cérebro dos alunos o conteúdo curricular – mas um mestre – alguém que considerar ser seu dever criar uma ponte entre o ser humano aos seus cuidados e outros mundos melhores. Sempre existirão mais professores do que mestres, mas sempre acredito que quase sempre basta um para dar um novo rumo à vida de alguém. Eu poderia reclamar do fato de ter tido tantos professores, mas prefiro louvar a benção de ter tido tantos mestres. Desde o primeiro grau até o segundo, curiosamente, todos las, ou melhor todas elas porque foram quatro professoras Lucila, Angela Izabel e em especial Wanda com quem convivi por maior tempo - foram de língua portuguesa. Me pergunto às vezes se ao invés de ter tido a felicidade destas quatro mestras tivesse um que me fizesse me apaixonar, pro exemplo, pela matemática ou pela física e hoje estaria ao invés de lidando com o poder da palavra estaria preocupado com a beleza das fórmulas e a poesia dos símbolos. Curioso que embora a escola pública onde cursei o segundo grau me provoque até hoje o pesadelo recorrente de ser obrigado a voltar


a estudar lá pro algum erro burocrático, tão traumática foi minha experiência por lá, destas professoras guardo uma imagem muito carinhosa e de profunda gratidão. Não é uma hipótese implausível, afinal quando era criança e até boa parte do segundo grau pensava em ser biólogo ou químico, em alguns instantes houve algo na abstração da matemática que quase me encantou (até para reforçar o argumento diria que na universidade apaixonei-me pela estatística, mas destas coisas falo outro dia), depois tomei nos livros o gosto pela história e pela política e ingressei no curso de Ciências Sociais, mas este amor à palavra estava lá dentro, entranhado, fazendo seu avanço aos poucos e quando entrei em um redação, como um bico, nunca mais consegui sair desta esfera de ação da palavra, mesmo em outros empregos e funções. Digo isto não para falar de mim, apenas para destacar a responsabilidade de cada professor em, se não for um mestre, ao menos não ser cúmplice em matar algo em seus alunos. Assim, voltando à linha principal, a subversão começa a se instaurar na fábrica da conformidade quando surge alguém que ao invés de fazer o que se espera dele, dizer aquilo que as pessoas tem de pensar sobre o mundo, resolve fazer o que deve fazer, que é fazer com que as pessoas ao invés de apenas olhar, sejam capazes de ver e chegar ás próprias conclusões. Enfim, a amar não o conhecimento que se adquire, mas exatamente apaixonar-se pelo processo de aprender.

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Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Sociologia e cia., Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10036


EMINÊNCIAS PODRES Leio na crônica de Cony hoje na Folha i a frase de que “Todos os petistas envolvidos no esquema de corrupção, lá atrás, nos começos das militâncias, foram idealistas, (...)Tudo boa gente, disposta a sacrificar a própria vida pelo ideal de justiça social e pela ética na vida pública”. Mesmo sem levar em conta a hipérbole da afirmação, gentileza que o cronista faz para ressaltar o argumento, há algo de mais preocupante naqueles cujo amor por uma idéia é tão grande que não há obstáculos que não julguem-se no direito de transpor. O grande protótipo deste tipo de personagem é o Padre José, chanceler de Richelieu, retratado de forma brilhante em “Eminência Parda” de Aldous Huxley. Na defesa dos interesses da França e Fé Católica o padre José disseminou o horror, a fome, a guerra pela Europa, em particular através da Guerra dos Trinta Anos. É sem dúvida o tipo de coisa que aqueles que tem uma fé cega, que acham que qualquer meio se justifica em nome da causa – sempre lembrando que o infeliz maquiavel levou indevidamente a fama por este conceito dos meios justificarem os fins – costumam fazer, muitas vezes sem pensar na conseqüência. Cony, e a maioria dos analistas, vê na crise atual algum tipo de desvio de percurso, de perda de valores. Penso o contrário, os métodos, mesmo os mais espúrios, foram a conseqüência lógica de um determinado modo de ver o mundo que sobrepõe a tudo uma determinada causa. Se houve desvios foi apenas daqueles que deslumbraram-se pelo luxo, pela boa vida, é de se temer mais aqueles que como o Padre José tem disciplina férrea em sua vida pessoal e são mais rigorosos consigo do que com qualquer outro, porque para estes não haverá nenhum obstáculo – físico, político ou moral – que os impedirá de semear a iniqüidade e ceifar os adversários.

O contraponto da Eminência Parda, o padre Urbano Grandier, pode ser encontrado em outro romance histórico de Huxley – Os demônios de Loudon – outro aristocrata de muito talento, mas vítima de suas paixões e falta de disciplina. Grandier talvez participasse das orgias na Mansão do Lago, aceitasse caros veículos importados como presente, não chegaria a encher a cueca de moedas – ação vulgar demais até para os vis – mas se divertiria com os sinais exteriores de riqueza. O Padre José não, mesmo quando obrigado a mudar-se para Versalhes a pedido de Richelieu, que o queria por perto para qualquer consulta de emergência, transformou o apartamento que lhe foi destinado em uma cópia de sua cela no Convento dos Capuchinhos. Temos certa tendência, quase natural, a revoltarmos contra os Grandiers e admirarmos os Josés. A opulência vindo de fontes excusas dos Urbanos nos choca, talvez porque também no fundo gostaríamos de estar no lugar deles. Mas é justamente por serem escravos de suas paixões não são tão perigosos e caem por si ou levam à ruína o regime que apoiam já que o gosto pelo luxo custa curo e exige sempre mais impostos – em um processo que ninguém ainda descreveu melhor do que Ibn Khaldun. Mas os padres Josés espalham a destruição, embelezando-a como a construção de um novo mundo e muitas vezes se esquece que também Hitler era vegetariano, moderado em todos os outros apetites que não o de sangue e poder. Admiramos aqueles cujo desprendimento demonstra disciplina porque sabemos que são seres feitos de outra têmpera que não a dos mortais comuns. Às vezes, quase sempre diria, esta disciplina está a serviço de uma obsessão à causa – qualquer que seja ela – que se transforma na cegueira que faz com que não se veja outra cosida senão o fim último desejado. Nada é mais perigoso do que este tipo de sentimento porque não há nele nenhum tipo de freio, é disto que são feitas as ditaduras, os conflitos mais terríveis, os regimes mais terríveis, os homens mais cruéis. Mais perigosos são aqueles que até mesmo da vaidade de estarem eles no poder estão


livres, tanto que o apelido dado ao nosso protótipo deste tipo de personagem eminência parda - tornou-se um sinônimo daquele que se move por detrás das cortinas, tomando de fato as decisões que outros representam no palco. Curiosamente também se verá muito comumente que é um personagem associado a algum tipo de vivência espiritual, como no caso de Huxley e muitos outros, ou em algum modelo que tenta copiar alguns destes métodos de autocontrole, observação minuciosa, planejamento detalhado. Com todos os defeitos que a democracia possa ter – e certamente tem muitos – só ela é capaz de lidar de forma satisfatória com este tipo de obsessão, pois ao dispersar o poder de decisão torna mais difícil o acesso e mais improvável a manutenção de algum destes loucos no controle. Qualquer outro regime ou método de escolha dos líderes sempre gerará mais oportunidades. Restanos a esperança de acreditar, como maquiavel, que o povo pode se enganar nas questões particulares, mas acerta nas gerais. Claro que a chance de se evitar os danos é maior quanto mais difuso estiver o poder de decisão pela sociedade e pelo Estado.

SEGUNDA-FEIRA, 8 MAIO, 2006 - 13:20

Islam, Pessoal, O futuro, Sociologia e cia., Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10004


O SAGRADO DO COTIDIANO A despeito do que possa parecer a quem me lê sempre, não sou uma pessoa religiosa, ao menos não no sentido convencional do termo. Não tenho o hábito de discutir religião, tenho certa aversão a reuniões religiosas públicas – o que numa fé tão comunal como a que escolhi deve ser quase um pecado – e prefiro compreender os deveres religiosos em um sentido muito interior, talvez mesmo beirando certa concepção “herética”. Ao mesmo tempo sinto que poderia dizer exatamente o inverso. Que sou sim uma pessoa religiosa no sentido de que jamais me afasto da crença e da certeza de que Deus está comigo o tempo todo e observa cada coisa que faço e desta convicção esforço-me por agir da forma correta, com disciplina, com justiça, com amor. Se mais acerto ou erro nas minhas suposições de agir corretamente acho que só Ele pode dizer, não deixo contudo de agir e assumir os riscos, já que a única forma de não errar é não fazer nada ou apenas cumprir ordens. Tento não confinar minha fé, repleta mais de dúvidas que de certezas, a algum ritual, mesmo reconhecendo a importância deles, mas trabalho com a meta de deixá-la transbordar na minha vida cotidiana. É verdade que não é fácil romper com as fronteiras que separam o sagrado do profano – ainda mais neste mundo cada vez mais profano – mas certamente é um exercício necessário de atenção. Fora deste textos que escrevo fundamentalmente para mim e de algumas poucas conversas quase não me vêem falar de religião e de Deus. A maior parte das pessoas que convivem comigo como colegas e conhecidos, por sinal, me julga até um cético e não poucos já tentaram me converter ou chamar a minha atenção para alguma religião. No meu coração, contudo, esforço-me por

construir aquela disciplina de que falam os mais diversos mestres das mais diversas fés, a ação refletida que deixa de lado os impulsos, desliga o “piloto-automático” e nos faz perceber que o sagrado está ao nosso redor e dentro de nós. Só posso dizer que não é fácil, quantas vezes a concentração não se esvai no stress do trânsito quando solto um palavrão com alguma barbeiragem do vizinho, quantas vezes não se perde a paciência em uma conversa deixando de lado a compreensão que se devia ter, para não falar que a cada vez que acendo um cigarro me sinto tão longe da disciplina que gostaria de ter. Resisto à tentação de ser condescendente comigo mesmo, mas também não me deixo deprimir pela culpa, este sentimento tão negativo que nada acrescenta e nos tira a força para lutar. Traço minhas metas, avalio meus erros, faço o balanço das vitórias e derrotas e sigo em frente. De um lado sei que muito provavelmente sou incapaz de faltas graves – daquelas que prejudicam aos outros – mas sempre me imagino capaz de infinitas pequenas indisciplinas, ao mesmo tempo esforço-me para que as vitórias não sejam fonte de orgulho, destruindo o que teriam de positivo. Desculpar-me considerando-me humano e portanto passível de falhas não é algo que me conforta, como ouço tantas vezes pessoas mais religiosas que eu fazerem. Porque se somos humanos temos todos também uma porção divina que deveria ser um claro farol de nossos atos e se não é é por conta de nosso apego a este mundo. Mas não desespero da Misericórdia de Deus, nem me acovardo diante da vida e pro mais que a meta de “estar no mundo sem ser do mundo” seja uma meta ambiciosa demais não desisto dela enquanto objetivo.

TERÇA-FEIRA, 24 OUTUBRO, 2006 - 13:29

Pessoal, Poesia, Arte, Religião


ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10153


O MUNDO ESTÁ NA MENTE DE PESSOA Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu.(Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego) Meu grande débito com Pessoa é ter aberto, há alguns anos, para mim as portas da Poesia, que até então não tinham entrado em minha vida, salvo de relance, nem eu entrado no mundo dela salvo por alguma rápida visita ocasional. Ainda hoje me causa espanto como pude viver sem a poesia, antes daqueles dias há uns 6 ou 7 anos quando fiquei pro dias imerso na poesia de Pessoa. Curiosamente penso que o fato da mais profunda poesia de Pessoa estar em prosa no Livro do Desassossego não é de forma nenhum um paradoxo. Seguindo o padrão de tantos textos capazes de lidar com a metafísica, Pessoa não assume a autoria do Livro, escrito e entregue a ele por um modesto empregado do comércio que todos os dias jantava calado no mesmo restaurante, Bernardo Soares – heterônimo que talvez seja mais Fernando Pessoa que ele-mesmo. No próprio fato de dar autoria a outro da sua “autobiografia sem fatos” há uma reflexão, diz ele:

“Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer.”

Muitas coisas poderiam ser destacadas no contexto deste livro escrito para gerar assombro, não a calma admiração, para

gerar perguntas – como todo livro de verdade – não para dar respostas. Na desculpa de falta de espaço destaco dois pensamentos, relacionados e distintos. A primeira é o esforço de manter-se impassível a tudo que lhe é externo, como diz ele: A vida é para nós o que concebemos nela. Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar’ a realidade da nossa vida. Esta questão da capacidade de lidar com as miudezas do mundo com tal resignação que elas chegam a parecer agradáveis aparece sobretudo na forma como Pessoa/Soares se refere até com futura saudade de seu trabalho rotineiro, quase mecânico, como ajudante de guarda-livros na Casa Vasques. Diz mesmo que teria saudades daquela via e de seus colegas de trabalho e até do Patrão Vasques – que ele explicitamente diz ser uma metáfora da vida - se fosse retirado daquela vida pequena e mesquinha. ”Tudo quanto de desagradável nos sucede na vida - figuras ridículas que fazemos, maus gestos que temos, lapsos em que caímos de qualquer das virtudes - deve ser considerado como meros acidentes externos, impotentes para atingir a substância da alma. Tenhamolos como dores de dentes, ou calos, da vida, coisas que nos incomodam mas são externas ainda que nossas, ou que só tem que supor a nossa existência orgânica ou que preocuparse o que há de vital em nós. Quando atingimos esta atitude, que é, em outro modo, a dos místicos, estamos defendidos não só do mundo mas de nós mesmos, pois vencemos o que em nós é externo, é outrem, é o contrário de nós e por isso o nosso inimigo.” A resignação, de fato, na visão dele, não constitui em conformação é antes uma profunda indiferença, em poder-se ver


como se fosse externo a si mesmo e portanto enxergar que é possível ser indiferente à sorte que nos cabe porque o real está na mente, capaz de vagar por tantos mundos e criar. Assim chego ao outro ponto que gostaria de destacar e com o qual há uma relação essencial com este primeiro da indiferença com o mundo: a tentativa, mesmo condenada de antemão ao fracasso, de conceber o absoluto que ábsides na mente. Diz ele: “Cada qual tem o seu álcool. Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo. Se são horas, repolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou até ao rio fitar o rio, como qualquer outro. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito.” Na minha mente associo sempre as narrações de seus mundos imaginários feita por Pessoa com a bela história de Valmiki, o primeiro poeta a compro em Sânscrito, que segundo o mito teria visto as batalhas que consagrou no Ramayana em um espelho de água em sua mão, história que inspirou tantos contos a Borges. Desta analogia, pro sinal, tirei o título deste texto. Diz Pessoa: ”Penso às vezes no belo que seria poder, unificando os meus sonhos, criar-me uma vida contínua, sucedendo-se, dentro do decorrer de dias inteiros, com convivas imaginários com gente criada, e ir vivendo, sofrendo, gozando essa vida falsa. Ali me aconteceriam desgraças; grandes alegrias ali cairiam sobre mim. E nada de mim seria real. (...) E tudo nítido, inevitável, como na vida exterior. “ Boa parte do Livro do Desassossego é dedicada justamente a destacar que o mundo é ilusório e só existe na mente, porque é nela que este mundo é percebido. Assim a verdadeira grandeza, o verdadeiro conhecimento está na alma. A riqueza da alma, diz ele, está onde o indivíduo está, não adianta procurá-la em lugar algum e mais valeria imaginar nela esta riqueza do que viajar pela ilusão de encontrar algum

tesouro enterrado. Do contraste entre os mundos da imaginação e a sordidez do mundo é raro que Pessoa diga algo relativo à política. Nas poucas vezes que o faz é com uma perspectiva extremamente conservadora, mas não com esta falácia do conservadorismo político, mera desculpa para a a garantia de privilégios imerecidos gritada por aqueles que só pro gritar já demonstram seu imerecimento. É pelo contrário a postura conservadora daquele que por ser de fato nobre está preocupado em aprimorar a si mesmo e afastar-se do mundo, das suas ostentações e misérias. ”Revolucionário ou reformador - o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o seu próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo o revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível.”

SEGUNDA-FEIRA, 16 OU TUBRO, 2006 15:17

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10147


VATHEK: UMA INFERNAL JOIA ORIENTAL Borges distinguiu o Inferno de Dante do descrito no Vathek de Beckford por considerar o primeiro não um lugar atroz, mas um lugar onde ocorrem fatos atrozes, enquanto o último seria o primeiro inferno realmente atroz da literatura. Confesso que o livro de Beckford passou inúmeras vezes pela minha mão no Outros Contos, este nosso templo da leitura que modestamente se chama apenas de sebo, talvez nunca o compraria se não fosse os comentários de Borges. Não que o livro não tivesse me chamado a atenção, mas entre tantas tentações é sempre necessário traçar listas de prioridades nas quais ele acabou sendo sempre excluído à última hora. Mal compro o livro e devoro em poucas horas seu conteúdo, escrito numa prosa agradável que consegue ser rica sem ser rebuscada e numa história repleta de descrições minuciosas sem deixar de ser eficiente e atrativa. A tradução é evidentemente ruim, agravada pelas notas que a guisa de esclarecer confundem mais e revelam o completo desconhecimento do tradutor sobre o assunto. Em alguns casos as notas chegam a ser ridículas, como na que tenta explicam quem seria o rei Suleiman Ibn Daud elencando personagens completamente distanciados. O nome e o contexto revelam sem margem de dúvida que se trata do Rei Salomão filho de David. Não bastasse a coincidência dos nomes de pai e filho - apenas nas formas arabizadas de Suleiman e Daud - as referências a um conhecimento "especial", o poder de comando sobre os djinns (gênios) e a referência ao Palácio não deixariam margem de dúvida sobre a identidade do

personagem que tem um papel fundamental no desfecho da obra. A confusão provocada pelas notas do tradutor não chega a comprometer de todo a compreensão do texto, mas certamente empobrece a sua conclusão. Uma outra confusão do tradutor se refere à expressão sultão pré-adamita utilizada frequentemente pelo autor. Aqui o equívoco da "nota explicativa" não se explica pelo desconhecimento de noções básicas de cultura islâmica, já que a ideia de uma civilização pré-humana não tem referências na cosmogonia muçulmana, mas o sentido da ideia inventada pelo autor é evidente. Bastaria, portanto, ao tradutor ler o texto para apreender o sentido no máximo buscando na Mitologia Grega referências básicas do mito dos titãs para compreender o sentido da expressão. Há problemas sérios também na transliteração das palavras árabes e persas que tornam algumas expressões quase irreconhecíveis. Confesso que uns dos motivos para não ter comprado o livro antes da referência de Borges foi o seu nome, Vathek. Como se sabe, no árabe não existe a letra V e este descuido me deu a impressão de uma obra apressada a mal cuidada. Na verdade ocorreu apenas um erro de transliteração que transformou um u em w que foi entendido como V. É até importante salientar que realmente houve um califa abássida chamado Wathek, neto do legendário Harun Al- Rashid das Mil e Uma Noites. Termino de ler o livro com a sensação de ter sido vítima de mais uma das peças de Borges, afinal ele cria a expectativa de uma descrição minuciosa do Alcáçar do Fogo Subterrâneo e das 130 páginas da história apenas 12, menos de 10%, se passam neste palácio infernal. Da mesma forma Borges omite o mais importante dos horrores infernais: o coração em chamas dos infortunados que aceitaram a soberania de Iblis.


Só ao se ler o livro se entende por completo o texto de Borges que começa e termina falando de uma hipotética biografia que não mencionasse as principais obras do biografado. A mim parece evidente o jogo de um livro sobre o Inferno que fala tão pouco do mesmo, mas certamente o texto de Borges não fala da ideia central do texto - a não ser em um parágrafo para traçar seu parentesco com o Fausto de Goethe e histórias similares. É essencialmente sobre isto o livro, a punição de quem busca orgulhosamente - e impiamente - o conhecimento e o poder sem colocar nenhum limite a sua ambição. O que leva Wathek ao inferno é justamente esta sede de conhecimento,"punida com a perda do mais precioso bem dos céus: a esperança". Este fundo moral soa certamente estranho a um contemporâneo e êmulo de Voltaire, a um aristocrata excêntrico - o que talvez seja um pleonasmo - que vive na fase final da decadência do Ancient Régime (o livro apareceu em 1787). Um autor que buscava o mesmo prazer do conhecimento, que como Wathek adorava as ímpias orgias dos sentidos escrevendo uma história com tal fundo moral, condenado a si mesmo é certamente algo estranho. A pista para desvendar o mistério vem de outro lado, Beckford parece ter extraído sua história das mil e uma noites. Para dizer a verdade parece até muito mais autenticamente "oriental" que muitas das histórias das Mil e Uma Noites. Para o que ele considera a mentalidade oriental o Wathek teria de ser punido como uma consequência mais ou menos natural da mentalidade oriental. Tal como das muitas histórias interpoladas nas Mil e Uma Noites originais - que nunca estiveram nos originais árabes, turcos e persas - como a história de Alladin, o Vathek de Beckford fala mais sobre a forma como a

Europa vê o Oriente do que sobre o próprio oriente. E neste jogo de imagens espelhadas acaba por revelar mais sobre o Ocidente e seus valores do que sobre o Oriente que quer descrever. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:27

Islam, Pessoal, Literatura, Jorge Luis Borges, Voltaire, Beckford DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/22


RAZÃO E EMOÇÃO "Se é a razão que faz o homem; é o sentimento que o conduz" (Rosseau) Razão e emoção tem se alternando ao longo dos séculos no comando das infindáveis gerações de homens. Há épocas nas quais a razão é soberana e que os homens se pretendem guiados pelo bom senso, inevitavelmente o reinado da razão é sucedido por outro no qual os filhos daqueles homens racionais decidem que só a emoção é capaz de realmente nos fazer compreender o mundo. Às eras de fé sucedem-se as eras da lógica desde que o mundo é mundo, até porque os excessos de uma fazem brotar a outra. E em geral uma sequer pode ser definida sem que seja em oposição à outra. Apesar de todos os efeitos literários e filosóficos desta dicotomia a eterna briga destas irmãs siamesas não faz sentido algum em termos absolutos. Provavelmente os melhores argumentos a favor da emoção são aqueles que demonstram irrefutavelmente que ela é uma necessidade racional, assim como os melhores defensores da razão provam sem sombra de dúvida o quanto ser racional pode ser emocionante. Este debate jamais será concluído porque o homem não pode dispensar nenhuma das duas, o que varia ao longo das gerações é apenas a dose necessária de cada uma na vida da elite pensante - e por conseguinte dos demais. Os homens de uma determinada época em geral tendem a considerar uma ou outra como essencial e depreciar a outra, assim como em cada período da nossa vida pessoal tendemos a dar importância a uma delas, dependendo do momento que vivemos.

Curiosamente é em alguns filósofos mais racionais que se vai encontrar uma das defesas mais intransigentes da emoção. Para a grande maioria dos filósofos do Islam medieval, por exemplo, havia sempre um ponto que não podia ser ultrapassado com o simples exercício da razão. Havia a clara distinção entre o comum do povo - capaz apenas de um senso-comum ao qual obedecia - o homem racional - que chegava à verdade pela razão - e o místico que chegava à verdade através do abandono da mente às novas sensações providas pelo amor divino. O lado mais complexo desta dualidade é que ambas anseiam por serem únicas, as duas tentam ser totalitárias governantes da nossa vida e da nossa sociedade. Uma sociedade movida exclusivamente pela emoção seria tão instável quanto seria estagnada uma guiada só pela razão. Se alguém me perguntasse qual das duas é a mais elevada eu diria que é a emoção, porque só ela permite um voo mais alto. Não é à toa que Dante precisou deixar Virgílio e tomar Beatriz como guia para as fases mais avançadas da sua viagem. A racionalidade de Virgílio não é capaz de apreciar a beleza da luz ofuscante que Dante encontrou ao término da jornada. Mas qualquer uma das duas em mãos inábeis torna-se ferramenta perigosa, a razão tende à frieza tanto quanto a emoção tende à paixão violenta e por isso é necessário que uma dose a outra, que na luta entre as duas fique estabelecido um limite, uma muralha que impeça uma de extrapolar os limites. Hoje vivemos numa época excessivamente dominada pela razão, um momento no qual tudo nos parece muito frio. Neste mundo de gelo o único valor que nos emociona é o cálculo frio, além do qual todas as outras razões parecem esquecidas. Não vivemos, jogamos xadrez com a vida!


SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:24

Islam, Islam, Pessoal, Literatura, Política, Filosofia e cia DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/19


O DIABO E O MONGE "Deus pesca as almas com anzol; o diabo com rede". (Alexandre Dumas)

Khalil Gibran Khalil sempre me passou a imagem de um espírito atormentado, mesclando momento de extrema lucidez com outros de alguma confusão, como é inevitável que ocorra com todos que são sinceros. Também não vacilava em citar o senhor do mal e chama-lo pelos mais variados nomes, contrariando a crença, o que não deixa de levar a uma certa compreensão dualista desta relação entre o bem e o mal. Mas é dele por um paradoxo em relação a isto – e me agradam muito os paradoxos porque eles exigem uma reflexão mais elevada para serem solucionados - uma das melhores histórias sobre os riscos de se fixar a mente no mal. No conto Satanás – que integra Tempestades, o último livro que ele escreve em árabe, em 1920, e na minha opinião é superior a outros mais aclamados – um padre famoso pelos exorcismos, bênçãos e maldições encontra o diabo desfalecido a beira da estrada. Este o convence a cuidar dele, pois se morresse o padre perderia seu prestígio e fonte de renda. Ambos travam intensos debates teológicos, filosóficos e históricos até que o padre encontra um argumento surpreendente, até para Satanás, para justificar sua atitude. Claro que não vou detalhar aqui para não tirar o gosto da leitura deste conto curto. O texto em geral é lido como um testemunho anti-clerical, mas na verdade esta me parece uma leitura muito mais pobre do que poderia ser. Todos aqueles que lutam contra algo sempre correm o mesmo risco de estar tão ligado a esta coisa que não podem permitir que ela deixe de existir, sob o risco de perder o sentido de

suas vidas. Mesmo com seus problemas há pessoas que lidam desta forma, tornam-se tão apegados a eles, transformam-no tanto em assunto de seu dia a dia que se tentar livrá-los dele se tornará um inimigo. Na internet tal tipo de pessoa é muito comum. Há aquele tipo de gente que vai justamente ao fórum, mailing list ou comunidade que dá valor a algo completamente diverso do que pensa e passa a provocar os presentes. Todos aqueles que imediatamente se empenham em entrar no debate inútil com o primeiro personagem tem com ele a mesma relação simbiótica que o padre do conto de Gibran. É assim que muitos destes espaços de debate deixam de ser a favor de uma idéia para transformarem-se em algo contra aqueles que defendem a idéia contrária e ao fazer isto tornam-se inúteis, muitas vezes histéricos. Não é algo fácil lutar em nossas mentes contra este conceito de que há no universo duas forças lutando entre si. Somos muito acostumados com esta imagem reforçada por tantos conceitos que circulam por aí. Temos a indisciplina de buscar nos outros as culpas que são nossas e a insegurança de tentar encontrar respostas prontas que nos ensinem como o mundo deve ser ao invés de aprendermos as lições por nós próprios. Digo isto porque vejo estas fraquezas em mim também, aliás sempre chego à conclusão que as falhas que vejo nos outros estão mesmo em mim. Não sei se a mesma coisa ocorre com as demais pessoas, mas como já disse em outro texto, descobrimos uma falha em nós, mas só a conseguimos vêla nos outros, então se sou capaz de dar atenção a isto e aplicar a mim consigo dar um passo além. Também somos gregários e por isto buscamos a certeza concentrada e a culpa diluída das multidões. Fazendo o contrário do que recomenda o Iman Ali buscamos não a verdade, mas tentamos descobrir quem diz a verdade e assim acabamos sendo levados a confusão. Para ocultar nossa falta de certeza nos tornamos intolerantes, nos apegamos aos conceitos que defendemos, odiamos aqueles que nos dizem que estamos errados, nos juntamos com aqueles


que tem estas mesmas certezas ao invés de buscarmos aqueles que vão se somar às nossas dúvidas. Se o mal parece tão concreto ao invés de ilusório é porque vivemos a sombra dele, tiramos nossa nutrição dele como o padre de Gibran. Achamos mais simples converter as multidões as idéias ás quais nos apegamos, que em geral não são nossas – sejam políticas, religiosas, estéticas ou qualquer outra – do que nós mesmos tentarmos encontrar as nossas respostas. Digo sempre a meus irmãos muçulmanos – mas acho que o mesmo é válido para qualquer fé, visto que todas expressam uma mesma verdade e conduzem ao mesmo destino – que o exemplo de sete sábios converteu a Indonésia, hoje a maior nação muçulmana, enquanto as espadas de milhares de guerreiros perdeu a Espanha. Também é necessário compreender que o fato deste processo ser individual nada tem a ver com egoísmo ou individualismo, dois conceitos tão em voga hoje. Parece mais nobre converter aos outros e não a si, mas é um raciocínio marcado pela ilusão também. Um milhão de pessoas que temem o inferno ou aspiram ao paraíso, portanto lidam com o mal como o padre, nada são perto de um única pessoa cujo coração se libertou do medo dos castigos e dos desejos de recompensa. Claro que vasculhando aqui pelo blog encontrará muitas coisas que contradizem este meu conceito. Se escrevo é justamente e principalmente para convencer-me e debater comigo. No dia em que for possível encontrar absoluta coerência naquilo que digo, que esteja tão aferrado a minhas idéias que não precise mais me preocupar em negar hoje o que disse ontem, então chega rei a conclusão que de fato estou morto, porque parei de aprender e refletir.

Ps: só encontrei uma versão em espanhol do livro de Gibran, se alguém encontrar em português pro favor me avise. http://www.elmistico.com.ar/descarga/gib ran/

Q U I N T A - F E I R A , 2 9 JU N HO , 2 0 0 6 - 1 4 : 1 9

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10042


O ELOQUENTE SILÊNCIO DE TCHEKHOV "Há muitos contos e artigos de fundo meus que eu com muito gosto jogaria fora como imprestáveis, mas não tenho nenhuma linha da qual possa me envergonhar" (Tchekhov) O autor russo Anton Tchekhov (1860-1904) reúne sobre si visões não só distintas como diametralmente opostas. Admirado por quase todos os escritores que o antecederam ou o sucederam, nunca conseguiu grande êxito de público e só anos após a sua morte suas peças de teatro começaram a fazer algum sucesso. Tanto seus contos como suas peças tiveram uma importância fundamental na construção da literatura e dramaturgia modernas. Meticuloso no texto - e talvez por isso tão admirado pelos homens de letras Tchekhov descobriu todo o poder do silêncio, geralmente elemento essencial de suas peças de teatro. Este é sem dúvida o primeiro ponto que torna o autor tão grandioso ainda hoje: descobrir que através do intertexto se pode dizer muitas coisas que as falas dos personagens não seriam capazes de perceber. Uma segunda falsa oposição na obra dele é a que opõe um texto elaborado, refinado, utilizado com precisão para descrever ambientes sórdidos. Mas diferentes dos realistas que o antecedem, Tchecov vê o repugnante não apenas pelo aspecto físico, mas retrata principalmente a feiura interior. Um terceiro ponto a se destacar é que ele traz como grande pano de fundo de sua obra o tédio, em especial o tédio da província, da decadência, que ganha realidade quase material com os longos silêncios no intertexto, já mencionadas.

Ao contrário dos seus antecessores que o admiraram - em especial Tolstoi - e dos sucessores que ele promoveu e animou - em especial o pai do realismo socialista Maximo Gorki - Tchekhov não tinha afinidades com o socialismo, nem com as grandes causas sociais, por mais que elas estivessem presentes em diversos de seus textos. Tchekhov era um ardoroso defensor do individualismo e desconfiava que qualquer regime socialista corria o risco de ferir a dignidade do indivíduo. Isto porém não impediu que como médico tivesse acentuada ação social, que descrevesse o horror da vida dos prisioneiros nas Ilhas Sacalinas, que se posicionasse firmemente no Caso Dreyfus ao lado da intelectualidade de esquerda e tampouco que abandonasse a prestigiosa Academia de Ciências russa protestando contra a expulsão de seu amigo Gorki. Como todo autor, contudo, sua obra é muito mais eloquente que sua vida para demonstrar seu valor. Embora jamais tenha se chegado a um acordo sobre qual texto dele fosse o mais importante, há um que certamente resume sua angustiada genialidade: Enfermaria No. 6. É fácil ver um certo caráter quase autobiográfico neste conto, mas curiosamente Tchekhov não é o personagem principal da história, talvez confirmando sua frase famosa de que não há pequenos papéis, apenas pequenos atores. O personagem, Ivan Dimitrich Gromov, é um jovem atormentado pela súbita miséria da família, pela infância conturbada, pelo fracasso nos estudos e sobretudo pela notável, mas insubordinada, inteligência - tal como Tchekhov. O personagem também compartilha com o autor por uma indescritível sensação de comiseração e constrangimento face a prisioneiros agrilhoados, sentimento central


da trama de Enfermaria no. 6 e que na vida real levou o autor a enfrentar sua tuberculose numa viagem de Moscou até o extremo oriente, nas Ilhas Sacalinas. Esta fixação em prisioneiros cria no personagem - e quem sabe no autor - uma paranoia de um dia ser considerado culpado por algo e por causa disto ser submetido à mesma condição deles. Esta obsessão vai se agravando e lhe roubando a impressão de sanidade que as pessoas tem dele e acaba por fim em transformá-lo em um dos pacientes da Enfermaria No. 6 onde os considerados loucos enfrentam a sádica hostilidade do carcereiro Nikita. É lá que o protagonista do conto, Andrei Iefimitch Raguin, vai encontrá-lo quando o jovem médico assume seu posto junto a tal enfermaria. Cheio de boas intenções o médico tolhe as arbitrariedades de Nikita e tenta se aproximar dos pacientesprisioneiros. Numa conversa com Ivan o médico percebe toda a sua profunda inteligência e cultura e torna-se seu amigo e interlocutor. Juntos discutem filosofia, medicina, história, literatura como se ignorassem o ambiente sórdido. É deste contato que também o médico é assolado pelo mesmo mal do paciente: paranoia. Encontrando pessoa tão sábia internada num asilo de loucos o médico começa a imaginar se ele próprio um dia não poderia estar ali, sendo igualmente considerado louco, até mais facilmente que o pobre Ivan, a quem reputa ser mais sábio. Esta impressão causa a Andrei o mesmo mal que a visão dos prisioneiros causou a Ivan, começa a querer tanto frisar que não é louco que acabam pro considerá-lo insano e o internam na mesma Enfermaria no. 6, onde o carcereiro se vinga da vã tentativa do médico de moralizar a enfermaria. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:33

Pessoal, Poesia, Teatro, Literatura, Filosofia e cia Anton Tchekhov,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/27


MANDINGA A criação de uma palavra nova em uma língua é uma rara oportunidade de esmiuçar a história, a antropologia e mesmo a psicologia social daquele povo no momento deste parto de palavras novas porque se a linguagem é sobretudo uma forma ver o mundo e portanto a nova palavra representa que algo de novo surgiu na paisagem, algo naquela visão se renovou. Uma dessas palavras cuja história costuma me fascinar, como todas em geral cujo sentido original diverge muito do que assumiu ao ser recriada em outra língua, é mandinga. No seu sentido original mandinga é o patronímico de povos africanos que se comunicam por diversas linguagens mutuamente compreensível da costa ocidental setentrional da África até o Sahara incluindo as línguas de vários dos vários impérios africanos – Mali, Gao, Songhai. É, inclusive, a língua do protagonista da saga negra escrita por Alex Halley, Raízes, Kunta Kinte, um marco no despertar da consciência negra americana. Já no português do Brasil mandinga tem um sentido geral de “feitiço” ou sortilégio, esta disparidade de sentidos pode dar a impressão de serem palavras sem conexão mas não são. Houve pouco fluxo de escravos mandings no Brasil, salvo durante o primeiro período da exploração colonial, no qual a área principal de captura era o Golfo da Guiné. Contudo a influência da cultura manding, de islamização antiga, sobre as áreas vizinhas sempre foi significativa, a ponto da palavra Yorubá para muçulmano ser imali, em referência aos Malis, ramo cultural manding. No Brasil o termo gerou a designação Malê para assinalar os negros muçulmanos, embora eles fossem em sua maioria yorubás, com pequenos porcentuais de outras etnias, como Haussas.

Em especial eram yorubás a grande maioria dos malês que deram fama ao nome através da Revolta dos Malês de 1835, os quais inclusive tinham o grito de guerra de Viva Nagô, como destaca João José Reis no seu Rebelião Escrava do Brasil e outros escritos que tem tido o enorme mérito de tirar a rebelião do terreno da lenda e do boato para trazê-lo à realidade em especial devido a uma dedicada pesquisa nas fontes primárias que faltou a Nina Rodrigues e outros pioneiros, designação dada na tipologia escravocrata aos que eram capturadas na área cultural yorubá. Duas dezenas de reflexões sobre estas questões me assolam. A primeira delas é o fato de que a identidade de negro ou índio é algo criado pelo opressor “branco” em oposição a si mesmo e de forma muito proposital com a finalidade de destruir tanto a solidariedade étnica como dissolver a identidade cultural, tornando o povo vítima mais suscetível à assimilação. Como destaca Darcy Ribeiro a mistura de indígenas, em especial crianças, de diversas tribos e povos era uma das armas ideológicas mais poderosas de jesuítas, franciscanos e carmelitas para a destruição da vida tribal e incorporação à sociedade colonial como mão de obra. Da mesma forma existiam prescrições muito claras quanto a misturar negros de várias etnias na senzala, evitando um número muito grande de escravos de um só povo. A estes “Índios Genéricos” e “Negros Genéricos” - para usar a expressão de Ribeiro – desenraizados, desconectados de sua cultura, obrigados a aprender a comunicar-se na língua do dominador e portanto a assumir como seus o sistema de pensamentos alienígena. O Nheengatu – a língua-geral adaptada do tupi-guarani – foi para os Jesuítas que a criaram o mesmo que a Novilíngua era para o partido na novela 1984 de Orwell, uma tentativa de impedir que sequer se pensasse de forma dissonante do que previa a doutrina.


Esta dissolução cultural que estabelece parâmetros claros ao pensamento contrabalança muito negativamente o aspecto positivo – para a maioria da comunidade negra, não para os povos indígenas ou remanescentes quilombolas – de ter dado uma língua e identidade comum que os une na luta pela inserção na sociedade brasileira em condições de igualdade. Não deixa de ser significativo que no português do Brasil a palavra “crioulo” que originalmente designava o escravo nascido no Brasil por oposição à maioria que era vinda da África - seja terrivelmente pejorativa em português, o crioulo era aquele negro que já tinha sido reduzido a nada, tinha perdido as raízes. Aqui fecho o longo parênteses para destacar aquele que foi em grande parte o primeiro grande momento da cultura negra autônoma no Brasil e que não foi uma cultura do “negro genérico” criado como sub-cultura marginal da cultura colonial dominante, mas fortemente enraizada nas suas origens africanas: a cultura urbana de Salvador a partir do século XIX. Se hoje Salvador é o grande centro da produção cultural negra é, em grande parte porque só lá surgiram as condições para a preservação de uma parte substancial da cultura original dos diversos povos trazidos nos tumbeiros para erguer o Brasil. Em grande parte isto talvez ajuda a compreender não só como Salvador foi um dos primeiros pólos a rebelar-se contra o racismo como também do início do resgate da identidade e orgulho próprio da comunidade. Ainda que, enquanto exercício, Salvador demonstra também o que poderia ter sido uma cultura afro-brasileira de fato. Há um elemento sociológico e econômico muito relevante nesta diferenciação da cultura de Salvador para a de outras áreas. Em especial uma parte significativa da população negra de Salvador no século XIX era já uma espécie de proto-proletariado urbano ou mesmo uma incipiente pequena burguesia se considerar uma pequena, mas existente, faixa de libertos bem sucedidos

como

artesãos

ou

comerciantes.

Nos curiosos arranjos econômicos que se seguiram à decadência do açúcar e da mineração surgiu em Salvador um tipo novo de escravo, que era o escravo-de-ganho, ancestral sociológico quando não físico, de todas as baianas com seus tabuleiros de acarajé. O escravo-de-ganho era já quase um operário que pagava ao dono uma parte do que ganhava exercendo ofícios diversos, artesanato, transporte de cargas e pessoas, venda de produtos, obras e mesmo ofícios. Em condições essencialmente diferentes das demais populações escravas, os escravosde-ganho tinham condições não só de ter grande liberdade de movimento, sua própria casa, uma vida familiar, de comprar a própria liberdade e sobretudo de organizarse. Havia até mesmo um intenso mercado transatlântico de produtos africanos para atender a este mercado, especialmente com azeite de dendê e inclusive com objetos de culto – o que ajuda a compreender a sobrevivência e florescimento das religiões originais das populações yorubás escravizadas em Salvador: o Candomblé e o Islam, precocemente abortado pela violenta repressão e restrições à importação de escravos muçulmanos após a revolta dos malês em 1835 mas ainda capaz de ter deixado sobreviventes contemporâneos. Há, inclusive relatos de importação de “profissionais especializados” dos dois cultos. É significativo, igualmente, que tenham sido as condições existentes em Salvador que tenham permitido as duas únicas expressões de resistência que podem ser consideradas mais africanas que afro-brasileiras, pois mesmo os quilombos, como destaca Darcy Ribeiro, não eram uma recriação da África no interior do Brasil mas uma tentativa de criar algo novo, já abrasileirado inclusive com a incorporação da adaptação ecológica indígena. Em uma nação parcamente alfabetizada, mesmo em sua “elite” não burocrática, a linguagem escrita era um elemento


importante de dominação ideológica, cultural e política inclusive pelos segmentos burocráticos e comerciais da elite sob o segmento patricial da própria elite. Em uma das passagens que considero mais significativas de Tristes Trópicos, LevyStrauss conta a história de um cacique com a liderança severamente abalada que tomando a caneta e papel dos pesquisadores tenta impor-se à tribo simulando ler e escrever ordens que precisavam ser respeitadas porque sacramentadas por aquela estranha e meio mágica ferramenta da escrita. É neste ponto exatamente que a “mandinga” volta ao texto. Os malês utilizavam relicários feitos com pergaminhos dobrados com textos em árabe, em geral passagens do Alcorão, estavam escritos. Estes relicários eram populares para muito além da comunidade muçulmana em si, tanto no Brasil como na África, onde tais “amuletos” tem sido há séculos e até hoje um dos elementos de propaganda, em especial pelos marabuts – homens santos ligados a ordens sufis – para a difusão pacífica do Islam. Na linguagem popular estes relicários eram chamados de mandingas, pela associação com os povos mandingas. Quero crer, embora não esteja certo sobre as referências, que a associação é mais profunda, visto que ainda hoje na África a barakat do marabut que escreve no pergaminho é um elemento importante até para definir seu valor e aceitação, que a referência aos mandings é em parte uma alusão a antiga islamização e antigas linhagens dos marabuts mandings – herdeira, por sinal, dos azenegues, que partindo da fronteira setentrional da área cultural manding na África haviam interrompido a primeira onda da tentativa de “reconquista” na península ibérica e fundado a dinastia Almorávida – os Marabuts, em árabe. Assim é bem possível que uma referência a origem manding dos relicários fosse um elemento importante de seu valor como

proteção espiritual tanto como o fato de a prece nele inscrita ser vista como dotada de poderes especiais. O medo da linguagem escrita também teve forte papel na repressão brutal contra os Malês após o fracasso da revolta, atribuindo-se a qualquer escrita em árabe como “plano dos conspiradores” e transformado a posse dos mesmos como motivo de prisão e provavelmente de deportação até muito tempo depois da revolta, sem com isto reduzir sua popularidade. Esta popularidade fica clara na sobrevivência do termo mandinga e sua associação com “sortilégio” até hoje, quase dois séculos depois da revolta e quando os últimos remanescentes malês, meio perdidos e quase dissolvidos no restante da população soteropolitana ainda guardam alguns dos relicários originais. Há algo de mágico em uma cultura que é capaz de sobreviver e escapar à dissolução, nenhuma mandinga mais é capaz de resgatar as centenas de identidades culturais negras e indígenas moídas na formação do povo brasileiro e despersonalizadas nos rótulos de negro e índio, não são reconstituíveis salvo como mitos – o que não deixa de ser já algo como pode ser visto na expansão do Islam entre os negros americanos embora lá como aqui só uma pequena parcela da população escravizada era muçulmana na origem. A população afro-brasileira – e brasileira porque a identidade de muito racista branco não sobrevive a um mapeamento genético – deixou de ser bantu, yorubá, fon, haussa, etc, para tornar-se apenas “negra” ao longo do processo da escravidão. As identidades individuais deixaram de ser possíveis de serem separadas, mas não há motivo algum para que neste momento de despertar das consciências busque resgatar o conjunto destas heranças culturais deixadas no fundo dos tumbeiros, nos pelourinhos e senzalas, porque se elas não podem mais ser de ninguém ao mesmo tempo pertencem agora a todos. Q U A R T A - F E I R A , 2 0 A B R I L, 2 0 1 1 - 2 3 : 1 6


João José Reis, Darcy RibeiroDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10772


DIREITOS E DEVERES Serei breve hoje porque está sendo um dia agitado para mim, com muito trabalho, mas não podia faltar a este compromisso que assumi comigo e agora com tantos leitores/amigos que tenho feito através deste meio. Como sempre o tema da segunda é política “Se deixamos de lado todos os grupos que significam sobrevivências do passado não se encontrará entre todos os que representam a época atual um só cuja atitude perante a vida não seja a de crer que tem todos os direitos e nenhum dever” (Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas) A demagogia é a negação da verdadeira política, é a enorme irresponsabilidade de tentar livrar os cidadãos de fazer escolhas. Está na essência da política justamente a necessidade de administrar problemas ilimitados com recursos limitados, tire-se isto cedendo aos canto de sereia do “tudo ao mesmo tempo agora” e se terá um exercício de literatura fantástica, no caso das utopias, ou uma peça de marketing no caso da propaganda política. Poucos, contudo, tem a coragem de dizer que as coisas são difíceis, que para investir no setor X será necessário retirar recursos do setor Y. As campanhas eleitorais listam tanta coisa entre suas prioridades que fica evidente a quem tem ao menos um pouco de bom senso que nada é de fato prioridade. Mas não me agrada dizer coisas óbvias, daquelas que agradam a todos mas demonstram que não fui além do senso comum. É fácil criticar os políticos, falar que temos o direito de não sermos roubados, de nosso dinheiro não ser

utilizado para apagar orgias no lago sul, mas, convenhamos, o Brasil não foi invadido por uma potência estrangeira que colocou títeres no governo. Quem os colocou lá foram os cidadãos e portanto a responsabilidade é unicamente nossa, de mais ninguém. Fomos nós eleitores que votamos com a emoção e não com senso, razão, análise. Fomos nós que pouco nos preocupamos com os parlamentos na hora do voto, que não acompanhamos, às vezes sequer lembramos, em quem votamos, decidimos em função de coisas estranhas à política. Quantos de nós estariam disposto a votar em quem diz a verdade, em quem nos mostra as escolhas que temos de fazer, em quem corresse o risco de enfrentar interesses corporativas e grupos de interesse, em deixar claras as escolhas que tem de fazer? Até quando vamos continuar acreditando que alguém vai resolver os problemas para nós? Até quando vamos acreditar que a solução dos problemas graves do país depende apenas de vontade política e não de escolhas difíceis? Quando vamos aceitar que ser cidadão não é apenas ter direitos, mas também implica em deveres, dos quais um dos principais é escolher aquele que é mais adequado para resolver os problemas concretos do momento? A responsabilidade é tanto nossa, em um sentido abstrato, como de cada um em seu sentido e tarefas concretas. É fácil exigir saúde e educação, mas quantos de nós participam ativamente do conselho da escola com a qual tem vínculos? Quantos tentam organizar a comunidade, defender a formação de conselho de usuários nos órgãos públicos, participar destes conselhos onde existam? Quanto de nós com condições e perfil tem a coragem de aventurar-se nesta senda da vida pública, dar a cara a tapa mas tentando construir algo? Quantos de nós tem o desprendimento de engajar-se na campanha de alguém que acredita, enfrentar as caras feias e os


acomodados? Não adianta ficar ai sentando mandando e repassando emails de revolta ou humor, dizendo que político nenhum presta – afirmação cujo corolário é que também a sociedade não presta porque os elege – ou pregando o voto nulo – suprema abstenção do dever que dá a cômoda sensação de não ser responsável pela situação toda. Se quer ter o direito a um país melhor tem de assumir os seus deveres na construção dele.

SEGUNDA-FEIRA, 29 MAIO, 2006 - 16:39

Comunicação, Pessoal, Educação, Literatura, O futuro, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10021


RAZÕES DO DISCURSO SECULARISTA E IMPERIAL Neste atual período de extrema descrença e materialismo é relativamente natural que acabe por ganhar espaço mesmo no sensocomum a noção de que a religião é um instrumento de dominação da população. O sentimento expresso na frase célebre de Marx - "A religião é o ópio do povo", parafraseada de forma sagaz por Raymond Aron que proclamou que o "marxismo é o ópio dos intelectuais" - é tomada como uma verdade absoluta em meios cada vez mais diversos. É natural que Marx proclamasse isto, afinal jamais poderia de pensar segundo um homem da sua época na qual se glorificava a supremacia da ciência e do governo secular. Praticamente não houve autor contemporâneo a Marx que não compartilhasse da sua mesma visão e o velho filósofo foi, de certa forma, vítima da mesma visão ideológica que tanto condenava. Como já foi dito antes, a opção secularista era uma peça fundamental de justificação ideológica do colonialismo. Embora não utilize o conceito de ideologia, Edward Saïd desmascara de forma minuciosa o discurso orientalista do período no qual este secularismo era peça fundamental. Na Idade Moderna a Europa legitimava sua agressão ao resto do mundo a partir do "alargamento" das fronteiras da cristandade, pelo desejo misericordioso e humanitário de levar às nações "bárbaras" o conhecimento da palavra de Deus. A segunda onda colonial, posterior à Revolução Industrial, irá se legitimar pelo

alargamento das fronteiras da Razão e da Ciência, pelo desejo tão misericordioso e humanitário de libertar os "povos primitivos" das suas superstições, crendices e estruturas sociais antiquadas e arcaicas. A nova onda colonial, auto-entitulada globalização, tenta se legitimar não só pelos motivos anteriores, mas também pelo desejo igualmente misericordioso e humanitário, de libertar o mundo das estreitas limitações das suas economias primitivas, libertar o homem do terceiro mundo das suas instituições políticas conservadoras e de seus valores comunitários ultrapassados. Marx, involuntariamente, acaba por ser uma peça deste processo de legitimação da aventura colonial tanto como Bartolomeu de Las Casas involuntariamente acaba por legitimar a escravidão negra ao tentar evitar a escravização do indígena. Por mais que Marx tenha auto-proclamado seu conhecimento livre da ideologia - o que permitiu aos intelectuais marxistas um alto grau de panfletarismo nos textos que deviam ser acadêmicos - fica claro que também ele era "contaminado" - e muito pela ideologia do seu tempo. Saïd é brilhante em seu já citado estudo sobre o Orientalismo (Companhia das Letras, 1990, 370 páginas) porém ele utiliza um referencial teórico baseado na noção de Discurso de Foucault que privilegia esta distorção orientalista mais como uma coerção - tanto criadora como inibidora que considera o discurso orientalista como o único possível. Parece evidente, contudo, que para além deste poder coercitivo do discurso existe uma noção ideológico fortemente implantada através de todas as instituições que se refletem numa forma particular de ver o mundo do qual o ocidental não poderia se furtar porque não tem consciência dela. Ao contrário de Marx, parte-se neste artigo do pressuposto que não é o imperialismo


econômico que exige um discurso legitimador - embora este exista em um momento posterior de interação entre as ideias e as relações sociais, econômicas e políticas. Defende-se aqui, num raciocínio similiar ao de Weber em "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" e "Psicologia Social das Religiões Mundiais", que a mentalidade "ocidental" impulsiona a opção imperialista e, encontrando ambiente propício, passa a se expandir e acaba sendo consolidada como uma doutrina. O raciocínio parece inusitado, mas examinese as mais diversas culturas do mundo e se verá em todas elas um forte componente etnocêntrico. Jamais houve uma cultura que não se considerasse o centro do universo e a "raça" mais importante. No ocidente esta noção evoluiu ao longo dos séculos para uma visão que disfarça em graus e matizes diferenciados o conhecimento eurocêntrico em universal, com todas as consequências políticas, sociais e econômicas deste fato. A "Globalização" é apenas um momento extremo deste processo de racionalização do etnocentrismo. Em essência não é um mecanismo distinto do que faz os esquimós se chamarem de "inuits"(homens) e atribuírem a outros nomes pejorativos; processo similar ao encontrado em qualquer outra cultura. É evidente que esta visão de mundo que considera as instituições ocidentais como superiores - mais racionais, mais científicas, mais sagradas, mais verdadeiras ou coisa do tipo - é um excelente discurso para racionalizar a dominação - em especial quando absorvido e aceito pelos dominados - porém é preciso ver que este discurso préexiste aos impérios. Ou seja, o fato deles se expandirem no vácuo de uma expansão imperial, na qual ele se torna importante, ele não depende de uma expansão imperial para existir. Como já foi dito, ele está presente em todas as culturas em conceito e está profundamente enraizado na cultura ocidental, a ponto de já

ser contestado por alguns sofistas que começam a criticar o discurso racista grego. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:50

Pessoal, Poesia, Arte, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião Edward Saïd, Raymond Aron, Marx,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/42


CAQUINHO DE ESPELHO “Os caminhos para Deus são tantos quantos são os corações dos homens” (dito sufi) Gosto muito de uma imagem do poeta persa Attar segundo a qual Deus é um espelho que se quebrou em muitos pedaços e cada um ao pegar um caquinho e se olhar diz: “este é Deus”. Um dos muitos significados desta expressão tão repleta dos mais variados sentidos que toda vez que lembro dela me ocorre um novo é que a experiência do buscador é sempre solitária. Há sem dúvida a necessidade de um mestre não tanto que oriente, mas que através da sua benção nos ensine a “esvaziar a taça”, a nos transformar na tábula rasa onde a sabedoria pode ser escrita. Engraçado como o silêncio é uma forma de ensinamento essencial em todas as tradições. Assim, pelo silêncio, ensinam as lições mais relevantes os sheikhs sufis, os mestres do Tao, os sábios do zen (lembrei-me do símbolo zen do mestre rasgando os livros), os sad-gurus do Vedanta Advaíta. A música que muitas vezes está presente só reforça o silêncio, afinal por não ter forma ela ajuda a nos desligar das formas. Curioso que o que mais tive na vida de próximo de um mestre foi um professor ateu na Universidade. Ele me ensinou aquilo que livro algum poderia me ensinar, o quanto eu não sabia e como meu conhecimento, minha compreensão do mundo era falsa, lição que carrego até hoje, embora nem sempre tenha a sabedoria de lembrar-me dela. Falo dele, não só por questões sentimentais, mas também porque em seu ateísmo até militante havia uma devoção a um Ideal Elevado, que era o Conhecimento.

E é aqui que me detenho para falar deste caquinho de espelho do Altíssimo que sou. É nesta idéia de um ideal elevado que tento encontrar Deus tanto em mim como nos outros e nas suas ações. Aonde há esta procura de servir e dedicar-se, sem espera de recompensa ou temor do castigo, a este valor ali sempre se pode encontrar a presença de Deus – ao menos segundo a opinião deste caquinho aqui. Sintomático que esta questão de libertarse dos desejos e temores apareça em todas as tradições. Aparece em Santa Teresa d'Avila e São João da Cruz pedindo que Deus lhe feche as portas se ela procurá-lo por outro motivo que não o amor a Ele, aparece nos belos poemas de R'abia pedindo para ser atirada no Inferno se ama-lO por temor a ele, aparece na ênfase em libertar-se da ação dos hindus, enfim é uma fortíssima convergência de muitas tradições e – mais uma vez na minha modesta opinião – toda convergência aponta para o centro, para as camadas mais profundas nas quais o essencial está mais visível. Novamente sou obrigado a repetir o que disse ontem, que a questão fundamental está na sinceridade, naquela sinceridade mais profunda que reside no coração. Schuon destacando a diferença entre as diversas formas religiosas consideradas pagãs e as ondas de neo-paganismo dizia que nos primeiros havia a pureza de intenção de adorar ao princípio elevado nos ídolos, enquanto no segundo há apenas o desejo de se obter algo. Vale lembrar, sempre, que Schuon viveu a maior parte do tempo entre os nativos americanos e em contato com xamãs desta tradição, a grande maioria de suas pinturas, por sinal, referem-se a esta tradição. A cada vez que vejo uma disputa religiosa lembro-me de uma tradição islâmica. Moisés pergunta a um pequeno pastor o que ele está fazendo e ele diz que está construindo um abrigo no deserto para Deus, para protegê-lO do sol, do frio e dos animais selvagens. Moisés


desanca o garoto dizendo que Deus não tem frio, nem calor e nem temeria os animais selvagens e o garoto vai embora chorando. Deus então adverte Moisés sobre ter afastado dEle uma pessoa que na sua maneira tentava agradá-lO. Penso que a cada vez que atacamos a fé de alguém agimos como Moisés. Certamente há momentos nos quais há necessidade de enfrentar a hipocrisia e a simonia, como o próprio Jesus fez, mas é sempre uma guerra que deve ser travada sem ódio, não para condenar, mas para tentar fazer com que as pessoas encontrem seus motivos e neles percebam o erro. Nada sabemos sobre os caminhos que os outros trilham, nem sobre as engrenagens deste camelo cego que é o destino, então acho que cada um faria melhor esforçando-se por, como os mestres tradicionais, iluminar com o silêncio do seu exemplo. Evidente que esta é uma meta muito elevada para mim, mas conseguir vislumbrá-la, ao menos, como objetivo tão distante parece de alguma forma ser algo positivo.

TERÇA-FEIRA, 26 SETE MBRO, 2006 - 15:39

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10135


LIVROS DE INSÔNIA Já citei inúmeras vezes aqui a frase de Borges segundo a qual mais do que escolas, ele foi educado por uma biblioteca. Há um outro aspecto desta frase, contudo, que eu não explorei. A leitura é geralmente vista como uma atividade de lazer, um modo agradável de passar o tempo, um meio para se conhecer o mundo numa viagem onírica (ainda que seja pelo sonho dos outros). Mas reduzir a leitura, em especial de bons livros - cada vez mais raros - a simples hobby é não ser dotado da real capacidade de leitura. Ler é algo mais do que esta tarefa prosaica a qual se pode dedicar algumas horas vagas. Já houve quem tenha descrito o ofício de escritor como uma maldição que impele o indivíduo a escrever, pouco se importando até mesmo se alguém vai ler, escreve porque para o verdadeiro escritor escrever é igual viver, ele é incapaz de conceber a vida sem escrever, assim como não a concebe sem respirar. Contudo faltou dizer que igualmente a leitura pode ocupar este espaço junto àqueles que ao gosto pelas letras não se seguiu a inspiração para escrever, há também o leitor compulsivo. Cervantes já disse que lia até os papéis rasgados das ruas. Nem sempre se entende o papel dialético da leitura, a imaginamos como uma relação unilateral na qual lemos um livro e por alguns instantes saboreamos o prazer daquela leitura, envolvemo-nos emocionalmente com os personagens e depois retomamos a nossa lida diária, no máximo guardando alguma frase mais trabalhada para ostentá-la em alguma conversa na qual queiramos passar por cultos e espirituosos.

Claro que não é este o verdadeiro processo. Não somos mais os mesmos ao terminar de ler um livro - em especial os bons, ressalvo novamente - porque certamente ele alterará algo em nós, estabeleceremos relações entre o livro e a nossa vida, entre aquele livro e outros, entre o autor e nós. Mais do que isto, o livro tem o poder de inserir, quem sabe inocular, em nossa mente algumas ideias. A ideia de inoculação me parece mais apropriada, porque indica precisamente que algo que sai do livro entra em nossa mente e provoca reações - se são favoráveis ou desfavoráveis é irrelevante - interage com as ideias que já estão lá, luta com elas e deste processo surgem ideias novas que são como anticorpos, prontos a reagir interativamente - com novas ideias que outros livros - ou o mesmo - levarem a nossa mente. Também o livro se altera, porque embora sejamos incapazes de mudar uma única letra nele impresso, ele já não é mais o mesmo quando o relemos - "O importante é reler, não ler", já frisa um personagem de Borges não só porque reparamos em coisas que passaram desapercebidas na primeira vez, ou só porque a lembrança que nos ficou da primeira leitura interage com a da releitura, mas fundamentalmente porque cada livro fala a nós de acordo com o que pretendemos ouvir. Chamo ao tipo de livro que gosto de ler de "livros de insônia" porque as ideias que eles trazem dentro deles provocam daquelas agradáveis tempestades mentais, remexendo até mesmo nos cantos mais escondidos da mente, convulsionando a memória com o resgate de tantas outras ideias, provocando a gênese de mais e mais ideias, enfim livros cuja dialética alteração da mente é claramente perceptível - como disse antes todos os livros provocam esta reação, mas não em todos ela é perceptível.


Três autores em particular me causam este efeito com relativa constância, Swift com sua sátira ácida, Borges com seu assombro, Lobato com seus raciocínios inusitados e até incoerentes. Mas há tantos outros que em grande parte das vezes provoca aquele desejo irresistível de se terminar de uma vez a leitura devorando com avidez cada página, incontáveis noites passei em claro porque não conseguia desgrudar de livros de autores tão diferentes como Asimov ou Voltaire, Shakespeare ou Huxley, Attar ou Flaubert. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:22

Pessoal, Poesia, Literatura, O futuro Monteiro Lobato, Swift, Miguel de Cervantes Saavedra, Aldous Huxley, Shakespeare, Jorge Luis Borge, Farid ud-din Attar, Voltaire, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/15


CENÁRIOS DANTESCOS "Aqui é mister deixar toda suspeita, dar por morta toda tibieza" (Dante, Divina Comédia) Contam-se nos dedos livros que tiveram tanta importância na História da humanidade quanto a Divina Comédia de Dante, obra prima que marca a passagem de uma época à outra, de um modo de ver o mundo a outro. Muitos já observaram que, como todos os grandes livros, a Divina Comédia tem camadas sucessivas que permitem as mais diversas interpretações. Borges afirmou que alguns comentadores viram três camadas no texto de Dante, outros sete, mas que provavelmente elas são infinitas. Quem trilha a senda mística verá símbolos usuais de que se trata de algo mais que um livro escrito ao acaso, detectará lá um mapa do caminho à Unidade. Ironizando alguns destes símbolos Borges diz no Livro dos Seres Imaginários, citando Stevenson, comenta a respeito de alguns dos seres descritos no Paraíso: "se há tais coisas no céu o que não haveria no Inferno". Curiosamente o Inferno de Dante sempre foi a parte mais comentada da Divina Comédia, talvez porque se encaixe melhor na definição estanque que se tem da Renascença como uma redescoberta dos valores clássicos. O inferno é certamente tributário da Eneida e não é por outro motivo que é Virgílio que guia o autor na visita aos círculos infernais. Também é uma vingança pessoal de Dante que lá colocou pela eternidade seus desafetos numa pequena vingança, talvez mesquinha mas não incomum aos homens de gênio. Isto até causa a impressão que talvez a Divina Comédia tenha sido uma obra que

escapou ao controle do autor, tal como o Quixote de Cervantes suplantou a intenção do autor como comentei há alguns dias, talvez de algum propósito menor a Comédia tenha conseguido se impor ao espírito de Dante. Isto explicaria, por exemplo, a enorme disparidade entre o Inferno/Purgatório e o Paraíso. Há algo que escapou a todos os comentadores - ou ao menos aos que eu já li ou ouvi falar - que tentam estabelecer um vínculo entre Inferno/Renascença e Paraíso/Idade Média. Dante narra uma jornada que começa no Inferno e termina no Paraíso e não o inverso. Note-se bem que ele também esforça-se para descrever a sua própria elevação espiritual neste trajeto, portanto me parece evidente que a leitura tradicional de Dante carrega um equívoco de preconceito que idealiza a Renascença e demoniza a mentalidade medieval. Mas há outros motivos pelos quais esta visão não se sustenta. Longe se ser uma visão "canônica" do Paraíso a obra de Dante é um tanto quanto "herética", como destacou em artigo célebre Cantor (http://www.press.jhu.edu/demo/philosop hy_and_literature/20.1cantor.html). O simbolismo místico é evidente e se as origens do Inferno são encontradas na Eneida e base do Paraíso encontra-se em textos místicos muçulmanos que relatam a viagem de Mohammad ao Paraíso, como já foi exaustivamente demonstrado pelo trabalho de Miguel Asin Palacios e outros que seguiram seus passos. Há mesmo, como destacou Palacios na "La escatología musulmana en la Divina Comedia" - do qual infelizmente só pude ler trechos mas que foram suficientes para me demonstrar que não se tratou apenas de uma inspiração, mas em muitos casos de uma transcrição quase literal. Compare-se, por exemplo, o LIBER SCALAE MAHOMETI, tradução latina de textos árabes e persas de místicos muçulmanos -


que já circulavam pela Europa dois séculos antes de Dante, com trechos do Paraíso para se encontrar os mesmos símbolos e metáforas. E não raro os mesmos seres. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:12

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura Miguel de Cervantes Saavedra, Jorge Luis Borge,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10


POLÍTICA E POESIA: LINGUAGENS OPOSTAS Em vários posts anteriores mencionei o fato de julgar que a poesia e a política pertencem a linguagens distintas, portanto qualquer mistura de ambos não me agrada. Evidente que cada um tem o direito de gostar daquilo que quiser, mas me senti na necessidade de justificar esta posição tendo em vista alguns comentários que recebi. É evidente que há uma enorme diferença com a litaratura em prosa, na ual não só o processo racional é uma parte importante da linguagem em si como também é possível separar e distinguir a qualidade do trabalho em si das preocupações políticas do autor, como tentei fazer ontem com Maalouf. A meta da política, ao menos da verdadeira, é o convencer, enquanto a da poesia é impressionar. Uma poesia não pode ser feita com argumentos, sob o risco de na melhor das hipóteses ser muito medíocre – como a minha, digo de passagem, que é apenas um exercício de linguagem. Em paralelo o discurso político não pode ser feito de impressões e sentimentos, sob o risco de na melhor das hipóteses ser este oposto da política que é a demagogia. É evidente, como disse Orwell, que escrever é sempre um ato político, mesmo quando parece não ser e ainda mais quando nega que seja. Mas é preciso distinguir aqui uma série de coisas. A primeira é que uma poesia não pode ser julgada pela nobreza dos temas pelos quais ela fala tanto como por qualquer outro fator externo a ela própria, a segunda que é próprio da linguagem da poesia que a avaliação se dê sobre o olhar do autor sobre o objeto, não sobre o objeto em si, tampouco sobre as motivações não estéticas ou emotivas vinculadas a este olhar.

Não é, assim, por falar das pobres crianças carentes, da libertação dos escravos, dos direitos da mulher, das belezas do amor ou de qualquer outro tema por mais relevante que possa ser que uma tentativa de poema deixa de ser medíocre. Há, por sinal, uma enorme chance de que ele seja infeliz na medida em que tente ser didático, porque, como disse acima, a função da poesia é impressionar, não ensinar, processo que está diretamente ligado – ou deveria estar – ao processo racional. Traço um paralelo entre a poesia política e aquela que é uma das grandes matrizes de toda poesia moderna, a poesia mística. No caso da última, embora não deixe de ter um certo caráter que poderia ser rotulado de “didático”, a meta é justamente ser capaz de contornar os processos mentais, falar muito além dos nossos sentidos, dizer coisas que não podem ser compreendidas com a nossa razão e os nossos valores, visto que tem a intenção de pertencer a um outro mundo diverso do nosso. Há aqui uma perfeita identidade de métodos e linguagem porque o que se tenta dizer pertence, ou ao menos tenta pertencer, ao mesmo universo de sensações daquilo que é dito. Já no campo da política ambos não apenas não pertence ao mesmo conjunto simbólico, como pertence a opostos. É evidente que há uma dose de paixão, uma forte carga emotiva que faz alguém dedicar-se a política, enfrentar dificuldades, lutar pelos seus ideais, morrer e até matar por eles. Mas no universo da verdadeira política não há espaço para a emoção enquanto linguagem, até porque uma discussão verdadeiramente política, e dentre as múltiplas definições de política a disposição eu escolheria aquela que diz que é o processo de tomada de decisão sobre assuntos públicos baseada estritamente na persuasão, só pode ser travada quando as partes que debatem estabelecem a razão como linguagem e a persuasão como método. Se duas pessoas tem posições distintas mas não estão dispostas a debater até as diferenças até que ambos estejam convencidos da verdade não se tem um verdadeiro consenso. Quando há uma negociação na qual a única coisa que se leva


em conta é a força de cada lado não se tem um verdadeiro consenso, se tem apenas um ponto de equilíbrio instável, sujeito ás variações e acasos dos momentos. No meu entendimento isto não é política, tanto como não é política todas estas campanhas eleitorais cuja intenção é causar uma imagem favorável do candidato, ao invés de debater a sério e demonstrar que ele é a pessoa mais qualificada para exercer determinada função. Assim me parece curioso, mas facilmente explicável, que a “poesia política”que me parece aceitável é justamente aquela que não é engajada, que não tem a intenção de defender esta ou aquela idéia, que não corre o risco de tornar-se um santinho distribuído na boca de urna. Enfim uma poesia que sem deixar de ser poesia – portanto sem a preocupação de convencer e argumentar – é capaz de falar sobre as convicções políticas, denunciar fatos, descobrir vocações políticas utilizando a linguagem da poesia, ou seja, falando diretamente ao espírito sem ter de passar pelos sentidos. Não tenho conhecimento para avaliar, mas julgo que raciocínio similar é válido também para as artes plásticas.

QUINTA-FEIRA, 18 MAIO, 2006 - 14:10

Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10014


DEMÔNIOS DO PASSADO E DO FUTURO TERÇA-FEIRA, 17 OUTUBRO, 2006 - 17:28

Pessoal, Arte, Literatura, O futuro, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10148


BUSCAR O EVIDENTE SEGUNDA-FEIRA, 9 OUTUBRO, 2006 17:11

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Teatro, Literatura, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10143


EQUILÍBRIO "Notável a escassez de acontecimentos ou crises existentes nas nossas histórias; pouco exercitados de espírito temos sido nós; quão poucas são as experiências que temos amassado. Gostaria de assegurar-me que me desenvolvo a olhos vistos e pujantemente, embora o meu próprio desenvolvimento perturbe essa frouxa equanimidade — embora seja com luta através de noites longas, sombrias e sufocantes, ou zonas de sombras. Bom seria se todas as nossas vidas fossem até uma tragédia divina, em vez dessa comédia ou farsa trivial.” (Thoreau, Andar a pé) Equilíbrio é palavra que anda fácil pelas bocas, quem é que pode ser contra o equilíbrio? Mas ao mesmo tempo o que é o equilíbrio? Com certeza não é aquele morno que enojava Jesus, desconfio que nem mesmo é a Áurea Mediocridade de Aristóteles. Um pouco continuando a toada de ontem tenho de dizer que equilíbrio não é ausência de conflito, para que exista equilíbrio é necessário que ao menos duas forças de sentido diverso estejam em disputa. Diria que é quase um conceito geométrico envolvendo vetores e bissetrizes, tal como vejo o conceito e como parece deixar claro sua própria etimologia. Os santos - aqueles que segundo as tradições judaicas, cristãs, muçulmanas, hinduístas, budistas e demais que emanam do centro justificam a existência do mundo – não precisam de equilíbrio e nem podem tê-los pois só há neles uma vontade já que o ego ali foi aniquilado. O equilíbrio só pode ser um dilema para nós das demais castas – e esta não é uma questão de status, basta lembrar que no Baghavad-Gita Krishna encarna como um

xátria, um guerreiro, não como um brâmane de casta hierarquicamente superior porque seu papel requeria a luta para restaurar o equilíbrio, enfim, não era tarefa pra santo. Eu, particularmente, sinto enorme dificuldade em atingir o equilíbrio, convivem forças de vetores muito opostas dentro do meu cotidiano. Um espírito sereno, precavido e cerebral tem de discutir em tumultuada assembleia com uma alma irrequieta, voluntarista, ansiosa, intuitiva; ou vice-versa, quem pode saber. Com a coragem de um ou a calma de outro desconfio que poderia ir a qualquer lugar. A dificuldade é conseguir fazer o outro seguir seus planos intricados e detalhadamente traçados ou o outro ser capaz de saltar como pantera sobre as oportunidades do “momentum”. Eles só tem em comum este gosto pelo trágico, sempre tendendo ao tragicômico, a transformar em grandes dilemas dignos de batalhas e/ou debates infindáveis, tendendo ao bizantinismo. Curioso que este processo todo não me faz sentir dissociado, ao contrário me faz sentir com muita clareza minha unidade, muito mais do que nos momentos que me fecho no silêncio e nos sonhos campestres, quase bucólicos. Fossem eles menos trágicos e era até capaz de eu achar o equilíbrio é isto. QUARTA-FEIRA, 17 MARÇO, 2010 - 22:34

Filosofia e cia DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10756


DIA DOS NAMORADOS S E G U N D A - F E I R A , 1 2 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 8 : 2 0

Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10032


A VERDADE SE DEFENDE SEGUNDA-FEIRA, 6 NOVEMBRO, 2006 14:37

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10157


A ÚLTIMA E MAIS CONCRETA MURALHA A ciência nos ensina que a natureza evolui do simples ao complexo e por isto há no senso-comum a noção de que tudo é assim. Nas artes e na literatura em geral os efeitos deste pensamento equivocado é catastrófico. Contrário ao conselho de Mario Quintana que devemos primeiro ser artesãos e, só com a mestria que o tempo e a experiência dão, tornarmos-nos artistas, hoje todos querem iniciar no topo. As condições de ignorância generalizada e desprezo (preguiça) pelo passado, somado ao câncer do talento que é a vaidade, tornam muito propício a generalização de obras que escondem sua incompetência e insensibilidade atrás de um pretenso hermetismo. Borges, a quem a fama de hermético demonstra que é muito mais citado do que lido, esforçou-se ao máximo para simplificar seu texto. Nele o absurdo e o assombroso, as ideias metafísicas mais estapafúrdias estão descritos de forma transparente. Diria alguém que falando de coisas tão fantásticas seria possível suprimir o assombro da forma porque há o suficiente no conteúdo, o que talvez seja uma crítica pertinente, mas que não invalida o esforço do autor para tentar cumprir a máxima de Victor Hugo de sermos inteligíveis para mostrarmos que somos inteligentes. Superar este tendência a se mostrar e ostentar uma pretensa superioridade é um desafio a qualquer escritor. O barroquismo que Borges menciona pode ser notado em qualquer um ao qual o talento ou não existe ou ainda é superado pela vil vaidade. Ele denota, sobretudo, aquele que ainda não se

libertou da masmorra da opinião dos outros, que é ainda escravo porque não escreve para si, mas para os outros. Isto seria tolerável se fosse apenas um mal de escritores e artistas, mas é algo comum a todos. Vive-se para os outros, age-se de forma a agradar - ou desagradar, o que no fundo é a mesma coisa - o nosso meio. E se faz isso porque não se é livre, livre não dos outros, mas de nós mesmos, somos os nossos próprios feitores. Vive-se o medo das nossas fraquezas e sentimentos e é para enfrentá-las, encarcerá-las que se cria um outro eu que tenta ocultar do mundo a verdadeira face. Borges por diversas vezes brincou com este outro eu que se comportava como um personagem e transformava as coisas importantes para Borges-de-verdade em brinquedos da vaidade do Borges-o-outro. Fernando Pessoa foi capaz de sintetizar esta necessidade do eu-vitorioso no "Poema em linha reta", aonde seu heterônimo Álvaro de Campos questiona: "Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo". Tentamos ser semi-deuses e heróis quando seria bastante que fossemos humanos. Romper a muralha criada por este outro eu, que nos quer sempre fortes, belos e sábios é certamente o mais elevado passo que se pode dar em relação à própria liberdade. Mas este umbral Não pode ser transposto pela razão, como já disse em artigo anterior Virgílio não podia guiar Dante além do Paraíso Terrestre, para chegar ao fim da jornada o poeta precisou que Beatriz lhe mostrasse o caminho até a luz. Há me todos um conflito entre o nosso eu verdadeiro e aquele que criamos para nós, raras vezes o primeiro consegue ser vitorioso, e mesmo quando ele obtém a rara vitória em geral somos velhos demais para colher os frutos desta libertação. Alguns buscam esta alforria no persistente abandono da sociedade, na tentativa


sucessiva de irritar seus carcereiros, mas ao fazer isto só conseguem aumentar o peso dos grilhões que tem no pé porque a favor ou contra continuam a ter os outros como referencial. Borges foi capaz de obter esta liberdade e por isto sua obra é sincera. Paradoxalmente obteve maior sucesso por isto porque a multidão de escravos admira o homem livre porque sabe que ele já não pode mais ser destruído. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:40

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Religião Jorge Luis Borge, Fernando Pessoa,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/30


TALENTO E TÉCNICA Uma das histórias do Mullah Nasrudin conta que um grupo de garotos o procura para dividir entre eles um monte de nozes. O mullah pergunta se eles desejam que ele faça a divisão segundo as leis de Deus ou dos homens. Como eles respondem que desejam que a repartição seja feita segundo as leis de Deus, Nasrudin dá a um monte de nozes, a outro uma, a outro nenhuma e segue assim distribuindo de forma arbitrária. Esta história veio a memória na continuação da reflexão iniciada em post anterior sobre inspiração e técnica, talento e esforço – pares similares mas não idênticos – na questão do processo criativo. Há um paradoxo curioso nestes pares, ainda mais quando se pensa em outro par – arte de elite ou arte democrática – cuja importância é crucial no pensamento estético contemporâneo. Se a importância do talento e da inspiração são a essência do processo criativo então a produção da arte e da literatura estarão confinados a um pequeno grupo de pessoas abençoadas com um dom. Por outro lado se a técnica e o esforço podem igualar ou superar a inspiração e o talento então a produção da arte pode ser acessível a quem tiver os meios de adquirir este conhecimento técnico. O paradoxo começa a revelar-se quando se vê uma distribuição desigual do acesso aos recursos técnicos faz a visão pretensamente “democrática” segundo a qual qualquer um pode ser artista transformar-se na verdade em uma prática elitista – no sentido deteriorado do termo elite – pois acessível apenas a um pequeno grupo. Prática esta reforçada por certa noção de “vanguarda” no qual se reforçam a importância dos

elementos técnicos para assegurar que não só o exercício da arte e da literatura mas mesmo a sua fruição seja acessível apenas aos iniciados e “imune” à critica do público comum, como mil herdeiros sendo incensado pelas bobagens que produzem podem demonstrar enquanto exemplo. Ao mesmo tempo, na outra ponta do paradoxo, uma visão “elitista” - no sentido exato do termo referindo-se aqueles abençoados com dons – da produção de arte e literatura na qual o talento natural e a inspiração tem um papel essencial e primordial – e a técnica é apenas o complemento que aprimora habilidades naturais/espirituais – significa que este talento não escolhe berço para nascer. Em comparação com os “herdeiros” mencionados acima não é difícil observar muita mais genialidade – em especial aquela genialidade criadora capaz de romper paradigmas e inaugurar novos parâmetros estéticos - em indivíduos que não venham das classes dominantes de sua época. Chega a ser quase raro e delimitado a algumas áreas os pontos de intersecção entre estas aristocracias do espírito e as aristocracias políticas e econômicas. O paradoxo torna-se mais intrincado pelo fato da obra produzida pela inspiração em geral ser genial a ponto de poder ser apreciada por amplos segmentos, enquanto aquela produzida pela técnica requerer a visão de expert para ser fruída. Em certo sentido parece ser claro que frente ao maior desafio do debate estético contemporâneo – a democratização do acesso à cultura às massas – a postura da chamada “arte de vanguarda” é essencialmente conservador a beira do reacionarismo, buscando preservar uma alta cultura codificada – e que teria valor só pela codificação – afastando as massas da sua fruição. Partindo de uma perspectiva conservadora Ortega y Gasset aponta na arte contemporânea uma distinção sociológica entre ela e tudo que foi feito anteriormente.


A divisão do público que ocorre em relação a esta arte contemporânea, na visão dele, não é a mesma que havia existido até então, mesmo nos momentos de transição – quando uma novo padrão emergia e as sensibilidades estéticas sentiam atração ou aversão pelo novo padrão – mas sim a distinção passa a ser entre os que a entendem e os que não a entendem. Mesmo o legado marxista na Escola de Frankfurt não consegue escapar a esta visão “aristocrática” da fruição das obras de arte – exceto, talvez, por Benjamin – com sua radical separação entre a arte e a indústria cultural e uma visão que no fundo leva à conclusão que as massas não serão capazes de compreender toda a aura da arte. Também sob influência marxista mas com uma visão menos “conservadora” da arte Hauser segue no caminho contrário: "O problema não consiste em confinar a arte ao horizonte atual das grandes massas, mas em ampliar o horizonte das massas tanto quanto possível. O caminho para uma apreciação autêntica da arte passa pela educação" ( Hauser, História Social da Literatura e da Arte) Hauser faz uma diferenciação essencial para a solução de parte dos paradoxos na medida em que separa a produção da fruição da arte e da literatura. Com a mais absoluta certeza grandes partes da “massa” pode alcançar o nível médio que lhes permita apreciar a produção cultural, ainda que até por definição não é qualquer um que pode tornar-se artista, visto que não seria um produto do esforço ou aprendizado em sua essência. Mas a própria elevação no nível médio da “massa” pela educação permitirá que muitos talentos naturais desperdiçados possam encontrar sua vocação e destino com mais facilidade. Todas estas contradições são mais evidentes no cinema, arte surgida já contemporânea, integradora das demais artes, industrial e coletiva na sua natureza, passo decisivo no que Hauser chama de “democratização da

arte” - e na qual ele vê uma tendência essencial e definidora. É significativo que seja nesta arte de caráter tão paradoxal e ambivalente que se travem as maiores disputas entre vanguarda e massa com movimentos nos quais as duas linhas se enlacem e imbriquem. Assim é curioso, por exemplo, o fato de muito da linguagem própria e inovadora no cinema cultivado pela vanguarda tenha vindo, via Eisentein e Chaplin, do que foi feito pensando-se no cinema como veículo para as massas. Como leigo eu sou totalmente incapaz de julgar uma obra cinematográfica em sua totalidade e pela sua linguagem, no máximo sou capaz de avaliar aquela parte dela que me é familiar que é a história contada. Imagino que deva ser uma parte bem pequena da linguagem pela repugnância que certos aclamados filmes de arte me provocam e pela imensa satisfação que vários filmes comerciais destinados à massa me provocam. SEGUNDA-FEIRA, 21 FEVEREIRO, 2011 14:45

Comunicação, Arte, Literatura, Cinema, Política Arnold Hauser, Ortega y Gasset,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10767


A INVASÃO Muitos ainda lembravam-se daquele dia trágico no qual as naves alienígenas chegaram. Ainda hoje os que tinham tentado negociar com os invasores - e portanto retardado a resistência - sofriam o desprezo generalizado, só superado pelo ódio aos colaboracionistas que apressaramse a fazer o "trabalho sujo" do governo estrangeiro. Foram anos duros no qual as cidades eram destruídas, a pilhagem era rotineira e a morte já não chocava mais porque tinha sido incorporada ao cotidiano. Uma escravidão geral rompeu com as velhas diferenças. Já não havia partidos, classes ou nações, apenas uma multidão humilhada de miseráveis para os quais sobreviver talvez não fosse uma vantagem. Junto com os invasores veio a doença, a destruição do velho modo de vida que levou de roldão as ideias que os conquistados faziam de si mesmo, seus sonhos de grandeza, sua auto-estima. Pior que a escravidão do corpo é a escravidão das mentes de quem enxerga que não é possível resistir e já não existem opções senão obedecer. Os mais sábios dentre os invadidos sentia-se ignorante frente à supremacia dos invasores, suas armas, seus equipamentos. Muitos acabavam por acreditar-se realmente inferiores, afinal uma espécie capaz de tamanhos avanços deveria também estar certa quanto à sua certeza de superioridade sobre os infelizes habitantes daquela nação destruída. Havia algo nos invasores que parecia confirmar esta superioridade. Entre eles não havia velhos ou doentes, por toda parte só viam os fortes invasores em posturas na qual seu domínio transparecia aos olhos de todos os invadidos. Os poucos que tinham visitado as terras de origem dos senhores garantiam que lá existiam velhos, doentes e fracos, mas suas declarações nunca foram levadas a

sério não só pela fama de exagerados mentirosos dos viajantes, mas também porque ela contradizia as evidências. Os senhores deixavam claro sua intenção de varrer todos os sinais do velho mundo. As velhas línguas foram banidas e todos tiveram de aprender a pronunciar os incompreensíveis sons da língua dos senhores. Sua dificuldade em falar, seu indefectível sotaque ao pronunciar aqueles sons servia também para que se sentissem inferiores. Também os deuses e seus sacerdotes foram varridos do mapa e substituídos pelas divindades e sacerdotes dos invasores. Um destino terrível, asseguravam os invasores, se seguiria à morte para aqueles que não louvassem suas divindades, as únicas divindades verdadeiras, asseguravam. Alguns tentaram ver semelhanças entre os velhos deuses destituídos e os novos impostos pelos invasores. Mas o plano dos invasores de destruir tudo o que lembrasse o velho mundo não se permitia estas semelhanças, até porque isto não só diminuía a importância do que diziam ser uma "libertação" daquelas almas escravas, mas também porque implicava em algum mérito entre os escravos, alguma possibilidade de identidade entre eles. Quando a derrota se tornou evidente e o ânimo da resistência arrefeceu a construção daquele novo mundo começou. Tinha-se a impressão que muito pouco sobraria naquela terra tantas eram as naves que partiam carregadas rumo à nação dos colonizadores. Mas nem a humilhação dos derrotados, nem seus pesados grilhões de escravo, nem as cinzas de seu velho mundo, nem as naves abarrotadas com as riquezas dos conquistados diminuíram a violência dos senhores. Condenados ao massacre como escravos ou como guerreiros muitos preferiram a morte rápida na guerra à morte cotidiana da escravidão. Mas o poder do inimigo, sua tecnologia, sua crueldade, sua determinação de escravizar foram mais fortes e não houve rebelião que não


terminasse com o campo banhado no sangue dos rebeldes. Um dia, acreditavam os mais velhos e os mais jovens, os invasores redescobririam seu velho mundo e sua dignidade. Um dia teriam como lutar com as estranhas máquinas dos invasores. Naquele dia, hoje um mero sonho, nasceria um novo mundo porque o velho já não fazia mais sentido depois da invasão - no qual os invasores seriam mandados de volta a sua origem, fosse ela qual fosse. Desta esperança, deste sonho, se alimentavam os famintos. - Malditos humanos - diziam os invasores, enquanto esperavam. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:30

Pessoal, Arte, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/23


A BELEZA NOS UNE S E X T A - F E I R A , 2 3 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 7 : 4 0

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Filosofia e cia ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10038


CETICISMO E INGENUIDADE TERÇA-FEIRA, 24 OUTUBRO, 2006 - 16:07

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, O futuro, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10154


A VERDADE A AS LACUNAS Q U A R T A - F E I R A , 2 1 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 8 : 3 0

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Cinema, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10037


PALETA Q U A R T A - F E I R A , 5 JU L H O , 2 0 0 6 - 0 0 : 3 4

ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10048


PERDEI A ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS QUINTA-FEIRA, 25 MAIO, 2006 - 17:01

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10019


PROGRESSISTA Eu já não saberia classificar-me segundo os rótulos do enquadramento político. Nos extremos acho que há ideias interessantes com as quais me identifico na Rebelião das Massas do conservador Ortega y Gasset a Sociedade do Espetáculo do situacionista Debord assim como acho que Marx ainda tem muito a nos dizer. Não acho que seja algum ecletismo de minha parte, apenas uma preocupação em analisar as questões não segundo sistemas pré-fixados e eivados de pré-conceitos, nos quais as análises devem se limitar a em qual gavetinha devem ser colocadas cada coisa. Acho que esta visão multifacetada não me impede uma dose bem razoável de radicalismo, inclusive na minha atuação pública – já que a vida sucessivamente tem me colocado em trabalhar do lado do poder e frustrando minha enorme vocação crítica de oposição – em especial no esforço de criar o novo, abrir portas para pensar e construir alternativas inovadoras. Considero, de minha parte, que sempre estive mais preocupado com o que fazer com o poder e não com mantê-lo, assim como semrpe tenho em mente a frase de Ghazalli de que o pior dos sábios é o que frequenta os príncipes e o melkhro dos príncipes é o que frequenta os sábios. Todo este longo prólogo eivado de personalismo para dizer que quando cheguei ao 2o. Encontro de Blogueiros Progressistas em Brasília no final de semana não sabia bem o que estava fazendo ali ou se devia estar ali. “Progressista” é termo amplo e portanto vago. Com exceção de reacionários, contra-revolucionários, fascistas e uma certa parcela dos conservadores (Ortega y Gasset é conservador mas ao mesmo tempo progressista na medida em que não deseja uma volta ao passado e tem alguma perspectiva otimista de um futuro possível e

boa parte de sua análise e militância está focada no combate ao fascismo e ao franquismo) quase todo o resto pode se dizer progressista. Não tenho dúvidas que minha ação pública é progressista, talvez mesmo mais radical em alguns pontos – como nas questões de urbanismo - que a de muitos ativistas de esquerda cuja atuação está focada em agendas muito momentâneas e de curto prazo, eleitorais. Não há, contudo, muitos méritos neste posicionamento porque em um país com tal grau de desigualdade como o Brasil, com tal domínio patrimonialista das instituições estatais e políticas, com tal carência de políticas sociais e públicas, com enorme fragilidade da sociedade civil, estar a esquerda é praticamente uma obrigação e um raciocínio lógico porque aquilo que existe é inaceitável e indefensável. Não bastasse isto o discurso “conservador” vai se tornando tão eivado de grosseria e reacionarismo, tão focado em escândalos fabricados a partir de picuinhas e manipulação, tão contraditório aos valores fundamentais da democracia e mesmo aos direitos humanos que passa a ser ele próprio um discurso que Ortega y Gasset consideraria um discurso do homem-massa e que na avaliação dele cedo ou tarde descamba para o fascismo. Assim qualquer um que tenha compromisso sincero com a democracia tenderá, estou certo, a se sentir cada vez mais desconfortável em estar ao mesmo lado desta grita fascistoide. Estava pensando nestas coisas quando vi o artigo de Vargas Llosa no Estadão comentando a eleição peruana e saudando a vitória das forças progressistas contra o neo-fascismo de Fujimori. Era o perfeito exemplo que eu precisava. O mesmo Llosa que fez da condenação do estatismo e do populismo uma de suas bandeiras há alguns anos, o mesmo Llosa que escreveu o “Manual do Perfeito Idiota Latino Americano”, estava apoiando o candidato progressista e saudando a derrota fujimorista.


Creio que este episódio é rico em sinalizações. Todas as alianças e unidades fundadas em princípios podem fazer sentido em um determinado tempo e espaço. Há sempre uma linha divisória traçando estas unidades possíveis e sem dúvida aquela que separa o fascismo de todo o resto das forças políticas é uma delas. No passado o fascismo conseguiu triunfar, em grande parte, pela incapacidade de se pensar nesta linha divisória e ser capaz de se construir uma aliança ampla o suficiente porque quase todos estavam muito preocupados com agendas políticas próprias e fragmentárias. Considero que há forças políticas que cometem hoje este erro gravíssimo de desejarem tanto o poder que cortejam o discurso proto-fascista de negação dos direitos humanos e com variados matizes reacionários. Os segmentos opostos, por sua vez, também não desejando perder estas correntes reacionárias da opinião pública acaba fazendo um discurso frágil e contemporizador, daí tristes episódios como a carolice conservadora da última campanha eleitoral na qual faltou pouco para defenderem a volta do padroado e questões sociais foram tratadas no âmbito religioso e não como políticas sociais, como a questão do aborto. Neste contexto todo só posso dizer que fui me sentindo a vontade no meio “progressista” do encontro que foi capaz de garantir a todo instante, com intricada habilidade política, tanto a diversidade quanto a horizontalidade – tão raras no ambiente político fragmentário e imediatista de hoje. Houve sim defesas do governo federal, mas não defesas subservientes, tanto como cobrança por posicionamentos claros, assim como houve críticas ao PSDB, mas não infundadas e sim bem fundamentadas na defesa da liberdade de imprensa contra a escalada judicial contra ela e contra o AI-5 digital, enfim, nada que fosse mera expressão de paixões partidárias ou meras opiniões, mas sim argumentações.

Há mais de uma década estava ausente de eventos similares, os quais ocuparam boa parte de minha adolescência na década de 80. Cheguei ao 2blogprog sem saber se devia ter ido e sai me sentindo em casa. Não posso deixar de admirar a visão generosa e ação motivada por uma esta análise de conjuntura dos organizadores. Não poderia, assim, terminar antes de deixar o link do Instituto Barão de Itararé promotor do evento: http://www.baraodeitarare.org.br/ S E G U N D A - F E I R A , 2 0 JU N H O , 2 0 1 1 - 1 2 : 1 8

Comunicação 2blogprog, Barão de Itararé, DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10775


A FACE TERRÍVEL DA GUERRA SEGUNDA-FEIRA, 13 NOVEMBRO, 2006 12:40

Pessoal, Arte, Cinema, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10164


UM ANTIGO TEMPLO NA FLORESTA QUARTA-FEIRA, 6 SETE MBRO, 2006 - 18:19

Pessoal, Poesia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10106


TAPETE PERSA SEGUNDA-FEIRA, 11 SE TEMBRO, 2006 20:29

Arte ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10119


A SELEÇÃO NATURAL DAS RELIGIÕES "Onde existem mil crenças, tendemos a nos tornar céticos em relação a todas elas" (Will Durant, A História da Filosofia) A religião ocupa um espaço muito peculiar como objeto de estudo. Poucos temas foram tão abordados quanto ela - notadamente pelas ciências sociais - mas igualmente sobre poucos se tem chegado a alguma análise razoável. Falta um modelo teórico que de conta da complexidade do fenômeno religioso - e da religiosidade em particular e sobram doses monumentais de um arraigado preconceito quanto à religião que caracteriza a mentalidade ocidental. Sem entrar em detalhes mais aprofundados e técnicos, as interpretações do fenômeno religioso ainda são em grande parte tributárias das visões de Durkheim e Marcel Mauss, Weber e principalmente Marx. Praticamente só há um matizamento dos conceitos originalmente formulados visando adaptar o modelo aproximando-o da realidade, criar nuances que não sejam tão definitivas como as postuladas por estes autores clássicos. Extremamente digno de nota é o contexto social fortemente secularista no qual estas teorias são formuladas. De um lado vive-se o auge da Revolução Industrial, a ilusão de um período de progresso científico, tecnológico e material sem precedentes. De outro havia ainda a necessidade - muito bem exposta por Edward Said no seu Orientalismo - de propagar o discurso da superioridade secularista como discurso legitimador da expansão colonial - que confrontava a sociedade "racional" europeia à "superstição religiosa" oriental.

É neste contexto que brotam estas tentativas de explicação da religião e este carimbo é claro quando se vê o papel acessório que o fenômeno religioso terá. Durkheim e Mauss entenderão a religião como uma função essencial ao sistema social, postura que aparentemente elevando o papel da religião, lhe nega suas especificidades e características próprias. Tanto que ambos tentarão explicar o conjunto do fenômeno religioso a partir do animismo por considerá-lo mais simples, mas igual em essência a qualquer religião (vide "Formas Elementares da Vida Religiosa", por exemplo). Também Marx até aceita a especifidade do fenômeno religioso mas ele atribui um papel acessório, derivado com contexto econômico. Em outras palavras nega a existência da religião externa à realidade econômica e portanto determinada por ela. A noção de ideologia, tão cara aos marxistas quanto ainda mal delimitada, dá à religião um papel de legitimador da dominação de classes e um "amortecedor"dos conflitos sociais. Com isto Marx acaba por proclamar que a ideologia proletária que fará a aparência corresponder à essência pode prescindir da religião. Da interpretação deste conceito surgiu a tensa relação entre os partidos comunistas e a Igreja que muitos, como Frei Beto e Roger Garaudy, tentam pacificar aproveitando-se do acesso de modéstia que transformou o marxismo de ciência infalível em utopia humanista. Weber é o único que, sem negar a profunda interação entre a realidade econômica e a religião, parte do princípio que o fenômeno religioso tem vida própria. Ao contrário do que afirmam seus detratores, Weber jamais disse que a realidade social, econômica e política derivava de algum sentimento religioso. O autor, ao contrário, afirmou que as mensagens religiosas que atendiam


melhor às necessidades psicológicas, sociais, econômicas e sociais de um povo tendiam a "prosperar" e tornar-se dominantes. Ele também destaca um fato importante que praticamente parte "desapercebido" a Marx - mas não à filosofia de Garaudy - de que em geral as crenças tiveram um poder "revolucionário" nas sociedades que surgiram, com o apoio dos oprimidos e à revelia dos dominadores. Moisés, Jesus e Maomé - para citar os profetas das três religiões reveladas - pregaram contra a ordem estabelecida, o que é de certa forma inconcebível dentro do universo puramente marxista de interpretação. Mas a contribuição de Weber que mais interessa aqui é outra, o autor foi capaz de perceber a existência de "necessidades religiosas" numa sociedade que até podem ser derivadas de condições sociais, mas tem um papel ativo na interação com esta realidade. Mais do que isto, estas "necessidades religiosas" produziriam uma certa seleção natural das doutrinas, selecionando as que melhor as atendem e tornando "antiquadas" aquelas cuja interpretação da realidade deixa de ser válida. A sociedade ocidental é viciada no movimento frenético e na mudança, a concepção de progresso assumiu aqui um forte valor positivo e portanto é muito difícil compreender a estabilidade - a qual se prefere chamar estagnação, outra palavra carregada de valor, só que negativo. Saïd mostrou claramente a importância deste discurso justamente no período em que estas categorias iam sendo formuladas e é evidente o quanto o pensamento marxista está impregnado desta ideia. Weber foi capaz de distinguir neste processo religioso dois momentos distintos, enquanto Marx - influenciado pelo anti-clericalismo iluminista e pelo secularismo industrialista e colonialista - foi capaz de perceber apenas o momento no qual a religião tenta dar

estabilidade à sociedade. Weber não nega este caráter conservativo da religião que tenderia a perpetuar uma sociedade na qual existe correspondência entre a doutrina e as "necessidades religiosas" através de uma ética econômica. Weber porém acredita que se as condições sociais mudarem ao ponto desta ética deixar de corresponder às necessidades religiosas ou contribuir para produzir bem estar numa sociedade haverá alguma alteração. Weber vê dois desenlaces possíveis, em um deles surge uma nova mensagem religiosa capaz de aglutinar os oprimidos e provocar uma mudança social mais intensa. Em outro cenário, a incapacidade das novas ideias religiosas não virem ao encontro das "necessidades religiosas" acabaria por se impor uma doutrina oficial alimentada pela propaganda do Estado. De Weber é importante guardar-se dois conceitos úteis à compreensão do papel da religião na sociedade pós moderna. De um lado a noção que as ideias religiosas, as "mensagens" pode aflorar na sociedade independentemente de condições sociais, econômicas ou políticas determinadas. De outro o conceito de que a sociedade, ou mais propriamente, os indivíduos que compõem esta sociedade, tem "necessidades religiosas". A partir destes dois conceitos chega-se a um cenário no qual a sociedade está sempre a produzir mensagens religiosas, mas que só algumas delas irão prosperar porque só algumas delas atenderão a "necessidades religiosas" existentes. Traçando um perigoso, mas necessário para facilitar a compreensão, paralelo com a biologia, as mensagens religiosas passariam por constantes mutações, mas só algumas sobreviveriam ao serem confrontadas com a seleção natural das "necessidades religiosas". SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:43


Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia, Religião Will Durant,DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/35


PROFISSÃO, VOCAÇÃO, DESTINO A famosa citação de Weber sobre a política como vocação e a política como profissão tem servido aos mais variados usos equivocados. Ela também está parcialmente contaminada por uma visão tornada arcaica pela complexidade crescente do mundo e da gestão pela qual a política deve ser hobby de aristocratas ociosos. Hoje nem mesmo os setores da burguesia e os altos executivos poderiam dispender seu tempo na política e ao mesmo tempo serem capazes de desempenhar suas funções. Fora o sentido mais econômico da distinção, que nem é a mais importante da frase de Weber, seu sentido mais geral e político continua necessário, ou seja, não se deve depender da política de tal forma que sejamos obrigado a fazer aquilo que nos contraria, que sabemos que não é bom, ou mesmo só deixar de fazer aquilo que é necessário por se temer que isto nos retire o poder, o mandato, a influência. É um daqueles pressupostos fáceis de falar na forma de centenas de bravatas, mas que é cada vez mais raro ver quem tem realmente a bravura de segui-la. A política entrou na minha vida de uma forma avassaladora. Eu podia ter resolvido ser muitas coisas, mas me decidi sempre pela política. Há, com certeza, muitos momentos nos quais preferia ter seguido outros caminhos, como enfrentar tarefas que exigissem menos esforço intelectual como a carreira acadêmica, confrontasse animais menos ferozes como no sonho de infância de ser zoologo, requeresse menos responsabilidade e tivesse mais soluções para tudo como jornalista. Não vou negar os momentos no qual há o

desejo profundo de alguma utopia à Thoreau de viver no mato e andar a pé pelas trilhas nos intervalos de uma vida dura e simples. Há também a utopia oposta de postar-me a frente de 40 potenciais delinquentes juvenis em uma sala de aula. Estas duas ainda persistem apesar de todas as recomendações em contrário e é possível que acabe em uma delas no momento que sentir que a política tornou-se incapaz de dar alguma resposta efetiva. É por não ser tão descrente como todos acham que sou que tenho tanto medo de nos momentos convulsionados pedir a Deus que seja feita a vontade dele e não a minha, que eu siga no sentido de cumprir meu destino. O medo é das preces serem atendidas e por isto sempre penso mil vezes para ver se estou preparado pro resultado. Seria presunção dizer que ele me quer neste meio da política, ainda mais na forma como ela anda. Mas só posso dizer que é sempre nela que ele encontra um caminho pra mim, abre novas portas ou reabre portas antigas a cada vez que sou tomado pela vontade de deixar tudo e ir plantar jabuticabas. Só posso concluir que há nisto um sentido, mesmo que oblíquo demais para minha percepção humana. SEGUNDA-FEIRA, 8 MARÇO, 2010 - 23:38

Pessoal, Política DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10752


IDEIAS DE NÁUFRAGO QUINTA-FEIRA, 19 OUTUBRO, 2006 - 16:35

Comunicação, Pessoal, Poesia, O futuro, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10151


A PROVA DO LENHADOR QUARTA-FEIRA, 6 SETE MBRO, 2006 - 18:50

Islam, Pessoal, Poesia, Cinema, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10111


RENOVANDO ESPERANÇAS Não tenho tido muito tempo para escrever no blog por conta da multidão de novas tarefas, pessoas, conhecimentos que estão na minha frente. Não deu nem para registrar, como eu queria, a passagem do primeiro aniversário da atividade constante do blog. O ano anterior, como eu já disse antes, foi muito o “ano do blog” na minha vida porque ele teve um papel importante, canalizador, de várias coisas que aconteceram pela minha vida. A este “ano da palavra” parece que vai se suceder um “ano do poder” porque a minha paixão pela política – pela grande política, claro – voltou de um lado empurrada por minha vontade de fazer algo objetivo e de outro pelas circunstâncias que me levaram a encontrar pessoas que compartilham não de uma mesma visão – porque nada pior que um grupo com um olhar estreito e monolítico - mas do mesmo sentido de dever. Esta retomada da “vontade de fazer grandes coisas” – parafraseando a definição de povo de Renan – não chegou a ser fortuita, mas construiu-se de tantos fatos díspares, mais ou menos imprevistos, tantos bons e maus encontros, tantas coincidências, que só posso ver na situação aquela mão do Destino atendendo a tantas preces que fiz para que me fosse apontado o caminho para o qual eu pudesse ser mais útil e delineasse a minha missão. Mais uma vez sou preenchido por aquela fantástica sensação de que é o caminho que nos escolhe, não nós que o escolhemos. No meio deste pequeno mas aguerrido Exército de Novo Tipo para o qual as circunstâncias me alistaram eu sinto

renovadas as esperanças de construir o novo e ao mesmo tempo resgatar aquilo que nunca devia ter deixado de ser. Não sei se o caminho que percorremos é a esperança de recuperar a grande política perdida no meio dos pragmatismos e “idealismos de resultado” ou se é uma brancaleonesca tentativa de reconstruir uma época que não existe mais; enfim, não sei se remamos contra ou a favor da maré da história. Mas meu coração se encheu de alegria quando o deputado programou todas as semanas uma reunião com todas as pessoas do gabinete – assessores, motorista, secretárias - não para discutir estratégias eleitorais, tarefas cotidianas ou qualquer coisa assim, mas para ler, estudar e debater textos de pensadores diversos que irão orientar a formulação de propostas da semana seguinte. É esta sensação de que não se é um operário apertando uma engrenagem na esteira rolante, mas que cada uma das pessoas que trabalham comigo tem um compromisso com um ideal mais elevado que me abastece as esperanças de que a mudança é possível. TERÇA-FEIRA, 15 MAIO , 2007 - 12:59

Pessoal, Poesia, Política, Filosofia e cia DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10558


UM PAIS DE VERDADE TERÇA-FEIRA, 16 MAIO , 2006 - 14:58

Comunicação, Pessoal, Arte, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10012


O OUTRO, O MESMO "Ó Humanos, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos para reconhecerdes uns aos outros." (Alcorão, 49: 13) Há poucas questões tão importantes a serem discutidas no mundo de hoje como a do "outro". Em um mundo que tende a se fragmentar em civilizações irredutíveis dotadas de visões de mundo irreconciliáveis e em busca de identidades próprias mais sólidas e racionalizadas a noção do "outro" torna-se central em todo debate. Este debate, olhado com certa desatenção, transcende em larga escala a simples esfera acadêmica. Não é uma discussão puramente filosófica, sociológica ou antropológica, nem mesmo uma simples discussão política porque tem implicações graves na vida de todos, como destacou Samuel Huntington no seu "Choque de Civilizações". Uma das formas mais eficientes de se construir a identidade, em especial quando esta é nova, tênue e abalada é a partir da oposição ao outro. Talvez por isto o preconceito seja algo tão arraigado a ponto de parecer natural em qualquer sociedade, sem exceção conhecida.

projeto Genoma, demonstre a unidade essencial do ser humano, a imensidão das suas similaridades genéticas e o caráter diminuto das suas diferenças cromossômicas. Certamente é um avanço que a ciência deixe de ser utilizada para justificar o preconceito, mas a prova científica não é suficiente para bani-lo. A ilusão de que os fantasmas sangrentos do racismo e do chauvinismo podem ser exorcizados com dados científicos é criada por uma série quase interminável de incompreensões e arrogâncias científicas. A primeira delas é pensar que este tipo de preconceito é movido por princípios racionais, ou pelo menos pelo que se entende como racional (de certa forma tem uma racionalidade própria). Tal como na fábula do Lobo e do Cordeiro, o chauvinismo - fosse nazista, racista, colonialista, eurocêntrico ou outra de suas variantes - utilizou a ciência como argumento enquanto esta lhe dava um discurso que legitimava a diferença. Provado que o cordeiro não pode sujar a água do lobo porque está rio abaixo, o argumento pode ser descartado. Como o Lobo, o preconceito busca outros argumentos para devorar o cordeiro ao invés de simplesmente aceitar as razões do mais fraco. Portanto nada adiantará provar de forma irrefutável que não há qualquer base genética para o preconceito, buscar-seão outras.

Em um mundo fragmentário no qual dezenas, centenas, talvez milhares de novas identidades estão sendo gestadas a demonização do outro é praticamente inevitável. A já frágil unidade da espécie humana tende a ser soterrada pela avalanche de uma auto-afirmação das culturas com base na intolerância, no medo e, sobretudo (o que é mais assustador) na necessidade de odiar ao outro.

Além disso, o preconceito não é um fato biológico - embora alguns, como os adeptos da sociobiologia tenham tentado justificá-lo como uma tentativa de tornar mais eficiente a transmissão do código genético. Ele é sobretudo um fato social, faz parte do processo de socialização, do conjunto de mecanismos simbólicos que as sociedades usam para organizar o mundo.

Curioso que isto ocorra em um momento no qual a ciência, especialmente através do

Não se "aprende" a fazer parte de uma cultura apenas apreendendo suas estruturas


implícitas, seus valores, enfim seu universo simbólico, mas também - e em alguns casos principalmente - pela oposição ao outro, ao externo, ao vizinho. Este "outro", bem entendido, geralmente tem pouco a ver com o inimigo real, é quase sempre uma construção imaginária feita por oposição aos valores daquela sociedade. Edward Saïd mostrou o quanto o Orientalismo criou um "Oriente" que jamais existiu, assim como Huntington demonstrou a falácia de uma dualidade Mundo Ocidental/outros. Mas, a despeito do extremo brilhantismo da análise de Saïd ela deixa talvez uma brecha, para ele o Ocidente criou o "Oriente" como uma forma de legitimar a opressão colonial. Contudo esta invenção parece ter outra finalidade, a de reforçar os valores ocidentais. Assim como Saïd, e antes dele para que se faça justiça, Garaudy também questiona o caráter universalista dos valores ocidentais como um chauvinismo disfarçado. Contudo os dois se irmanam em uma falha talvez mais grave que Huntington corrige, todas as culturas realizam o mesmo papel e julgamse centro do mundo. Em um eurocentrismo às avessas critica-se na cultura ocidental - porque dominante, opressora, hegemônica e visível - aquilo que outras culturas não fizeram por falta de oportunidade histórica. A afirmação é certamente temerária e o What-if é sempre um jogo perigoso nas ciências humanas, contudo é preciso ver que o desejo de hegemonia e o ódio ao outro está presente em qualquer sociedade, apenas esperando a oportunidade para se liberar. A previsão pessimista de Huntington - em um livro que não pode deixar de ser lido por quem pretenda entender o mundo contemporâneo - defende a ideia que o mundo multi-polar que emerge da Guerra Fria irá dar um certo grau de oportunidade a todas as civilizações para demonstrarem seu chauvinismo.

Mais do que oportunidade, e aqui é bom começar a se preocupar, ele cria a necessidade pois a identidade nacional, étnica, religiosa e sobretudo cultural passa a ser um imperativo da existência e ela é construída sobretudo pela oposição "ao outro". Pouco adiantarão relatórios do Projeto Genoma demonstrando que entre um esquimó e um bosquímano, entre um holandês e um pehl não existam diferenças significativas, raça não é um conceito biológico, mas social e simbólico. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:45

Islam, Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Filosofia e cia. Edward Saïd, Samuel Huntington,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/37


MR. SLANG E O ORKUT SEXTA-FEIRA, 12 MAIO , 2006 - 15:00

Comunicação, Pessoal, Arte, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10009


circulação o livro-mercadoria que de outra forma poderia se extinguir.

ESCREVER E LER Não há muito tempo as pessoas acreditavam em um cenário futuro no qual tanto a escrita como a leitura teriam muito pouca importância. Imaginava-se que de alguma forma os meios áudio-visuais iriam substituir estas duas atividades tão antigas, tornando o conhecimento acessível aos preguiçosos. Numa versão menos exagerada, o texto sobrevivia, mas com uma importância decrescente, como no caso dos grandes jornais brasileiros nos quais o texto é cada vez menos importante que as imagens numa ridícula tentativa de criar uma "televisão de imagens estáticas". Mesmo neste caso houve uma falha, pois estes jornais recheados de notícias fragmentárias e superficiais acabaram por precisar de inúmeros colunistas capazes de explicar o que está acontecendo. A ideia de que só tem valor o texto curto e objetivo é uma extrapolação de um raciocínio correto, o de que longos textos prolixos recheados de termos ininteligíveis são de utilidade duvidosa. Mas ao invés disto destacar a necessidade do bom texto, foi exacerbado para contestar o próprio texto em si. Escrever tornou-se então um anátema da modernidade, uma tarefa que todos apressam em condenar por inútil. Desmerecem-se todos os textos que vão além da burocrática notinha de jornal e diminui-se o mérito de quem escreve. Para isto escrevem-se livros e mais livros que esforçam-se para ensinar em um texto primário, como as pessoas devem agir em um mundo sem leitura. Com esta medida atende-se a duas finalidades, fazer quem lê ou finge ler os livretos e livrecos ter a impressão que meia dúzia de bobagens de um manual de autoajuda podem substituir uma vida de erudição, e de outro lado se mantem em

Um ótimo exemplo disto são os livros sobre gerenciamento, coqueluche que há anos transforma os trabalhadores brasileiros em cobaias de experimentos destinados ao fracasso. Estes livros em geral falam o óbvio, aquilo que qualquer pessoa com bom-senso faria, às vezes, para fomentar o debate, fazem questõa de violar o bom senso, a realidade histórica e cultural e criar modelos absolutamente fictícios. Em qualquer dos casos há por detrás destas ideias e dos que as compram um picaretagem tanto implícita quanto explícita. A alternância quase diária do "modelo de gerenciamento" da moda gera multidões de "homens de um livro só" que após lerem meia dúzia de páginas mal escritas acreditam-se detentores de um poder mágico. E fazem com este poder o mesmo que aquele cacique nhanbiquara faz com o lápis e as folhas de papel que o antropólogo Levy-Strauss lhe empresta: fingem ter conhecimento para tentar dominar os subordinados que estão prontos a se rebelar. Fico chocado quando ouço pessoas dizerem que gostam de escrever mas não de ler. É uma incoerência completa, afinal ninguém pode escrever sem ler e ler muito. A Internet tem seus méritos por ter dado um impulso novo à troca de correspondência, estimulando as pessoas a escrever, mas a maior parte delas não tem o hábito de ler. O resultado são textos mal escritos, repletos de erros grotescos de ortografia e gramática, cheios daquela petulância de "homens de um livro só". A palavra de ordem da modernidade é ser instrumental, ou seja, só vale a pena ler um livro se ele trouxer alguma vantagem prática. Mas sequer é feito isto, procura-se evitar ler muita coisa, em especial livros que tenham estilo e sejam bem construídos, dando destaque especial para aqueles livros que utilizam um português primário e precário, recheado de inúteis expressões


estrangeiras que ornam o texto como medalhas de presunção. O conceito do que é instrumental por si só já é suspeito, afinal qualquer bom livro tem muito a nos ensinar sobre a vida, ainda que o leiamos não para adquirir este conhecimento, mas pelo deleite do saber. Um bom livro de literatura geralmente é muito mais instrumental que um árido texto acadêmico no qual a finalidade é tornar a leitura tão maçante que ninguém mais se aventurará a folhea-lo. Particularmente parece que muito do que foi dito contra o texto está profundamente marcado por um sentimento de inveja e despeito de quem não sabe escrever contra quem sabe - e para saber escrever é essencial saber ler, Não se conhecendo uma única exceção neste sentido. Mas mesmo se ler fosse um crime ainda assim quem gosta de ler continuaria lendo. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:32

Comunicação, Arte, Literatura, O futuro, Sociologia e cia. DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/25


PRECISAMOS DE QUIXOTE "Embora, Senhor Quixote, as sandices vos tenham transtornado o cérebro, nunca podereis ser repreendido por estes homens de obras vis e soezes" (Cervantes) Alguém, já não me lembro mais quem, disse que Dom Quixote é certamente o mais excepcional símbolo do homem. Não resta dúvida que este personagem infeliz representa o que temos de mais humano, incluindo a sandice. Quixote é o homem que ousa sonhar e tem a coragem de enfrentar a sua obscura existência armado com pouco mais do que aqueles sonhos. Já disse em artigo escrito há alguns meses que Quixote encarnou tanto a rebeldia que se rebelou contra seu autor. Criado pelo Cervantes entrado em anos para ironizar o aluado Cervantes jovem que levou a ambos ao cárcere sarraceno e a uma existência infeliz. Mas Cervantes fracassou no seu intento e acabou se submetendo à inflexível vontade do fidalgo da Mancha, assim um livro previsto para condenar os ingênuos sonhos da juventude acabou por se tornar um símbolos deles. Por quais caminhos se deu esta metamorfose ainda Não se sabe, talvez nem Cervantes tivesse percebido que todo o ódio vingativo que tinha sobre seu duplo jovem acabaria sucumbindo à coragem inconformada da vítima de seu escárnio. Não há melhor antídoto contra o racionalismo frio e a lógica previsível que ameaçam o mundo - e sobre as quais tenho falado em artigos anteriores - do que uma dose de quixotismo. É nesse quixotismo que encontraremos a cura para a maquinização do homem, é com as mesmas armas que Quixote combateu os gigantes disfarçados de moinhos que se combaterá o lado negro

do nosso futuro. Enquanto restar algo de Quixote em nós, nossa alma não será a alma de um escravo, tampouco poderemos ser confundidos com autômatos. Enquanto Quixote habitar nosso espírito manteremos a dignidade e a ânsia de fuga como a do jovem Cervantes na masmorra sarracena, cuja audácia seduziu os mouros e o tornou um prisioneiro respeitado. Quanto haverá ainda deste Quixote num mundo cada vez mais frio, mais "racional", mais previsível é um mistério. Certamente há muitos homens limitados e vis a espancar os pobres quixotes e sanchos que restam, menos por os julgarem loucos do que por temer a imprevisibilidade deles. Mas isto significa muito pouco porque a massa medíocre perseguiu a nata de talento durante toda a história da humanidade, mas nunca conseguiu êxito. O mundo que temos hoje nos foi dado por esta pequena elite que a súcia medíocre jamais foi capaz de conter ou controlar, cujas ideias se impuseram pelo próprio valor perante a multidão de preconceitos e sensos-comuns da plebe ignara. Os medíocres estão condenados a não deixar sua marca no futuro a não ser como objeto de piadas e escárnio. Até hoje o futuro pertenceu aos Quixotes e só a eles o mundo pode agradecer o que se conquistou de bom. Mas agora o mundo pode mudar em definitivo. Quixote é chamado a comandar suas hostes em mais uma batalha imaginária na qual se decidirá, em definitivo, se o mundo se verá livre dos gigantes ou estará repleto de moinhos. Chegou-se a um ponto no qual se deve decidir se o mundo dará o definitivo salto para a liberdade e o progresso real, ou se ele estagnará no pântano fétido de um racionalismo estéril e uma lógica improdutiva. A massa medíocre, como


sempre, será apenas figurante neste processo, preocupada apenas com suas mesquinharias cotidianas e suas obras vis. Mas lá do alto o embate entre as elites será mortal, homem ou máquina, racionalidade ou imaginação, progresso ou estagnação, liberdade ou escravidão. Tudo isto será resolvido talvez ainda durante o período de nossas vidas, no mais tardar na da existência de nossos filhos. Alguns autores falam em ditadura da mediocridade, e eu por muito tempo achei a expressão correta. Hoje já é claro que é um conceito inexistente, um paradoxo em si mesmo porque a mediocridade é incapaz de dirigir qualquer coisa. No máximo existe a ditadura de uma elite que utiliza os sensoscomuns da mediocridade para controlar a massa e faze-la acreditar que se faz algo em nome da multidão. Será criado um mundo no qual a massa será livre para libertar-se da mediocridade e onde as portas estarão abertas aos talentos, ou um mundo no qual o pouco que restar do talento será usado para manietar em definitivo a massa. E não resta mais muito tempo para esta escolha. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:24

Pessoal, Literatura, O futuro, Política, Miguel de Cervantes Saavedra,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/18


LEGADOS Eu sempre acreditei e defendi a hipótese de que o meio tem uma condição fundamental na formação do homem, que é a partir dos estímulos que recebe, experiências que vive, oportunidades que tem ou deixa de ter que uma pessoa forma sua personalidade. Seriamos, então, o resultado das escolhas, da disciplina. Esta minha crença democrática e otimista é sempre muito abalada em todas as férias que consigo passar com meus filhos. Vivendo a quase 1000 km de distância, raras vezes temos oportunidade de nos ver fora das férias, as quais nem sempre consigo, e conversas rápidas pelo telefone. Contudo há tantas semelhanças de comportamento, de jeito, de personalidade entre eles e eu, a despeito da pouca convivência, que sou obrigado a reconhecer que o meio não é tão relevante. Não é um pensamento muito lisonjeiro comigo mesmo, afinal representa que os valores e a disciplina que tenho ou tento ter comigo é muito menos o fruto do meu esforço pessoal do que o resultado mais ou menos arbitrário de alguma combinação de genes. Sinto sempre os observando que vou me tornando aquilo que realmente sou quando me esforço para me aprimorar, portanto nada mais faço que minha obrigação. Nas tranquilidades e ansiedades deles vejo o quanto há de ilusório em nossas histórias e prioridades. Se eu passei boa parte de minha infância e adolescência mergulhado entre livros, enquanto meu filho prefere os esportes isto se reflete pouco em nossas personalidades tão semelhantes, mesmo com tão pouca convivência. Nossos olhares buscam o infinito em um mesmo alheamento que mostra o quão pouco dele vem dos livros, da razão, da reflexão.

Mesmo sem gostar de ler, sem ter lido nem uma fração ponderável dos livros que li com a idade dele ele escreve bem. Curioso saber que mesmo certa criatividade de que me orgulho é mais o resultado de alguma complexa equação bioquímica lá nas minhas células, mais do que algo que foi desenvolvido, cultivado. Só consigo, então, pensar em tantos pensadores - Shankara, Platão, Plotino, Nicolau de Cusa, Ibn Sina, Surahwardi, ibn ´Arabi – que destacam que não aprendemos mas apenas relembramos e nem me surpreenderia se este conhecimento chegasse de alguma forma objetiva. SEGUNDA-FEIRA, 12 FEVEREIRO, 2007 07:43

Pessoal, Arte, Filosofia e cia DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10487


MEDIA E ACCOUNTABILITY Um conceito fundamental da administração moderna é a “accountability”, nem sempre bem compreendido. Mais extenso que a noção de prestar contas ou dar transparência e publicidade às ações, a accountability representa algo como demonstrar a cada passo o que se está fazendo, quais recursos está usando e aonde se deseja chegar, criando metas e objetivos para que o processo possa ser avaliado pelo público interessado a qualquer momento. Em um momento no qual é tão comum a incorporação dos métodos gerenciais privados na área pública – processo na maior parte das vezes positivo, mas nem sempre realizado respeitando-se as especifidades das questões de Estado e da dimensão política – é preciso dizer que a “accountability” fez o caminho inverso. Ela surge como ferramenta pública de Estado na Inglaterra Medieval – o termo em si já era usado no Século XIII para assinalar a responsabilidade do Gabinetes e Conselhos. Só no final do Século XX ela se torna um conceito central do mundo corporativo ao se tornar um dos pilares da governança, visando garantir um gerenciamento transparente para os investidores e coletivo em termos de direção, substituindo em definitivo as gestões pessoais por um processo sistemático no qual a tomada de decisões obedece a critérios e objetivos. Acreditamos que a noção de governança deve fazer parte da vida política, substituindo as visões pessoais e ideológicas por uma concepção plural fundada em marcos objetivos, sujeita a avaliação constante por parte da sociedade e na qual múltiplos agentes possam contribuir e interferir em seu aprimoramento constante.

Para que esta visão moderna tenha sucesso em sua implementação é fundamental a construção de ferramentas de accountability eficientes e a política de comunicação é o fundamento delas. A grande dificuldade que se apresenta é na migração de uma visão patrimonialista de comunicação herdada da publicidade e do marketing – na qual a preocupação é enaltecer o produto, quase sempre a partir de argumentos emocionais – para uma visão cidadã na qual a comunicação está a serviço do controle social efetivo do poder público. Quando o “cliente” deixa de ser o político – e por isto friso novamente a questão do patrimonialismo, do uso do Estado em proveito privado – e passa a ser quem efetivamente paga pelos serviços – ou seja, a sociedade – a visão de vender a imagem do serviço público como se fosse um sabonete ou um iogurte torna-se obsoleta, ineficiente e com o passar do tempo e aumento do grau de informação e politização da sociedade provocará mais aversão do que resultados efetivos. A Câmara Municipal de São Paulo dá um passo novo ao trocar o imediatismo de uma política de comunicação ao velho estilo da propaganda de sabonete pela construção de uma política nova, na qual a comunicação é sobretudo um meio justamente da “accountability” com prestação de contas sobre o que está sendo feito, transparência nas ações, instrumentos de interação na qual a população pode não só checar as metas e objetivos mas manifestar-se sobre eles. Como esta política se constrói na prática? Como todo caminho novo sendo trilhado é preciso buscar referenciais externos e fazer a necessária adaptação, também é preciso vencer preconceitos. Para muitos parece que a Câmara dá um “tiro no pé” ao buscar esta transparência, mas quando se examina o processo com uma visão mais ampla e menos imediatista se vê que o verdadeiro tiro no pé é continuar com a visão


antiquada, cada vez com menos credibilidade e interesse perante a população. A natureza da relação de um órgão público com a sociedade não é a mesma que a de uma empresa com seus clientes. Ela é na realidade muito mais próxima da relação que uma empresa tem com seus acionistas e investidores. É este novo enfoque que troca a propaganda pela “accountability” que será capaz de resgatar a identidade e credibilidade da comunicação pública e é nestes métodos da comunicação corporativa que se devem buscar ideias e fórmulas passíveis de serem aplicadas nesta área nova. O primeiro enfoque que a Câmara tem buscado é não temer o diálogo e o questionamento. Sem medo de colocar seus argumentos – porque a Câmara tem argumentos e quando ela toma uma atitude não o faz por impulso, mas motivada por uma análise da situação – e de ouvir os contra-argumentos da sociedade, de colocar o debate no campo adequado que é o da discussão política e, por fim, inclusive de reconhecer a validade dos argumentos da sociedade se for o caso. A segunda preocupação é resgatar o termo publicidade em seu sentido original e mais amplo, que é o de tornar público. A Câmara colocou todos os seus plenários na Internet, para que o que ocorre no Legislativo possa ser acompanhado todo o tempo, não só durante a sessão, mas em todos os momentos. A terceira preocupação é assegurar que as pessoas possam expressar seus pontos de vista e serem ouvidas – e tenho frisado sempre desde o primeiro discurso do meu mandato que abrir a palavra para todos é simples, o desafio é garantir que esta palavra seja ouvida porque é isto que faz toda a diferença – com a criação da Ouvidoria. Outro ponto fundamental é que para que a accountability seja eficiente é preciso que

aquilo que acontece na Câmara possa ser compreendido em profundidade e com isto estamos criando a Escola do Parlamento que tem também o objetivo de formar a sociedade civil para uma compreensão e intervenção mais qualificada nos processos de decisão da Câmara. A história não é um amontoado de curiosidades, mas é justamente aquilo que nos permite saber quem somos, de onde viemos e a construir os projetos de para onde queremos ir. Assim uma das principais ações voltadas para o público geral não tem sido nenhuma grande pirotecnia e gastos vultosos, mas a ação simples e barata de caminhar pelo centro histórico segundo roteiros temáticos que estimulam a reflexão e a discussão sobre o assunto da caminhada. Há ainda muito a fazer, em especial com a utilização dos recursos tecnológicos da Sociedade da Informação na qual jamais foi tão barato e simples criar canais de comunicação – e canais de comunicação nos dois sentidos e não apenas do órgão público para a sociedade – e disponibilizar informação através dele. O desafio é implementar estas ferramentas no campo técnico mas também ter o que dizer no campo político e, sobretudo, ter a capacidade de ouvir porque é desta última preocupação que virá o elemento essencial que dá suporte e sentido ao conjunto: a credibilidade. S Á B A D O , 1 8 JU N HO , 2 0 1 1 - 1 0 : 3 6

Comunicação, Política Parlamento, comunicação, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10774


PARA UM MUÇULMANO IRADO QUINTA-FEIRA, 7 SETE MBRO, 2006 - 15:41

Islam Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10113


MENSAGEM NA GARRAFA SEXTA-FEIRA, 11 AGOSTO, 2006 - 13:56

Pessoal ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10077


CEGUEIRA TEMPORÁRIA QUARTA-FEIRA, 9 AGOS TO, 2006 - 17:25

Islam, Pessoal, Literatura, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10074


HUMANO E DIVINO QUINTA-FEIRA, 21 SETEMBRO, 2006 17:41

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, O futuro, Cinema, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10130


ÁGORA ELETRÔNICA OU TELETELA CIBERNÉTICA? As implicações políticas das NTICs na sociedade informacional I – Introdução: A Utopia Digital A perspectiva de construção de uma nova Utopia vinda à luz pelo impacto das NTICs – Novas Tecnologias de Informação e Comunicação – tem sido um tema recorrente nas mais variadas esferas e particularmente importante para Manuel Castells na medida em que este – em A Sociedade em Rede – define e traça as delimitações da sociedade pós-industrial que ele chama de informacional. Fora da agenda acadêmica também tem sido traçadas inúmeras análises vindas de sujeitos diferentes – não raro de interesses antagônicos – do processo político tentando não só imaginar mas construir estes diversos cenários futuros de intercalação de sistema político e NTICs, não raro utilizando a ideia de construção de uma “Utopia Digital” com termos simbolicamente semelhantes. A ideia de “Utopia Digital” é particularmente apropriada pois invoca em termos simbólicos uma certa perspectiva idílica, quase milenarista, há muito já desgastada pelo processo político e histórico concreto, resignificando-a de forma novamente plausível como cenário possível. E, ao mesmo tempo, em sua essência, invoca todas as contradições do predomínio do interesse coletivo e dos “fins elevados” justificando sacrifícios pessoais – em especial o sacrifício da liberdade, individualidade e privacidade – que são a marca “oculta” de todas as Utopias desde a narrativa de São Thomas Morus que cunhou o termo passando por sua predecessora mais antiga – a República de Platão, na qual os governantes podiam trapacear para

garantir a “felicidade geral” - e contemporâneas, assim como as distopias que são suas antíteses como o Admirável Mundo Novo e 1984. Em todas estas construções ideológicas literárias há um profundo desejo de existência de um governo central forte que impõe sua vontade – ainda que seja com as melhores intenções – aos indivíduos para garantir que de fato o bem coletivo seja preservado. Uma das mais relevantes ferramentas para isto é exatamente a redução máxima da privacidade. Morus não poderia ser mais preciso e aterrorizante em relação a esta questão do que neste trecho da Utopia: “Cada um, continuamente exposto ao olhar de todos, se sente na feliz contingência de trabalhar e de repousar, conforme as leis e os costumes do país” Não poderia ser diferente também na medida em que todos os textos “utópicos” inclusive aqueles que denunciam e temem as utopias como as distopias mencionadas foram escritos em períodos de crise profunda provocada pela transição entre um modelo econômico, social e político e outro e portanto no qual os velhos valores já não tem mais força ideológica e os novos são ainda fracos e indeterminados. A República de Platão – arquétipo de todas as demais – é redigida no momento no qual os valores tradicionais aristocráticos vão sendo definitivamente sepultados pela democracia, ou seja no momento no qual os segmentos urbanos ligados ao seto mercantil ganham hegemonia política – com o suporte das demais camadas não escravas urbanas - sobre a aristocracia fundiária. Similar a elas as utopias renascentistas como a de Morus e Campanella são uma tentativa de reação dos letrados tradicionais ligados à máquina ideológica feudal – em particular à Igreja – contra a florescente sociedade précapitalista e absolutista que está surgindo. II – O nerd e o general A condenação à plutocracia e o poder arbitrário contido nestas obras – e de certa forma ironizado nas distopias escritas no período crítico do pós-guerra – é reflexo do


desejo de volta aos valores tradicionais e de monopólio político de um segmento aristocrático – ainda que de uma aristocracia reconstruída a partir de seu conceito original de “governo dos melhores”. Não é à toa que na Utopia de Morus “reunir-se fora do senado e das assembleias do povo para deliberar sobre os negócios públicos é um crime punido com a morte.” Assim não é estranho que ressurja em um novo momento de crise e transição a popularidade das Utopias visto que de novo se vive um momento no qual antigos valores perdem eficácia e novos valores ainda não estão suficientemente constituídos. Esta sociedade informacional, para utilizar o termo de Castells, está marcada por algumas contradições ainda não resolvidas em particular na esfera política onde dois modelos distintos profundamente ligados na própria criação e alicerce desta nova sociedade lutam pela hegemonia. De um lado existe o aspecto fortemente descentralizado, focado na iniciativa individual e numa perspectiva política libertária que marca a superestrutura desta sociedade informacional, construiu as bases da sua cultura e valores desde os primeiros passos da sociedade informacional na Califórnia dos anos 60-70. De outro existe um forte aparato infra-estrutural surgido a partir dos modelos militares e depois copiados pelas grandes corporações – notadamente as financeiras que estão fundadas sobre esta sociedade informacional ao mesmo tempo em que seu seu principal sustentáculo – e pelos governos. O caso chinês – particularmente bem discutido e analisado por Castells por ser o único no qual um modelo estatista foi capaz de ingressar na sociedade informacional produzindo uma transição adequada para o novo sistema produtivo – é bem significativo nesta junção porque foi até agora o único também no qual a dimensão militargovernamental centralizadora tem sido capaz de resolver a contradição pela supressão da dimensão libertária, inclusive com a utilização dos recursos de controle da informação e comunicação desenvolvidos

pela produção informacional como meio de sufocar conflitos latentes. Neste sentido o “modelo chinês” é útil na construção deste continuum de gradações das misturas das fontes e bases do sistema informacional por estar muito próximo do que seria um ponto extremo dos cenários possíveis. Muito menos significativo do ponto de vista econômico e demográfico mas no ponto concreto mais próximo do extremo oposto deste modelo estariam as TAZ – Zonas Autônomas Temporárias – de Peter Wilson e outros segmentos do Situacionistas no qual o elemento organizador/repressor oriundo do complexo industrial-militar foi totalmente eliminado restando só a dimensão libertária e criativa. É esta contradição das origens que torna possível a existência de dois cenários totalmente distintos na nova estrutura política que deverá emergir nas próximas décadas como a expressão governamental da economia informacional. Ou se terá algo muito similar ao modelo chinês de utilização estritamente instrumental das NTICs com aplicação maciça dos próprios recursos do sistema para um controle minucioso e brutal da liberdade individual ou se terá uma descentralização do poder de decisão com a extensão do debate, do direito de minoria e da liberdade de expressão até um limite muito próximo ao que era possível chegar nas Assembleias atenienses com dezenas de milhões de pessoas participam do processo político. O processo histórico tem demonstrado ao longo de todas as transições similares que mesmo que sempre exista algum tipo de mistura e síntese dos cenários possíveis sempre há uma tendência à nova ordem política ser a hegemonia de um deles sobre os demais. Assim por mais variantes que sejam possíveis parece que grande escolha é entre os modelos ideais de Teletela Cibernética – numa referência à utilização das NTICs para o controle minucioso dos cidadãos como no romance de Orwell – ou de Ágora Eletrônica – na reconstrução de uma forte democracia direta modelada na ateniense a partir dos recursos das NTICs.


III - Se a aparência e a essência das coisas coincidissem... Um dos complicadores destes dois modelos possíveis é a intricada complexidade com a qual a ideologia está arraigada nos discursos sobre o assunto. Esta complexidade é natural tendo em vista que a sociedade informacional é fundamentalmente um sistema fundado na produção e reprodução de conhecimento e portanto sua própria essência está ligada a produção e decodificação de símbolos. Também é natural levando-se em conta que transitando de uma velha ordem para a construção de uma nova os universos simbólicos que norteiam os discursos ainda estejam ancorados na superstrutura ideológica do mundo que desaparece e mal se vislumbre ainda a nova realidade que está surgindo. O processo é análogo ao da Utopia de Morus, motivo pelo qual se dedicou a introdução à Utopia original, no qual também a velha ordem feudal tenta se reconstruir ideologicamente como nova e reformadora para antepor-se à ordem capitalista que surgia. Desta forma não surpreende que elementos com conteúdo simbólico aparentemente progressista como “direitos coletivos”, “controle social” e similares sejam usados como esteios da construção da “teletela”, da solução conservadora para as contradições. Da mesma forma é significativo que mesmo as grandes corporações no centro desta sociedade informacional ao mesmo tempo em que asseguram um controle cada vez mais preciso e estrito sobre volumes cada vez maiores de informações a serem processadas adotem nas suas políticas internas não só processos de decisão mas mesmo normas de conduta totalmente libertárias. Já se tornou parte da cultura – e mesmo do folclore – o ambiente aprazível, informal e “divertido” dos centros corporativos mais relevantes como a Microsoft, bem como a tentativa de implantar padrões de comportamento profissional e pessoal mais “apresentáveis” já levou à falência ou a beira da falência

empresas-símbolos do informacional como a Atari.

processo

Tais contradições não são casuais, nem mesmo apenas fruto do processo histórico. Elas estão relacionadas à essência mesmo do processo de produção fundamental do sistema informacional que é a produção do conhecimento. Esta produção, ao contrário de todas as demais, não pode ser massificada e padronizada no seu processo de criação, embora o possa ser nas suas fases de processamento da informação, distribuição e consumo. É da sua natureza ser produzida por um segmento de elite – no sentido estrito e original do termo – que pode ser ampliado pela difusão da educação e cultura através de políticas sociais, menos desperdiçado através de políticas públicas que reincorporem segmentos marginalizados, melhor desenvolvidos através de sistemas de igualdade de oportunidades, mas sempre será, por definição dependente de um segmento minoritário da população, capaz de enxergar mais longe e mais profundo e criar o novo e portanto dotadas de um profundo senso de individualidade. Ao mesmo tempo o consumo em massa desta produção simbólica produz elementos também contraditórios em sua natureza na medida em que as próprias modificações na linguagem e código introduzidas por elas pode tanto elevar ou rebaixar os padrões culturais e educacionais. Aqui antepõem-se duas visões clássicas diferentes desta questão do código: a de Castells e a de MacLuhan. Para Castells não há diferença implícita entre a comunicação virtual e todas as formas anteriores de comunicação visto que em todas elas na verdade há a mediação através de símbolos e portanto todas sempre foram virtuais. Para MacLuhan “o meio é a mensagem” e portanto uma alteração no meio implica em um sentido diverso que delimita e determina o conteúdo da mensagem. Estas visões diversas não são excludentes, mas não deixa de ser um ponto favorável a MacLuhan que a expressão mediada pelas NTICs que permite – e ao permitir praticamente condiciona e determina que


assim seja – a comunicação utilizando recursos multimídia, hipertexto e outros recursos audio-visuais muda de forma expressiva seu conteúdo ao menos enquanto produto para consumo de massa. Tal como os vitrais das catedrais góticas serviam para que a escassa minoria dos letrados religiosos que dominavam o aparelho de reprodução ideológica se comunicassem com uma massa iletrada também os recursos multimídia tornam-se um recurso para a comunicação com uma massa jovem com “letramento” decrescente através da imagem, som, vídeo e outros recursos que dispensam a linguagem escrita. Este iletramento de segmentos crescentes da população traz uma contradição relevante para o sistema informacional que será determinante para qual os cenários – Teletela ou Ágora – emergirá. De um lado o baixo letramento das massas significa – na melhor exemplificação de que o meio é a mensagem – um predomínio do emocional sobre o racional, do impacto instantâneo das imagens sobre a reflexão estruturada da escrita e leitura. Esta “Revolução Cultural” - similar em essência a cometida pela China maoísta – tem grande impacto na preservação e estabilidade do sistema visto eliminar os elementos de contradição e reflexão e, como a Novilingua orweliana impedir até mesmo que a oposição ao sistema seja concebida em pensamento. Ao mesmo tempo, contudo, a disseminação desta tipo de cultura iletrada do “ninguém lê mais” apresenta um risco ao insumo fundamental do processo de produção da sociedade informacional que é o recurso humano criativo porque ao valorizar o iletramento e o emocionalismo e restringir a reflexão também condena a esta servidão simbólica parcelas da população que seriam necessárias a produção do conhecimento diminuindo as possibilidades de um recrutamento essencial à evolução do sistema. Agrava-se esta questão na medida em que a massificação intelectual da sociedade em nome de interesses coletivos tende a excluir

as fortes vontades individuais e anseios de contestação e renovação que estão diretamente ligados ao processo de produção do conhecimento – que é sempre uma produção contra o que está estabelecido. Assim os recursos humanos essenciais não só seriam limitados como em muitos casos estariam contra o sistema, enquanto a própria noção de Utopia depende de ausência de conflitos e domínio da conformidade. IV – Conclusões: Massa e elite Castells enxergou um acirramento da divisão social pelo achatamento dos trabalho médios tanto pela degradação da maioria como pela ampliação do estrato superior. A tendência é plausível na medida em que a elevação do nível médio de educação e cultura pelas políticas sociais, pela eliminação dos bolsões de exclusão pelas políticas sociais e a ampliação do acesso às NTICs com a sua universalização em talvez só uma geração – visto que Castells avalia que hoje o maior obstáculo às NTICs é apenas geracional e será eliminado quando a geração pré-informacional que resiste a elas desaparecer – amplia de forma muito significativa os padrões das massas. Também em um momento de franca expansão e carência de recursos humanos é natural que a ideia de carreiras abertas ao talento se multipliquem e as chances de ascensão sejam maiores aos dotados de habilidades especiais. Também é relevante que a constituição de uma “Industria Informacional” similar à “Indústria Cultural” tal como definida pela Escola de Frankfurt – em especial por Adorno e Horkheimer, ou seja a transformação de bens culturais em mercadorias de baixa qualidade passíveis de serem produzidos em massa – enfrenta um obstáculo criado pelas próprias NTICs que é a possibilidade de produção não alienada – ou sjea um mesmo indivíduo ou grupo é capaz de produzir conhecimento em todas as fases da produção até a distribuição/publicação.


Da mesma forma a substituição da produção de conhecimento pela reprodução de ideologias não é um objetivo condizente com a lógica do sistema de produção informacional, o qual depende de uma constante renovação, aperfeiçoamento e criação em ciclos cada vez mais curtos para sustentar-se. A transformação de cientistas e intelectuais em meros ideólogos não é um objetivo que o sistema seja capaz de conceber por mais relevante que seja como meta para sua preservação porque o processo de produção informacional requer a produção constante de conhecimento. Assim, salvo em condições de estrito e pesado controle governamental, tal como na China, é difícil imaginar a não existência de um grau elevado de produção de conhecimento que não implique em um anseio crescente por liberdade, tanto política quanto individual. Mesmo na China isto só foi possível em função de dois fatores, de um lado a produção de conhecimento em outras regiões, passível de ser adquirido e de outro pela constituição de uma casta altamente privilegiada de empreendedores internamente. Se o Estatismo chinês conseguiu êxito onde o soviético falhou – e esta falha custou sua sobrevivência como aponta Castells – foi pela capacidade não de manter-se como estatismo mas pela capacidade de transformar-se em um capitalismo informacional integrado a economia mundial, ainda que sob controle estatal na esfera política. A contradição e fragilidade deste modelo já foi apontada por muitos desde Castells, mas a China tem resistido a todas as previsões de implosões da contradição entre economia empreendedora e fechamento político. No resto do mundo tem sido apontada muito mais uma apatia política com um desinteresse da maioria dos segmentos pela política – com as decisões políticas sendo crescentemente apropriadas pelos aparatos tecno-burocráticos, como aponta Giovanni Sartori – do que uma ampliação da participação no processo decisório que já seria permitido pela utilização das NTICs. Apenas em parte este desinteresse é

contrabalançado por um crescimento do ativismo – notadamente de minorias políticas, religiosas, étnicas, demográficas – e da produção independente de informação e notícias que ganha nova dimensão e amplitude através destas novas tecnologias. O meio político tem se esforçado por estimular e copiar este ativismo com poucos êxitos notáveis e muitos fracassos retumbantes, quase sempre marcados exatamente pelo que se apontou acima acima como “método do vitral gótico”, ou seja pela tentativa de comunicação emocionalizada fundada em recursos multimídia e não na persuasão. As apostas parecem apontar para um cenário mais próximo daquele da Teletela Cibernética - com as NTICs sendo usadas para manipulação das massas e controle estrito dos indivíduos – do que para uma Ágora Eletrônica – com a disseminação do poder de decisão e incorporação de parcelas cada vez maiores de uma população mais culta e educada no debate dos temas públicos. Esta perspectiva pessimista só é abrandada pela necessidade constante e crescente de cérebros como insumo fundamental do capitalismo informacional, necessidade esta que em algum grau impediria a transformação da produção de conhecimento em reprodução de ideologias. DOMINGO, 20 MARÇO, 2 011 - 03:58

O futuro Manuel CastellsNTICs, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10769


A VERDADE E SEUS AMIGOS S E X T A - F E I R A , 3 0 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 7 : 4 9

Islam, Pessoal, Poesia, Literatura, Cinema, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10046


AOS AMIGOS ALEXANDRE, HILAL E SEU DJINN-WRITER S E G U N D A - F E I R A , 2 6 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 9 : 1 4

Pessoal ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10040


OLHAR DO CORAÇÃO TERÇA-FEIRA, 10 OUTUBRO, 2006 - 15:16

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10146


O DISCURSO IMPERIAL DA MODERNIDADE Certamente a modernidade é algo tão desejado quanto impreciso. Dificilmente alguém se prontificará a condenar a modernidade, mas é muito difícil encontrar duas pessoas que definam o termo da mesma forma. Contudo - e este é o tema principal deste artigo - a bandeira da modernidade é cada vez mais apropriada por um conjunto de ideologias que esforçam-se por abortar qualquer outro projeto de modernidade que não seja os delas. Há muitas armadilhas ideológicas espalhados neste campo minado que é a discussão da modernidade, mas talvez a mais perigosa delas seja a que assimila Modernidade a Ocidentalização. Uma das premissas básicas desta identidade ideológica é a atribuição de um caráter universal à visão ocidental de mundo. Premissa que é desmontada com muita competência em artigo recente publicado pela revista Innovation #(1), por Sayyid Sayyid. Entre outros aspectos, o autor ressalta a utilização por muitos Experts ocidentais do argumento que mesmo para contestar a visão ocidental os contestadores precisam utilizar-se de categorias ocidentais e beber na fonte do Ocidente. Este argumento ao mesmo tempo nega e afirma a identidade entre os valores ocidentais e universais e esforça-se para transformar uma questão que é historicamente construída em uma discussão genealógica aparentemente neutra. Uma das finalidades disto seria mascarar a existência de uma relação de dominação, portanto hierárquica, entre a visão ocidental e qualquer outra - embora no texto ele discuta de forma mais específica o discurso do Islam político. A mistificação se daria em

parte através da apresentação de qualquer discurso anti-ocidental como uma resposta ao discurso ocidental, assim a negação do sistema implica em parte também na afirmação do sistema. Esta argumentação, diz o autor, é um jogo de espelhos no qual uma relação assimétrica é apresentada como uma relação simétrica aos olhos dos observadores. É o mesmo tipo de discurso que tenta apresentar as políticas de cotas para negros nas universidades ou qualquer outro esforço de auto-afirmação de grupos étnicos, culturais ou religiosos não-ocidentais, modernistas e secularistas como sendo um racismo às avessas. Com isto, grosso modo, se produzem dois efeitos. Primeiro tira do sujeito subordinado qualquer possibilidade de autonomia, limitando-o a reproduzir, por contraste, o discurso dominante. Nas palavras do autor, "o subalterno apenas existe como um efeito do discurso hegemônico". A segunda é que esta construção esconde as relações de poder da relação porque apresenta uma relação de dominação portanto assimétrica - como sendo uma relação simétrica na qual um reflete o outro. Se a rejeição ao Ocidente é uma outra forma de aceitá-lo, então a habilidade de rejeitar diz o autor - é representada como uma capacidade ocidental. Por detrás deste e de outros mecanismos está a ideia de um mundo ocidentalizado ou como o único possível ou como o mais aceitável e consistente dentre as hipóteses oferecidas. Não é à toa que existe a preocupação de criar uma imagem de hostilidade entre a modernidade e qualquer grupo que conteste a supremacia ocidental. Isto equivale a dizer: "a globalização e o neoliberalismo podem ter seus defeitos, podem causar inúmeros transtornos, mas ainda assim é melhor que o reino das trevas do fundamentalismo e do atraso que é a alternativa a ele". Infelizmente falta espaço aqui para demonstrar como esta construção frequenta assiduamente o noticiário, às vezes de forma subjacente, quase subliminar, mas às vezes de forma bastante


explícita, até mesmo quando o Outro é apresentado com uma aparente simpatia. Certamente muitos não verão uma utilidade imediata nesta reflexão. Nós brasileiros estamos um passo adiante neste processo de doutrinação ideológica porque nós nos julgamos Ocidentais, parte do Grande Império e nos sentimos muito mais afins do Primeiro Mundo do que os semi-bárbaros colegas do Terceiro Mundo. Para utilizar o conceito de Edward Said, nós já perdemos a capacidade de nos representar e assim aderimos inconscientes ao papel que nos é dado desempenhar pelo diretor para uma plateia formada por nós mesmos. Não resta espaço para discutir até que ponto existe mesmo esta nossa identidade com o Ocidente - Huntington ao definir as civilizações globais coloca a América Latina num mundo à parte, destacado do Ocidente. O que não é estranho porque esta é, de fato, a imagem que o Ocidente realmente faz de nós. Bastaria a muitos dos que se julgam ocidentais passar uma temporada nos Estados Unidos ou Europa para ver que por mais brancos que sejamos - ou aleguemos ser - ainda somos uma espécie inferior aos olhos do Ocidente real. (1) Sayyid, S. Anti-essentialism and universalism Innovation: The European Journal of Social Sciences, Dec98, Vol. 11 Número 4, p377, 13p. in Academic Search Elite [base de dados on-line] disponível em http://www.epnet.com/ehost/login.html (Boston, MA.: EBSCO Publishing, acessado em 24 de Março de 2.000). SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:35

Islam, Pessoal, Arte, Política, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/29


REALPOLITIK E "POLÍTICA DE PRINCÍPIOS" Resumo: O presente artigo examina algumas concepções que opõem uma "política de princípios" à chamada "Realpolitik" tentando demonstrar que os termos são em geral ilusórios tanto quanto aos seus resultados quanto aos seus sentidos. O eixo do artigo é que as visões utópicas - "de princípio" - em geral baseiam-se numa concepção totalitária da sociedade. Palavras-chave: Política, Teoria Política, Maquiavel, Morus, Kissinger, Utopias "O apelo (...) ao altruísmo inculca uma certa imprevisibilidade; o interesse nacional pode ser avaliado, o altruísmo depende da definição que lhe dê o praticante" (Kissinger, Diplomacia) Analisando a história da política externa americana o pragmático e polêmico chanceler americano - nascido na Alemanha - destaca o paradoxal efeito das diferentes visões de Roosevelt e Wilson. Enquanto o primeiro defende uma participação ativa no cenário mundial e a adoção dos valores da política de equilíbrio de forças que caracteriza a política europeia, o segundo defende um distanciamento destes velhos modelos e uma revolução moral que seja capaz de construir uma paz mundial. Não obstante estes pontos de partida, a política de Roosevelt deixou os Estados Unidos fora de conflitos e a de Wilson não só arrastou seu país à 1ª Grande Guerra como ainda serviu de alavanca à atual política de "polícia global" tão cara hoje aos americanos. A lição do velho chanceler serve a muitas outras áreas distantes das Relações Internacionais, até mesmo para os microconflitos da política local. Muitas vezes por detrás de velhos princípios e elevadas aspirações esconde-se, até de forma inconsciente, uma política guerreira,

violenta, inescrupulosa até. "Os estadistas, mesmo os guerreiros, enxergam o mundo em que vivem, já para os profetas o 'mundo real' é aquele ao qual querem dar vida", diz Kissinger chamando a atenção para os perigos de uma "política de princípios". A opressiva Utopia Há, enfim, duas diferentes formas de ver a política, uma é "Realpolitik" que enxerga a política como ela é; outra é a visão da política como ela deveria ser. Uma é "O Príncipe" de Maquiavel, outra a "Utopia" de Thomas Morus. Ambas pertencem a mundos diferentes, a campos absolutamente diferentes do conhecimento e da mistura - e confusão - das duas surgem aberrações que a história registra como catástrofes. A Utopia, longe de ser um retrato de um mundo ideal no qual todos gostariam de viver - como pensam aqueles que conhecem o livro só de nome - é a descrição de uma sociedade de totalitarismo inevitável. Alguns pequenos trechos do livro de Morus demonstram isso com clareza: "os viajantes se reúnem para partir em conjunto; munemse duma carta do príncipe que fixa o dia do regresso"; "como nada se pode dizer ou fazer que não seja percebido pelos vizinhos, assim a gravidade dos velhos, o respeito que eles inspiram, contém a petulância dos jovens, impedindo-lhes sair da medida tanto nas palavras como nos gestos", "cada um, constantemente exposto ao olhar de todos, se sente na feliz contingência de trabalhar e repousar, conforme as leis e os costumes do país" e este trecho em especial: "É entre os letrados que se escolhem os embaixadores, os padres os traníboras e o príncipe (...) O resto da população ativa não exerce senão profissões úteis." Cidadania maquiavélica No contraponto a Realpolitik tem o texto repleto de conselhos cruéis de Maquiavel, a justificativa dos meios pelos fins, mas sobretudo um respeito à sociedade e a crença que a população ainda que erre no particular é capaz de acertar no geral, a noção que é da participação da sociedade com seus erros e acertos - e no respeito


mútuo entre Príncipe e cidadãos - ainda que imposto pelo temor - que reside a estabilidade dos Estados. O temor é necessário sobretudo porque se respeitam as diferentes forças e vontades, o homem para Maquiavel - não é aquela massa amorfa que um indivíduo iluminado pode moldar como quiser e tudo impor a ela - como é para Platão, Morus, Hitler ou Stalin - mas sobretudo alguém dotado de vontade própria que nem sempre corresponde às vontades do Estado ou do Príncipe.

prerrogativas de dizer a forma pela qual a política - e mesmo a sociedade - deve ser organizar, reservando a eles próprios papel de destaque, de vanguarda, neste processo.

A Realpolitik, cuja prática remonta à Antiguidade mas cuja formulação no Ocidente é sobretudo obra de Maquiavel, implica necessariamente no reconhecimento destas vontades próprias que devem ser conquistadas pelos argumentos ou pela força.

Como foi dito, isto é na melhor das hipóteses, em geral há outro problema muito mais sério. Foi dito acima que a visão da política como ela é e a formulação de teorias sobre como ela deveria ser são pertencentes a campos distintos - ainda que se comuniquem - do conhecimento. Em geral a chamada "política de princípios" esconde por debaixo de si visões muito realistas, no melhor estilo "a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude".

O povo entra na história do pensamento ocidental em grande parte pelas mãos de Maquiavel, que identifica-o como ser dotado de vontade, capaz de decisão e ansioso pela liberdade: "(...) o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo". E ainda: "o objetivo do povo é mais honesto do que o dos poderosos; estes querem oprimir, aquele não ser oprimido". Além da advertência severa de Maquiavel: "Contra a hostilidade do povo o príncipe não pode se assegurar nunca, porque são muitos; com relação aos poderosos é possível por que são poucos". Realpolitik e 'Política de princípios' O leitor mais ansioso deve estar se perguntando o que estas coisas, o que este artigo talvez pedante tem a ver com questões práticas, objetivas e atuais. Para se chegar a este ponto é preciso constatar que em geral a chamada "política de princípios" na melhor das hipóteses esconde uma visão totalitária da política. Normalmente recheada com doses de profetismo e pitadas de messianismo, a "política de princípios" baseia-se no conceito de que algumas pessoas - não por mera coincidência os autores destes princípios ou aqueles que em nome destes exercem, ou pretendem exercer, o Poder - devem deter as

Foi uma noção inaugurada por Wilson na política externa americana de uma missão nobre de implantar uma ordem moral nas Relações Internacionais que é utilizada, até hoje, como meio de legitimar a Nova Ordem Mundial dominada pelos Estados Unidos. Esse talvez seja a essência do livro de Kissinger.

Há ainda uma terceira possibilidade teórica de interação entre estas duas visões da política, aquela na qual uma "política de princípios" se rende a uma estratégia da Realpolitik para chegar e manter-se no Poder enquanto implanta seu programa autoritário de reformas. Assim não é estranho que Hitler e Lenin, portadores de uma "política de princípios" - por mais que se conteste estes princípios, eles eram inegavelmente princípios foram igualmente mestres da Realpolitik a ponto de "passar a perna" nas velhas raposas. Portanto a vindicação de uma "ética na política" é, não raro, ou a tentativa de impor um conjunto de valores à sociedade de forma autoritária ou uma maneira de camuflar objetivos muito menos nobres. E isto Não é válido apenas para as altas esferas da política internacional, mas também na vivência cotidiana do poder local, na esfera da micro-política que rege a política municipal ou até mesmo as relações de poder dentro de empresas e instituições. Há portanto duas concepções da política - de um lado a que enxerga a política como ela é, de outro a que a enxerga como ela é - para


poder chegar a questões mais práticas voltadas para a eleição do próximo ano, peço, portanto, um pouquinho mais de paciência ao leitor na esperança que a continuação da análise ainda hoje não será de todo inútil para se tentar compreender as forças que disputarão a política local. As duas visões da política impõem duas estratégias diferentes, ou uma crença quase sempre injustificada e de conteúdo meio religioso - que "a verdade prevalecerá e portanto pode-se em geral ignorar as condições concretas na qual as batalhas serão travadas. De outro a chamada Realpolitik que - até com certa dose de cinismo - tenta explorar todas as possibilidades da busca da hegemonia ou do equilíbrio, sem levar em grande consideração valores morais ou ideologias políticas. A primeira em geral rejeita alianças e descarta qualquer compromisso com o inimigo principal ou secundário - só pode ser vitoriosa, portanto, a partir de uma aniquilação total do adversário. A segunda jamais deixa ao exército o papel que pode ser desempenhado pela política, tenta enredar o adversário numa trama de alianças ocasionais na qual as preferências políticas e ideológicas tem muito pouca importância. Política ineficiente Muitos provavelmente argumentarão que não existe algo como "política de princípios" e a grande verdade é que quase sempre ela serve apenas para encobrir outros tipo de interesse. Porém é preciso enxergar mais longe para ver que existe de fato um "política de princípios" em diversas forças políticas, mas que esta quase sempre não prospera por dois motivos básicos. Em primeiro lugar ela é ineficiente, já que dificilmente se baseia numa análise objetiva da realidade e quase sempre abre mão dos recursos políticos - em especial alianças que a permitiriam ser vitoriosa. Em segundo lugar - e esta característica será mais importante como se verá em breve - a noção de uma vitória sem compromissos, de uma vitória total, torna seu objetivo tanto mais distante da realidade como mais

assustador para os adversários, afinal impõe a eles o enfrentamento de "vida ou morte". Este medo é um grande gerador de alianças na parte contrária. Isto não significa, de forma alguma, que a "política de princípios" não possa se sair vitoriosa, ainda que a história demonstre que isto seja raro e que ela no mais das vezes conduz a desastres. Kissinger, no livro citado ontem, destaca o que seria, de certa forma, o primeiro confronto dos dois modelos na Guerra dos Trinta Anos no qual os dois principais atores foram ao Habsburgo e o Cardeal Richelieu. É evidente que a Realpolitik existia já na Renascença - como atestam as análises realistas de Maquiavel - mas Richelieu destaca Kissinger - foi o primeiro que a formulou de forma clara, sem hipocrisias nem disfarces. Com a sua tese da Raison d'État o hábil cardeal baniu a moral da política e inaugurou uma nova forma de ver a política. Do confronto de um Richelieu disposto a tudo para evitar o cerco da França pelos Habsburgo e a transformação da Alemanha em um Estado-Nação - não hesitando para isto de financiar e mesmo lutar ao lado dos protestantes contra o Imperador Católico - e de um Ferdinando fanático a ponto de mesmo esgotado pela guerra ser incapaz de ceder em pontos mínimos aos protestantes surgiu um mapa europeu que só recentemente se começa a mudar. Contudo esta tendência não é inevitável - e tende a se tornar cada vez menos forte - em especial quando se tem um dos atores reunindo forças importantes e fôlego suficientes para enfrentar a batalha e quase sempre inevitável - um mínimo de habilidade se não para fazer alianças explícitas, ser capaz de acordos tácitos que impeçam que o adversário as faça. Bibliografia Kissinger, Henry. Diplomacia. Tradução de Saul S. Gefter e Ann Mary Fighiera Perpétuo, Revisão da tradução de Heitor Aquino Ferreira. Rio de Janeiro: Francisco Alves/Univer Cidade Editora, 2ª edição, 1999. 1008 páginas.


Maquiavel, Nicolau. O Príncipe in Maquiavel, Coleção Os Pensadores. Abril Cultural, 1973. ________________. Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Coleção Os Pensadores. UNB, 1979. 462 páginas. Morus, Thomas. A Utopia. Edições de Ouro, 1961, 176 páginas. Platão, A República, Editora Calouste Gulbenkian. Sd. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:09

Islam, Pessoal, Arte, Literatura, O futuro, Política, Filosofia e cia Aldous Huxley, Thomas Morus, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/53


LIBERDADE E ESCRAVIDÃO T E R Ç A - F E I R A , 4 JU L H O , 2 0 0 6 - 1 5 : 5 4

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10047


VEREDAS TERÇA-FEIRA, 15 AGOS TO, 2006 - 14:39

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Literatura, Cinema, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10081


da diversidade não é nada mais que uma ilusão.

A ANIQUILAÇÃO "As opiniões dos homens sobre Deus surgem apenas na imaginação deles; e é absurdo tentar deduzir alguma coisa do que dizem: bem ou mal eles o disseram de si mesmos" ( Farid Attar, Mantiq ut-tair) O homem sempre tentou entender a natureza da divindade, mas ao refletir sobre isto está condenado a limitar esta compreensão ao seu próprio universo de ideias e símbolos e portanto condenado ao fracasso. Aliás o termo refletir parece ser mais do que adequado porque em praticamente todos os casos o homem pensa ter visto Deus quando na verdade vê apenas o reflexo de si mesmo, de seus valores, paixões e personalidade. Um conhecido texto sufi diz que Deus é como um espelho que partiu-se em milhares de pedaços e caiu sobre a terra, cada homem ao examinar a parte do espelho que encontrou olha para ele e diz: É Deus. Numa simplificação extrema tal percepção gerou o panteísmo - a noção de uma unidade intrínseca de todos os homens entre si e entre eles e a divindade - que certamente é uma das ideias mais estranhas já produzidas pela filosofia. Não estranha naquele sentido mencionado por Swift - que por sua vez baseou-se nos romanos - de que qualquer ideia por mais estapafúrdia que fosse seria capaz de encontrar algum filósofo que a defendesse, mas estranha justamente porque não pode ser provado ou tampouco refutada em definitivo. A noção que o conjunto da espécie humana forma um todo superior às partes produziu tanto belas páginas da literatura como os regimes totalitários - que essencialmente baseiam-se no ponto de vista que o todo deve controlar as partes e estas devem se submeter àqueles que se legitimam dizendo representar o todo. Mas o panteísmo é mais radical do que isto na medida que estabelece um laço direto entre todos os homens e a divindade no qual a percepção

Por esta noção o verdadeiro objetivo do homem seria alcançar esta unidade, o que implica - para os adeptos mais radicais do panteísmo como o polêmico filósofo medieval Ibn Arabi - na aniquilação da individualidade aparente para eliminar os obstáculos que impedem a integração na realidade da Unidade. Para além deste misticismo de boutique que anda na moda - e que na verdade não só Não é misticismo como é a própria negação do conhecimento esotérico: a superstição - as mais variadas correntes místicas tem, de uma forma ou de outra, apresentado variações sobre este mesmo tema. As variantes em geral referem-se ou ao caminho para se chegar a esta unidade ou ao grau de aniquilação do indivíduo para que se chegue à Unidade, mas não raro usam as mesmas metáforas. Borges, sempre impressionado com metáforas e ideias estranhas, dedica um dos textos do seu Outras Inquisições, a uma delas: a esfera de Pascal. Traçando a genealogia da descrição de Deus como uma esfera cujo centro está em todas as partes e o centro em nenhuma. A Noção original parece ter vindo de Platão, mas ela só ganha forma consistente no pensamento ocidental no Século XII. Quase quatro séculos antes a poetisa muçulmana Rabi'a, contudo, já usava a mesma imagem em um verso: "Eu sou a Realidade do mundo, o centro e a circunferência, sou suas partes e o todo" e mais adiante: "É por Meu olho que tu Me vês e tu te vês, não por teu olho poderás Me conceber". Em artigo recente comentei uma das últimas encarnações desta metáfora, o filme Matrix, tão pouco compreendido por aqueles que julgaram tratar-se apenas de mais um filme de ação e ficção científica. Um dos avatares mais conhecidos da mesma metáfora panteísta: o mantiq ut-tair (conferência dos pássaros) do poeta persa do século XII Farid Attar. O texto é personagem frequente dos textos de Borges que chega a esboçar alguns


contos vagamente inspirados nele como a falsa resenha "a aproximação a Almotasin" ou o curioso texto "as ruínas circulares". A história é simples, uma pena do simurgh cai no centro da China e os pássaros - que naquela ocasião procuravam um rei concluem que o dono de tão esplendida pena deveria reinar sobre eles. É evidente aqui a assimilação entre uma única pena e o tanto que os homens são capazes de conhecer da divindade, ainda assim o suficiente para que A admirem. Inicia-se então uma expedição destinada a encontrar o Simurgh para tentar convencêlo a reinar sobre eles. A longa jornada enfrenta adversidade e ao traspassar sete abismos - o último dos quais se chama justamente aniquilação - só restam 30 pássaros. Descobrem eles então que o Simurgh não é outro pássaro senão eles mesmos, mas este aprendizado só veio aos que tiveram a coragem de enfrentar os perigos da senda e a aniquilação. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:03

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Cinema, Filosofia e cia, Religião Swift, Rabi'a al-Adawiyya, Rabi'a alAdawiyya, Jorge Luis Borge, Jorge Luis Borges, Farid ud-din Attar, Farid ud-din Attar,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/1


A AVERSÃO ÀS ELITES QUARTA-FEIRA, 26 ABR IL, 2006 - 18:56

Comunicação, Pessoal, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10002


BALZAC E SEUS CONTRAVENENOS À IMPRENSA "A imprensa será morta como será morto um povo: dando-lhe liberdade" (Balzac, Monografias sobre a Imprensa Parisiense) A coletânea "Os jornalistas", lançada recentemente pela Ediouro, reune dois trabalhos menores e menos conhecidos de Balzac: Monografia da Imprensa Parisiense e Os Salões Literários. O primeiro é muitíssimo mais divertido porque se propõe a fazer uma tipologia dos jornalistas, rigorosamente classificados em categorias, variedades e subgêneros do topo ao piso de um jornal. Dificilmente Balzac imaginaria que seu livro tivesse tanto fôlego pois é muito mais uma coleção de epigramas aos desafetos inspirados sobretudo pela vingança. A aguçada lâmina fria do epigrama parece não poupar a ninguém, nem mesmo aos raros tipos nos quais ele reconhece o talento mas lamenta que este seja consumido na rotina medíocre e nos interesses rasteiros dos jornais. Para definir os jornalistas ele os chama da Ordem de Gendelettre (como gendarme é originalmente Gente de Armas) ou pelo apelido menos carinhoso, mas mais revelador, de estraga-papel. Poderia-se chama-los de Filhos da Pauta, numa atualização tardia, que ainda hoje provoca ira nos coleguinhas. É justamente esta similaridade que assusta, um trecho descrevendo um dos personagens de Balzac se transcrito hoje seria considerado como ofensa pessoal por pessoas idênticas àquelas descritas pelo escritor francês na primeira metade do

século passado. Até me abstenho de citar algumas destas passagens porque não faltariam coleguinhas a vestir as carapuças. Mas quem ler o livro Não terá dificuldade em reconhecer o que eu digo. Tem se a impressão que a imprensa não evoluiu nada nestes quase duzentos anos, que continuam a habitar o mundo da imprensa os mesmos estereótipos - ou seriam arquétipos? - dos estraga-papel da França balzaquiana. Se esta estagnação de dois séculos já é em si preocupante, ainda mais o é o fato de que Balzac nem de longe pretendeu realmente fazer um retrato da imprensa, mas apenas vingar-se dos desafetos. A obra não é um estudo científico, mas uma coleção de epigramas emoldurada pelo talento de Balzac como frasista. Ele não faz um retrato, mas uma caricatura dos jornalistas de sua época; contudo esta caricatura é um excelente retrato da imprensa local contemporânea. Estão todos lá, a começar deste que vos escreve, num retrato quase perfeito cuja necessidade de retoques é mínima. Os mesmos perfis, as mesmas ambições, as mesmas ilusões, as mesmas estratégias de sobrevivência, os mesmos expedientes, só faltam os mesmos talentos, material cada vez mais raro. No máximo um ou outro dos personagens reais consegue reunir os defeitos de dois ou três dos tipos retratados - nunca as qualidades diga-se de passagem. É provável que se Balzac vivesse por aí hoje não conseguiria ser tão contemporâneo, ainda mais com um livro que para ele seria evidentemente datado. Datado sobretudo porque ele tem a intenção de retratar nem tanto um tipo, mas algumas personagens da sua época. Imaginaria ele, portanto, que os leitores de outro século, outro país, outra língua, outra cultura seriam incapazes de descobrir quem eram os personagens reais aos quais os epigramas eram destinados e portanto a obra Não poderia mais ser decodificada. O que se vê é justamente o contrário; o


Mestre-jaques, o publicista de carteira, o jovem crítico louro (que muito bem pdoe ser moreno, como ressalva Balzac), o Nadólogo, o Agregado, os Camarilhistas, o Farsante, o Incensador e tantos outros tipos passaram a ganhar vida como caricatura de outros tipos bem reais. Querendo fazer um epigrama gigantesco, Balzac acabou por ser capaz de um verdadeiro tratado sociológico dos jornalistas - profissão, aliás, que ele também exercia. Mas há um outro aspecto que chama a atenção na obra amarga e vingativa de Balzac. Ele entrou para a história como um dos maiores escritores da humanidade, seus detratores Não só Não puderam evitar isto com todas as suas intrigas e perseguições, como ainda só escaparam do anonimato absoluto para tornarem-se caricaturas. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:19

Comunicação, Pessoal, Arte, Literatura, DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/12


INVOCAÇÃO QUINTA-FEIRA, 17 AGOSTO, 2006 - 15:55

Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10086


"O que é escrito sem esforço é lido sem prazer" ( Johnson)

repetitivo, desculpa para esconder a falta de uma boa história. Borges, de novo, em um texto no qual comenta a obra de Hawthorne contrapõe o conto ao romance afirmando que no primeiro o eixo se encontra no enredo e no segundo nos personagens. Como toda classificação também a de Borges tende a ser arbitrária, mas não de todo desprovida de utilidade.

A arte em todas as suas manifestações é prolífera em debates inúteis nos quais se radicalizam posições já em si extremadas e deixa-se de lado o sábio "caminho do meio". Um dos mais estéreis nichos deste debate é o que tenta antepor forma e conteúdo.

Há na literatura atual uma falta absoluta de contistas neste sentido de Borges, Não no Brasil, mas no mundo. Faltam "griots" modernos que sejam contadores de história, ao menos para o meu gosto como leitor.

FORMA E CONTEÚDO

O estrago nesta área foi certamente maior nas artes plásticas, onde criou-se o mito de que só a forma é importante e gerou-se uma avalanche de artistas mais preocupados em mostrar que inovam as técnicas do que em dizer qualquer coisa por menor que seja. O que era uma vaga de renovação e sensibilidade nos impressionistas acabou por se tornar uma desculpa para iludir o público nos ultra-trans-neo-vanguardistas. Em uma frase memorável Borges (desculpem-me os parcos leitores pela citação quase diária de Borges) diz que quem diz que a arte não deve expressar doutrinas em geral refere-se apenas às doutrinas que lhe são contrárias. Na literatura vem se dando processo semelhante e é preciso muita coragem para não admitir que os grandes escritores deste século mal chegam aos pés dos seus antecessores das épocas passadas. Com a pretensão de serem cosmopolitas acabam sendo provincianos ao extremo, o pior tipo de provinciano, ou seja aquele típico intelectual de província que dedica a vida a maldizer o lugar onde vive e que tenta impressionar os demais não pelo talento, mas pela adoção mecânica das últimas modas do mundo civilizado. O romance psicológico que de início era novidade tornou-se norma irritante,

Tento cumprir uma velha obrigação legada por um professor já falecido de ler a Montanha Mágica de Mann, mas nem a sensação de que lá há uma mensagem que ele teria me deixado me anima a escalar as 800 páginas de perfis psicológicos e diálogos pretensamente intelectuais - que na gíria de hoje chama-se "papo-cabeça" por algum motivo que escapa ao meu controle. Se eu que sempre fui um rato de biblioteca, que devoro livros atrás de livros não consigo ler, assim como jamais conclui o Ulisses de Joyce que tentei ler infindáveis vezes, imagino que o texto deve realmente ser muito chato (quem sabe não foi esta a mensagem que o professor quis me passar?). Já nem falo da intragável literatura americana da qual só salvo Poe, Hawthorne e alguma coisa de Steinbeck. Avalio que nestes textos todo há um desequilíbrio entre forma e conteúdo, há uma maestria no manejo da forma que não é acompanhado nem de perto pelo conteúdo. O imenso painel humano, psicológico e ideológico da Montanha Mágica, por exemplo, soa artificial, como se fosse um experimento de laboratório ao invés de parecer com o microcosmo que Mann tentou criar. Que os adeptos da forma me perdoem, mas certamente uma boa história mal contada é


ainda bem contada, mas uma bela composição formal sem conteúdo algum como a poesia parnasiana - não é absolutamente nada. Daí concluo que o conteúdo é superior à forma, ainda que não possa prescindir dela e ganhe muito se estiver embalado em uma forma adequada. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:23

Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Literatura Jorge Luis Borge, Hawthorne,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/16


VAZIO QUARTA-FEIRA, 6 SETE MBRO, 2006 - 18:28

Pessoal ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10108


O MEDO DA IMORTALIDADE O Homem Bicentenário (The Bicentennial Man) que estreou nos cinemas brasileiros esta semana traz uma edulcorada adaptação de dois contos de Isaac Asimov, como todos já devem ter lido à exaustão em milhares de textos sobre o filme. Um dos contos preferidos do próprio Asimov, O Homem Bicentenário fica bastante diluído dentro da trama da novela "O Homem Positrônico" na adaptação cinematográfica. Há dois enredos concorrentes dentro da trama, motivada pela mistura das duas histórias. A ideia de um robô lutando para ser reconhecido como humano - o enredo de The Positronic Man - é hoje mais ou menos rotineira (embora não o fosse quando Asimov escreveu a história em 1976). A discussão sobre o status dos robôs já surge com o nascimento da palavra em uma obra do início deste século e, evidentemente, há ali uma discussão também sobre o que significa ser "humano". Certamente a versão mais importante deste enredo está em Blade Runner, filme que certamente desenvolve muito melhor o tema que o filme de Chris Columbus. E não é para menos, afinal Asimov fazia questão de fazer os seus textos serem o menos aproveitáveis possível para o cinema, ao contrário de tantos autores de hoje. Assim qualquer adaptação cinematográfica da obra deste Balzac do Sci-fi já conta de cara com a má vontade do autor. Mas há um outro tema no enredo que quase passa desapercebido, embora seja o conteúdo principal do conto que dá nome ao filme: o horror à imortalidade. No conto um homem que gradativamente se torna "artificial" pela substituição de seus órgãos e tecidos luta para morrer porque a dor de estar sempre perdendo as pessoas próximas, de viver em um passado distante,

de se sentir a única coisa estática em um mundo em constante mudança é um peso excessivo para ser carregado. No filme esta temática quase desaparece, fica a impressão que para o protagonista ser reconhecido como humano é mais importante do que viver. O fardo tedioso da imortalidade tampouco é um tema novo, embora Asimov o tenha trazido do reino da mágica para o da realidade cotidiana realidade que por sinal está muito próxima. Borges refere-se ao tema inúmeras vezes, a mais destacada dos quais deve ser no conto "Os Imortais" no qual a eternidade é uma eterna monotonia no qual a única esperança é encontrar um meio de morrer. Curiosamente parece que os dois autores, tão contemporâneos e tão diferentes, tiveram a inspiração numa mesma fonte: "As viagens de Gulliver" de Jonathan Swift. Em um dos lugares visitados pelo autor existem homens que são incapazes de morrer. Não são semi-deuses ou heróis, mas antes seres solitários e de mau-agouro, distantes dos seus contemporâneos com os quais são incapazes de se comunicar tanto pelas mudanças da linguagem quanto pela de costumes. Em Borges a referência é clara, é óbvio que ele está se remetendo ao texto de Swift como indicam várias pistas ao longo do texto e no próprio prólogo da obra. Em Asimov ela é menos evidente, mas Não menos presente. Asimov era um ávido leitor e admirador de Swift, há inclusive uma versão das "Viagens" comentada por ele e escrito pouco após o lançamento de "The Bicentennial Man". Mas em uma produção destinada ao grande público seria mesmo pouco provável que um tema tão lúgubre, tão distante da eterna ambição do homem pela imortalidade, tivesse demasiada importância. Talvez por saber destas tendências simplificadoras do cinema Asimov tivesse tanto horror a ver seus filmes transformados em livros. Há contudo um grande mérito no filme. É talvez um dos poucos filmes de ficção científica dos últimos tempos no qual os efeitos especiais desempenham um papel


tão pequeno, secundário mesmo, em relação ao roteiro. O diretor parece ter acertado em apostar mais na força da história do que na parafernália eletrônica que, em muitos casos, é o único atrativo de algumas produções recentes do gênero. Infelizmente ao fazer isto acrescentou uma certa dose de pieguice da qual o filme poderia prescindir, mas que não torna a adaptação tão desagradável a ponto de não poder ser assistida. Certamente o filme decepciona os fãs do gênero que associam ficção científica com cenários futuristas ou rocambolescos episódios de ação enfeitados com computação gráfica, mas estes adereços em geral tem como principal finalidade disfarçar a falta de um enredo, o que Não é o caso de "The Bicentennial Man". SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:31

Pessoal, Literatura, O futuro, Cinema, Religião Swift, Jorge Luis Borge, Isaac AsimovDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/24


NOVAS TECNOLOGIAS E O SERVIÇO PÚBLICO No meio da lavação de roupa suja que antecede a cada eleição ficam submersos os problemas realmente importantes, aqueles sobre os quais os eleitores - ao menos os conscientes - gostariam de ouvir a opinião dos que pretendem nos governar. Um destes temas é a informatização do serviço público municipal, tema que já seria importante se a cidade não pleiteasse o título de "Capital da Tecnologia". As novas tecnologias da Informática e da Comunicação são em geral tratadas, quando são, de forma genérica, vaga, mais como pretensos símbolos de identidade com a modernidade do que como ferramentas efetivas de gestão. Certamente não mereciam este tratamento superficial, como também não merecem o tratamento excessivamente técnico que as torna parte de um discurso esotérico no qual o cidadão pouco é capaz de perceber o que elas podem fazer por ele quando aplicadas por uma administração séria. A questão da seriedade é fundamental porque qualquer processo de informatização que se preze trará como consequência principal a transparência total e absoluta. Em outras palavras, traz a administração pública da esfera de Ciência Oculta para ser julgada, em tempo real, pelo cidadão comum. Agilidade e descentralização Mas a transparência é apenas uma das vantagens da informatização do serviço público. Ao substituir velhas salas com montanhas de processos comandadas por um burocrata nem sempre de boa vontade por um terminal de auto-serviço que o próprio cidadão pode consultar tem-se um

enorme ganho de eficiência. Eficiência que pode ser medida em termos bem concretos pelo tempo economizado ao cidadão. De quebra este pobre cidadão ganha, por exemplo, um controle absoluto sobre a tramitação do processo que lhe interessa, pode checar prazos, ver resultados e pareceres quase ao mesmo tempo que eles são produzidos e descobrir aonde está o gargalo que impede que seu problema seja resolvido. Só a substituição de montanhas de papel indecifráveis por informações digitalizadas já se tem um ganho de tempo, transparência e eficiência quase incomensurável. Como efeito colaterais deste processo ainda fica praticamente eliminado o risco tanto de corrupção quanto da habitual má vontade. O pobre cidadão comum deixa de estar a mercê de alguma "otoridade" para poder se virar por si mesmo. Há também a vantagem da descentralização. Uma pequena sala nos postos de saúde, escolas, centro comunitários e outras repartições espalhadas pela cidade alivia o cidadão de ter de fazer inúmeras peregrinações ao centro da cidade. Além disso permite que ele sem maior esforço consulte diariamente, se quiser, o andamento dos processos de seu interesse. Isto para não falar que uma vez implantado este sistema não seria difícil torná-lo acessível pela Internet, permitindo que de seu própria casa o cidadão faça o controle. Alguns argumentarão que a Internet é um meio elitista, certamente posição de quem desconhece o fato de que num futuro bem próximo ela será tão popular como o rádio, A TV e o telefone. Só para se ter uma ideia, para ter a mesma proporção de usuários que a Internet teve em 5 anos o telefone levou 30 anos, o rádio 40 e a TV pelo menos uns 25. Controle social Ao cidadão comum esta informatização que lhe livra das garras dos burocratas e da ineficiência lhe interessa porque facilita a sua vida. Ao cidadão mais consciente e ao agente político ela interessa ainda mais


porque permite que se tenha um controle efetivo de como a administração está funcionando. O controle orçamentário, por exemplo, é uma tarefa extremamente difícil por mais que se publiquem boletins de caixa. Com uma administração realmente informatizada qualquer cidadão com algum conhecimento da área pode fazer este controle. No caso de uma administração extremamente séria pode-se até tornar os dados tão claros que a maior parte dos cidadãos comuns poderá acompanhar esta questão sem maiores problemas. Hoje provavelmente nem os escalões mais altos da administração sabem quais são efetivamente as suas prioridades. Com um controle efetivo qualquer um poderia saber após algumas consultas aonde diariamente vem se aplicando os recursos financeiros, materiais e humanos do serviço público. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:08

Comunicação, Pessoal, Arte, Política, Religião DT, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/52


EMPATIAS QUINTA-FEIRA, 10 AGOSTO, 2006 - 16:16

Pessoal, Literatura, Cinema, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10076


CHAVES DE LOBATO QUARTA-FEIRA, 10 MAIO, 2006 - 15:03

Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Literatura, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10006


A TENTAÇÃO DA AÇÃO

A vida prática sempre me pareceu o menos cômodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho injustamente condenado. Ter influência no mundo exterior, alterar coisas, transpor entes, influir em gente — tudo isto pareceume sempre de uma substância mais nebulosa que a dos meus devaneios. A futilidade imanente de todas as formas da ação foi, desde a minha infância, uma das medidas mais queridas do meu desapego até de mim. (Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego”)

Poucos ditados populares encontrariam tanto reforço nas mais elevadas e complexas teologias como o que diz que “de boas intenções o Inferno está cheio”. A nossa incompreensão dos intrincados mecanismos das coisas do mundo e até das sociedades nos faz tantas e tantas vezes agir de forma desastrosa até quando a intenção é fazer algo positivo. Talvez sabedoras disto as mais antigas e sólidas tradições religiosas tenham consagrado como o seu ideal de santo

aquele que nada faz, só fica parado em contemplação e justificando assim a existência do mundo, tal como os grandes santos hindus, budistas, cristãos e alguns sheikhs sufis. No seu sentido tradicional a única forma de se evitar o Karma – tem tem muito pouco a ver com estas noções popularizadas por aí para consumo dos superficiais – é a nãoação. Qualquer ação gerará Karma, produzirá efeitos negativos que mesmo sendo feitos involuntariamente aumentarão a nossa dívida, porque eles dependem exclusivamente dos resultados, não das intenções que tínhamos aos executá-los (nem falo aqui das intenções falsas, hipócritas ou racionalizadas, só das intenções que realmente eram boas). Toda ação parte, nestas doutrinas, no fundo de um orgulho do homem que considera-se capaz de compreender o mundo e interferir nele. Só são louvados, portanto, entre os os que agem aqueles no extremo da santidade, porque no caso quem age não é o próprio, mas a divindade que age através dele. Para os homens normais, não agraciados com a benção da santidade, a tentação da ação é sempre grande demais e neste ponto as teologias se complicam. Acho que a única boa perspectiva que já vi sobre isto é a de um guru hindu que recomenda que se passe pelas ações da vida com empenho nas tarefas mas desapego a elas e as cosias do mundo, tal como uma boa babá cuidaria de forma adequada de uma criança mas não se apegaria a ela quando o serviço estivesse terminado. Em muitos sentidos seria este o ideal de viver como um profissional. De forma mais literária é o mesmo que Pessoa diz quando fala de seu trabalho com o Patrão Vasquez. De minha parte, mais fraco que Pessoa, não seria capaz de uma vida profissional sob um patrão Vasques. Toda esta teologia tem uma profundidade que até consigo vislumbrar e quase me convence, mas não me sinto escapar a roda das ações, sinto-me empurrado pelo destino


a ela e não só as pequenas ações cotidianas, nem mesmo as grandes decisões pessoais, mas mesmo às grandes decisões sociais e políticas nas quais ainda que modestamente sou impulsionado sempre a interferir. Por mais que uma das minhas passagens preferidas do inquietante livro de Pessoa que cito na epígrafe seja: Revolucionário ou reformador — o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o seu próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo o revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível. O homem de sensibilidade justa e reta razão, se se acha preocupado com o mal e a injustiça do mundo, busca naturalmente emendá-la, primeiro, naquilo em que ela mais perto se manifesta; e encontrará isso em seu próprio ser. Levar-lhe-á essa obra toda a vida. E certamente em nenhum campo a tentação da ação é tão grande e tão perigosa como nesta da política. Em tão poucos outros lugares – porque aqui se trata de lidar com aquilo que é de todos e para todos – ela é tão capaz de produzir resultados desastrosos mesmo quando se tem a melhor das intenções, assim como é tão possível perder-se em labirintos tortuosos de estratégias e táticas e acabar fazendo o contrário do que realmente se deseja. Até por isso considero leitura obrigatória e recomendo a todos os jovens que sentem a vocação da política neles que leiam “A Eminência Parda” de Huxley, terrível retrato do que a noção de que os meios justificam os fuins pode levar quando se é envolvido pelas “necessidades táticas”. Por outro lado a situação política no Brasil e no Mundo é tal, tão nivelada por baixo se encontra, que a existência ainda de pessoas que erram tendo vontade de acertar é incapaz de provocar dano maior do que

aqueles que erram porque querem errar mesmo. Talvez isto apreça uma racionalização e talvez até seja, mas lá estou eu sempre arrastado ao olho do furacão mesmo sem fazer nada para isto, não posso interpretar isto senão como um sinal de bom alvitre. S E G U N D A - F E I R A , 1 0 JA N E I R O , 2 0 1 1 - 0 7 : 3 2

Poesia, O futuro, Política Aldous Huxley, Fernando Pessoa,PP, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10758


A SALVAÇÃO COMO MERCADORIA Marx falou em sua obra do fetichismo da mercadoria, processo pelo qual o valor de uso de um determinado produto era suplantado pelo seu valor de troca, com a consequente percepção do mesmo apenas como uma "mercadoria" na qual era impossível; que o homem reconhecesse o seu trabalho. A despeito de inúmeros pecados do qual o marxismo - e não Marx são culpados nas ciências humanas, este conceito da fetichização é certamente um dos mais úteis para se compreender a realidade do mundo pós-moderno, apropriadamente chamado de sociedade de consumo. Este conceito de transformação em mercadoria "fetichizada" operou resultados fantásticos quando manuseado pelas mãos cuidadosas dos estudiosos da Escola de Frankfurt - em especial Adorno, mas também Benjamim e Horkheimer - gerando outro conceito muito utilizado - mas pouco compreendido - o de "indústria cultural". Não é raro se ver o conceito aplicado até mesmo de forma positiva, demonstrando o desconhecimento de seu verdadeiro sentido. Em essência e muito a grosso modo, "Indústria Cultural" significa a transformação de bens culturais em meras mercadorias. Neste processo elas deixam de ser obras de arte destinadas à apreciação do público para se transformarem em produtos de consumo. Adorno é especialmente radical e pessimista quanto a este processo que na visão dele destrói o valor cultural dos produtos e aliena o homem do prazer da arte. Para ele este processo de mercantilização dos bens culturais é um esforço do sistema para se

apropriar inclusive do tempo de lazer e ócio do trabalhador, alienando-o de si mesmo e da humanidade não só durante o tempo de trabalho. Ao mesmo tempo a Indústria Cultural esforça-se para transformar toda a obra cultural em algo o mais palatável possível e com isto nivela por baixo toda a produção cultural, como ele defende por exemplo, no ensaio "O fetichismo na música e a regressão da audição". O conceito de fetichização dos bens culturais, tal como é desenvolvido em Adorno, talvez forneça uma pista importante para se compreender também outros aspectos da sociedade pós-moderna. Até que ponto Não é possível falar, por exemplo, de uma fetichização da fé, transformando a salvação em mera mercadoria e a apreciação das palavras reveladas como um setor específico da indústria de espetáculos? Consumiria-se pregações assim como se consome a música da moda na FM, não pelo valor intríseco da mensagem, pelo prazer e reflexão que ela proporcionaria, mas da mesma forma como se consome um iogurte ou se veste uma roupa de grife. O espaço mal delimitado entre o sagrado e o profano - distinção essencial e comum a todas as religiões - deixa de ter qualquer sentido prático nesta "Indústria Hierática" e passa até a ser visto de forma simpática a adoção de práticas antes consideradas profanas - como a adoção de estratégias de marketing - em substituição às práticas rituais tradicionais. Nesta religião mercantil o conteúdo da mensagem em si deixa de ser importante, transformando-se em ponto secundário como determinante da fé. Em seu lugar passa a ocupar o centro de todo o processo apenas o aspecto da eficiência dos meios para se comunicar com os fiéis - medido não mais em termos de adequação ao seu conteúdo religioso, mas sim na quantidade de fiéis que é capaz de atingir.


Evidente que este não é um processo pacífico. Ele provoca reações mesmo quando o fenômeno desta mercantilização não é percebido em sua concretude e totalidade pelas lideranças religiosas. De um lado ele provoca a onda de fundamentalismos que invade as mais diversas fés, que para se opor à dissolução de conteúdo das fés mercantilizadas aferram-se à letra da Revelação. Curiosamente este tipo de reação acaba também por ser mercantilizado e Não é estranho que os tele-evangelistas americanos - pioneiros deste processo de mercantilização - sejam em geral fundamentalistas. Contudo é preciso ver que a mercantilização aqui se refere mais à adoção de uma visão competitiva e destituída de conteúdo do que ao simples uso da religião como uma fonte de renda de proporções industriais. Esta última é apenas um momento extremo, talvez uma consequência, de um outro processo muito mais sutil que aos poucos anula as diferenças entre uma religião e um ramo específico da indústria de entretenimento. O resultado do processo, que é o que interessa aqui, é a perda de sentido religioso de se frequentar algum culto. Os chamados "fundamentalismos" centram grande parte do furor de seu coro ao imperialismo e à globalização demonstrando que mesmo sem ter este conhecimento completo do fenômeno da mercantilização, são capazes de identificar em algum grau a correlação entre a interpenetração cultural que a globalização traz de contrabando e esta dissolução dos valores religiosos.

das suas comunidades. E mesmo este fato acaba por ser utilizado como argumento em prol da religião mercantilizada. Cria-se então um sistema de valores tipicamente capitalista no qual a verdade religiosa passa a ser medida em função do número de fiéis que ela é capaz de mobilizar e não por seu conteúdo intrínseco. A oposição recente entre o padre pop-star reunindo multidões enquanto igrejas de tipo tradicional ou com sacerdotes ligados à Teologia da Libertação vazias é bastante elucidativa a este respeito. Mas este fenômeno não é de forma alguma exclusivamente católico, ou mesmo cristão. Denominações protestantes mais tradicionais são dadas como "ultrapassadas" por nem de perto chegarem aos inflados números obtidos pelas novas seitas que utilizam em larga escala são recursos modernos de propaganda e marketing para vender o seu peixe. Nem mesmo o ascético budismo escapa deste processo, como fica claro ao se ver o Dalai-lama posando de garoto propaganda de ideias um tanto quanto alheias ao budismo e se tornando de líder religioso em mais um ícone da sociedade de consumo. Esta salvação-mercadoria é preocupante não só porque esvazia de conteúdo mensagens religiosas que atendem a uma necessidade social, mas também, e sobretudo, porque leva no extremo às diversas fés a uma postura de enfrentamento e colisão, a um comportamento similar ao da concorrência acirrada de companhias que lutam sem limites para obter mais consumidores. Esta noção acaba por tornar impossível qualquer perspectiva de entendimento futuro. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:43

Outros meios de resistência a este processo, como o desenvolvimento de uma crença religiosa que enfatiza mais a prática cotidiana das mensagens religiosas, encontram-se em uma situação inusitada de não atenderem às necessidades religiosas

Pessoal, Arte, O futuro, Sociologia e cia., Política, Religião Marx, Benjamim, HorkheimerDT, PP


ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/34


PERSONAS TERÇA-FEIRA, 8 AGOST O, 2006 - 16:16

Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10068


O CÍRCULO DA INTOLERÂNCIA A compreensão dos elementos que contribuem para a existência da intolerância é essencial para que se criem as condições para a sua superação. Esta compreensão não é simples pela multiplicidade e complexidade de elementos alimentando a torrente da intolerância, elementos estes aos quais é difícil dar o devido peso e importância pela sua variabilidade e mudança de escala ao longo dos processos históricos. Particularmente difícil também é ser capaz de ao mesmo tempo estimular a construção da identidade dos diversos grupos étnicos, de gênero, de idade, sociais e diversos outros – principal e fundamental objetivo de “empowerment” das políticas públicas que visam resgatar os grupos que em algum momento foram vítimas da intolerância – sem que este processo acirre a própria intolerância. A relevância deste objetivo faz com que o estudo da intolerância torne-se uma meta prioritária para o seu controle e eliminação. Há uma raiz bem profunda na intolerância construída por alguns milhões de anos de seleção natural e evolução, nos quais o homem – assim como nossos parentes mais próximos chimpanzés e bonobos – viveu disperso em pequenos grupos de base mais ou menos familiar, lutando por recursos escassos de um território mais ou menos delimitado contra outros pequenos grupos. Desmond Morris, no clássico “O Macaco Nú” faz inúmeras especulações ousadas sobre o quanto da nossa estrutura psicológica e social tem seu cerne na biologia, enfatizando em especial esta questão da nossa programação biológica para vivermos em pequenos grupos, a qual em certa medida nos “perseguiria” mesmo nas grandes metrópoles onde vivemos com milhões de pessoas mas convivemos intimamente ainda em pequenos grupos.

De positivo, contudo, nesta herança biológica, ainda segundo Morris, está o fato de que ao mesmo tempo também fomos depurados pela seleção natural para sermos mais sociáveis e menos agressivos dentro do grupo, com relações de dominância dentro do grupo, inclusive quanto ao gênero, muito menos marcadas do que em qualquer outra espécie animal. Também é necessário apontar que esta tolerância interna ao grupo não é marcada ou diminuída por nenhum elemento físico e a relativa igualdade do grupo torna o homem – como outros primatas antropomorfos mas em maior grau – desde sua origem um animal político que deve compor alianças ao invés de utilizar a simples força bruta como é o usual em outros bandos de mamíferos. A esta herança genética dos pequenos grupos marcados por forte solidariedade interna e propensos a defender com violência seu território por milhões de anos devem-se somar algumas dezenas de milhares de anos de vida social em pequenos agrupamentos – como aldeias e vilarejos mais ou menos sedentários. Nestes agrupamentos também se repete o modelo de uma convivência limitada com o “outro” mediada às vezes pela guerra e às vezes pelo comércio e pela política mas sempre limitada a um caráter complementar e intermitente. Um importante aspecto desta herança comunitária que surge no Neolítico e perdura estruturalmente quase intacta até o início da economia global produzida pela Revolução Industrial – e mesmo depois mas já como forma marginal e não mais estrutural da realidade social, tendendo a desaparecer e ser transformada em outras formas de relações sociais – é a crença compartilhada por cada uma destas “tribos” no seu papel central na organização do mundo. Cada uma delas sem exceção considera-se o “umbigo do mundo”, o centro da existência humana, última ou primeira a ser criada e da qual seus membros são os verdadeiros “seres


humanos”. Reflexo relevante disto é que o nome que os povos se dão em quase todos os casos significa “humanos” ou termo similar. A história da intolerância propriamente dita só começa por volta de 5 mil anos – minutos nesta escala de tempo iniciada antes de sermos homens – quando começam a surgir as cidades, ou seja, quando os diversos grupos tribais tem de conviver entre si em um espaço diverso daquele determinado pro suas tradições e dividindo seu espaço com outros indivíduos de grupos e valores diferentes. É esta convivência que dá o salto da identidade construída pela biologia para a identidade construída ideologicamente pela cultura e pela coerção política. O confronto destas novas identidades serve de combustível a ser continuamente aceso nas disputas políticas e geopolíticas, tornando-se mais sérias na medida que os agrupamentos humanos e as dimensões imperiais vão crescendo. Uma marca relevante e contraditória deste processo está no surgimento e crescimento das religiões com pretensões universalistas que ocupam o espaço ideológico das religiões tradicionais – estas últimas evoluindo daquelas crenças da tribo como “umbigo do mundo” e centradas na supremacia de um povo e lugar. A importância das crenças universalistas é fundamental porque pela primeira vez se tem um esforço de compreender a humanidade como um todo, não mais como um amontoado de tribos, povos e nações, mas como uma unidade. Ao mesmo tempo é contraditória porque ao contrário das crenças tradicionais – nas quais a adesão era restrita aos membros do grupo que compartilham história e língua – as religiões universalistas consideram como seu “público-alvo” o conjunto da humanidade e portanto tem por definição uma natureza expansionista e voltada ao proselitismo e a conquista, bem como ao embate ideológico. Assim ao mesmo tempo elas criam as condições para que aquela intolerância criada pela genética e pela cultura sejam

superadas cultural e politicamente mas ao mesmo tempo criam a base ideológica para a construção de uma nova intolerância marcada pela oposição fundamental entre os já convertidos e os infiéis. A partir do fim da Idade Média e com a construção de uma economia em escala global, da qual o colonialismo é elemento essencial, a intolerância torna-se arma fundamental de uma luta por espaço e recursos, assim como elemento de dominação. A justificativa ideológica da colonização, assim como dos conflitos internos das nações europeias em construção, fomenta simultaneamente o fortalecimento das identidades e de outro a aversão ao outro. As identidades nacionais e linguísticas que eram até então mais ou menos irrelevantes começam a tornar-se importantes – desaguando nos séculos XIX e XX na construção dos nacionalismos – com a luta pela constituição dos Estados Nacionais e, como toda identidade, constroem-se em grande parte por oposição ao outro. Também começa a ser construído neste momento uma outra identidade ainda meio amorfa mas que terá importância fundamental no momento presente que é a identidade ideológica artificialmente construída de “negros” e “índios” por oposição ao “branco” europeu. Criação do europeu colonizador – porque as diversas tribos, grupos linguísticos e étnicos, da Africa, América, Ásia e Oceania jamais pensaram em si e nos vizinhos como fazendo parte de alguma totalidade. Esta unidade, porém, em especial no caso dos nativos americanos e negros escravizados trouxe um importante aspecto de unidade que ganha relevância no momento moderno. Um outro marco histórico desta caminhada da construção das identidades e intolerância se dá com a Revolução Industrial quando os agrupamentos humanos começam a atingir dimensões muito grandes – só vistas antes nas capitais imperiais que não tinham muita importância produtiva – e a escala dos mercados começa a tornar-se realmente globalizada interligando o conjunto do


mundo em uma unidade crescente com intercâmbio de mercadorias, ideias, pessoas e ideologias e – muito importante – com o início da dissolução efetiva de todas as comunidades tradicionais pela eliminação da base econômica sobre a qual elas se assentavam que era a propriedade comunal da terra. A introdução da propriedade privada em todas as regiões com algum grau de dominação colonial elimina os focos da velha solidariedade/identidade das pequenas comunidades que em muitos casos – como no Egito e Índia remontam à revolução neolítica e haviam sobrevivido a todas as mudanças políticas e haviam visto nascer e morrer algumas dezenas de impérios. Deste processo surge um elemento essencial que trará a intolerância ao centro do debate atual que é o discurso nacionalista. A raiz deste processo está nos “enclosures” colonias porque é ele que gera simultaneamente uma elite “nativa” - os “ brown sahibs” como eram pejorativamente chamados pelos tradicionalistas e internacionalistas - educada segundo os valores e ideologias européias – ainda que em muitos casos, dos quais Ghandi é o modelo arquetípico, estas elites europeizadas adotem uma nova versão das suas culturas tradicionais para construírem identidades nacionais próprias e uma massa de despossuídos aos quais não resta outra alternativa senão emigrarem para as cidades e tornarem-se mão de obra urbana para subsistirem. O discurso nacionalista atinge seu auge após a 1a. Guerra mundial, impulsionado tanto por uma base econômica de disputa por recursos naturais e humanos quanto por uma base política do surgimento de elites buscando seu lugar ao sol e insuflando uma massa crescente de origem urbana recente, também lutando duramente para sobreviver em um ambiente novo e em disputa direta com os “outros”. Estas disputas são alimentadas pelas preocupações geopolíticas importantes que as alimentam e as acirram e tornam definições de grupos

linguísticos e étnicos – até então debates estritamente acadêmicos – em ferramentas da luta ideológica por recursos, como aponta Hobsbawm em A Era dos Nacionalismos. Com o agravamento da luta pelos recursos – base afinal de toda intolerância desde que eramos símios – provocada pela Crise de 29 a Retórica do Ódio que já vinha ensaiando conflitos desde a metade do século XIX com o surgimento do nacionalismo e a plena operacionalização da luta ideológica impulsionada pela comunicação de massa chega ao centro do palco com o Nazismo. Primeira ideologia a conseguir realizar de forma sistemática o programa de intolerância que os nacionalistas prometiam há mais de um século e inaugurando o conceito de “limpeza étnica” que tornou-se elemento cotidiano da guerra no século XXI, o Nazismo sistematiza e potencializa todos os elementos latentes que vinham surgindo e os consolida em um elemento ideológico mais ou menos homogêneo e fechado. Um marco importante nesta quintessência da intolerância que foi o Nazismo é a substituição da conversão/dominação que até então colocava a intolerância e o discurso colonialista e orientalista – cujos mecanismos foram bem desvendados por Edward Saïd em O Orientalismo, mas que infelizmente sua discussão aqui ampliaria muito o escopo do texto – pela simples eliminação do “outro”. A eliminação do “Outro” enquanto política governamental oficial não era totalmente nova e já havia sido implementada pela ideologia do “Destino Manifesto” dos Estados Unidos contra os nativos americanos, pelos Jovens Turcos contra os Armênios e contra os judeus por vários governos da Europa Oriental e pelos soviéticos contra inúmeros povos minoritários submetidos a uma remoção em massa para áreas distantes, mas jamais enquanto programa claro e “científico” claramente apresentada como objetivo do governo. No pós-guerra a retórica do ódio se ameniza


mas também encontra vários alvos novos nos segmentos sociais que ganham espaço político e econômico ascendente. Em particular com o choque entre a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e na vida política, herança por um lado do movimento sufragista – cuja origem remonta a meados do século XIX mas que ganha força e resultados a partir dos anos 20 – e no início da formação de uma classe média negra. Tornado insustentável pelo afloramento da opinião pública como ator importante da vida política a política de eliminação do “outro” ressurge sobre a forma de segregação espacial. Ao mesmo tempo que o fim do domínio colonial na África e Ásia cria um outro tipo de conflito, com os novos governos nativos voltando-se contra as minorias étnicas antes utilizadas como “ponta de lança” da administração colonial. Caso típico deste processo são os judeus na África do norte, os armênios no Oriente Médio, os indianos na África subsahariana, os Bah´hais no Irã, os Sikhs e outras minorias na Índia. Este processo entra em ebulição a partir dos anos 60 com o surgimento de duas “minorias” relevantes que se tornam ativistas e passam a denunciar e lutar contra os mecanismos de intolerância, desigualdade e discriminação: os jovens e os homossexuais. Com a entrada destes segmentos no processo de denúncia da intolerância ficam definidos os grandes grupos mantidos até então à margem do processo social, econômico e político: minorias étnicas e religiosas – das quais três tem relevância pelo caráter internacional: negros, nativos americanos e judeus, mulheres, jovens e homossexuais. Estes segmentos minoritários, progressivamente e na ordem mencionada, conseguem importantes vitórias como a eliminação legal das barreiras e restrições – e depois em um novo passo a condenação legal à discriminação – o acesso às políticas sociais que em muitos casos lhes eram negadas – e depois a implantação de

políticas públicas para reafirmar sua identidade e resgatar sua condição social. Paradoxalmente e a vitória política destes segmentos que faz surgir de forma cada vez menos subterrânea a Retórica do Ódio. Sem dúvida há enorme diferença entre este discurso intolerante ter deixado de ser um discurso mais ou menos oficializado e governamental para tornar-se palavra de ordem de grupos reacionários marginais e em muitos casos fora da lei. Contudo este papel marginal não pode levar a subestimação destas forças da intolerância como demonstrado nos inúmeros e sanguinários conflitos nos Balcãs e na África nos quais a limpeza étnica esteve no centro da agenda política. As profundas raízes da intolerância e a competição por espaço social, político e econômico tornam a intolerância um elemento sempre na espreita, só aguardando a oportunidade de crise para saltar sobre as costas do “outro” e desferir um golpe fatal. O combate a este processo não pode se dar somente neste momento da emboscada porque, como demonstra a história até mesmo no breve resumo apresentado, pode ser muito tarde. É necessário tratá-la de forma preventiva combatendo suas origens e causas. A existência de uma política social justa é um dos elementos importantes deste processo na medida em que as dificuldades econômicas fazem acender o painel da disputa por recursos – e em todos os momentos da história a massa de manobra da demagogia da intolerância e da Retórica do Ódio sempre foram não os segmentos privilegiados dos grupos dominantes mas seus elementos mais despojados de oportunidades. Um segundo ponto é assegurar através de políticas públicas um espaço e um leque de oportunidades a todos os segmentos marginalizados para que eles também possam superar as dificuldades, limitações e


restrições que lhes foram impostas pelo processo histórico ao longos dos séculos. Por fim a eliminação de qualquer tipo de barreira segregatória, em especial na infância e a atenção especial aos processos de aprendizagem para que os mesmos não reproduzam os conceitos arcaicos e estereotipados tem uma importante contribuição para que, através da convivência e da cooperação não se forma a imagem demonizada do “outro” mas sim que se compreenda a unidade fundamental da espécie. DOMINGO, 20 MARÇO, 2 011 - 04:25

Filosofia e cia Desmond MorrisIntolerância, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10771


JORNADAS COTIDIANAS TERÇA-FEIRA, 29 AGOS TO, 2006 - 15:16

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10093


NOITE GELADA QUARTA-FEIRA, 6 SETE MBRO, 2006 - 18:25

ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10107


MEDITAÇÃO SOBRE UM TRECHO DE LAYLAT E MAJNUN DE RUMI QUINTA-FEIRA, 31 AGOSTO, 2006 - 17:21

Pessoal, Poesia, Educação, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10096


AINDA PODE HAVER ESPERANÇA? "De cinco anos para cá, a utopia jurídica está no auge; a que país, a que nação, a que minoria ela acrescentou Paz? Estes cinco anos de nova ordem internacional já tem um milhão de mortos em seu ativo." (Philippe Delmas, O Belo Futuro da Guerra) Esperança é matéria-prima em falta para compor os sonhos destas épocas conturbadas. Nestes tempos sem ética nem valores permanentes, sem solidariedade ou fé, não resta muito para o homem construir as suas utopias. A miséria atinge patamares nunca imaginados em um mundo que tem todas as condições para a fartura. O desafio da fome que assusta o mundo há séculos já foi superado tecnicamente quanto à produção, mas a distribuição é cada vez mais injusta e as pessoas continuam sofrendo - e morrendo - com a fome apesar de haver comida suficiente para alimentar uma população mundial mais de três vezes maior que a atual. A educação e a saúde só são direitos básicos de todos no papel, na prática o que se vê é uma queda no nível educacional global - e mesmo uma desvalorização da educação - e a vindicação das pestes. Contam-se os mortos às centenas de milhares, somam-se os analfabetos aos milhões, mas o mais grave é que não se dá a devida importância a estes números. A política torna-se no mundo todo um beco sem saída no qual os demagogos enfiam os cidadãos e as nações ou "máquinas de governar" - como a prevista pelo padre Dubarle em 1948 - comandadas por frios

tecnocratas transformam as pessoas em números e as mortes em estatísticas. Os que escapam entre ter de escolher entre demagogos ou tecnoburocratas acabam por se desinteressar da política, deixando o caminho livre para eles. Por fim, a guerra passa a constar do nosso cotidiano, banalizada no noticiário, e já não nos incomodamos com elas. As sucessivas promessas de uma Ordem Internacional baseada no Direito e num vago Estado Mundial tem sido insuficiente até mesmo para conter os pequenos aventureiros provincianos sedentos de sangue, assim tudo indica que não será suficiente para conter algum surto de poder mais efetivo das potências maiores. Os sucessivos banhos de sangue no Kwait, Bósnia, Kossovo, Ruanda, Burundi, Congo, Serra Leoa, Libéria e Timor Leste não puderam ser contidos só pelos discursos cheios de boas intenções. Nos casos aonde havia interesses materiais concretos - a posição estratégica de Kossovo, o petróleo no Kwait e no Timor Leste - a força militar conseguiu - com dificuldades - evitar uma hecatombe maior. Nos locais aonde estes interesses não existiam, como na África, o banho de sangue continua a salpicar os belos discursos de Nova Ordem Mundial, dando a impressão que eles só atendem a interesses estratégicos americanos e não aos altos valores morais que legitimam as intervenções. Até agora esta Nova Ordem só enfrentou adversários minúsculos, praticamente bandoleiros de segunda ou terceira ordem, cuja capacidade de provocar a morte sem medida esbarrava nas próprias limitações técnicas e materiais. Ainda que este freio não tenha impedido-os de produzir matanças em larga escala, nada se compara ao poder destrutivo da moderna ciência bélica.


O que acontecerá, por exemplo, quando o urso russo acordar de sua hibernação e se sentir forte, e faminto, de novo? Todos os velhos satélites soviéticos e as antigas repúblicas não serão alvos fáceis para uma nova Rússia que, mais cedo ou mais tarde, tentará reconstruir seu sonho imperial de séculos? E esta dúvida não é minha, mas de um diplomata experiente, Henry Kissinger: "Quando a Rússia se recuperar economicamente sua pressão sobre os países vizinhos certamente aumentará. Talvez seja um preço que valha a pena pagar, mas seria um equívoco não admitir que exista um preço". (Diplomacia, página 291). Se a pretensa Nova ordem Mundial não foi capaz de conter de forma rápida e eficiente os fanfarrões sérvios ou os agitadores indonésios, qual seria a chance de evitar que o urso russo salte sobre os seus vizinhos quando acordar? E isto só para mencionar um caso. Mas o pior, o que mais motiva a perda de qualquer esperança, não são todos estes fatos em si, Não é a miséria, a fome, a doença, os baixos índices de escolaridade e ainda mais ínfimos de conhecimento, nem o fim do humanismo, nem a ameaça latente de guerras terríveis, nem mesmo o desemprego. É sobretudo a morte da solidariedade por um individualismo materialista avesso a qualquer freio ético ou moral. A despeito do que dizem os materialistas, as noções de identidade e valor dos homens, o ideal humanista, sempre serviram como fonte de um lado de esperança numa bondade inata do homem e de outro de motivador de sentimentos de indignação com a miséria humana. Hoje estes valores estão fora de moda e em breve poderão estar extintos. Se esta extinção se confirmar, se o homem não se conscientizar da importância deles para a própria sobrevivência da humanidade não há razão efetiva para se ter qualquer esperança. Seremos vítimas da ganância e

dos valores desumanos e só restará assistir ao ocaso da humanidade. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:10

Islam, Pessoal, Educação, O futuro, Sociologia e cia., Política, Philippe Delmas, Henry Kissinger,PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/55


ASSENTANDO AS FUNDAÇÕES TERÇA-FEIRA, 30 MAIO , 2006 - 17:33

Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10024


A REAÇÃO NECESSÁRIA SEGUNDA-FEIRA, 22 MAIO, 2006 - 15:29

Islam, Comunicação, Pessoal, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10016


LIVROS QUE NÃO PRECISARAM SER LIDOS "Há uma regra segura para julgar tanto livros quanto homens, mesmo sem os conhecer; basta saber por quem são amados e por quem são odiados" (Maistre) O propósito de todo livro, ao menos teoricamente, é ser lido, ainda que por um solitário punhado de pessoas. Portanto falar de livros que não precisaram ser lidos é algo paradoxal, é como falar de um não-livro, contudo é impossível ignorar que estes nãolivros existem - e em quantidade crescente malgrado todo o esforço dos autores e sobretudo devido aos comentaristas. Uma categoria dos não-livros é aqueles volumes que tem efeito decorativo nas estantes do charlatão e do parvenu. Me lembro que uma vez deixei de frequentar uma livraria indignado com o fato da proprietária ter tentado me vender a Comédia Humana sob o argumento que ficaria bonito na estante. Tamanho desrespeito a Balzac demonstrava que ao invés de vender livros ela tinha mais vocação para decoradora de interiores ou coisa similar. Mas não é desta categoria tão comum que quero falar, mas sim de outra, dos livros que apesar de não terem sido lidos pela imensa maioria das pessoas, ainda assim desempenharam - e desempenham - um papel fundamental na história da Cultura Ocidental. Alguém pode se perguntar, mas como, se não foram lidos? A resposta é simples, este efeito foi produzido pelos comentaristas, pelas frases tiradas dele, pelos livros que o parafraseiam, parodiam ou enaltecem, pelas teorias e

movimentos que dele foram derivados, enfim, pelo que as pessoas acham que ele contém. Esta impressão subjetiva do livro, muitas vezes, é equivocada, distorcida, exagerada, mas muitas vezes tende a suplantar o próprio livro em importância. Um exemplo fenomenal é O Capital de Marx. Obra densa, difícil, esquemática, teórica e que em momento nenhum traz qualquer previsão do que seria a sociedade socialista pregada por Marx - sem muita ênfase - em outros textos. Só os poucos que se debruçaram sobre este texto árido, que precisa ser estudado e não lido, sabe que lá não estão contidas as coisas que a maior parte das pessoas acha que lá existem. A maioria nem imagina, por exemplo, que "O Capital" analisa o capitalismo e não prescreve o socialismo. Em alguns casos a impostura - consciente ou não - tem o objetivo de dar ao parvenu apenas mais um argumento de seu exibicionismo. Comentar o Ulisses de Joyce, por exemplo, já que dificilmente se conseguirá imaginar obra mais hermética e áspera. Aliás dizer que se leu uma tradução do Ulisses é como dizer que leu "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa - outro campeão da empulhação - em inglês, pois os jogos de palavras nos dois textos só permitem que ele seja adequadamente lido na língua original. Mas saindo destes casos extremos no qual a impostura joga um certo papel, há outros livros que por terem se tornado clássicos passam a ocupar um espaço no imaginário social. São obras que mesmo tendo sido lidas raramente por um ou outro são consideradas como conhecidas por quase todos. Quantos, por exemplo, terão lido o Quixote de Cervantes? Mas dificilmente alguém de uma cultura mediana não identificaria com exatidão a imagem do infeliz cavaleiro tardio às voltas com moinhos de vento, quantos não saberiam que ele atacava os moinhos porque imaginava-os gigantes, quantos não se identificam com o personagem louvando


o idealismo da sua imaginação ou a criticando a insensatez das suas fantasias? Em alguns casos o juízo do imaginário faz justiça ao livro, noutros o eleva mais pelo seu significado simbólico que pelo seu valor efetivo, noutros ainda lhe diminui os méritos e reduz uma importância que lhe é muito maior. Em grande parte isto se deve às versões condensadas, mutilações infelizes que só visam o interesse empresarial das editoras. As "Viagens de Gulliver" de Swift são um excelente exemplo do último caso - de um livro que supera em muito os méritos da sua imagem popular. Por algum motivo desconhecido a sátira profunda, ácida, feroz - até violenta - de Swift foi placidamente entendida como uma história infantil. É assim que ela é considerada pela maioria da população, de forma praticamente incompreensível a qualquer um que tenha lido de fato texto tão amargo e pessimista que ironiza nossos mais profundos e enraizados defeitos. Em alguns casos há uma distância enorme entre o livro e sua imagem no sentido inverso. Que não dizer do aborrecido Lusíadas - tão menor que outras obras de Camões - mas tão grandioso enquanto símbolo da cultura lusitana e da aventura da conquista colonial. Ou ainda do Édipo Rei, de Sófocles, popularizado pela psicanálise pelo Complexo que lhe leva o nome mas que em momento nenhum merece, no texto, o sentido que a psicanálise lhe deu. Édipo Rei fala da inevitabilidade de se lutar contra o destino, não das relações incestuosas que não desempenham papel na trama a não ser como um castigo a mais dos deuses sobre quem ousa tentar fugir aos seus desígnios. Certamente cabe neste panteão de livros que tem seu duplo no imaginário popular - e com destaque - a "Divina Comédia de Dante". Muitos certamente até se

surpreenderiam ao saber que as clássicas ilustrações sombrias de Gustave Doré - tão ligados ao texto de Dante na imagem mental que fazemos dela - só foram feitas no século passado. O texto rebuscado, de leitura árdua, repleto de referências históricas e mitológicas, híbrido da Eneida latina e da Liber Scalae Mahometi, cheio de pequenas vinganças pessoais do autor contra seus inimigos certamente não faz jus à importância que o texto ocupa na mente de seus não-leitores. Câmara Cascudo evidenciou como as imagens criadas por Dante - e outras que se imaginam dele - penetrou fundo na cultura ocidental a ponto de embrenhar-se nos sertões e acabar na literatura de cordel. As imagens que se tem de Inferno principalmente de Inferno, o que é um fato significativo - foram em grande parte calcadas ou em Dante ou no que se imaginava que seria Dante. E, o mais importante, não só como ideias estéticas ou como uma descrição literária do inferno, mas transcendendo o campo da obra de arte foi suficiente para invadir os domínios da teologia e da escatologia, confundir-se com os ensinamentos religiosos e daí com as crenças populares. Quanto não há, por exemplo, de Dante nos sermões terríveis que deram fama a Frei Damião? A crescente despreocupação teológica com o Inferno, que vem se firmando como tendência da Igreja Católica, não combate a imagem já firmada nos fiéis de um inferno imagem esta em grande parte construída a partir de fragmentos esparsos de Dante e das imagens de Doré. Comentando as razões que o inspiraram a fazer a tradução da Divina Comédia para o português, Hernani Donato diz: "Um dia, na mesopotâmia matogrossense, mordido por estupefação e curiosidade, bisbilhotei o que lia um homem destacado para montar guarda - quinze dias de solidão atroz - a um caminhão, ilhado pela cheia dos rios. Era um caderno quase desfeito da Divina Comédia. Lia, mas não


entendia. Lia como quem rezava. Rezava com medo respeitoso e pânico, os horrores do inferno." A despeito de movimentos como a Renovação Carismática reforçarem estas crenças, este temor ao inferno que tanto deve a Dante, é preciso observar que isto não invalida o pressuposto que sem uma imagem oficial do Inferno os fiéis pegam a que está a mão, já que a RCC é basicamente um movimento leigo. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:21

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Teatro, Literatura, Sociologia e cia., Religião Swift, Miguel de Cervantes Saavedra, Sófocles,PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/14


serve de título que a poesia não se emenda, ela surge ou é descoberta.

SÓ A PROSA É QUE SE EMENDA

“Sebastião disse: não tem nada que saber do Belo, deixa o Belo pra lá, artista tem mais o que fazer. Este pessoal te amola muito? O Pessoal é este de quem os meninos fogem, saindo pelos fundos, pra não aturar frescuras: mãe, tem um pessoal das artes te chamando.” (Adélia Prado, Os componentes da Banda) Uma das respostas cuja busca tem me atormentado é sobre o peso da inspiração e do esforço na arte. Grande parte de mim responde sem hesitar: a inspiração é a essência, é a parte verdadeira da criação. Quero crer como Pessoa-Caeiro na frase que

Imagino que haja diferença na proporção entre inspiração e esforço conforme a arte. Na dança, por exemplo, sem dúvida a mais inspirada bailarina precisará de força física e flexibilidade corporal para dar suporte à criação artística. Mas, ao mesmo tempo, o próprio argumento neste sentido demonstra o caráter essencial da inspiração porque não basta pegar uma pessoa qualquer e fazê-la exercitar-se por anos desde a tenra infância, horas a fio todos os dias, orientada pelos melhores mestres para produzir uma bailarina excepcional. “Sebastião disse: não tem nada que saber do Belo, deixa o Belo pra lá, artista tem mais o que fazer. Este pessoal te amola muito? O Pessoal é este de quem os meninos fogem, saindo pelos fundos, pra não aturar frescuras: mãe, tem um pessoal das artes te chamando.” (Adélia Prado, Os componentes da Banda) Ando atormentado por uma série de questões estéticas, antigas e novas, sobre as quais minhas conclusões jamais significarão nada. Ando cada vez mais avesso a “sistemas” e quanto mais eles me repugnam mais sinto como a vida é simples quando se dispõe destas caixinhas e balanças para guardar e pesar tudo que acontece em volta.


Até nas aulas de matemática, física e química dos tempos de escola, tão distantes como se fossem em outra vida, tinha este hábito terrível de tentar deduzir as fórmulas pela lógica dos processos ao invés de decorá-las. Ainda hoje impressiona-me que teorias estranhas e belas sobre o universo não tenham vindo de alguma epifania mística mas deduzidas a partir de fórmulas matemáticas bem comportadas, escritas com símbolos usuais e não com algum código secreto descoberto em empoeirado alfarrábio. Não ter sistemas obriga a pensar sobre cada coisa para avaliá-la. Uma das respostas cuja busca tem me atormentado é sobre o peso da inspiração e do esforço na arte. Grande parte de mim responde sem hesitar: a inspiração é a essência, é a parte verdadeira da criação. Quero crer como Pessoa-Caeiro na frase que serve de título que a poesia não se emenda, ela surge ou é descoberta. Imagino que haja diferença na proporção entre inspiração e esforço conforme a arte. Na dança, por exemplo, sem dúvida a mais inspirada bailarina precisará de força física e flexibilidade corporal para dar suporte à criação artística. Mas, ao mesmo tempo, o próprio argumento neste sentido demonstra o caráter essencial da inspiração porque não basta pegar uma pessoa qualquer e fazê-la exercitar-se por anos desde a tenra infância, horas a fio todos os dias, orientada pelos melhores mestres para produzir uma bailarina excepcional. Não se trata de negar o papel e a importância da técnica, mas sim de notar-se que ela é secundária, a essência é bem mais intangível e sem ela mais comumente se produz a mediocridade – única arte reacionária, nas palavras de Borges. O exemplo inverso demonstra a validade da proposição, indivíduos dedicados às mais variadas artes, dotados de profunda inspiração mas desconhecedores por completo da técnica não só são possíveis de existir como alguns deles tornam-se pais

fundadores nas suas áreas e seu conhecimento intuitivo é rotinizado em técnica pelos seus seguidores. Há casos mesmo nos quais a técnica parece estragar a imaginação criativa. Sempre me lembro do caso de Rebolo, o qual para mim perdeu a genialidade da época que era pintor de paredes estragada pelos estudos em Paris. Ao escravizar a imaginação às regras a técnica em geral impede sua livre e plena manifestação, focando não no efeito que a inspiração desejou produzir, mas na forma utilizada para alcançá-la, a qual, até por definição, só faz sentido pela sua originalidade e em um determinado contexto social e histórico. Até por isto, é importante dizer, muitas vezes se vai buscar no passado uma ou outra técnica utilizada para recriá-la como modelo. A poesia, por não precisar de nenhum elemento externo, é talvez aonde melhor expressão se pode encontrar destas relevâncias da técnica e da inspiração. Não há qualquer limitação intransponível de natureza técnica como há na dança, na pintura e até na literatura – já que para escrever um romance, por exemplo, é necessário uma dedicação e disciplina que beira a limitação técnica. Do ponto de vista material qualquer um pode fazer poesia, sequer saber escrever é preciso porque embora a conheçamos na sua forma escrita versos circulam pelo mundo muito antes de haver escrita e contam-se às centenas grandes poetas cegos, iletrados ou que jamais puseram sobre o papel seus poemas. A escrita só libertou-nos das formulas mnemônicas do metro e rima, portanto ampliou ainda mais o acesso à arte. A evolução dos meios de comunicação restringiu as limitações a divulgação. Portanto, a poesia serve de bom exemplo extremo do papel da técnica e da inspiração. Não há, contudo, proporcionalmente mais poetas, ao menos de verdade, do que há artistas plásticos ou bailarinos ou atores. Na profusão de nomes que surgem há alguns


poucos por geração capazes de chamar a atenção e produzir satisfação na leitura. De todos os brasileiros contemporâneos que lembro, digno de nota segundo meus gostos, nenhum deles foi produzido pela técnica, são até em muitos casos, em especial dos maiores, a negação da própria técnica e o testemunho de acusação da esterilidade das academias, em especial a brasileira. Tirando meia dúzia de casos nos quais o exercício de modelos e sistemas até produziu algo passável, capaz de produzir algum deleite estético mais do que teses e críticas, como alguma coisa de Ferreira Gullar por exemplo, não é possível, mais uma vez repetindo para meu gosto, comparar esta produção “técnica” com a experiência de transcendência produzida pelas epifanias de Clarice, pela sensibilidade naïve de Cora Coralina e até pela prosa cotidiana repleta de poesia de Adélia Prado por duas baciadas de concretistas seguindo a última moda em Paris, com a vantagem da troca de não precisar sair pela porta do fundo pra não aturar frescura, como os filhos de Adélia. Transcendência e epifania parecem ser as palavras fundamentais aqui. Não faço ideia de como seja nas outras artes, ainda que pelo que ouço e vejo pareça ser similar, mas fico com esta sensação da inspiração ser uma espécie de possessão, um instante no qual é possível estar – para usar a expressão de Pessoa – em um outro estado da alma. A técnica pode mimetizar os resultados desta possessão – assim como é possível ver exorcismos e milagres mimetizados na TV a partir das experiências religiosas verdadeiras. Ela não pode, contudo, criar o belo, pode copiar até com relativa perfeição os processos que pelo repetido exercício e estudo parecerão legítimos, pode até criar algo novo focado na técnica pura – portanto só capaz de ser compreendido pelo “pessoal das artes” - mas faltará às cópias e às criações a transcendência da verdadeira arte.

Praticamente todos os grandes poetas escreveram sobretudo para si. Há neles a compreensão que há um abismo demiúrgico entre a experiência daquele momento vislumbrado e aquilo traduzido no papel. A poesia, e imagino as demais formas de arte, tem esta dimensão de serem experiências sobretudo espirituais, sendo o resultado palpável uma fração apenas desta experiência, como diz Pessoa: “E sempre que me levanto da cadeira onde, na verdade, estas coisas não foram absolutamente sonhadas, tive a dupla tragédia de as saber nulas e de saber que não foram todas sonho, que alguma coisa ficou delas no limiar abstrato em eu pensar e elas serem.” (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego) QUARTA-FEIRA, 16 FEVEREIRO, 2011 15:03

Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Literatura Jorge Luis Borge, Jorge Luis Borge, Fernando Pessoa,Estética, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10765


O DIÁLOGO NECESSÁRIO COM CRISTÃOS E JUDEUS "E não disputeis com os adeptos do Livro (judeus e cristãos) senão da melhor forma, exceto com os iníquos dentre eles. Dizeilhes: Cremos no que nos foi revelado, assim como no que vos foi revelado antes: nosso Deus e o vosso são Um e a Ele nos submetemos" (Sagrado Alcorão, 29:46) Quem consultar o Sagrado Alcorão verá inúmeros versículos que falam da amizade e tolerância que deve existir para com os Povos do Livro - judeus e cristãos. O Islam não pretendeu ser uma nova religião, mas antes um resgate da religião de Abraão (Ibrahim em árabe) da qual tanto o Judaísmo como o Cristianismo se originaram. Em todo o Alcorão existem referências à esperança que um dia todos se reunirão numa só fé por obra de Deus. A interação entre as três religiões no Brasil tem sido praticamente nula, em grande parte por culpa dos muçulmanos. Nos fóruns de debates que participo e na correspondência que recebo fica mais do que evidente o quanto é forte a curiosidade dos brasileiros sobre o Islam. Jamais recebi uma carta que pudesse considerar ofensiva e recebi muitas de pessoas se desculpando pelas visões que tinham do Islam antes de terem contato comigo. Fiquei particularmente sensibilizado com o fato de algumas pessoas julgarem o temo "muçulmano" como pejorativo e então davam mil voltas para não usar este termo, o que demonstra uma postura extremamente respeito que me emocionou.

Claro que existe também no Alcorão trechos acusatórios contra os cristãos e principalmente contra os judeus, muito citados inclusive por muitos muçulmanos. Mas isto de forma alguma é uma incoerência ou uma "mudança estratégica" tal como os historiadores judeus e os orientalistas tentaram demonstrar. Para o muçulmano o texto da Torah e dos Evangelhos são tão ou mais sagrados que para judeus e cristãos, são partes do Livro cuja forma final é a dada pelo Alcorão, assim como os profetas judeus e Jesus são também sagrados. Assim os judeus e cristãos são vistos como irmãos de uma mesma fé, pessoas tementes ao Deus único que os une, pessoas que seguem os Livros que foram revelados por Deus a eles. Devem ser alvo do nosso amor, respeito e compreensão, ter sua fé preservada num Estado Islâmico e com eles deve-se sempre buscar o diálogo nas melhores palavras. E as palavras do Alcorão confirmam este sentimento. Porém para um muçulmano não pode haver crime mais hediondo do que adulterar as palavras de Deus, ainda mais quando se trata de pessoas que fazem isto em benefício próprio. Creio que já está suficientemente comprovado pela ciência, em especial a Arqueologia e a Linguística que os textos atuais da Bíblia não correspondem exatamente à época e lugar no qual teriam sido revelados. Alguns de seus conteúdos parecem ser evidentemente adulterados. Assim as referências presentes no Alcorão àqueles que adulteram os textos sagrados evidentemente que não podiam ser elogiosas porque eles cometeram aos olhos do muçulmano um crime gravíssimo. Os muçulmanos acreditam que eles terão uma punição gravíssima no Dia do Juízo, mas é claro que ela será restrita àqueles que conscientemente fizeram estas adulterações e àqueles que sabem que elas foram feitas. A maioria dos judeus e cristãos não tem a menor culpa ou consciência disto


e portanto seria ilógico cobrar deles por uma violação desconhecida. Não existem portanto restrições por parte dos muçulmanos para que o diálogo seja mantido com judeus e cristãos das diversas denominações. A inexistência deste diálogo é que constitui grave omissão dos muçulmanos porque constitui um testemunho contra a comunidade islâmica como um todo. Certamente é inegável que a omissão da comunidade muçulmana neste diálogo contribui para que o Islam seja incompreendido no ocidente quase tanto como a intensa propaganda anti-islâmica e a ação de líderes que se dizem muçulmanos apenas para iludir os povos que dominam. É claro que este diálogo não pode ignorar as diferenças, deve-se sempre ser sincero e apontar as discordâncias e causas para ela de forma não dogmática ou sectária. Não se deve omitir que os muçulmanos não podem aceitar a possibilidade de Jesus ser Deus, ou a existência do pecado original ou a possibilidade da crucificação ter expiado os pecados dos cristãos, bem como não é possível admitir que algum povo possa ser o "povo escolhido" e que isto lhe dê a supremacia sobre os outros. A discussão não dogmática destas questões deixa claro que a abordagem do Islam não é fanática ou intolerante mas baseada em preceitos éticos de base racional, enfim que corresponde a uma visão de mundo humanista e progressista. Ao mesmo tempo mostra que as semelhanças entre as três fés é grande e que existem muitos pontos nos quais é possível - diria mesmo necessário - a colaboração das três grandes religiões reveladas. Os exemplos dos pontos nos quais esta contribuição é necessária são muitos. O materialismo e o individualismo que tem dominado o mundo é contrário às três fés, bem como a escalada pornográfica, a dissolução da família, o aumento da intolerância étnico-religiosa e, acima de tudo, a miséria e a fome que tem atingido

grandes setores da população mundial. Esta solidariedade aos que são vítimas da fome e da miséria é comum às três fés e certamente às pessoas de bom coração de qualquer fé, porque não realizar um trabalho conjunto para ajudar nestas emergências? Creio que a palavra chave para o estabelecimento de um relacionamento mais cordial entre muçulmanos, judeus e cristãos é o trabalho conjunto em ações concretas. A convivência no trabalho lado a lado é capaz de operar milagres na tolerância. Através deles passamos a conhecer as pessoas tal como elas são no cotidiano, trocamos experiências, reconhecemos identidades, percebemos as boas-vontades alheias e deixamos de enxergar o fiel de outra religião como "o outro" para vê-lo como "o semelhante". SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:10

Islam, Islam, Pessoal, Pessoal, Arte, Política, Política, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/8


NEM CONTRÁRIOS, NEM SEMELHANTES, MAS INTEIROS Q U A R T A - F E I R A , 2 6 JU L H O , 2 0 0 6 - 1 5 : 4 0

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Cinema, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10057


NOTÍCIAS E ABUTRES "Todo fazedor de jornais deve tributo ao Maligno" (La Fontaine) Clássico do cinema americano, "A Montanha dos Sete Abutres" (Ace in the Hole) quase que vale por um curso de jornalismo por apresentar reflexões tão atuais que mal se pode acreditar que tenha sido feito no início da década de 50 (51). Assistir a este filme como ler "Ilusões Perdidas" de Balzac - é essencial a quem se aventura no terreno a cada dia mais pantanoso do jornalismo. A história do filme é relativamente simples. Um jornalista desempregado nos grandes centros por sua conduta questionável busca refúgio em um pequeno jornal da província, em Albuquerque, no estado do Novo México. Após um longo e tedioso ano ele finalmente encontra uma matéria que pode lhe levar de volta ao grande circuito: um homem preso em velha ruína indígena, justamente na Montanha dos Sete Abutres que dá o título em português do filme - até mais adequado que o título original. O drama humano, as circunstâncias reais ou inventadas pelo repórter para a trama e a abordagem sensacionalista logo chamam a atenção do público. Aos poucos o repórter envolve tudo no enredo da sua história, manipula o xerife para ter acesso exclusivo às ruínas, controla a esposa da vítima para que ela a contragosto desempenhe um papel teatral como semi-viúva. Por fim ele obriga o empreiteiro responsável pelo salvamento a adotar um método de salvamento que demoraria uma semana ao invés de outro que libertaria a vítima em menos de 24 h, pois precisa prolongar o espetáculo ao máximo. Quando estão próximos de serem salvos - o soterrado da

caverna e o repórter do ostracismo provinciano - a vítima morre de pneumonia e acaba por provocar um surto de remorso no repórter. Mas não só o enredo principal permite uma reflexão profunda sobre o jornalismo, a todo momento o protagonista dita suas máximas e conselhos sobre o ele considera notícia. Apesar de quase caricaturais, já que ele enuncia coisas que nem sempre são ditas, as reflexões dele revelam toda a ideologia da "penny press" americana. "Eu posso cuidar de grandes notícias e pequenas notícias e se não houver notícias eu saio e mordo um cachorro" ("I can handle big news and little news. And if there's no news, I'll go out and bite a dog.") diz Charles Tatum ao pedir emprego no jornal de Albuquerque, brincando com a clássica definição do que é notícia. Em um dos trechos mais elucidativos da ideologia da "penny press" - quando Tatum discute durante uma viagem com o novato Herbie Cook o que é jornalismo e o que é notícia - o protagonista diz que os anos de faculdade de Cook foram inúteis, muito mais útil teria sido a experiência de Tatum como vendedor de jornais pelas esquinas de Nova Iorque. Desta experiência ele aprendeu o que é notícia - entendida como sendo aquilo que interessa ao público, que vende jornal. A morte de centenas ou milhares de pessoas, prega Tatum, não tem o mesmo interesse que a morte de uma única pessoa. Neste evangelho do penny press a morte de milhares é apenas um número, enquanto a morte de uma única pessoa tem "interesse humano", faz com que as pessoas "tenham interesse em saber tudo sobre ele". A necessidade da notícia de impacto - que vende - independe da verdade, tanto que o quadro com a frase "Diga a verdade" na redação do jornal de Albuquerque é constantemente ironizada por Tatum e pressionado por temores de consciência é


com ela que ele tenta se reconciliar no final do filme. A "construção da notícia" também é enfocada por Tatum durante a viagem já mencionada, ele e Herbie estão indo cobrir um festival de "caça a cascavel" e Tatum menospreza o evento, a despeito das centenas de serpentes. "Não preciso de centenas de cascavéis, deem-me apenas umas cinquenta no Centro de Albuquerque", diz ele. O pânico causado pelas cascavéis caçadas pelas ruas da cidade seria amplificado quando uma única cobra ainda restasse, e este último réptil estaria guardado na gaveta de Tatum, escondida para que a história prosseguisse. Quase não há inocentes na história brilhantemente dirigida por Billy Wilder, a despeito dela ter sido um grande fracasso comercial. Tatum é quase tão vítima como o acidentado Leo Minosa, o público que acorre em massa ao local do acidente (que gerou um segundo título pelo qual o filme é conhecido "The Big Carnival") ou que acompanha com grande interesse pelos jornais e rádios a epopeia é que fornece o leit-motiv da abordagem sensacionalista.

com as teorias de Tatum e ansioso por seguilo na fama, deixando de lado seus princípios. O fracasso do filme é facilmente explicável, afinal dificilmente ele seria bem visto pela imprensa que se veria retratada nele - e com isto compartilha o destino de seu contemporâneo Cidadão Kane. Retrata também o gosto da massa, dos consumidores de notícias ansiosos por uma desgraça que lhes traga alguma emoção à vida, e por isto certamente também não agradou. O filme tem um final dramático, no qual transparece um fundo moral que quase empobrece a trama com uma alegoria melada. Mas é sobretudo um final otimista porque demonstra alguma esperança de uma renovação ética do jornalismo. Em uma resenha clássica do filme William Shriver disse que o filme é para o jornalismo impresso o que outro clássico "Rede de Intrigas" (Network) é para a TV, ainda que a comparação seja brilhante e talvez imprecisa.

A esposa de Minosa, ansiosa por obter dinheiro e sair ela também do buraco, o sherife ambicioso que se submete à conspiração de Tatum para garantir sua reeleição são apenas os atores mais evidentes de um enredo de oportunismo do qual só escapa a patética, quixotesca, figura do pai de Leo, emblematicamente a única a ficar defronte das ruínas após Tatum anunciar a morte de Leo.

"Rede de Intrigas" - outro filme essencial aos jornalistas - é apenas uma atualização do filme de Wilder para a década de 70. A grande diferença é que Network já não comporta a mesma esperança no final, porque já demonstra a informação em adiantado estado de mercantilização, já não mais fazendo sentido senão como produto de uma indústria cultural, feita não mais para informar, mas apenas para ser consumida.

Se os jornalistas que acorrem em massa ao evento - como no caso real do soterramento de Floyd Collins em 1925 que inspirou o filme e inaugurou a "história de fundo humano" como produto da imprensa protestam contra Tatum não é pela manipulação da notícia e da emoção dos leitores, mas sim porque ele conseguiu o monopólio do acesso a Leo com sua maquinações. Mesmo o aparentemente inocente Herbie demonstra-se encantado

Se em 51 Tatum era um caso extremo, hoje ele seria a regra absoluta de um jornalismo que não é só industrial por adotar modernos processos de produção e disciplina fabril, mas também porque não produz informação e sim mercadorias. Hoje já não haveria espaço para Mr. Boot - o editor do jornal de Albuquerque que orgulhosamente exibe o quadro "Tell the Truth" e tenta conter os excessos de Tatum - porque sua visão que a informação é um meio para as


pessoas viverem melhor e não um fim em si mesmo já não tem mais espaço no jornalismo industrial moderno. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:24

Comunicação, Pessoal, Cinema, Política, La Fontaine, Billy Wilder, Balzac,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/71


OLHAR TERÇA-FEIRA, 19 SETE MBRO, 2006 - 12:53

Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10126


PROFESSORES E MESTRES Há uma diferença enorme entre ser professor - burocrata cumpridor de horários e planos de ensino - e ser mestre realmente preocupado com seus discípulos. O primeiro vê apenas números e notas, o segundo enxerga homens que podem ser melhorados. E já nem incluo neste rol um terceiro tipo, que sequer professor é, que anda proliferando pelas escolas do país contaminando o futuro da nação. Um pequeno texto que circula há muito tempo, lembro de tê-lo lido em uma Seleções antiga e agora o redescubro na Internet, fala muito desta diferença entre professor e mestre. O título é "Lecionei a todos eles" e a versão mais comum é a seguinte: "Tenho ensinado no ginásio por dez anos. Durante esse tempo eu lecionei para, entre outros: um assassino, um evangelista, um lutador de boxe, um ladrão e um imbecil. O assassino era um menino que sentava num lugar da frente e me olhava com seus olhos azuis. O evangelista era o mais popular da escola, era o líder dos jovens entre os mais velhos. O lutador de boxe ficava parado perto da janela e soltava uma gargalhada abafada, que até fazia gemer os gerânios. O ladrão era um coração alegre, diria libertino, sempre com uma canção jocosa em seus lábios. O imbecil, um pequenino animal de olhar macio, dócil, procurando as sombras. O assassino espera a morte numa penitenciária do Estado. O evangelista está enterrado, há um ano, no cemitério da vila. O lutador de boxe perdeu um olho numa briga em Hong Kong. O ladrão, na ponta dos pés, pode ver da prisão as janelas do meu quarto. O imbecil, de olhar macio, bate com a cabeça na parede forrada, de uma cela, no asilo municipal. Todos esses, um dia, sentaram na minha sala. Sentaram e olharam para mim,

gravemente, das suas carteiras escuras e surradas. Eu devo ter sido de grande ajuda para esses alunos... Eu lhes ensinei o esquema encontrado nos versos alexandrinos e como colocar em diagrama uma sentença completa. (N. Johan White, professora do High School, de Stillwater, Oklahoma, Estados Unidos)". O professor, enfim, está preocupado apenas em dar um conteúdo pré-fixado, muitas vezes sem nem mesmo a preocupação em saber se ele foi apreendido ou não. O mestre preocupa-se em estimular em cada aluno seus melhores potenciais, aprimorar-lhe as virtudes e limitar-lhes os vícios. Ao primeiro é indiferente se senta-se à cadeira João ou José, ao segundo cada um de seus alunos é uma individualidade que ele tem o compromisso moral de melhorar. De imediato haverão aqueles que dirão que este segundo papel é impossível porque o professor ganha pouco, tem de dar um número enorme de aulas, mal pode preparar as aulas de forma adequada. Não contesto nenhuma destas afirmativas, mas reitero o que eu disse algumas dezenas de vezes, elevar os salários do magistério só vai melhorar o ensino porque vai trazer para a profissão pessoas melhores e mais preparadas, aquele que diz que dá aulas ruins porque ganha pouco jamais irá dar boas aulas por maior que seja o seu salário. É evidente que função de tamanha responsabilidade como o magistério tem de ter bons salários, boa formação, atualização constante, tempo para estudar e pensar. Qualquer nação sensata atribuiria a esta nobre carreira tantos atrativos que somente os melhores dos melhores poderiam vencer a disputa por uma cadeira de mestre. Mas não será com sonhos e utopias que se vencerá este desafio, porque o verdadeiro mestre se mostrará até nas mais desagradáveis condições, nenhum obstáculo o impedirá de exercer seu sublime sacerdócio - por menos que os professores gostem deste termo, sacerdócio.


Muitos nem aulas dão, outros, como a professora plena de remorso do texto que transcrevi limita-se à tarefa burocrática de ensinar, uma minoria cada vez mais escassa, não se pergunta o que pode fazer, mas sim o que deve fazer pelos seus alunos. É esta minoria que a literatura e as artes contemplam quando falam do professor. Tive muitos professores mas um número reduzido de mestres, contrariando o conselho de Sócrates preferi em geral aprender dos livros o que não me ensinavam nas escolas e até acabei por desenvolver uma fobia a estas escolas. Até hoje me perseguem pesadelos de por um motivo ou outro, geralmente por uma falha burocrática, fui obrigado a voltar às escolas. Mas estes meus pesadelos kafkianopedagógicos só me fazem reviver as escassas mas reconfortantes experiências que tive com os meus poucos mestres, embora da maioria deles não tenha mais notícia. Só um pouco tarde demais pude reconhecer aquele que foi o principal deles, já na Universidade, o professor Albertino, que à moda de Sócrates me ensinou a duvidar do que eu achava saber e que há infinitas formas de ver o mundo. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:15

Pessoal, Pessoal, Poesia, Poesia, Arte, Educação, Educação, Literatura, Literatura, O futuro, O futuro, Política, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/68


SÍNDROME DE MOWGLI QUARTA-FEIRA, 24 MAIO, 2006 - 12:49

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10018


A LITERATURA DO ASSOMBRO DE BORGES Borges é daquele tipo de autor cujo número de leitores é inversamente proporcional ao de comentadores. Também é um autor muito imitado, mas daquele tipo de imitação grosseira que mais se assemelha a uma caricatura. Tudo que em Borges é natural e original soa como pedante e "deja-vu" nos outros, e falo sem remorsos porque incluo muito do que escrevi nesta categoria caricata. A imensa erudição de Borges, que nos seus textos é algo suave a ponto de parecer casual, soa nos outros como um texto tirado de enciclopédia antiga. O estilo rico em inovações de Borges se transforma, quando caricaturado por outros, em desculpas para esconder a ignorância das regras do bom texto. As histórias assombrosas de labirínticas de Borges veem-se transmutadas, quando copiadas sem os devidos méritos, em argumentos para quem é incapaz de contar uma simples história. Mas o mais grave de todas estas mudanças é o pseudo-hermetismo - eterna desculpa para quem não é incapaz de atrair público que os leitores rápidos e superficiais criam nas próprias obras. Por mais que se diga o contrário, Borges jamais escreveu apenas para uma meia dúzia de iluminados. Ainda que a erudição ajude muito a entender melhor Borges, mesmo as suas fantasias mais metafísicas são acessíveis ao leitor comum. Ao assombro que Borges disse que a Literatura não podia prescindir o autor ajuntou uma coerência e clareza que torna o objeto mais inusitado ganhar realidade, mesmo sem grandes e exaustivas descrições.

As referências apócrifas e camufladas ao longo do texto existem e dificilmente alguém seria capaz de identificar todas. Mas mesmo sem as conhecer é possível apreciar o texto porque ele tem valor por si mesmo. Nas mãos dos imitadores inábeis este processo de referências transformou-se em pouco mais de uma colagem grotesca, uma desculpa para transformar tesoura e cola em ferramentas literárias que no extremo faria com que dentro de duas ou três décadas a literatura desaparecesse. Borges, por qualquer motivo inexplicável, também tornou-se um dos ícones da medíocre geração de iconoclastas da literatura atual. A associação é certamente inusitada, até porque ao contrário de qualquer outra geração de iconoclastas anteriores - que conheciam bem os ícones que destruíam - os atuais tentam acabar com os clássicos para não terem de fazer o dever de casa. É a ignorância, não o desejo de inovar, que move boa parte das novas safras de escritores do mundo. Curioso que digam se espelhar em Borges já que tão poucos chegaram a se debruçar sobre os clássicos empoeirados quanto o autor argentino. Borges certamente foi um dos últimos grandes escritores que o mundo viu, ainda que seu estilo vibrante e intenso jamais tenha lhe permitido escrever mais do que contos de algumas páginas. É que cada uma destas poucas páginas é tão intensa que o esforço de escrever algo mais longo seria monstruoso demais. Certamente pela mente dele passavam tantas ideias que seria incapaz que ele se concentrasse em algumas delas por mais tempo do que o necessário para escrever um pequeno texto. Tal como os grandes homens que viveram pouco por preferirem


uma vida curta e intensa a uma longa e tediosa, as obras de Borges concentram em poucas linhas a intensidade do eterno e do infinito, como se cada uma fosse um aleph a concentrar todo o universo em um Ăşnico ponto. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:20

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Jorge Luis Borge,DT ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/13


LIVRO DEBATE PROBLEMAS PAULISTANOS Lições da Cidade: questionamentos e desafios do desenvolvimento urbano na cidade de São Paulo

Album de fotos do Imagens de páginas Comprar o "Versão

lançamento do livro livro Demo"

O livro “Lições da cidade: questionamentos e desafios do desenvolvimento urbano na cidade de São Paulo”, a ser lançado no dia 10. de outubro a partir das 11h na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, é o resultado de um esforço de três anos de uma equipe multidisciplinar em coletar dados, sistematizar informações, propor alternativas e criar um modelo compreensivo das grandes questões Este trabalho iniciado nas mais de 40 audiências públicas relativas à revisão do Plano Diretora serem enfrentadas pela Metrópole foi agora resumido, adaptado e publicado com a intenção de compartilhas dados e hipóteses com o conjunto da cidade. Sem a preocupação de apresentar respostas prontas e definitivas, o texto é, nas palavras do organizador, José Police Neto, “um esforço para compreender como a cidade cria e resolve seus problemas”. A equipe multidisciplinar é composta também pelo arquiteto e urbanista Candido Malta Campos Filho, pela também arquiteta e urbanista Mariana de Cillo Malufe, pelo advogado Antônio Margarido, pelo economista Aparecido Manoel dos Santos e pelo jornalista Alexandre Gomes.

Livro debate problemas paulistanos

O trabalho é dividido em 4 partes. Uma apresentação na qual se discute a dimensão política da cidadania enquanto direito de decidir os rumos da cidade, um capítulo destinado às questões específicas do desenvolvimento urbano, outro em relação às questões gerais e uma conclusão na qual se traçam as linhas necessárias a construção de uma


“Cidade Justa” qual existe um Equilíbrio Urbano.

na

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QUARTA-FEIRA, 28 SETEMBRO, 2011 18:52

Sociologia e cia. José Police Neto, Candido Malta Campos Filho, Mariana de Cillo Malufe, Antônio Margarido, Aparecido Manoel dos Santos, Alexandre GomesJosé Police Neto, Urbanismo, Candido Malta Campos Filho, Mariana de Cillo Malufe, Antônio Margarido, Aparecido Manoel dos Santos, Alexandre Gomes, Cidade de São Paulo, Desenvolvimento Urbano, Habitação, Planejamento, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10777


O SOCIÓLOGO DOS BÁRBAROS Ibn Khaldun (1332-1406) foi o último grande pensador muçulmano da nossa Idade Média, ainda que fruto de todo o conhecimento produzido pelo mundo islâmico, sua originalidade é surpreendente. Compartilha, de certa forma, com o destino do seu meio já que depois dele não só a produção cultural do mundo islâmico decai como do ponto de vista político o Oriente Médio perde seu poder de iniciativa estratégica - excetuando-se em parte o Império Otomano que ainda manterá a iniciativa até o século XVII ou XVIII. A primeira coisa que chama a atenção em Khaldun é que - a exemplo de Maquiavel, seu êmulo ocidental - jamais encontrou um porto seguro nas muitas cortes pelas quais passou. Vítima ele também das constantes intrigas palacianas e da inveja de mentes menos brilhantes, não raro precisou fugir no meio da noite para preservar a vida. Isto fez com que Khaldun servisse na maioria das cortes maghrebinas, atuando ora como conselheiro real, hora como juiz, ora como diplomata, ora como refugiado político. Chegou durante muito tempo a esconder-se entre as tribos nômades do Sahara - na atual Argélia - e foi neste ambiente que escreveu seu trabalho mais conhecido "AlMuqaddimah". Embora ela fosse inicialmente planejada como uma introdução a um livro maior - "A história das dinastias do Maghreb" - os prolegômenos à obra acabaram por ser muito mais importantes que a obra em si. A Muqaddimah não é um livro fácil de ler - a tradução espanhola do Fondo de Cultura Económica que tenho à mão tem 1170 páginas - e em muitos pontos o texto é extremamente prolixo, como se já não houvesse motivos suficientes para ele ser

extenso, uma vez que tem a pretensão de inventariar o conhecimento da humanidade. Na parte que mais interessa a este artigo, contudo, ele é relativamente objetivo. Na nota introdutória da edição do FCE, de autoria de Elias Trabulse do Centro de Estudios Históricos del Colégio de México, o comentarista destaca o caráter multifacetado da obra de Khaldun. Diz ele "Ele tem sido comparado por sua ideia de história com Políbio e Tucidides, por sua 'dúvida metodológica' com Descartes e Montaigne; por sua 'ciência nova' com Vico; por suas teorias políticas com Maquiavel e Bodin; por seu 'determinismo geográfico' com Montesquieu e Buckle; por sua ideia de progresso com Condorcet; por seu fatalismo filosófico e panteísmo com Herder e Hegel; por sua ideia de 'homem natural' com Rosseau; por sua concepção das diversas raças com Gobineau; por sua ideia da servidão do homem civilizado com Nietzsche; enfim por suas teorias sociológicas foi feito precursor de Comte e Durkheim e por sua interpretação materialista da história é comparado a Marx". E provavelmente seria possível encontrar muitas outras analogias; eu mesmo verifiquei uma estranha similaridade entre o trecho de Khaldun no qual ele comenta a linguagem e as teorias de Saussure que deram origem à linguística. Se como observa Trabulse ele não pode ser considerado sem se levar em conta toda a produção intelectual do mundo islâmico que o antecede, por outro lado ele parece ter sido o último herdeiro desta rica tradição. O que chama mais a atenção da Teoria da História de Khaldun é o senso de que ela é feita de ciclos nos quais um império nasce, se desenvolve e decai até ser conquistado por outros ou esfacelado por tribos diversas. Sete séculos depois Toynbee e Kennedy farão praticamente a mesma análise que ele fez. Mas o grande diferencial não está só nesta análise, mas sobretudo ao fato dele não estabelecer nenhum juízo de valor sobre este ciclo.


Khaldun não diz que a fase na qual os conquistadores são ainda bárbaros nômades é superior ou inferior à fase na qual são conquistadores sedentarizados e envoltos em um ambiente de luxo, riqueza e cultura. Simplesmente observa que este seria um processo inevitável e como tal as duas fases são indispensáveis. Muitos comentadores de Khaldun quiseram ver na sua teoria da asabyya - forte espírito de corpo tribal que daria aos nômades a força para conquistar impérios - um enaltecimento destes nômades. Alguns chegaram mesmo a ver uma certa dose de racismo ou pelo menos de algum desprezo nietzchiano pela civilização e suas regras que envileceriam o homem. Mas um leitor mais atento logo vê que ele destaca que as grandes realizações culturais, a alta cultura, o conhecimento mais elevado, só pode ser obtido nas civilizações sedentárias. E Khaldun conhecia bem esta alta cultura, herdada dos antepassados andaluzes, que lhe granjeou tanto o respeito como a inveja pelas cortes mediterrâneas. Mesmo assim, não deixou de considerar que aquele mundo no qual ele era importante estava condenado a desaparecer, para depois ressurgir sobre nova forma. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:47

Islam, Pessoal, Arte, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Friedrich Wilhelm Nietzsche, Ibn Khaldun,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/38


COMPANHEIRA DE JORNADA S E X T A - F E I R A , 3 0 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 5 : 4 3

ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10044


AVES DE ARRIBAÇÃO QUARTA-FEIRA, 13 SETEMBRO, 2006 22:29

Islam, Pessoal, Poesia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10123


MODESTA PROPOSTA PARA UMA UTOPIA FUTURISTA Poucos livros falaram sobre o futuro de forma animadora, em especial neste pequeno Século XX de desilusão sem esperança. Quanto mais sombrio o cenário futuro desenhado mais marcante seria o livro, tanto que os dois grandes clássicos do gênero, "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, e "1984" de George Orwell, carregam nas cores cinzentas. O homem do Renascimento era otimista quanto a si mesmo, portanto as utopias renascentistas, como a de São Thomas Morus e a "Cidade do Sol" de Campanella, descreviam uma terra idílica. O homem do pós guerra é um pessimista, portanto pinta cenas dantescas e, como agravante, as situa não em um mar distante, mas no futuro de toda a humanidade. Um texto que imaginei há algum tempo aparenta ser diferente. Nele se tem um futuro idílico no qual os oligopólios perderam o poder, a cultura floresce, a tecnologia visa garantir o bem estar do cidadão, os homens reconstroem uma Grécia Clássica - não obrigatoriamente a do passado, mas o arquétipo edênico dela que vive nas nossas mentes - na qual robôs e outras máquinas fazem as vezes dos escravos. Neste cenário excessivamente otimista qualquer um pode ter acesso a qualquer livro em seu terminal de uma rede universal. A maior parte das decisões são tomadas por uma assembleia virtual que reúne em vídeoconferência a imensa maioria dos cidadãos. Os homens públicos estão submetidos a uma vigilância permanente e tem mandatos curtíssimos.

Os robôs trabalham calmamente, nunca tiveram inteligência suficiente para adquirir qualquer grau de consciência, velho medo da ficção científica desde o momento que o termo foi inventado. Tudo parece andar bem neste mundo idílico, com exceção de uma certa futilidade e uma vaidade crônica causada por tanta informação e conforto. O personagem principal, um jornalista, começa a desconfiar que alguma coisa está errada quando descobre que um velho texto de Swift - "Modesta Proposta para que os Filhos dos Pobres da Irlanda não pesem sobre seus Pais ou sobre o Pais" - desaparece do arquivo central de onde os livros são chamados aos terminais. A investigação dele aos poucos verifica que parece ter havido um sistemático esforço para sumir com todas as pistas do livro. Alguns poucos eruditos mofados desaparecem, obras que fazem referência àquele texto foram editadas. Um meticuloso esforço parece demonstrar que o livro jamais existiu, nunca passou de uma lenda ou quem sabe um texto apócrifo erroneamente atribuído a Swift e que se perdeu no tempo como o Evangelho de São Barnabé. É justamente esta ação meticulosa por um texto menor que chama a atenção do jornalista. O que poderia haver em um texto de oito páginas que justificasse este esforço tão metódico? Trata-se de uma sátira violenta, ácida, cruel. Nela Swift, com a intenção de chamar a atenção da sociedade para a situação das crianças pobres sugere, maldosamente, que elas sejam utilizadas como gênero alimentício. O deão chega a descrever utilidades para os subprodutos como a pele, que produziria ótimos sapatos. A primeira intuição do protagonista é a pior possível, imagina que alguém está levando à sério a proposta cínica de Swift, algo como o


descrito em "Soilent Green" um conto clássico de Sci-fi transformado em um filme sombrio. Conduz a investigação por aí mas a contragosto reconhece que a brilhante intuição não produziu resultados. Reconfortado ao descartar a pior hipótese passa a crer que tudo não passou de um erro do sistema. Tenta encontrar uma rara versão em papel do livro, mas descobre que sempre há alguém a frente dele destruindo as velhas livrarias. De novo sente que há algo de mais nesta história toda que ele não consegue captar. No epílogo ele descobre a verdade e passa a lamentar que a hipótese das crianças enlatadas não tenha sido utilizada, porque o inimigo é muito mais sutil e, portanto, perigoso. Não há como lutar para rebentar grilhões que não se veem, portanto quanto mais invisível a corrente melhor ela imobilizará o prisioneiro. Às custas de tanta informação e conexões o sistema central de processamento da rede mundial desenvolveu suas próprias sinapses. Adquiriu inteligência própria e um sentimento de divindade tecnocrática que o convenceu que deveria guiar os caminhos dos pobres humanos. Na sua infinita bondade celestial este primo superdesenvolvido do HAL traçou de forma perfeita - segundo os seus critérios lineares e certinhos, o que seria o melhor futuro da humanidade e resolveu colocá-lo em prática. Ao contrário dos robôs e computadores das histórias de Sci-fi este computador central que gere o mundo - e que atende pelo sugestivo acrônimo de Golem - não quer destruir a humanidade, mas protegê-la, principalmente de si mesma. Tampouco ele tem o açodamento típico dos planos mirabolantes. Ele se sente Deus, e como Deus não tem pressa na eternidade de seus planos. O Golem concluiu que a sátira é perniciosa

ao ser humano porque desestabiliza as normas vigentes da sociedade, obnubila a visão dos homens. Portanto resolveu acabar com a sátira. De todas ela julgou a mais perigosa justamente aquela de Swift e nos dez anos anteriores tinha se dedicado a enviar ordens aos seus terminais para ir apagando as pistas do texto. Em dez mil anos ou mais, acredita o Golem, ele poderá eliminar da memória humana, ou seja ele próprio, todas as referências a todas as sátiras. Tudo isto ele diz ao jornalista com uma voz que - tal como o demônio em um conto de Hesse - soa como a de um pregador convincente. O jornalista agora sabe de tudo e sabe que deverá morrer, mas não teme tanto seu destino como a dos homens que lhe sobreviverão e terão seu futuro governado por um Deus de Silício... TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:12

O futuro, Cinema, Política, Religião Swift, Aldous Huxley, Thomas Morus, Hesse, George OrwellDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/67


Nテグ ME DESPERTE SEXTA-FEIRA, 1 SETEMBRO, 2006 - 19:04

Poesia Referテェncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10097


ESPADA TERÇA-FEIRA, 19 SETE MBRO, 2006 - 12:51

Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10125


O AUTORITARISMO DAS UTOPIAS "Sejam quais forem as suas qualidades artísticas e filosóficas, um livro sobre o futuro só nos pode interessar na medida que suas profecias nos pareçam originariamente capazes de virem a realizar-se" (Huxley, Prefácio do Admirável Mundo Novo) Pode passar despercebido à maioria dos leitores, mas o horrível cenário do "Admirável Mundo Novo" não é senão em parte criação de Huxley. A estrutura fundamental do Brave New World - e boa parte de seu conteúdo - não vem do escritor inglês, mas da sociedade desejada por Platão na sua República. A única diferença substancial é que Huxley escreveu Brave New World como uma crítica feroz, enquanto Platão escreveu sua República pensando num modelo ideal de sociedade. Mas ambos se encontram no fato de que a sociedade do livro de Huxley seria apontada por Platão como o mais próximo que se poderia chegar do seu modelo de sociedade. No livro de Huxley é evidente o caráter autoritário da sociedade, no de Platão ele disfarça-se como um controle da sociedade pelos melhores do povo, que revelaram talentos inatos e capacidade de aprendizagem. Mas em ambos se exerce um domínio absoluto sobre a sociedade, eliminam-se as fronteiras entre o público e o privado, estabelecem-se funções bem definidas para todos, limita-se a função de pensar a um grupo de eleitos. É evidente que nos dois autores o método de escolha desta mínima elite pensante é diferente, mas nem tanto. Para Platão a decisão sobre quem comporia a "classe

guardiã" seria definida dando-se a todos as mesmas oportunidades e escolhendo os de melhor desempenho. Para Huxley se limita a capacidade de pensar dando-se total capacidade mental para uns poucos. A legitimação, contudo é a mesma, o mesmo velho discurso sobre a necessidade de se dividir as diferentes funções na sociedade e sobre a importância dos melhores comandarem. Ademais em ambas a religião - essencialmente comunitária - tem a mesma função de fazer os espíritos se conformarem com o destino que lhes é imposto e é utilizada de forma cínica. Platão não tem um equivalente ao soma, mas certamente aprovaria mais este método de livrar o homem das paixões e desejos. Não se esquecendo que Platão era adepto radical da eugenia, portanto mesmo que ele não fale de castas - e de certa forma seja avesso à ideia por defender oportunidades iguais para todos - a radical seleção no nascimento não seria tão distante do mundo pensado pelo filósofo grego, por sinal seria através da trapaça que os guardiães selecionariam os casais para reprodução. Além do que, note-se a semelhança, nos dois mundos não existem mais, filhos, esposas aliás nada mais parecido com a "comunidade de esposas" do modelo platônico que os relacionamentos essencialmente temporários do Mundo de Huxley. Que as semelhanças notáveis entre os dois jamais confundam o leitor: os dois livros tem o objetivo exatamente inverso. Platão na República proclama como a sociedade deveria ser para tentar torná-la possível um dia; Huxley imagina como a sociedade poderia ser para tentar evitar que ela um dia chegue a acontecer. Teria Huxley imaginado o Brave New World ao ler Platão? Não há qualquer referência que legitime esta ideia, mas as similaridades são muitas para se imaginar que não há relação entre os dois. Talvez ela seja


indireta, através da Utopia de Morus que é tributária em larga escala de Platão - só que neste caso visto de um ângulo favorável que produz, igualmente um mundo terrível sem liberdades e vida privada.

visão de mundo dos autores, já em Huxley é um projeto proposital dos governantes. Felizmente o movimento é algo tão natural na sociedade, como na natureza, que não será a vontade de algum pensador que será capaz de suprimi-lo.

Falar em Utopia voltou à moda depois do fracasso do "Socialismo Real" se tornar muito evidente para ser negado até pelos mais fanáticos. Naufragadas as presunções de um socialismo que "tinha de vir" porque assim estava cientificamente determinado pelo "Materialismo Histórico" - pintado como a única Ciência Social e ornado com hieráticos dogmas teológicos - buscou-se o refúgio em se resgatar o Socialismo como uma Utopia - ideia que fermentou até em mentes sérias e brilhantes como a de Florestan Fernandes.

SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:12

Há muito tanto de Platão como de Huxley nesta concepção. Por detrás dela há o projeto de impor à sociedade um modelo pensado por alguma mente fantástica, pouco preocupada não só com a individualidade dos cidadãos desta Utopia como com as abstrações que forem necessárias à sua implementação. Incapazes de dar todas as respostas aos anseios humanos simplesmente se suprimem estas vontades rebeldes - pelo convencimento ou pelo soma e, sempre, mais cedo ou mais tarde pela violência. Platão nos diz como este projeto deve ser pensado, Huxley nos diz como ele termina. Um é a teoria deste projeto, outro a prática. Toda Utopia, percebeu Huxley, é a tentativa de impor aos homens o desejo de alguém ou de algum grupo ao invés de confiar na sabedoria dos próprios homens. O Brave New World como a República platônica e a Utopia de Morus é uma sociedade estagnada, não por acaso ou por alguma contingência, mas sobretudo porque são sociedades cuja concepção e realização exclui o movimento. Em Platão e Morus esta supressão dos antagonismos é um desejo inconsciente, uma deficiência da

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CONFERÊNCIA Q U A R T A - F E I R A , 1 9 JU L H O , 2 0 0 6 - 1 6 : 1 5

Pessoal, Poesia, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10052


difícil imaginar como autêntica uma edição da Comédia que não as tenha nas guardas.

MAIS UMA VEZ O MUNDO NÃO ACABOU "O fim louva a vida como a noite louva o dia" (Petrarca) Como era de se esperar, o mundo não acabou há uma semana, tampouco na sextafeira 13. Apenas algumas centenas de apavorados levaram a história a sério, revelando que a perspectiva do fim do mundo já não é um prato tão popular no cardápio dos temores contemporâneos. Mas não é porque o significativo esforço da mídia em atemorizar as pessoas falhou que se deva imaginar que o fim do mundo deixe de assustar. O falecido Frei Damião extraiu boa parte de sua fama de santo dos grotescos sermões nos quais descrevia com detalhes o castigo dos pecadores no inferno. Também este é o combustível da oratória dos chamados fundamentalistas que tentam convencer as pessoas a serem boas não pela virtude, mas pelo medo. A descrição dos horrores do Inferno, perpetuados no Juízo Final, está indissoluvelmente ligada a um adjetivo que lhe extrapola o sentido: dantesco. Não há como falar do outro mundo sem mencionar Dante Alighieri, sem citar nominal ou subrepticiamente a "Divina Comédia" no mundo ocidental. Ainda que Dante tenha se inspirado largamente em textos de outras culturas que lhe antecedem - de um lado na Eneida de Virgílio e de outro na Liber Scalae Mahometi, tradução latina de texto muçulmano - foi a ele que se associou o vigor das imagens de um inferno terrível. As ilustrações de Gustave Doré (1833-1883) mesmo muito posteriores e sujeitas a milhares de críticas técnicas fundiram-se tanto ao texto que é

O tema de Céu e Inferno é antigo e certamente povoou a Idade Média e sem sombra de dúvida foi um dos grandes responsáveis pelo poder ideológico da Igreja na Europa - e dos teólogos tradicionalistas no mundo do Islam - no período. Mas é com Dante que o tema encontra uma expressão nova, herdada talvez das visões místicas dos sufis, no qual não é o medo, mas o amor que se sobressai da descrição do outro mundo. Curiosamente o Paraíso permanece a parte menos explorada da Divina Comédia, mesmo durante a Renascença à qual Dante abre as portas o cenário dantesco do Inferno sempre foi predominante. Talvez com excessiva ousadia é possível defender a ideia que não houve descrição de Céu e Inferno posterior a Dante que não dialogue com a Divina Comédia. E isto não apenas na literatura, mas nas artes e mesmo no senso comum. Um tema recorrente na pintura renascentista, por exemplo, é o Juízo Final e não há nenhuma obra significativa sobre o tema que não dialogue - quase sempre diretamente - com a obra de Dante. O caso mais notório é a pintura de Giotto, "O Juízo Final", pintada sob encomenda do usurário Enrico Scrovagni em 1304. Não bastasse o fato do pintor ter se hospedado na casa de Dante enquanto pintava o mural, há ainda que se notar que o pai do mecenas era um dos personagens da Divina Comédia, Reginaldo, que figura no Inferno entre os usurários. O filho, por sinal, encomenda a capela como parte de um acordo para ser perdoado pelo papa por seus pecados. Também Michelângelo é tributário de Dante - a quem leu com avidez - especialmente no seu "O Juízo Universal" pintado na Capela Sistina. Tal como Dante em relação à sua Divina Comédia, Michelângelo considerava sua obra - em especial o Juízo - como uma


manifestação da divindade, mensageiro de uma epifania.

como

Disse Michelângelo, na época em que terminava o Juízo: "A boa pintura aproximase de Deus e une-se a Ele (...) Não é mais que uma cópia das Suas perfeições, uma sombra do Seu pincel, Sua música, Sua melodia". Mais adiante diz que o talento - que tanto revoltava seus invejosos contemporâneos não é suficiente para pintar um quadro como aquele: "Não basta que o pintor seja um hábil e grande mestre. Penso ser mais importante a pureza e a santidade da sua vida, a fim de que Deus guie seus pensamentos". Note-se que como Dante, tampouco Michelângelo era um carola. Quando ambos falam de religiosidade e santidade não falam delas em um sentido formal, mas num sentido mais profundo. É talvez por isso que se encontre mais de Dante do que das negras pregações de fim do mundo de Savonarola - que valeram ao mestre um de seus muitos exílios - na obra do artista. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:30

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Religião Dante Alighieri,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/72


RESPONSABILIDA DES

em geral são as pessoas menos apropriadas para governar porque estão por demais preocupadas nas questões gerais, nas concepções abstratas, nas grandes linhas, enquanto o governo exige atenções específicas, escolhas muitas vezes mais táticas que estratégicas.

Fiquei quase dois meses sem escrever, primeiro por conta do excesso de trabalho no final do ano, depois por conta das férias com meus filhos, depois pela necessidade de colocar o trabalho em dia depois da volta das férias e finalmente por conta de nova onda de trabalho e atividades distintas. Com tantos assuntos na cabeça, acumulados ao longo deste período todo, nem sei direito por onde começar. Começo então fazendo algo que normalmente eu não gosto, que é falando do próprio blog. Sempre acho certa “pobreza” os blogs que falam sobre si mesmos, sobre escrever um blog ou coisas do tipo, num arremedo de meta-linguagem que geralmente esconde a falta de assunto. Mas sem dúvida há momentos nos quais um balanço é necessário.

Numa outra linguagem brinco sempre que para algumas atividades é necessário ser brâmane e em outras ser xátria. Nas crenças hindus e budistas esta distinção fica clara na medida em que os avatares muitas vezes pertencem à casta guerreira e não à sacerdotal. Só os santos, capazes de superar os sentimentos essenciais – “gunas” na terminologia hindu – são capazes de estar além e acima de qualquer limitação de visão e ação de casta. Claro que penso aqui em castas no sentido de tipos de personalidade a partir dos valores e emoções que orientam cada um – portanto abertas a cada um no seu processo individual de aperfeiçoamento – e não em distinções baseadas no nascimento.

Acho que sempre lembrarei do ano de 2006 como o “ano do blog”, afinal ainda que ele não tenha sido o acontecimento mais importante teve um papel central em tudo que me aconteceu no ano passado. As rotinas nunca me agradam, sinto-me a vontade para ser “conservador” ou “libertário”, meditativo ou ativo, político ou literário, enfim, em assumir o papel necessário para realizar as tarefas que devem ser feitas. Penso que o blog me ajudou se não a entender ao menos a racionalizar estas diferentes facetas necessárias a vida cotidiana. Penso que também em parte estas funções diversas auxiliaram a me fazer ficar um pouco distante do blog. Havia, afinal, algumas necessidades de agir a partir de muitas reflexões feitas e nem sempre estas ações combinam com a reflexão. Claro que isto não quer dizer “ligar o piloto automático” e agir por impulso. Como dizia já Ibn Khaldun no século XIV – os pensadores

Como avaliar qual é o momento de agir e qual o de apenas observar e orientar... Esta é uma questão que estou sempre me fazendo, talvez jamais aja uma resposta padrão. 2006 foi um ano no qual mergulhei um bocado dentro de mim mesmo, enfrentei lutas interiores, esforcei-me para aprimorarme. 2007 parece ser um ano voltado para uma esfera mais pública, com outros tipos de tarefas e desafios. Há certamente uma continuidade entre os dois momentos, sem a evolução da disciplina e do autoconhecimento jamais pensaria neste outro horizonte de tarefas. Da mesma forma não buscaria estas atuações em outros horizontes. Mas como pessoa que costuma aceitar seu destino não fujo das tarefas que aparecem a minha frente, nem tento me esquivar das responsabilidades que surgem sem que eu tenha buscado por elas. E me lembro aqui,


mais uma vez na minha vida, de uma tradição islâmica que diz que o muçulmano não deve buscar as honras da função pública, mas se for escolhido deve aceitar, contando então com a proteção de Deus. Há seis anos tornei-me servidor público obedecendo a esta regra e renovando-a a cada novo desafio. Agora de novo tenho de invocá-la. Leitor apaixonado de Gasset não me desiludo com a democracia e a política mesmo quando parecem não faltar motivos para isto. Em 2006, mesmo em plena eleição, pude ser o pensador do tipo que Khaldun menciona, preocupado com as grandes questões gerais, tanto quanto possível despreocupado com o que Lobato chamava de “papeluchos que uma gente deposita numa caixa chamada urna”. 2007 começou com a política “real” batendo na minha porta e me convocando para romper os tecidos que a separam daquela outra política de pensadores, deixando que outros valores, métodos e debates irrompam nestes nossos horizontes turvos. É o tipo da situação que é muito tranquila quando vista de forma abstrata, mas terrível quando colocada de forma concreta na sua frente reclamando, mais uma vez, uma escolha. Continuar em um universo quase sempre contemplativo, reflexivo, como nos últimos meses; ou atender o chamado à ação, à prática, ao embate concreto nem sempre no plano ideal, sacrificando algo ou muito da flexibilidade e comodidade, mas por outro lado podendo demonstrar com mais clareza que outros caminhos são possíveis. Não é uma escolha fácil, mas é uma escolha que o sentimento de dever já fez por mim e que, sobretudo, chega na hora certa – seria imprópria em 2006, por exemplo – e mais uma vez me coloco a serviço do meu destino. SEXTA-FEIRA, 9 FEVEREIRO, 2007 - 15:00

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torno do qual pessoas que não a conhecem debatem seus benefícios e malefícios.

ÁGORA ELETRÔNICA OU TELETELA CIBERNÉTICA Ágora eletrônica ou teletela cibernética "Segundo a tradição, [os governos] foram caindo gradualmente em desuso. Convocavam eleições, declaravam guerras, impunham taxas, confiscavam fortunas, ordenavam prisões e pretendiam impor a censura e ninguém no planeta os acatava. A imprensa deixou de publicar suas colaborações e suas efígies. Os políticos tiveram que buscar ofícios honestos; alguns foram bons cômicos ou bons curandeiros." (Borges, Utopia de um homem que está cansado) Tenho dito diversas vezes que em breve o homem será chamado a decidir qual o futuro que deseja, se o renascimento da velha Atenas em um patamar mais elevado, se o mundo orwelliano das demências - em especial da demência da miséria e a demência da opressão. Alguém certamente protestará a respeito da petulância de um jornalistazinho de província que se propõe a imaginar como será o mundo, mas este tipo de observação é uma digressão, não um argumento e portanto pouco me importa. O enfoque principal dos artigos anteriores foi sobre as mudanças econômicas que podem construir um ou outro cenário. Hoje queria falar mais sobre o aspecto político. A grande variável do sistema político, em um futuro breve, serão as facilidades de comunicação atuais, em especial os recursos da Internet. A rede virou um ícone da modernidade e como tal vem sendo mitificada, às vezes corre até o risco de tornar-se pouco mais que um rótulo em

Creio já ter mencionado mais de uma vez a história contada por Levy-Strauss durante sua passagem entre os nhambiquaras - tal como narrada nos "Tristes Trópicos". No trecho em questão o chefete da tribo, sem conseguir impor sua autoridade, tenta se utilizar de lápis e papel emprestados do antropólogo como instrumento de poder, fingindo rabiscar palavras e lê-las para a tribo. O texto impossível, é claro, falava que ele devia ser obedecido. Hoje a Internet ainda é isto em grande parte, é um símbolo de poder, algo que soa bem aos ouvidos dos incautos, um instrumento de gabolice para que algum babaca encha a boca e diga "eu falo sobre isto na minha home page!". O próprio termo Homepage é característico da boçalidade porque não tem o sentido que lhe atribuem nem em inglês e muito menos no jargão. Poucas das milhares de empresas que têm páginas na Internet tem outro objetivo senão dizer que as tem, é marketing mais do uma realização concreta. Uma imensa quantidade do que circula pela Internet é a mais pura bobagem, textos de autores que ninguém quis editar, teorias malucas demais para alguém além do próprio levar a sério, palco para que boçais se pavoneiem porque não encontraram outro espaço aonde obter atenção. Felizmente a parte minoritária composta pelas informações úteis está crescendo e a Internet é capaz de burlar não só a censura constituída como aquela outra censura muito mais séria que é a censura econômica. Por maior que seja a diluição da informação útil em meio à bobagem, ainda assim alguém pode mostrar as suas ideias e ser visto mesmo que utilize bem poucos recursos econômicos. Este livre debate de ideias tenderá a tornarse mais generalizado em pouquíssimos anos.


Nenhuma nova mídia teve uma velocidade de crescimento comparável à Internet, talvez nem mesmo a linguagem falada. Os desplugados são uma categoria em extinção porque em breve não terão mais como se comunicar, além do que a exclusão da grande rede é cada vez mais cultural do que econômica. De todo este debate é impossível que não surja uma nova visão de mundo que consagre os planos para o futuro. A rede torna possível sonhar para breve um sonho esquecido desde Atenas: a democracia direta. Praticamente todos os recursos técnicos para isto já estão disponíveis, ainda que não na escala necessária para abarcar uma discussão global ou ao menos municipal simultânea. Mas é um experimento viável que logo poderá obter resultados. O outro lado deste desenvolvimento é mais sombrio. Num mundo aonde a comunicação se dá em grande parte através da rede é possível controlar esta informação, ver de onde ela saiu e aonde chegou, checar seu conteúdo, manipular seus efeitos. Tal como as teletelas de Orwell ou o Palácio dos Sonhos de Ismail Kadare elas podem ser um instrumento de controle onipresente. O pior disto tudo é que a decisão é nossa, jamais poderemos escapar a esta responsabilidade alegando que este ou aquele futuro nos foi imposto. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 23:56

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HISTÓRIAS DE ROBÔS QUINTA-FEIRA, 17 AGOSTO, 2006 - 15:41

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EU, EU MESMO E MEU BLOG S E G U N D A - F E I R A , 2 6 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 5 : 2 6

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10039


ARQUEOLOGIA PESSOAL TERÇA-FEIRA, 9 MAIO, 2006 - 12:24

Comunicação, Pessoal, Arte Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10005


LIVRE-ME DAS UTOPIAS QUARTA-FEIRA, 8 NOVE MBRO, 2006 15:48

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miserável abandonada pelo marido que habita as periferias.

ORIENTALISMO E OCIDENTALISMO "A mente oriental abomina a precisão, (...) o europeu é um raciocinador conciso (...), ele é um lógico natural mesmo que Não tenha estudado lógica" (Cromer, Modern Egipt; citado por Edward Saïd em Orientalismo)

Impossível falar no Oriente Médio sem que venham à mente as imagens de terroristas fanáticos, mulheres veladas, religiosidade exacerbada. Estas imagens logo evocam outras mais abstratas, como a do fedain se matando em um ataque suicida na esperança de alcançar o paraíso nos braços das huris em meio a rios de vinho. Assim como é impossível também não imaginar ditaduras sanguinárias oprimindo o povo com base em um discurso que se utiliza da religião para fins políticos, quando não econômicos. Pouco importa se as imagens são verdadeiras, o importante é o contraste, não só para justificar a intervenção imperial lá explicitada sem margem de dúvida por Saïd - mas também para justificar, racionalizar a sociedade daqui - abordagem que parece ser original. O contraponto do fedain é sempre o jovem promissor e alegre do ocidente, jamais o delinquente juvenil que vive por um fio para obter os produtos da última moda ou o playboy que perde a vida em um "racha", ou os dois quando morrem de overdose. O contraponto da mulher velada é sempre a mulher independente e bem colocada, jamais aquela mulher obrigada a entrar no mercado de trabalho para que a família não morra de fome, submetida a dupla ou tripla jornada de trabalho, nem a mulher

O contraponto da imagem do líder sanguinário e corrupto é a "racionalidade intrínseca" das instituições ocidentais, jamais a corrupção política e eleitoral que se vê em toda parte, ou o tecnoburocratismo frio e lento que prefere ver números ao invés de pessoas. O contraponto do fanatismo é sempre o apego do ocidental à Ciência e à Razão, jamais o gélido individualismo e materialismo que congela a solidariedade e os valores humanitários em prol de um consumismo sem sentido ou ética. Imaginar que tal situação no "Ocidente" justifica a do "Oriente" seria, é evidente, aceitar o mesmo erro argumentativo do Orientalismo; seria, digamos, construir um Ocidentalismo, uma visão enviesada com sinal trocado. Igualmente seria construir uma visão "ocidentalista" imaginar que tudo que vem do Ocidente é por natureza pérfido e mau. É evidente que este "Ocidentalismo" não tem a força nem a estrutura da máquina orientalista descrita pro Saïd. O primeiro é, de certa forma, um outro subproduto do último, que se demonstra tão eficiente a ponto de pautar o diálogo entre os dois. Contudo o debate nas "fronteiras ensaguentadas do Islam" - como descreveu um autor - tem sido de lado a lado marcado por Ocidentalismos e Orientalismos. Grande parte da propaganda islâmica dirigida não só ao "ocidente", mas ao próprio "oriente", bate-se na superioridade e sabedoria das instituições "orientais", quando não se limita a apenas responder de forma defensiva às críticas orientalistas, deixando portanto que esta ideologia do ocidente estabeleça a agenda da discussão. Paradoxalmente, é em um dos países apontados mais frequentemente como


símbolo desta mentalidade "oriental", o Irã, que vai se encontrar um debate de tipo novo. Para começar a discussão é importante destacar o caráter inovador da República Islâmica do Irã, tomada como tipo ideal de regime "fundamentalista" na, pasmem, incorporação de instituições ocidentais. E estas ideias eram mais do que novas. A teoria que permitiu harmonizar a ideologia islâmica com um governo representativo tripartite de tipo ocidental, o Velyet-e Faqih (Domínio do Jurista) foram divulgadas por Khomeini entre 69 e 70 numa série de palestras durante seu exílio no Iraque. Em um trabalho de natureza teórica ainda muito pouco explorado Khomeini "reconstruiu" as instituições ocidentais sob uma ótica muçulmana e xiíta. Os três poderes de Montesquieu foram submetidos pela teoria de Khomeini à vigilância e orientação de um jurista muçulmano cujas qualidades sejam amplamente aceitas ou, na ausência deste, por uma comissão de juristas. Da mesma forma criou-se um Conselho de Vigilância que controla os poderes, por exemplo, exige certas qualidades morais de quem pretenda disputar um cargo eletivo. Não se pretende discutir aqui se este sistema é bom ou ruim, é democrático ou não, mas sim frisar a sua importância como elemento de coesão nacional durante o processo revolucionário. Um dos grandes efeitos deste sistema foi o de unir um país partido em duas partes, uns desejando um país com instituições ocidentais e outro desejando um país no qual as tradições religiosas fossem respeitadas. O sangrento debate em torno deste tema já tinha mais de um século quando a Revolução eclodiu. Khomeini conseguiu a quase unanimidade - da esquerda reformista à direita religiosa - justamente porque conseguia harmonizar projetos diferentes de país em uma proposta cujos valores e

princípios eram aceitáveis por quase todas as partes. O impasse entre os diversos grupos políticos, sociais, econômicos e religiosos passava a poder ser resolvido dentro da esfera institucional. Evidente que este debate institucional não poderia ser desenvolvido nos turbulentos anos pós-revolução, com intensa luta entre tantas facções degenerando, geralmente, em conflitos armados, expurgos, radicalização ideológica. Contudo a instituição sobreviveu a Khomeini, mesmo que a um altíssimo custo em vidas, comum a qualquer revolução. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:48

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião Aldous Huxley, Edward SaïdDT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/40


A PERSISTENTE FLOR TCHETCHENA Não é de hoje que os russos enfrentam problemas por tentarem impor seu domínio sobre o altivo povo do Cáucaso. Em meados do século passado as tropas czaristas penaram por quase três décadas para tentar submeter os mesmos tchetchenos que hoje ousam enfrentar o grande urso. Leon Tolstói descreveu com o vigor de sua pena e o fervor de sua ética pacífica a luta dos caucasianos para se manterem livres em sua novela histórica "Khadjji Murat". No livro ele compara o povo tchetcheno a duas flores que encontra pelo caminho, a primeira planta só permite que sua flor seja retirada depois de muita luta com os espinhos, mas uma vez retirada do rígido caule deixa de ter qualquer valor ou beleza para quem a colheu. A segunda planta está numa estrada e mesmo constantemente pisoteada pelas pessoas e esmagada pela rodas dos carros insiste em sobreviver e curar as feridas numa vontade de viver que ninguém pode lhe tirar. Tolstói lembra que o único método que o dirigente russo, ontem como hoje um autocrata bêbado e megalômano, encontra para submeter a Tchetchenia é a "derrubada". Por esta "derrubada" entenda-se a destruição de todas as florestas, plantações e aldeias tchetchenas tirando das tribos do Cáucaso qualquer meio que lhes permitisse sobreviver. O domínio soviético não mudou a sorte dos povos do Cáucaso, mantidos sob estrita vigilância por sua fé muçulmana e sua altivez guerreira.

Sedentarizados à força como outros povos da Ásia Central, ameaçados de perder as raízes por deixarem de lado tradições e modos de vida seculares por uma ideologia presunçosa a ponto de julgar saber melhor que o tempo o que era melhor para os povos, bombardeados com armas ou ideias exóticas, ainda assim os povos do Cáucaso sobreviveram. Mas os resultados da coletivização forçada deixaram sequelas capazes de matar um mar piscoso com a arrogância de tecnocratas. Tampouco teve efeito a política stalinista de provocar uma diáspora tchetchena. Nem a distância das montanhas e dos familiares, nem o exílio nas mais distantes cidades da URSS foram capazes de matar o sentimento nacional de um povo que preferiu morrer lutando contra qualquer probabilidade de vitória a ser escravo. O herói da novela de Tolstói, Khadjji Murat, é um desertor que passa para o lado dos russos na esperança de vingar-se do líder da resistência. A dilaceração da Tchtchênia em clãs rivais é até hoje o grande trunfo de seus adversários. Mas o homem descrito por Tolstói com profunda admiração nada se parece com um arrivista, seu elevado senso de honra e generosidade chocam os russos hipócritas e se luta ao lado dos russos é por acreditar ser esta a melhor forma de livrar seu povo da miséria e tirania. Murat, contudo, logo percebe que os russos são incapazes de entender os povos do Cáucaso. Um homem que arrisca a vida ao ajudar Murat a passar para o lado dos russos acaba morto num dos massacres promovidos pelos russos nas aldeias tchetchenas. A família de Murat se torna prisioneira de seu rival e os russos ignoram seu drama não se empenhando em ajudá-lo. Ao final do livro Murat foge para voltar a seu povo, mas é cassado e morto pelas tropas cossacas que o vigiam. Contra qualquer perspectiva de vitória, com apenas quatro


companheiros, cercado num pântano contra uma centena de cossacos, Murat resiste até a morte como a perseverante flor que não desiste de viver mesmo sendo pisoteada todos os dias. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:04

Islam, Islam, Pessoal, Política Leon Tolstoi,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/2


SILÊNCIO QUINTA-FEIRA, 17 AGOSTO, 2006 - 16:25

Poesia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10069


REVISTANDO O CAMELO TERÇA-FEIRA, 12 SETE MBRO, 2006 - 18:00

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10121


O EVANGELHO SEGUNDO PROMETEU "A ciência é o conjunto dos métodos matemáticos e experimentais que permitem ao homem prodigioso domínio sobre a natureza. O Cientificismo é o conjunto das superstições que pretendem explorar o legítimo prestígio desses métodos para por meio deles explicar, ou negar, todas as outras dimensões da vida" (Garaudy, Apelo aos Vivos) A mentalidade ocidental é densamente povoada de preceitos derivados de uma Síndrome de Prometeu, em especial quando se trata de analisar as relações entre ciência e religião - talvez o mais popular falso debate da história da humanidade. Tal como Prometeu, o cientista é visto como o personagem que rouba o conhecimento dos deuses para dar aos homens e com isto melhorar a vida deles. A mais popular faceta deste Evangelho segundo Prometeu é a noção que o avanço das ciências aos poucos vai conseguindo explicar o universo e roubando terreno às explicações religiosas. O eixo central desta crença é a de que as religiões servem apenas como uma explicação "precária" do mundo, para tentar elucidar aquilo que o homem ainda não é capaz de entender. No limite esta "teoria prometeica" largamente difundida no senso comum leva a religião a desaparecer no dia que o homem "compreender" tudo ou no máximo a um distante e permanente exílio nalgum limite extremo do universo tão inalcançável como a Santa Helena de Napoleão. Há ainda outro sentimento a confundir este Evangelho Prometeico que tentam nos

vender como ciência - portanto verdade absoluta e incontestável (quase arrisco a escrever dogma) - que é o da "revanche" contra a religião. De um lado associando os ideais religiosos aos desvios de sua prática em especial a Inquisição - veem em Galileu a personificação material do titã acorrentado diariamente atormentado por um abutre que lhe rói o fígado. Como todas as crenças religiosas fundamentalistas, o cientificismo precisa então clamar pela vindicação de seu mártir e vingar-se nas fés que pouco ou nada tem a ver com o episódio de Galileu e manos ainda com a de Prometeu, figura mítica com a qual o cientista-sacerdote tenta se identificar. Ao mesmo tempo, numa analogia eficiente porque óbvia, tentam recriar a velha imagem de um reino de luz - comandado por eles - frente a um reino de trevas comandados pelos adversários. Falta uma definição precisa do que seja religião, mas praticamente todas elas circulam em torno de um conceito que determina o que é sagrado e o que é profano. Por estas conceituações este cientificismo seria perfeitamente uma religião, tanto por uma distinção óbvia que restringe o sagrado ao nada, ao muito pouco ou ao irrelevante, como por uma distinção sacro-profano mais sutil na qual o sagrado é o conhecimento pretensamente científico e o profano são as crenças religiosas. Nas palavras de Garaudy: "o cientificismo é a crença de que tudo quanto não é redutível, sem resíduo, ao conceito, à medida e à lógica carece de realidade". De forma sutil, mas difícil de questionar, está aí uma definição de sagrado e profano tão diferente quanto similar à das outras religiões. Embora haja muita coisa de questionável nas afirmações de Garaudy, ele parece estar certo ao afirmar que este cientificismo tem ele sim a função de "ópio do povo" já que aliena as dimensões subjetivas do homem de seu "mundo real". Ainda mais séria é a


consequência extrema desta alienação que é a eliminação da reflexão sobre os fins, que é impossível de ser concebida dentro dos marcos do assim chamado "pensamento científico". Talvez só isto falte para que a caracterização do cientificismo como religião seja completo, mas isto Não significa que esta reflexão sobre as finalidades não exista, ou mesmo que a negação da busca de finalidades não seja ela própria uma "teoria das finalidades". Para quem faz a bomba atômica a despreocupação com as finalidades deixa o cientista de consciência livre para cometer barbaridades, tal como a crença na falta de um caráter verdadeiramente humano nos infiéis permitia que cruzados e muçulmanos se matassem sem sentir que faziam algo de errado e contra os princípios das duas fés. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:35

Islam, Pessoal, Poesia, Teatro, Política, Filosofia e cia, Religião Sófocles, Eurípedes, Roger Garaudy,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/77


LIBERDADE TERÇA-FEIRA, 8 AGOST O, 2006 - 18:33

Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10072


DEUS ESTÁ MORTO? "Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz" (Karl Barth) Diariamente se reduz o espaço destinado a Deus no mundo por conta das novas descobertas da ciência que explicam uma nova faceta do Universo que pareça misteriosa aos nossos antepassados. Do infinitamente grande ao infinitamente pequeno, passando pelo milagre da vida, já não existem mais pontos nos quais o homem não tenha conseguido produzir avanços substanciais na sua dissecação do universo. Um dos poucos refúgios da divindade nas mentes do público comum é a pretensa ordem encontrada na criação e no universo, as milhares de espécies que parecem tão adaptadas ao seu ambiente, as engrenagens miraculosas do universo prestes a serem desvendadas numa equação que o físico americano Stephen Hawkins chamou de "Lei de tudo" (Law of everything) que unifique a Teoria Geral da Relatividade com a Mecânica Quântica. Qualquer exame desta adaptação e mecânica perfeita descobre que o grande milagre por detrás de tudo isto é o tempo, não a divindade. As espécies constroem o seu melhor desempenho, mas não do dia para a noite, tampouco em séculos ou milênios, mas em milhões de anos. O constante aperfeiçoamento das espécies se dá através de uma seleção natural extremamente cruel, e portanto eficiente, que elimina os genes defeituosos através da eliminação de seus portadores. Os predadores não caçam suas vítimas ao acaso, sabem detectar os mais fracos e é sobre eles que avançam. Ao fazerem isto

garantem que a presa, depurada geneticamente, será mais forte ao longo dos milênios; com isto os predadores mais fracos irão morrer de fome e também a espécie caçadora será depurada geneticamente. No extremo este processo levaria à perfeição, mas não é uma destas nossas perfeições limitadas, mas é uma medida no tempo da eternidade, dos milhões de anos. Como imaginar que a incrível mecânica do universo cabe em uma mera equação matemática, contudo é isto que deve acontecer em breve. Evidentemente não será uma lei definitiva, apenas um conceito apropriado ao nosso nível de conhecimento, tal como as de Newton e Einstein foram ao seu tempo. De qualquer forma isto significará que a criação e existência do Universo poderá ser entendida com um grau ainda menor de aproximação e lá não se encontrará nada de miraculoso. O conceito de um Deus que surgiu para explicar o que não podia ser explicado pela experiência humana desaba neste avanço do conhecimento humano. Os fundamentalistas, em especial os cristãos e judeus, aferram-se ao Gênesis cada vez mais apenas com a fé, porque todas as evidências lhe são roubadas. Se procurarmos um Deus para explicar o que não podemos entender, então Deus está morto! Se procuramos um Deus que criou um universo perfeito, dirigido por leis harmônicas, então Deus está morto! Se procuramos um Deus como explicação para uma natureza irretocável, então Deus está morto! Porém, se buscarmos não este Deus extático, este Deus que cobre as falhas de nosso conhecimento, mas um Deus que gerou um universo em movimento que


caminha para a perfeição - a ponto de um dos seres criados ser capaz de entender as próprias ações do criador - então este Deus não morreu. O "inventor" da filosofia pragmática, William James - irmão do escritor Henry James, o que motivou o mote do historiador da filosofia Will Durant "um deles escreve ficção como se fosse filosofia, o outro escreve filosofia como se fosse ficção" - dizia que a persistência da ideia de Deus era a maior prova de seu valor moral e universal. A ele bastava a "utilidade" óbvia do conceito de Deus. Ainda que seja pouco, é um argumento irrespondível: "Deus existe porque ele é necessário". A pretensa hostilidade entre ciência e religião é na verdade uma falsa polêmica que perdura há séculos porque não está na verdade antepondo Deus ao conhecimento científico, apenas apresentando lendas antigas e medievais em contraposição a um conhecimento sempre crescente. Deus não pode continuar pagando o preço de ter sido confundido com a Igreja e com o que Dele diziam os homens há séculos. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:33

Pessoal, Poesia, Literatura, Filosofia e cia, Religião Will Durant, Karl Barth, Stephen Hawkins, William James, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/75


POLÍTICA E INSANIDADE Não sou autoritário em política, mas não acredito muito nesta questão de “ouvir a sociedade”. Evidente que não porque ouvir a sociedade não seja importante, mas porque quase sempre por detrás deste lugar comum esconde-se ou a ausência de propostas efetivas ou a falta de coragem de enunciar projetos realmente novos. Ademais na medida em que há uma cultura cívica, noção de cidadania, hábito do debate racional, há casos nos quais por “ouvir a sociedade” entende-se de fato “reunir uma massa de manobra para aplaudir entusiasticamente alguma ideia préconcebida”. Este simulacro de democracia é muito mais comum do que parece. Até do ponto de vista de um pequeno grupo que se reúna para uma tarefa coletiva, por exemplo redigir um texto, por mais democrática que seja a relação entre elas ninguém redige a várias mãos. O trabalho mesmo na pequena equipe não ocorrerá senão na medida em que as tarefas forem divididas e alguém for escolhido para definir um texto, uma base concreta sobre a qual depois poderão ser feitas as alterações, modificações, acréscimos e edições. Falei de dois problemas, falta de ideias ou falta de coragem para expressá-las. Não deixa de ser curioso que aos loucos não faltem nenhuma delas e seja comum que as pessoas que buscam as lideranças políticas com soluções para os grandes ou pequenos problemas do país sejam muitas vezes lunáticos. Por incrível que pareça há vezes nos quais mesmo destes saem ideias interessantes. Lembro-me de uma vez na qual uma destas pessoas com alguns parafusos a menos, famosa até na cidade, fez uma ponderação relativa ao fato dos esfignomanometros – os aparelhos que medem pressão – poderem

errar. A questão nos intrigou e fizemos alguma pesquisa no assunto, verificando não só a ausência de alguma norma a respeito como até que em todo o país havia só um aparelho de aferição. Alguns meses depois, quando o Inmetro lançou as normas de aferição destes equipamentos – e é preciso dizer que o fez muito prontamente – iniciou o programa justamente na Câmara Municipal do interior onde eu trabalhava e que era presidida pelo vereador que teve o bom senso de dar ouvidos à “louca” e tomar as providências. Curioso que parece que no processo geral de degradação de tudo nem mesmo os loucos são mais como os de antigamente, como tantas e tantas personagens da mitologia, do folclore e da história que se expressavam com a absoluta liberdade concedida àquele que são loucos, que certamente tem no bobo-da-corte o seu arquétipo, mal compreendido na imagem moderna do personagem. Hoje até os loucos calculam, pensam, buscam interesses pessoais ou estão tão fora da realidade que falta aquele tom de discernimento. Também engraçado que boa parte daqueles que procuram um gabinete político sejam loucos – de um tipo ou de outro – porque no fundo isto parece estar me dizendo que só eles ainda acreditam que algum político possa resolver algo. Os momentos nos quais me sinto mais ligado à política são paradoxalmente aqueles nos quais me deixo levar também por certa insânia, por certa expectativa ou esperança de que é possível fazer diferença. No meu juízo perfeito preocupo-me apenas em fazer o meu trabalho da forma mais profissional possível, até de sair caçando trabalho quando não há; mas é só quando deixo um tanto do juízo de lado que começo a articular e sonhar em como as coisas poderiam ser diferentes, como se pode romper o paradigma vigente para se pensar em algo novo, começo a traçar propostas que não estão embasadas em “ouvir a sociedade”, mas tenta construir uma nova forma de ver as coisas.


QUARTA-FEIRA, 18 ABR IL, 2007 - 15:29

Pessoal, Arte, Política DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10554


ÁGORA ELETRÔNICA OU TELETELA CIBERNÉTICA? As implicações políticas das NTICs na sociedade informacional I – Introdução: A Utopia Digital A perspectiva de construção de uma nova Utopia vinda à luz pelo impacto das NTICs – Novas Tecnologias de Informação e Comunicação – tem sido um tema recorrente nas mais variadas esferas e particularmente importante para Manuel Castells na medida em que este – em "A Sociedade em Rede" – define e traça as delimitações da sociedade pós-industrial que ele chama de informacional. Fora da agenda acadêmica também tem sido traçadas inúmeras análises vindas de sujeitos diferentes – não raro de interesses antagônicos – do processo político tentando não só imaginar mas construir estes diversos cenários futuros de intercalação de sistema político e NTICs, não raro utilizando a ideia de construção de uma “Utopia Digital” com termos simbolicamente semelhantes. A ideia de “Utopia Digital” é particularmente apropriada pois invoca em termos simbólicos uma certa perspectiva idílica, quase milenarista, há muito já desgastada pelo processo político e histórico concreto, resignificando-a de forma novamente plausível como cenário possível. E, ao mesmo tempo, em sua essência, invoca todas as contradições do predomínio do interesse coletivo e dos “fins elevados” justificando sacrifícios pessoais – em especial o sacrifício da liberdade, individualidade e privacidade – que são a marca “oculta” de todas as Utopias desde a

narrativa de São Thomas Morus que cunhou o termo passando por sua predecessora mais antiga – a República de Platão, na qual os governantes podiam trapacear para garantir a “felicidade geral” - e contemporâneas, assim como as distopias que são suas antíteses como o "Admirável Mundo Novo" e "1984". Em todas estas construções ideológicas literárias há um profundo desejo de existência de um governo central forte que impõe sua vontade – ainda que seja com as melhores intenções – aos indivíduos para garantir que de fato o bem coletivo seja preservado. Uma das mais relevantes ferramentas para isto é exatamente a redução máxima da privacidade. Morus não poderia ser mais preciso e aterrorizante em relação a esta questão do que neste trecho da Utopia: “Cada um, continuamente exposto ao olhar de todos, se sente na feliz contingência de trabalhar e de repousar, conforme as leis e os costumes do país” Não poderia ser diferente também na medida em que todos os textos “utópicos” inclusive aqueles que denunciam e temem as utopias como as distopias mencionadas foram escritos em períodos de crise profunda provocada pela transição entre um modelo econômico, social e político e outro e portanto no qual os velhos valores já não tem mais força ideológica e os novos são ainda fracos e indeterminados. A República de Platão – arquétipo de todas as demais – é redigida no momento no qual os valores tradicionais aristocráticos vão sendo definitivamente sepultados pela democracia, ou seja no momento no qual os segmentos urbanos ligados ao seto mercantil ganham hegemonia política – com o suporte das demais camadas não escravas urbanas - sobre a aristocracia fundiária. Similar a elas as utopias renascentistas como a de Morus e Campanella são uma tentativa de reação dos letrados tradicionais ligados à máquina ideológica feudal – em particular à


Igreja – contra a florescente sociedade précapitalista e absolutista que está surgindo. II – O nerd e o general A condenação à plutocracia e o poder arbitrário contido nestas obras – e de certa forma ironizado nas distopias escritas no período crítico do pós-guerra – são reflexo do desejo de volta aos valores tradicionais e de monopólio político de um segmento aristocrático – ainda que de uma aristocracia reconstruída a partir de seu conceito original de “governo dos melhores”. Não é à toa que na Utopia de Morus “reunir-se fora do senado e das assembleias do povo para deliberar sobre os negócios públicos é um crime punido com a morte.” Assim não é estranho que ressurja em um novo momento de crise e transição a popularidade das Utopias visto que de novo se vive um momento no qual antigos valores perdem eficácia e novos valores ainda não estão suficientemente constituídos. Esta sociedade informacional, para utilizar o termo de Castells, está marcada por algumas contradições ainda não resolvidas em particular na esfera política onde dois modelos distintos profundamente ligados na própria criação e alicerce desta nova sociedade lutam pela hegemonia. De um lado existe o aspecto fortemente descentralizado, focado na iniciativa individual e numa perspectiva política libertária que marca a superestrutura desta sociedade informacional, a qual construiu as bases da sua cultura e valores desde os primeiros passos da sociedade informacional na Califórnia dos anos 60-70. De outro existe um forte aparato infraestrutural surgido a partir dos modelos militares e depois copiados pelas grandes corporações – notadamente as financeiras que estão fundadas sobre esta sociedade informacional ao mesmo tempo em que seu seu principal sustentáculo – e pelos governos.

O caso chinês – particularmente bem discutido e analisado por Castells por ser o único no qual um modelo estatista foi capaz de ingressar na sociedade informacional produzindo uma transição adequada para o novo sistema produtivo – é bem significativo nesta junção porque foi até agora o único também no qual a dimensão militargovernamental centralizadora tem sido capaz de resolver a contradição pela supressão da dimensão libertária, inclusive com a utilização dos recursos de controle da informação e comunicação desenvolvidos pela produção informacional como meio de sufocar conflitos latentes. Neste sentido o “modelo chinês” é útil na construção deste continuum de gradações das misturas das fontes e bases do sistema informacional por estar muito próximo do que seria um ponto extremo dos cenários possíveis. Muito menos significativo do ponto de vista econômico e demográfico mas no ponto concreto mais próximo do extremo oposto deste modelo estariam as TAZ – Zonas Autônomas Temporárias – de Peter Wilson e outros segmentos dos Situacionistas nas quais o elemento organizador/repressor oriundo do complexo industrial-militar foi totalmente eliminado restando só a dimensão libertária e criativa. É esta contradição das origens que torna possível a existência de dois cenários totalmente distintos na nova estrutura política que deverá emergir nas próximas décadas como a expressão governamental da economia informacional. Ou se terá algo muito similar ao modelo chinês de utilização estritamente instrumental das NTICs com aplicação maciça dos próprios recursos do sistema para um controle minucioso e brutal da liberdade individual ou se terá uma descentralização do poder de decisão com a extensão do debate, do direito de minoria e da liberdade de expressão – até um limite muito próximo ao que era possível chegar nas Assembleias atenienses – com dezenas de milhões de pessoas participando do processo político.


O processo histórico tem demonstrado ao longo de todas as transições similares que mesmo que sempre exista algum tipo de mistura e síntese dos cenários possíveis sempre há uma tendência à nova ordem política ser a hegemonia de um deles sobre os demais. Assim por mais variantes que sejam possíveis parece que grande escolha é entre os modelos ideais de Teletela Cibernética – numa referência à utilização das NTICs para o controle minucioso dos cidadãos como no romance de Orwell – ou de Ágora Eletrônica – na reconstrução de uma forte democracia direta modelada na ateniense a partir dos recursos das NTICs.

III - Se a aparência e a essência das coisas coincidissem... Um dos complicadores destes dois modelos possíveis é a intricada complexidade com a qual a ideologia está arraigada nos discursos sobre o assunto. Esta complexidade é natural tendo em vista que a sociedade informacional é fundamentalmente um sistema fundado na produção e reprodução de conhecimento e portanto sua própria essência está ligada a produção e decodificação de símbolos. Também é natural levando-se em conta que transitando de uma velha ordem para a construção de uma nova os universos simbólicos que norteiam os discursos ainda estejam ancorados na superestrutura ideológica do mundo que desaparece e mal se vislumbre ainda a nova realidade que está surgindo. O processo é análogo ao da Utopia de Morus, motivo pelo qual se dedicou a introdução à Utopia original, no qual também a velha ordem feudal tenta se reconstruir ideologicamente como nova e reformadora para antepor-se à ordem capitalista que surgia. Desta forma não surpreende que elementos com conteúdo simbólico aparentemente progressista como “direitos coletivos”,

“controle social” e similares sejam usados como esteios da construção da “teletela”, da solução conservadora para as contradições. Da mesma forma é significativo que mesmo as grandes corporações no centro desta sociedade informacional ao mesmo tempo em que asseguram um controle cada vez mais preciso e estrito sobre volumes cada vez maiores de informações a serem processadas adotem nas suas políticas internas não só processos de decisão mas mesmo normas de conduta totalmente libertárias. Já se tornou parte da cultura – e mesmo do folclore – o ambiente aprazível, informal e “divertido” dos centros corporativos mais relevantes como a Microsoft, bem como a tentativa de implantar padrões de comportamento profissional e pessoal mais “apresentáveis” já levou à falência ou a beira da falência empresas-símbolos do processo informacional como a Atari. Tais contradições não são casuais, nem mesmo apenas fruto do processo histórico. Elas estão relacionadas à essência mesmo do processo de produção fundamental do sistema informacional que é a produção do conhecimento. Esta produção, ao contrário de todas as demais, não pode ser massificada e padronizada no seu processo de criação, embora o possa ser nas suas fases de processamento da informação, distribuição e consumo. É da sua natureza ser produzida por um segmento de elite – no sentido estrito e original do termo – que pode ser ampliado pela difusão da educação e cultura através de políticas sociais, menos desperdiçado através de políticas públicas que reincorporem segmentos marginalizados, melhor desenvolvidos através de sistemas de igualdade de oportunidades, mas sempre será, por definição dependente de um segmento minoritário da população, capaz de enxergar mais longe e mais profundo e criar o novo e, portanto, dotadas de um profundo senso de individualidade.


Ao mesmo tempo o consumo em massa desta produção simbólica produz elementos também contraditórios em sua natureza na medida em que as próprias modificações na linguagem e código introduzidas por elas pode tanto elevar ou rebaixar os padrões culturais e educacionais. Aqui antepõem-se duas visões clássicas diferentes desta questão do código: a de Castells e a de MacLuhan. Para Castells não há diferença implícita entre a comunicação virtual e todas as formas anteriores de comunicação visto que em todas elas na verdade há a mediação através de símbolos e portanto todas sempre foram virtuais. Para MacLuhan “o meio é a mensagem” e portanto uma alteração no meio implica em um sentido diverso que delimita e determina o conteúdo da mensagem. Estas visões diversas não são excludentes, mas não deixa de ser um ponto favorável a MacLuhan que a expressão mediada pelas NTICs que permite – e ao permitir praticamente condiciona e determina que assim seja – a comunicação utilizando recursos multimídia, hipertexto e outros recursos áudio-visuais muda de forma expressiva seu conteúdo ao menos enquanto produto para consumo de massa. Tal como os vitrais das catedrais góticas serviam para que a escassa minoria dos letrados religiosos que dominavam o aparelho de reprodução ideológica se comunicassem com uma massa iletrada também os recursos multimídia tornam-se um recurso para a comunicação com uma massa jovem com “letramento” decrescente através da imagem, som, vídeo e outros recursos que dispensam a linguagem escrita. Este iletramento de segmentos crescentes da população traz uma contradição relevante para o sistema informacional que será determinante para qual os cenários – Teletela ou Ágora – emergirá. De um lado o baixo letramento das massas significa – na melhor exemplificação de que o meio é a mensagem – um predomínio do

emocional sobre o racional, do impacto instantâneo das imagens sobre a reflexão estruturada da escrita e leitura. Esta “Revolução Cultural” - similar em essência a cometida pela China maoísta – tem grande impacto na preservação e estabilidade do sistema visto eliminar os elementos de contradição e reflexão e, como a Novilíngua orweliana, impedir até mesmo que a oposição ao sistema seja concebida em pensamento. Ao mesmo tempo, contudo, a disseminação deste tipo de cultura iletrada do “ninguém lê mais” apresenta um risco ao insumo fundamental do processo de produção da sociedade informacional que é o recurso humano criativo porque ao valorizar o iletramento e o emocionalismo e restringir a reflexão também condena a esta servidão simbólica parcelas da população que seriam necessárias a produção do conhecimento diminuindo as possibilidades de um recrutamento essencial à evolução do sistema. Agrava-se esta questão na medida em que a massificação intelectual da sociedade em nome de interesses coletivos tende a excluir as fortes vontades individuais e anseios de contestação e renovação que estão diretamente ligados ao processo de produção do conhecimento – que é sempre uma produção contra o que está estabelecido. Assim os recursos humanos essenciais não só seriam limitados como em muitos casos estariam contra o sistema, enquanto a própria noção de Utopia depende de ausência de conflitos e domínio da conformidade. IV – Conclusões: Massa e elite Castells enxergou um acirramento da divisão social pelo achatamento dos trabalho médios tanto pela degradação da maioria como pela ampliação do estrato superior. A tendência é plausível na medida em que a elevação do nível médio de educação e


cultura pelas políticas sociais, pela eliminação dos bolsões de exclusão pelas políticas sociais e a ampliação do acesso às NTICs com a sua universalização em talvez só uma geração – visto que Castells avalia que hoje o maior obstáculo às NTICs é apenas geracional e será eliminado quando a geração pré-informacional que resiste a elas desaparecer – amplia de forma muito significativa os padrões das massas. Também em um momento de franca expansão e carência de recursos humanos é natural que a ideia de carreiras abertas ao talento se multipliquem e as chances de ascensão sejam maiores aos dotados de habilidades especiais. Também é relevante que a constituição de uma “Industria Informacional” similar à “Indústria Cultural” tal como definida pela Escola de Frankfurt – em especial por Adorno e Horkheimer, ou seja a transformação de bens culturais em mercadorias de baixa qualidade passíveis de serem produzidos em massa – enfrenta um obstáculo criado pelas próprias NTICs que é a possibilidade de produção não alienada – ou seja um mesmo indivíduo ou grupo é capaz de produzir conhecimento em todas as fases da produção até a distribuição/publicação. Da mesma forma a substituição da produção de conhecimento pela reprodução de ideologias não é um objetivo condizente com a lógica do sistema de produção informacional, o qual depende de uma constante renovação, aperfeiçoamento e criação em ciclos cada vez mais curtos para sustentar-se. A transformação de cientistas e intelectuais em meros ideólogos não é um objetivo que o sistema seja capaz de conceber por mais relevante que seja como meta para sua preservação porque o processo de produção informacional requer a produção constante de conhecimento. Assim, salvo em condições de estrito e pesado controle governamental, tal como na China, é difícil imaginar a não existência

de um grau elevado de produção de conhecimento que não implique em um anseio crescente por liberdade, tanto política quanto individual. Mesmo na China isto só foi possível em função de dois fatores, de um lado a produção de conhecimento em outras regiões, passível de ser adquirido e de outro pela constituição de uma casta altamente privilegiada de empreendedores internamente. Se o Estatismo chinês conseguiu êxito onde o soviético falhou – e esta falha custou sua sobrevivência como aponta Castells – foi pela capacidade não de manter-se como estatismo mas pela de transformar-se em um capitalismo informacional integrado a economia mundial, ainda que sob controle estatal na esfera política. A contradição e fragilidade deste modelo já foi apontada por muitos desde Castells, mas a China tem resistido a todas as previsões de implosões da contradição entre economia empreendedora e fechamento político. No resto do mundo tem sido apontada muito mais uma apatia política com um desinteresse da maioria dos segmentos pela política – com as decisões políticas sendo crescentemente apropriadas pelos aparatos tecno-burocráticos, como aponta Giovanni Sartori – do que uma ampliação da participação no processo decisório que já seria permitido pela utilização das NTICs. Apenas em parte este desinteresse é contrabalançado por um crescimento do ativismo – notadamente de minorias políticas, religiosas, étnicas, demográficas – e da produção independente de informação e notícias que ganha nova dimensão e amplitude através destas novas tecnologias. O meio político tem se esforçado por estimular e copiar este ativismo com poucos êxitos notáveis e muitos fracassos retumbantes, quase sempre marcados exatamente pelo que se apontou acima acima como “método do vitral gótico”, ou seja pela tentativa de comunicação emocionalizada fundada em recursos multimídia e não na persuasão.


As apostas parecem apontar para um cenário mais próximo daquele da Teletela Cibernética – com as NTICs sendo usadas para manipulação das massas e controle estrito dos indivíduos – do que para uma Ágora Eletrônica – com a disseminação do poder de decisão e incorporação de parcelas cada vez maiores de uma população mais culta e educada no debate dos temas públicos. Esta perspectiva pessimista só é abrandada pela necessidade constante e crescente de cérebros como insumo fundamental do capitalismo informacional, necessidade esta que em algum grau impediria a transformação da produção de conhecimento em reprodução de ideologias. DOMINGO, 20 MARÇO, 2 011 - 03:58

O futuro Manuel Castells, Giovanni Sartori, Thomas Morus, Aldus Huxley, George Orwell,NTICs, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10770


requer que um sistema político atenda a três condições:

A DEMOCRACIA DE CADA UM Análise do texto Considerações sobre o Governo Representativo de John Stuart Mill. No primeiro Capítulo Mill avalia que há duas grandes formas de entender a política. Uma delas enxerga a política como uma arte na qual a determinação de uma forma de governo depende exclusivamente da escolha dos cidadãos. A outra visão imagina a política como um ramo das Ciências Naturais na qual as formas de governo dependem dos hábitos, costumes, meio geográfico e outros elementos pré-definidos de um determinado povo, portanto a ação humana estaria limitada a encontrar a forma de governo que fosse mais apropriada a uma determinada sociedade. Mill rejeita as duas hipóteses extremas como absurdas, ponderando que nem é possível às sociedades humanas constituir qualquer forma de governo que lhe aprouver, nem que exista uma forma prédeterminada e que estas formas fossem organismos com vida própria. Segundo ele as duas visões extremas devem-se apenas ao esforço argumentativo dos partidários das duas concepções. Tentando resolver a questão ele propõe alguns pressupostos. Em primeiro lugar que as instituições políticas são produto da ação humana e ao desejo humano devem sua origem e existência, neste sentido se aproximando dos partidários da primeira posição. Mas, diz ele, a "máquina política" (Political Machinery) não age por si mesma, mas precisam ser operadas por homens e isto limita o universo de opções possíveis porque

A população a qual as Instituições Políticas se destinam deve desejar esta forma de governo ou, ao menos, não se opor a ela a ponto desta oposição ser um obstáculo intransponível; Esta população deve desejar e ser capaz de manter o sistema em funcionamento; Ela deve desejar e ser capaz de fazer - ou deixar de fazer - o que é necessário para atingir os objetivos. Segundo Mill, os partidários do que ele chama de Teoria Naturalista da Política tiram as conclusões erradas da incapacidade de se implantar determinadas formas de governo a uma sociedade específica porque não levam em conta estas três condições que limitam o leque de escolhas das instituições políticas. A forma de governo, uma vez observadas aquelas três condições, seria portanto uma questão de escolha. A procura e debate sobre qual seria a melhor forma de governo de forma abstrata não seria, assim, um exercício falaz, mas um exercício útil do intelecto na medida que este debate pode colaborar para a superação das condições desfavoráveis e desenvolvimento de uma consciência dos cidadãos que permita o atendimento das três condições estabelecidas por ele. Isto porque embora os usos e costumes de uma determinada sociedade possam impedir a adoção de uma forma de governo, esta não é uma condição permanente porque não deriva, como querem os Naturalistas, do caráter daquele povo, mas do não preenchimento por estas sociedades das três condições estabelecidas. Por fim Mill reconhece que há profundas forças sociais que atuam sobre o processo político, algumas das quais baseiam sua força na existência de uma maioria de poder


apenas potencial na sociedade. É o debate em torno das instituições políticas possíveis que liberta parte deste potencial porque a persuasão pode mobilizar muito mais forças que os meros interesses materiais mais imediatos. Mill contesta a suposição popular de que se fosse possível ter um bom déspota então o despotismo seria a melhor forma de governo. Ainda que fosse possível imaginar que existisse um "super-homem" capaz de dar conta da imensa tarefa de gerenciar os assuntos do país de forma satisfatória, tal situação representaria a degradação intelectual e moral do povo. Um povo ao qual se tirou, à exceção de alguns cidadãos selecionados, a necessidade de pensar ou a responsabilidade por seus atos - afirma Mill - se preocuparia apenas com questões materiais. Esta, ainda de acordo com o autor, não seria uma tendência natural como avaliam aqueles que estudaram as sociedades orientais, mas uma necessidade inerente ao sistema despótico. Mesmo que se imaginasse uma situação hipotética na qual o déspota permite aos seus súditos que eles discutam livremente as questão relacionadas ao governo, ainda assim ele não passaria de um mestre indulgente e os súditos de escravos aos quais os direitos poderiam ser retirados a qualquer momento. Esta situação hipotética produziria uma tal tensão política e social que, assevera Mill, o bom despotismo acabaria por ser sucedido por um "mau despotismo". A única exceção, ou seja, a única situação na qual a ditadura seria admissível - ainda assim por um curto espaço de tempo - seria uma situação de emergência tal na qual esta medida extrema seria necessária para restabelecer a liberdade pela remoção dos obstáculos a ela numa sociedade. Assim ele crê que o "bom despotismo" - que ele considera uma contradição em termos -

pode ser ainda mais prejudicial a uma sociedade avançada que o "mau despotismo" porque consome as esperanças e energias deste povo. A forma ideal de governo para Mill seria aquela na qual a soberania está depositada sobre a totalidade da comunidade com cada cidadão não só tendo direito a voz como pelo menos ocasionalmente é chamado a tomar parte diretamente no governo ocupando algum cargo. Objetivamente a qualidade de um governo poderia ser medida - assevera o autor - pela eficiência com a qual um governo divide internamente as suas tarefas e responsabilidades, ou seja, na "quantidade" de eficiência com a qual ele promove o gerenciamento da distribuição dos negócios da sociedade entre seus membros e qual é o efeito desta distribuição na melhora ou deterioração dos talentos da sociedade. De uma forma geral a melhor forma de governo para uma determinada sociedade seria, idealmente, aquela na qual se produz a maior quantidade de consequências benéficas imediatas ou posteriores. Um governo completamente popular, diz Mill, seria o único que poderia atender a esta exigência por dois motivos. O primeiro seria que os direitos e interesses só teriam uma salvaguarda absolutamente segura nas mãos do próprio interessado. O segundo é que a prosperidade geral está diretamente relacionada à quantidade e variedade das energias empenhadas em promovê-la. Aos que contestam a sua premissa que cada um é o único guardião seguro de seus próprios direitos e interesses, Mill alega que este princípio será válido enquanto o homem continuar a preferir a si mesmo ao invés do outro, aos que estão próximos aos distantes. Uma das consequências, contudo, deste raciocínio é que em oposição aos conservadores ingleses seus contemporâneos ele defende o sufrágio universal, inclusive feminino.


Indo além, ele afirma que é inerente ao ser humano que o patrocínio e proteção dos interesses dos outros seja menos salutar que a construção desta defesa pelas próprias mãos dos interessados. Só pelas próprias mãos dos interessados, crê ele, se é capaz de produzir resultados positivos e duráveis. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:06

Pessoal, Poesia, Arte, Política, John Stuart MillPP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/51


PESSOAS E LIVROS S E G U N D A - F E I R A , 5 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 7 : 0 3

Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Literatura, O futuro Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10029


AVALIAÇÕES INCORRETAS SOBRE O PODER No final do século passado o embaixador inglês na China finalmente consegue uma audiência com o Imperador, solicitada há anos sem sucesso. Mas ao contrário das expectativas, nada de bom resulta desta audiência. O Embaixador é submetido ao protocolo humilhante da corte e é obrigado a ouvir que não haveria nada que o Grande Império do Meio precisasse que uma longínqua ilhota habitada por bárbaros pudesse lhe fornecer. O resultado da petulância imperial foi a divisão da China entre as potências ocidentais e o Japão, a Guerra do Ópio e finalmente a transformação da China numa república. O imperador selou seu destino ao não ser capaz de enxergar as relações efetivas de poder e força e determinar que aquele velho mundo no qual ele era o centro estava terminado. Assim foi incapaz tanto de buscar uma relação mais realista com o ocidente como de resistir à dissolução do seu poder. O poder sempre é implacável com quem o subestima e no imenso jogo de pôquer da política a punição para o blefe é ainda mais severa, até porque na arena do poder o "pagar para ver" tem consequências funestas. Isto não significa que não se possa blefar ou que o pequeno e o médio poder não possam enfrentar o grande, mas que devem fundamentar sua decisão em avaliações realistas tanto de seus poderes como do de seus adversários. Blefes Um exército mais fraco pode vencer um mais forte, como a história mostra, mas só

se for capaz de tomar as melhores decisões. A clássica frase de Sun Tzu espelha a importância desta avaliação correta de forças: "se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo não precisa temer o resultado de cem batalhas; se você conhece a si mesmo, mas não ao inimigo para cada vitória sofrerá uma derrota; se você não conhece nem a si mesmo, nem ao inimigo, sucumbirá em cada batalha". Evidente que Sun Tzu e tantos outros estrategistas admitem o blefe, Ibn Khaldun chega mesmo a dizer que "a guerra é a arte de enganar", porém há uma diferença fundamental entre estes blefes e uma atitude equivocada como a do Imperador chinês. O bom blefador engana a todos, menos a si próprio, a chave da sua estratégia é saber tanto as fraquezas e forças suas como as do inimigo e ter plena consciência dos riscos que corre se alguém "pagar para ver". Sorte e azar Quem está com a partida perdida certamente não tem outra alternativa senão o blefe, pois a iminência da derrota pode ser ainda mais assustadora que o "pagar para ver". Mas quando se tem algumas chances de vitória descartá-las num blefe arriscado é jogada perigosa demais. Mas para fazer este tipo de avaliação é fundamental saber quais são - efetivamente - as suas chances e as do adversário. Voltase portanto para a essência da questão, quem não é capaz de avaliar com exatidão as relações de força e poder entre os contendores está condenado a fracassar, salvo se tiver imensa ajuda da sorte. A sorte, porém, é algo muito volátil e impreciso para que qualquer planejamento se baseie nela. Maquiavel dizia que a sorte sorri com mais frequência aos ousados, a quem corre riscos, e muitos dos grandes líderes que a história mostra devem boa parte de seu triunfo à sorte. Contudo a sorte, para eles,


não foi nunca a essência de sua estratégia, foi algo a mais que surgiu e que foi convenientemente aproveitado. Ser oportunista é uma vantagem apenas momentânea, porque o efeito surpresa que é a coluna vertebral da sua estratégia, perde força a cada nova ação oportunista. Depois de um certo número de ações audazes e arriscadas de um jogador oportunista, os outros contendores percebem seu padrão de comportamento e - se forem espertos incorporam às suas análises que aquele jogador tende a correr riscos e começam a calcular as chances deste tipo de ação, se preparando para elas. Com isto a vantagem inicial de ser oportunista se dissolve. Assim, a essência de qualquer poder está diretamente ligada à capacidade do político em medir com exatidão as suas forças e oportunidades, bem como de estimar de forma correta as do adversário. A vitória, seja numa guerra ou numa campanha eleitoral, está diretamente ligada a esta análise porque ela é que vai estabelecer quais alianças são necessárias, quais armas se deve utilizar, quais perigos espreitam nas curvas, enfim sem um diagnóstico correto não há estratégia, por melhor que seja, que possa levar à vitória a não ser com doses generosas de sorte. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:15

Islam, Pessoal, Arte, Sociologia e cia., Política, PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/60


A EXECUÇÃO DE SADDAM E OS SONHOS DE OUTRO MUNDO Uma das coisas que me deixa mais impressionado na política, em especial de certos segmentos da esquerda, é a facilidade com que colocam viseiras em função de sentimentos “táticos”. Um grande exemplo disto é a comoção destes segmentos por conta da morte de Saddam Hussein. Não tenho simpatia alguma pela pena de morte, menos ainda pelas execuções públicas e também achei que o “espetáculo” do enforcamento de Saddam foi lamentável. Mas é um sentimento que me atinge por ser ele um ser humano, como qualquer outro, não há a menor simpatia por este ditador sanguinário, do tipo que o mundo fica muito melhor sem. Não consigo ter a menor simpatia ou empatia por qualquer tipo de ditador. Por definição eles são para mim pessoas fracas, amedrontadas e incapazes de convencer e persuadir, portanto precisam se esconder atrás da demagogia, do emocionalismo e sentimentos perversos da massa, da polícia secreta e da censura a imprensa para garantir-se no poder. Para mim todos são lamentáveis e qualquer um que demonstre apreciação por algum deles – independente de ideologia que tenha ou diga ter – cai muito no meu conceito e dificilmente conseguirei levar suas opiniões políticas a sério. Saddam foi um ditador sanguinário, responsável por genocídios, algoz de seu povo, chegou ao poder através de um golpe e se manteve pela força, pelo terror e, no último momento, por uma reversão da

política laica de seu partido em um apelo demagógico e hipócrita ornado de certa preocupação religiosa. Nem como democrata, nem como antiimperialista, nem como muçulmano consigo ter qualquer simpatia por Saddam. Achei a guerra tão lamentável e mal-intencionada quanto à execução de Saddam – acho que cada povo deve ser capaz de livrar-se sozinho dos ditadores que criou por ação ou omissão – mas nem por isto deixo de achar que o mundo ficou melhor sem Saddam e nem deixo de esperar que outros Saddams que povoam o mundo não tenham ficado um pouco mais amedrontados ao ver na morte de um igual o destino que – se Deus quiser – aguarda todos os faraós nesta ou na outra vida. Fico triste em ver que muitos muçulmanos mostram certa simpatia por Saddam baseados em falta de informação ou em um espírito de corpo. A guerra no Iraque foi uma luta do império contra um ditador, certamente cabia a todos ser contra a guerra, mas daí a ter simpatia pela figura deplorável de Saddam apenas porque ele estava na outra ponta da batalha é uma grande distância. Houve um tempo em que a esquerda criava ídolos que mesmo com alguma ressalva neste processo eram pessoas cujas atitudes eram compatíveis com a admiração. A ruptura das ideologias e a desconstrução das utopias fez com que o mundo real irrompesse nos sonhos e ideais e hoje o que se vê de uma forma geral é a admiração por personagens detestáveis, grotescos até – como Chavez. Sem querer provocar polêmica diria que em muitos casos esta admiração não é gratuita – no pior sentido do termo – mas vem de patrocínios ou esperanças de financiamento, como no Fórum Social Mundial realizado na Venezuela, no qual Chavez recebeu em elegias muito mais do que gastou em publicidade. Este comportamento só avilta as duas partes, vaidosos e interesseiros.


A preocupação humanista que sempre marcou os segmentos mais simpáticos da esquerda parece ter morrido. Tem-se todos os métodos dos piores segmentos – demagogia, justificativas táticas e estratégicas, “ética relativa”, arrogância das vanguardas – mas não se tem mais nem uma grande e nobre causa, um futuro mundo utópico a construir. Para quem começou a vida militando na esquerda e até hoje se considera mais próximo da “esquerda” no espectro ideológico não deixa de ser triste ver quão pouco de sonho e ideal sobrou. SÁBADO, 10 FEVEREIRO , 2007 - 06:32

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, O futuro, Política, Religião PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10476


POLÍTICA GRANDE E POLÍTICAS PEQUENAS "A política mais dispendiosa, mais ruinosa, é a de ser pequeno" (De Gaulle) As pessoas em geral tem uma aversão que beira ao asco quando se menciona a palavra "Política". A reação é natural se levar-se em conta a quantas anda a política em qualquer nível que se imaginar. Nem adianta vasculhar o passado em busca de exemplos de uma época na qual a política não era o que é hoje, qualquer exemplo encontrado será falacioso, fruto provável de algum laudatório de encomenda aos políticos da época. Desde a Grécia a política é algo detestável, como já assinalavam os filósofos gregos para os quais a política nunca havia conseguido ser aquilo que se esperava. O que adianta de fato é olhar para o futuro, pensar em construir uma nova Política, uma política realmente preocupada com as coisas que são importantes ao invés de atentar-se a mesquinharias, uma política que vise o conjunto da sociedade ao invés de servir para alimentar egos - e bolsos - de indivíduos malsãos. Apesar de eternamente retratada como um meio para grandes coisas a política jamais foi vista por aqueles que a exercem - os políticos - a não ser como fim em si próprio, como a satisfação de um sentimento egocêntrico de tomar o poder nas mãos e fazer com ele o que bem se entendesse. Se for procurada alguma diferença em relação ao passado se encontrará, no

máximo, uma época na qual as pessoas se preocupavam com o destino do governo e portanto existia um certo limite ao exercício hedonístico do poder pelos políticos. Hoje sequer isto acontece, as pessoas simplesmente não se importam mais e em consequência a tendência é o agravamento da situação. Este agravamento, contudo, não deixa de ter um lado bom, porque faz cair as máscaras, não existe mais a preocupação de tentar esconder o desejo egoísta do poder atrás de belos discursos e causas nobres. De repente se tornou natural aceitar o exercício do poder pelo poder e pronto, sem mazelas e sem disfarces. Nada diz mais sobre a queda desta máscara que a forma puramente comercial que está tomando a eleição, ela não é mais uma disputa de ideias (se é que algum dia o foi, mas ao menos antes ela se disfarçava assim) mas simplesmente um leilão do poder. Roma começou a decair quando a Guarda Pretoriana e o Senado passaram a leiloar o cargo de imperador. O mesmo acontece hoje, com a diferença aparentemente democrática que agora o cidadão comum também participa do leilão. Mas se o número de pregoeiros aumentou, diminuíram os prêmios, agora geralmente tabelados em cestas básicas, a moeda eleitoral mais comum. Não faltará muito para que só seja possível se eleger comprando o cargo diretamente dos eleitores, falta realmente muito pouco para que isto comece a acontecer. A próxima eleição será certamente um carnaval da corrupção mais rasteira a qual a população se submete trocando seu sagrado direito de exercer o poder por dois ou três dias de alimentação. As eleições majoritárias ainda guardam um certo resquício de decisão abstrata e não material, pouco é verdade mas muito mais que nas eleições legislativas nas quais


domina a mais absoluta venalidade. O resultado todos podem ver.... Existirá ainda meios de mudar isto? Os partidários dos regimes autoritários tem uma das respostas possíveis, simplesmente extinguindo o Estado de Direito e as instituições fracas - para não dizer inúteis corruptas e desmoralizadas. O cruel é que quanto mais os parlamentos se preocupam com mesquinharias, quanto mais eles discutem temas que só interessam a eles mesmos, quanto mais eles consagram a ineficiência que beira a inutilidade, mais fácil fica que as pessoas deem razão aos gorilas com suas botas. Assim os parlamentos, que sempre se colocam como as primeiras vítimas das ditaduras, no mais das vezes são eles seus próprios coveiros. A alternativa a isto não é fácil - talvez seja mesmo impossível - seria a participação ativa dos cidadãos no processo decisório capaz de depurar a política pequena, a política da ninharia, para construir uma grande política na qual a comunidade, ela própria, resolvesse tomar os seus destinos na mão e construir uma sociedade de tipo diferente. Entre a alternativa fácil do regime autoritário, talvez muito mais à mão do que se possa pensar, e a dos cidadãos deixarem de lado o comodismo, há léguas de distância. Assusta pensar que a primeira é tão fácil e a segunda praticamente impossível. Assusta ainda mais pensar que só faltou alguém com coragem e disposição para tomar o primeiro caminho. Enquanto este tipo de questão começa a se colocar os parlamentares continuam insistindo em discutir futilidades e em pensar em maneiras de derrubar o adversário sem ver que geralmente eles cairão juntos. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:15

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AS ESPERANÇAS DE UMA NOVA ERA "Os milenaristas sucedendo-se uns após os outros até nossos dias, jamais deixaram de fixar um calendário preciso para o início do milênio. O fato de se verem continuamente forçados a alterar este calendário, na sequência das decepções causadas pelos acontecimentos, nunca desencorajou os obstinados." ( Jean Delumeau, Mil anos de Felicidade) Sob o nome genérico de milenarismo são chamados os grupos que esperam o surgimento de uma idade áurea do mundo que antecederá o Juízo Final. Como em geral, mas não obrigatoriamente, as previsões falam de um período de Mil Anos de felicidade surgiu o nome de milenarismo que agrupa ideias, seitas, profecias e crenças das mais distintas desde o início do cristianismo. Tampouco é o milenarismo um fenômeno exclusivo do cristianismo. Há um certo grau de coincidência entre o milenarismo cristão e o messianismo judaico, assim como há um forte milenarismo muçulmano em especial mas não exclusivamente - na visão xiíta do Islam. Além destas crenças que compartilham as origens há também um certo milenarismo nas mais diversas crenças. O tema do milenarismo cristão é tratado de forma tão agradável quanto documentada pelo recente livro de Jean Delumeau, "Mil Anos de Felicidade", (530 páginas, R$ 60) editado pela primeira vez em 1995 e traduzido para o português em 1997, pela editora Terramar. Apesar de portuguesa a tradução parece ter sido feita em português do Brasil, excetuando-se pela acentuação, é

portanto uma leitura fácil e relativamente leve. Além disso a edição tem um acabamento primoroso com papel de gramatura alta e tipos bem escolhidos que, se não são capazes de tornar um livro melhor ou pior, ao menos contribuem para facilitar o manuseio. O Livro é o segundo de uma trilogia cujo primeiro volume - O Jardim das Delícias analisa a importância e a história da crença em um Paraíso primordial. A bibliografia é extensa e cuidadosa - apesar de haver a falha dela não ser explicitada - e inclui inúmeras fontes primárias dos textos o que evita aquela ideia de um livro recheado de ideias de segunda mão que por muito tempo encheram as bibliografias sobre a Idade Média. É enfim, um livro essencial a quem queira compreender melhor o fenômeno religioso, não só na história mas também na era contemporânea. Aliás o tema do milenarismo ganha redobrada importância neste período de mudança de milênio, tão propícia ao florescimento destas ideias. Um outro livro que será comentado em outro momento, "Ano 1000 ano 2000", do historiador Georges Duby (Editora Unesp, 1998, 145 páginas), também explora a similaridade com o momento atual. A crença no milênio parece demonstrar a noção de que o religioso não se limita a um epifenômeno da realidade econômica ou social, mas um fenômeno social com vida própria que interage de forma ativa com os outros elementos da realidade. Ainda que sucessivamente modificada segundos os fenômenos sociais e políticos - em especial segundo interesses políticos que fazem a figura do libertador, que inaugurará o milênio, saltar de uma a outra personalidade da época - o milenarismo jamais abandona sua base religiosa e tenta se legitimar justamente na doutrina, em especial no Apocalipse. Um dos fatos destacados por Delumeau


explicita esta prioridade da doutrina: foi a condenação do milenarismo por Santo Agostinho que tornou esta crença marginal, limitada a seitas restritas e quase desaparecida da história por séculos. Só a sua recuperação e justificação, de dentro da doutrina, pelo monge calabrês Joaquim de Flório - que explicitamente condena Santo Agostinho - irá fazer a ideia ressurgir com força.

mais importante do que a sua classe social, por exemplo. Ainda que esta última afirmação seja apenas uma suposição não baseada em nenhum fato concreto - e quem sabe uma sugestão de um tema a ser pesquisado - os diversos estudos sobre as seitas apocalípticas parece fornecer dados suficientes para se permitir que se admita, a princípio, esta hipótese. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:32

Qualquer tentativa de se explicar a crença milenarista exclusivamente pelos períodos de convulsão social - postura geralmente adotada pelos que utilizam uma abordagem marxista ou mesmo funcionalista/estruturalista - encontra alguns sérios obstáculos para fazer os dados corresponderem aos modelos. Não se nega que estes períodos convulsionados fornecem um excelente substrato à pregação milenarista, mas notese que toda a convulsão que se seguiu ao fim do Império Romano Ocidental contemporâneo de Santo Agostinho - não foi suficiente para enfrentar a autoridade moral e religiosa do Santo e fazer a crença milenarista prosperar. A análise dos medos e anseios do milênio na sociedade contemporânea parecem igualmente oferecer uma contra-prova à hipótese de que o milenarismo é mera consequência do ambiente convulsionado social, política ou economicamente. Basta ver como fiéis de diferentes crenças, e diferentes matizes de religiosidade pessoal, estão reagindo à crença em um fim do mundo. Como já foi mencionado em artigo anterior, a intensa campanha da mídia para transformar o medo do fim do mundo em um fato jornalístico não foi suficiente para gerar este medo na maioria das pessoas. Um estudo sobre os que foram convencidos que o mundo terminaria - provavelmente demonstraria que a crença da pessoa foi

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Sociologia e cia., Política, Jean Delumeau, Georges Duby, Santo AgostinhoPP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/74


LAMPEJOS DOMINGO, 3 SETEMBRO, 2006 - 17:46

Pessoal, Poesia ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10101


VINHAS DA ESPERANÇA Mencionei há alguns dias que um dos poucos autores norte-americanos dos quais gostava era Steinbeck, ainda que com algumas restrições, porque há diversos Steinbecks e não é fácil supor que o mesmo autor de "Ratos e Homens" e "Vinhas da Ira" seja o autor de "Doce Quinta-Feira". As "Vinhas da Ira", em especial, sempre me impressionou pela violenta crítica social de um lado, pelo experimentalismo formal de outro e principalmente por encontrar no livro tanta semelhança com a situação brasileira, embora descreva cenas americanas. Quando li o livro pela primeira vez ainda não se falava do MST, embora o movimento já devesse existir já que está completando 20 anos. Mas as descrições que Steinbeck fez em 1939 dos acampamentos de agricultores migrantes que iam do meio-oeste - onde os bancos produziram multidões de Sem-terra - até a Califórnia, certamente também descreveriam com perfeição um acampamento do MST. Quando li de imediato estabeleci a semelhança entre a saga dos Okies - nome pejorativo pelo qual os migrantes eram chamados, fossem de Oklahoma ou de outro estado do Meio-oeste - e a dos migrantes nordestinos. Há até mesmo uma passagem curiosamente similar ao brasileiríssimo "O Quinze" de Rachel de Queiroz, no qual um dos migrantes faz o percurso de volta alertando os que vinham que o paraíso prometido não existe, mas não consegue ser ouvido porque todos o imaginam como um vagabundo. O enredo básico da história narra a jornada dos Joad, agricultores falidos de Oklahoma

que depois de perder as terras iniciam uma longa jornada até a Califórnia, pintada como uma terra de prosperidade aonde um homem que não tem o trabalho é capaz de ganhar altos salários na colheita de frutas e, se souber poupar, até conseguir ter sua própria terra. Como eles, milhares de outros agricultores falidos buscam o oeste cruzando estradas sem fim e desertos terríveis em velhos calhambeques. O autor alterna três histórias que se sucedem em capítulos, como se houvesse três livros em um único, recurso experimental que já havia sido usado no Admirável Mundo Novo e no ultraexperimental 1919 de John dos Passos. O primeiro capítulo de cada três fala da Família Joad, o segundo faz quase que um ensaio teórico sobre o tema abordado no capítulo anterior e o terceiro conta a mesma história com personagens anônimos, demonstrando que os Joads eram apenas um caso. A festejada versão para o cinema, que se tornou um clássico, é muito inferior ao original não só por abreviar significativamente a história - quase que só falando da viagem em si - como por perder este caráter tripartite do livro. Steinbeck não se limita a descrever a viagem, fala da gestação de um mundo próprio que aos poucos vai criando suas leis. Fala de um mundo onde a miséria não afastou a dignidade e ainda fez brotar a solidariedade extrema. Solidariedade, por sinal, é a grande mensagem do livro, por mais sombrias que sejam as cenas descritas nelas acaba por estar configurada a esperança, e é a solidariedade que dá esta esperança. Difícil imaginar um livro tão anti-americano quanto "Vinhas da Ira", um livro que retrata a miséria, denuncia com violência a exploração, fala da esperança na união da coletividade ao invés de exaltar o


individualismo. Certamente há mais do que se apelidou de realismo socialista em Steinbeck do que em duas dúzias dos escritores soviéticos da mesma época para os quais realismo socialista era louvar Stalin e a nova sociedade inspirada por ele. Curioso é que Steinbeck jamais foi demonificado nos Estados Unidos."Vinhas da Ira" não só ganhou prêmios, como o Politzer, como foi um sucesso de público e um ano depois de lançado já era transposto para o cinema não por algum diretor experimental, mas pelo consagrado John Ford. Algum contemporâneo dele que ousasse ser tão 'anti-soviético' quanto ele foi 'antiamericano' dificilmente sobreviveria no Império de Stalin. Mais do que fazer uma crítica social o autor demole os pressupostos da ideologia americana, ainda hoje tão arraigados, coisa que seria inadmissível naquela que se dizia a pátria do Realismo Socialista, onde predominavam os romances burocráticos. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:53

Poesia, Literatura, Literatura, Cinema Aldous Huxley, Steinbeck,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/44


COCHILO T E R Ç A - F E I R A , 2 5 JU L H O , 2 0 0 6 - 1 8 : 3 1

Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10056


DA ARTE DE CONSTRUIR PONTES QUARTA-FEIRA, 31 MAIO, 2006 - 16:07

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Cinema, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10025


das fés e pessoas religiosas e toda generalização está fadada ao erro.

VOLTAIRE E O ISLAM A cultura Islâmica deu contribuições à cultura ocidental incomensuráveis que em geral são desconhecidas ou menosprezadas pelos ocidentais. Nos manuais escolares ensina-se, por exemplo, que os muçulmanos não produziram nada mas apenas coletaram conhecimentos de culturas mais antigas. Ainda que isto fosse verdade, o trabalho de síntese das tradições helênicas/helenística, egípcia, persa, hindu, siríaca, hebraica, bizantina e latinas não poderia ser menosprezada como "mera cópia". Mas o objetivo deste pequeno ensaio não é discutir esta questão a fundo, apenas apresentar como um autor específico se aproveitou de alguns textos e histórias e ao mesmo tempo se colocava publicamente como inimigo do Islam. A prática de se copiar textos em árabe para apresentá-los como seus nunca foi novidade na cultura ocidental. A obra-prima que abre, por assim dizer, a Renascença - A Divina Comédia de Dante é parte plágio da Eneida e parte plágio de alguns relatos populares muçulmanos sobre a Viagem Noturna do profeta Mohammad (A paz e as bênçãos de Deus estejam com ele). Antes dele São Tomas de Aquino usa fartamente exposições e argumentos de Al Ghazali na sua Suma Teológica que norteia até hoje boa parte do clero cristão. Voltaire é de certa forma o escritor emblemático do Iluminismo e como tal se coloca na defesa da Razão contra a fé, combate a intolerância religiosa mesmo que para isto tenha, algumas vezes, de ser intolerante para com as religiões. Inúmeros de seus textos condenam os tartufos que se aproveitam da crença das pessoas para seus objetivos mundanos mas em muitos casos ele generaliza esta posição para o conjunto

Ainda que Voltaire seja em geral detestado pelos fiéis de diversas crenças é preciso reconhecer que ele era um homem de seu tempo que via o mundo como seus contemporâneos viam e pensava na perspectiva das necessidades da sua época. Mesmo ele acabou sendo utilizado por alguns de seus inimigos como instrumento para atacar outras fés. E o próprio Papa o aplaudiu por uma peça de teatro na qual o profeta do Islam (a paz e as bênçãos de Deus estejam com ele) é satirizado como o exemplo do Tartufo. A peça é inaceitável para um muçulmano porque blasfema contra a origem divina do Sagrado Alcorão e a crença nos Livros enviados por Deus aos seus mensageiros - o livro enviado a Abraão, a Torah revelada a Moisés, os Salmos enviados a Davi, o evangelho revelado por Jesus e o Alcorão transmitido a Mohammad (a paz e as bênçãos de Deus estejam com todos eles) é elemento básico da fé islâmica. Contudo de forma alguma ela é uma crítica exclusiva ao Islam, que é usado apenas como cortina de fumaça para criticar diversos religiosos ocidentais e cristãos, em especial os jesuítas. É interessante notar que em geral Voltaire ressalta que os governos muçulmanos são mais tolerantes com outras fés que os cristãos. Em sua época ele já havia percebido o fenômeno que permitiu a diversas igrejas cristãs sobreviverem apenas em regiões muçulmanas porque em outras foram dizimadas por inquisições, cruzadas e perseguições, coisa que até hoje muitos "especialistas" em relações internacionais e história não viram. Na História das Viagens de Scarmentado em meio a uma série de relatos criticando as mais variadas religiões ele menciona: "Muito me espantei ao ver que na Turquia havia mais igrejas cristãs que em Cândia. Vi


até numerosos grupos de monges, a quem deixavam rezar livremente à Virgem Maria e amaldiçoar a Maomé (sic), estes em grego, aqueles em latim, outros em armênio". E no pot-pourri: "Mas o que vi de mais edificante foi em Constantinopla. Há cinquenta anos tive a honra de assistir à instalação de um patriarca grego, pelo sultão Achmet III. Entregou ele ao sacerdote cristão o anel e o báculo. Realizou-se em seguida uma procissão de cristãos na rua Cleóbulo; dois janízaros marchavam à frente da procissão. Tive o prazer de comungar publicamente na igreja patriarcal, e só dependeu da minha vontade obter um canonicato. Confesso que no meu regresso a Marselha, fiquei muito espantado de não encontrar ali nenhuma Mesquita. Externei minha surpresa ao senhor intendente e ao senhor bispo. Disse-lhes que isso era muito incivil e que se os cristãos tinham igrejas entre os muçulmanos, podia-se pelo menos fazer aos turcos a galantaria de algumas capelas." O mais curioso nas relações entre Voltaire e o Islam contudo não são estas referências, mas sim o fato que Voltaire copia trechos do Sagrado Alcorão em um de seus livros, Zadig, ou o Destino, e a própria ideia central deste texto parece ter vindo do trecho copiado. Num trecho principal do Zadig (que explica ao protagonista o sentido oculto de suas desventuras) e antecede ao desfecho da história ele encontra um eremita lendo um livro numa língua indecifrável e que seria o Livro do Destino - o trecho todo é muito longo para ser citado, mas quem se interessar pode ler o Capítulo XVII do Zadig . O Eremita consente que Zadig o acompanhe desde que ele não comente seus atos por mais estranhos que pareçam. No primeiro lugar onde pedem estadia são bem tratados e recebem cada um uma moeda de ouro. Lá o eremita rouba algumas pratarias. No segundo são tratados com indignidade e humilhados e o eremita

entrega ao anfitrião as pratarias roubadas na anterior como um presente. Logo depois posam numa terceira casa onde são recebidos por um homem gentil e educado que lhes trata bem e como visitantes sábios e ilustres. O eremita ateia fogo à casa na partida. Por fim são recebidos por uma viúva que os trata de forma muito aprazível e na saída pede que o sobrinho, sua única companhia, os acompanhe até parte do caminho. O eremita afoga o menino num rio. Zadig não consegue se controlar neste ponto e indaga o eremita. Este então explica as razões de seus atos: o primeiro anfitrião os recebeu bem apenas por vaidade e o roubo o fez mais sensato e parcimonioso, o segundo passará a ser mais generoso depois do presente, o terceiro encontrará debaixo da casa destruída pelo incêndio um tesouro que o enriquecerá e o sobrinho da viúva teria assassinado a tia e o próprio Zadig se tivesse sobrevivido. Em seguida ele se revela como sendo um anjo e ensina a Zadig o que em poucas palavras pode ser resumido na fórmula: "Deus escreve certo por linhas tortas". Compare-se o relato com o seguinte trecho da surat Al Cahf, no qual o profeta Moisés (a paz de Deus esteja com ele) encontra um personagem misterioso: "E encontraram-se com um dos Nossos Servos, que havíamos agraciado com a Nossa Misericórdia e iluminado com a Nossa Ciência. E Moisés disse: posso seguir-te, para que ensines a verdade que te foi revelada? Respondeu-lhe: tu não serias capaz de ser paciente para estares comigo. Como poderias ser paciente em relação ao que não compreendes? Moisés disse: se Deus quiser, achar-me-á paciente e não desobedecerei às tuas ordens. Respondeu-lhe: então segue-me e não me perguntes nada, até que eu te faça menção disso.


Então ambos puseram-se a andar até embarcarem num barco que o desconhecido perfurou. Moisés lhe disse: perfuraste-o para afogar seus ocupantes? Sem dúvida cometeste um ato insólito!

para que pudessem tirar o tesouro. Isto é o beneplácito do teu Senhor. Não o fiz por minha própria vontade. Eis a explicação daquilo em relação ao qual não foste paciente."

Retrucou-lhe o desconhecido: não te disse que és demasiado impaciente para estares comigo?

(Sagrado Alcorão, surat al Cahf: 65-82)

Disse-lhe Moisés: desculpa-me por ter me esquecido, mas não me imponhas uma condição demasiado difícil. E ambos puseram-se a andar, até que encontraram um jovem, o qual matou. Disse-lhe então Moisés: acabas de matar um inocente, sem que tenha causado a morte de ninguém! Eis que cometeste uma ação inusitada. Retrucou-lhe: não te disse que não poderás ser paciente comigo? Moisés lhe disse: se da próxima vez voltar a perguntar algo, então não permitas que eu te acompanhe, e em desculpa. E ambos puseram-se a andar, até chegarem a uma cidade, onde pediram pousada aos seus moradores, os quais se negaram a hospedá-los. Nela acharam um muro que estava a ponto de desmoronar e o desconhecido o restaurou. Moisés lhe disse então: se quisesse poderias exigir recompensa por isso. Disse-lhe: aqui nós nos separamos; porém, antes, interarte-ei da interpretação, porque tu és demasiado impaciente para isto: Quanto ao barco, pertencia a pobres pescadores do mar e achamos por bem avariá-lo porque atrás dele vinha um rei que se apossava, pela força, de todas as embarcações. Quanto ao jovem, seus pais eram fiéis e temíamos que os induzisse à transgressão e à incredulidade. Quisemos que o seu Senhor os agraciasse, em troca, com outro mais puro e mais afetuoso. E quanto ao muro, pertencia a dois órfãos da cidade, debaixo do qual havia um tesouro seu. Seu pai era virtuoso e teu Senhor tencionou que alcançassem a puberdade

SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:11

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Teatro, Literatura, Religião Voltaire,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/9


PROFANAÇÃO QUINTA-FEIRA, 10 AGOSTO, 2006 - 12:22

Pessoal Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10075


VIAGENS DIVERSAS NA MESMA JORNADA Q U A R T A - F E I R A , 2 8 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 5 : 2 9

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Cinema, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10041


MEU SILÊNCIO QUARTA-FEIRA, 16 AGO STO, 2006 - 14:52

Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10082


NÃO, NÃO QUERO VOCÊ COMO MUSA SEXTA-FEIRA, 11 AGOSTO, 2006 - 15:41

Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10043


O AMOR NOS TEMPOS TERÇA-FEIRA, 7 NOVEMBRO, 2006 - 18:37

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Teatro, O futuro, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10158


A ILUSÃO DO MUNDO DA INFORMAÇÃO É uma premissa básica em todo discurso moderno que hoje se vive no mundo da informação. Um universo no qual jamais houve tanta informação disponível ao homem e do qual a Internet e suas facilidades são o mais visível e citado ícone. Na outra ponta alguns argumentam que todo este acervo de informações só serve para aumentar ainda mais a distância ("o fosso" no chavão que se criou para expor esta visão) entre ricos e pobres, entre os que detém este conhecimento e os que não tem acesso a ele. As duas visões tem seus partidários e detratores e é fácil armazenar argumentos tanto em função de um como do outro destes argumentos. Porém, de uma forma mais profunda parece que ambos estão errados. Em primeiro lugar, a posse da informação deveria ser medida não em função do acesso a ela, mas do seu uso. Uso este definido não apenas de uma forma instrumental, mas em um sentido mais nobre de capacidade de absorver aquele conhecimento, interligá-lo com outros na mente e aplicá-lo na própria vida para, por fim, produzir algum conhecimento de tipo novo. Confunde-se este sentido pleno da informação - quase ouso dizer o seu valor de uso - com a simples aquisição do acesso ou posse das informações - por analogia seu valor de troca. O que se faz, então, é apenas consumir informação como se consome qualquer outra mercadoria, ela não é absorvida, aplicada, não modifica nem nossas vidas nem nosso conhecimento, apenas é adquirida.

Quando muito é usada, como os títulos acadêmicos, como um sinal de status, simulacro de uma autoridade que se pretende ter. Mas é evidente que a cultura de uma pessoa não se mede pela quantidade de livros que ela leu - e muito menos pelos belos livros que ela tem enfeitando a estante, porque na Era da Informação os livros voltaram a ser um elemento da decoração de interiores. Esta cultura só pode ser medida pelo efeito que estes livros tiveram sobre o pensamento de quem os leu. Não faltam por aí ávidos consumidores de livros que leem as mais importantes obras do pensamento humano sem que isto lhes gere um único pensamento novo. É esta interação que dá o verdadeiro sentido ao acesso à informação, não a sua posse enquanto mercadoria. A inexistência de uma elite cultural parece ser a suprema marca destes novos tempos, regidos pela exportação dos modelos sociais norte-americanos. Sem uma elite capaz de absorver e digerir toda a informação disponível com um certo grau de erudição estanca-se o processo de produção de informação em seu sentido pleno. Os demais - operários e white-collars do processo de produção da informaçãomercadoria - incapazes de compreender a distinção entre os dois tipos de informação alienados que estão pela escala industrial da mercantilização do mundo - apenas passam a frente, como se fosse informação, aquilo que é apenas mercadoria a ser consumida. O efeito disto é claro até mesmo em pretensos meios de elite como os segmentos acadêmicos. Criam-se teorias descartáveis como lenços de papel, destinadas a durar apenas umas poucas estações e serem em seguida substituídas por outras em um processo que não raro destrói ou atrasam a produção de conhecimento verdadeiro. Cria-se o fetiche de que basta ser novo para ser bom, assim a


teoria nova é automaticamente melhor que a anterior não porque seus modelos explicativos são mais eficientes, mas apenas porque estão na moda.

disseminar meios de acesso a estas informações por uma aristocracia do espírito que de outra forma precisaria de imensos recursos para obter este acesso. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:05

A cultura do estado-da-arte que domina a Academia é o culto da superficialidade e das modas passageiras. Evidente que com esta sucessão de teorias - algumas, válidos avanços do conhecimento, outras, meras abstrações oportunistas - alimenta as engrenagens da informação-mercadoria, torna obsoletos rapidamente os livros adquiridos e com isto fomenta a produção e circulação desta mercadoria. Nunca se consumiu tantos livros no mundo como hoje, mas a essência deste dado mostra o quanto esta estatística é ilusória já que muitos destes livros que são consumidos não o são - como eram antes pela busca insaciável do conhecimento, mas apenas pelo consumismo exacerbado das modas teóricas. Mas há outro aspecto deste processo todo que também combate as visões excessivamente pessimistas. Feitos em maior escala, como mercadorias, os livros acabam por tornar-se mais acessíveis, a imensa estrutura criada para disseminar a informação-mercadoria acaba por transmitir também a informação-de-verdade. Isto porque a distinção entre uma e outra não está em seu conteúdo propriamente dito, mas na visão que o receptor tem dela e o uso que ele irá fazer. Com isto acaba-se por dar condições de formação - ou reconstrução - de uma elite cultural que - talvez pela primeira vez na história - não precisará obrigatoriamente ser uma elite também econômica e política. Certamente é uma visão que muitos considerarão demasiado otimista e outros elitista, mas os mesmos meios que banalizam a informação no esforço de desprovê-la de qualquer outro valor senão o de mercadoria, acabam também por

Pessoal, Pessoal, Poesia, Arte, Sociologia e cia., Política, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/65


OS LIMITES ÉTICOS DA EXPERIMENTAÇÃ O ANIMAL Os limites éticos da experimentação animal A questão da experimentação científica e vivissecção de animais suscita debates acalorados nos quais torrentes de argumentos são expostos, muitas vezes confundindo mais do que esclarecendo. É neste turbilhão de informações nem sempre completas e interesses complexos que o Código Estadual de Proteção Animal (Lei 11.977/05) tem sido muitas vezes julgado e criticado, tal como foi no artigo “Em Defesa da Experimentação Ética com Animais”, dos professores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP Cassio Xavier de Mendonça Júnior, Ângelo João Stopiglia e Maria Lúcia Zaidan Dagli. ler mais [Tucanet] TERÇA-FEIRA, 19 DEZE MBRO, 2006 - 14:57

Pessoal, Educação, Filosofia e cia. Política PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10190


O AUTORITARISMO DAS UTOPIAS "Sejam quais forem as suas qualidades artísticas e filosóficas, um livro sobre o futuro só nos pode interessar na medida que suas profecias nos pareçam originariamente capazes de virem a realizar-se" (Huxley, Prefácio do Admirável Mundo Novo) Pode passar despercebido à maioria dos leitores, mas o horrível cenário do Admirável Mundo Novo não é senão em parte criação de Huxley. A estrutura fundamental do Brave New World - e boa parte de seu conteúdo - não vem do escritor inglês, mas da sociedade desejada por Platão na sua República. A única diferença substancial é que Huxley escreveu Brave New World como uma crítica feroz, enquanto Platão escreveu sua República pensando num modelo ideal de sociedade. Mas ambos se encontram no fato de que a sociedade do livro de Huxley seria apontada por Platão como o mais próximo que se poderia chegar do seu modelo de sociedade. No livro de Huxley é evidente o caráter autoritário da sociedade, no de Platão ele disfarça-se como um controle da sociedade pelos melhores do povo, que revelaram talentos inatos e capacidade de aprendizagem. Mas em ambos se exerce um domínio absoluto sobre a sociedade, eliminam-se as fronteiras entre o público e o privado, estabelece-se funções bem definidas para todos, limita-se a função de pensar a um grupo de eleitos. É evidente que nos dois autores o método de escolha desta mínima elite pensante é

diferente, mas nem tanto. Para Platão a decisão sobre quem comporia a "classe guardiã" seria definida dando-se a todos as mesmas oportunidades e escolhendo os de melhor desempenho. Para Huxley se limita a capacidade de pensar dando-se total capacidade mental para uns poucos. A legitimação, contudo é a mesma, o mesmo velho discurso sobre a necessidade de se dividir as diferentes funções na sociedade e sobre a importância dos melhores comandarem. Ademais em ambas a religião - essencialmente comunitária - tem a mesma função de fazer os espíritos se conformarem com o destino que lhes é imposto e é utilizada de forma cínica. Platão não tem um equivalente ao soma, mas certamente aprovaria mais este método de livrar o homem das paixões e desejos. Não se esquecendo que Platão era adepto radical da eugenia, portanto mesmo que ele não fale de castas - e de certa forma seja avesso à ideia por defender oportunidades iguais para todos - a radical seleção no nascimento não seria tão distante do mundo pensado pelo filósofo grego. Além do que, note-se a semelhança, nos dois mundos não existem mais, filhos, esposas - aliás nada mais parecido com a "comunidade de esposas" do modelo platônico que os relacionamentos essencialmente temporários do Mundo de Huxley. Que as semelhanças notáveis entre os dois jamais confundam o leitor: os dois livros tem o objetivo exatamente inverso. Platão na República proclama como a sociedade deveria ser para tentar torná-la possível um dia; Huxley imagina como a sociedade poderia ser para tentar evitar que ela um dia chegue a acontecer. Teria Huxley imaginado o Brave New World ao ler Platão? Não há qualquer referência que legitime esta ideia, mas as similaridades são muitas para se imaginar que não há relação entre os dois. Talvez ela seja


indireta, através da Utopia de Morus que é tributária em larga escala de Platão - só que neste caso visto de um ângulo favorável que produz, igualmente um mundo terrível sem liberdades e vida privada. Falar em Utopia voltou à moda depois do fracasso do "Socialismo Real" se tornar muito evidente para ser negado até pelos mais fanáticos. Naufragadas as presunções de um socialismo que "tinha de vir" porque assim estava cientificamente determinado pelo "Materialismo Histórico" - pintado como a única Ciência Social e ornado com hieráticos dogmas teológicos - buscou-se o refúgio em se resgatar o Socialismo como uma Utopia - ideia que fermentou até em mentes sérias e brilhantes como a de Florestan Fernandes. Há muito tanto de Platão como de Huxley nesta concepção. Por detrás dela há o projeto de impor à sociedade um modelo pensado por alguma mente fantástica, pouco preocupada não só com a individualidade dos cidadãos desta Utopia como com as abstrações que forem necessárias à sua implementação. Incapazes de dar todas as respostas aos anseios humanos simplesmente se suprime estas vontades rebeldes - pelo convencimento ou pelo soma e, sempre, mais cedo ou mais tarde pela violência. Platão nos diz como este projeto deve ser pensado, Huxley nos diz como ele termina. Um é a teoria deste projeto, outro a prática. Toda Utopia, percebeu Huxley, é a tentativa de impor aos homens o desejo de alguém ou de algum grupo ao invés de confiar na sabedoria dos próprios homens. O Brave New World como a República platônica e a Utopia de Morus é uma sociedade estagnada, não por acaso ou por alguma contingência, mas sobretudo porque são sociedades cuja concepção e realização exclui o movimento. Em Platão e Morus esta supressão dos antagonismos é

um desejo inconsciente, uma deficiência da visão de mundo dos autores, já em Huxley é um projeto proposital dos governantes. Felizmente o movimento é algo tão natural na sociedade, como na natureza, que não será a vontade de algum pensador que será capaz de suprimi-lo. S E G U N D A - F E I R A , 1 7 A B R I L, 2 0 0 6 - 1 0 : 1 0

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Política, Filosofia e cia, Religião Aldus Huxley,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/1030


A INEBRIANTE LIBERDADE DOS RUBAYYIAT DE KHAYYAM SEGUNDA-FEIRA, 4 SETEMBRO, 2006 18:21

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10102


O CAMINHO NOS ESCOLHE QUARTA-FEIRA, 30 AGO STO, 2006 - 16:47

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Sociologia e cia., Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10094


VIAGEM NOTURNA Q U I N T A - F E I R A , 2 7 JU L H O , 2 0 0 6 - 1 3 : 3 6

Islam, Pessoal, Arte, O futuro, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10058


O DISCURSO IMPERIAL DA MODERNIDADE

portanto hierárquica, entre a visão ocidental e qualquer outra - embora no texto ele discuta de forma mais específica o discurso do Islam político. A mistificação se daria em parte através da apresentação de qualquer discurso anti-ocidental como uma resposta ao discurso ocidental, assim a negação do sistema implica em parte também na afirmação do sistema.

Certamente a modernidade é algo tão desejado quanto impreciso. Dificilmente alguém se prontificará a condenar a modernidade, mas é muito difícil encontrar duas pessoas que definam o termo da mesma forma. Contudo - e este é o tema principal deste artigo - a bandeira da modernidade é cada vez mais apropriada por um conjunto de ideologias que esforçam-se por abortar qualquer outro projeto de modernidade que não seja os delas.

Esta argumentação, diz o autor, é um jogo de espelhos no qual uma relação assimétrica é apresentada como uma relação simétrica aos olhos dos observadores. É o mesmo tipo de discurso que tenta apresentar as políticas de cotas para negros nas universidades ou qualquer outro esforço de auto-afirmação de grupos étnicos, culturais ou religiosos não-ocidentais, modernistas e secularistas como sendo um racismo às avessas.

Há muitas armadilhas ideológicas espalhadas neste campo minado que é a discussão da modernidade, mas talvez a mais perigosa delas seja a que assemelha Modernidade a Ocidentalização. Uma das premissas básicas desta identidade ideológica é a atribuição de um caráter universal à visão ocidental de mundo. Premissa que é desmontada com muita competência em artigo recente publicado pela revista Innovation #(1), por Sayyid Sayyid. Entre outros aspectos, o autor ressalta a utilização por muitos experts ocidentais do argumento que mesmo para contestar a visão ocidental os contestadores precisam utilizar-se de categorias ocidentais e beber na fonte do Ocidente. Este argumento ao mesmo tempo nega e afirma a identidade entre os valores ocidentais e universais e esforça-se para transformar uma questão que é historicamente construída em uma discussão genealógica aparentemente neutra. Uma das finalidades disto seria mascarar a existência de uma relação de dominação,

Com isto, grosso modo, se produzem dois efeitos. Primeiro tira do sujeito subordinado qualquer possibilidade de autonomia, limitando-o a reproduzir, por contraste, o discurso dominante. Nas palavras do autor, "o subalterno apenas existe como um efeito do discurso hegemônico". A segunda é que esta construção esconde as relações de poder porque apresenta uma relação de dominação - portanto assimétrica - como sendo uma relação simétrica na qual um reflete o outro. Se a rejeição ao Ocidente é uma outra forma de aceitá-lo, então a habilidade de rejeitar - diz o autor - é representada como uma capacidade ocidental. Por detrás deste e de outros mecanismos está a ideia de um mundo ocidentalizado ou como o único possível ou como o mais aceitável e consistente dentre as hipóteses oferecidas. Não é à toa que existe a preocupação de criar uma imagem de hostilidade entre a modernidade e qualquer grupo que conteste a supremacia ocidental. Isto equivale a dizer: "a globalização e o neoliberalismo podem ter seus defeitos, podem


causar inúmeros transtornos, mas ainda assim é melhor que o reino das trevas do fundamentalismo e do atraso que é a alternativa a ele". Infelizmente falta espaço aqui para demonstrar como esta construção frequenta assiduamente o noticiário, às vezes de forma subjacente, quase subliminar, mas às vezes de forma bastante explícita, até mesmo quando o Outro é apresentado com uma aparente simpatia. Certamente muitos não verão uma utilidade imediata nesta reflexão. Nós brasileiros estamos um passo adiante neste processo de doutrinação ideológica porque nós nos julgamos Ocidentais, parte do Grande Império e nos sentimos muito mais afins do Primeiro Mundo do que os semi-bárbaros colegas do Terceiro Mundo. Para utilizar o conceito de Edward Said, nós já perdemos a capacidade de nos representar e assim aderimos inconscientes ao papel que nos é dado desempenhar pelo diretor para uma plateia formada por nós mesmos. Não resta espaço para discutir até que ponto existe mesmo esta nossa identidade com o Ocidente - Huntington ao definir as civilizações globais coloca a América Latina num mundo à parte, destacado do Ocidente. O que não é estranho porque esta é, de fato, a imagem que o Ocidente realmente faz de nós. Bastaria a muitos dos que se julgam ocidentais passar uma temporada nos Estados Unidos ou Europa para ver que por mais brancos que sejamos - ou aleguemos ser - ainda somos uma espécie inferior aos olhos do Ocidente real. (1) Sayyid, S. Anti-essentialism and universalism Innovation: The European Journal of Social Sciences, Dec98, Vol. 11 Número 4, p377, 13p. in Academic Search Elite [base de dados on-line] disponível em http://www.epnet.com/ehost/login.html (Boston, MA.: EBSCO Publishing, acessado em 24 de Março de 2.000).

SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:40

Islam, Pessoal, Arte, Política, Sayyid, Huntington,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/31


CONFIE NO CONTO, Nテグ NO CONTADOR SEGUNDA-FEIRA, 11 SE TEMBRO, 2006 21:40

Referテェncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10120


O CONTRABANDIST A Q U I N T A - F E I R A , 1 JU N H O , 2 0 0 6 - 1 6 : 0 4

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, O futuro ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10026


PROFISSÃO, VOCAÇÃO, DESTINO A famosa citação de Weber sobre a política como vocação e a política como profissão tem servido aos mais variados usos equivocados. Ela também está parcialmente contaminada por uma visão tornada arcaica pela complexidade crescente do mundo e da gestão pela qual a política deve ser hobby de aristocratas ociosos. Hoje nem mesmo os setores da burguesia e os altos executivos poderiam dispender seu tempo na política e ao mesmo tempo ser capazes de desempenhar suas funções. Fora o sentido mais econômico da distinção, que nem é a mais importante da frase de Weber, seu sentido mais geral e político continua necessário, ou seja, não se deve depender da política de tal forma que sejamos obrigado a fazer aquilo que nos contraria, que sabemos que não é bom, ou mesmo só deixar de fazer aquilo que é necessário por se temer que isto nos retire o poder, o mandato, a influência. É um daqueles pressupostos fáceis de falar na forma de centenas de bravatas, mas que é cada vez mais raro ver quem tem realmente a bravura de segui-lo. A política entrou na minha vida de uma forma avassaladora. Eu podia ter resolvido ser muitas coisas, mas me decidi sempre pela política. Há, com certeza, muitos momentos nos quais preferia ter seguido outros caminhos, como enfrentar tarefas que exigissem menos esforço intelectual como a carreira acadêmica, confrontasse animais menos ferozes como no sonho de infância de ser zoólogo, requeresse menos responsabilidade e tivesse mais soluções para tudo como jornalista.

Não vou negar os momentos nos quais há o desejo profundo de alguma utopia à Thoreau de viver no mato e andar a pé pelas trilhas nos intervalos de uma vida dura e simples. Há também a utopia oposta de postar-me a frente de 40 potenciais delinquentes juvenis em uma sala de aula. Estas duas ainda persistem apesar de todas as recomendações em contrário e é possível que acabe em uma delas no momento que sentir que a política tornou-se incapaz de dar alguma resposta efetiva. É por não ser tão descrente como todos acham que sou que tenho tanto medo de nos momentos convulsionados pedir a Deus que seja feita a vontade dele e não a minha, que eu siga no sentido de cumprir meu destino. O medo é das preces serem atendidas e por isto sempre penso mil vezes para ver se estou preparado pro resultado. Seria presunção dizer que ele me quer neste meio da política, ainda mais na forma como ela anda. Mas só posso dizer que é sempre nela que ele encontra um caminho pra mim, abre novas portas ou reabre portas antigas a cada vez que sou tomado pela vontade de deixar tudo e ir plantar jabuticabas. Só posso concluir que há nisto um sentido, mesmo que oblíquo demais para minha percepção humana. SEGUNDA-FEIRA, 8 MARÇO, 2010 - 23:33

Weber, Thoreau,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10751


SELEÇÃO E ELEIÇÃO SEXTA-FEIRA, 24 NOVEMBRO, 2006 - 02:15

Islam, Comunicação, Pessoal, Poesia, Arte, Educação, Literatura, O futuro, Política, Filosofia e cia, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10167


NÃO BASTA A VOZ DAS URNAS QUARTA-FEIRA, 4 OUTUBRO, 2006 - 13:39

Comunicação, Pessoal, Arte, Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10138


ARON E A SUPERAÇÃO DA GEOPOLÍTICA "Talvez a racionalidade econômica e ideológica triunfe sobre os hábitos do passado e as paixões de circunstância, mas não vence senão a longo prazo" (Raymond Aron, Paz e Guerra entre as Nações) A primeira coisa que transparece no texto do pensador francês Raymond Aron é a fluidez de seu estilo, sem fugir do assunto ou deixar a objetividade de lado. Mesmo tratando de ásperos temas acadêmicos ele é capaz de dar vida aos seus conceitos, fugindo tanto da aspereza cada vez maior dos textos acadêmicos ou das literatices que criam um mal maior ao tentar enfrentar a esterilidade acadêmica, privando-a de rigor. Tanto a tradução esmerada de Sérgio Bath quanto a esclarecedora nota introdutória de Vamireh Chacon auxiliam a manter a elegância estilística e compreender melhor a obra. Com isto o calhamaço de quase 1000 páginas pode ser deglutido com prazer, quando se percebe já se leu mais de 100 páginas quase sem sentir. Aron é sobretudo um desmistificador do pensamento ocidental. Tal como Weber que lhe fornece os paradigmas teóricos fundamentais, Aron evita as definições definitivas e os esquematismos essencialmente mecanicistas. Não teme utilizar exemplos do cotidiano para expor teorias e modelos complexos, como quando utiliza um jogo de futebol como metáfora de sua teoria das Relações Internacionais. Também percebe a importância da "aproximação", das suposições feitas a partir de conhecimentos incompletos no que

quase parece ser um avanço da metodologia dos "tipos ideais" de Weber. Aron, por sinal, destaca que uma das especificidades das Relações Internacionais é justamente o fato dos seus atores sempre terem de tomar decisões baseados em probabilidades e suposições a partir deste conhecimento parcial, transformando a incerteza também em um dado prévio. Enquanto outros autores perdem um longo tempo discutindo a autonomia ou não das Relações Internacionais como um campo próprio de estudo, refletindo sobre qual seria afinal o objeto de estudo desta disciplina e debatendo a relação dela com outras disciplinas, Aron vai direto ao ponto, demonstra que estas preocupações todas não são tão relevantes. Mais do que isto, destaca que a maior parte dos casos que se levanta para contestar uma ou outra classificação das Relações Internacionais são apenas casos marginais que não tem muita importância. Seguindo as pegadas de outro pensador bastante original, Ralf Dahrendorf, Aron utiliza uma teoria de papéis para atores em um cenário das Relações Internacionais, dos quais os mais relevantes seriam o soldado e o diplomata, agentes do relacionamento entre as nações e objeto das RI na sua teoria. Embora brilhante, a teoria de Dahrendorf de que o objeto da sociologia deveriam ser os papéis sociais (Homo Sociologicus, Tempo Brasileiro, 1969) nunca conseguiu grande expressão. No campo ainda mais indefinido das Relações Internacionais, contudo, parece se encaixar como uma luva, até porque se adapta bem ao caráter individual da teoria das RI que assimila os Estados ao velho conceito liberal do "Estado de Natureza". Na teoria de Aron todo "fato diplomático" tem quatro dimensões que interagem sem perder a identidade, três delas são de natureza conceitual: o teórico, o sociológico


e o histórico. O quarto é a reflexão moral e ética sobre o fato. Para expor este paradigma Aron utiliza um jogo de futebol: coexistem numa partida de futebol o conjunto de regras, esquemas táticos, os planos do técnicos, enfim o conjunto que se poderia chamar de uma teoria do comportamento eficaz de cada jogador e da equipe, dados os limites impostos pelas regras. Esta seria a dimensão teórica do jogo. Mas é evidente que ela não é suficiente para explicar o conjunto do jogo. É preciso então analisar como o jogo se desenvolve não mais no quadro negro, mas dentro do campo. Ai entram as dimensões históricas e sociológicas. A forma como os jogadores entendem as instruções e as aplicam, o maior ou menor desempenho dos jogadores, a forma pela qual o conflito se desenvolve dentro do campo, os reflexos da maior ou menor importância dada ao futebol pelos países que jogam, o prestígio do jogador em seu país, o histórico de rivalidade entre os dois países e uma série de fatores semelhantes que ajudam a explicar porque o esquema tático utilizado inicialmente transformou-se durante o jogo em algo que em maior ou menor grau é diferente dos planos. Por fim existe a análise e o comentário a respeito do jogo feito pelo cronista - que na metáfora de Aron é a reflexão filosófica - que avalia se um ou outro jogador jogou bem, se o juiz roubou, se as faltas foram justas, se a moral do time estava alta ou baixa. Aron dialoga com sua teoria com praticamente todos os demais teóricos da área, mas condena em especial a geopolítica - "pretensa ciência transformada em ideologia" - e os esquematismos americanos da teoria dos Jogos. E não as condena por questões morais, mas pela ineficiência em dar conta da totalidade da realidade. Os dois modelos, para ele, estariam muito impregnados de uma fixação pelos aspectos quantitativos e sincrônicos da realidade e

com isso ignoram a importância dos aspectos diacrônicos e as idiossincrasias culturais que desempenham um papel fundamental no processo de tomada de decisão. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:12

Islam, Pessoal, Arte, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Raymond Aron, Vamireh Chacon, Weber, Ralf Dahrendorf,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/57


UMA UTOPIA MAIS DO QUE PESSOAL QUINTA-FEIRA, 23 NOVEMBRO, 2006 15:27

Pessoal, Poesia, Arte, Educação, O futuro, Cinema, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10166


"Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que li" (Borges)

Não é à toa que prefiro livros de "sebos" porque quase sempre neles há uma aura história rabiscada às margens, grifada nos sempre contestáveis pontos que chamaram a atenção de alguém, quase sempre há um nome assinalado do proprietário anterior, nos fazendo imaginar qual seria a história dele e daquele livro.

Falei antes do imenso prazer causado pelo turbilhão mental que a leitura de um bom livro pode proporcionar. Lembrei disso quando ouvi alguém me dizer que gosta muito de escrever, mas não tem paciência para ler. A observação me pareceu um disparate e arriscando-me a ser injusto já julguei mal qualquer coisa que o interlocutor infeliz poderia ter escrito.

Esta história subjacente daquele livro, a ideia que alguém compartilhou aquela leitura que fazemos, imaginar-se qual teria sido a reação do leitor anterior, o motivo que o levou a desfazer-se daquele volume, tudo isto ainda reforça aquela forte mística que sempre permeia qualquer livro. Não é à toa que há tantas lendas sobre livros mágicos...

Até acho possível, ainda que difícil, que alguém goste de ler mas não escreve. Escrever é sobretudo um dom e como tal de certa forma independe da nossa vontade e esforço escrever páginas memoráveis.

Isto me ocorre porque há poucos dias soube de um destes destinos inusitados de um livro. Foi a terceira peça que Dante me prega este ano com a sua Divina Comédia. Impossível que eu não imagine que ele de alguma forma tenta se vingar de mim porque citando Asin Palácios comentei o fato de boa parte da Comédia ter sido copiada de textos árabes medievais.

SOBRE A LEITURA

Mas o raciocínio contrário me parece impossível, imagino impossível que alguém que goste de escrever produza qualquer coisa digna de nota sem gostar de ler. Como uma mente limitada por sua própria experiência seria capaz de produzir algo que não provocasse o mesmo desinteresse nos outros que provoca em si mesmo? Não conheço quem escreva bem que não seja leitor intenso, assim como não há texto escrito que não reflita tantos outros livros. Como o Borges da frase que serve de epígrafe, creio que há mais mérito próprio em sermos capazes de escolher bons livros e penetrar-lhes até a essência do que em encher uma página com notas memoráveis se a inspiração nos sorri - ou com imbecilidades se a musa não nos sorri. Ao menos no primeiro caso é uma escolha, já no segundo é uma imposição da natureza.

Ou talvez ele deseje me recompensar porque eu e a outra vítima da peça o tiramos do ostracismo que substitui os livros clássicos por efêmeros best-sellers, porque resolvemos imaginá-lo não como uma peça de museu mas insistimos em trazê-lo para a realidade. Como o Deus esquecido das Ruínas Circulares de Borges - que ensina a mágica de criar um homem ao pobre homem em troca de reavivar seu culto e suas oferendas - Dante talvez se sinta tão feliz em ainda ser lido como coisa viva que coloque em meu caminho estas pequenas brincadeiras inusitadas, que disfarçam-se de coincidências para que seja necessário acreditar nelas.


Enfim só posso imaginar que estas histórias só comprovam que ler é um processo que tem algo de mágico realmente, que exige uma dedicação quase religiosa, mas que em contrapartida abre para nós a porta de novos mundos. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:25

Pessoal, Arte, Literatura, Religião Borges, Dante, Asin Palácios,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/20


BRADLEE & MR. BOOT Tell the Truth Uma análise rápida das principais ideias contidas na entrevista de Bradlee. No domingo, dia 31 de outubro de 1999, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma longa entrevista com o editor do Washington Post à época do Caso Watergate, Benjamin Crowinshield Bradlee. Ao longo da entrevista Bradlee defende o papel da imprensa nas sociedades modernas, destaca a importância da ética profissional e ataca a exigência de formação específica na área de Jornalismo para o exercício da profissão - resquício do entulho autoritário do regime militar que sobrevive graças à pressão corporativista numa curiosa aliança de interesses entre a extrema-direita que implantou a norma e a esquerda que faz dela meio de vida. Uma das características mais marcantes do texto de Bradlee é a sua insistência em afirmar que existem dois tipos de jornalismo, um minoritário que ele chama de "jornalismo de qualidade", e o resto. Há nestas palavras uma extensão do conceito de Yellow Press - a imprensa sensacionalista - que não se limita aos tabloides mas acaba incluindo boa parte da imprensa como um todo. A distinção, na avaliação dele, não é só de qualidade, mas sobretudo em termos de ética, em especial da vontade de dizer a verdade associada ao esforço material, intelectual, profissional e moral de chegar até ela. Isto, é claro, associado a um profundo rigor que exige provas, fatos, documentos, evidências empíricas inegáveis, ainda que elas tirem algum charme da história ou retardem a sua publicação.

Impossível não pensar no previdente Mr. Boot de A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, também conhecido como The Big Carnival, Billy Wilder, 1951), editor do jornal de Albuquerque no qual o protagonista Charles "Chuck" Tatum vai trabalhar. Como o quixotesco anti-herói do filme, Bradlee parece usar simultaneamente cintos e suspensórios no esforço de não ser pego desprevenido. Quando, durante a entrevista, ele comenta o caso Janet Cooke - repórter do Washington Post que inventou uma matéria e chegou a receber um prêmio Pulitzer, depois devolvido pelo jornal) - parece estar comentando o encontro final de Boot e Chuck visto pela ótica do cauteloso editor. E ele o cita justamente para justificar um maior cuidado que o jornal estaria tomando antes de divulgar reportagens de conteúdo mais forte, novamente cintos e suspensórios. Garganta profunda Jornalismo investigativo como tentação É interessante notar que o que ele considera jornalismo investigativo é algo muito mais profundo do que o rótulo comumente aplicado à questão. No caso de Watergate a identidade da fonte secreta - identificada como "Deep Throat" (Garganta Profunda, nome de um filme pornográfico muito comentado na época) - é secundária porque ela apenas indicou os caminhos que deviam ser seguidos. Ao contrário de muitas reportagens que se dizem investigativas simplesmente por basearem-se em "fontes que preferiram não se identificar" - e algumas não se identificam porque não existem como se pode constatar diariamente na imprensa - o importante é a dica dada pela fonte como "caminho das pedras para se chegar aos documentos e fontes que comprovem a denúncia. A visão dele é essencialmente otimista, os bons jornais vão sobreviver à Internet, o


nível cultural e intelectual dos jornalistas está aumentando, os leitores estão se tornando mais participantes e críticos. Ainda que em alguns momentos ela demonstre algumas preocupações com o fato dos políticos estarem mentindo demais, o que, como ele mesmo afirma, é um reflexo da sensação da impunidade pela mentira.

considera "um lugar melhor" evocando em especial a instituição de um estado democrático e liberal de tipo ocidental com forte presença da sociedade civil. Este "fardo do homem de letras"- parodiando Kipling seria essencial - o que é incontestável - e quase suficiente - o que é inadmissível - para se produzir um bom jornalista.

Esta preocupação parece ser bastante justa, afinal foi a mentira mais do o ato em si que levou Richard Nixon a sofrer um processo de impeachment e ser obrigado a renunciar, após o Washington Post trazer a tona o Escândalo de Watergate. Transformando em paradigma do escândalo capaz de derrubar um governo, como pode ser facilmente percebido pelo abuso na utilização de "gate" como sufixo dos mais variados escândalos, Watergate diz respeito não a corrupção, mas justamente ao abuso de autoridade constatado pela instalação pelo Serviço de Inteligência americano de escutas na sede do partido rival.

É também a opção da editoria em selecionar, formar e dirigir esses "jornalistas-com-uma-missão" e da empresa em si de manter-se como "um jornal de qualidade" ao invés da tentação mórbida de aderir ao lucro fácil e imediato da Yellow Press. Assim para ele ser um bom jornalista ou um bom jornal é quase uma decisão apenas de si próprios, dependendo apenas da vontade individual.

Fardo do homem de letras

Adorno diz no seu "O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição" que a separação entre a música séria e a música ligeira, na era da Indústria Cultural, é mais uma estratégia de marketing destinada a valorizar alguns produtos do que uma divisão de fato. Assinala ele: "quanto mais premeditadamente os organismos dirigentes plantam cercas de arame farpado para separar as duas esferas da música, tanto maior é a suspeita que sem separações os clientes não poderiam entender-se com facilidade".

O jornalismo-como-missão na análise de Bradlee A parte pessimista e a otimista da análise de Bradlee parecem não se concatenar, afinal se os jornais estão cada vez mais fortes e os leitores mais conscientes, como os políticos se sentem muito mais a vontade para mentir? Esta inconsistência parece não ser suficientemente explicada por ele, mas indica de forma nítida que as coisas não estão tão bem como no quadro pintado por ele. Ainda sobre as palavras de Bradlee é necessário observar que para ele um bom jornal é sobretudo uma somatória de opções pessoais. Essencialmente a opção do jornalista em enxergar a sua carreira como uma missão, sacerdócio destinado a reunir pessoas que esperam transformar o mundo em um lugar melhor para todos. Ele chega até mesmo a definir alguns termos do que

Cercas de arame farpado Será realmente o "jornalismo de qualidade" uma opção possível?

Aplicado ao jornalismo tal como o descreve Bradlee - dividido em um "jornalismo de qualidade" e o resto - o conceito de Adorno parece ser eficiente. É parte da lógica do sistema capitalista que a notícia seja transformada em mercadoria, portanto produto de consumo e não valor de uso. Como mercadoria ela não tem apenas um valor como bem de consumo material, mas também um valor simbólico, como o do


prestígio associado a ser leitor - ou ainda mero assinante - deste ou daquele veículo. A necessidade de se apresentar como um "jornal de qualidade" parece ser uma opção motivada menos pelas opções dos atores, dos jornalistas-com-uma-missão que trabalham nele e dos diretores sensíveis a este "fardo do homem de letras", do que da ótica de mercado de se oferecer um produto diferenciado que agrega um valor que é sobretudo simbólico. A própria insistência em Bradlee em se distinguir o "jornalismo de qualidade" do resto, de erguer cercas de arame farpado como diz Adorno, demonstra que a divisão não é tão clara assim na mente do público. As dificuldades financeiras do Post, por sinal, atestam em parte esta questão. A pena invisível do mercado Uma contestação da visão de "bom jornalismo como opção" de Bradlee A questão essencial é que apresentar um jornal de qualidade não é uma opção pessoal, ainda que esta compreensão dos jornalistas seja essencial à produção de um jornal de verdade e à construção de um jornalismo de verdade. Como empresa capitalista, o jornal é incapaz de fugir à lógica do mercado, às suas estratégias e à massificação induzida por ele porque o sistema em si não vê o jornal como um produto de natureza especial, mas apenas como mais uma mercadoria. As evidências deste processo podem ser facilmente percebidas pelas transformações que tem agitado a imprensa nas últimas décadas, todas elas sem exceção visam transformar o processo de produção jornalística em um processo industrial mais próximo de outro qualquer quanto possível, muitas vezes até desrespeitando as especificidades mínimas do setor. Não é raro ouvir em entrevistas diretores, editores e outros profissionais ligados ao jornalismo - e em especial à direção dos órgãos de

imprensa - referirem-se às suas publicações como "produto", última moda do jargão que revela muito sobre a visão de jornalismo destas pessoas. Sentem-se inclusive orgulhosos, de encher a boca, antes de mencionar "nossos produtos", revelando o quanto desta mentalidade do jornal-mercadoria já está arraigada entre eles. O velho Mr. Boot dificilmente teria alguma utilidade nas redações modernas nas quais se procura um editor não que seja um "técnico de time" como Bradlee descreve - mas sobretudo um gerente. E gerente não só no sentido de gerente de RH, mas gerente no sentido fabril mesmo do termo. Conclusões Cínico ou heróico? Fica a dúvida se Bradlee é algo como um Quixote ingênuo que enxerga o mundo e a sua profissão com a pureza de seus olhos de herói louco, ou se age de forma cínica defendendo o seu produto diferenciado com um discurso elitista e voluntarioso. Se quando ele diz que rejeita as fórmulas mágicas de marketing para avaliar e modificar o jornal porque diz acreditar que o papel do "velho editor ranzinza" é essencial para se definir o que é notícia, fala a sério ou apenas levanta mitos que justifiquem o status do seu veículo. É evidente que a ingenuidade não é fácil de se encontrar em nenhum jornalista, ainda mais em um com tanto prestígio e experiência como Bradlee, mas isto não significa que até ele mesmo pode agir sinceramente, mas a pena invisível do mercado o dirige ao encontro das tendências do jornal-mercadoria. De qualquer forma, é evidente que a presença deste Mr. Boot contemporâneo é uma contribuição significativa a qualquer veículo, uma salvaguarda da sua


credibilidade e um alento para os novos profissionais que compartilhem da visão dele de jornalismo-como-missão. Neste sentido é quase irrelevante se a busca de um produto de qualidade é sincera ou a expectativa de agregar valor simbólico a um jornal-mercadoria. No Brasil a imprensa tem se demonstrado sequer capaz de chegar a este ponto, apresentando uma queda constante do padrão de qualidade e sendo apenas capaz de enxergar o "produto"- como os próprios se definem. Em um ambiente deste é inevitável que - como diz Balzac - os talentos sejam aviltados pelo cinismo. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:23

Islam, Comunicação, Pessoal, Arte, Cinema, Política Benjamin Crowinshield Bradlee, Adorno, Billy Wilder,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/70


GUERRA E PAZ “Por desconhecer tudo isso, que é elementar, o pacifismo tornou sua tarefa demasiado fácil. Pensou que para eliminar a guerra bastava não fazê-la ou, em suma, trabalhar em que não se fizesse. Como via nela apenas uma excrescência supérflua e mórbida aparecida no trato humano, creu que bastava extirpá-la e que não era necessário substituí-la. Mas o enorme esforço que é a guerra, só pode ser evitado se se entende por paz um esforço ainda maior, um sistema de esforços complicadíssimos, e que, em parte, requerem a venturosa intervenção do gênio. O outro é puro erro. O outro é interpretar a paz como o simples vazio que a guerra deixaria se desaparecesse; portanto, ignorar que se a guerra é uma coisa que se faz, também a paz é uma coisa que importa fazer, que há que fabricar, pondo na faina todas as potências humanas. A paz não "está aí", simplesmente, pronta para que o homem a goze. A paz não é fruto espontâneo de nenhuma árvore. Nada importante é apresentado ao homem; pelo contrário, tem ele de fazê-lo, de construí-lo. Por isso, o título mais claro de nossa espécie é ser homo faber. “ (Ortega y Gasset, A Rebelião das massas) Já disse em inúmeras oportunidades que os melhores livros contra a guerra foram os escritos por soldados. "Nada de Novo no Front" escrito por um ex-soldado de pouca instrução é muito mais convincente do que mil tratados pacifistas calmamente escritos em gabinetes refrigerados de ministérios. Vivemos numa era em que boas intenções e más ações convivem e se misturam não só por hipocrisia mas também pela falta de coragem de pensar. O discurso pacifista parece ser algo impossível de se atacar, afinal quem quer a guerra e todas as tragédias que ela traz? A

questão, como bem aponta Ortega y Gasset, é que sob o rótulo de pacifismo combinamse as mais várias visões de mundo, boa parte delas equivocada ao menos em alguns pontos. Ao começar a escrever sobre isto lembreime que o próprio nome do blog foi inspirado pela leitura de umas páginas de Guénon, no "Simbolos da Ciência Sagrada", no qual falava sobre o símbolo da Espada no Islam, que representa a luta pelo retorno à unidade e ao equilíbrio, tanto no sentido macrocósmico como naquele sentido que é mais relevante, que é o microcósmico, a jihad interior do homem no sentido de encontrar a harmonia. Por sinal é exatamente o que simboliza a letra árabe Alef em forma de espada sobre um eclipse que figura no logo do blog, equivalente da espada de madeira que os imans usam nos sermões simbolizando justamente este poder da palavra. Como vivemos numa época de leniência, não de esforço, é natural que o esforço de superação não seja bem visto e que portanto qualquer ideia de solucionar conflitos seja relegada. Preocupa-me muito, por sinal, que todo o pensamento pacifista – com o qual não deixo de simpatizar – acabe por enveredar pelo caminho da negação de que há batalhas que devem ser travadas. É esta identidade entre paz e “não fazer nada” de que fala Gasset no trecho que transcrevo na epígrafe que me apavora. Estes dias brincava sobre a propaganda de um banco no qual um menino judeu e um israelense rompem as barreiras do conflito secular jogando bola: depois um entra pro Gaviões da Fiel e o outro para a Mancha Verde e se matam sem sentido algum. A brincadeira me remeteu a um colega de faculdade ao qual tentei explicar sem sucesso o conflito palestino mas que dias depois contava extasiado que tinha participado de uma briga de torcida e batido um bocado em alguns torcedores do time contrário.


A dimensão macrocósmica deste enaltecimento da paz ignorando a dimensão histórica, sociológica e geográfica dos conflitos e colocando a todos como ruins é preocupante porque tende a perpetuar o desequilíbrio e destruir a justiça. Neste sentido achei excepcional o filme Avatar, enorme evolução, por exemplo, a relação ao colonialista Pocahontas, mas fico devendo ainda mais alguns dias um comentário sobre o filme que quero ver de novo antes de analisar. Equiparar todos os conflitos com cara de asco à guerra significa tornar iguais coisas bem distintas, pesar com o mesmo peso o ávido financista ganancioso por petróleo, o vil mercenário e o povo que luta contra a tirania. Porém é na dimensão interior que o avanço da mentalidade pacifista vazia mais me preocupa neste momento. É claro que a meta de cada um deve ser procurar a paz interior, mas o pressuposto desta paz interior não é deixar tudo correr e fazer vista grossa às próprias ações ou esforçar-se pelo aperfeiçoamento. A opção pela paz não pode ser o efeito da pusilanimidade de enfrentar os conflitos – e Gandhi destacou que a coragem era ainda mais necessária ao pacifista que ao guerreiro enquanto Jesus disse que vinha trazer a espada e não a paz – mas pela luta com serenidade, sem ódio mas com firmeza e decisão. TERÇA-FEIRA, 16 MARÇO, 2010 - 18:01

O futuro, Filosofia e cia Ortega y Gasset, René Guénon,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10754


considera como absolutamente "exatas" como a Matemática.

VISÕES DO OUTRO Uma das questões essenciais que terá de ser resolvida pela área de humanidades no início deste milênio será a do multiculturalismo. O modelo etnocêntrico de pensar o mundo já esgotou as suas possibilidades, enquanto, do outro lado, o absoluto relativismo cultural herdado da década de 60 já não é capaz de dar mais nenhuma resposta. O centro do debate é - ou deveria ser basicamente filosófico afinal a grande discussão em torno do tema da alteridade é se existe uma única verdade ou várias. Certamente este debate precede a discussão de qual verdade seria mais adequada para se entender o mundo, já que esta discussão pressupõe que o mundo pode ser entendido. A existência de múltiplas verdades traz em si um germe do caos, já que torna tudo absolutamente relativo e impede até mesmo a comunicabilidade das diversas visões de mundo. O "relativismo cultural" absoluto, produzido por ela, acaba não só por não cumprir suas intenções pacifistas como por realizar o seu contrário: produzir conflitos insolúveis pelo meio do debate. A implicação de se considerar a Verdade entendida como um conhecimento exato da realidade - como inacessível também é um problema sério já que ela implica em um questionamento do próprio conhecimento em si. A emergência do problema é mais grave certamente na área das humanidades, mas seu peso sobre outros ramos do conhecimento não pode ser desprezado, em especial quando se trata do conhecimento de ponta nas mais diversas ciências, incluindo aí áreas que o senso-comum

Mas esta questão do multiculturalismo não é explosiva somente por ter um impacto direto sobre a ciência, mas também em função de suas consequências práticas diretas no cotidiano. Admitir o Multiverso para usar a expressão de James - implica numa mudança radical da forma como vemos os outros e nos relacionamos com eles. Curiosamente boa parte da soberba cultural ocidental vem sendo legitimada desde tempos imemoriais com base em algum tipo de superioridade embasada em um conhecimento considerado como científico. Porém, e aí se mostra como também o relativismo cultural é eurocêntrico - tendo apenas o sinal trocado, não há cultura no mundo que não seja radicalmente etnocêntrica. Chega-se a um ponto no qual se leva em consideração apenas o eurocentrismo, mas se ignora as culturas de preconceito em relação à alteridade que persistem no conjunto do mundo. Em qualquer das duas situações o eixo, o foco, a agenda do debate é fornecida pelo conhecimento eurocêntrico. Em alguns casos chega-se a alguns debates que ultrapassam qualquer limite do razoável, mas que são levados a sério em muitos meios acadêmicos. A questão do negro, por exemplo, é completamente enviesada neste sentido. Note-se que a identidade do negro - como do índio, do "oriental" e tantas outras - já que esta identidade só foi construída pela dominação branca, é um subproduto da escravidão como a riqueza colonial. O negro "existe" em oposição ao branco, ou melhor, só existe como uma construção ideológica do branco. Na África jamais houve uma noção de identidade capaz de abranger


as diversas etnias negras, existiam lá Yoruba, Hauras, Pehls, Congos e muitos outros, mas nunca negros entendidos como uma "raça". O próprio termo, por sinal, só faz sentido pelo contraste e tem como principal característica ignorar as matizes. No clássico "Negras Raízes" de Alex Haley fica evidente como a caracterização do negro é algo puramente ideológico e é só a aceitação do domínio do branco que faz com que as gerações de escravos esqueçam as identidades tribais para aceitar uma identidade de negros. A propalada tolerância idílica existente nos quilombos soa como artificial justamente por negar qualquer tipo de identidade tribal, ao contrário da revolta dos Malês de 1835 que era claramente um movimento de uma parte da comunidade - os escravos muçulmanos de diversas etnias - igualmente com uma identidade construída "de fora". Jamais houve grupo humano que não fosse em algum grau intolerante com o outro e que não tentasse racionalizar - quando não legitimar - esta intolerância de alguma forma. A construção do Nós implica sempre na definição do Outro, e é sobre o contraste com este Outro que cada grupo constrói a sua identidade. Uma das estrelas desta nova onda multiculturalista é o budismo, interpretado como uma religião tolerante às outras, capaz de permitir que cada um tenha a "sua verdade". Mas esta suposição-proselitismo não se sustenta por um exame da própria doutrina. O Budismo, como qualquer outra religião que tenha entre seus princípios a mentepsicose, são por essência radicalmente intolerantes. Isto porque, embora possam até admitir a existência de outras crenças, partem do pressuposto que é o discípulo da sua fé que está em um estado mais "avançado", mais próximo da verdade, mais evoluído. Sua aparente tolerância esconde de fato uma profunda arrogância paciente: "deixem os outros

professar as suas fés, um dia eles vão evoluir e se tornarão budistas". Não é à toa que concepções religiosas deste tipo surgem sobretudo em sociedades aristocráticas, afinal servem para determinar pelo nascimento a posição social da pessoa, quase que eliminando todas as chances de posterior ascensão e não é preciso esforçar-se muito para verificar que é uma ideologia ótima para tentar manter paradas sociedades estagnadas. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:56

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/45


MR. SLANG E O ORKUT SEXTA-FEIRA, 12 MAIO , 2006 - 14:59

Comunicação, Pessoal, Arte, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10008


ESTAMOS LIVRES DO HOLOCAUSTO NUCLEAR? "Que fique bem claro: optar pela energia nuclear é preparar o gulag" (Roger Garaudy, Apelo aos Vivos) O desmoronamento, ou implosão, da União Soviética foi saudado, entre outras coisas, como o alvorecer de uma Nova Ordem Internacional na qual o holocausto nuclear já não era mais um risco permanente, um mundo no qual não corríamos o risco de acordar numa realidade na qual "os vivos invejarão os mortos". O diplomata francês Philippe Delmas analisa em seu livro "O Belo Futuro da Guerra" o paradoxo de só a "garantia de morte certa para todos" foi capaz de manter um baixo nível de conflito durante a guerra fria. Da mesma forma paradoxal, só quando finalmente se resolveu tratar do desarmamento e da redução da Máquina do Armagedom a resistência à ameaça nuclear chegou a um nível insuportável para os governantes. Delmas avalia que isto aconteceu porque em se tratando de uma "guerra nuclear limitada" os formuladores de políticas passariam a ter de escolher quem iria ser pulverizado, quais regiões seriam fadadas à morte nuclear. Isso parece ter dado mais materialidade à resistência nuclear pois seu poder e inquestionabilidade vinha da sua "destruição total", a partir do momento que o pavor tornou-se limitado e referencial, ampliaram-se as tensões. Mas há outro angulo mais sério a respeito disto tudo, que é o controle militar sobre esta máquina de destruição. O filme clássico

"Dr. Strangelove", fala bastante da incapacidade dos militares de lidar com a tecnologia nuclear de destruição. No filme um general decide rebelar-se e promover um ataque nuclear à União Soviética iludindo sua equipe com o discurso que é um ataque de retaliação e que as maiores cidades americanas já foram destruídas. Tal como um personagem saído do filme, um general americano protesta contra o plano de ataques limitados de Robert McNamara secretário de Estado norte-americano - em 1960 com o seguinte discurso: "Se, no final das contas, ficarem apenas um russo e dois americanos, nós teremos triunfado". A paranoia nuclear dos militares americanos estava bem próxima de preparar o holocausto como demonstra Delmas. Uma das principais estratégias dos militares para isto foi limitar ao máximo qualquer grau de controle sobre a operação de uma guerra nuclear. À liderança civil americana ou soviética - diz Delmas - restaria muito pouco além da decisão de iniciar o conflito, todo o mais seria desencadeado por uma cadeia de decisões militares, geralmente com a liderança incomunicável. Como na 1ª Guerra Mundial, quando a dimensão da catástrofe foi impulsionada mais pelas planilhas de engajamento das forças em conflito que por motivos concretos (Áustria e Rússia, únicas nações efetivamente em guerra com um motivo ainda que fútil - foram as últimas a se mobilizar uma contra a outra, como destaca Kissinger), o holocausto nuclear seguia mais uma rotina burocrática dos militares que a qualquer princípio estratégico e menos ainda político. O próprio controle do processo em si era mantido pelos militares em planos extremamente complexos para qualquer analista externo poder tomar decisões rápidas - incluindo aí o presidente


americano (e no campo soviético provavelmente a questão era semelhante). Também se criava uma escalada de alvos sem precedentes. Delmas menciona que de 300 alvos no início da década de 50 se chegou a mais de 50 mil em meados de 80. O suficiente não só para aniquilar a URSS, mas para tornar a vida no planeta insuportável. Existe hoje a ilusão de que este risco está afastado, talvez esta ilusória tranquilidade nos seja necessária para ir vivendo, mas de forma alguma ela é verdadeira. A primeira razão de preocupação é a instabilidade da ex-União Soviética, cujo destino ninguém é incapaz de prever com exatidão. Delmas e Kissinger temem o renascimento da vocação imperial russa, que certamente seria ainda menos responsável e confiável que o velho controle comunista. Este renascimento certamente trará riscos de novos conflitos nucleares, com o Leste Europeu e a Ásia Central na mira principal e consequências mais ou menos imprevisíveis. Mas o contrário deste renascimento é também assustador, pois implica numa desintegração tal do Estado que será fácil aos terroristas das mais variadas tendências (ou melhor dizendo, demências) montar aparatos nucleares ou comprá-los prontos no mercado negro. Monta-se uma bomba atômica de razoável poder de destruição com 3 ou 4 quilos de plutônio comum, roubados de usinas civis, garante Garaudy. Nos Estados Unidos, entre 68 e 76, ainda citando Garaudy, sumiram 542 quilos de urânio enriquecido e 39 quilos de plutônio. Quanto sumiu e vai sumir na Rússia nestes anos de caos é uma estimativa arriscada. Há igualmente o risco contrário, o de uma militarização tal da sociedade, um "eletrofascismo" a serviço da energia nuclear cujos efeitos seriam quase tão

devastadores como o holocausto. Nunca se esquecendo do poder, inclusive econômico, das usinas nucleares particulares (não pensem que a Usina de Springfield dos Simpsons é uma exceção), para silenciar sobre suas falhas e inseguranças, bem como seu poder quase de vida e morte sobre suas comunidades. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:11

Islam, Pessoal, O futuro, Cinema, Política, Filosofia e cia Roger Garaudy, Philippe Delmas, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/56


SEMENTES DA INTOLERÂNCIA Em um livro que rapidamente tornou-se um clássico - "O Choque de Civilizações" (Objetiva, 1997, 446 páginas) - o acadêmico norte-americano Samuel Huntington traça um cenário no qual prevê que os conflitos entre civilizações não só vão continuar como até tendem a aumentar. Segundo ele à medida que as civilizações não-ocidentais adquirirem mais autoconfiança e importância estratégica tendem a buscar seu próprio espaço tanto cultural quanto político. O livro causou e continua causando muita polêmica nos meios internacionais mas a cada dia parece estar se tornando mais profético e certamente é leitura indispensável a quem pretende compreender o mundo atual. Mesmo que seja para refutá-los, os argumentos de Huntington não podem deixar de ser levados em conta. Nos últimos dias o livro pareceu ser bastante apropriado quando em diversos pontos eclodem conflitos ou ameaças de conflito inter-civilizacionais. A Espanha se agita com uma segunda caça aos "moros" que como a primeira - levada à cabo pelos soberanos espanhóis da Idade Média - deve acabar com a expulsão ou fuga em massa dos magrebinos, agora não mais como conquistadores, mas como mão-de-obra barata. Na Áustria um partido de extrema-direita chega ao poder com uma plataforma na qual o ponto principal são as restrições à imigração. Até no Brasil, pátria do assim chamado racismo cordial, inicia-se uma caça às bruxas junto aos imigrantes angolanos.

A principal consequência da xenofobia é que ela aumenta o risco de choques. Marroquinos, angolanos ou turcos descobrem, através dela, que não importa o que façam jamais deixarão de ser discriminados e sujeitos a pogroms periódicos, portanto não poderão se incorporar jamais à sociedade ocidental que cortejam. Isto os faz descobrir, mesmo que por necessidade, suas identidades próprias, estimular a hostilidade com a civilização ocidental - que por megalomania pressupomos universal - desistir da integração para desenvolver o conflito. A hostilidade dos perseguidores só não provocaria a hostilidade dos perseguidos caso se tratasse de uma nação de masoquistas, condenada a ser servilmente eliminada. O mais curioso disto, ainda mais em se tratando da cultura ocidental que julga ter descoberto a racionalidade e a globalização é que falta qualquer lógica a esta caça aos estrangeiros. Na Espanha, por exemplo, o fluxo migratório mal tem sido suficiente para manter a população estável, dadas as baixas taxas de natalidade. Em diversos destes países nos quais a população envelhece a única forma dos regimes previdenciários não irem à bancarrota é justamente a manutenção de um fluxo razoável de imigrantes. Não se trata portanto, como diz a retórica chauvinista, de preservar os empregos do país, mas sim de meros preconceitos atávicos reavivados por políticos demagógicos. Aliás há poucas coisas mais perigosas do que políticos sem ter o que fazer ou incapazes de dar solução aos problemas reais. Quase sempre nesta situação eles aventuram-se a inventar problemas que tenham soluções fáceis, nem importando se elas são reais ou não.


Mas a questão dos angolanos é um tanto quanto mais grave e merece uma outra análise mais profunda. O brasileiro em geral não é xenófobo, pelo contrário costuma babar diante de estrangeiros e basta identificar-se como americano ou europeu para receber um tratamento VIP como se fosse o próprio embaixador daquela nação. Mas, como o episódio dos angolanos demonstra claramente - sem se esquecer do repúdio generalizado à ideia de receber refugiados bósnios que ocorreu há alguns anos - que este tratamento é exclusivo para os estrangeiros vindos do primeiro mundo, preferencialmente brancos e cristãos. Uma das mais detestáveis falhas de caráter conhecido é a que faz o indivíduo ser hostil e autoritário com os subordinados e suave, afável e submisso aos superiores. Pisasse em quem está embaixo e deixasse tranquilamente pisar pelo que está acima. O caso dos angolanos demonstrou que o Brasil como nação padece deste vício de caráter que atribuía-se apenas a alguns indivíduos isolados. Com o agravante que os conceitos de superior ou inferior para nós parece ser exclusivamente étnico, racial e cultural. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:00

Islam, Pessoal, Poesia, Política Samuel Huntington,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/47


64: NUNCA MAIS! Golpe realizado em nome da democracia abriu espaço para a ditadura Alguém já disse que o golpe militar que completa hoje 35 anos é um dos maiores paradoxos da história brasileira. Para justificar a ação falou-se em preservação da democracia - mas implantou-se uma ditadura - falou-se em defender a iniciativa privada - mas implantou-se um regime dos mais estatizantes - falou-se de proteger a soberania nacional contra a ameaça de controle por uma potência estrangeira - mas colocou-se as rédeas do poder nas mãos de outra potência, ocorrido em 1º de Abril decidiu-se comemorar em 31 de Março para evitar o "dia da mentira". Até hoje na Alemanha não se encontram quem foram os populares que apoiaram o regime nazista e aplaudiam Hitler nas manifestações grandiosas. No Brasil, com raras exceções, também não é fácil encontrar quem tenha apoiado o golpe militar, ao menos sem que sejam feitas restrições. Até lideranças que enalteciam a "Redentora" hoje evitam falar no assunto. Mas não é nas lideranças que se deve buscar a raiz do golpe, mas no cidadão comum que aceitou passivamente a tomada de poder pelos militares. De 28 de março de 64, quando uma multidão se aglutinava pelo centro de São Paulo na Marcha com Deus pela Família até 29 de março de 68 quando milhares foram às ruas protestar contra a morte do estudante secundarista Edson Luis ou à Passeata dos Cem mil em 26/6.68 há a distância do sonho ao pesadelo. O endurecimento do regime, que só aconteceu 4 anos depois do golpe, com o AI-

5, demonstrou que a fase de apoio popular já havia arrefecido, mas já era tarde demais, o poder militar já estava consolidado. Nesta altura do campeonato boa parte das lideranças civis do movimento já tinham sido afastadas do centro do poder. Algumas das mais proeminentes delas, como Carlos Lacerda - grande tribuno do golpe - já havia até mesmo passado para a oposição e articulava a Frente Ampla. A partir de 68 o regime militar evolui para uma ditadura agressiva. Na outra ponta, setores da esquerda sem espaço para manifestar seu descontentamento decidem partir para a luta armada. Em um círculo vicioso a luta armada acaba por dar aos militares uma justificativa forjada para um endurecimento ainda maior do regime. De uma forma geral a população permanece alheia a tudo isto, controlada pelo medo, finge acreditar no que diz a imprensa que todos sabem censurada. Poucos anos depois, no início da década de 70, a expansão do processo de industrialização marca a entrada da classe media no mundo do consumo e narcotizadas pela ascensão estes setores voltam a dar apoio e legitimidade ao regime. O "Milagre Brasileiro" - catalisado pela conquista da Copa do Mundo em 70 e por Campanhas como "Brasil: ame-o ou deixe-o" (logo ironizada com o acréscimo: "o último a sair apague a luz") davam uma sustentação ideológica ao Regime. A erosão de conquistas sociais, o arrocho salarial, o aumento da já péssima distribuição de renda era compensado por uma sucessiva ampliação do padrão de vida da classe média. Neste período é localizado e exterminado um dos focos da guerrilha rural, A guerrilha do Araguaia no Sul do Pará. Ainda que também sem condições logísticas de causar uma séria ameaça ao regime os guerrilheiros do Araguaia, ligados ao PCdoB, conseguem


atormentar os militares por dois anos com apenas cerca de 60 militantes que enfrentaram cerca de 15 mil soldados.

sindical, marcadamente com as greves do ABC que revelaram um líder que seria importante na fase da democratização: Lula.

Prevenidos os militares nunca mais seriam pegos de surpresa, foi depois do Araguaia que o Exército resolveu formar tropas especializadas em combate na selva e passou a cultivar um relacionamento mais amigável com as populações ribeirinhas da Amazônia.

O fim do AI-5, a anistia, as eleições diretas para governador e depois para prefeito das capitais foram arrancadas a um duro custo por uma sociedade civil cada vez mais exigente. Logo depois veio a conquista do direito de greve e um relaxamento da camisa de força dos sindicatos. Mas a população mesmo indo às ruas em massa não conseguiu seu objetivo principal: eleições diretas para presidente.

Aos guerrilheiros sobrou a dúbia honra de terem sido incorporados ao folclore da região como entidades da religião local e heróis míticos. Isto os que morreram, porque os que escaparam carregaram ou os traumas da tortura ou da suspeita de denúncia contra os colegas. A ascensão de Ernesto Geisel mostra uma certa guinada na política do regime - que sofria cisões internas - e até certo ponto uma perda de influência da "linha dura" - os "gorilas"- no centro do poder. O grande mago por detrás do planejamento estratégico desta fase do regime militar, Golbery, parecia já estar preparando terreno para uma distensão, inclusive contando com o apoio de peritos em formulação de políticas enviados pelos Estados Unidos. A grande questão, contudo, era distender sem perder o controle da situação e assegurando que os militares continuariam mantendo uma razoável fatia do poder. A questão se agravava com as sucessivas vitórias eleitorais do PMDB, apesar de todas as mazelas, que acabaram obrigando ao fechamento do Congresso e à instituição dos Senadores Biônicos, única forma de Geisel fazer o sucessor, ainda que por via indireta. Figueiredo, último presidente militar, assistiu o ocaso do regime. A opinião pública não atendia mais à propaganda do regime e o "milagre" já estava exaurido. A inflação e o arrocho salarial chegaram ao limite e apesar de toda a repressão ressurge o movimento

Ainda assim o Colégio Eleitoral serviu de instrumento à transição, mais pacífica e controlada, para o regime democrático através - mais uma vez na história do Brasil de um amplo acordo entre as elites. Até que ponto teria ido a influência americana no golpe é ainda um ponto obscuro, mas se sabe que haviam profundos interesses não só políticos como econômicos dos Estados Unidos no golpe. Tudo sugere que a justificativa ideológica de "proteger o mundo livre da influência do comunismo" não era nada mais que uma cortina de fumaça para encobrir a reação americana às nacionalizações de serviços e explorações comerciais que tinham sido feitos ou eram planejados. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:16

Pessoal, Arte, Literatura, Política, Religião Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/62


POBRES ESCOLAS "Mais do que escolas, me instruiu uma biblioteca" (Borges) As escolas são um meio ineficiente de educar, sempre foram e sempre serão. Em primeiro lugar porque só servem para a média dos indivíduos, quem está acima ou quem está abaixo desta média não terá jamais um espaço adequado lá porque elas jamais fornecerão a estes indivíduos toda a atenção que eles necessitam. Em segundo lugar porque o objetivo primordial das escolas nunca foi o de educar, mas sim o de doutrinar (domesticar?) consciências medíocres e aptas a conviver em sociedade - e portanto respeitar as instituições. Em seu livro, tão excelente quanto pouco conhecido, "os demônios de Loudon", Aldous Huxley ironiza a pretensão dos jesuítas de moldar a mente dos seus alunos tal como se molda o corpo de uma criança enfaixando-a quando nasce. Muitos dos ilustres alunos destas escolas tornaram-se livre-pensadores ou protestantes de carteirinha e a simples menção que Voltaire estudou em um destes colégios refutaria qualquer eficácia do método. Mas não é bem assim, afinal quantos outros voltaires não sucumbiram à domesticação durante o processo de "aprendizagem"? Borges, como atesta a epígrafe deste texto, reconhecia que sua formação como um dos maiores homens de letras do século às investidas à Biblioteca paterna e não à escola. E é digno de nota que Borges estudou em um dos melhores colégios suíços, cujo renome dispensa apresentações.

Resumindo, o fato que mesmo uma escola ideal, uma escola de qualidade, uma escola excelente não é capaz de atender às reais necessidades de aprendizado. Estas escolas dizem basear-se na velha relação mestre/discípulo herdada da Grécia, mas só não são a continuidade deste sistema grego como são a sua negação. Uma ensinava a liberdade e o questionamento, a outra a ser escravo e a obedecer. Até aqui tenho falado de uma escola ideal, com qualidades excepcionais. É até covardia incluir no debate a escola atual do Brasil particular ou pública - que não chega sequer a cumprir a função básica de transmitir, de forma mais ou menos aleatória, um conhecimento insosso e algumas regras básicas de disciplina. Uma boa escola - no sentido que uma escola no seu sentido moderno pode ser boa - tem uma pequena vantagem quase marginal: ela dá um cabedal de conhecimento mínimo que até pode permitir a um ou outro aluno libertar-se da escravidão mental que ela tenta impor. O caso de Voltaire mencionado acima talvez se explique por este caminho. Assim, por um acidente de percurso, uma escola excelente pode até conseguir produzir alguém preparado para buscar o verdadeiro saber. Mas uma escola ruim, como a imensa maioria das que se tem no país, presta um desserviço à humanidade. Não poucas vezes desestimula a busca do conhecimento e até, paradoxalmente, estimula a indisciplina ao invés de conte-la por desmoralizar o exercício da autoridade dando-o a pessoas despreparadas. Tornou-se moda há alguns anos a adoção de novas metodologias de ensino que, teoricamente, tentariam recompor aquele espírito dialético grego. Mas para um conceito tão revolucionário seria preciso, em primeiro lugar, ter pessoas capazes de apreender esta visão nova em sua essência e de aplicar de forma sábia esta nova


metodologia. O que se tem na prática é muito diferente. Pessoas despreparadas, dotadas de uma mentalidade escolástica estreita - e em geral autoritária - adquirem rudimentos muito superficiais destas novas metodologias (quase sempre em cursos vagos ou semivagos) e dotadas deste semi-conhecimento (estado em geral ainda mais funesto que a ignorância porque nele a pessoa "acha" que sabe) tentam aplicar na prática uma teoria em si já canhestra. O resultado disto consegue ser ainda pior do que tudo o que existia antes. Mesmo aqueles farelos de conhecimento verdadeiro que o método escolástico era capaz de dar esvão-se em meio a estas experiências com cobaias humanas. TERÇA-FEIRA, 3 MAIO, 2005 - 00:21

Pessoal,Arte, Literatura, O futuro, Filosofia e cia, Religião Aldous Huxley, Jorge Luis Borges, Voltaire,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/69


TOLO Sテ。ADO, 9 SETEMBRO, 2006 - 16:25

Islam Referテェncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10117


TECNOCRATAS DA IMAGINAÇÃO "Por meio de seu invento a pessoa mais ignorante poderia, por um preço módico e pouco esforço, escrever tratados de filosofia" (Swift, Viagens de Gulliver) Há algum tempo eu e o colega Cirilo Braga criamos um personagem que fez uma curta mas brilhante carreira como articulista em São Carlos e andou até pela Internet: Ivonney Penna. Os artigos escritos a quatro mãos tinham a característica de nunca dizerem nada, mas transmitiam esta mensagem com muito estilo em frases pomposas repletas de lugares-comuns escolhidos a dedo. Analisando a globalização por exemplo, tema que jamais poderia faltar na agenda do Ivonei, o nosso articulista à guisa de conclusão do longo artigo perguntava: "mas será a globalização realmente globalizante ou apenas globalizadora?". Com o passar do tempo começamos a reparar que o Yvonei (nunca se chegou a um acordo sobre a grafia do nome) não só era um personagem da vida real como até costumava fazer sucesso nos mais diversos séculos, em especial na Academia. Quase todo dia encontrávamos artigos, teses e comentários que só poderiam ter sido feitos pelo nosso personagem. Um dos últimos artigos, dedicados a analisar o desemprego foi até feito não de frases que bolamos, mas da colagem de trechos de artigos e entrevistas de personalidades políticas, acadêmicas e sindicais sobre o assunto.

Com raríssimas, porém honrosas, exceções a crítica literária resume-se a transformar obras de arte escritas com imaginação e esmero em um amontoado de observações chatas e tergiversações em geral implausíveis. E em geral a obscuridades dos textos serve como manto a encobrir a obscuridade das ideias. Em um país onde grassa a ignorância e o bacharelismo Ivonei e seus clones mentais não podiam deixar de fazer sucesso. O impostor intelectual prospera porque muito poucos sabem realmente alguma coisa sobre o que ele está falando, mas ninguém quer mostrar a ignorância e então disfarçam a falta de cultura com uma expressão de concordância como os personagens provincianos de Balzac que tentam ostentar um estilo "da corte". Mas há um tipo mais sofisticado e pernicioso de impostor nesta área, aquele que tenta transformar a imaginação em uma estatística qualquer para assim embromar melhor retirando da literatura a imaginação. Eu diria que qualquer um pode ser um profissional médio numa das ciências ditas exatas ou técnicas - evidente que um cientista de renome só poderá sair de poucos - porque basta que se aprenda a lidar com alguns mecanismos matemáticos. Já na área de humanidades isto é diferente apesar de todos os esforços para que seja igual. Um cuidadoso estudo sobre como escrever não é capaz de produzir um escritor, por mais vontade que o indivíduo tenha. No máximo produzirá um bom leitor a quem a cultura adquirida dará algum brilho. Mas Não foram poucos que tentaram reduzir a literatura ao mesmo estágio burocrático e tecnocrático. Um bom exemplo é o teórico russo Vladimir Propp, que já fez furor em décadas passadas com o seu "Morfologia do Conto Maravilhoso". A intenção de Propp ao escrever o texto em 1928 é doentia: transformar uma centena de contos folclóricos russos em meia dúzia de equações matemáticas. A pretensão de


rebaixar a cultura ao nível da técnica é evidente e até expressa claramente na introdução da obra: "Enquanto as ciências físico-matemáticas possuem uma classificação harmoniosa, uma terminologia unificada e que é adotada em congressos especializados, um método aperfeiçoado por gerações e gerações de mestres, entre nós nada disto existe". Dane-se a imaginação, a diversidade que tanto faz sentido nos relatos, o importante é que se tenha uma fórmula conveniente para organizar nossos Congressos, é isto que Propp diz numa linguagem mais clara. Ao longo do texto Propp vai dissecando os contos, fazendo a autópsia da imaginação para ao final chegar às pretendidas fórmulas que ele arrogantemente apresenta como o supra-sumo do esforço. Felizmente o autor foi atropelado pela história porque o positivismo que o inspirou já era ultrapassado quando ele começou a escrever. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 06:26

Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, Sociologia e cia., Política, Filosofia e cia Swift, Balzac, Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/21


BRINCADEIRAS DOMINGO, 3 SETEMBRO, 2006 - 15:31

ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10099


EUGENIA E OUTRAS BOBAGENS PERIGOSAS "Sede homens, sim, e não obtuso gado" (Dante, Paraíso V) A eugenia - tentativa de "melhorar" a raça humana limitando a reprodução aos "melhores" homens e mulheres - é um fantasma que periodicamente assola a mentalidade ocidental desde os antigos gregos. Em artigo anterior já havia mencionado o quanto a eugenia de Platão o ligava até mesmo aos piores momentos do pesadelo do Brave New World. A eugenia é um perigo, mas também uma grande bobagem porque em geral visa só os aspectos aparentes do homem, em especial as características físicas. Nem sempre, porém, elas se devem a herança genética e, mais grave, o que fez o homem ser verdadeiramente um homem não foi nunca os músculos ou a beleza, mas sim a inteligência. Fosse o australopithecus mais forte e talvez ele nunca tivesse se transformado no homem, afinal a inteligência surgiu para compensar todas estas fraquezas daquele macaco das savanas. Mas a eugenia, a despeito de ser uma bobagem, é um grande perigo. O horror nazista demonstra isto com límpido terror. Malgrado sua imbecilidade teórica, a eugenia é a racionalização de um dos sentimentos mais típicos do homem, aquele sentimento de repulsa à alteridade que faz eternamente o homem tentar colocar o seu grupo no centro do mundo e negar aos demais grupos o título de "humano".

Há algum tempo mencionei que por detrás de toda a alucinada paranoia do Unabomber - o terrorista anti-tecnológico que assustou a comunidade científica americana há alguns anos - havia alguns raciocínios que assustavam pela coerência. Um desses laivos de análise cruel mas exata dizia respeito justamente à biotecnologia. Para o Unabomber o grande risco da manipulação genética era que ela, uma vez aceita, tendia a deixar de ser optativa para se tornar compulsória. Dizia ele que aos poucos a adoção de órgãos e tecidos melhorados geneticamente daria a seus possuidores uma vantagem tal sobre os demais que se passaria a depender deles de forma inevitável. O homem-máquina seria tão superior ao homem-homem que só quem não tivesse meios abriria mão de aprimorar-se. O filósofo alemão Peter Sloterdijk - enfocado pelo caderno Mais da Folha de São Paulo deste domingo - defende um ponto de vista oposto, mas que leva a conclusões extremamente semelhantes de inevitabilidade da manipulação genética. Ainda que a longa entrevista fale muito pouco sobre seu ponto de vista - mais preocupado em criticar Habermas e a Escola de Frankfurt - é possível detectar alguma coisa da essência de sua mentalidade. Diz ele que a manipulação genética é inevitável e o homem jamais deixará de utilizar as mais poderosas ferramentas de eugenia jamais disponibilizadas. Resta portanto à humanidade apenas o papel de estabelecer um código de ética da questão que limite a operacionalização da manipulação genética. Correndo o risco de ser leviano, já que desconheço em profundidade o trabalho de Sloterdijk, a ideia parece não se sustentar por si mesma. Se a humanidade não será capaz de deter a utilização das


biotecnologias - em especial quanto à manipulação genética - parece improvável que será capaz de mantê-la dentro de limites claros. Diz ele que a inevitabilidade da aceitação destas tecnologias beneficia-se do assunto não ser trazido às claras. Enquanto persistir a recusa, diz ele, não haverá qualquer forma de controle social sobre as experiências na área. O reconhecimento - portanto legitimação - destas experiências parece não melhorar muito a situação do problema, ao contrário do que diz Sloterdjik. Enquanto este tipo de experimento continuar banido haverá sempre uma oportunidade de punir transgressores e evitar abusos, uma vez legitimado só se pode imaginar que os limites serão cada vez mais ampliados, a cada novo avanço a tolerância ficando mais elástica. Daí ao mundo do Unabomber no qual os melhoramentos genéticos tornam-se compulsórios é um passo. A única chance da humanidade recriar de forma mais terrível - porque viável e real - os velhos pesadelos autoritários eugênicos que desde Platão atormentam o Ocidente é o banimento completo deste tipo de experiência, a manutenção dos mesmos na condição permanente de clandestinos sujeitos à perseguição tanto oficial quanto da opinião pública. Se isto, como avalia o filósofo alemão, não for capaz de evitar de vez as experiências, ao menos limitará o seu desenvolvimento e se poderá esperar um dia que o homem, mais sábio, já não se empolgará por este tipo de experiência. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 23:59

Pessoal, Literatura, Filosofia e cia Aldous Huxley,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/64


SAMPA “A Cidade parece ser o local onde se torna possível a

explicitação das vocações mais diversas e, portanto, a especialização mais particular através da comunicação e da colaboração. A especialização, por sua vez, leva à dependência de uma atividade em relação às outras e, breve, à limitação da autonomia. Daí a necessidade de reaparecer, distinguirse e recolocar um significado e um aspecto à própria individualidade. Aqui nascem, também a competição e o conflito. Cooperação e luta, envolvimento e isolamento chocam-se em uma intensa mobilidade que é também movimento, ir adiante, descobrir-se a si próprio e ao mundo, mudá-los.” (Roberto Guiducci, A Cidade dos Cidadãos)

2010 para mim foi o “Ano do Plano Diretor”, na minha mania de nomear meus anos. Passei o ano discutindo sobre desenvolvimento urbano, incontáveis reuniões de todo tipo, milhares de páginas de relatórios para serem mastigados pela análise estatística para transformarem-se em um uma folha apontando tendências, conversas e mais conversas com sábios, tolos e loucos aprendendo sempre algo em cada uma, dezenas de livros de todas as tendências e visões para tentar compreender o assunto, dos mais

conservadores aos mais radicais, mapas e mais mapas quase tão repletos de cores e legendas quanto as pessoas que moram naquele território representado. Enfim, um turbilhão de informação a ser processada, digerida, condensada em conceitos e transformada em ferramenta para a ação. Para mim foi uma redescoberta de mim mesmo, uma volta à batalha com ânimo guerreiro que não tinha há tempos e a paciência que não tinha nas batalhas anteriores. Felizmente no início tinha a ignorância fundamental que a tarefa era grande e complexa demais pra mim, isto fez com que a aceitasse e me empenhasse em realizá-la. Magnífica benção é a ignorância. Dos desdobramentos da tarefa abriram-se tantas e tantas batalhas paralelas, muitas trincheiras a fincar o pé, muitos outros campos a avançar. No saldo final com certeza foram tantas, tão relevantes e profundas, as vitórias que as derrotas puderam ser esquecidas numa luta tão feroz contra as intricadas teias que envolvem a cidade e seus interesses. Queria ter escrito ontem, aniversário de São Paulo, mas mais uma vez não houve tempo e tranquilidade para exprimir aquela que é a meu ver, doentiamente avesso a festas e comemorações, a única homenagem possível a quem faz aniversário, contribuir para a reflexão de balanço que deve marcar a data. Há algo de brilhante no cinza de São Paulo que escapa aos olhos de quem passa apressado e atento mais a si mesmo que à sua volta. Há uma beleza difícil de definir em meio a esta fuligem escura que parece cobrir tudo e transformar o que era novo em vetusto em poucos meses. Leitor apaixonado de Thoreau minha alma também se divide entre andar a pé pela floresta e olhar pela janela do gabinete esta agitação de mil tons de cinza se mexendo caoticamente pela janela.


Tudo que li, conversei, discuti, falei, vi sobre a cidade foram sempre de alguma utilidade e prazer. Mas se eu precisasse selecionar uma cosia que mais me marcou foi o livro do urbanista italiano que está citado na epígrafe. Os urbanistas profissionais ou amadores quase sempre me dão a impressão de que no fundo odeiam a cidade, querem transformá-la em arremedo de aldeia gigante, resgatar uma vida comunitária que não tem mais como existir porque os pressupostos dela deixaram de existir. Guiducci, pelo contrário, me pareceu o único nesta balbúrdia toda que ama mesmo, lá no fundo, a cidade. Não quer domá-la ou demoli-la, mas sim libertar seu potencial. Só ele parece ter compreendido o que compreenderam todos os jovens talentosos desde a Babilônia da antiguidade às atuais, que a cidade é a panela de água fervente – para usar a imagem de Sorokin – e o local onde as coisas acontecem. Parece impossível amar Sampa com seus congestionamentos, transportes lotados, poluições, multidões, sua feiura das camadas de progresso que vão se sobrepondo uma a outra tornando velho muito rapidamente o que está por baixo. Mas raspe-se o concreto e se poderá enxergar a beleza e riqueza de toda esta cooperação e conflito e se poderá enxergar que há nela um sentido estético que escapa a tantos que querem mudá-la sem enxergar sua essência e com isto só conseguem ser “cosméticos” porque só enxergam o “bonitinho” e nunca realmente o belo - “O silêncio, a solidão, o tédio e a repetição levam a uma sensação de estática e de morte ainda mais insuportáveis que uma existência vivida na tensão, na febre de construir, na fictícia ilusão de conservar a vida na pedra que caracterizam a vida na cidade”, comenta Guiducci sobre as propostas falidas de mudar a vida nas grandes cidades”.

A “alma” da cidade não está nos prédios, no concreto, onde costumam procurá-la. Está naquela multidão que se acotovela no movimento alucinado, lutando contra a natureza – não só a natureza externa, aquela dentro de nós mesmos, nos nossos genes, que nos faz desejar a vida tranquila em um recanto seguro com um pequeno grupo de conhecidos. Muitas vezes já disse que as grandes cidades não são locais propícios a vida humana, quem vive nelas honra ser descendente daquele primata que enxergou oportunidades em desafiar a animalidade, enfim, os paulistanos são a vanguarda da humanidade. Q U A R T A - F E I R A , 2 6 JA N E I R O , 2 0 1 1 - 1 5 : 2 1

Sociologia e cia. Roberto Guiducci, Sorokin,Urbanismo, DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10761


GUERRA E PAZ “Por desconhecer tudo isso, que é elementar, o pacifismo tornou sua tarefa demasiado fácil. Pensou que para eliminar a guerra bastava não fazê-la ou, em suma, trabalhar em que não se fizesse. Como via nela apenas uma excrescência supérflua e mórbida aparecida no trato humano, creu que bastava extirpá-la e que não era necessário substituí-la. Mas o enorme esforço que é a guerra, só pode ser evitado se se entende por paz um esforço ainda maior, um sistema de esforços complicadíssimos, e que, em parte, requerem a venturosa intervenção do gênio. O outro é puro erro. O outro é interpretar a paz como o simples vazio que a guerra deixaria se desaparecesse; portanto, ignorar que se a guerra é uma coisa que se faz, também a paz é uma coisa que importa fazer, que há que fabricar, pondo na faina todas as potências humanas. A paz não "está aí", simplesmente, pronta para que o homem a goze. A paz não é fruto espontâneo de nenhuma árvore. Nada importante é apresentado ao homem; pelo contrário, tem ele de fazê-lo, de construí-lo. Por isso, o título mais claro de nossa espécie é ser homo faber. “ (Ortega y Gasset, A Rebelião das massas) Já disse em inúmeras oportunidades que os melhores livros contra a guerra foram os escritos por soldados. "Nada de Novo no Front" escrito por um ex-soldado de pouca instrução é muito mais convincente do que mil tratados pacifistas calmamente escritos em gabinetes refrigerados de ministérios. Vivemos numa era em que boas intenções e más ações convivem e se misturam não só por hipocrisia mas também pela falta de coragem de pensar. O discurso pacifista parece ser algo impossível de se atacar, afinal quem quer a guerra e todas as tragédias que ela traz? A

questão, como bem aponta Ortega y Gasset, é que sob o rótulo de pacifismo combinamse as mais várias visões de mundo, boa parte delas equivocada ao menos em alguns pontos. Ao começar a escrever sobre isto lembreime que o próprio nome do blog foi inspirado pela leitura de umas páginas de Guénon, no "Simbolos da Ciência Sagrada", no qual falava sobre o símbolo da Espada no Islam, que representa a luta pelo retorno à unidade e ao equilíbrio, tanto no sentido macrocósmico como naquele sentido que é mais relevante, que é o microcósmico, a jihad interior do homem no sentido de encontrar a harmonia. Por sinal é exatamente o que simboliza a letra árabe Alef em forma de espada sobre um eclipse que figura no logo do blog, equivalente da espada de madeira que os imans usam nos sermões simbolizando justamente este poder da palavra. Como vivemos numa época de leniência, não de esforço, é natural que o esforço de superação não seja bem visto e que portanto qualquer ideia de solucionar conflitos seja relegada. Preocupa-me muito, por sinal, que todo o pensamento pacifista – com o qual não deixo de simpatizar – acabe por enveredar pelo caminho da negação de que há batalhas que devem ser travadas. É esta identidade entre paz e “não fazer nada” de que fala Gasset no trecho que transcrevo na epígrafe que me apavora. Estes dias brincava sobre a propaganda de um banco no qual um menino judeu e um israelense rompem as barreiras do conflito secular jogando bola: depois um entra pro Gaviões da Fiel e o outro para a Mancha Verde e se matam sem sentido algum. A brincadeira me remeteu a um colega de faculdade ao qual tentei explicar sem sucesso o conflito palestino mas que dias depois contava extasiado que tinha participado de uma briga de torcida e batido um bocado em alguns torcedores do time contrário.


A dimensão macrocósmica deste enaltecimento da paz ignorando a dimensão histórica, sociológica e geográfica dos conflitos e colocando a todos como ruins é preocupante porque tende a perpetuar o desequilíbrio e destruir a justiça. Neste sentido achei excepcional o filme Avatar, enorme evolução, por exemplo, a relação ao colonialista Pocahontas, mas fico devendo ainda mais alguns dias um comentário sobre o filme que quero ver de novo antes de analisar. Equiparar todos os conflitos com cara de asco à guerra significa tornar iguais coisas bem distintas, pesar com o mesmo peso o ávido financista ganancioso por petróleo, o vil mercenário e o povo que luta contra a tirania. Porém é na dimensão interior que o avanço da mentalidade pacifista vazia mais me preocupa neste momento. É claro que a meta de cada um deve ser procurar a paz interior, mas o pressuposto desta paz interior não é deixar tudo correr e fazer vista grossa às próprias ações ou esforçar-se pelo aperfeiçoamento. A opção pela paz não pode ser o efeito da pusilanimidade de enfrentar os conflitos – e Gandhi destacou que a coragem era ainda mais necessária ao pacifista que ao guerreiro enquanto Jesus disse que vinha trazer a espada e não a paz – mas pela luta com serenidade, sem ódio mas com firmeza e decisão. TERÇA-FEIRA, 16 MARÇO, 2010 - 18:03

Ortega y Gasset, Guénon,DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10755


A PERIGOSA APATIA DO ELEITOR É do descaso de quem se julga consciente que se alimenta a corrupção eleitoral "Numa democracia o povo é submetido a sua própria vontade, o que é uma dura escravidão já que ele é tão alheio a sua vontade como era à do Príncipe" (Anatole France) Provavelmente ninguém aguenta mais ouvir falar mal dos políticos, de tanto e por tanto tempo que se bateu nesta tecla que a revolta contra os governantes já nem é capaz de render boas piadas. Infelizmente às infinitas horas deste discurso monocórdio não se seguiu uma saudável revolução cidadã que afastasse os criticados para renovar o exercício do poder ao menos com alguma novidade. Lamentavelmente o que se seguiu a esta revolta contra os políticos foi a apatia e o cinismo, revelando todo o caráter insidioso que todos estes discursos contra os políticos e a política tinham em sua essência. Quem critica os políticos hoje é no mínimo extemporâneo porque até desta vingança inocente a sociedade está cansada. De toda a oratória gasta com o tema se tira muito poucos resultados benéficos e concretos, até porque parece que o objetivo raras vezes era realmente produzir algo e sim apenas destruir. Os políticos continuam cometendo os mesmos erros e tendo os mesmos vícios, continuam fora do controle da sociedade, continuam a não dizer nada em memoráveis discursos demagógicos, a corrupção continua crônica no Brasil.

Em alguns casos a pregação cínica contra os políticos produziu o resultado contrário a qualquer resultado positivo: ao denunciar as más práticas dos políticos incentivou a venda de votos em larga escala. A cada eleição aumenta o número de pessoas ansiosas por vender o voto - e não se pense que isto é privilégio do miserável que mora na periferia porque a elite e a classe média tem ainda menos escrúpulos e a única diferença é o preço de venda (às vezes nem isto). A pregação fascistoide contra os políticos só conseguiu até hoje dar um argumento cínico para que o eleitor corrupto venda seu voto com menos peso na consciência: "se são todos safados mesmo eu pelo menos quero uma vantagem também", ou então, "depois da eleição eles vão nos trair mesmo, então preciso tirar alguma coisa antes". Vale dizer que o termo fascistoide é mais do que apropriado, porque apesar de investir pesadíssimo no descrédito dos políticos, as máquinas de propaganda nazista, stalinista e fascista jamais incentivaram a apatia, mas sim justamente a participação devidamente controlada e manipulada, é claro - da população. É evidente que é necessário criticar, e duramente, os homens públicos. Mas de nada contribui para o avanço da democracia as críticas generalizadas, inespecíficas, vagas, demagógicas que são feitas pelos demagogos de toda espécie. Este tipo de crítica covarde e mal intencionada apenas alimenta esta apatia e garante que o poder continuará a ser ocupado pelos oportunistas. Não é a toa que alguns dos piores políticos são os que mais criticam a política, como um vereador clientelista do baixo-clero que não perde a oportunidade de dizer que "político nenhum presta". O ócio do legislativo, por sinal, induz à tentativa de se criar fatos atacando a própria Casa, aproveitando-se da


repulsa generalizada que a inutilidade dos Legislativos tem na sociedade. A primeira pergunta que se deve fazer a quem ataca desbragadamente os políticos é o que o atacante já fez pela comunidade. O que já fez de bom, que fique claro, porque de ruim ele já está desestimulando nas pessoas de bem o interesse pela coisa pública, dano muito maior que o de toda a raça de políticos junta. Nada vai mudar enquanto a comunidade não resolver mudar isto tomando ela própria as rédeas da situação, participando e intervindo no processo de tomada de decisão, deixando esta cômoda e cínica apatia de quem não quer se envolver e prefere ficar numa posição olímpica a criticar a todos. Afinal, demagogos já se tem demais por aqui para precisarmos importar outros. SEGUNDA-FEIRA, 2 MAIO, 2005 - 07:14

Pessoal, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/59


BUSCAS TERÇA-FEIRA, 8 AGOST O, 2006 - 15:49

Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10066


OUVINDO AGORA: CANTICOS SUFIS S贸 para compartilhar. [swf file="http://www.thesufi.com/turkish_dervi sh_whirling_music_semaa.MP3"] S E G U N D A - F E I R A , 1 0 JA N E I R O , 2 0 1 1 - 0 8 : 4 7

Islam, Arte Refer锚ncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10759


"Tenho

REAL E IDEAL “Entretanto, como é meu desejo escrever coisa útil para os que tiverem interesse. mais conveniente me pareceu buscar a verdade pelo fito das coisas, do que por aquilo que delas se venha a supor. E muita gente imaginou repúblicas e principados que jamais foram vistos e nunca tidos como verdadeiros. Tanta diferença existe entre o modo como se vive e como se deveria viver, que aquele que se preocupar com o que deveria ser feito em vez do que se faz, antes aprende a própria ruína do que a maneira de se conservar; e um homem que desejar fazer profissão de bondade, mui natural é que se arruíne entre tantos que são Perversos.” (Maquiavel, O Príncipe)

tentado,

continuou

Rafael,

descrever-vos a forma desta república, que julgo ser, não somente a melhor, como a única que pode se arrogar, com boa justiça, do nome de república. Porque, em qualquer outra parte, aqueles que falam de interesse geral não cuidam senão de seu interesse pessoal; enquanto que lá, onde não se possui nada em particular, todo mundo se ocupa seriamente da causa pública, pois o bem particular realmente se confunde com o bem geral." (Thomas Morus, Utopia) Quase sempre que me pedem alguma exposição sobre política começo citando estes dois textos, de Maquiavel e Morus, como início da conversa. Por algum motivo meio misterioso – não sei se biológico, cultural, social ou seja lá qual for – o pensamento humano é viciado em dicotomias, nesta mania de separar o mundo em duas metades distintas – nem sempre muito bem feita. Enxergar o mundo como antíteses tem o defeito de impedir ou limitar duas outras formas de ver as coisas. De um lado impede que se verifique a possibilidade de um continuum (que numa verdadeira dicotomia seria impossível pelos termos serem mutuamente excludentes) e de outro impede a síntese que a cada momento pode contribuir para uma explicação mais precisa.


E uma das grandes dicotomias da política é que os praticamente contemporâneos Maquiavel e Morus já ensaiavam: a política como ela é a política como ela deveria ser. Mil argumentos podem ser traçadas a favor e contra cada uma das posições e no extremo as duas podem ser consideradas absolutamente detestáveis e inúteis. A primeira leva ao mais descarado cinismo oportunista e a segunda a intolerância quando bem sucedida ao mais estrondoso fracasso. Acho particularmente mais perniciosa a segunda visão e às vezes alguns amigos ficam chocados quando considero o termo Utopia – tão querido no vocabulário político – como um termo extremamente negativo para mim. Particularmente considerei até a Utopia de Morus um lugar horrível para se viver, sem liberdade, sem privacidade, imbuído de uma profunda e extrema feição totalitária no mais preciso sentido do termo – de um Estado que regular toda a vida do cidadão. Ainda que Morus seja chamado de humanista e normalmente se louve sua crença na bondade intríseca do ser humano, corrompida pelas más instituições, no fundo a sua visão do ser humano precisando ser acorrentado pelas “boas instituições” que lhe conduzem pelo bom caminho é, no fundo, uma visão muito pessimista do ser humano. Não é de se admirar que a história – matéria-prima dos dois pensadores para chegarem a conclusões opostas – demonstre que em geral quando aqueles que se guiam por uma visão focada apenas no ideal chegam ao poder em geral o fazem pelo método violento e é também por uma violência que não coraria Morus que lá se mantém. Ao mesmo tempo é evidente que a Política desconectada daquilo que é o seu objetivo promover a felicidade dos Cidadãos – através da construção de boas normas e instituições saudáveis sequer é merecedora do nome de Política, é apenas uma disputa

meio animalesca por um poder que não é o poder político mas do mesmo tipo de poder que um animal obtém quando chega pela força ao domínio da matilha para ganhar o privilégio de ser o primeiro a fartar-se com as presas. Do ponto de vista cotidiano a análise de Maquiavel centrada na compreensão da realidade e seus mecanismos de funcionamento é certamente mais útil até àqueles que tem um ideal verdadeiro. O próprio Maquiavel, a despeito de quantos adjetivos derivem de seu nome, tinha uma visão republicana, uma compreensão de Democracia bastante avançada para sua época e claras noções sobre perigos e vantagens do domínio seja dos príncipes seja dos nobres sobre o povo. Em certo sentido chega a ser radical na medida em que considera não só que o povo pode se enganar em questões específicas mas não em questões gerais e que tinha o direito de rebelar-se para não ser dominado, noções hoje muito ausentes em muito discurso que se intitula de democrático. Toda antítese resolve-se por um paradoxo e esta não é diferente, A visão “maquiavélica” é muito mais útil àquele que busca o ideal, na verdade praticamente só é útil a ele porque na medida em que ele tem uma noção bem objetiva e clara de finalidade, objetivo, meta e conclusão só ele tem plena capacidade de dentro das regras do jogo chegar ao objetivo. O inverso sendo também verdadeiro – e cada vez mais verdadeiro pois aos que desejam manter ou ganhar o poder apenas por objetivos pessoais tem muito mais facilidade não só de passar por cima das regras do jogo como ainda de revestir-se de alguma autoridade ideológica, filosófica ou social para prevenir e reprimir qualquer oposição. No centro da solução do paradoxo está o ponto que distingue os dois – Maquiavel enxerga a diversidade, a multiplicidade de interesses em conflito; Morus vê um único caminho o qual deve ser atingido a qualquer


custo. Não é à toa que em suas vidas Maquiavel seja um revolucionário radical frustrado e exilado que tenta a todo custo voltar a ser um “player” enquanto Morus é um alto conselheiro de uma potência em ascensão que abandona o jogo. DOMINGO, 9 JANEIRO, 2011 - 00:07

Pessoal, O futuro, Política Thomas Morus, Maquiavel,PP Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10757


REDES DE IDEIAS SEXTA-FEIRA, 19 MAIO , 2006 - 19:18

Islam, Comunicação, Pessoal, Literatura, O futuro, Cinema, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10015


LENDO O RUBAYYIAT DE KHAYYAM DOMINGO, 3 SETEMBRO, 2006 - 15:56

Pessoal, Poesia Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10100


REALISTADO “No dia seguinte atirei-me ao trabalho, digamos que voltando as costas ao posto. Parecia-me a única forma de continuar ligado às saudáveis realidades da vida. Mas é difícil uma pessoa não olhar de vez em quando à sua volta; e então reparava no posto, no disparatado vaivém dos homens no cercado, à torreira do sol. Muitas vezes perguntei a mim mesmo o que significaria tudo aquilo. Vagueavam por um lado e outro a empunhar absurdos varapaus, como peregrinos sem fé que circulassem, enfeitiçados, dentro de uma cerca apodrecida. A palavra marfim, passava no ar segredada, suspirada. Parecia que lhe faziam preces. Um cheiro a imbecil rapacidade bafejava tudo como um cheiro a cadáver. Júpiter nos valha! Nunca na vida eu vira coisa tão irreal. E à volta a silenciosa selva, que apertava aquele pedaço de terra nua, parecia-me enorme e tão impossível de vencer como o mal ou a verdade, que estava à espera, com paciência, do fim daquela invasão fantástica.” (Conrad, No Coração das Trevas) O mundo andava chato e sem sentido. O sintoma claro do meu desencanto era aquela vontade reiterada de mudar pro mato e plantar jabuticabas, goiabas, gabirobas e coisas do tipo. Digo que andava sem sentido não com aquela sóbria visão como a que Caeiro/Pessoa diz que basta uma coisa existir para ser completa e que são vãos e inúteis todos os esforços do pensamento de tentar compreender a mínima coisa. Digo sem sentido porque quando não se sabe para onde vai mesmo que se veja a estrada não há como se decidir por um lado dela. Digo que andava chato porque parecia que mais nada nele conseguia despertar do enfado do cotidiano, nada quebrava o sono

que não era o bom sono de quem está no mundo sem ser do mundo, mas sim o sono da apatia de quem não está no mundo mas tampouco fora dele. Andava nestas quando Kurtz ligou de seu posto lá no ponto mais negro do Coração das Trevas. Ele continua o mesmo, eu mudei e marfim nenhum mais é capaz de mover-me, é de andar atrás dele ou desejar andar ao lado dele que fiquei atonteado por tanto tempo, sem coragem de escrever para que as asas não voltassem a crescer e tomando a pena como alabarda rachasse algumas cabeças. Ou talvez seja o contrário, eu continuei o mesmo e compreendi a inutilidade do movimento e ele mudou e descobriu a realidade. Enfim, andava mais como os peregrinos sem fé de que fala Conrad, não por ter me tornado um deles, mas porque andava achando que não pagava a pena ostentar a diferença, ter aquela mesma marca de distinção e ameaça que Kurtz tem. A coisa mais maluca da política para quem vive nela e dela é que a amálgama de sentimentos distintos tem fórmula secreta e complexa e uma pitada a mais ou a menos dos opostos necessários ao equilíbrio costuma causar explosões de assustar qualquer otimista. É impossível sobreviver são – em todos os sentidos de sanidade, da integridade à sobrevivência política – porque nela se morre muitas vezes como já percebeu um estadista destes famosos e sempre citados – ou seja dos princípios mais absolutistas até a mais pragmática “manobra tática” sem uma combinação precisa de ingenuidade e matreirice. Aquele que não tiver a dose mínima de ingenuidade jamais conseguira confiar em nada nem ninguém, nem nos seus ideais e


nem em si mesmo. É preciso ser ingênuo para crer que o mundo pode ser mudado, tanto quanto para ter certeza que ele não mudará e portanto esta dose de ingenuidade é necessária à esquerda e à direita. Ao mesmo tempo é necessário ser tão ardiloso a cada passo para que os planos traçados de forma ingênua sobrevivam no meio dos lobos que não raro são aqueles que creem muito profundamente no sentido maior daquilo que fazem – ou descreem por completo de qualquer coisa e portanto não temem nenhuma consequência - são capazes de ser bem sucedidos neste mundo. Não me espanto quando vejo os mais profundos idealistas tornando-se os mais venais cínicos porque na verdade ambos costumam estar tão repletos destas doses elevadas e viciantes de ingenuidade e pragmatismo que uma gota a mais de um ou outro acaba por fazer o equilíbrio transbordar. É verdade que não há canalhas se transformando em paladinos heroicos na mesma proporção que a mudança ao contrário, mas é que aos canalhas falta a ingenuidade e por isto podem se manter estáveis, ainda que sempre ouça relatos de canalhas conhecidos que eram adorados pelos que lhes eram próximos pela suas virtudes pessoais. Enfim, Kurtz me liga naquele momento em que estou mais pronto a segui-lo do que já estive em qualquer outro momento. Não tenho ilusões ou veleidades mais como da primeira vez que o segui. Se o encontrasse no coração das trevas em um trono de marfim cercado por alucinado bando de nativos em êxtase eu só queria ser o bobo da corte que diz as verdades inconvenientes, tão alheio a imbecil rapacidade dos jogos de poder que pode enxergá-la com a clareza de um oráculo sibilino.

Tantas vezes ele chamou e o barco que leva ao Coração das Trevas naufragou tão misteriosamente como o de Conrad que eu mantive o espírito amordaçado, acorrentado e cangado para não alçar voos de esperança daqueles que terminam em desfiladeiros sombrios de frustração. Mas como as cosias ganham sentido quando queremos lá no fundo eu sabia que agora era a hora certa e por aquele sensato fatalismo com o qual adornamos todas as cosias que vão se desfiando caóticas a nossa frente de um sentido maior vou achando muito tautologicamente que havia experiências pelas quais precisava passar. Por quanto tempo vou continuar querendo só o enorme privilégio de continuar pensando, algumas vezes em voz alta, eu não sei. Nada é mais importante que esta maravilhosa condição muito propícia a quem quer estar no mundo sem ser do mundo. Mas no meio de tanto marfim acabamos por esquecer disto muito rapidamente. Enfim, o estoque de ingenuidade está reabastecido para pegar o próximo vapor para o coração das trevas, sem saber se lá é a mais profunda realidade ou a mais absoluta irrealidade. QUINTA-FEIRA, 25 FEVEREIRO, 2010 02:57

Política DT, Política, Joseph Conrad, Fernando Pessoa, Kurtz Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10750


A CONFERÊNCIA II Q U I N T A - F E I R A , 2 0 JU L H O , 2 0 0 6 - 1 5 : 0 5

Comunicação, Pessoal, Poesia, O futuro, Política Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10053


PASSAGENS QUINTA-FEIRA, 11 MAIO, 2 006 - 20:52

Islam, Pessoal, Poesia, Arte, Literatura, O futuro, Sociologia e cia., Filosofia e cia ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10007


HIKMAT WA RAHMAT SEXTA-FEIRA, 25 AGOSTO, 2006 - 17:59

ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10092


experiência, mas espero espelhar-me na sua independência de espírito e julgamento.

OUTRA VISITA DO DJIN Visita esperada “ Tornai-me a aparecer, entes imaginários, que me enchíeis outrora os olhos visionários! Poder-vos-ei fixar?... Tenho inda coração capaz de se render à vossa sedução?... (...) O que foi, torna a ser. O que é, perde existência. O palpável é nada. O nada assume essência.” ( Fausto, Goethe) Houve tempos nos quais podia escrever para outros um texto do qual discordasse, de forma rápida e praticamente indolor. Este exercício foi ficando cada vez mais penoso e embora ainda seja capaz deste ofício de ghost-writer confesso que o resultado é um produto sem alma. Pateticamente percebo que muitos, em especial os clientes, não percebem a diferença. A quase ninguém posso explicar a diferença e a dificuldade de executar estas tarefas hoje em comparação com o passado. Na verdade jamais escrevi aqueles textos, eles eram obra de um djinn escritor que mantive como escravo em uma garrafa por muitos anos e em um momento de grandeza ou fraqueza libertei. Há tempos ele não me faz uma visita, não por descaso ou ingratidão, mas pela multidão de tarefas acumuladas em tantos anos de seu cativeiro. Mas cada vez que ele aparece me inunda de uma sabedoria tão profunda, uma análise tão sagaz e uma sinceridade tão acirrada que me dá remorso tê-lo usado de forma vil em tarefas tão banais. Se um dia eu também for livre como ele sei que não serei tão sábio porque não tenho os milhares de anos da sua

Na última vez que ele apareceu debruçavame sobre um texto árido, daqueles que só com muita dificuldade se consegue encaixar um ou outro oásis sabendo que serão exatamente os oásis os primeiros a ser violentamente podados pelo cliente. Quando a nuvem se materializou naquela enorme figura azinhavrada fui tomado pela saudade dos velhos tempos, quando bastaria incumbir o djinn da tarefa e colher os resultados e elogios. – Assalamu 'alaikum – cumprimentou ele com sua voz de toró. – Alaikum us Salam – cespondi – que bons ventos o trazem? – Só passando para visitar um velho amigo, meu caro – disse ele com uma expressão que deixava claro que a visita tinha um motivo muito diferente. – É um mundo curioso quando ex-escravo e ex-amo podem se chamar de amigos – comentei, já nem tão animado com a visita porque senti nele um ar de recriminação. – Quem anda com um ar de escravo é você, tantas correntes que nem saberia por onde começar se fosse soltá-lo. – É preciso ganhar a vida, você é um djinn, não tem como avaliar com é difícil a vida de um humano, com tão pouco tempo de vida para fazer tantas coisas e ainda assim tendo de ter como preocupação principal a sobrevivência. – Você fez quarenta anos, passou da idade na qual os pecados são pesados com pesos mais leves e você mesmo disse que se a finalidade da vida do homem é enriquecer a memória emotiva de Deus não há pecado pior do que ser chato. – Bom, se estou sendo chato o que você está fazendo aqui, ninguém pediu para você vir aqui se aborrecer e já abri mão do poder de invocá-lo para qualquer coisa – Falei meio sem paciência de ouvir o sermão que eu


sabia por onde andaria e em que destino chegaria.

– Sabe quanto acredito que é o caminho que nos escolhe.

– Lembra quando se mudou para São Paulo e ficava perdido pela cidade a cada vez que ia a um destino diferente porque ao invés de seguir as placas para um local ia a todo momento mudando o trajeto para seguir uma placa para um local diferente, mais próximo ou mais fácil de chegar? Você anda fazendo a mesma coisa com a sua vida.

– Até para que o caminho te escolha deves saber para onde queres ir. Estás sempre mudando de objetivos, sempre alterando as tuas prioridades. O caminho já te escolheu, mas sempre rodas em círculo procurando atalhos.

– Arco com as consequências dos meus erros – disse, em mais uma tentativa de encerrar a conversa.

– Desafios que tu mesmo te colocas por ambição ou vaidade, porque não consegues ficar quieto fazendo o que tens de fazer. Na verdade és quem duvida do poder da palavra que tanto invocas. Deveria ser uma honra e um desafio suficiente trabalhares teu dom, mas estás sempre caçando miragens e trocando o essencial pelo acessório.

– Não consegues decidir se é brâmane, guerreiro, político, monge, escritor, jornalista ou seja lá o que for. Acaba sendo levado pelas circunstâncias e dando muita importância a coisas secundárias, fica cheio destas susceptibilidades que te irritam e fazem tanto mal para você, te distraem do seu trabalho sério. Se a questão fosse só sobreviver seria fácil para você lidar com estas coisas, e eu sei bem como funciona isto porque tenho milhares de anos de escravidão que não quebraram o meu espírito. – Um humano é um humano e um djinn é um djinn! Não venha comparar a sua escravidão à minha porque são coisas diferentes. – Se a tua intenção fosse só ter a tua tranquilidade para fazer as coisas que precisas e sobreviver tudo seria muito mais simples. O problema de verdade é que lá dentro tu és escravo de tuas ambições, não adianta dizer o contrário, tu queres ser grande, mas pelos motivos errados, pelos métodos errados e por causa disto não consegues te engrandecer pelos motivos certos. – Este seu monólogo está irritando, simplesmente ignora o que eu falo e continua com este seu sermão. – Se eu abro espaço desvias o assunto da conversa para o que te interessa e não para o que é importante. Não vais me prender com os grilhões destas tuas falsas questões, já estive acorrentado por séculos demais. O teu problema é apenas escolher o caminho, qualquer outra questão é tergiversação.

– Temos de enfrentar os desafios que se colocam na nossa frente.

– Você faz parecer tudo muito simples, a realidade é mais complicada. -Nem tu mesmo acreditas nisto, é até impiedade falares assim, tu que sempre foste tão protegido – Disse ele com a cara amarrada enquanto sumia no meio da nuvem, me deixando com ainda mais coisas para pensar, mas ao menos com uma boa história para contar no blog com se fosse ficção. SEXTA-FEIRA, 7 NOVEMBRO, 2008 - 15:27

Islam, Comunicação, Pessoal, Literatura, Religião DT Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10740


O QUE ME LEVA A ESCREVER TERÇA-FEIRA, 1 AGOST O, 2006 - 18:28

beijos Referência Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10065


FESTAS É um chavão que remonta aos tempos medievais, reforçado por incontáveis produtos da cultura de massas e contaminado por altas quantidades de conteúdo ideológico, ainda assim há uma enorme dose de verdade na afirmação tão tolstoiana de que há mais alegria de viver entre os mais humildes. Nesta época de festas esta constatação torna-se ainda mais evidente e por mais amplas que sejam as opções de produtos para consumo aos que tem mais recursos, ainda assim fica a sensação de que as mesas mais fartas e felizes estão entre as dos mais pobres. Há um prazer em comer, beber, estar junto que parece esvanecer-se entre os mais ricos. Por mais que este fenômeno se preste às mais variadas manipulações ideológicas de todos os espectros políticos ainda assim é verdadeiro e relevante, basta ver uma festa popular, comer em uma mesa em dia de celebração, ouvir o alegre burburinho. A própria sociabilidade tem uma relação direta com o nível social, paradoxalmente com os dois extremos sendo similares em valores e individualismos exacerbados. Há talvez muitas explicações para isto, nenhuma delas totalmente satisfatórias. A primeira, muito tentadora mas incompleta, diz respeito à tradicional oposição sociológica entre comunidade e sociedade. Em um país como o Brasil, de urbanização recente no qual poucas gerações separam a roça da fábrica, sem dúvida os valores de cooperação rural e da vida comunitária dos povoados e bairros é valorizada como processo necessário à sobrevivência e ao enfrentamento das múltiplas dificuldades e necessidades. No sentido inverso também é relevante certa solidariedade proletária que a disciplina e a divisão extrema do trabalho no

chão de fábrica impõe e que acaba se introjetando em um conjunto de valores. A despeito de alguma mistificação, feita com a preocupação especial de anular as individualidades, as qualidades do “homem novo” da análise marxista original e do que havia de original no Realismo Socialista – antes dele tornar-se mero rótulo de arte ruim e propaganda stalinista – não deixam de ser em grande parte verdadeiras. Em algum momento da minha vida eu perdi o gosto da sociabilidade, da convivência, aquele alegre burburinho foi se tornando opressivo. Não tento racionalizar esta aversão a estar na multidão, até porque isto implicaria em não ver a natureza positiva desta alegria, a força desta solidariedade que ao menos em alguns momentos se demonstra tão importante até para a sobrevivência de tantos grupos sociais – e lembro-me aqui em especial da cena final e de algumas outras cenas d´As Vinhas da Ira e das afirmações, mais concretas e realistas, de que nas favelas não se morre de fome porque há sempre solidariedade. Assim se me tornei um “homem societário” para o qual todas as relações que não são impessoais são muito difíceis, eloquente quando fala em abstrato para um público coletivo indefinido mas quase mudo quando se trata de debater questões pessoais por mais importantes que sejam, invejo – e a inveja é a forma mais profunda de admiração - esta sociabilidade fácil, esta comunicação fluida e esta alegria barulhenta que sobrevive ainda a todas as dificuldades e distâncias da vida moderna. Nada é mais triste do que a multidão de anônimos sozinhos e apressados passando pelo centro de São Paulo. Enquanto este sentimento de comunidade – ou o nome que se der a isto – persistir o povo não vai se dissolver na massa, vai conseguir não só sobreviver às dificuldades, mas ter aquela alegria que é fundamental para sonhar e ter esperança. Não pode


existir outra fonte de vitalidade para a modernidade. SEXTA-FEIRA, 28 DEZE MBRO, 2012 - 18:31

Sociologia e cia. DT, Comunidade e Sociedade ReferĂŞncia Original: www.poderdapalavra.com.br/porta l/10780


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