Sumário 07 13 21
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Toda Drag Queen é homossexual?
Representatividade
Entrevista: Lorelay Fox
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Miss Biá
Preconceito sofrido pelas Drag Queens
Arte Drag na Pandemia
“Onde eu estiver, a mais velha sempre sou eu. Porque não tem ninguém antes de mim. E ainda ativa” – Miss Biá
Miss Biá
A Primeira Drag
E
Queen Brasileira
duardo Albarella, mais conhecido como Miss Biá, foi uma das drags queens pioneiras no Brasil e era respeitada dentro e fora dos palcos das casas noturnas paulistanas em que subiu aos 21 anos e permaneceu por quase seis décadas. Em uma entrevista concedida ao portal G1, em 2017, Biá contou que decidiu se montar de drag queen pela primeira vez após assistir a um show de cabaré quando ainda trabalhava como office boy. A inspiração para o nome artístico “Biá”, que já era seu apelido, veio de uma música de Carmem Miranda, enquanto seu visual foi uma homenagem à atriz Gina Lollobrigida, que foi sucesso nos anos cinquenta. Sua primeira apresentação foi na extinta boate hétero (naquela época, não existiam boates LGBTQI+) La Vie, em Rose, na região conhecida como "Boca do Lixo", no centro de São Paulo.
Naquela ocasião, cantou uma música de sua própria autoria no primeiro show de “transformistas” do estabelecimento. Miss Biá chegou a ser, por longo de 30 anos, maquiadora e figurinista da apresentadora Hebe Camargo e esta relação fez com que, inevitavelmente, Miss Biá começasse a interpretar a apresentadora durante seus próprios shows na boate Nostro Mundo, no bairro da Consolação. Em seu próprio sofá, ela entrevistou nomes como Ney Matogrosso, Paulo Autran, Wanderléa, Zezé Motta e Cláudia Raia. Miss Biá foi responsável por proteger as colegas das operações contra a população trans feitas a mando do delegado José Miguel Richetti na década de 1980. Albarella então teve uma ideia, e convidou Richetti para assistir a um espetáculo, e ele gostou tanto que mandou ninguém mexer com as meninas da Biá. Antes da pandemia, Albarella era visto nos palcos da boate Danger. No final de maio, sentiuse mal, passou a ter dificuldades para se alimentar e foi internado, mas não resistiu às complicações da Covid-19 e a estrela dos palcos paulistanos, aos 80 anos, morreu no dia 3 de junho de 2020.
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“Se fosse só bonita, há 30 anos já tinha parado.
Duas coisas: se você tem talento e se tem glamour, meu bem, não tem quem derruba. Modéstia à parte, eu digo até com orgulho: eu sou uma velha glamurosa”
– Eduardo Albarella
Toda Drag Queen é Homossexual? “Drag queen não é uma ex-
pressão de gênero. Quando a gente fala de expressão de gênero, a gente fala de uma coisa que vive no nosso dia a dia, as drags não vivem de drags no seu dia a dia. É um personagem e gênero não é personagem. Eu me monto assim para performances artísticas
”
Drag Queen é uma expressão artística, independente da identidade de gênero ou orientação sexual. Drag Queens são a exacerbação do lado feminino de homens que encontraram na arte uma forma de expressão e aceitação.
Mesmo que sejam categorizados como transformistas, ou ainda, homens que se vestem de mulher, ambos estão inseridos em meios sociais distintos, uma vez que as drag queens atuam sob um conceito mais flexível É fundamental de travestismos. diferenciarmos drag Embora sejam queens de travesti. atores transformistas,
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“Estar em drag
é uma forma de expressão, uma forma de arte” – Rita Von Hunty
as drags diferem-se dos travestis por andarem, em seu cotidiano, vestidos de homens, exercendo também profissões diversas, enquanto os travestis utilizam próteses de silicone e hormônios na constiuição de seus corpos femininos, permanecendo travestidas em seu cotidiano, e não
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o fazem de maneira exagerada e caricata, como as drags. Apesar de socialmente associada à comunidade gay, a arte drag não tem a ver com gênero ou sexualidade. Um homem hétero pode se montar para fins artísticos e mulheres, gays ou não, também.
SEXUALIDADE E GÊNERO Drag Queen é uma expressão artística independente de identidade de gênero ou orientação sexual. Entenda.
Drag Queen
King
Expressão artística que envolve a construção de um "personagem". Homem com figurinos femininos são comuns, mas há mulheres que se vestem de homens (drag kings).
Identidade de Gênero Cisgênero
Fluído
Transgênero
Gênero com a qual a pessoa se reconhece. Transgênero: não se identifica com o gênero dado ao nascer. Cisgênero: se identifica com o gênero atribuído. Fluido: não se reconhece com nenhum gênero ou transita entre eles.
Orientação Sexual Heterossexual
Bissexual
Homossexual
Indica por quem a pessoa a pessoa sente atração afetiva, amorosa e/ou sexual. Pode ser pessoas do sexo oposto (heterossexual), do mesmo sexo (homossexual), todos (bissexual) ou nenhum (assexual).
Genitália Pênis
Intersexo
Vagina
Conjunto dos órgãos reprodutores, especialmente dos órgãos sexuais externos
Expressão de Gênero Feminino
Andrógina
Masculina
Forma como a pessoa expressa seu gênero para a sociedade, por meio de roupas, acessórios e linguagem corporal.
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Fonte: Portal G1
O PRECONCEITO SOFRIDO PELAS DRAG QUEENS As Drag Queens continuam a gerar comentários recheados de ódio, de preconceito e, acima de tudo muita ignorância. Engana-se quem pensa que a arte Drag se limita a homens vestidos de mulheres, indo além, também, de se maquiar e se cuidar. A ideia contemporânea da expressão artística, na verdade, quebra os padrões de gê-nero. Mesmo que artistas mais conhecidas como RuPaul, Gloria Groove e Pabllo Vittar tenham mais espaço na mídia, isso não significa que elas sejam as únicas que merecem nossa atenção.
é ser feminino. Esse é um meio predominantemente masculino e, apesar disso, mulheres estão dando a cara a tapa para que seus trabalhos também sejam reconhecidos. Contudo ainda há muito preconceito: muitas pessoas alegam que elas não podem ser drag queens porque é uma apropriação cultural ou que estão tentando roubar o lugar de homens gays. O
Algumas pessoas defendem que essa arte é um ato político e há outras que alegam que é um reforço do estereótipo do que
A imagem acima mostra uma criança que aprova e defende o projeto de leitura com as drag queens, enquanto a imagem ao lado representa manifestantes contra o projeto.
Landon Cider é uma Drag King, na qual mulheres se vestem de homens.
que essas mulheres alegam é que querem ser livres para fazerem o que desejam, se expressarem através dessa arte e desafiarem os estereótipos de gênero que lhes foram impostos desde que nasceram. Elas enfrentam preconceitos, falta de oportunidades de trabalho e assédio de pessoas que alegam que mulheres não podem ocupar esse espaço. Exemplo disso são os Drag Kings: em geral, mulheres cis ou trans, que personificam uma identidade mais masculina para compor um personagem. Apesar de bem menos conhecidos, os artistas fazem parte da mesma cena das Drag
Queens e têm chamado cada vez mais atenção. Existe o preconceito que consiste na associação entre a orientação sexual e está profissão, muitos ainda consideram que todas as drags são homossexuais. Mais uma vez estão enganados, nem todas as drags são homossexuais, apesar de muitas o serem, as drags podem ser de várias orientações. Mas, é neste prisma que se encontra o motivo para os comentários, para as atitudes e comportamentos violentos da sociedade em relação ao transformismo, presente em termos com “traveca” entre outros, mas o pior é quando
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as palavras passam à violência, tivos, divertir o seu público, pondo em risco a integridade criticar a política e sociedade destes artistas. contra a discriminação, lutar Em Portugal, o preconceito pela igualdade e desconstruir é uma realidade ainda muito os ideais de género. Podem, por presente, muitos ainda asso- isso, ser considerados ativistas ciam o transformismo e as da comunidade LGBT. Assim pessoas drag (queen e king) à sendo, esta atividade não tem prostituição. Não podiam estar nada que ver com a prostituição. Essa ideia é só uma forma de mais enganados. denegrir estes artistas. As drag Queen são artistas Mais uma vez estão preque se travestem de forma exagerada, irreverente, por ve- sentes os direitos humanos e a zes misturando elementos mais necessidade de respeitá-los e masculinos. Têm como obje- lutar por eles.
“Ser Drag é resistência, sim.
É uma arte que quebra padrões e veio para resistir e existir. O momento é de botar a cara a tapa, de mostrar a diversidade. Quanto mais artista LGBT Q+ vier, mais a gente vai unir forças e lutar.”
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– Lia Clark
REPRESENTATIVIDADE E
m um mundo em que a comunicação avança em todos os quesitos, é necessário que mesma avance em divulgar a diversidade. Considerando a comunidade LGBTQIA+, esse processo de divulgação vem com muitos estereótipos e preconceitos, tendo em vista a quebra dos valores sociais pautados pela democracia e pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
drag representava a ruptura dos padrões socialmente estabelecidos pelas elites, entretanto no cenário atual, o surgimento de diversos artistas Drag Queens possibilitou uma ressignificação do termo tratado. Nesse contexto, a forma de divulgação das empresas de comunicação foi também alterada com o tempo e atualmente enaltece esses artistas.
Historicamente a arte Drag foi representada de maneira ruim pelas mídias, onde ser
Apesar do avanço, os estereótipos ainda são muito presentes e alguns veículos ainda
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não sabem como tratar a questão de sexualidade e identidade de gênero da maneira correta, podese verificar diversos registros com termos ou sentenças preconceituosas. É bom ressaltar que tudo é um processo, inclusive a desconstrução, portanto é de extrema importância entendermos que as mídias de comunicação também estão nesse ciclo e exige tempo para se adaptar. A internet é um espaço público que explana e cobra opiniões das pessoas, no contexto da comunidade LGBTQIA+ há uma oposição de comentário, enquanto um dos lados apoia o outro é mais conservador e repreende.
Os veículos de comunicação funcionam dessa mesma maneira, a circunstância inserida ou é conservadora ou liberal, ou seja, deve-se conscientizar toda a população pois é a mesma que influencia os canais de divulgação. É inegável o atual “boom” das drag Queens e questiona-se como isso ocorreu. A partir da maior divulgação dessa arte referências mundiais foram estabelecidas como a RuPaul, apresentadora do programa RuPaul’s Drag Race. No Brasil, o estrondoso e poderoso surgimento de Pabllo Vittar concedeu o ponta pé inicial para o reconhecimento, atualmente diversas artistas drag fazem sucesso.
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Rita von Hunty (nome artístico de Guilherme Terreri) é um professor, ator, youtuber, comediante e drag queen brasileiro.
Jaide Essencial Hall Vencedora da 12ª temporada do RuPaul´s Drag Race, em uma final disputada por meio de uma videoconferência, devido a pandemia do coronavírus.
ARTE DRAG NA
PANDEMIA
Habituada a superprodução e performances, Lorelay Fox conta como está lidando com a quarentena.
U
ma Drag Queen é uma diva. Vestir-se assim é uma arte performática, um tipo de transformação que envolve figurino, maquiagem e uma mise-en-scène glamourosa para dar vida a personagens poderosas. Em tempos de pandemia, porém, com casas de shows fechadas e muita gente passando a quarentena mundo afora de pijama, a arte drag precisou se adaptar para longe dos palcos. Nos últimos dias de maio, por exemplo, a final do reality show RuPaul’s Drag Race (concurso valendo o título de Drag Queen Superstar, liderado pela drag americana RuPaul), foi feita por videoconferência. Isoladas, as finalistas foram desafiadas a gravar performances criativas no conforto do lar. Jaida Essence Hall, que saiu vitoriosa na temporada, desperta, tira o robe flanelado e dança ao lado do sofá da sala,
entre almofadas e uma mantinha listrada ao som de "Get Up". Essa é a vibe. No Brasil, enquanto tramita o projeto da lei Aldir Blanc no Senado, que visa destinar R$3 bilhões para o setor cultural afetado pela pandemia do novo coronavírus, artistas seguem se reinventando. A Tpm conversou com Lorelay Fox, Satine, Loulou Callas e Ruda Puda para entender como as drag queens estão lidando psicológica, física e financeiramente com a quarentena. Como no teatro, na música ou em qualquer outra vertente artística, ser uma drag queen requer preparo e conhecimento. E é para acessibilizar essa arte e potencializar seu alcance, que vem aí a “Escola de Drags – Ano II”. Produzido pela Dan Território em parceria com as drag queens baianas Aimée Lumiére e Spadina Banks, o projeto é gratuito e tem
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Aimée Lumiére e Spadina Banks, precursoras do projeto "Escola de Drags: Ano II" inscrições abertas para uma série de atividades on-line sobre as ferramentas de construção de uma drag queen. O projeto rememora a experiência iniciada em 2016, que aconteceu na execução do projeto Beco Ocupado, realizado pelo coletivo Teatro da Queda. Nesta segunda edição, serão seis módulos, desenvolvidos em dois meses de aulas, de forma remota, via plataforma Zoom. Além de formação artística, as atividades trabalharão também a formação teórica e política, passando pela história da arte drag e sua importância no cenário político LGBT+ mundial, e chamando atenção também para o fomento do empreendedorismo dessas artistas nas áreas de entretenimento e arte. Além de Aimee Lumiere e Spadina Banks,
o projeto convida também as artistas Bia Mathieu e Malayka SN, todas expoentes da crescente cena drag soteropolitana. A Escola de Drags – Ano II tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e do Centro de Culturas Populares e Identitárias (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultural do Ministério do Turismo, Governo Federal.
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LORELAY FOX M
inha rotina estava bem doida no início do isolamento. Mas já estamos caminhando para três me-ses de quarentena, as coisas já entraram no eixo e esse é o ‘novo normal’. Acordo mais cedo, tomo café e procuro trabalhar já de manhã. À tarde, tento ler um livro e tomar um sol. À noite, assisto séries. Nos dias em que pre-ciso produzir conteúdo e me montar, é o dia todo para is-so: acordo, arrumo cenário, ajusto câmera, gravo dois, três, quatro vídeos, lives, entrevistas. Antes, eu me montava para sair de casa também, para palestras ou jobs uma ou duas vezes por semana. [...] Tenho passado meus dias mais como Danilo, o que ajuda minha pele a sobreviver.
LOREL AY FOX E é legal gravar como Danilo, um outro lado que gosto para mostrar ‘quem está por trás da drag’. Sempre gostei de ficar em casa, tenho essa sorte para lidar com o fato de estar morando sozinho na pandemia em São Paulo. Mas faz falta sair. [...] Nesses momentos, a gente também percebe a diferença que a gente faz. Tenho recebido mensagens dizendo que eu sou a única companhia na quarentena. Dias desses recebi mensagem de um cara de 40 anos contando que ele não tem amigos, está isolado sozinho e agora acompanha meus vídeos, minhas lives. Sei que parece superficial ‘ah, sou a blogueira que está com você
no dia a dia’. Mas são vidas de verdade, tem gente que está sofrendo. LGBTs já são muito marginalizados e muitas vezes não se sentem confortáveis dentro da própria casa, com agressões físicas, psicológicas e verbais. E é uma via de mão dupla: as pessoas não fazem ideia do quanto elas me fazem companhia também. Não sei se saberia lidar com o fato de estar morando sozinha, longe da minha família, sem poder ver amigos, se não tivesse as redes sociais. Sempre que estou sozinha, abro o Instagram, converso, faço uma live. Às vezes estou muito desanimado, mas sei que na hora da live eu vou me animar. Esse é
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um dos momentos que a gente consegue se enxergar como comunidade LGBT. A gente tá junto. A gente se vê um no outro, a internet é maravilhosa por causa disso. [...] Quanto tudo isso passar, a primeira coisa que vou fazer é almoçar na padaria, depois viajar para ver meus pais e sair pra balada. Quero ir para uma balada ‘montada’: Lorelay precisa ser vista ao vivo de novo.
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LORELAY FOX LORELAY FOX LORELAY FOX 34 anos, youtuber paulista, foi consultora do programa Amor & Sexo (Globo) e coautora do livro "Over the rainbow: um conto de fadxs" (Planeta)
Ser Drag é Arte!