dezembro/2018
no 24
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ano II
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ISSN 2526-9577
www.zkeditora.com/pratica
Princípio constitucional da presunção de inocência: Uma análise crítica do seu conteúdo, alcance e desafios para concretização Processos e Procedimentos
Vade Mecum Forense
Know How
O princípio da independência das instâncias na apuração das infraçõescrime, e a comunicabilidade obrigatória da absolvição judicial na administração
Os limites da condução coercitiva como medida cautelar diverso da prisão
As repúblicas na história do Brasil. 129 anos de política conveniente e jeitosa. Ministério Público Republicano em prol dos Direitos Humanos
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Jorge Cesar de Assis
Abadio Souza e Silva
Cândido Furtado Maia Neto
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EDITORA E DIRETORA RESPONSÁVEL: Adriana Zakarewicz
À frente dos grandes temas jurídicos
Ivan Barbosa Rigolin
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ano II
novembro de 2018
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nº 23
Responsabilidade do parecerista. O parecer normativo Pág. 86
ISSN 2526-8988
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Primeiras impressões sobre o crime de importunação sexual e alterações da Lei nº 13.718/18 IN VOGA
TENDÊNCIAS
ENFOQUE
João Badari
Demócrito Reinaldo Filho
Sandra Franco
Os perigos de uma Reforma da Previdência em retalhos
EUA se preparam para aprovar lei sobre proteção de dados pessoais semelhante à europeia?
Sob pressão: propostas do novo governo para a Saúde
Conselho Editorial: Almir Pazzianotto Pinto, Antônio Souza Prudente, Esdras Dantas de Souza, Habib Tamer Badião, José Augusto Delgado, José Janguiê Bezerra Diniz, Kiyoshi Harada, Luiz Flávio Borges D’Urso, Luiz Otavio de O. Amaral, Otavio Brito Lopes, Palhares Moreira Reis, Sérgio Habib, Wálteno Marques da Silva Diretores para Assuntos Internacionais: Edmundo Oliveira e Johannes Gerrit Cornelis van Aggelen Colaboradores: Alexandre de Moraes, Álvaro Lazzarini, Antônio Carlos de Oliveira, Antônio José de Barros Levenhagen, Aramis Nassif, Arion Sayão Romita, Armand F. Pereira, Arnoldo Wald, Benedito Calheiros Bonfim, Benjamim Zymler, Cândido Furtado Maia Neto, Carlos Alberto Silveira Lenzi, Carlos Fernando Mathias de Souza, Carlos Pinto C. Motta, Décio de Oliveira Santos Júnior, Eliana Calmon, Fátima Nancy Andrighi, Fernando Tourinho Filho, Fernando da Costa Tourinho Neto, Georgenor de Souza Franco Filho, Geraldo Guedes, Gilmar Ferreira Mendes, Gina Copola, Gustavo Filipe B. Garcia, Humberto Theodoro Jr., Inocêncio Mártires Coelho, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Ivo Dantas, Jessé Torres Pereira Junior, J. E. Carreira Alvim, João Batista Brito Pereira, João Oreste Dalazen, Joaquim de Campos Martins, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, José Alberto Couto Maciel, José Carlos Arouca, José Carlos Barbosa Moreira, José Luciano de Castilho Pereira, José Manuel de Arruda Alvim Neto, Lincoln Magalhães da Rocha, Luiz Flávio Gomes, Marco Aurélio Mello, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Mário Antonio Lobato de Paiva, Marli Aparecida da Silva Siqueira, Nélson Nery Jr., Reis Friede, René Ariel Dotti, Ricardo Luiz Alves, Roberto Davis, Tereza Alvim, Tereza Rodrigues Vieira, Toshio Mukai, Vantuil Abdala, Vicente de Paulo Saraiva, William Douglas, Youssef S. Cahali. Arte e Diagramação: Augusto Gomes Revisão: Equipe ZK Marketing: Diego Zakarewicz Comercial: André Luis Marques Viana Central de Atendimento ao Cliente Tel. (61) 3263-1362 Home-page: www.zkeditora.com/pratica
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Redação e Correspondência artigos@zkeditora.com.br Revista Conceito Jurídico é uma publicação da Zakarewicz Editora. As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos seus autores e não refletem, necessariamente, a posição desta Revista. Anúncios publicidade@zkeditora.com.br Todos os Direitos Reservados Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo.
por
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
PRIMEIRA PÁGINA
Maria Paula Dallari Bucci
A educação como política de Estado
A
disputa partidária pelo Ministério da Educação lamentavelmente derrotou a visão da educação como política de Estado. Ficou vencida a ideia inicial do presidente eleito, correta, de nomear um Ministro com perfil técnico, como era ocaso de Mozart Neves Ramos, que chegou a ser anunciado em 22/11. Um técnico é alguém familiarizado com o universo educacional e principalmente com os desafios de gestão próprios do campo. Como o Brasil é uma federação, a política de educação depende de uma articulação nacional, em que a execução está a cargo dos revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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PRIMEIRA PÁGINA Estados e Municípios, onde estão os professores, as redes e a maioria dos estudantes da educação básica. Há muito tempo o Brasil se pergunta por que nossos caminhos educacionais são distintos de outros países que, saindo de níveis baixos como os nossos, conseguiram ultrapassá-los, como é o caso da Coréia ou da Irlanda. O que alguns não perceberam é que o Brasil já deu os primeiros passos para isso. E não foram pequenos, nem estiveram na conta de um ou outro governo apenas.Interromper essa trajetória é recuar algumas décadas. O entendimento da educação como pauta suprapartidária começa na Constituinte, que tratou das questões estruturantes e estabeleceu, no art. 205, que a educação visa o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” As Emendas Constitucionais nºs 14, de 1996, 53, de 2006, e 59, de 2009, aprovadas em diferentes gestões, organizaram com mais clareza as competências federativas. Esse esforço foi complementado pelos Planos Nacionais de Educação, cada um precedido de 4 anos de debates parlamentares e audiências públicas. O primeiro, de 2001, e o segundo, a Lei nº 13.005, de 2014, ainda em vigor, estipulam metas e estratégias que orientam os educadores sobre os resultados a perseguir e a coordenação dos meios para tanto. Essa legislação previu, entre outras coisas, a obrigatoriedade da avaliação, cuja face mais conhecida é o IDEB – Indice de Avaliação da Educação Básica. Foi um grande avanço para o Brasil estabelecer uma referência de fácil compreensão para medir a evolução real das redes educacionais. Mas foi necessário um trabalho prévio, de pactuação de um calendário e a realização de provas nacionais, com a adesão dos entes federativos. Sem a ampla participação e sem o rigor técnico das medições não se teria a credibilidade necessária para legitimar a cobrança que a sociedade passou a fazer sobre seus governantes em matéria de educação. Esse é apenas um exemplo das medidas em que o Brasil concretamente avançou no campo educacional, apoiada num trabalho a muitas mãos, das forças políticas em conjunto, nos últimos 30 anos. Um efeito positivo desse trabalho é a melhoria consistente do IDEB dos anos iniciais da educação fundamental, que indica que há um bem caminho definido e que ajustes pontuais não devem abalar a estruturação essencialmente técnica e pautada em práticas consagradas internacionalmente. Isso está em risco quando um grupo político, apoiado no resultado eleitoral, pretende impor sua visão particular às práticas educacionais no país. Em nome da “escolas em partido”, escancarada e perigosa partidarização da educação. Isso, além de contrariar a Constituição, joga por terra um investimento de longo prazo já feito e um trabalho em curso para qualificara cidadania e o capital humano, sem o qual o Brasil carecerá do insumo mais importante para o seu desenvolvimento. Maria Paula Dallari Bucci é Professora da Faculdade de Direito da USP. Foi Secretária de Educação Superior e Consultora Jurídica do MEC.
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revista PRÁTICA FORENSE - nº 24 - DEzembro/2018
O Amor e a Felicidade se encontrarão; a Justiça e a Paz se abraçarão. (Salmos 85-10)
sumário
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Especial Princípio constitucional da presunção de inocência: Uma análise crítica do seu conteúdo, alcance e desafios para concretização
Primeira Página A educação como política de Estado
Guilherme de Sousa Rebelo e Gerson Faustino Rosa
Maria Paula Dallari Bucci
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Violência de gênero e o Direito Penal. Os ditames internacionais e o paradoxo da (in)eficácia do direito penal brasileiro
Destaque Os limites da Inteligência Artificial Felipe Rodriguez Alvarez
Questões de Direito
Saulo Matheus Tavares de Oliveira
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Saiba Mais Livre iniciativa e empacotamento de compras
70
Daury Cesar Fabriz e Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira
Gestão de Escritório Para melhorar a gestão jurídica é preciso aposentar o e-mail Adriana Bombassaro
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Provas e Concursos A importância do inglês jurídico para o operador do direito Aline Pretel Giusti
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Know How As repúblicas na história do Brasil. 129 anos de política conveniente e jeitosa. Ministério Público Republicano em prol dos Direitos Humanos Cândido Furtado Maia Neto
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Fichário Jurídico Novos valores da lei de licitações, que valem apenas para os contratos iniciais Ivan Barbosa Rigolin
86
Casos Práticos
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Falsos médicos: fraudes e crimes contra a vida
Direito e Ficção “Extinção, 2018”: Direitos Humanos no Cinema. [Spoiler]
Sandra Franco
Alexsander Carvalho
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Direito Ambiental Devolução de embalagens e mercadorias ao exterior causa prejuízo a importadores. Polêmica decorre da interpretação e aplicação da Instrução Normativa 32/2015 do Ministério da Agricultura
92
Enfoque A Justiça está submetida à lei ou ao povo? Allan Titonelli Nunes
Maicon Carlos Borba e Rafael Ferreira Filippin
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Painel Universitário
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Os limites da condução coercitiva como medida cautelar diverso da prisão
Sistema governamental brasileiro, escolhemos o correto?
Abadio Souza e Silva
Gabriel Vieira Dacoregio
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Expressões Latinas
Vade Mecum Forense
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Processos e Procedimentos O princípio da independência das instâncias na apuração das infraçõescrime, e a comunicabilidade obrigatória da absolvição judicial na administração
Damnum emergens et lucrum cessans Vicente de Paulo Saraiva
Jorge Cesar de Assis
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Prática de Processo O crescimento da mediação e a importância das cláusulas escalonadas Gustavo Milaré
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Espaço Aberto Judiciário “engarrafado” Hugo Filardi
DIVULGAÇÃO
ESPECIAL
Princípio constitucional da presunção de inocência: Uma análise crítica do seu conteúdo, alcance e desafios para concretização por
Guilherme de Sousa Rebelo e Gerson Faustino Rosa
“
O reconhecimento da presunção de inocência é uma grande conquista da humanidade e essencial na efetivação do Estado Democrático de Direito. Todavia, embora sua positivação na maioria dos países democráticos e no Direito Internacional, a efetividade de sua proteção ainda precisa ser consolidada, o que depende da superação de diversas situações que violam seu conteúdo.
”
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A
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 modificou profundamente o pensamento e o ordenamento jurídico brasileiro ao trazer como fundamental a busca pelo Estado democrático de Direito e o respeito à dignidade da pessoa humana, constando em seu texto extenso rol de direitos e garantias fundamentais. Dentre esses destacam-se os princípios constitucionais penais e processuais penais, que protegem o cidadão limitando o poder estatal e criando instrumentos para garantir o devido processo legal. Insere-se, nesse contexto, o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, previsto no artigo 5º, LVII, da Carta Política, o qual prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Hodiernamente, com a crise instalada na segurança pública e no campo político, há uma demanda da sociedade de respostas governamentais para o contorno da situação. O Poder Judiciário não está imune. Observa-se que existe uma pressão social para que o Judiciário seja mais severo em suas sentenças e, no caso específico do Superior Tribunal Federal, para que fixe em repercussão geral, vinculando as demais instâncias, entendimentos mais punitivistas, em detrimento de direitos e garantias constitucionais. O objetivo deste trabalho é analisar de modo crítico, sem a pretensão de esgotar a matéria, qual o conceito, o conteúdo, o alcance, tanto penal, quanto extrapenal, e a importância da presunção de inocência para a proteção do cidadão e da garantia de um processo penal democrático e humanista. Além disso, busca-se analisar mediante o diálogo com outros institutos jurídicos, casos políticos e decisões judiciais, situações que apresentam risco a concretização presunção de inocência, entre elas a inércia do legislador em superar o atual Código de Processo Penal de bases fascistas, a atuação da mídia, que condena socialmente o acusado antes de qualquer processo judicial e a execução provisória da pena, alvo de constante mudança jurisprudencial na Suprema Corte. Para tanto, empregar-se-á os métodos lógico-dedutivo e indutivo-argumentativo, por meio de análises qualitativas de bibliografia nacional, textos legais e decisões dos tribunais. O primeiro capítulo buscará, a partir de uma breve revisão histórica do surgimento e desenvolvimento do princípio, demonstrar sua importância para a concretização do Estado democrático de Direito e para o respeito à Dignidade da Pessoa Humana. Também, buscará identificar correntes históricas não democráticas ainda presentes no meio jurídico, que devem ser rechaçadas para a intepretação do comando constitucional. O segundo capítulo estudará o conteúdo da presunção de inocência para demonstrar seu alcance na área Penal, Processual Penal e extrapenal. Trabalhará, de modo crítico, a incidência da presunção de inocência como norma probatória, de juízo e de tratamento e as consequências de cada uma para a situação do réu e do curso da persecução criminal. Por fim, o terceiro capítulo trará uma reflexão sobre os desafios para a efetiva concretização da presunção de inocência como garantia fundamental, abordando aspectos que limitam sua aplicação e proteção, como o uso da prisão preventiva para fins de prevenção e sua decretação indiscriminada com fundamento na ordem pública, a afirmação do suposto princípio do in dubio pro societate, a atuação irrestrita da mídia, a inércia legislativa e a execução provisória da pena. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL
BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Da evolução histórica da presunção de inocência No Direito Romano é possível se observar uma evolução no entendimento do princípio de acordo com as mudanças das formas de governo e Estado. Em um primeiro momento, no Período Comicial, com governo imperial, havia confusão entre direito e religião vigorando uma espécie sistema inquisitivo. Nesse período a culpa era formada antes mesmo do início do processo, podendose dizer que o processo se iniciava com um resultado certo, a condenação. Era comum a prática de interrogatórios sigilosos com emprego de tortura, a prisão provisória obrigatória ou de acordo com a conveniência do magistrado e o julgamento sem o conhecimento da acusação pelo réu1. Ainda no Período Comicial, com o surgimento da República, há uma mitigação no poder ilimitado do magistrado, passando as decisões judiciais a serem confirmadas pelo povo romano reunido em assembleias, um tipo de júri. Além disso, houve restrições progressivas à prisão provisória e a concessão de direito de defesa ao réu2. Embora não haja registro histórico preciso, parte dos autores entendem que há resquícios da presunção de inocência ao se exigir maioria dos votos para a condenação, levando a conclusão de que o empate favoreceria ao réu3. Por fim, na última fase da República Romana, surge o processo acusatório, com aumento das garantias ao réu, principalmente com o conceito de legalidade penal e a proibição da tortura. Com relação ao julgamento, houve a divisão entre julgador e acusador, sendo o primeiro proibido de questionar as testemunhas. O direito ao contraditório era garantido. De acordo com textos da época, a formação da convicção dos jurados era pautada na presunção de culpa, sendo o julgamento a oportunidade de a defesa provar a inocência. Todavia, fortalece-se a ideia de que o empate na votação importaria na absolvição do réu. Assim, havia uma coexistência entre presunção de culpa e o in dubio pro reo4. Todavia, com ascensão do Período Imperial, renasce o sistema inquisitivo, no qual a condenação criminal era utilizada como uma demonstração de força do governante e instrumento de controle social. Nesse período há o recrudescimento da prisão preventiva como forma de antecipação da pena e a prática da tortura torna-se uma regra. O que antes se aplicava apenas aos escravos, evolui para todas as classes sociais, culminando em um momento em que era empregada até contra as testemunhas. Nas palavras de Maurício Zanoide a tortura passou a ser: o “meio mais eficaz” e corriqueiro de se instruir uma causa, pois por meio dela, para além de se verificar a fidedignidade de uma versão, pode-se mais facilmente construir a versão que se deseja. No mais das vezes, aquela com a qual o magistrado já assumiu compromisso (íntimo ou público) no início do julgamento, ao deduzir a acusação5.
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revista PRÁTICA FORENSE - nº 24 - DEzembro/2018
Dessa forma, ainda que identificados certos traços do princípio, é certo que sua evolução conceitual e sua aplicação foram completamente durante a Idade Média, com o desenvolvimento de um sistema inquisitivo ainda mais cruel6, período que ficou conhecido como Idade das Trevas. No período inicial da Idade Média, denominado Alta Idade Média, convém destacar a total ausência da presunção de inocência, principalmente com o uso das ordálias pelo direito consuetudinário dos povos invasores, entre eles germanos, francos e anglo-saxões, e dos senhores feudais7. Nesse sistema havia o chamado “Juízo de Deus”, no qual o acusado teria sua culpa expurgada por Deus caso inocente mediante participação em provas físicas ou combate. Explicando sobre o instituto, aponta Marcelo Ferrasin que: a culpabilidade em um litígio era atribuída à parte que sucumbia ao teste físico – por uma queimadura na mão, no ordálio da água fervente e no ordálio do ferro em brasa; pelo fato de não afundar, após ser lançada em uma piscina, como se tivesse sido rejeitada pela água, no ordálio da água fria; a derrota no duelo judiciário, entre outras formas. [...] Outra forma de “juízo de Deus” foi o duelo da cruz [...]. A prova tinha como função purgar as acusações, de laicos e eclesiásticos, por um duelo, em que acusado e acusador permaneciam com os braços esticados em forma de cruz, sendo que o primeiro que deixasse seus braços caírem era o culpado8.
Posteriormente, no período da Baixa Idade Média, ocorre a consolidação de formas de governo com poder hereditário e a ascensão do domínio da Igreja Católica, que tornou o Direito Penal um grande aliado contra aqueles que não professavam sua fé ou cometiam os pecados mais graves, os hereges9. Nasce, assim, o sistema processual inquisitório católico, caracterizado pelo poder da autoridade iniciar a ação penal de ofício, de escolher as provas necessárias e empregar o procedimento sigiloso, que visava a confissão do réu, considerada a rainha das provas10. O pecador e o criminoso são considerados inimigos, o que torna a presunção de culpa a regra norteadora do sistema. A presunção decorria do dogma católico, no qual o homem é pecador inato, sendo a culpa intrínseca à sua alma. Assim, o processo nascia com resultado pré-fixado, sendo a absolvição rara exceção. A extensão da presunção de culpa pode ser visualizada sobre dois pontos: a possibilidade de condenação com provas precárias ou a redução da pena diante da falta de provas plenas, afastando-se a absolvição. Com efeito, vigorava o entendimento de que nos “crimes mais atrozes, geralmente os mais difíceis de apurar, ficava liberto das regras legais sobre as provas necessárias, e podia condenar com base em elementos precários”11. E, caso a prova fosse “semiplena, indiciário ou por presunção, haveria uma redução da pena, em decorrência da menor demonstração de culpabilidade, não uma declaração de inocência”12. A tortura foi oficializada e regulada nesse período e usada como meio de confissão, considerada a prova cabal. O julgador escolhia a pessoa a ser torturada, qual o método de tortura empregado, sua intensidade e duração. Explica Zaffaroni sobre o método da tortura: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL o sujeito de conhecimento – inquisidor (interrogador ou investigado) – pergunta ao objeto de conhecimento – inquirido (interrogado ou investigado) – e deste modo obtém a verdade. Se o objeto não responde o suficiente ou o faz sem a clareza ou a precisão demandada pelo sujeito, é violentado até a obtenção da resposta13.
Na verdade, pouco importava se a confissão era verdadeira ou não, importava apenas se convergia com o interesse do inquisidor e se legitimava sua decisão14. Mesmo porque, era pouco provável que o acusado não se declararia culpado para fazer cessar o sofrimento, pois era livre para “dizer a verdade entre os espasmos e as dilacerações, quanto o era então para impedir sem fraude os efeitos do fogo e da água fervente empregados no antigo sistema de ordálias”15. Como explica Beccaria, o uso da tortura criou uma consequência estranha, na qual o inocente fica em pior condição do que o culpado, pois se ambos são submetidos a mesma violência, o primeiro sempre sairia prejudicado, pois se não confessasse, já teria sido punido com a tortura, enquanto o segundo, se permanece calado, poderia ser absolvido ou ter a pena reduzida16. Ainda que não haja uma estimativa concreta do número de torturados e condenados à pena de morte, é certo que a inquisição vitimou um considerável número de pessoas. A simples constatação das características do sistema, como a ausência do direito de defesa, a presunção de culpa decorrente do pecado humano e o processo utilizado como a busca da verdade desejada pelo inquisidor, permitem a conclusão de que os erros judiciários eram comuns. Durante o século XVIII, com o advento do Iluminismo e a ascensão da burguesia, os ideais liberais passaram a influenciar o pensamento jurídico, gerando aversão ao sistema inquisitório vigente e o ressurgimento de um sistema acusatório renovado. Nesse período, destaca-se a obra do jurista italiano Cesare Beccaria, que em seu livro denominado Dos Delitos e Das Penas passou a defender que “um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”17. Ainda no século XVIII, durante a Revolução Francesa, foi redigida a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual constava que “todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário a guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei”18. Nesse momento, os liberais franceses iniciaram a abolição da presunção de culpa, objetivando uma efetiva persecução criminal, na qual a investigação deveria realmente cumprir seu papel de buscar provas idôneas para demonstrar a culpa, e não confirmar aquilo que já se tinha como certo ou conveniente ao julgador19. Por consequência, havendo dúvidas sobre o cometimento do crime, deveria ser preservado o estado de inocência. No mesmo contexto, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia passou a considerar como imprescindível para a consideração de alguém como culpado o consentimento unânime de um júri composto por doze homens imparciais20. Posteriormente, entre o fim do século XIX e meados do século XX, houve nova ascensão de regimes que resultaram em ataques ao princípio da presunção de inocência. Entre eles, destaca-se o fascismo, apoiado na Escola Positiva Italiana e no Código Penal de Rocco, o qual passou repelir a presunção de inocência e 12
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permitir a aplicação de institutos como a prisão preventiva obrigatória para crimes mais graves21. Porém, após os horrores da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, que resultaram em profunda mudança no pensamento jurídico, agora centrado na dignidade da pessoa humana, o princípio foi positivado novamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada durante a III Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 194822. Dispõe a Declaração em seu artigo XI que: todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa23.
Portanto, em breve síntese, constata-se que o princípio da presunção de inocência, assim como outros direitos e garantias fundamentais, é uma conquista da humanidade construída ao logo de séculos, saindo lentamente de sistemas atrozes, com vasto emprego de tortura e tratamento degradante, passando para sistema de presunção de culpa até chegar na fase atual, onde, ainda que com ressalvas, o princípio é reconhecido e empregado na maior parte dos ordenamentos jurídicos. No ordenamento jurídico brasileiro o princípio evoluiu de forma parecida com a Europa, experimentando inicialmente o modelo inquisitivo, com uso de tortura, passando pela presunção de culpa, até chegar o modelo atual, em que há positivação da presunção de inocência. No Período Colonial, compreendido entre 1500 até 1822, vigeu no Brasil as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, estas por maior tempo. As ordenações eram produto do direito romano e canônico, não existindo qualquer previsão sobre o princípio. A regra no período era a condução imediata a prisão e a tortura, os tormentos, prática permitida para a busca da confissão, que possuía suma importância para o sistema. Fato que se revela pela redação do título CXXXIII do V Livro das Ordenações Filipinas que permitia vários interrogatórios do réu, até se encontrar o resultado desejado. Veja-se: “Não se póde dar certa fórma quando e em que casos o preso deve ser mettido a tormento, porque póde ser contra elle hum só indicio, que será tão grande e tao evidente, que baste para isso [...] E poderão ser contra elle muitos indícios tão leves e fracos, que todos juntos não bastarão para ser mettido a tormento; por tanto ficará no arbitrio do Julgador, o qual verá bem, e examinará toda a inquirição dada contra o preso. E se achar tanta prova contra elle, que môva a crer, que elle fez o delicto, de que he accusado, mandal-o-ha metter a tormento, e de outra maneira não. Quando o accusado fór mettido a tormento, e em todo negar a culpa, que lhe he posta, ser-Ihe-ha repetido em trez casos: o primeiro, se quando primeiramente foi posto a tormento, havia contra elle muitos e grandes indicias, em tanto que, ainda que elle no tormento negue o maleficio, não deixa o Julgador de crer, que elle o fez: o segundo caso he, se depois que huma vez foi metido a tormento, sobrevierão contra ele outros novos indicios: o terceiro caso he, se confessou no tormento o maleficio, e depois quando foi requerido para ratificar a confissão em Juizo, negou o que no tormento linha confessado24”. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL No Período Imperial, entre 1822 e 1889, a família real se mudou para o Brasil trazendo consigo os ideais liberais. Com a independência do país, surgiu a necessidade de uma constituição, para deixar de lado as antigas normas monárquicas portuguesas. Nesse contexto surgiu a Constituição de 1824, que apesar de alguns avanços humanistas, como a positivação do Princípio da Legalidade, em nada falava sobre a presunção de inocência. No período ainda foram editados o Código Criminal do Império e o Código de Processo Penal de Primeira Instância, que permitiam a decretação da prisão mesmo sem provas da materialidade ou indícios idôneos de autoria e que não garantiam ao réu o direito de permanecer em silêncio. Nesse sentido, destaca-se o art. 175 do Código Processual: Poderão também ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes, em que não tem lugar a fiança; porém nestes, e em todos os mais casos, à excepção dos de flagrante delicto, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escripta da autoridade legitima.
O Império é sucedido pela República, que após o período inicial conhecido como República Velha e a edição da Constituição de 1981, culmina na Era Vargas. Nesse período é redigido o Código de Processo Penal de 1941, que apesar das alterações ainda é vigente, merecendo maior atenção. O Código foi redigido sob influência da escola positivista italiana, marcada pelo forte punitivismo. Assim, pode-se dizer que continuava imperando a presunção de culpa. A presunção fica evidenciada, por exemplo, pela redação original do artigo 312 do Código, que previa a prisão preventiva obrigatória para crimes mais graves- “A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos”. O que foi amplamente corroborado e aplicado pelos tribunais à época. Nesse sentido: PRISÃO PREVENTIVA OBRIGATÓRIA; PROVADA A EXISTÊNCIA DO CRIME E HAVENDO INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA, INDEPENDENTEMENTE DA SUA CONVENIÊNCIA, E AUTORIZADA (COD. DO PROC. PENAL, ART. 312). HABEAS-CORPUS DENEGADO. (RHC 31775, Relator (a): Min. EDGARD COSTA, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/1951, DJ 17-01-1952 PP-00598 EMENT VOL-00073-02 PP-00694 ADJ 13-02-1952 PP-00722).25
Por sua vez, a redação original do artigo 408 previa em seu parágrafo primeiro a prisão automática do réu após a decisão de pronúncia, bem como seu lançamento do nome do réu no rol dos culpados. O que se repetia como efeitos da sentença penal condenatória recorrível e se confirmava na necessidade de se recolher à prisão ou prestar fiança para apelar. Art. 393. São efeitos da sentença condenatória recorrível: I – ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança; II – ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.
A presunção de inocência também era afastada pelo artigo 186 que em plena contradição concedia o direito ao silencio ao réu, mas obrigava o juiz a adverti-lo 14
revista PRÁTICA FORENSE - nº 24 - DEzembro/2018
que o seu silêncio poderia ser interpretado contra ele. O que continua disposto no artigo 198 que prevê que “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”. Por outro lado, o defensor do acusado não podia intervir nas perguntas e respostas do réu e, caso este negasse a culpa, seria convidado a indicar provas da verdade de suas declarações, conforme se observa redações originais dos artigos 187 e 188 parágrafo único do Código de Processo Penal. Década após, durante o processo de redemocratização após a ditadura militar, o princípio foi positivado pela primeira vez na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LVII, o qual rege que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Quatro anos depois, por meio do Decreto n° 678 de 1992, foi sancionada a recepção ao ordenamento jurídico interno, com status supralegal, da Convenção Americana de Direito Humanos, também conhecida por Pacto de San José da Costa Rica, a qual apresenta a seguinte redação: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”26. Portanto, a Constituição de 1998 representou verdadeiro marco civilizatório no direito brasileiro ao prever extenso rol de direitos e garantias fundamentais, razão pela qual foi apelidada de Constituição Cidadã. Todavia, como se verá a seguir, a aplicação e concretização dos institutos ainda enfrentam certa resistência na jurisprudência, indicando a necessidade de amadurecimento do pensamento jurídico. DO CONTEÚDO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
A presunção de inocência como princípio Constitucional Penal e princípio norteador do Processo Penal A presunção de inocência está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 5°, inciso LVII, do qual se extrai a seguinte redação Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória [...];
O dispositivo configura garantia individual limitador do poder punitivo estatal, portanto, limitador do Direito Penal que, como será abordado ao longo do capítulo, garante ao réu o direito de ser tratado como inocente durante todo o processo, o que representa a prevalência de sua liberdade, a distribuição do ônus da prova ao acusador e a não antecipação da punição antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ao caracterizar presunção de inocência como princípio norteador do sistema processual penal, cabe, incialmente, conceituar o que é princípio para o Direito. Na definição clássica trazida por Celso Antônio Bandeira de Mello princípio é o mandamento nuclear de um sistema, sua base, que se comunica com revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL as demais normas servindo como critério para a exata compreensão e execução do sistema normativo27. Por sua vez, Guilherme Nucci aponta que princípios são: os valores eleitos pelo constituinte, inseridos na Constituição Federal, de forma a configurar os alicerces e as linhas mestras das instituições, dando unidade ao sistema normativo e permitindo que a interpretação e a integração dos preceitos jurídicos se façam de modo coerente28.
Dessa forma, os princípios devem ser entendidos como mandados de otimização, ou seja, preceitos que indicam a orientação do sistema vigente e norteiam a aplicação harmônica das demais normas. A presunção de inocência se caracteriza, então, como princípio norteador do sistema processual penal, indicando, desde a fase de elaboração legislativa e em todas as fases da persecução criminal, a direção que deve ser tomada quando da interpretação e aplicação das normas penais, e ainda, regra a ser observada por todos os agentes, públicos ou privados, e aplicada com a maior intensidade. Nessa acepção, embora o princípio surja como uma limitação ao poder do Estado, tanto os agentes públicos quanto os privados o devem respeito. Assim, agentes privados com relação profissional como jornalistas e agentes de segurança, ou de relação pessoal como familiares da vítima, não podem se exceder em atos ou palavras, sob pena de desrespeito ao preceito constitucional29. A presunção de inocência tem como função “servir de eixo estrutural de um processo penal a ser feito conforme o determinado pela Constituição”, representando “uma maneira de compreender, administrar e construir um sistema processual penal” no qual o indivíduo será considerado inocente desde o início da persecução criminal até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória30. Considerando que vige no país um Código de Processo Penal desatualizado, redigido a partir de inspirações fascistas e em sua maior parte inconstitucional, a observância dos princípios constitucionais, no caso a presunção de inocência, torna-se essencial para legitimar esse sistema. Como se verá adiante, o princípio configura uma garantia constitucional protetora da qualidade do processo, o que se reveste de interesse público. Sendo assim, qualquer ato processual que viole o seu núcleo de proteção torna-se nulo ou inexistente31. A ausência de variações terminológicas Desde a elaboração da CF de 1998 há discussão doutrinária sobre a possível diferenciação entre os termos inocente e não culpado, especialmente se o legislador constituinte teria escolhido o termo não culpado como uma garantia menos ampla do que a presunção da inocência. Para parte minoritária da doutrina a Constituição não presume a inocência do réu, apenas sua não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença condenatória32. Um dos expoentes é Paulo Rangel, o qual considera que: [...] se o réu não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, também não pode ser presumidamente inocente. A Constituição não presume a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Em outras
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palavras, uma coisa é a certeza da culpa, outra, bem diferente, é a presunção da culpa. Ou, se preferirem, a certeza da inocência ou a presunção da inocência33.
Cabe destacar, no entanto, que o apreço pela expressão não culpado vem da escola Técnico-Jurídica Italiana34, que influenciou o CPP de 1941. Para os pensadores da corrente, após a formação do processo não se falava mais em inocência, apenas em culpado e não culpado. Isso porque, a absolvição poderia ser fruto de falha na produção probatória, e não significar de fato a inocência35. Essa perspectiva, portanto, revela-se incompatível com um sistema que busca coibir que o acusado seja tratado de forma igual àquele já condenado definitivamente. Ao se verificar a Emenda 1P11998-7 apresentada por José Ignácio Ferreira durante a Assembleia Constituinte, a qual foi aprovada e definiu o texto constitucional, nota-se que sua escolha pelo termo não culpado em detrimento da redação anterior que constava inocente, acompanha uma justificativa perfunctória, na qual aponta ser o termo escolhido mais técnico, apesar de representar a mesma garantia. Veja-se a justificativa na íntegra: “a proposta visa apenas a caracterizar mais tecnicamente a denominada “presunção de Inocência”, expressão doutrinariamente criticável, mantida inteiramente a garantia do atual dispositivo36. Dessa forma, considerando a forma que o termo foi escolhido pelo constituinte e que os possíveis resultados da diferenciação parecem colidir com o atual estágio constitucional do país, a discussão não subsiste. Nesse sentido concluiu Gustavo Badaró: não há diferença de conteúdo entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade. As expressões ‘inocente’ e ‘não culpável’ constituem somente variantes semânticas de um idêntico conteúdo. É inútil e contraproducente a tentativa de apartar ambas as ideias, se é que isso é possível, devendo ser reconhecida a equivalência de tais fórmulas. Procurar distingui-las é uma tentativa inútil do ponto de vista processual. Buscar tal diferenciação apenas serve para demonstrar posturas reacionárias e um esforço vão de retorno a um processo penal voltado exclusivamente para defesa social, que não pode ser admitido em um Estado Democrático37 de Direito38.
Com relação a uma possível diferenciação entre os termos presunção de inocência e estado de inocência, explica Fernando Barbagalo que o primeiro termo se aproxima do princípio enquanto regra probatória, na qual o ônus da prova se distribui unicamente ao acusador, e o segundo ao modo tratamento do acusado, impedindo que seja comparado ao culpado39, o que será melhor analisado a seguir. Por sua vez, Zanoide entende que a presunção de inocência é próprio estado da inocência: ao não se demonstrar a culpa do imputado ao final da persecução deve ser declarado que ele ‘continua’ inocente. Já era inocente antes da persecução, permaneceu assim durante todo o seu curso e, ao final, se não condenado, é declarado que ele continua inocente (como sempre foi). É nesse ponto que se compreende por que se deve dizer que há um ‘estado de inocência’ que acompanha o cidadão desde o seu nascimento até que se declare sua culpa, após um devido processo legal, por meio de provas lícitas, incriminadoras e suficientes40. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL
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Rechaça-se a tese de que a presunção de inocência causa impunidade ante a interposição de recursos protelatórios e as prescrições decorrentes da demora no julgamento. A solução dessa questão não é a violação de garantia fundamental, mas sim a reformulação do sistema recursal e do modo de funcionamento dos tribunais superiores.
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”
A extensão subjetiva do princípio e atuação extrapenal A redação da CF aponta que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Destarte, evidente que a escolha pelo termo “ninguém” afasta qualquer diferenciação no momento da aplicação do princípio, como, por exemplo, no caso do estrangeiro. Nesse sentido, a Constituição não retirou do reincidente, da pessoa com maus antecedentes e do preso a proteção do princípio, nem mesmo previu qualquer tipo de relativização. A regra é que todos, em princípio, devem ser vistos como inocentes41 até a decisão irrecorrível42. Assim explica Guilherme Nucci: o sentenciado pela prática de inúmeras infrações penais, que deve cumprir várias penas, pode ser considerado culpado para todos esses casos, em decorrência de sentenças condenatórias com trânsito em julgado. Porém, nada lhe retira o estado natural de inocência, quando, porventura for acusado da prática de outros delitos43.
Sobre a proteção, adverte Maurício Zanoide de Moraes que afastar a proteção daqueles já condenados implica aceitar que as pessoas, tal qual animais, uma vez marcadas de forma indelével e definitiva por um ato, estão predestinadas à condenação (antecipada ou definitiva) em toda e qualquer futura investigação e ação penais. É tomar seus registros policiais ou judiciais como uma marca tão incriminadora e irrevogável que se poria a perder todas as teorias e trabalhos de recuperação social que fundamentam toda a atual Lei de Execução Penal44.
Com relação às pessoas jurídicas, nos poucos casos onde se discute sua responsabilidade penal, também deve ser presumida sua inocência, eis que são reconhecidamente titulares de direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido ensina Paulo Branco: 18
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não há, em princípio, impedimento insuperável a que pessoas jurídicas venham também a ser consideradas titulares de direitos fundamentais, não obstante estes, originalmente, terem por referência a pessoa física. Acha-se superada a doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas físicas. Os direitos fundamentais são suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por pessoas jurídicas podem tê-las por titular45.
Posto isso, cabe destacar que a presunção de inocência possuiu eficácia irradiante, isto é, “não se restringe, apenas, ao domínio do processo penal ou do direito penal, ao contrário, abrange a atividade do poder público em sua totalidade, funcionando como limite instransponível para seu funcionamento”46. Diante da grande extensão da aplicação extrapenal, cabem breves comentários sobre sua aplicação aos adolescentes investigados atos infracionais previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e aos réus em processos administrativos. O ECA não previu expressamente o princípio, entretanto o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990, que prevê expressamente a presunção de inocência. Dispõe o artigo 40 do referido estatuto: 1. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade. 2. Nesse sentido, e de acordo com as disposições pertinentes dos instrumentos internacionais, os Estados Partes assegurarão, em particular: [...] b) que toda criança de quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse de ter infringido essas leis goze, pelo menos, das seguintes garantias: I) ser considerada inocente enquanto não for comprovada sua culpabilidade conforme a lei;
A jurisprudência, após algumas oscilações, consolidou a aplicação do princípio nas ações socioeducativas, o que pode se observar no seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE ROUBO. APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O ato infracional equiparado ao delito de roubo, em tese, comporta a aplicação da medida socioeducativa de internação, nos termos do art. 122, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Todavia, é insuficiente a justificar a medida excepcional a simples alusão ao art. 157 do Código Penal. 2. O consagrado princípio da presunção de inocência, insculpido no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, não é aplicado somente ao denunciado no processo penal, e sim a todo acusado, inclusive ao menor infrator. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – Sexta Turma, AgRg no HC nº 118.009 – SP, Rel. Min. Celso Limongi, j. 13/04/2011)47.
Por outro lado, o STF também consolidou a aplicação da presunção de inocência nos processos administrativos, reconhecendo sua ampla incidência. Veja-se: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL Constitucional e Administrativo. Poder disciplinar. Prescrição. Anotação de fatos desabonadores nos assentamentos funcionais. Declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 170 da Lei nº 8.112/90. Violação do princípio da presunção de inocência. Segurança concedida. [...] 2. O princípio da presunção de inocência consiste em pressuposto negativo, o qual refuta a incidência dos efeitos próprios de ato sancionador, administrativo ou judicial, antes do perfazimento ou da conclusão do processo respectivo, com vistas à apuração profunda dos fatos levantados e à realização de juízo certo sobre a ocorrência e a autoria do ilícito imputado ao acusado. [...] 5. O status de inocência deixa de ser presumido somente após decisão definitiva na seara administrativa, ou seja, não é possível que qualquer consequência desabonadora da conduta do servidor decorra tão só da instauração de procedimento apuratório ou de decisão que reconheça a incidência da prescrição antes de deliberação definitiva de culpabilidade. 6. Segurança concedida, com a declaração de inconstitucionalidade incidental do art. 170 da Lei nº 8.112/1990 (MS 23.262/DF Rel. Min. Dias Toffoli. 23/04/2014)48
Nessa linha, ainda declarou inconstitucional lei estadual que estipulava a redução dos vencimentos de funcionários públicos réus em processos criminais. ART. 2º DA LEI ESTADUAL 2.364/61 DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE DEU NOVA REDAÇÃO À LEI ESTADUAL 869/52, AUTORIZANDO A REDUÇÃO DE VENCIMENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS PROCESSADOS CRIMINALMENTE. DISPOSITIVO NÃO-RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. RECURSO IMPROVIDO. I – A redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com o disposto nos arts. 5º, LVII, e 37, XV, da Constituição, que abrigam, respectivamente, os princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos. II – Norma estadual não -recepcionada pela atual Carta Magna, sendo irrelevante a previsão que nela se contém de devolução dos valores descontados em caso de absolvição [...] Recurso extraordinário conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido. (STF – RE: 482006 MG, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 07/11/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-14/12/2007)49
Dessa forma, conclui-se que a presunção de inocência extrapola o âmbito processual penal, tornando-se princípio orientador de todo o ordenamento jurídico. Lado outro, sua aplicação é ampla, não encontrando qualquer diferenciação ou barreira, ainda que diante de réus com extenso histórico criminal. Presunção técnico jurídica ou presunção política? Uma análise crítica do caráter relativo da presunção A expressão presunção de inocência não pode ser considerada na literalidade, em sentido técnico-jurídico, pois impediria até mesmo o início das investigações contra o réu, pois não é possível inquérito ou processo em relação a uma pessoa inocente50. O que também tornaria ilógica a condenação em primeiro grau, pois não poderia o juiz condenar o réu presumindo-o inocente até o trânsito em julgado51. Assim, a expressão deve ser interpretada de forma ideológica, como uma ruptura ao modelo anterior, que presumia a culpa. Nesse sentido Maurício Zanoide assevera que a presunção 20
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não pode ser pensada a partir de um sentido puramente técnico de prova indireta; o apelo à ‘presunção’, no caso, pouco tinha que ver com a ideia de consequência que a lei extrai de um fato conhecido para um fato desconhecido, significando, antes disso, uma atitude emocional de repúdio ao sistema processual até então vigente, no qual o acusado devia provar a improcedência da acusação sob pena de suportar as consequências do non liquet52.
Portanto, trata-se de uma presunção política ou ideológica, com caráter relativo, juris tantum53, pois o resultado final do processo poderá produzir prova contrária e a própria Constituição excepcionou sua incidência, ao permitir a prisão cautelar54. O STF enfrentando a matéria um ano após promulgada a Constituição de 1988 julgou que a prisão cautelar é compatível como o princípio, pois não vincula qualquer ideia de sanção antecipada PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO CULPABILIDADE – GARANTIA EXPLÍCITA DO IMPUTADO – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS – COMPATIBILIDADE COM O INSTITUTO DA TUTELA CAUTELAR PENAL. – O princípio constitucional da não-culpabilidade, que sempre existiu, de modo imanente, em nosso ordenamento positivo, impede que se atribuam à acusação penal consequências jurídicas apenas compatíveis com decretos judiciais de condenação irrecorrível. Trata-se de princípio tutelar da liberdade individual, cujo domínio mais expressivo de incidência é o da disciplina jurídica da prova. A presunção de não-culpabilidade, que decorre da norma inscrita no art. 5º, LVII, da Constituição, é meramente relativa (‘juris tantum’). Esse princípio, que repudia presunções contrárias ao imputado, tornou mais intenso para o órgão acusador o ônus substancial da prova. A regra da não-culpabilidade – inobstante o seu relevo – não afetou nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assume a prisão cautelar em nosso direito positivo. O instituto da tutela cautelar penal, que não veicula qualquer ideia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não-culpabilidade. (HC 67.707/RS, Rel. Min. Celso de Mello, 07/11/1989)55-56.
Assim, a presunção de inocência não expressa a impossibilidade de qualquer tipo da prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois poderá ser preso mesmo antes do julgamento da lide. Todavia, nessa ocasião a restrição da liberdade decorrerá de motivos específicos, que não retiram do encarcerado a condição de inocente57. O termo final da presunção de inocência no Direito Comparado A redação da CF é clara ao impor como marco final do estado de inocência do réu o trânsito em julgado da sentença condenatória. Portanto, redação clara e expressa, que não permite qualquer tipo de indicação contrária. No direito comparado, nota-se que há constituições que assim como o Brasil definiram o trânsito em julgado, enquanto outras falam na formação da culpa. No cenário europeu, observa-se que as constituições italiana e portuguesa optaram pelo trânsito em julgado como marco final da inocência. A primeira, prevê em seu artigo 2758 que “o acusado não é considerado culpado até a condenação definitiva”59, enquanto a segunda dispõe que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.” Por sua vez, a constituição espanhola traz a seguinte redação60: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL Assim mesmo, todos têm direito a um juiz predeterminado por lei, a defesa e a assistência de advogado, a ser informados da acusação formulada contra si, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias, a utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa, a não testemunhar contra si mesmo, a não se confessar culpado e à presunção de inocência (tradução nossa)61.
No caso da América do Sul, as constituições da Argentina, Uruguai e Chile não trazem previsões expressas do princípio. A constituição do Peru prevê que62 “toda pessoa é considerada inocente enquanto não seja declarada judicialmente sua responsabilidade”63, enquanto a constituição paraguaia afirma que64 “no processo penal ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou sanção, toda pessoa tem direito a que seja presumida sua inocência”. As várias faces da presunção de inocência A presunção de inocência como norma probatória Com relação ao conteúdo do princípio, ensina Renato Brasileiro de Lima que a presunção de inocência apresenta duas vertentes, probatória e de tratamento. A primeira, na qual o ônus da prova sempre será do acusador, revertendo-se eventual dúvida em favor do acusado. E a segunda, de tratamento, no qual o encarceramento deve ser sempre encarado como exceção, não cabendo ao Estado antecipar a culpa do sujeito, dando a ele o mesmo tratamento daquele que já se provou culpado65. No mesmo sentido é a posição de Eugênio Pacelli, o qual aponta que o princípio da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação. À defesa restaria apenas demonstrar a eventual incidência de fato caracterizador de excludente de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada66.
Contudo, ainda existe uma terceira face do princípio a norma de juízo ou de julgamento, que decorre da modalidade probatória, indicando a necessidade de o magistrado avaliar e demonstrar que o conteúdo probatório constante no processo é suficiente para a condenação. A presunção de inocência revela-se como norma probatória, transferindo o ônus da prova no processo penal para o órgão acusatório, “pouco importando quem o constitui”67, isto é, para o Ministério Público nas ações penais públicas e para o querelante nas ações privadas. Cabe relembrar notável decisão do Ministro Celso de Mello com relação à norma probatória: Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado
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momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (DL 88, de 20 12 1937, art. 20, 5). Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou tribunal a pronunciar o non liquet. (HC 73.338, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13 8 1996, Primeira Turma, DJ de 19/ 12/1996)68
Em síntese, provar consiste convencer o magistrado de que o fato descrito na peça acusatória ocorreu de um determinado modo69. O que em matéria penal significa demonstrar, partindo do pressuposto juspolítico do estado de inocência, que alguém praticou fato típico, ilícito e culpável, portanto, crime. Nas palavras de Aury Lopes Júnior, provar significa, então, que “incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação”70. Outrossim, a acusação assume por inteiro o ônus processual, devendo demonstrar além dos elementos subjetivos, dolo ou culpa, a inexistência de causas de exclusão da ilicitude, culpabilidade ou punibilidade71. Com relação às excludentes, assevera Guilherme Nucci que isso não significa deva a acusação fazer prova negativa de fatos, como se possuísse o dever de evidenciar o fato típico, associado a inexistência de qualquer excludente. Trata-se, na realidade, de provar a prática do crime, e, caso seja alegada alguma excludente, é ônus da acusação demonstrar ao juízo a sua inocorrência ou inconstância. Afinal, a dúvida leva a absolvição72.
Em exemplo prático, caso o réu confesse de forma qualificada um crime, invocando, por exemplo, a excludente da legítima defesa, caberá ao acusador demonstrar a antijuridicidade da conduta. Logrando êxito, ficará demonstrada a fragilidade da excludente, portanto, a acusação superará a alegação73. Decorrência do ônus da prova é o direito do réu ficar em silêncio. Se o sujeito é naturalmente inocente, não se exigindo dele qualquer prova de sua inocência, deduz-se que não é obrigado a se acusar. Portanto, tem, em caráter absoluto, o direito de permanecer em silêncio ao ser interrogado sobre os fatos. Cabe nesse ponto, reportar ao capítulo anterior, que em análise histórica demonstrou que o atual CPP, com redação já alterada, previa que o silêncio do acusado poderia ser interpretado em seu prejuízo. Portanto, clara violação à norma probatória. Por fim, outra decorrência da norma probatória é a imposição de que a prova seja lícita. Se de um lado é repelida a limitação ou hierarquização de provas, permitindo à acusação e defesa aproveitar tudo o que for útil as suas fundamentações74, de outro há a proibição do uso de prova obtidas por meios ilícitos, principalmente quando em prejuízo do acusado. Deve-se considerar prova ilícita aquela colhida com desrespeito às normas ou aos princípios constitucionais e das leis em geral, que protegem as liberdades públicas e os direitos da personalidade, em especial o direito à intimidade75. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL Com efeito, dispõe o artigo 157 do CPP que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Portanto, a prova apta a superar a defesa e afastar a presunção de inocência, será apenas a lícita com conteúdo incriminador, ou seja, a que tenha aptidão para demonstrar licitamente a materialidade e autoria da infração76. Por fim, destaca-se que a norma probatória não incide apenas na decisão de mérito, mas em toda decisão que restrinja direitos do acusado no curso persecutório. Dessa forma, eventual decretação de medida cautelar baseada em prova ilícita representa clara transgressão ao princípio. A presunção de inocência como norma de juízo A presunção de inocência como “norma de juízo” decorre fundamentalmente da norma probatória, pois se dirige à análise do material probatório produzido no curso processual para convicção judicial, valorando sua aptidão para condenar o acusado, afastando seu estado de inocência, e ainda, para a correta subsunção do fato à norma. Deve-se considerar que a condenação depende de um juízo de certeza do julgador, repelindo-se a condenação resultante decorrente de opiniões, convicções, extraídas por elementos externos ao processo, elementos informativos da fase inquisitiva não confirmados na fase processual, e, ainda, de provas ilícitas incriminadoras. Assim, a norma de juízo impõe que o magistrado demonstre na fundamentação da sentença que o material incriminador é idôneo e suficiente para a condenação77. A consubstancialização da presunção de inocência como norma de juízo é verificada nos princípios in dubio pro reo e favor rei78. O in dubio pro reo indica que nos casos de dúvida deve-se resolver favoravelmente ao réu, conforme explica Ary Lopes Jr ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento (não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada). A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento (e liberação de cargas), a absolvição é imperativa79.
Portanto, trata-se de uma opção “garantista a favor da tutela dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”80, pois é menos traumático absolver um réu culpado do que condenar um inocente81. Por outro lado, o favor rei tem sua base nos ideais na dignidade da pessoa humana, na igualdade e na proteção da liberdade e patrimônio do cidadão, por meio do devido processo legal82. Baseia-se na predominância do direito de liberdade do acusado, que prevalecerá sempre que colocado em confronto com o poder punitivo estatal. Desse modo, sempre que diante de regras ou intepretações antagônicas, deverá se optar pela regra que atenda melhor ao jus libertatis do acusado83. 24
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Para a realização desses ideais, o favor rei incide tanto no campo legislativo, no momento de elaboração, quanto no campo judicial, impondo ao intérprete qual opção axiológica constitucional deverá aplicar a norma ao caso concreto84. Pressuposto lógico da regra de juízo é a necessidade de fundamentação consistente na sentença condenatória, que não se basta na exposição de escolhas fático-jurídicas, mas sim, faz-se mister o ato de embasar porque essas escolhas são as corretas para o concreto, sempre respeitando a Constituição e a presunção de inocência85. É importante ressaltar que o julgador não é capaz de repelir toda sua carga psicológica e ideológica ao conduzir o processo, já que a subjetividade é inerente ao ser humano, assim, é externando o caminho escolhido na fundamentação que se poderá identificar se houve a devida discussão sobre os fatos e direito na sua escolha e exercer o controle de sua imparcialidade86. Nesse sentido, ensina Ferrajoli que: ao mesmo tempo, enquanto assegura o controle da legalidade e do nexo entre convencimento e provas, a motivação carrega também o valor “endoprocessual” de garantia de defesa e o valor “extraprocessual” de garantia de publicidade. E pode ser, portanto, considerado o principal parâmetro tanto da legitimação interna ou jurídica quanto da externa ou democrática da função judiciária87.
Com efeito, há interessante decisão do STF divulgada no informativo 510 da Corte, indicando a impossibilidade de convalidação de uma decisão com falha de fundamentação. EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO RECONHECIDA PELO ÓRGÃO AD QUEM. OPORTUNIDADE DADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL PARA QUE O ÓRGÃO PROLATOR DA DECISÃO A FUNDAMENTASSE ADEQUADAMENTE, EM LUGAR DE, FACE À DEFICIÊNCIA DO DECRETO, DEFERIR A LIMINAR. COMPORTAMENTO CENSURÁVEL. FUGA PARA IMPUGNAR PRISÃO CONSIDERADA INJUSTA. LEGITIMIDADE. 1. Ação penal por tráfico ilícito de entorpecentes e lavagem de dinheiro. Prisão cautelar decretada apenas com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal, sem demonstração dos elementos necessários à constrição prematura da liberdade. Circunstância reconhecida por Desembargador Federal que, ao examinar habeas corpus, oficiou ao órgão a quo dando conta da ausência de fundamentação da decisão proferida por Juiz Federal Substituto, possibilitando o agravamento da situação do paciente, em lugar de deferir a liminar. Comportamento censurável. 2. É legítima a fuga com o objetivo de impugnar prisão cautelar considerada injusta (precedentes). Ordem concedida. (HC 93803, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-03 PP-00507 RTJ VOL-00207-01 PP-00378)88
Dessa forma, a fundamentação permite a verificação da existência de elementos estranhos ao processo, como a pressão da comunicação social, de fatores criminológicos ou de política criminal inconstitucionais, pautados em presunção de culpa. É, portanto, instrumento para medir o respeito judicial às garantias fundamentais89. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL
A presunção de inocência como regra de tratamento Por fim, a terceira face da presunção de inocência é sua incidência como norma de tratamento. Nesse ponto, protege-se o acusado de receber tratamento que o diminua socialmente, moralmente ou fisicamente diante de outros cidadãos não sujeitos a um processo criminal90. Ainda, representa uma proibição de antecipação de qualquer efeito negativo decorrente da sentença condenatória que importe o reconhecimento da culpabilidade antes do seu trânsito em julgado91. Em outra notável decisão, explicitou o Ministro Celso de Mello que: o postulado constitucional da não-culpabilidade impede que o estado trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela CR, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. (HC 89.501, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12/12/2006, Segunda Turma, DJ de 16/03/2007)92
Dessa forma, impõe-se que o tratamento dispensado ao acusado deve ser de acordo com os direitos e garantias fundamentais integrantes da esfera penal93. O que resulta na impossibilidade de prisões cautelares compulsórias, afirmativa de autoria, uso desnecessário de algemas, identificações desnecessárias, entre outros94. Outrossim, como corolário da antecipação dos efeitos negativos, a jurisprudência da corte suprema se consolidou no sentido de proibir a consideração de inquéritos policiais ou ação penais em andamento, incluindo sentenças condenatórias sem trânsito em julgado, como circunstâncias que aumentem a pena-base no momento da dosimetria da pena95. O STJ compartilha o entendimento, o qual foi exposto no verbete n° 444 de sua Súmula, que apresenta o seguinte enunciado: “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. Entretanto, o principal aspecto da impossibilidade da antecipação dos efeitos negativos da sentença condenatória é a questão da execução provisória da pena. Como exposto, o princípio impede que medidas de coerção pessoal contra o acusado sejam adotadas sem caráter cautelar, ou seja, quando extremamente necessárias96. De outro lado, se o réu somente pode ser considerado culpado após sentença condenatória transitada em julgado, a prisão provisória não pode configurar simples antecipação da pena97, o que leva a conclusão, prima facie, da impossibilidade da execução provisória. 26
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Nesse sentido, ensina Denilson Feitoza Pacheco que a restrição da liberdade do acusado antes do trânsito em julgado da condenação deve ser admitida apenas como medida cautelar, com previsão legal e presunção de fumus boni juris e periculum in mora, devendo este ser sempre comprovado98. Na mesma direção, assevera Luiz Vicente Cernicchiaro que “a pena e a medida de segurança somente podem ser impostas depois da definição, insista-se, com o trânsito em julgado da sentença, da infração penal ou da inimputabilidade”99. Dos aspectos apresentados, a regra de tratamento, sem dúvidas, é a que gera mais discussão e o que vem sendo alvo de constantes viradas jurisprudenciais no STF no tocante à execução provisória da pena, o que será melhor analisado no próximo capítulo. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA FUNDAMENTAL E SEUS ENFRENTAMENTOS A presunção de inocência como garantia fundamental O reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais está diretamente ligado à imposição de restrições aos poderes monarcas e ao surgimento das primeiras repúblicas modernas e das constituições escritas. Nas palavras de Canotilho, os direitos fundamentais protegem o cidadão em uma dupla perspectiva, (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)100.
Importante destacar que a principal diferença entre direitos e garantias fundamentais está no fato de que os direitos fundamentais são disposições meramente declaratórias, que reconhecem a existência de determinado direito, enquanto as garantias são disposições assecuratórias, que limitam o poder Estatal, com caráter instrumental de proteção101. A presunção de inocência materializa direito fundamental de primeira geração, que protege o indivíduo contra o uso arbitrário do poder punitivo pelo Estado, é, portanto, instrumento de garantia de sua liberdade e dignidade humana102, de caráter indisponível e irrenunciável103. O Ministro do STF Celso de Mello, ao proferir voto no HC 152752, apresentou relevante caracterização do princípio como direito fundamental, ao afirmar que a presunção de inocência se trata de uma: prerrogativa básica que compõe o estatuto constitucional de defesa daqueles que sofrem persecução estatal e cujos direitos, impregnados de um sentido de fundamentalidade, muitas vezes veem-se expostos a práticas estatais ditadas por razões fundadas em visões autoritárias que exprimem a filosofia da lei e ordem ou que, muitas vezes, aproximam-se, perigosamente, das concepções próprias do direito penal do inimigo: […] é de resto um fato amplamente comprovado nos países mais dados a estudos de sociologia processual revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL penal […] que sempre que, através de campanhas de ‘luta contra o crime’ e de ‘manutenção da ordem’ ‘a todo o custo’, levadas a cabo por entidades oficiais e secundadas pelos meios de informação, se abala a presunção de inocência do acusado até à condenação, o efeito necessário é a permissão de um sistema informal de ‘justiça penal sem julgamento’ onde, é claro, sofrem irreparável dano as liberdades e garantias do cidadão. Por isso não apresenta qualquer dúvida para mim que aquela ‘presunção’ pertence aos princípios fundamentais de qualquer processo penal em um Estado-de-direito [sic] […].104
Como visto anteriormente, a presunção de inocência, como qualquer outro direito ou garantia fundamental, não possui caráter absoluto. Todavia, qualquer restrição no seu âmbito de proteção precisa decorrer previsão em lei, ser devidamente fundamentada constitucionalmente e mostrar-se excepcional, tendo em vista que a regra hermenêutica é a de garantia da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 destaca-se por uma redação extremamente preocupada com esses direitos e na conquista do Estado Democrático de Direito, razão pela qual ficou conhecida como Constituição Cidadã. A importância é tamanha que o parágrafo 2º do artigo 5º garante a eficácia e aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, ou seja, define que são normas que não dependeriam da elaboração de outros diplomas legais para aplicação e efetivação. Importante ressaltar, que sendo a presunção de inocência uma garantia individual, é, nos termos do artigo 60, parágrafo segundo inciso IV, da Constituição Federal, cláusula pétrea, ou seja, faz parte do núcleo intangível das normas constitucionais105. Nesse sentido, observe-se o reconhecimento pelos tribunais superiores: [...] a presunção de inocência invocada pelo impetrante a justificar a sua liberação, postulado constitucional erigido com cláusula pétrea e direito político-criminal do acusado de caráter fundamental, não tem valor absoluto[...]. (STJ – HC: 187291, Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Da de Publicação: DJ 12/11/2010).
A proteção como cláusula pétrea significa, portanto, que a presunção de inocência faz parte do conjunto de normas imutáveis da Constituição, que não pode ter seu núcleo de proteção restringido. Além disso, em caso de conflito de normas constitucionais, ainda que não haja hierarquia, as cláusulas pétreas devem prevalecer, eis que consideradas axiologicamente superiores às demais normas106. Enfretamentos para concretização do princípio da presunção de inocência Da inexistência do princípio do in dubio pro societate Embora o inegável avanço na defesa e aplicação dos direitos e garantias fundamentais, nota-se, no caso da presunção de inocência, que ainda há diplomas legais e decisões judicias que mitigam ou afastam completamente sua incidência. Um dos casos é a fundamentação de recebimento de denúncias, de sentenças de pronúncia e revisões criminais com base no suposto princípio do in dubio pro societate. O que, por si só, não significa a rejeição da presunção de inocência, mas se mostra expressão equivocada e com margem para possíveis abusos. 28
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Com efeito, colaciona-se jurisprudência do STF aplicando o princípio: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. 1. O princípio do in dubio pro societate, insculpido no art. 413 do Código de Processo Penal, que disciplina a sentença de pronúncia, não confronta com o princípio da presunção de inocência, máxime em razão de a referida decisão preceder o judicium causae. Precedentes: ARE 788288 AgR/GO, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 24/2/2014, o RE 540.999/SP, Rel. Min. Menezes de Direito, Primeira Turma, DJe 20/6/2008, HC 113.156/ RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 29/5/2013. 2. O acórdão recorrido extraordinariamente assentou: “RESE – Pronúncia – Recurso de defesa – Impossibilidade de absolvição ou impronúncia – Indícios de autoria e materialidade do fato – Negado provimento ao recurso da defesa.” 3. Agravo regimental DESPROVIDO. (Are 788457 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 13/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG 27-05-2014 PUBLIC 28-05-2014)107.
Todavia, em que pese a menção da previsão no artigo 413 do CPP, a leitura desse dispositivo revela que o juiz deverá pronunciar o acusado quando “convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação” do réu. O que, sem dúvidas, é bem diferente da concepção que na incerteza o magistrado deverá militar em favor da sociedade. Na verdade, a cada fase, seja de inquérito ou processual, a persecução só poderá continuar ao se mostrar legítima, o que depende da adequação e eficácia do material probatório incriminador apresentado pela acusação para aquela etapa. Dessa forma, no momento do recebimento da denúncia deverão estar presentes indícios suficientes de autoria e na decisão de pronúncia deverá o julgador estar convencido dos indícios de autoria, agora, todavia, apoiado em todo o material probatório produzido na fase instrutória108. Parece mais correta, nesse sentido, a posição já exarada pelo STJ em sua jurisprudência, a qual nega a existência do in dubio pro societate e aponta que tanto a imputação quanto a sentença devem se apoiar em dados seguros109. Destaca-se a decisão: In casu, a denúncia foi parcialmente rejeitada pelo juiz singular quanto a alguns dos denunciados por crime de roubo circunstanciado e quadrilha, baseando a rejeição no fato de a denúncia ter sido amparada em delação posteriormente tida por viciada, o que caracteriza a fragilidade das provas e a falta de justa causa. O tribunal a quo, em sede recursal, determinou o recebimento da denúncia sob o argumento de que, havendo indícios de autoria e materialidade, mesmo na dúvida quanto à participação dos corréus deve vigorar o princípio in dubio pro societate. A Turma entendeu que tal princípio não possui amparo legal, nem decorre da lógica do sistema processual penal brasileiro, pois a sujeição ao juízo penal, por si só, já representa um gravame. Assim, é imperioso que haja razoável grau de convicção para a submissão do indivíduo aos rigores persecutórios, não devendo se iniciar uma ação penal carente de justa causa. Nesses termos, a Turma restabeleceu a decisão de primeiro grau. Precedentes citados do STF: HC 95.068, DJe 15/5/2009; HC 107.263, DJe 5/9/2011, e HC 90.094, DJe 6/8/2010; do STJ: HC 147.105-SP, DJe 15/3/2010, e HC 84.579-PI, DJe 31/5/2010. (HC 175.639-AC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 20/3/2012)110. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL Corrobora o julgado Aury Lopes Jr., que apresenta relevantes questionamentos sobre o suposto princípio, primeiro com relação a sua existência, após, sobre sua incidência na revisão criminal, onde a presunção de inocência é negada. Questiona o doutrinador: a) onde está a previsão constitucional do tal in dubio pro societate? b) em que fase do processo (e com base em que) o réu perde a proteção constitucional? c) como justificar que, no momento da decisão (seja ela pelo juiz ou tribunal), a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição, mas essa mesma dúvida, quando surgir apenas em sede de revisão criminal, não autorize a absolvição? d) e se, quando da decisão de primeiro grau (ou mesmo em grau recursal, mas antes do trânsito em julgado), existir um contexto probatório que permita afastar a dúvida e alcançar um alto grau de probabilidade autorizador da condenação, mas, depois do trânsito em julgado, surgir uma prova nova “x” que gere uma dúvida (em relação ao suporte probatório existente), por que devemos afastar o in dubio pro reo? e) como justificar que essa prova, se tivesse sido conhecida quando da sentença, implicaria absolvição, mas agora, porque estamos numa revisão criminal, ela não mais serve para absolver?111 Assim, por exemplo, para o recebimento da denúncia exige-se a presença indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, os quais, ausentes, levam a rejeição da peça acusatória por falta de justa causa. Logo, não pode se dizer que nesta fase a dúvida deve se operar em favor da sociedade. Caso haja, “deve o Estado prosseguir investigando e, ao superar a dúvida, oferecer a denúncia com o preenchimento dos requisitos legais”112. Portanto, conclui-se pena inexistência do “in dubio pro societate” no ordenamento jurídico brasileiro e sua total incompatibilidade com o princípio da presunção de inocência. A absolvição com fundamento na falta de provas para a condenação Outro ponto que representa afronta ao princípio da presunção de inocência é a absolvição do réu por falta de “prova suficiente para a condenação”, hipótese prevista no artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal. Esse dispositivo é herança das influências fascistas italianas na elaboração do Código, na qual se pretendia marcar o indivíduo a todo custo. Como visto anteriormente, essa escola jurídica reconhecia o “in dubio pro reo” e, com isso, na dúvida, absolviam o acusado, porém, como rejeitavam a presunção de inocência, não o declaravam inocente, apenas reconheciam não haver prova suficiente para condená-lo. Como não reconheciam aos cidadãos o “estado de inocência”, deixavam o acusado na condição de “quase culpado”113.
Diante disso, o que se depreende da redação do inciso, é que o réu, mesmo absolvido, deverá sair marcado para a sociedade como um quase condenado, ou seja, alguém que é considerado culpado pelo julgador, mas absolvido por rigor técnico diante de uma falha na produção probatória. Dessa forma, cria-se uma imagem de absolvição duvidosa, fruto da incapacidade probatória da acusação e, ainda, o sentimento de que a presunção de inocência 30
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é um óbice a obtenção da justiça, visto que alguém que se sabe culpado deve ser absolvido por falta de uma prova robusta. O que parece piorar o descrédito no Poder Judiciário, fomentando ainda mais anseios punitivistas. Portanto, tanto no aspecto histórico de sua criação, quanto nos resultados de sua vigência e aplicação no processo penal, a absolvição por falta de prova suficiente para a condenação mostra-se incompatível com a presunção de inocência, o que revela sua inconstitucionalidade. A inércia legislativa como afronta à presunção de inocência Como visto, a presunção de inocência se caracteriza como garantia fundamental de primeira geração, o que em uma visão clássica consiste na proteção da liberdade do cidadão contra o poder arbitrário do Estado por meio de prestações negativas, ou seja, obrigações de não fazer. Todavia, é certo que além de se abster das práticas arbitrárias, o Estado deve criar mecanismos para efetivar ao máximo essa proteção por meio de prestações positivas. O que nas palavras de Canotilho realiza-se por meio da edição de leis conformadoras. Ensina o constitucionalista português que normas conformadoras são aquelas que estabelecem a disciplina jurídica sobre o conteúdo de um direito fundamental. A conformação de um direito seria, então, a abertura de possiblidade de comportamentos efetivadores do núcleo de proteção do direito por meio da previsão legislativa114. Considerando que a ordem constitucional é da máxima efetividade dos direitos fundamentais, conclui-se que a edição de normas conformadoras é uma obrigação do legislador, todavia, o que se observa no Brasil é a inércia legislativa, sendo tarefa simples a verificação no campo Penal e Processual Penal. Como reiterado, o processo penal brasileiro é regido por um código fascista e anacrônico, diametralmente oposto a diversos direitos e garantias fundamentais. Considerando que foi criado em 1941 e que o país se redemocratizou em 1985, não há que se cogitar falta de tempo para a edição de um novo diploma, pelo contrário, reforça a ideia de que o Poder Legislativo se encontra inerte, alheio a sua obrigação de legislar. Com efeito, assevera Maurício Zanoide de Moraes que o legislador brasileiro tem desconsiderado por completo seu dever de legislar e, com isso, deixa ao Poder Judiciário toda a tarefa de interpretar e aplicar constitucionalmente as normas processuais feitas ao feitio fascista. Os males dessa inércia têm comprometido em muito a maior efetivação daquela disposição fundamental, isto porque se relega a uma aplicação casuística, sem parâmetros seguros e pré-fixados e, ainda, infensa aos influxos ideológicos de cada juiz o que deveria advir de uma estruturação nova, harmônica, sistemática e construída sobre novas bases político-ideológicas.115
As consequências dessa inércia recaem sobre o Poder Judiciário que é obrigado, muitas vezes, a decidir sobre um vazio legislativo, seja por ausência de previsão, seja por ser a previsão ultrapassada e inconstitucional. O que cria a complicada situação que obriga o judiciário a legislar indiretamente em suas decisões, criando precedentes para constitucionalizar o sistema penal e processual penal. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL Nesse sentido, cabe ressalvar que o Poder Judiciário pode interpretar e aplicar as normas existentes em conformidade com a Constituição, porém não poderá fazer as vezes do Poder Legislativo na tarefa de conformar os direitos fundamentais por meio de normas infraconstitucionais. O Poder Judiciário deve aplicar as leis e, também, examinar a sua constitucionalidade, mas não pode criá-las. Isso é uma função, uma atividade, um poder e um dever exclusivos do Poder Legislativo116.
Dessa forma, conclui-se que o reconhecimento e efetivação da presunção de inocência como garantia fundamental e princípio norteador do sistema penal começa com a atividade legislativa consistente na edição de normas infraconstitucionais efetivadoras do princípio. Enquanto viger o atual código processual, contrário ao princípio, a proteção constitucional continuará sendo violada. O problema da carga semântica do termo ordem pública na decretação da prisão preventiva Dispõe o artigo 312, caput, do CPP que a prisão preventiva poderá ser decretada como “garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. Importante ressaltar que a prisão preventiva tem como finalidade a asseguração de resultado profícuo do processo penal de conhecimento de caráter condenatório, sempre que os requisitos supracitados assim exigirem117, é completamente estranha, portanto, a qualquer fim de antecipação da pena118 ou com fins de prevenção119. Todavia, não obstante o caráter excepcional da medida, não é incomum se deparar com juízes e tribunais que rompem cotidianamente os critérios de preservação da liberdade do réu, decretando prisões sem critérios racionais ou de regramento jurídico120. Um elemento que parece promover esse comportamento violador da presunção de inocência, é a previsão da hipótese de decretação da prisão da prisão preventiva por garantia da ordem pública, que carrega consigo uma vasta gama de significados. Com efeito, além da própria indeterminação do conceito jurídico “ordem pública”, os termos escolhidos para explicá-lo são igualmente indeterminados, indefinidos ou intermináveis, como, por exemplo, “segurança, bons costumes, moralidade, paz social, credibilidade das instituições, tranquilidade, periculosidade e salubridade”121. Luiz Regis Prado assevera que a presunção de inocência é uma das vítimas da situação, apontando que apesar de todo o ensinamento constitucional e histórico, alguns sentidos da ordem pública fazem se presumir pela certeza da responsabilidade penal do réu e de que é propenso a uma vida de crimes. Exemplifica o autor que: não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção. A primeira é de verdadeiro cometimento do crime do qual é acusado e a segunda é de que continuará delinquindo ou consumará delito interrompido122.
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O STF já se debruçou sobre o tema em diversos julgamentos e, reconhecendo a ampla incidência do termo ordem pública, passou a delimitar sua aplicação como fundamento da prisão preventiva. Assim, decidiu que a gravidade do crime e suas circunstâncias não são, por si sós, ensejadoras da cautelar. Nesse sentido, destaca-se os seguintes julgados: [...] A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (RHC 68631, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/06/1991, DJ 23-08-1991 PP-11265 EMENT VOL-01630-01 PP-00088 RTJ VOL-00137-01 PP-00287)123. [....] PRISÃO PREVENTIVA – NÚCLEOS DA TIPOLOGIA – IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta [...]. (HC 83943, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 27/04/2004, DJ 17-09-2004 PP-00078 EMENT VOL-02164-02 PP-00245 LEXSTF v. 27, n. 313, 2005, p. 443-451)124.
Ainda, julgou incabível a prisão preventiva para saciar os anseios populares, o conhecido clamor público: [...] O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. – O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal [...].” (HC 96483 ES, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento:10/03/2009, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-064 DIVULG 02-04-2009PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-04 PP-00737)125.
Dessa forma, conclui-se que a redação do CPP sobre a prisão preventiva carrega consigo termos vagos, em especial a ordem pública, que possui uma vasta quantidade de significados, muitos deles inconstitucionais, já que consideram o réu um delinquente nato, propenso ao cometimento reiterado de crimes, o que não se harmoniza com a presunção de inocência. O respeito ao princípio, portanto, depende da fundamentação efetiva das decisões que decretam a prisão preventiva, com estrita observância das normas constitucionais ao se interpretar e aplicar o conceito ordem pública. A regressão de regime por prática de fato previsto como crime doloso Outro ponto onde há o afastamento do princípio da presunção de inocência é na Lei de Execução Penal, que prevê a regressão de regime por prática de fato revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL definido como crime doloso, dispensando o trânsito em julgado do processo que analisaria a conduta e até mesmo a condenação em primeira instância. O STF já analisou várias vezes a matéria e rechaçou a aplicação do princípio para o instituto, confirmando a incidência da regressão do regime ainda que sem a conclusão do processo criminal. Veja-se decisão em HC: EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. PRÁTICA DE CRIME DOLOSO PELO CONDENADO. FALTA GRAVE. REGRESSÃO DE REGIME. DESNECESSIDADE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. PRECEDENTES DO STF. ORDEM DENEGADA. 1. A Lei de Execução Penal não exige o trânsito em julgado de sentença condenatória para a regressão de regime, bastando, para tanto, que o condenado tenha “praticado” fato definido como crime doloso (art. 118, I da LEP). 2. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus. (HC 97218, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 12/05/2009, DJe-099 DIVULG 28-05-2009 PUBLIC 29-05-2009 EMENT VOL-02362-07 PP-01280 RTJ VOL-00210-03 PP-01213 RMP n. 42, 2011, p. 207-211)126.
Guilherme Nucci, alinhado como pensamento do tribunal de superposição, aponta que a lei fala em “fato e não em crime, de modo que não há necessidade de se aguardar o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória”127. Todavia, é certo que um fato só poderia ser considerado como criminoso após o julgamento e condenação por órgãos jurisdicionais e impor a regressão de regime apenas com a apuração administrativa do fato, viola inevitavelmente, a presunção de inocência. Resta, com a aplicação da regressão sem o devido processo legal para apurar o fato, o questionamento de como superar as consequências do condenado posto em regime fechado e posteriormente absolvido no processo criminal que apurou a conduta. O problema da exposição midiática excessiva Indiscutível que CF 1988 garantiu a liberdade de pensamento, determinou a publicidade dos atos processuais e proibiu a censura, todavia, o exercício desses direitos e deveres devem observar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, do devido processo legal e da presunção da inocência, o que consiste no respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento da República. Todavia, o que se observa, na verdade, é a espetacularização dos crimes pela mídia. O espaço dado ao noticiário criminal apresenta constante crescimento, tomando a maior parte dos programas. O que, considerando que a imprensa é uma atividade exercida visando o lucro, leva a conclusão que a exposição da violência é lucrativa. Tornou-se comum a presença dos ditos especialistas, que funcionam como verdadeiros comentaristas do crime, dando pareceres informais sobre os casos, sem, todavia, qualquer compromisso com as consequências de seus discursos na situação processual do acusado. O grande enfrentamento da presunção de inocência neste ponto é a exposição negativa e agressiva do réu, que muitas vezes é posto como violento, perverso e culpado, ainda que sem qualquer tipo de investigação ou processo. Com efeito, aponta Helena Cardoso que 34
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É notório que o sistema recursal está ultrapassado e a grande quantidade de recursos, sejam criminais ou cíveis, sobrecarregam os tribunais, que levam anos para julgá-los. A solução, na verdade, passa pela redução do número de recursos e em um filtro de admissibilidade mais rigoroso, o que pode ser feito na legislação infraconstitucional sem violação de outros Direitos e Garantias Fundamentais, como a ampla defesa e duplo grau de jurisdição.
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além de trabalhar com uma história “fechada em si”, as narrativas jornalísticas também empregam personagens estereotipadas, de fácil compreensão do público. Por conseguinte, os retratos midiáticos dos fatos puníveis estruturam-se, geralmente, com base na dicotomia do “bem” e do “mal”. É delineada uma nítida fronteira entre dois personagens possíveis: Em contraposição ao cidadão honesto e trabalhador, o autor do fato violento — a criminalidade por excelência nos meios de comunicação — é representado como a corporificação do “mal”, que deve ser combatido com todos os meios. Entre suas possíveis qualificações encontramos os termos “criminoso”, “bandido”, “vagabundo”, “malandro”, “maníaco”, “doente mental”, “lixo”, “não pessoa”, etc128.
O problema não é desconhecido do judiciário. Em interessante julgamento de Habeas Corpus no qual o impetrante pedia a garantia do direito de não ser algemado e exposto à exibição para as câmeras da impressa, a relatora Ministra Carmen Lúcia preferiu voto concedendo a ordem, do qual destaca-se o seguinte excerto: vivemos, nos tempos atuais, o Estado espetáculo. Porque muito velozes e passáveis, as imagens têm de ser fortes. A prisão tornou-se, nesta nossa sociedade doente, de mídias e formas sem conteúdo, um ato deste grande teatro que se põe como se fosse bastante a apresentação dos criminosos e não a apuração e a punição dos crimes na forma da lei. Mata-se e esquece-se. Extinguiu-se a pena de morte física. Mas instituiu-se a pena de morte social. [...] HC 89.429-1/RO, Rel. Ministra Carmen Lúcia, 22/08/2006)129.
No mesmo sentido, aduz Américo Bedê Júnior que “muitas vezes, a imprensa transforma o processo penal em um espetáculo, envolvendo o acusado de tal forma que, ainda que sobrevenha sua absolvição, a sanção já teria sido severamente imposta, pelo simples fato de ter ostentado a condição de réu”130. Além da criação de um rótulo social, a grande preocupação causada pela exposição midiática excessiva é a possível, ou provável, influência sobre o julgador. Não há como negar que a repetição da notícia, comentada por supostos especialistas de diversas áreas e o clamor popular criado pela mídia exerce certa influência na persecução penal, seja qual for a sua fase. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL O que é agravado quando o órgão competente para julgado é o Tribunal do Júri, já que os juízes são leigos, que não possuem, em regra, o conhecimento técnico para julgar imparcialmente, rechaçando as pressões externas. Assim, a tendência é que o réu seja julgado pelo que foi exposto pela mídia, principalmente nos casos de grande repercussão. Dessa forma, a presunção de inocência que deveria orientar todo sistema, inclusive a atividade jornalística, acaba sendo mitigada pelo espetáculo da imprensa, o que precisa ser urgentemente repensado. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência, não o contrário131. Aponta Maurício Zanoide que para coibir os efeitos negativos da mídia, deveria ser evitado a exposição de imagens e da identidade da pessoa, informando apenas o fato ocorrido. Assim, por exemplo: conforme se sabe da experiência de outros países, melhor seria que: antes de existir acusação formal, as notícias omitissem o nome dos envolvidos na investigação ou suspeitos; ou, ainda, se vedasse a exposição da imagem pejorativa de pessoas algemadas, carregadas e expostas de forma a representarem um troféu da autoridade pública que efetuou a prisão, ou, pior, para diminuí-las em sua autoestima e respeitabilidade social132.
Dessa forma, o princípio da presunção de inocência não se sobrepõe à liberdade de informar dos meios de comunicação, todavia, representa um cuidado a ser tomado, principalmente para evitar que a pessoa seja exposta como culpada, sendo a violação decorrente apenas do abuso. O modelo atual de exposição quase ilimitada deve ser repensado para que o princípio não seja mais violado. A execução provisória da pena Com relação à execução da pena, há dois diplomas que devem ser levados em consideração, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei n° 3.689 de 1941, e a Lei de Execução Penal, Lei 7.210 de 1984. Importante ressaltar que, como exposto anteriormente, o CPP foi redigido no Estado Novo, ditadura da Era Vargas, portanto, não pode ser interpretado e aplicado por si só. Há uma série de dispositivos incompatíveis com a atual ordem constitucional, sendo indispensável a leitura conjunta da ordem constitucional. Por outro lado, há dispositivos mais novos, inseridos em reformas do código, que indicam outra linha de pensamento, mais garantidora. Dentre os quais se destaca o artigo 283, que apresenta a seguinte redação: ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Depreende-se do artigo que trata de medida cautelares que o CPP prevê o encarceramento em quatro hipóteses: flagrante delito, ordem escrita e fundamentada de autoridade competente, sendo caso de prisão temporária ou prisão preventiva e em decorrência de sentença condenatória transitado em julgado. 36
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Dessa forma, é nítida a opção do legislador reformista em determinar o início da execução da pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Cabe destacar, nesse sentido, a exposição de motivos do anteprojeto da Lei n° 12.403 de 2011, que permite a verificação da mens legis, ou seja, o espírito, vontade da lei. Veja-se: O projeto sistematiza e atualiza o tratamento da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, com ou sem fiança. Busca, assim, superar as distorções produzidas no Código de Processo Penal com as reformas que, rompendo com a estrutura originária, desfiguraram o sistema [...] Nessa linha, as principais alterações com a reforma projetada são: [...] d) impossibilidade de, antes da sentença condenatória transitada em julgado, haver prisão que não seja de natureza cautelar133.
Portanto, resta clara a vontade do legislador em proibir a execução provisória da pena, permitindo apenas a prisão cautelar antes da sentença penal irrecorrível. A justificativa apresentada pelo Poder Executivo foi no mesmo sentido, conforme se depreende do seguinte excerto: finalmente é necessário acentuar que a revogação, estabelecida no projeto, dos arts. 393, 594, 595 e dos parágrafos do artigo 408, todos do Código de Processo Penal, tem como propósito definir que toda prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, terá sempre caráter cautelar. A denominada execução antecipada não se concilia com os princípios do Estado constitucional e democrático de direito134.
Além disso, a reforma realizada em 2008 revogou os artigos 393, que tratava dos efeitos automáticos da sentença recorrível, a prisão e o lançamento do nome do réu ao rol dos culpados, 594, que impunha a necessidade da prisão para apelar e 595, que considerava deserta a apelação caso o réu fugisse. Portanto, revogações que visaram rechaçar a prisão não cautelar antes do trânsito em julgado. Ainda com relação à reforma de 2008, Maurício Zanoide aponta outros artigos inseridos no CPP que levam a conclusão pela aversão do Código a execução provisória. Aponta o doutrinador que a reforma do Código de Processo Penal levada a cabo em meados de 2008 fez com que surgisse um novo alento no tema jurídico das prisões derivadas de decisões judiciais recorríveis. O legislador reformista deixou claro, ao redigir o parágrafo único do art. 387 (referente às prisões em decorrência de sentença condenatória impugnável) e o § 3º do art. 413 (sobre prisão provisória derivada de pronúncia), que essas prisões deverão ter como critério legitimador os pressupostos, os requisitos e a finalidade estipulados para a prisão preventiva (art. 312, CPP)135.
Por sua vez, a LEP, que regula propriamente a execução penal, em seu artigo 105, dispõe que “transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução”. Todavia, em seu artigo 2º, parágrafo único, dispõe que suas disposições também se aplicam ao preso provisório, o que causa discussões sobre a possibilidade da prisão provisória. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL Nos ensinamentos de Noberto Avena, contudo, o termo preso provisório, neste caso, refere-se apenas a aquele que se encontra sob prisão cautelar, eis que o flagrante deixou ser forma de manutenção da prisão e as prisões após sentença condenatória recorrível e da pronúncia não mais subsistem no ordenamento136. Encontra-se o mesmo ensinamento na doutrina de Rogério Lauria Tucci, o qual aponta que a lei de execução penal “estabeleceu um único pressuposto (à evidência, jurídico) da execução penal, qual seja o título executivo consubstanciado em ato de decisório de mérito condenatório, coberto pela coisa julgada”137. E ainda, nas lições de Ada Pellegrine, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, o quais sustentam que não parece razoável, à luz da disposição constitucional, que se possa falar em execução, definitiva ou provisória, do julgado penal ainda não definitivo, no tocante à aplicação da pena, especialmente, em face das intromissões que o denominado tratamento penitenciário estabelece nas esferas íntimas da personalidade do sujeito. Aliás, a própria Lei de Execução Penal (n° 7.210/84), só prevê a expedição de guia de recolhimento para a execução transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade (art. 105). E também o art. 60, do mesmo diploma, estabelece que a audiência admonitória do sursis só é realizada depois de transitada em julgado a sentença condenatória138.
Por fim, cabe ressaltar que a lei de execução foi editada antes da CF de 1998, portanto, não cabe a interpretação isolada de seus dispositivos, mas sim em leitura conjunta à Constituição. Por outro lado, há correntes diversas, que apontam pela possibilidade da execução provisória e sua compatibilidade com a presunção de inocência, utilizando diversas linhas de fundamentação. Para Rogério Sanches Cunha a LEP prevê a execução provisória em seu segundo artigo, assim,à luz da atual posição do STF, assevera que se deve ter cuidado para não confundir os conceitos de “início do processo de execução, que exige o trânsito em julgado da sentença, com o início da execução da pena, demandando recolhimento do condenado à prisão após o acórdão em segunda instância139”. Seguem o mesmo posicionamento Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna, os quais apontam a possibilidade de execução provisória por três motivos, a não previsão de efeito suspensivo ao recurso especial e extraordinário, a falta de efetividade dos recursos na correção do caso prático e a terminologia empregada pela LEP. Apontam os autores que: não há razões para impedir a execução do julgado quando pendente recurso especial e extraordinário. Primeiro, porque tais recursos não têm efeito suspensivo, de modo que a decisão do tribunal a quo é plenamente exequível. Segundo, porque tais recursos cada vez mais são encarados como medidas excepcionais, não preocupadas com a correção do caso concreto, mas sim com a preservação do (paralelismo) do ordenamento jurídico. Terceiro, porque a Lei de Execução Penal prevê sua aplicação aos presos provisórios, o que demonstra a possibilidade de execução provisória no processo penal140.
Na mesma linha é o pensamento de Douglas Fischer, que sustenta que: em decorrência de uma interpretação sistêmica, considerando-se todos os instrumentos jurídicos previstos para evitar a indevida restrição à liberdade dos cidadãos, o recolhimento
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do réu-condenado antes do trânsito em julgado na pendência dos recursos extraordinário (também na situação do recurso especial) não viola o comando constitucional supra descrito, nem qualquer outro que estipule proteção a garantias fundamentais. Assim, diante de todo o arcabouço constitucional (sistemicamente falando), não se viola a presunção de inocência, pois há mecanismos eficazes (entende-se que até muito mais eficazes que os próprios recursos) em sede constitucional para evitar eventual ilegalidade e recolhimento indevido com violação da presunção de inocência141.
Dessarte, pode se observar a existência de duas correntes teóricas bem delimitadas sobre a compatibilidade da execução provisória com a presunção de inocência e a Constituição. O que parece afetar o STF, visto que vem alternando sua jurisprudência, o que será visto a seguir. Breve análise dos recentes julgamentos do STF sobre a execução provisória Voto do Ministro relator Teori Zavascki no Habeas Corpus n° 126.292 A jurisprudência do STF sobre a execução provisória da pena vem mudando ao longo dos anos. A posição clássica, pautada no CPP e nas constituições anteriores a de 1988, era a de permitir a execução antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o que só foi alterado em fevereiro de 2009, no HC 847087 de Minas Gerais. Contudo, esse entendimento durou pouco, até o julgamento do Habeas Corpusn° 126.292 de São Paulo em 2016, quando foi determinado o início do cumprimento da pena após o acórdão de segundo grau. O HC foi relatado pelo Ministro Teori Zavascki, de quem se destaca o voto. A tese apresentada por Teori foi a da presença de juízo de certeza quando da apreciação da apelação em segunda instância, ante ao exaurimento do exame sobre os fatos e as provas da causa e a fixação, sendo o caso, da responsabilidade penal do acusado. Fundamentou que: [...] é nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas142.
Em decorrência, apontou o Ministro que não havendo discussão de fatos e provas após a segunda instância faz sentido negar efeito suspensivos aos recursos especial e extraordinário e, ainda, relativizar ou até inverter princípio da presunção de inocência até então observado. Fundamentou que a execução provisória não viola o princípio da presunção de inocência pois o acusado foi tratado como inocente até o esgotamento dos recursos ordinários, sendo sua culpabilidade reconhecida com juízo de certeza. Veja-se excerto do voto: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL realmente, a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual [...]143.
Outro argumento apresentado foi o Direito Comparado, no qual apontou que não há no cenário internacional país que aguarde o trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena. Para sustentar a argumentação, citou o voto da Ministra Ellen Gracie no julgamento do HC 85.886, no qual alegou que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”. Por fim, concluiu reiterando a possibilidade da execução após firmada a responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias e aduziu que eventuais erros nos juízos condenatórios, que são possíveis, podem ser corrigidos por outros mecanismos aptos a reverter as consequencias danosas para o condenado, suspendendo, caso preciso, a execução provisória da pena. O julgamento foi alvo de severas críticas por parte da doutrina, tanto penal quanto constitucional. Dentre elas, destaca-se a feita por Lênio Streck, o qual afirma que o julgamento desrespeitou procedimentalmente a Constituição e a própria súmula vinculante do tribunal. Com efeito, destaca-se excerto da crítica: [...] O artigo 283 é, por assim dizer, uma questão pré-judicial e prejudicial). Ele é barreira para chegar ao resultado a que chegou a Suprema Corte. [...] o próprio relator, ministro Teori Zavascki, contrariara posição que assumira como ministro do Superior Tribunal de Justiça na Reclamação 2.645, em que ficou assentando – corretamente – que o judiciário somente pode deixar de aplicar uma lei se a declarar formalmente inconstitucional (esse enunciado constitui a primeira das minhas seis hipóteses pelas quais o judiciário pode deixar de aplicar uma lei). Assim, o STF contrariou a jurisdição constitucional, naquilo que ele próprio vem estabelecendo. Veja-se, nesse sentido, a Súmula Vinculante 10, pela qual “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. [...] Por que existe a SV 10 e o artigo 97 da CF? Simples: É para evitar que um texto jurídico válido seja ignorado ou contornado para se chegar a um determinado resultado. No caso, o STF afastou – sem dizer – a incidência do artigo 283. E ao não dizer e fundamentar devida e claramente, fez algo que ele mesmo proíbe aos demais tribunais144.
Imperioso ressaltar o teor do artigo 97 da Constituição Federal, o qual ordena que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Assim, ao se coadunar o referido artigo com o verbete n°10 da Súmula Vinculante do STF, tem-se que a única maneira de se afastar aplicabilidade de uma lei, seja no todo ou parte, é a declaração de sua inconstitucionalidade pela maioria absoluta de votos do Tribunal, o que não aconteceu no julgamento. Como efeito da virada jurisprudencial, tornou-se comum as decisões que permitem a execução provisória da pena após a condenação pelo Tribunal do Júri, 40
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com fundamento na impossibilidade dos Tribunais reavaliarem fatos e provas, ante a soberania da decisão do Júri. Veja-se decisão nesse sentido: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO, AMBOS QUALIFICADOS. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE. 1. A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular. 2. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no, Rel. Min. Teori Zavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri. 3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso. 4. Habeas corpus não conhecido, ante a inadequação da via eleita. Não concessão da ordem de ofício. Tese de julgamento: “A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade.” (HC 118770, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, Processo Eletrônico DJe-082 Divulg 20-04-2017 Public 24-04-2017)145-146.
Luiz Regis Prado, em crítica a caso específico, aponta que decisões nesse sentido representam claro descarte à presunção de inocência, sendo incabível o discurso de pouca probabilidade de modificação da decisão147. Voto do Ministro Edson Fachin na liminar das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n° 43 e 44 Ainda em 2016 houve julgamento das liminares das Ações Declaratórias de Constitucionalidade de nº 43 e 44. Os ministros do Supremo tinham como opções ao votar decretar que a decisão do HC n° 126.292 violou o artigo 283 do CPP, reformando, por consequência, aquela decisão, ou declarar a inconstitucionalidade do referido artigo. Todavia, foi escolhida uma terceira opção, dar interpretação conforme à Constituição ao dispositivo148. O ministro Edson Fachin, primeiro a votar após o relator, abriu a divergência que saiu vencedora para negar a liminar. Segundo o ministro, a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, mesmo sujeito a recurso especial ou extraordinário, não viola a presunção de inocência. Nesse sentido, apontou que o princípio deve ser interpretado e ponderado em conjunto com outros princípios constitucionais de mesma ênfase. Aduziu, ainda, que “a finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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Não se pode admitir o argumento da baixa taxa de sucesso dos recursos especial e extraordinários para justificar a presunção de inocência. Embora seja uma estatística verdadeira, frisa-se que a Constituição aponta a necessidade do trânsito em julgado para a extinção do estado de inocência. O argumento expõe uma visão gradualista, que acredita que a presunção de inocência se esvai a cada fase do processo, o que se compatibiliza com a presunção de culpa, não de inocência.
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quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto”149. Por fim, concluiu o voto apontando pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP, dando interpretação conforme à Constituição para permitir a execução provisória da pena após o acórdão em grau de apelação, salvo nos casos que for atribuído efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial. O voto do Ministro relator Luís Roberto Barroso no Habeas Corpus n° 152.752 (Caso Lula) O último julgamento de grande repercussão envolvendo a presunção de inocência e sua compatibilidade com a execução provisória da pena foi o julgamento do HC 152.752 Paraná, no qual novamente se manteve a possibilidade da execução antecipada e ganhou grande repercussão por ser paciente o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. O ministro relator Luís Roberto Barroso defendeu o início do cumprimento de pena após a decisão de segunda instância com base na tese da mutação constitucional, o que seria uma mudança da interpretação constitucional feita pela Corte, alterando o sentido e alcance da norma. Segundo explicou, a mutação ocorre quando há alteração relevante na realidade social, na compreensão do direito ou pelos impactos negativos produzidos pelo entendimento anterior150. Asseverou que os pontos negativos da proibição da execução provisória da pena são o poderoso incentivo à infindável interposição de recursos protelatórios, gerando prescrições virtuais;o reforço à seletividade do sistema penal, facilitando mais a prisão de um menino com cem gramas de maconha do que a de agente público ou privado que desvie cem milhões de reais; e o descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade pela demora nas punições e pelas frequentes prescrições, o que gera enorme sensação de impunidade151. 42
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Fundamentou juridicamente seu voto dizendo que a CF não exige trânsito em julgado para a prisão, mas sim, ordem escrita e fundamentada de autoridade competente e que as declarações de Direitos Humanos também não exigem o trânsito em julgado, bem como a maioria dos países. Alegou ainda, que é baixíssima alteração das decisões nos tribunais de superposição e erros podem ser corrigidos por habeas corpus que não vêm sendo restringidos. Aduziu ainda, que a presunção de inocência, por ser um princípio não tem aplicação binária, isto é, respeito ou desrespeito, mas é, na verdade, aplicada após ponderação, que é a concessão de pesos distintos para cada princípio incidente no caso concreto, devendo preponderar, nesse caso, a efetividade mínima do sistema penal. Por fim, apontou Barroso que a proibição da execução provisória da pena causa sensação de insegurança na sociedade e, apesar de ser inadequado interpretar a Constituição para atender o clamor público, o Supremo Tribunal Federal deve atender um valor mínimo de senso de Justiça. Análise crítica do voto do Ministro Celso de Mello no caso Lula como proposta teórica para a possibilidade de execução provisória da pena Ainda no HC do caso Lula, o Ministro Celso de Mello apresentou voto favorável à concessão da ordem e, portanto, contrário a execução provisória da pena, apresentando argumentos que parecem encerrar a discussão, embora vencido no julgamento. Com efeito, apontou que a Constituição Federal não pode ser submetida às vontades dos poderes constituídos nem ao império dos fatos e das circunstâncias. Assim, os julgamentos no STF, para ser imparciais e isentos, devem se manter longe dos clamores e pressões externas, sob pena de completo afastamento do sistema constitucional e mitigação dos direitos e garantias fundamentais. Em sequência, fez questionamentos relevantes à presidente do Tribunal [...] quantos valores essenciais consagrados pelo estatuto constitucional que nos rege precisarão ser negados para que prevaleçam razões fundadas no clamor público e em inescondível pragmatismo de ordem penal? É possível [...] a uma sociedade livre, apoiada em bases genuinamente democráticas, subsistir sem que se assegurem direitos fundamentais tão arduamente conquistados pelos cidadãos em sua histórica e permanente luta contra a opressão do poder, como aquele que assegura a qualquer pessoa a insuprimível prerrogativa de sempre ser considerada inocente até que sobrevenha, contra ela, sentença penal condenatória transitada em julgado?152
Ressalta-se, nesse ponto, o que foi exposto sobre as consequências negativas da exposição exagerada da mídia sobre os fatos criminosos sobre a sociedade e o Judiciário. O aumento dos crimes violentos, em especial o roubo, e dos chamados crimes do colarinho branco, que ganharam especial atenção com o agravamento da crise política que envolve o país, parecem gerar no Judiciário, em especial o STF, a pressão para a solução do problema. Dessa forma, chega-se a situação do Judiciário ativista que, extrapolando suas funções constitucionais, passa a utilizar sua jurisprudência para tentar resolver os problemas sociais. Assim, no caso da presunção de inocência, mitigou a aplicação revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL da proteção constitucional para atender o clamor público, aceitando a hipótese de que a execução após o trânsito em julgado é a culpada pela alta criminalidade. Iniciando a argumentação jurídica contra a execução provisória da pena, Celso de Mello apontou ser incongruente o STF proibir o lançamento do nome do réu ao rol dos culpados antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas permitir a execução provisória da pena, ou seja, permite que o réu sofra a consequência mais danosa e impede a menos grave. Apontou que a Constituição previu expressamente a prisão preventiva e a decorrente de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, mas se silenciou sobre a execução provisória. O que leva a conclusão de que a Carta Política teria previsto expressamente a prisão para execução provisória caso fosse a intenção. Com relação ao argumento dos recursos protelatórios, apontou que os recursos são previstos em lei e devem ser utilizados, sob pena de uma atuação inepta do defensor do réu. Asseverou que o combate aos recursos protelatórios deve ser realizado por meio dos filtros de admissibilidade previstos na própria lei para evitar os exageros recursais, como a necessidade de demonstrar a repercussão geral do recurso extraordinário. Nesse sentido, Celso de Mello apontou que ainda que se insista que existem recursos demais, esse é um problema da lei. Poderia o legislador restringir as hipóteses de recursos especiais e extraordinários, ampliar seus requisitos, dificultar sua interposição, como propôs o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso em anteprojeto de emenda constitucional. Assim, o processo terminaria mais cedo e seria possível executar a pena sobre culpados, sobre decisões transitadas em julgado.
Concluiu que a solução estaria, portanto, na reformulação do sistema processual pelo Poder Legislativo, para que o sistema seja mais racional e efetivo, mas não como se pretende, desconsiderando um direito fundamental legitimado pelo princípio democrático. O posicionamento do Ministro encontra esteio no ensinamento de Maurício Zanoide, o qual aponta que o princípio não determina a maior ou menor extensão do devido processo legal, mas tão somente garante a não antecipação da punição ao réu, conforme mandamento Constitucional153. Nesse sentido, aponta o autor que o respeito a presunção de inocência, na verdade, depende da duração razoável do processo para sua concretização. Veja-se: A presunção de inocência opera, de fato, exatamente no sentido de exigir do Estado um processo o mais célere possível, visto que a própria existência da persecução penal em face do indivíduo já é uma situação desfavorável a seu status dignitatis. O julgamento final no menor tempo possível, respeitando-se as demais garantias processuais, é, portanto, uma forma de se atribuir maior efetividade e respeito à presunção de inocência154.
Em continuidade, o Ministro apontou que a sensação de impunidade e inefetividade do sistema penal decorrente desse sistema recursal pródigo não decorre do direito fundamental de se presumido inocente. O que é corroborado por Luiz Regis Prado em suas lições 44
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embora se tenha difundido a ideia de que o garantismo implica impunidade, abolicionismo penal ou proteção ao réu pelo excesso de zelo a este ou pelo uso mínimo do Direito Penal, tal alegação é quebradiça e revela profundo desconhecimento de uma teoria que estabelece vigas-mestras de um modelo de Estado que se arvora em limites que estão estipulados em uma das grandes conquistas sociais da história: as Constituições155.
Esse posicionamento, na verdade, parece deixar de lado os problemas estruturais da persecução criminal, especialmente no que diz respeito a falta de recursos e de pessoal na Polícia Judiciária, o que impede uma investigação de qualidade que indiscutivelmente melhoraria a qualidade dos julgamentos. Ainda, da baixa efetividade dos tribunais brasileiros, que levam uma grande quantidade de tempo para apreciar os recursos, o que além da ineficiência, também é fruto da cultura litigante instaurada no país, que lota o Judiciário com processos de outras áreas do Direito. Especificamente ao conteúdo do princípio, apontou o ministro que ao se interpretar a previsão do artigo 5º, inciso LVII da Constituição pátria é possível concluir que a Lei Maior estabelece, de modo inequívoco, que a presunção de inocência “somente perderá a sua eficácia e a sua força normativa após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”156. Com efeito, concluiu que o pressuposto legitimador das sanções de direito penal, notadamente a efetivação executória da pena privativa de liberdade, é a existência da coisa julgada penal, a significar que o ordenamento constitucional brasileiro (no ponto complementado pela legislação ordinária) – embora admitindo a utilização, pelo Estado, dos instrumentos de tutela cautelar penal (como, p. ex., a prisão temporária, a prisão preventiva e a prisão resultante de condenação criminal meramente recorrível), independentemente de decisão condenatória ou, até mesmo, do respectivo trânsito em julgado – não permite a antecipação executória da sanção penal.
No mesmo sentido é o pensamento de Carolina Rêgo e Luís Roberto Gomes que trabalhando a falta de efeito suspensivo automático nos recursos especial e extraordinário e a impossibilidade de reapreciação de fatos e provas, apontam que a execução penal exige coisa julgada formal, único elemento capaz de afastar a presunção de inocência157. Ainda, Maurício Zanoide crítica o discurso de juízo de certeza dos tribunais e da pouca alteração das decisões nos recursos supracitados, visto que a certeza exigível para a execução da pena é obtida apenas com o esgotamento das vias recursais. Veja-se: Por mais certeza que o Tribunal prolator daquela decisão possua quanto à materialidade e autoria da infração, essa certeza ainda não é a última palavra do Judiciário, ou seja, o devido processo legal não a tem como firme o suficiente para atender à cláusula jusfundamental. A questão, portanto, neste ponto, não é de “alta probabilidade”, ou até mesmo “certeza” que o órgão a quo (Tribunal estadual ou regional) possa ter atingido. O que importa é perceber que essa decisão recorrível é apenas uma fase, conforme as regras do devido processo legal. Ainda não é a decisão suficiente ou eficaz para pôr termo à persecução penal158.
Por fim, seguem a mesma linha Eugenio Pacelli e Paulo Saint Pastous Caleffi que lecionam que a execução provisória da pena representa clara antecipação dos revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL resultados finais do processo, sendo, portanto, clara violação ao princípio constitucional da presunção de inocência159. CONCLUSÃO Os Direitos e Garantias Fundamentais não surgem por acaso. São conquistas sociais lapidadas na maioria das vezes ao longo de séculos, e que mesmo após a positivação e reconhecimento demandam constante atenção, pois não são poucas as correntes autoritárias que buscam a diminuição ou extinção desses direitos. Não é diferente o caso da presunção de inocência. Como visto, apesar de identificados resquícios no Direito Romano, a concepção moderna, fruto do pensamento iluminista, e a primeira positivação do princípio ocorreram apenas na Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão de 1789. Antes disso, enfrentou-se a presunção de culpa e a barbárie, incluindo julgamentos por ordálias e por combate, tortura como meio de prova, e processos meramente formais, onde a condenação era resultado pré-fixado. Todavia, apesar da evolução propiciada pelo Direito Francês, a verdadeira vocação ao respeito dos Direitos Fundamentais surgiu após os horrores da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, onde o pensamento jurídico foi profundamente alterado pelas atrocidades cometidas pelos regimes autoritários envolvidos nos conflitos, em especial o nazismo. Nesse momento histórico, constatou-se a necessidade da previsão constitucional e infraconstitucional dos Direitos Fundamentais, e além disso, a necessidade de medidas para a concretização desses mesmos direitos. No Direito brasileiro, a presunção de culpa reinou até a Constituição Federal de 1988, marco inicial da previsão do princípio. Todavia, a evolução não foi acompanhada no campo infraconstitucional, eis que o Código de Processo Penal de 1941, ainda vigente, foi concebido em período autoritário e com influências fascistas e, apesar das reformas realizadas, continua inconstitucional em sua maior parte. Enquanto princípio constitucional, é certo que a presunção de inocência não tem sua incidência limitada à área penal. Além de nortear o Direito Penal e Processual Penal, a presunção de inocência também se aplica ao réu em processo administrativo disciplinar e ao adolescente representado em Ação Socioeducativa, habitando, portanto, outras áreas do Direito. A partir do estudo do conteúdo do princípio se pôde concluir que não há diferenciação constitucional entre as terminologias presunção de inocência e de não culpabilidade, embora correntes diversas, sendo improdutiva a discussão. Os possíveis resultados dessa atividade são típicos de ordenamentos jurídicos que presumem a culpa, não a inocência. Com relação ao seu conteúdo, conclui-se que a presunção de inocência se manifesta como regra probatória, de juízo e de tratamento. Enquanto regra probatória, o princípio distribui o ônus da prova no processo penal ao acusador, seja o Ministério Público na ação penal pública, seja o querelante na ação penal privada. Ressalta-se que a inversão do ônus da prova é total, sendo que o acusador deve provar inclusive a inexistência de causas excludentes de tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Assim, firma-se maior equilíbrio entre acusação e réu, visto ser inegavelmente mais fácil acusar do que se defender. A manifestação como regra de juízo é decorrência da norma probatória. Seu conteúdo indica a necessidade de o julgador fundamentar suas decisões indicando, 46
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de modo claro e relacionando as provas constantes nos processos, os motivos que ensejaram sua decisão e a razão pela qual a decisão tomada é a mais adequada para o caso. Além disso, esse aspecto abrange os subprincípios do in dubio pro reo e favor rei, que estabelecem, respectivamente que a dúvida deve ser resolvida em benefício do acusado e que as normas devem ser interpretadas e aplicadas da maneira menos prejudicial ao réu. Destarte, garante-se um processo condizente com os preceitos constitucionais. Por fim, a regra de tratamento impede a antecipação dos efeitos negativos da sentença condenatória antes do trânsito em julgado, isto é, impede que o acusado seja tratado como condenado antes da sentença se tornar irrecorrível. O que também implica na proibição de tratamento vexatório ou que diminua o réu enquanto pessoa, tanto pelos agentes públicos envolvidos na persecução criminal, quanto agentes privados, sejam quais forem as suas relações com o réu ou com o processo. Entretanto, a presunção de inocência é vítima de uma série de situações que violam seu conteúdo, o que é, muitas vezes, resultado de pensamentos punitivistas decorrentes da crise de violência e política que vive o país. Como se viu, a violação da presunção de inocência começa com a inércia do legislador em relação à legislação penal e processual, em especial o Código de Processo Penal, anacrônico e de inspiração fascista, e em sua maior parte inconstitucional. Ao não editar uma nova lei ou não realizar uma profunda reforma no código vigente, o que parece menos eficiente, o legislador abdica da sua função constitucional e deixa a cargo do Poder Judiciário a responsabilidade de adequar o Processo Penal à Constituição, o que não é apropriado, nem constitucional. Há, também, violação da presunção de não culpabilidade em decisões ou sentenças baseadas no princípio do in dubio pro societate, o qual se concluiu inexistente, eis que em todas as fases do processo há um conjunto probatório mínimo exigido para seu prosseguimento, devendo eventuais dúvidas ser convertidas em favor do réu. Ainda, concluiu-se pela violação no fundamento de absolvição por falta de provas para condenação, visto que representa uma condenação social para o acusado. O que também aconteceu com a atuação desenfreada da mídia no noticiário criminal. E, ainda, pela regressão de regime pela prática de fato definido como crime doloso sem o devido processo legal para apuração dessa conduta. Todavia, a principal causa de discussão reside na compatibilidade da execução provisória da pena com a presunção de inocência. Nota-se que o tema é divergente inclusive no Supremo Tribunal Federal, que oscilou sua jurisprudência na última década, sempre em votações apertadas. Como exposto, não há compatibilidade entre a execução provisória e o princípio. O enunciado do artigo 5º, LVII, da CF, possuiu redação clara e indiscutível, indicando o termo a partir do qual o acusado perde seu estado de inocência e passa a sofrer a execução da pena imposta pela sentença penal condenatória, qual seja, o trânsito em julgado da condenação. Da mesma forma, diversos dispositivos inseridos no Código de Processo Penal após a Constituição de 1988 indicam a necessidade do trânsito em julgado. O que também se identifica na Lei de Execução Penal. Importante ressaltar que não se nega certa ineficácia do sistema penal e problemas de política criminal no Brasil, todavia, não é a redução de Direitos e Garantias Constitucionais que irá resolver a situação. Assim, antes de afastar a presunção revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL de inocência, dever-se-ia melhorar a estrutura da Polícia Judiciária, para que se investigue melhor, o que certamente é mais efetivo contra impunidade. Da mesma forma, rechaça-se a tese de que a presunção de inocência causa impunidade ante a interposição de recursos protelatórios e as prescrições decorrentes da demora no julgamento. A solução dessa questão não é a violação de garantia fundamental, mas sim a reformulação do sistema recursal e do modo de funcionamento dos tribunais superiores. É notório que o sistema recursal está ultrapassado e a grande quantidade de recursos, sejam criminais ou cíveis, sobrecarregam os tribunais, que levam anos para julgá-los. A solução, na verdade, passa pela redução do número de recursos e em um filtro de admissibilidade mais rigoroso, o que pode ser feito na legislação infraconstitucional sem violação de outros Direitos e Garantias Fundamentais, como a ampla defesa e duplo grau de jurisdição. Por outro lado, não se pode admitir o argumento da baixa taxa de sucesso dos recursos especial e extraordinários para justificar a presunção de inocência. Embora seja uma estatística verdadeira, frisa-se que a Constituição aponta a necessidade do trânsito em julgado para a extinção do estado de inocência. O argumento expõe uma visão gradualista, que acredita que a presunção de inocência se esvai a cada fase do processo, o que se compatibiliza com a presunção de culpa, não de inocência. Portanto, conclui-se, diante do exposto, que o reconhecimento da presunção de inocência é uma grande conquista da humanidade e essencial na efetivação do Estado Democrático de Direito. Todavia, embora sua positivação na maioria dos países democráticos e no Direito Internacional, a efetividade de sua proteção ainda precisa ser consolidada, o que depende da superação de diversas situações que violam seu conteúdo. NOTAS 1 MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lamen Juris, 2010, p. 28. 2 Cf. BARROS, Antônio de. Procedimento penal acusatório das “questiones perpetuae”: fonte da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. Biblioteca Digital Jurídica. São Paulo, n. 59, abr/jun. 1997, p. 27-35. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/22548/ procedimento_penal_acusatorio_quaestiones.pdf>. Acesso em: 1 set. 2018. 3 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 33. 4 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 40. 5 Ibidem, p. 51. 6 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 441. 7 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 73. 8 FERRASIN, Marcelo Moreira. Ordálios, historiografia e os escritos episcopais de Agobardo e Hinomar. In: Simpósio Nacional de História – ANPUH. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, 2011, p. 1-4. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1308183915_ARQUIVO_Artigoordalios-ANPUH.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2018. 9 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 76. 10 GONZAGA, João Bernardino Garcia. A inquisição em seu mundo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 24. 11 Ibidem, p. 31. 12 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 89.
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13 ZAFFARONI, Eugénio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 38. 14 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 100. 15 BECCCARIA, Cesare.Dos delitos e das penas. Tradução J. Cretella Jr. e AgensCretella. 2.ed. rev. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999, p. 61. 16 Ibidem, p. 64-65. 17 BECCCARIA, Cesare. op. cit., p. 61. 18 FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, de 26 de agosto de 1789. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018. 19 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 123-126. 20 ESTADOS UNIDOS DA AMERICA. Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de junho de 1776. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde20022014-133159/publico/Anexos_Dissertacao_Completo_Miriam_Ashkenazi.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2018. 21 FERRAJOLI, Luigi, op. cit., p. 442. 22 Confira-se, ainda, a previsão do princípio em outros documentos internacionais. Em plano regional a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos/Carta de Banjul e a Declaração Islâmica sobre Direitos Humano, e, em plano global o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. 23 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2018. 24 ALMEIDA, Candido Mendes de. Ordenações e leis do Reino de Portugal: quarto livro das ordenações. 14. ed. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870, p. 1308 -1309. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242733>. Acesso em: 30 jul. 2018. 25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 31.7775. Rel. Min. Edgard Costa. Brasília, DF, 29 de outubro de 1951. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. jsp?docTP=AC&docID=87582>. Acesso em: 05 jul. 2018. 26 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada em 22 de novembro de 1969. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 18 set. 2018. 27 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 451. 28 NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de processo penal e execução penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 43. 29 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 599. 30 Ibidem, p. 452. 31 GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 27-30. 32 DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Princípios no processo penal brasileiro. Campinas: Copola, 1999, p. 137. 33 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 24. 34 NICOLITT, André Luiz. Manual de processo penal. 5. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 150. 35 BARBAGALO, Fernando Brandini. Presunção de inocência e Recursos Criminais Excepcionais: em busca da racionalidade do sistema processual penal brasileiro. Brasília: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, 2015, p. 57. Disponível em: < https://www.tjdft.jus.br/institucional/escola-de-administracao-judiciaria/plano-instrucional/e-books/e-books-pdf/presuncaode-inocencia-e-recursos-criminais-excepcionais>. Acesso em: 05 jun. 2018. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL 36 BRASIL. Projeto de Constituição: Emendas oferecidas em plenário, p. 1244. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-228.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2018. 37 Define Luiz Regis Prazo que “este Estado de Direito é caracterizado pela definição rigorosa e pela garantia dos direitos à vida, à integridade física, à liberdade física, de consciência, religiosa, à igualdade e à segurança individual, pluralidade de órgãos de governo com independência ou interdependência, reserva da função jurisdicional, princípio da constitucionalidade, responsabilidade do Estado e fiscalização da Administração”. PRADO, Luiz Regis; SANTOS, Diego Prezzi. Prisão preventiva: a contramão da modernidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 5. 38 BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal – Tomo I. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 16. 39 BARBAGALO, Fernando Brandini. op. cit., p. 65. 40 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 199. 41 Em tom crítico, apontam Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho “ser inegável que a valoração da história de vida do acusado, da forma com que se estabeleceu no ordenamento jurídico pátrio, cria um mecanismo incontrolável do arbítrio judicial, pois tende a (pré)determinar juízos de condenação – geralmente, chegado o momento de prolatar a sentença penal, o juiz já decidiu se condenará ou absolverá o réu. Chegou essa decisão (ou tendência a decidir) por vários motivos, nem sempre lógicos ou derivados da lei. Muitas vezes, a tendência a condenar está fortemente influenciada pela extensão da folha de antecedentes do réu”. CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 51. 42 Cf. FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 307 e TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 318. 43 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 264. 44 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 605-606. 45 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 165 46 NICOLITT, André Luiz. Manual de processo penal. op. cit., p. 153. 47 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus n° 118.009/SP. Rel. Min. Celso Limongi. Brasília, DF, 13 de abril de 2011. Disponível em: < http://www.crianca. mppr.mp.br/pagina-1174.html>. Acesso em: 05 jun. 2018. 48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n° 23.626/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Brasília, DF, 23 de abril de 2014. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7065460>. Acesso em: 05 jun. 2018. 49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n°482006/MG. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF, 07 de novembro de 2017. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com. br/jurisprudencia/14725391/recurso-extraordinario-re-482006-mg>. Acesso em: 05 jun. 2018. 50 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 72. 51 BARBAGALO, Fernando Brandini. op. cit., p. 67-68. 52 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 194. 53 Cf. RE 565519/DF e HC 69.696/SP. 54 Art. 5º, LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; 55 Veja-se ainda HC 67.841/SC e HC 89.754/BA. 56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 67.707/RS. Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 07 de novembro de 1889. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=71270>. Acesso em: 30 de jul. 2018. 57 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 311.
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58 No original: L’imputato non e` considerato colpevole sino alla condanna definitiva. 59 ITÁLIA. Constituição da República Italiana (1947). Disponível em: < https://www.senato.it/ application/xmanager/projects/leg18/file/repository/relazioni/libreria/novita/XVII/COST_ PORTOGHESE.pdf>. Acesso em 26 jun. 2018. 60 No original: Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utiLuizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia. La ley regulará los casos en que, por razón de parentesco o de secreto profesional, no se estará obligado a declarar sobre hechos presuntamente delictivos. 61 ESPANHA. Constituição Espanhola (1978). Disponível em: <http://www.lamoncloa.gob.es/documents/constitucion_es1.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2018. 62 No original: 24 [...] e. Toda persona es considerada inocente mientras no se haya declarado judicialmente su responsabilidad. 63 PERU. Constituição Política do Peru (1993). Disponível em: < https://www.migraciones.gob.pe/ documentos/constitucion_1993.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2018. 64 No original: Artículo 17: En el proceso penal, o en cualquier otro del cual pudiera derivarse pena o sanción, toda persona tiene derecho a: 1. que sea presumida su inocência [...]; 65 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal: volume único. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 43. 66 PACELLI, Eugênio. Curso de processo Penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 51. 67 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 265. 68 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 73.338. Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 13 de agosto de 1996. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia >. Acesso em: 05 jul. 2018. 69 CALEFFI, Paulo Saint Pastous.Presunção de Inocência e execução provisória da pena no Brasil: análise crítica e impactos da oscilação jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 34. 70 LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 550. 71 Cf. RANGEL, PAULO. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 27 . 72 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.267. 73 Cf. BEDÊ JUNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 96 e NUCCI, Guilherme de Souza. Ibidem, p. 266. 74 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal na Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 108. 75 CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 39. 76 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 580. 77 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 509-581 78 CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 41. 79 LOPES JR., Aury. Direito processual penal. op. cit., p. 398. 80 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 441. 81 BEDÊ JUNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. op. cit., p. 94 82 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 460. 83 RANGEL, PAULO. op. cit., p. 35. 84 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 460-461. 85 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 598. 86 CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 40-43. 87 FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 498. 88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 98.803. Rel. Min. Eros Grau. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=547237>. Acesso em: 25 ago. 2018. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL 89 CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 40-43. 90 NICOLITT, André Luiz. op. cit., p. 150. 91 GOMES FILHOS, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 43. 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 89.501. Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 12 de dezembro de 2006. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ visuaLuizarEmenta.asp?s1=000090230&base=baseAcordaos>. Acesso em: 05 jun. 2018. 93 CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 27 apud GIOACOMOLLI, Nereu José. O devido Processo Penal: abordagem conforme a constituição federal e o pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 98. 94 CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 27 95 Cf. Informativo n° 405 do Supremo Tribunal Federal. 96 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 24. 97 FERNANDES, Antônio Scarence. Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 328. 98 PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: Teoria, crítica e práxis. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. 99 CERNICCHIARO, Luiz Vicente.op. cit., p.111. 100 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 541. 101 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 46. 102 RÊGO, Carolina Noura de Moraes; GOMES, Luís Roberto. Princípio de presunção de inocência ou de não-culpabilidade: estudo crítico do seu sentido, alcance e consequências como direito fundamental de tratamento jurídico-constitucional garantístico. p. 6. Disponível em <http://www.professorregisprado.com/resources/Artigos/Luis_Roberto_Gomes/Presun%C3%A7%C3%A3o%20de%20Inoc%C3%AAncia%20-%20Carol%20-%20Luis%20-%20vers%C3%A3o%20fina.pdf>. Acesso em 07 jul. 2018. 103 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 264. 104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 152.752 Paraná. Voto do Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 04 de abril de 2018, p. 7-8. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/ dl/leia-voto-ministro-celso-mello-habeas.pdf>. Acesso em: 04 set. 2018. 105 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais. 106 NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de processo penal e execução penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 48. 107 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n° 788457. Rel. Min. Luiz Fux. Brasília, DF, 13 de maio de 2015. Disponível em: <http://www. stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000287756&base=baseMonocraticas>. Acesso em: 13 ago. 2018. 108 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 520-529. 109 Cf. CERNICCHIARO, Luiz Vicente. op. cit., p. 110. 110 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n° 125.639 Acre. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. Brasília, DF, 20 de março de 2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/ docs_internet/informativos/RTF/Inf0493.rtf>. Acesso em: 20 ago. 2018. 111 LOPES JR., Aury.op. cit., p. 401. 112 BEDÊ JUNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 99. 113MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 513. 114 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 597-598. 115 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 375. 116 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 628.
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117 TUCCI, Rogério Lauria. op. cit., p. 315. 118 Veja-se nesse sentido RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello. 119 Explica, nesse sentido, Germano da Silva que o direito à presunção de inocência não é compatível com a aplicação da medida de prisão preventiva por razões de prevenção geral nem de prevenção especial positiva. A pena, enquanto meio de proteção de bens jurídicos tutelados pena norma penal incriminadora e declarada que foi já responsabilidade do arguido, pode compatibilizar-se com essas funções, não as medidas cautelares, nomeadamente a medida mais gravosa de entre todas: a prisão preventiva. MARQUES DA SILVA, Germano. O princípio da presunção de inocência do arguido. Revista do Ministério Público, Lisboa, n 5, p. 45. Disponível em: <http://rmp.smmp.pt/ermp/104/files/basic-html/page4.html>. Acesso em: 05 ago. 2018. 120 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 483. 121 PRADO, Luiz Regis; SANTOS, Diego Prezzi. op. cit., p. 53. 122 Ibidem, p. 186-188. 123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n° 68631. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 25 de junho de 1991. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000044036&base=baseAcordaos>. Acesso em: 23 de set. 2018. 124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 83.943. Rel. Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 27 de abril de 2004. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000094861&base=baseAcordaos>. Acesso em: 23 set. 2018. 125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 96.483. Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 10 de abril de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/ anexo/MC_no_HC_118580.pdf>. Acesso em: 23 set. 2018. 126 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 97.218. Rel. Min. Ellen Gracie. Brasília, DF, 12 de maio de 2009. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4124286/ habeas-corpus-hc-97218-rs>. Acesso em 12 set. 2018. 127 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 502. 128 CARDOSO. Helena Schiessl. Discurso criminológico da mídia na sociedade capitalista: necessidade de desconstrução e reconstrução da imagem do criminoso e da criminalidade no espaço público. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba 2011, p. 58. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/25722/Dissertacao%20 Helena%20Schiessl%20Cardoso.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 20 jul. 2018. 129 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Habeas Corpus n° 89.429-1 Rel. Min. Carmen Lúcia. Brasília, DF, 22 de agosto de 2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=402446>. Acesso em 20 set. 2018. 130 BEDÊ JUNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. op. cit., p. 66. 131 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 191-192. 132 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 634. 133 BRASIL. Senado Federal. Gabinete do Senador Demóstenes Torres. Parecer. p. 2. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/projeto-lei-11108.pdf>. Acesso em: 23 set. 2018. 134 BRASIL. Câmara Federal. Projeto de Lei n° 4.208 de 2001, p.2.Disponível em: <http://www. camara.gov.br/sileg/integras/19607.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018. 135 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 558. 136 AVENA, Noberto Cláudio Pâncaro. Execução Penal: esquematizado. 1. ed. São Paulo: Forense, 2014, p. 28. 137 TUCCI, Rogério de Lauria. op. cit., p. 282. 138 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 300. 139 CUNHA, Rogério Sanches. Lei de Execução Penal para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 6. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 137. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ESPECIAL 140 BEDÊ JUNIOR, Américo; SENNA, Gustavo.op. cit., p. 85. 141 FISCHER, Douglas; PACELLI, Eugênio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 1079. 142 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126.292P. Rel. Min. Teori Zavascki. Brasília, DF, 17 de fevereiro de 2016, p. 9 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/ paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246>. Acesso em: 23 set. 2018. 143 Idem. p.11. 144 STRECK, Lenio Luiz. Uma ADC contra a decisão no HC 126.292 – sinuca de bico para o STF! Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2016-fev-29/streck-adc-decisao-hc-126292-sinuca -stf>. Acesso em: 20 jun. 2018. 145 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 118.770. Rel. Min. Roberto Barroso. Brasília, DF, 07 de março de 2017. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. jsp?docTP=TP&docID=12769406>. Acesso em: 22 ago. 2018. 146 Veja-se ainda RCl 27011 AGR/SP. 147 PRADO, Luiz Regis; SANTOS, Diego Prezzi. op. cit., p. 188. 148 CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 124. 149 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ações Declaratórias de Constitucionalidade n°s 43 e 44. Voto do Ministro Edson Fachin. Decisão Liminar. Brasília, DF, p.14. Disponível em: <http:// www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADC44.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018. 150 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 152.752. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Brasília, DF, 04 de abril de 2018. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/videos/v/na-integra -luis-roberto-barroso-vota-para-negar-habeas-corpus-a-lula/6636148/>. Acesso em: 15 jul. 2018. 151 Idem. 152 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 152.752 Paraná. Voto do Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 04 de abril de 2018, p. 25. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/ dl/leia-voto-ministro-celso-mello-habeas.pdf>. Acesso em: 04 set. 2018. 153 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p. 443 154 Ibidem, p. 444-445. 155 PRADO, Luiz Regis; SANTOS, Diego Prezzi. op. cit., p. 8-9. 156 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 152.752 Paraná. Voto do Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 04 de abril de 2018, p. 36-37. Disponível em: <https://www.conjur.com. br/dl/leia-voto-ministro-celso-mello-habeas.pdf>. Acesso em: 04 set. 2018. 157 RÊGO, Carolina Noura de Moraes; GOMES, Luís Roberto. op. cit., p. 11-12. 158 MORAES, Maurício Zanoide de. op. cit., p 557. 159 Cf. CALEFFI, Paulo Saint Pastous. op. cit., p. 30 e PACELLI, Eugênio. Curso de processo Penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 51. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Candido Mendes de. Ordenações e leis do Reino de Portugal: quarto livro das ordenações. 14. ed. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870. Disponível em: <http:// www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242733>. Acesso em: 30 jul. 2018. AVENA, Noberto Cláudio Pâncaro. Execução Penal: esquematizado. 1. ed. São Paulo: Forense, 2014. BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal – Tomo I. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. BARBAGALO, Fernando Brandini. Presunção de inocência e Recursos Criminais Excepcionais: em busca da racionalidade do sistema processual penal brasileiro. Brasília: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, 2015. Disponível em: < https://www.tjdft.jus.br/institucional/ escola-de-administracao-judiciaria/plano-instrucional/e-books/e-books-pdf/presuncao-de -inocencia-e-recursos-criminais-excepcionais>. Acesso em: 05 jun. 2018. BARROS, Antônio de. Procedimento penal acusatório das “questiones perpetuae”: fonte da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. Biblioteca Digital Jurídica. São Paulo, n. 59, abr/jun. 1997. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/22548/procedimento_penal_ acusatorio_quaestiones.pdf>. Acesso em: 01 set. 2018.
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ESPECIAL ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 152.752. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Brasília, DF, 04 de abril de 2018. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/videos/v/na-integra-luis-roberto-barroso-vota-para-negar-habeas-corpus-a-lula/6636148/>. Acesso em: 15 jul. 2018. ______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n° 23.626/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Brasília, DF, 23 de abril de 2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. jsp?docTP=TP&docID=7065460>. Acesso em: 05 jun. 2018. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n°482006/MG. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF, 07 de novembro de 2017. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/14725391/recurso-extraordinario-re-482006-mg>. Acesso em: 05 jun. 2018. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n° 68631. Rel. Min. Se púlveda Pertence. Brasília, DF, 25 de junho de 1991. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000044036&base=baseAcordaos>. Acesso em: 23 de set. 2018. CALEFFI, Paulo Saint Pastous. Presunção de Inocência e execução provisória da pena no Brasil: análise crítica e impactos da oscilação jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. CARDOSO. Helena Schiessl. Discurso criminológico da mídia na sociedade capitalista: necessidade de desconstrução e reconstrução da imagem do criminoso e da criminalidade no espaço público. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba 2011. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/25722/Dissertacao%20Helena%20 Schiessl%20Cardoso.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 20 jul. 2018. CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal na Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. CUNHA, Rogério Sanches. Lei de Execução Penal para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 6. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016. DÓRO, Tereza Nascimento Rocha. Princípios no processo penal brasileiro. Campinas: Copola, 1999. ESTADOS UNIDOS DA AMERICA. Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de junho de 1776. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde20022014-133159/publico/Anexos_Dissertacao_Completo_Miriam_Ashkenazi.pdf>. Acesso em 9 jul. 2018. FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012. FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. ______. Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. FERRASIN, Marcelo Moreira. Ordálios, historiografia e os escritos episcopais de Agobardo e Hinomar. In: Simpósio Nacional de História – ANPUH. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/ anais/14/1308183915_ARQUIVO_Artigoordalios-ANPUH.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2018. FISCHER, Douglas; PACELLI, Eugênio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, de 26 de agosto de 1789. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/ declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018. GIOACOMOLLI, Nereu José. O devido Processo Penal: abordagem conforme a constituição federal e o pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. GOMES FILHOS, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
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Guilherme de Sousa Rebelo é Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela UNICESUMAR. Assessor de Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Paraná – Comarca de Paraíso do Norte/PR.
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Felipe Rodriguez Alvarez
Os limites da Inteligência Artificial
É
inegável que a inteligência artificial é um assunto sedutor, de aparente facilidade, com o viés de desobstrução de tarefas repetitivas. Esta tecnologia sugere substituição de talentos humanos, à medida que o robô de inteligência artificial é capaz de aprender, resolver, planejar, perceber, intuir e processar a linguagem humana natural, deixando de lado a linguagem binária das máquinas. Embora a recente aprovação da legislação sobre os dados, perdeu-se oportunidade de inovar no direito pátrio, com a adoção de um compromisso legal e os limites do uso da inteligência artificial, no entanto o marco civil da internet também não o fez. Essas duas legislações represam infeliz coincidência: tratam riscos sociais e tecnologia sob a perspectiva do passado; como um veículo guiado apenas sob a atenção de seu retrovisor. Nesta reflexão, uma preocupação jurídica cabe aos limites à inteligência artificial. A primeira, é a respeito da transparência do aprendizado da máquina, assegurando confiança de suas decisões e que as premissas na construção da tecnologia foram submetidas a uma ampla participação de diferentes interessados. Em outras palavras, significa sublimar interesses negociais em benefício da ética no ambiente da lógica usada para que a máquina tome decisões artificiais. A preocupação comprova-se no exemplo dos carros autônomos, ou como a inteligência artificial é capaz de conduzir veículos, ou ainda, analisar liberações de seguros às vítimas. É imprescindível compreender como o robô tomará as decisões, com transparência integral das premissas que o robô utilizará para as decisões. Num outro prisma é a seleção dos dados e o possível viés preconceituoso, afinal o professor da máquina ainda é o ser humano. Os algoritmos serão confiáveis se
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adotarem o compromisso metodológico de valerem-se de dados de entrada puros e perfeitos, senão o resultado é o preconceito da máquina frente ao desconhecido. No início de 2011 um robô que era capaz de avaliar e predizer o risco de quantos infratores reincidiriam em novos delitos, tornou-se preconceituoso em razão dos dados de entrada, que selecionou recorte temporal onde determinada etnia foi mais delituosa que as demais, enviesando a máquina. Os dados geraram falsa assertividade ao predizer que a citada etnia seria reincidente nos delitos, transformando a máquina em uma tomadora de decisão preconceituosa. E o terceiro, envolve um aprendizado da máquina através da interação com o ambiente externo, a Internet. Talvez o maior perigo. A máquina coleta dados aleatoriamente (interação dinâmica), sem controle humano ou diminuto. Este formato gera comportamentos imprevisíveis, senão controlados. Os aprendizados funcionam como um adestramento de animais de estimação. Isto é, pela recompensa, ensinamos os truques. A cognição robótica avaliará a maior recompensa e fará o que for preciso para chegar ao resultado. As consequências da ausência de supervisão seriam devastadoras. Um carro autônomo, que pela ambição ao melhor resultado, explorará dirigir pelo lado errado da estrada, até porque a via correta está engarrafada; ou uma invasão na plataforma de chat bots, que passa a receber dados de entrada racistas e ensinam ao robô atitudes nocivas a seres humanos. Os limites precisam ser vistos antes da evolução. A legislação deve abarcar premissas éticas, do absoluto controle humano sobre robôs cognitivos, centralidade do usuário e a segurança jurídica. A ética precisa priorizar a vontade é do usuário e a sua responsabilidade no desenvolvimento da tecnologia, com duras restrições as máquinas que decidirem assuntos sob a égide do preconceito. A sensibilidade é fundamental e evitará resultados contraproducentes aos direitos humanos. O controle humano, soberano, deve permitir a interrupção da atividade robótica ou desligamento do sistema além de incorporar a exigência de checagem humana sempre que houver novas decisões robotizadas, especialmente quando tais importarem em risco da vida humana, segurança e direitos fundamentais. E pela segurança jurídica, mecanismos legais de controle que assegurem quais limites e responsabilidades das decisões artificiais. Isso incluirá trabalho de especialistas em inúmeras disciplinas para identificar gargalos e experimentar cenários de insegurança jurídica, cujo respeito de desenvolvedores e aderência às conformidades legais em seus scripts são imprescindíveis. Não que se pretenda a censura, mas certamente os rumos da responsabilidade civil serão outros, quando uma excludente de responsabilidade civil for justificada pela interpretação robótica. Hoje é difícil pensar em responsabilidade do robô, mas a tecnologia se avizinhou. Esta situação é diversa a pretendida pelo CDC, porque o produtor construiu; logo o robô foi ensinado, depois o robô reconheceu os seus próprios dados (vontade própria). Ainda assim o criador é o responsável? Os rumos e impactos da tecnologia estão em aberto. No futuro, a litigância será com as leis que controlem os limites dos robôs e seus comportamentos esculpidos em suas redes neurais. Nisso, os humanos são rudimentares e desprezam tais preocupações, porque controlou até aqui. Ante a inteligência artificial, que ensinada, não tem tomada; e não desliga, o interesse em limitar e regrar sua função é imprescindível a preservação da dignidade humana. FELIPE RODRIGUEZ ALVAREZ é CEO da Enlighten Brasil, mestrando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo.
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QUESTÕES DE DIREITO
Violência de gênero e o Direito Penal.
Os ditames internacionais e o paradoxo da (in)eficácia do direito penal brasileiro por
Saulo Matheus Tavares de Oliveira
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A consideração da violência doméstica como algo normal, indubitavelmente contribui para que esta falsa realidade do sistema seja concretizada. Sejam condutas menos graves como um empurrão, uma agressão verbal, até as condutas mais graves como uma ameaça ou a concretização dela, são consideradas como meros intempéries de um relacionamento, não sendo considerados como crimes graves contra a dignidade da mulher, como deveriam o ser.
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DIVULGAÇÃO
violência de gênero no Brasil, põe a mostra um dos maiores e mais sórdidos problemas sociais que um país pode enfrentar. Em virtude do comportamento violento, iniciase um verdadeiro processo de aniquilamento pessoal da vítima, conforme destaca o Juiz de Direito Elder Lisboa Ferreira da Costa1, fazendo com que a vítima perca a sua alteridade, sua autonomia de vontade, e passe a ser uma pessoa programada para somente fazer aquilo que lhe é “determinado” pelo homem dominador. A posição de subordinada ao homem, não adveio, a priori, das relações familiares e sim de uma preponderância da vontade masculina em detrimento da mulher no que funda-se a estrutura social. Vejamos que há uma percepção maior da violência de gênero dentro do contexto da violência doméstica, pois é no âmbito das relações familiares que ocorre um estreitamento máximo dos laços.2
O conceito clássico de violência tido como balizador é o delineado por María Molíner, que a qualificou “como uma ação injusta que se ofende ou prejudica alguém”. Acrescentando ainda “violência física, violência estrutural, violência cultural, violência psicológica e violência simbólica”3 Conceito este que não deve ser tomado de forma restritiva, uma vez que, levando em consideração a pluralidade de formas de relacionamento humano, teremos uma pluralidade de formas de violência contra a mulher pelo seu gênero. Apropriando-nos do fato de que o aparato dos maus-tratos psicológicos é perverso para a mulher e resta cristalino quando uma pratica uma série de ações e profere uma série de palavras de como a denegrir e negar a maneira de ser de outra estamos diante de uma violência psicológica. Logo, como destaca Elder Lisboa, com relação a mudança da violência psicológica, não se trata de um deslize pontual, mas de uma forma de os seres humanos se relacionarem. Este modo de proceder está destinado a submeter outro, a controlá-lo e manter sob seu poder.4 O mesmo autor destaca, de forma consistente que: “Dentro da violência psicológica, ainda há o estereótipo vinculado à sociedade machista que “tatua” a mulher de forma tão profunda que, no seu íntimo, ela tem a firma convicção de que é inferior ao homem em todos os sentidos. A mulher, no interior deste campo de violência, sente-se diminuída em todos os demais campos, admitindo muitas vezes a si própria não ser capaz de executar esta ou aquela tarefa.”5
Para com os atos de violência psicológica percebemos que no início, são pontuais mentiras, alterações no tom de voz para imbuir na mulher, ao menos que inconscientemente uma sensação de temor, até mesmo, alguns atos desrespeitosos. Com o tempo, com o estreitamento ainda maior dos laços, estes atos quase que tidos como “do cotidiano” vão crescendo em uma escala exponencial e se transmudando em verdadeiras agressões trazendo como resultado destas condutas, inúmeras máculas ao ser feminino, das mais complexas nuances. No cenário brasileiro, muito ainda se ouve falar sobre vários momentos em que a mulher foi exposta a violências não somente físicas, mas também moral e psicológicas. De certo modo, estas formas de violência estão sendo objeto de observação pelo Direito penal, ao passo que busca-se compreender o modus operandi destas ações, seus fundamentos e suas implicações. Ao se dedicar à análise das diversas faces da política criminal nas sociedades contemporâneas temos a considerável contribuição do criminólogo espanhol Jesus -María Silva Sánchez que constata a existência de uma tendência dominante na grande maioria dos países no sentido da introdução de novos tipos penais, assim como um agravamento das penas para os já existentes, fato que o leva a caracterizar o momento atual como de expansão do direito penal.6 Foi no contexto em destaque que pensou-se, discutiu e promulgou-se a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) no Brasil, buscando dar conta de um fenômeno que vitimiza cotidianamente um grande número de mulheres em todo o país em consideração a um fenômeno ainda em estudo – a violência de gênero. Nesse sentido, observa-se que o Direito Penal buscou, levando em consideração tanto o contexto vivido pela ciência penal, quanto a ocorrência cada vez maior da violência com base no gênero feminino, resguardar mais um bem jurídico, que agora não se resume ao conceito de vida, porém lança em tese a sua proteção para revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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QUESTÕES DE DIREITO a dignidade da mulher em suas mais diversas implicações: morais, psicológicas, sociais e econômicas. Na expectativa em formular hipóteses que dariam base para o fenômeno de absorção de condutas para a formação de tipos penais, Silva Sánchez enumera alguns fatores que trariam a elucidação deste consenso. O primeiro deles seria o surgimento de novos bens jurídicos considerados socialmente relevantes para a obtenção da tutela penal. Tal situação seria verificável tanto pelo surgimento de novas esferas de ação potencialmente delitivas, como o ciberespaço, como pelo reconhecimento da relevância de determinadas condutas delitivas antes consideradas de menor importância, como a violência no ambiente doméstico, e ainda a deterioração de realidades tradicionalmente abundantes, levando à criminalização das condutas lesivas ao meio ambiente.7 Bárbara Soares8 destaca que: “esse processo pode ser lido de formas diferentes. De um lado, como sintoma de aumento do controle social e das formas de dominação, regulação e racionalização da vida coletiva, as quais se sofisticam e se tornam crescentemente pervasivas. A sociedade estaria se tornando mais e mais regulatória e opressiva, já que nem a família, nem as relações íntimas estariam a salvo do controle externo e das investidas da lei. O mundo laicizado e desencantado estaria submetido ao imperativo da razão técnica e ao jugo dos especialistas, que passam a legislar sobre esferas antes reservadas à família e às relações íntimas. A vida privada se institucionaliza e é devorada pela lógica do processo burocratizante que prevalece na vida pública. O refúgio do afeto e do valor é invadido pelos guardiões da nova racionalidade política e pelos profissionais da subjetividade, que passam a administrar o amor, a sexualidade, as emoções e as tradições familiares, imiscuindo-se no terreno das crenças, dos hábitos, das relações interpessoais.”
Por outro lado, Bárbara Soares também citada por Rodrigo Ghiringhelli sustenta que esse processo pode ser interpretado de outra maneira: o processo de redefinição de direitos, baseado em uma releitura desnaturalizante da vida social, encabeçada primordialmente pelas feministas, indicaria, também, uma expansão da democracia e uma extensão do sentido da individualidade. O lar, o casal e a família deixam de funcionar como mônadas impenetráveis, como núcleos decisórios, auto-referidos e possuidores de direitos próprios, para se desmembrarem em novas unidades socialmente significativas, competindo legitimamente e em igualdade de condições pelo acesso aos direitos civis.9 Logo, podemos compreender que o fenômeno de abarcar novas condutas tidas como tipos penais pelo Direito Penal para albergar novos bens jurídicos da vida da mulher e que por ela eram objetos de apreciação, significou não somente o fato de o direito estar se expandindo em busca de novas condutas delitivas, mas também, culmina-se com a inauguração de uma era de proteção dos direitos da mulher sem uma leitura prévia de “posição natural”, onde a mulher via-se sob a égide masculina, agora, pelo contrário baseadas então na sua vida social e a influência do seu Ser no meio da sociedade afirmando mais ainda o seu lugar numa democracia que torna legitima sua igualdade perante todos. Com o atual status do Direito, e com a Constituição Federal de 1988 mais especificadamente na previsão em seu art. 5º que legitimou como entendimento maior a igualdade entre homens e mulheres, superada então estaria toda uma cultura de 62
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opressão contra a mulher, pois a igualdade entre homens e mulheres estaria concretizada. Sabe-se que a positivação de um direito, contudo, não é suficiente para que, em sua aplicação, o resultado seja igual para todos. Ou, menos ainda, para que uma estrutura social e/ou suas práticas sejam modificadas. Tão logo, direitos (incluídos os direitos humanos) são convenções culturais - inseridos no mesmo contexto social de convenções culturais que pretendem regular – e por isso estão (precisam estar) sujeitos a críticas.10 A Lei Maria da Penha, consagrada com o fim de atingir essa igualdade trazida no bojo constitucional como um dos instrumentos mais perceptíveis de proteção da mulher, representou um significativo avanço no tratamento das questões de gênero no direito pátrio. Necessário o é, também, dialogar sobre a pessoa, objeto de proteção da lei, a que está sob o amparo deste instituto, a mulher em situação de violência doméstica. Com a discussão lançada pela Constituição de 1988 sobre a igualdade entre homens e mulheres tem-se que igualdade esta a priorié formal, pois a igualdade material se afirmaria quando instrumentos direcionados a satisfazer o enunciado da igualdade formal como: gênero, idade, raça e outros, são devidamente considerados. Para complementação deste conceito, asseveram Flávia Piovesan e Silvia Pimentel que “as mulheres (…) devem ser vistas nas suas especificidades e peculiaridades de sua condição social. Ao lado do direito à igualdade, surge, também como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o direito à diferença e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial”11. E, conforme destaca Camila de Magalhães é esse o objetivo da Lei Maria da Penha: a partir do critério de gênero, reconhecer a peculiaridade do indivíduo dentro da sociedade e, ao fazer isso, permitir enxergar a forma específica com que essa diferença representa uma supressão de direitos ou uma negativa da igualdade para um grupo social determinado: as mulheres.12 Nota-se com isso, um emparelhamento do direito interno com o pensamento jurídico Internacional, pois, uma vez entendidos que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação de direitos humanos e que atualmente vivemos em um momento de homogeneização do direito internacional; O Direito Penal brasileiro no que tange a proteção da mulher contra a violência baseada no gênero inspira-se nos documentos internacionais sobre o tema para uma cada vez maior proteção. Um dos documentos internacionais mais notáveis e que se traduz em um dos mais significativos na proteção da mulher é a “Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher” - “Convenção de Belém do Pará” -, adotada em 9 de junho de 1994 que avalizou a violência contra a mulher como grave violação aos Direitos Humanos. Este documento na vanguarda que viria a ser o notável crescimento de instrumentos de proteção contra a violência de gênero erigiu que: a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; (…) a violência contra a mulher constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens. Em seu artigo capitulador, a louvável convenção dispôs que:
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QUESTÕES DE DIREITO Artigo 1: Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Logo, podemos afirmar que a expressão trazida pela Convenção de 94 não se considera apenas uma mera formalidade legal ou até mesmo algo já estafante trabalhado à época, pelo contrário, deixou lúcido a violência a qual a mulher é submetida tendo como fundamento as relações entre gênero até então socialmente constituídas é uma das formas de negação dos Direitos Humanos. De modo não menos marcante, anteriormente tivemos a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 que já direcionava no cenário internacional a criação de institutos no direito interno dos países que visassem a proteção da mulher. Necessário o é, para entendermos o quão era preocupante a situação jurídica da mulher na agenda internacional, fazermos a leitura do artigo 2º da Convenção de 1979: (...) Artigo 2º: Os Estados-parte condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a: a) Consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio; b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;
Vejamos que o Direito Penal brasileiro, ao instituir condutas típicas que maculavam bens jurídicos da mulher em face das relações tidas pelo gênero, acompanhou as orientações tidas pela esfera internacional, já que quanto ao Direito Constitucional, a partir mais especificamente da Constituição de 1988, abordamos a igualdade entre homens e mulheres como visto anteriormente. O direcionamento mais específico, pelo qual utilizou-se no Direito Penal, para a promoção do combate à violência contra a mulher foi a alínea ‘b’ do mesmo artigo, uma vez que se deveria adotar medidas, e no caso da Lei Maria da Penha, legislativas, para proibir toda e qualquer discriminação contra a mulher, inclusive com a criação de sansões, que neste estudo demos objetivo as penais. Não basta que o país tome medidas contra esta violência, estas medidas devem ser eficazes. Alinhado com a alínea ‘c’ do artigo 2º da Convenção de 1979, foi que se engendrou a sistemática trazida pela lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), uma vez que o fenômeno da violência doméstica e conjugal é emblemático, logo, difícil de resolver partindo de uma perspectiva única. Com o caminhar a passos largos da mobilização feminina e favor do alcance da equidade jurídica, se tem descoberto uma brutal e cristalina carência na vida social e muito mais ainda no que tange a legislação penal que se mostram como 64
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obstáculos concretos à conquista da paridade de tratamento entre homens e mulheres conforme previsto na Constituição Federal. Conforme destaca Janaína Rigo Santin é indiscutível o fato de que as legislações existentes pré-constituição cidadã traziam em si a mentalidade machista que perpetuou durante a história da humanidade. O principado da igualdade insculpido pela Constituição tornou-se um marco na revolução legislativa, cuja a concretização e a eficácia vem mostrando-se inaceitável face à grande quantidade de operadores conservadores.13 No mesmo sentido, destaca a autora, como a maior parte daqueles que “pensam o direito”, ainda são homens, e como todo ser do gênero masculino, mesmo que em seu íntimo, mantém em si o sentimento de domínio, obstam a máxima progressão da interpretação da lei a luz dos preceitos constitucionais. Não podemos esquecer ainda de mencionar algumas mulheres que ainda mantém um pensamento dogmatizado pelo consenso em virtude de quão antiga é a cultura machista, alimentando ainda mais o preconceito impossibilitando ao fim a concretização verdadeira do principado da igualdade. A vontade do homem em sempre permanecer subjugando a mulher e tendo-a sob seu domínio; e a mulher, que por diversos motivos como deficiência dos meios legais de proteção, cultura paternalista e machista, discriminação no ambiente de trabalho que ocasionam uma dependência financeira, nos mostra a base para os altos índices de violência familiar, cristalizados mais ainda nos países subdesenvolvidos, mas por óbvio, sem excluir os desenvolvidos e um outro fator alarmante, a permanência do silêncio feminino quando das agressões, o que ocasiona paulatinamente em um crescimento dos maus-tratos recebidos. É importante elencar que a violência ocorrida dentro do seio familiar é de um esforço sobre-humano para a busca da libertação, uma vez que por vínculos afetivos, familiares, sociais, financeiros e até mesmo religiosos, encontram-se muitas vezes sem qualquer esperança de que as agressões parem, ora por temerem pela sua própria vida ou a de seus filhos, ora por temerem as reações de seus pares nos meios sociais. É de imensa valia os dados obtidos pelo Centro de Operações da Polícia Civil de Passo Fundo – Petrópolis-RS a partir do estudo realizado na cidade que, quando se trata de violência entre gêneros, há realmente uma clara e considerável incidência de vítimas que convivem com seu agressor (vide gráfico 1): Violência doméstica contra a mulher de 16 a 50 anos, registrada nos meses de janeiro, fevereiro, maio e junho de 2001, em Passo Fundo, RS RELAÇÃO DE INTIMIDADE - AGRESSOR x VÍTIMA
Fonte: Centro de Operações da Polícia Civil de Passo Fundo - Petrópolis
Susana de Lanza define que a união de motivos como dependência psicológica ou econômica, desproteção legal e desconfiança com mecanismos de justiça aplicados, bem como a falta e informação, fazem com que as agredidas permaneçam inertes. Mesmo existindo leis que primam pela igualdade entre os gêneros, a sua revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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QUESTÕES DE DIREITO interpretação distorcida faz com que a jurisprudência ignore a dor da vítima em conviver, diuturnamente, com seu agressor. Corre-se maior risco no espaço “protegido” de seu domicílio do que na rua. A falta de apoio jurisprudencial às vítimas, como bem destaca a autora, faz do estupro um crime duplamente hediondo.14 “A justiça, ao abrandar a incidência da lei sobre o réu, acaba penalizando a vítima, e evidencia que ainda existe no judiciário uma postura preconceituosa e discriminatória, estando a jurisprudência a praticar um verdadeiro estupro da lei, um crime duplamente hediondo.”15
O que mais uma vez torna-se imperioso destacar é que ao tratarmos da violência contra a mulher, estamos tratando de uma violência recebida pelo fato desta ser quem é, mulher. A própria historicidade da humanidade as fez vítimas, frágeis, submissas e, algumas vezes, até de índole desonrosas merecedoras de violência. Janaína Rigo Santin, defende que como se não fosse suficiente o fato de existir na própria legislação uma discriminação legal, ainda existe na comunidade feminina uma real dificuldade na definição acerca de seus direitos. Ainda a impunidade presente leva à sensação de total desproteção; do mesmo modo, as poucas leis existentes, que ainda visam promover a igualdade, não são de conhecimento de todas as mulheres, o que se pode inferir, uma nítida conspiração para que o patriarcado se mantenha no poder.16 Ao fazermos uma análise da efetividade real das medidas implementadas pela Lei Maria da Penha, pelos institutos já adotados no Código Penal e por outras legislações espaças que visam em desiderato proteger a mulher em seus mais diversos aspectos, cumpre destacar precipuamente a natureza das condutas, o seu potencial de ofensividade designado pela lei e a proporção delas em um cenário cotidiano. Sem buscar exaurir o tema, apenas para conceituação epistemológica, sabemos que os crimes de ameaça, lesão corporal leve, dentre outros, são considerados condutas de menor potencial ofensivo, logo sob a égide da lei nº 9.099/95, cominando a tais tipos penas máximas não superiores a 1 (um) ano, exceto claro, os fatos a que a lei determine procedimento especial ou com a previsão de pena majorada de até 2 (dois) anos, ou multa, conforme disposição da lei nº 10.259/01 que institui os Juizados Especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal. Para elucidarmos a presença de tais tipos, no cenário da violência de gênero, podemos citar também a pesquisa realizada pelo Centro de Operações da Polícia Civil de Passo Fundo – Petrópolis-RS, que mapeou as ocorrências e determinou a presença de cada forma de violência entre mulheres de 16 a 50 anos. (vide gráfico 2): Violência doméstica contra a mulher de 16 a 50 anos, registrada nos meses de janeiro, fevereiro, maio e junho de 2001, em Passo Fundo, RS FORMAS DE VIOLÊNCIA
Fonte: Centro de Operações da Polícia Civil de Passo Fundo - Petrópolis - *OBs.: Em alguns casos, a vítima sofre mais de um tipo de agressão.
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O que salta aos nossos olhos e infere-se um dos motivos mais veementes para a ineficácia real de aplicação dos institutos de proteção da mulher, é que aproximadamente 99% dos casos são condutas consideradas pela dogmática penal como de menor potencial ofensivo, onde apesar de consignarmos que a lei dos juizados mereça congratulações por acelerar a prestação jurisdicional em casos de delitos e pacificar os auspícios sociais, eliminou da esfera punitiva de maior rigidez muitos crimes, o que gerou um impacto negativo significativo na apreciação dos crimes contra a mulher, gerando mais uma vez, a sensação de impunidade. Alguns delitos, violentos ou não, levando em consideração muitos outros fatores que não só a violência física, devessem sair do âmbito de abrangência das leis dos Juizados, uma vez que é contundente que esta lei dá tratamento inferior a verdadeira noção das consequências que a violência contra a mulher causa. No que concerne aos crimes contra a mulher, de maior potencial ofensivo, aqueles que não estão sob a dogmática da lei nº 9.099/95, regulamentados então nos artigos 129,121 c/c 14, II e 213, respectivamente nas figuras dos crimes de lesões sejam elas as graves ou gravíssimas, a tentativa de homicídio e o estupro, ocupam menos de 1% das ocorrências registradas conforme o gráfico 2. Nesse sentido convém a interpelação de Janaína Rigo17 que nos faz refletir sobre a real potencialidade do dano causado por um crime de estupro, por exemplo, em uma vítima, em contraponto com valor estabelecido por ele na legislação penal em vigor. Será que marcas deixadas eternamente no corpo, na alma e na dignidade da vítima merecem ser relativizados, como o foram? Podemos então, chegar a conclusão, acompanhados dos ensinamentos de Vera Regina Andrade18 destacando que na prática o avanço, a duras penas obtido por meio de décadas de lutas, foi uma mera transformação do abuso contra a classe feminina. Destaca-se a ineficácia do sistema penal neste sentido, uma vez que não protege de fato a mulher e ainda a coloca numa situação de supervulnerabilidade ao interrogá-la a fim de constatar se é digna de proteção do sistema. Assim, classifica o autor, como ilusórios os avanços ditos, pois no final acaba-se acusando e julgando a vítima e não o autor havendo, a princípio, uma prévia e velada seletiva das vítimas, somente sendo dignas de proteção as “mulheres honestas”, ressaltando mais ainda a terrível realidade de se verificar a “reputação sexual” da vítima para observar se ouve ou não contribuição para o crime. Ainda devemos considerar, no diálogo acerca da ineficácia dos institutos e instrumentos de proteção à Mulher, o fato da omissão divulgatória desses crimes, uma vez que segundo dados do Conselho Nacional de Direitos da Mulher, referidos no artigo “Violência Doméstica terá espaço para debate” no site “YAHOO”, a cada quatro minutos uma mulher é estuprada no Brasil. De posse desses números, como admitir que cidades com grandes populações, o número de estupros domésticos é diminuto, chegando até, no caso da cidade objeto de estudo do gráfico 2, a 2 (dois) estupros domésticos em 4 (quatro) meses. Por conclusão, chegamos que a maioria desses casos não chegam a ser registrados. Por fim, entendemos, de acordo com Pedro Luciano Ferreia19 que a omissão desses dados, denominada pelo autor de “Cifra Negra da criminalidade” revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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QUESTÕES DE DIREITO qualifica-se na diferença percebida entre a criminalidade real e a criminalidade aparente, infelizmente com um considerável papel da vítima para a continuidade desta realidade. “Muitas vezes, a própria vítima tem certa participação no incremento desta cifra negra, por não dar conta da ocorrência do fato delituoso e por considera-lo como não delituoso ou não judicialmente punível. Temendo represálias, a vítima não denuncia ou representa, outras vezes não faz uso dos meios judiciais pela existência de meios alternativos(...) geralmente desproporcionais.”
Portanto, a consideração da violência doméstica como algo normal, indubitavelmente contribui para que esta falsa realidade do sistema seja concretizada. Sejam condutas menos graves como um empurrão, uma agressão verbal, até as condutas mais graves como uma ameaça ou a concretização dela, são consideradas como meros intempéries de um relacionamento, não sendo considerados como crimes graves contra a dignidade da mulher, como deveriam o ser. NOTAS 1 COSTA. Elder Lisboa Ferreira da. O gênero no direito internacional: discriminação, violência e proteção. Belém: Paka-Tatu, 2014, Pág. 227. 2 KAHALE CARRILO, Djamil Tony. El derecho de asilo frente alaviolencia de género. Madrid: Editorial Universitária Ramón Areces, 2010. Pág. 46 Tradução livre do autor. 3 ARANGUREN VIGO, MirenEdurne. Cultura y violência de género: uma visión desde lainvestigación para la paz. In. ESCALONA, Antonio Nicolás Marchal (coord.). Manual de lucha contra laviolencia de género. 1. Ed. Navarra: Aranzadi, 2010. Págs. 97-114 (p. 101 – 102) apud op. cit.p. 153. Tradução livre do autor. 4 ECHEVARRÍA CORREA, Gemma. Atención psicológica a lasvíctimas de violenciade géneroIn. ESCALONA, Antonio Nicolás Marchal (coord.). Manual de lucha contra laviolencia de género. 1. Ed. Navarra: Aranzadi, 2010. Pág. 464 Tradução livre do autor. Op. Cit p.153 5 COSTA. Elder Lisboa Ferreira da. O gênero no direito internacional: discriminação, violência e proteção. Belém: Paka-Tatu, 2014, Pág. 154 6 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.Pág.21. 7 Id. In AZEVEDO. Rodrigo Ghiringhelli de. SISTEMA PENAL E VIOLÊNCIA DE GÊNERO: análise sociojurídica da Lei 11.340/06. Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 113-135, jan./abr. 2008. 8 SOARES, Bárbara Musumeci. Mulheres invisíveis: violência conjugal e as novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. P. 32. 9 AZEVEDO. Rodrigo Ghiringhelli de. Op. Cit. 10 GOMES. Camilla de Magalhães. DIREITO PENAL E GÊNERO – o tratamento da mulher em situação de violência doméstica na lei maria da penha. XXIX CONGRESO ALAS CHILE. 2013 p.2 11 PIMENTEL, Silvia e PIOVESAN, Flávia. (2011). A Lei Maria da Penha na perspectiva da responsabilidade internacional do Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris. Pág. 103. 12 Op. Cit. 13 SANTIN. Janaína Rigo. Et.al. A violência doméstica e a ineficácia do direito penal na resolução dos conflitos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. Pág. 158
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14 DE LANZA, Susana Montoza. Programas de Assistência a Víctimas de Delitos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 33. p. 203-216, jan./mar. 2001. 15 Op. cit. P.51 16 SANTIN. Janaína Rigo. et.al. A violência doméstica e a ineficácia do direito penal na resolução dos conflitos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. p.160. 17 Op. Cit. Pág. 164. 18 ANDRADE. Vera Regina de. Violência sexual e sistema penal: proteção ou duplicação da vitimação feminina? Sequência, Florianópolis, n. 33, 1996. Págs. 87-114. 19 FERREIRA. Pedro Luciano Evangelista. Apontamentos criminológicos a respeito da delinquência. Disponível em: http: //www.cescage.com.br/graduação/art.../apontamentos%criminologicos.htm. Acesso em 03 de maio de 2018. REFERÊNCIAS
arquivo pessoal
ANDRADE. Vera Regina de. Violência sexual e sistema penal: proteção ou duplicação da vitimação feminina? Sequência, Florianópolis, n. 33, 1996. ARANGUREN VIGO, MirenEdurne. Cultura y violência de género: uma visión desde lainvestigación para la paz. AZEVEDO. Rodrigo Ghiringhelli de. SISTEMA PENAL E VIOLÊNCIA DE GÊNERO: análise sociojurídica da Lei 11.340/06. Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, jan./abr. 2008. COSTA. Elder Lisboa Ferreira da. O gênero no direito internacional: discriminação, violência e proteção. Belém: Paka-Tatu, 2014. DE LANZA, Susana Montoza. Programas de Assistência a Víctimas de Delitos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 33, jan./mar. 2001. ECHEVARRÍA CORREA, Gemma. Atención psicológica a lasvíctimas de violencia de género In. ESCALONA, Antonio Nicolás Marchal (coord.). Manual de lucha contra laviolencia de género. 1. Ed. Navarra: Aranzadi, 2010. ESCALONA, Antonio Nicolás Marchal (coord.). Manual de lucha contra laviolencia de género. 1. Ed. Navarra: Aranzadi, 2010. FERREIRA. Pedro Luciano Evangelista. Apontamentos criminológicos a respeito da delinquência. Disponível em: http: //www.cescage.com.br/graduação/art.../apontamentos%criminologicos. htm. Acesso em 03 de maio de 2018. GOMES. Camilla de Magalhães. DIREITO PENAL E GÊNERO – o tratamento da mulher em situação de violência doméstica na lei maria da penha. XXIX CONGRESO ALAS CHILE. 2013. KAHALE CARRILO, Djamil Tony. El derecho de asilo frente alaviolencia de género. Madrid: Editorial Universitária Ramón Areces, 2010. PIMENTEL, Silvia e PIOVESAN, Flávia. (2011). A Lei Maria da Penha na perspectiva da responsabilidade internacional do Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris. SANTIN. Janaína Rigo. Et.al. A violência doméstica e a ineficácia do direito penal na resolução dos conflitos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. SOARES, Bárbara Musumeci. Mulheres invisíveis: violência conjugal e as novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
SAULO MATHEUS TAVARES DE OLIVEIRA é Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá & Faculdade Estácio do Pará, Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes Rio de Janeiro/RJ, Pós-Graduando em Direito Público Aplicado pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI – São Paulo/SP. Advogado e Palestrante.
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GESTÃO DE ESCRITÓRIO
Para melhorar a gestão jurídica é preciso aposentar o e-mail por
Adriana Bombassaro
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egundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil é o país com o maior número de advogados no mundo inteiro, superando a marca de 1 milhão de profissionais e com 100 milhões de processos em tramitação no Judiciário. Por mais que a Lei nº 11.419, de dezembro de 2006, tenha estabelecido a informatização do processo judicial, ainda é comum nos depararmos com pilhas e pilhas de papéis no meio jurídico. Essa cena nos faz refletir que não dá mais para pensar na gestão da área jurídica de uma empresa de forma manual, sem considerar o uso de ferramentas tecnológicas. A tecnologia, é um importante facilitador de processos: agiliza, reduz custos e dita até mudanças de comportamentos. E essa realidade precisa se acentuar na área jurídica das empresas, principalmente ao falarmos da gestão de contratos. Segundo dados da Agência Nacional de Gestores de Contratos (ANGC), cerca de 90% das empresas ainda utilizam apenas o e-mail para gerir seus documentos e, em 75% delas, nenhuma metodologia é utilizada – fato que pode ser uma grande fonte de problemas em organizações que possuem alto volume de contratos. Sabemos que para não ocorrer falhas na gestão de contratos é preciso que toda a equipe envolvida conheça o ciclo de vida dos contratos (Contract Lifecycle Management – CLM). É por meio dessa técnica de gestão de contratos que serão definidas questões como o draft do contrato (estrutura preliminar e informações básicas), a negociação (em que se definem as obrigações e atribuições de cada parte), o armazenamento (especialmente em meio eletrônico) e os ajustes ou renegociações (relacionados à legislação ou alteração da contratação). Manualmente, pelo uso do e-mail corporativo, todo este processo acaba se tornando moroso e, muitas vezes, os prazos
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definidos ou planejados para cada fase não são cumpridos e muitas informações ficam perdidas. Hoje em dia, já existe no mercado softwares que são 100% focados na gestão de contratos para facilitar a área jurídica a gerir também minutas e demais documentos. Nesse caso, a tecnologia entra como uma ferramenta essencial, deixando de lado os processos antes definidos apenas em papel. Quando o armazenamento das informações é feito em nuvem, a área passa a ter outra vantagem importante aplicada ao CLM. E reforço, cuidar de tudo isso manualmente ou contando apenas com o uso do e-mail para organizar as informações é aumentar a chance de causar problemas graves para a área. Portanto, reveja como a tecnologia pode transformar o seu departamento jurídico. Algumas mudanças vão gerar, inclusive, valor agregado ao seu cliente final.
ADRIANA BOMBASSARO é diretora de produtos da teclógica.
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SAIBA MAIS
Livre iniciativa e empacotamento de compras por
Daury César Fabriz e Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira
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Ao proibir a imposição, mediante lei, a supermercados e estabelecimentos similares de prestar serviço de empacotador, o Supremo Tribunal Federal confere às empresas a liberdade de disputar, sem abusos, a clientela.
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DAURY CÉSAR FABRIZ é Doutor e Mestre pela UFMG, Professor Titular de Direito Constitucional e Pesquisador na FDV, Professor Adjunto na UFES, Advogado e Sociólogo.
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o último dia vinte e quatro de outubro , o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese jurídica: “são inconstitucionais as leis que obrigam os supermercados ou similares à prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem de compras por violação ao princípio da livre iniciativa”. A tese foi firmada em sede de repercussão geral, o que significa que se trata de decisão com efeito vinculante. Em tese, esse efeito é válido apenas para o Poder Judiciário e para o Poder Executivo. Mas, na prática, como o STF é o intérprete máximo da Constituição, o efeito se estende, também, ao Poder Legislativo, não apenas no âmbito municipal, como discutido no recurso extraordinário (RE 839950) que deu origem à tese, mas em todos os âmbitos (estadual, federal e nacional, também), uma vez que o princípio da livre iniciativa é cláusula constitucional que não pode ser restringida, salvo pela própria Constituição – é o que os juristas chamam de cláusula pétrea. O princípio da livre iniciativa aparece ao menos três vezes no texto constitucional: no artigo 1º, IV, como fundamento da República brasileira (valor social da livre iniciativa); no artigo 170, caput, como fundamento da ordem econômica; e no artigo 170, IV, como princípio da ordem econômica. É interessante observar que a leitura mais comum sobre a livre iniciativa, mesmo sob uma perspectiva constitucional, é restritiva, ou seja, como se ela se esgotasse na liberdade de iniciativa econômica, como princípio básico do liberalismo econômico, em sua versão original, quer dizer, individualista. Todavia, essa leitura é equivocada. Isso porque a livre iniciativa não se resume, a partir do texto constitucional, à mera liberdade de comércio. Embora seja, de fato, um princípio liberal, ela não expressa sua versão individualista, mas sim social. Assim sendo, o princípio da livre iniciativa, no Estado brasileiro, é adotado a partir de seu valor social, de sua função social, embora, por um lado e em regra, a liberdade de iniciativa determine a ausência de intervenção estatal, por outro, haverá ingerência caso não se observe sua função social, isto é, caso haja abuso de poder econômico. Quando se fala em livre iniciativa, logo se pensa no seu corolário, a livre concorrência, que pressupõe o livre jogo das forças de mercado, principalmente na disputa de clientela, vedado, é claro, o abuso de poder econômico. A decisão do STF, revela-se significativa para proteger não só a livre iniciativa como também a livre concorrência. É dizer, ao proibir a imposição, mediante lei, a supermercados e estabelecimentos similares de prestar serviço de empacotador, o STF confere às empresas a liberdade de disputar, sem abusos, a clientela, ou seja, o serviço de empacotamento é um adicional, um plus, que tende a atrair clientes, mas que está na esfera da liberdade do empresário em optar ou não por prestar tal serviço.
JULIO PINHEIRO FARO HOMEM DE SIQUEIRA é Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV, Pesquisador na UFRN, na FDV e na URI, Servidor Público Federal na SJRJ.
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KNOW HOW
As repúblicas na história do Brasil 129 anos de política conveniente e jeitosa
Ministério Público Republicano em prol dos Direitos Humanos por
Cândido Furtado Maia Neto
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In homenagem póstuma
RUI BARBOSA Autor da 1ª Constituição Republicana (1891)
PRUDENTE DE MORAIS 1º Presidente Civil na 1ª República
Rui Barbosa de Oliveira. Nascido em 05 de novembro de 1849, em Salvador. Faleceu em 01.03.1923 Petrópolis. Um dos intelectuais mais brilhantes do seu tempo, organizador da 1ª República brasileira, do coautor da constituição da Primeira República juntamente com Prudente de Morais. Atuou na defesa do federalismo, do abolicionismo e na promoção dos direitos e garantias individuais. Em duas ocasiões, foi candidato à Presidência da República. Delegado do Brasil na II Conferência da Paz, em Haia (1907), notabilizou-se pela defesa do princípio da igualdade dos Estados. Teve papel decisivo na entrada do Brasil na I Guerra Mundial. Já no final de sua vida, foi indicado para ser juiz da Corte Internacional de Haia, cargo de enorme prestígio. Primeiro magistrado brasileiro no Palácio da Paz, eleito para o mandato inicial (19211930) da Corte Permanente de Justiça Internacional, mas veio a falecer em 1923, antes de ter participado de qualquer sessão da Corte; sendo substituído por Epitácio Pessoa.
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esde o rompimento com a monarquia imperial de Dom Pedro II, com o advento da Proclamação da primeira República (15.11.1889), a história oficial ou disfarçada mostra que o Brasil foi governado por arranjos políticos sempre coordenados pelos poderosos, do passado e do presente. Mudam-se sistemas de governança, trocam-se denominações de regimes políticos para dar a falsa impressão que “Todos os poderes emanam do povo, e em nome dele são exercidos” (art. 2º da Constituição de 1934); que “o poder político emana do povo e é exercido em nome dele” (art. 1º da Constituição de 1937); que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” (art. 1º das Constituições de 1946, 1967/1969); ou ainda que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente...” (Parágrafo único, art. 1º Constituição de 1988).
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DIVULGAÇÃO
O prestígio da Justiça dos Direitos Humanos será sempre a “Meta Primordial” do Ministério Público Democrático e Republicano, de hoje e do futuro. Que estejamos todos, sempre, sob a proteção e a providência Divina.
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KNOW HOW Na verdade, os larápios da riqueza pública sempre se esconderam atrás de nomenclaturas ou siglas partidárias com o objetivo de surrupiar as grandes riquezas da Nação, e deixar de escanteio os Direitos Humanos essenciais da cidadania. Nada de “lei para o povo, de governo do povo e com o povo”, tudo em benefício dos interesses maiores, políticos-pessoais, econômico-financeiros internacionais; nada de República, ou do bem pela res (pela coisa pública), são engodos de democracias e de supremas “leges de papyrus”. Na política do Brasil colônia e “independente” (1822) nunca houve confrontos entre aqueles que detêm o mando político e o controle social-eleitoral, tudo ocorreu sem choques para troca de sistema ou regime de governo, assim foi e ainda é na história do nosso constitucionalismo, desde o Império até a República atual. Não existiram revoluções populares, peleias ou “guerras civis” para instalações de velhas e de novas Repúblicas; apenas mudam-se as Repúblicas e os manipuladores e comandantes da governança ajustam-se ao “jeitinho brasileiro”na corriqueira e recorrente prática política. Encerrado o período parlamentarista imperial brasileiro (1822 a 1889), surgem as ditas Repúblicas: 1ª República (1891 – 1930) “República da Espada” (de 1889-1994), quando o Brasil foi presidido pelo Marechal Deodoro da Fonseca (de 1889 a 1891); e por seu vice Marechal Floriano Peixoto governando em sucessão (de 1891 a 1894); e ainda as denominadas:República “Velha”, República “Oligárquica”, República “dos Fazendeiros”, República “dos coronéis” ou República do “café com leite”; 2ª República (1934 – 1937) República “Constitucionalista Vargas”; 3ª República (1937-1945) República do “Estado Novo” ou República “polaca”; 4ª República (1946 – 1964) República “Populista”; 5ª República (1964 – 1988) República “Militarizada ou Revolucionária”; e 6ª República (1988 / 2018) República “Cidadã”. Nestas épocas denominadas de republicanas (de fato ou de direito) autoritárias, ditatoriais ou “democráticas”, as sete Constituições do Brasil (de 1891 até a de 1988), sejam impostas, outorgadas ou promulgadas, todas expressam em seus textos que o chefe da Nação é o Senhor Presidente da República. A história constitucional do Brasil não registra em nenhum momento a existência de processo constituinte original, propriamente dito, isto é, com eleição exclusiva para a escolha de membros da Assembleia Nacional Constituinte. O que ocorreu no passado foi um tipo de constituinte, onde mais uma vez o “jeitinho” embaralhou funções parlamentares com as de constituinte, apelidando-se de “congressistasconstituintes”. Repetindo, um processo constituinte próprio significa a existência de eleição direta e única para escolha de membros da Assembleia Constituinte, e após a conclusão do texto da Carta Magna, se faz necessária outra eleição destinada ao referendum popular; e não os mesmos “congressistas-constituintes” que elaboraram a Constituição referendam seus trabalhos, o que configura flagrante vício de origem e no término. Tudo demagogicamente orquestrado entre “amiguinhos”, “colegas corporativos”, associados numa espécie de “política de compadres” ou ainda “de boa vizinhança”, em prol dos ideais comuns, isto é, a intenção (dolo) ou o livre arbítrio de fraudar os cofres ou o tesouro das Repúblicas. Políticos, servidores, funcionários ou agentes públicos ao assumirem seus cargos e postos na administração do país, juraram publicamente defender a Pátria 76
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e respeitar as leis e a Constituição federal, para o bem de todos e do dinheiro da Nação, como dever de construir uma sociedade justa, honesta, solidaria, fraternal, tolerante, igualitária e livre. “A autoridade investida de seu múnus, ante seu juramento de servidor público, conhecedor de seu dever funcional, quando ultrapassa os limites legais, isto é o circulo da lei, torna-se o mais grave dos delinquentes.” (Rui Barbosa) Faço aqui um parêntesis. Ser a favor de novas leis para aumentar penas e castigar severamente os corruptos, e ao mesmo tempo se colocar em defesa do instituto jurídico-penal da “deleção premiada”, caracteriza flagrante contradição; no exemplo jurisprudencial atual condenam-se os grandes defraudadores dos cofres públicos empenas superiores a máxima prevista no código penal (30 anos), e se reduz e substitui a reclusão por prisão domiciliar, e os réus-condenados (cidadãos “Vips” da alta classe – vide ações do “mensalão” e da “lava jato” onde constam como réus empresários agindo em coautoria com políticos) passam a cumprir reprimendas em suas próprias residências luxuosas ou apartamentos suntuosos de frente ou próximo ao mar,onde diariamente desfrutam do nascer ou do lindo pôr-do-sol, visualizando e sentindo com exclusividade um horizonte diferenciado pela punição inadequada ou desproporcional ao prejuízo causado à sociedade em geral. Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando seu desconhecimento; e aqueles que sabem perfeitamente sobre o proibido, justificam-se punições agravadas, jamais graças ou concessões de atenuantes ministeriais-judiciais por motivo de alcaguetagem. Em analogia, considerando que todos são iguais ante os juízos e Tribunais, os autores de crimes comuns contra o patrimônio privado (roubo, furto), do mesmo modo, poderiam receber tal espécie de indulgência ministerial-judicial para redução de suas penas e serem colocados em liberdade quando delatam comparsas (o que na maioria das vezes acontece voluntariamente); e assim se diminuiria consideravelmente a superlotação do sistema penitenciário nacional, composta na sua grande maioria de pessoas negras “vulneráveis”, excluídos sociais, miseráveis, pobres ou extremamente pobres, e ainda carentes de escolaridade. Esta iniquidade prática e jurídica necessita de explicação lógica ao povo brasileiro, que tanto acredita no prestígio da Justiça e sempre está “em busca das penas perdidas”, como vem ensinando a décadas e magistralmente o renomado professor Eugenio Raúl Zaffaroni, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA). Para reprimir a corrupção basta: 1. celeridade processual (não uma agilidade destruidora de garantias fundamentais); 2. aplicação das leis já existentes com a máxima eficiência para a certeza da punição; e 3. tratamento igualitário a todos, com utilização de Medidas Administrativas e Judiciais (e não de um direito penal de “prima ratio”). “Quanto mais corrompida a república, mais leis.” (Rui Barbosa) “A força dos bons juízes foi sempre respeitada, mesmo nos governos absolutos.” (Rui Barbosa) O Ministério Público Republicano possui a tutela dos interesses maiores da cidadania, o que significa proteção e respeito às cláusulas expressas nos Tratados, Pactos e Convenções internacionais de Direitos Humanos, por terem valor legal prevalente, pétreo e indisponível universalmente, em todas as instâncias da Justiça, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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KNOW HOW
arquivo pessoal
desde a alçada criminal à cível; aos agentes do Parquet cabe a titularidade exclusiva da ação penal e a fiscalização da correta interpretação e aplicação democrática das leis e da Constituição. No novo governo que se inicia em 2019, na égide da 7ª República “mudancista anticorrupção”, do Presidente Jair Messias Bolsonaro, precisamos acreditar, é chegado o fim da malversação sistêmica e a melhor reconstituição e a ideal proclamação republicana é por políticos sadios,principalmente plenos de moral, de verdade, honestos e justos com a cidadania para o bem do Brasil. “É dos homens políticos mudar; mudar é também dos filósofos, e também dos juristas, é de todos os espíritos humanos.” (Rui Barbosa) “O que, no mudar, se quer, é que se não mude para trás, nem do bem para o mal ou do mal para pior.” (Rui Barbosa) Prudente de Moraes 1º Presidente Civil (1894-1898) da República dos Estados Unidos do Brasil, na égide da Constituição de Rui Barbosa (1891), como Chefe do Governo asseverou com altivez e objetividade, reconhecendo o valor da instituição do Ministério Público Republicano (na 1ª República), quando afirmou categoricamente: “O Ministério Público não recebe ordem do Governo, não presta obediência aos Juízes, pois atua com autonomia em nome da sociedade, da lei e da Justiça”. Nenhum outro governante ou mandatário supremo, dito republicano ou democrático, até os dias de hoje, ousou dizer, ao menos parecidas, as palavras de Prudente de Morais. Com esperança, fé e laicidade, sem Estado laicista ou vingativo, mas com enorme tristeza pela desonestidade dos republicidas imorais destruidores dos valos Republicanos que lesaram a Pátria desavergonhadamente, roubando o erário com abuso de poder, na forma de latrocínio e genocídio, onde os criminosos do “colarinho branco” vitimizam todos os trabalhadores e contribuintes da Nação, impedindo a observância dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais quando desviam verbas destinadas à saúde, educação, moradia, segurança, etc., MATAM EM GRUPO A CIDADANIA REPUBLICANA BRASILEIRA. O prestígio da Justiça dos Direitos Humanos será sempre a “Meta Primordial” do Ministério Público Democrático e Republicano, de hoje e do futuro. Que estejamos todos, sempre, sob a proteção e a providência Divina. In Oração aos Moços, discurso de Rui Barbosa na Faculdade de Direito de São Paulo, como paraninfo na colação de grau da turma de 1920. Rui não pode estar presente no ato acadêmico por razões de saúde. O texto original de sua Oração aos Moços era “Só há justiça, onde haja Deus”, posteriormente a alteração da redação primitiva feita pelo próprio Rui Barbosa “NÃO HÁ JUSTIÇA SEM DEUS”. Deus como justiça universal, invisível, eterna e infinita na fé e na esperança; e Deus como a base na equidade, no perdão, na indulgência e especialmente no Amor ao próximo, no semelhante, no outro...
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CÂNDIDO FURTADO MAIA NETO é Procurador de Justiça Ministério Público do Estado do Paraná. Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Expertem Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Professor Pesquisador e de Pós-Graduação. Docente para Cursos Avançados de Direitos Humanos e Prática de Justiça Criminal no Estado Democrático. Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Membro do CONSINTER – Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação, e Membro da Sociedade Europeia de Criminologia. Condecorado com Menção Honrosa na V edição do Prêmio Innovare (2008). Cidadão Benemérito do Paraná (Lei nº 15.721/2007). Conferencista internacional. Autor de inúmeros trabalhos jurídicos publicados no Brasil e no exterior.
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PROVAS E CONCURSOS
A importância do inglês jurídico para o operador do direito por
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Aline PretelGiusti
O inglês deixou de ser perfumaria no currículo. Então se você não possui, trate de começar a fazer (e logo!) pois antes mesmo de se formar você já estará fora do mercado do trabalho.
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PROVAS E CONCURSOS
É
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inegável que com a globalização saber inglês tornou-se questão de sobrevivência. Seja para o estudante de graduação, seja para o estudante de pós-graduação (tanto a lato sensu como para a stricto sensu) ou para o profissional do Direito (e aqui não se inclui apenas os advogados de grandes escritórios, mas também qualquer advogado, magistrados, promotores etc.). As vagas de emprego não pedem apenas o inglês básico (aquele do the books is on the table), mas sim o inglês fluente que deve ser utilizado na prática. Ou seja, antigamente as empresas e escritórios selecionam o candidato por ter inglês, apenas por constar, o que seria considerado um plus. Hoje, as empresas querem candidatos que realmente o possuem e que efetivamente irão utilizá-los. O inglês deixou de ser perfumaria no currículo. Então se você não possui, trate de começar a fazer (e logo!) pois antes mesmo de se formar você já estará fora do mercado do trabalho. Ah! E se você tem o pensamento de que “vou prestar concurso público e não preciso do inglês” tome cuidado. As provas de advogado júnior da Petrobrás já pedem inglês nas seletivas de concurso e a tendência é esta. Acostume-se! O inglês que antes era o diferencial passa a ser essencial, mas para aquele que possui o inglês jurídico (que alguns chamam de inglês instrumental) é visto como a “cereja do bolo”. Vejamos um exemplo: só existe uma vaga para advogado de contratos em que a função será fazer inclusive a análise de contratos internacionais. O candidato “A” possui inglês fluente e o candidato “B” além de possuir o inglês fluente, tem ainda o inglês jurídico. Entre estes candidatos qual você acha que irá conseguir a vaga? Acredito que nem preciso dizer a resposta. Pois bem, fazer um curso de inglês jurídico irá destacar o currículo do candidato, mas não adianta apenas ter feito o curso (ter apenas um certificado) é preciso que efetivamente você tenha levado o curso a sério, que tenha estudado,feito os exercícios, que realmente tenha aprendido, senão de nada valeu o investimento. O que importa mesmo é que, independentemente de fazer curso é saber na prática, pois é o que o mercado de trabalho irá cobrar, e não o certificado! Segue dicas para quem quer começar oestudo do inglês jurídico e/ouse aperfeiçoar: Livros: *Introduction to International Legal English- Jeremy Day *International Legal English- Amy Krois- Lindner *Legal English: ho to understand and master the language of law: William McKay, Heren Elizabeth Charlton Sites: *Harvard Law (harvardlawreview.org) *Santa Clara Law Digital Commons (digitalcommons.law.scu.edu)
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ALINE PRETEL GIUSTI é Mestranda em Direito da Sociedade da Informação pela Faculdades Metropolitanas Unidas-FMU. Pós-graduanda em Direito Administrativo pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes- UCAM. Pós-graduada em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Comercial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada do Escritório de Assistência Judiciária da Faculdade Anhanguera de Santo André/SP-UniA. Consultora Jurídica. Professora da Faculdade Anhanguera de Santo André-UniA.
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FICHÁRIO JURÍDICO
Novos valores da lei de licitações, que valem apenas para os contratos iniciais por
Ivan Barbosa Rigolin
U
m assunto que tem ocupado todas as atenções de quem lida com licitações – escrevendo, licitando ou participando – e a recente alteração dos valores constantes da Lei nº 8.666/93, a eterna lei de licitações e contratos administrativos brasileira, a qual por pior que seja ainda permanece, e mais robusta do que nunca, em nosso ordenamento. Aguarda-se a sua substituição para antes do bíblico juízo final com seu armagedom, porém nem isso é certo. Este curtíssimo artigo, longe de qualquer pretensão doutrinária, tem antes função de alerta, lembrete ou destaque de alguns pontos que o tema suscita. O Decreto nº 9.412, de 18 de junho de 2.018, que: Atualiza os valores das modalidades de licitação de que trata o art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e foi publicado no DO de 19 de junho de 2.018, tem a seguinte redação: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 120 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, DECRETA: 1º Os valores estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ficam atualizados nos seguintes termos: I – para obras e serviços de engenharia: a) na modalidade convite – até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais); b) na modalidade tomada de preços – até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); c) na modalidade concorrência – acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); II – para compras e serviços não incluídos no inciso I: a) na modalidade convite – até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais); b) na modalidade tomada de preços – até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais);
FICHÁRIO JURÍDICO c) na modalidade concorrência – acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais). Art. 2º Este Decreto entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação. Brasília, 18 de junho de 2018 MICHEL TEMER
O art. 120 da Lei nº 8.666/93 de fato confere ao Presidente da República o poder de alterar os valores da lei sempre que entendido necessário ante a corrosão inflacionária que assolou e assola o país, porém desde a edição da lei, nos longínquos idos de 1.993, nenhum Presidente da República deve ter entendido necessária a medida. Lê-se da internet, via Google, verbete inflação desde 1993, que: A perda de valor da moeda brasileira se deve à inflação acumulada nesses quase 22 anos. De julho de 1994 a março de 2016, a inflação oficial no país, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 437,79%, de acordo com o instituto.
Se aquela foi a inflação oficial de julho de 1994 a março de 2016, então a inflação oficial de junho de 1993, data da Lei nº 8.666, até junho de 2.018 seguramente superou os 450% (quatrocentos e cinquenta por cento). E é sabido que a inflação oficial é e sempre foi a mais deslavada, desavergonhada, desonesta, ímproba e fantasiosa mentira, ou farsa burlesca, que o governo impingiu aos nacionais. Uma dona de casa experimenta em um mês, no supermercado, a inflação atribuída, nos dias de hoje, a uns dois anos ou mais – e sempre foi assim em nosso país, os dados manipulados vergonhosamente pelas autoridades. Muito bem, apenas este atual Presidente da República enxergou a inflação que infelicita a vida nacional há décadas – se bem que atualmente menos do que no passado –, e revisou em 120% (cento e vinte por cento) os valores da lei de licitações. O índice equivale a mais ou menos um quarto da inflação oficial pelo IPCA no período – e a uma reduzida fração da inflação verdadeira que o governo sempre escondeu –, mas já representa alguma coisa, como um início ao reconhecimento da realidade da economia nacional, e dos preços correntes do mercado. A demagogia eleitoreira e irresponsável dos anteriores Presidentes, praga terceiro-mundista que persiste mandato após mandato em todo nível de governo, os impediu de revisar os valores. Os valores constantes da lei de licitação representavam quase que uma piada quanto ao realismo dos preços de obras, serviços e compras, e foi com esses valores que a Administração pública lidou durante os últimos 25 anos. Alguns chefes de Executivos, ansiando talvez o galardão de salvadores da humanidade ou de redentores da economia pública, chegaram a reduzir esses valores por decretos e durante algum tempo em seus mandatos, para o âmbito dos respectivos Executivos. Anelase que o destino tenha feito justiça a semelhantes criaturas. Um reajuste súbito de 120%, como se disse, indica ao menos que o chefe da nação foi sensível a uma realidade inflacionária que se evidenciava mais a cada dia, e que incomodava seriamente a todos os segmentos da sociedade e do poder público. Não se imaginava, por outro lado, que algum mandatário recompusesse de uma só vez toda a inflação oficial do período, deixada acumular pela incúria e pelo desmazelo de diversos Presidentes ao longo de um quartel de século, de modo que se 82
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enxerga com muito bons olhos esta ofensiva do governo federal, que já corrige em parte a imensa distorção acumulada. Algo, entretanto, é prudente ter presente sobre esta alteração normativa. Os novos valores já entraram em vigor, no dia 19 de julho de 2.018 e na forma do art. 2º do texto. Desse modo, pelas regras de direito intertemporal e interespacial, um ato ou um procedimento que se limitou nos valores anteriores ao novo decreto deve observar aqueles anteriores valores, e não os novos. Tempus regitactum, ensina a tradição jurídica com esta regra responsável em grande parte pela segurança jurídica que deve estar presente em todo procedimento da Administração em prol do cidadão e da própria Administração A lei do tempo rege o ato que nela se fundamentou, até a produção do seu último efeito – é o que resume o sintético adágio latino. Uma forma popular de se expressar aquela necessária regra de convivência social, e de direito quase natural, é a de que não se altera a regra depois de que o jogo começou. Tal seria imaginar-se, com efeito, que as regras de um negócio ou de uma disputa pudessem ser alteradas após a sua celebração, ou mesmo após o seu início ou seu de flagramento. Tal não faria sentido em um estado democrático de direito, que segue regras e que preza as instituições. Jogo que se inicia sob certa regra, boa ou ruim, segue obrigatoriamente essa regra até seu final, sem a isso jamais poder se opor qualquer partícipe. Quem não aceita a regra simplesmente deve ficar de fora do negócio, ou então, antes de a tratativa começar, conseguir a alteração da regra. Exemplificativamente, se uma licitação para uma compra de R$ 10.000,00 iniciouse antes do início da vigência do novo decreto, então deve assim prosseguir, e não é porque esse valor atualmente dispensa licitação que as regras do certame que já se havia iniciado agora possam ser alteradas, absolutamente não1. Outra questão: se os Tribunais de Contas mesmo sob os valores antigos invariavelmente já vinham e vêm incrementando a fiscalização das pesquisas de preços que as cortes julgam antecedentes necessários de quase qualquer negócio público, quer licitado, quer direto por dispensa ou inexigibilidade, imagine-se então agora, dados os novos valores, com que novo alento e com que renovada atenção realizarão aquela escrutinação! É de esperar sensível incremento da fiscalização quanto a esse ponto, uma vez que os defasadíssimos valores públicos anteriores, que já incitavam tanto cuidado fiscalizatório, neste momento estão 120% maiores. Muito mais dispensas serão realizadas, isso é certo e nenhum oráculos e exige para confirmá-lo. Quanto a isso, Mãe Dinah restou despicienda. O cuidado que as deve cercar deve ser, talvez, 120% maior. A informal e conhecida regra dos três orçamentos como pressuposto das aquisições públicas no mais das vezes – regra essa que não tem nenhum respaldo em lei nenhuma, e que se explica como uma curiosa tradição dentro dos usos e costumes dos Tribunais de Contas -, se já era rigidamente exercitada e era muita vez responsável simplesmente pela rejeição da conta, imagine-se neste novo momento do direito com que implacabilidade deverá exercitar-se ! Sirva este lembrete como aviso aos navegantes das licitações brasileiras... Um último assunto que precisa ser lembrado de modo permanente – independentemente dos valores da lei de licitações, porém agora possivelmente mais – é o de que os valores-limites constantes da lei de licitações valem apenas para revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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FICHÁRIO JURÍDICO limitar as contratações iniciais a cada oportunidade, não devendo limitar valores finais do contrato. O aplicador da lei de licitações observa e cumpre a mesma lei quando contrata dentro do valor permitido para aquela dada modalidade utilizada, ou para a contratação direta por valor. Se por exemplo abre um convite para um serviço contínuo por doze meses, então o valor contratual para esses doze meses é que está limitado ao valor máximo admitido para contratos licitados por convite. Contratando o objeto dentro do limite, então a lei está respeitada e observada – e o que virá depois é matéria para outras províncias da lei, e para outros artigos da lei que dizem respeito ao contrato, e não mais a licitação. A parte de licitação da lei – até o art. 53 – quanto a isso terá sido corretamente observada se o valor inicial do contrato se contiver no limite de valor estabelecido para a modalidade licitatória utilizada. O resto que virá, relativo à execução do contrato, se rege por artigos próprios, diversos daqueles regedores da licitação, e são os arts. 54 até 80. Uma coisa, dentro da lei de licitações, o mundo das licitações, e outra coisa é o mundo dos contratos. Não se comunicam, salvo talvez no inc. XIII do art. 55, que constitui uma espécie de vaso comunicante entre os dois mundos, ao exigir que o contrato preveja que o contratado deverá a cada período de medição renovar a demonstrações (de validade vencida) de habilitação que apresentou na licitação. Afora por este ponto, nada tem o universo das licitações com aquele dos contratos, duas verdadeiras ilhas uma com relação à outra. Ninguém se olvide de que a Lei nº 8.666/93 é a lei das normas gerais de licitações e de contratos administrativos, cada assunto com suas regras autônomas e reciprocamente inconfundíveis. Grassou há alguns anos no país uma onda, um modismo de pretender que o limite financeiro da modalidade de licitação utilizada deve ser o limite final do valor do contrato – invencionice das mais perigosas ao direito. Assim, se um contrato, após corretamente celebrado dentro do valor admitido para a modalidade licitatória ou para a dispensa, tem o seu valor aumentado por alguma ou algumas das cerca de dez causas possíveis de aumento do seu valor, admitidas na lei de licitações para o contrato a partir do art. 40 e 42 – com reajuste, aumento do valor da moeda estrangeira prevista no contrato, atualização financeira e penalização –, então nada de irregular terá ocorrido. E os artigos, na parte dos contratos, que admitem as majorações de valor do contrato são sobretudo os arts. 57 e 65, estabelecendo prorrogação, extensão, revisão qualitativa e revisão quantitativa, tudo sem dizer da repactuação prevista em decreto do Executivo. Se o valor final do contrato, somadas todas as parcelas pagas ao contratado, por algum ou por alguns desses fatores acima elencados fizer superar o valor-limite da modalidade licitatória que foi utilizada, ou da dispensa havida, então tudo estará rigorosamente dentro da lei, na normalidade institucional, da regra e do ordenamento jurídico. Nada de estranho ao direito, nada de antijurídico terá ocorrido. O aumento do valor se deu em face do direito da Administração a fazê-lo, lastreado em algum(ns) do(s) dispositivo(s) acima referido(s). Nem teria sentido, em muitos casos concretos e diuturnos, ser diferente a leitura do direito aplicável. Se a lei, art. 57, § 2º, dá ao ente público contratante o direito de prorrogar seus contratos de serviços continuados até o prazo máximo de cinco anos, então por óbvio o ente pode se valer desse direito. 84
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Contrata, então, uma consultoria especializada por doze meses; se gostar do resultado prorroga o contrato, e se não gostar não o prorroga, e busca outra consultoria. Mas, por melhores que tenham sido as indicações da empresa, o ente público só tem certeza dos bons resultados se a contratar e analisar o seu trabalho depois de prestado. Não trabalha com métodos de adivinhação. Se não puder prorrogar porque o limite da modalidade licitatória se ultrapassa, então de que serve o direito de prorrogar, se não pode ser exercido? Como o ente público pode adivinhar o resultado, antes de experimentar a contratação? Observe-se sempre que em nenhum momento da lei, jamais, está estabelecido que o limite da modalidade é o limite do contrato se ele já estiver acrescido pelos vários fatores que o podem fazer subir de valor, retroindicados. No contrato originário, inicial, é claro que não o pode ultrapassar, pois que para isso foram criados os limites e as modalidades. Mas se o acréscimo ultrapassador vier depois de o contrato haver sido celebrado dentro do limite da modalidade licitatória que foi utilizada, então a questão não mais se coloca nem se resolve com base nos artigos de licitação da lei, mas nos artigos de contratos, os arts. 54 a 80 – os quais existem na lei exatamente para disciplinar esse assunto. Nesse sentido nossos artigos a) Pode ser ultrapassado o limite da modalidade licitatória utilizada durante a execução contratual? b) Serviços contínuos: é legal e regular ultrapassar-se, na execução, o limite da modalidade licitatória utilizada (...), e c) Contratos administrativos na Lei nº 8.666/93: nove causas para a elevação do seu valor2. Então, por maiores que sejam valores finais resultantes da execução permeada por aqueles acréscimos pecuniários que a lei admite de modo expresso, nada de irregular ou juridicamente anormal em hipóteses assim – que aliás são frequentíssimas no dia a dia da Administração – terá sucedido. O que sempre se exige é justificativa dos procedimentos e das alterações, dentro do possível minuciosa e de boa qualidade na medida em que se envolvem verbas públicas sobre as quais todos os olhos do universo estão, com justo motivo, implacavelmente focalizados. NOTAS
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1 Essa questão tem vida curta pois que em muito breve, quando esgotados todos procedimentos em curso e sob os valores anteriores, não existirão outros valores a considerar senão os novos, do decreto reajustador. 2 Publicados em a) BLC, 1.998/393; Revista Jurídica de Administração Municipal, mai/98/; Doutrina ADCOAS, abr/98; IOB – DCAP, abr/98; Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 17, 1.998; Opem, mar/98; b) Revista Licitar Digital, abr/03; BLC, mai/03, p. 317; Revista ADCOASDoutrina, jun/03, p. 200; IOB-DCAP, out./05, p. 3; c) L&C, ed. Consulex, maio/04, p. 17; Boletim de Administração Pública Municipal, ed. Fiorilli, jun/04, p. 131; BLC, ed. NDJ, jul/04, p. 495; Fórum de Contratação e Gestão Pública, ed. Fórum, jun/04, p. 3.899; Jurídica de Administração Municipal, jul/04, p. 19; Revista do TCMRJ, ago/04, p. 66; Doutrina Jurídica Brasileira, ed. Plenum, in CD-ROM; IOB-DCAP, nov./04, p. 3; Revista do TCDF, 2.004, Doutrina, p. 155.
IVAN BARBOSA RIGOLIN é advogado em São Paulo.
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CASOS PRÁTICOS
Falsos médicos: fraudes e crimes contra à vida Sandra Franco
DIVULGAÇÃO
por
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A pessoa que exerce a Medicina sem estar qualificado e autorizado para a profissão poderá responder criminalmente e civilmente pelos atos ilegais cometidos. Pelo atual Código Penal brasileiro, é crime o exercício ilegal da medicina, previsto no art. 282 e a pena é de seis meses a dois anos de detenção.
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ntre os muitos problemas na área da Saúde, o Brasil tem enfrentado sucessivos casos de mortes de pacientes e denúncias sobre a atuação de falsos médicos. As formas de exercício ilegal da profissão envolvem também médicos em situação irregular, a exemplo de estrangeiros ou brasileiros
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arquivo pessoal
formados em medicina no exterior que exercem a profissão sem ter cumprido as exigências legais de revalidação e reconhecimento de diploma estrangeiro pelo Ministério da Educação. Outros profissionais, não-médicos, sem graduação em Medicina, que são denunciados por executar atos que são privativos dos médicos, procedimentos diagnósticos e terapêuticos restritos ao exercício da Medicina ou que atuam no campo de especialidades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Há também casos de médicos devidamente registrados no Conselho Regional de Medicina (CRM) que acobertam alguma situação de exercício ilegal da medicina. Por exemplo, quando são coniventes com a atuação de falso médico, ou fornecem seus dados e/ou documentos pessoais para a atuação de um profissional irregular. Quanto ao modus operandi, muitos dos falsos médicos “clonam” os dados pessoais, utilizam nome e número de CRM e até falsificam documentos de médicos legalmente registrados no CRM e se fazem passar pelo médico verdadeiro. Alguns chegam a ser contratados por serviços de saúde e por outros empregadores. Há aqueles que atuam em “consultórios” particulares ou na venda de atestados médicos (para justificar dispensa em trabalho) e na venda de receitas médicas (geralmente de medicamentos de uso controlado). Os pacientes correm sérios riscos ao serem atendidos pelos não médicos. Um exemplo: um falso oftalmologista que, em verdade, é um optometrista (profissional responsável pela realização de medições de amplitude visual) poderia, por desconhecimento, não diagnosticar determinadas doenças dos pacientes, agravando-as. Um caso que chamou atenção da mídia recentemente envolveu uma mulher que faleceu após um procedimento estético em um apartamento de alto padrão no Rio de Janeiro, conhecido como o caso do Dr. Bumbum. Este foi o estopim para acender a discussão sobre os riscos que os pacientes brasileiros correm com a atuação “pirata” de alguns profissionais. O profissional em questão era médico, mas apresentava irregularidade em sua inscrição perante o CRM, além de ter assumido risco desnecessário ao realizar procedimento invasivo em local não habilitado, quer seja, seu próprio apartamento. Tem-se conhecimento de algumas universidades que falsificam diplomas de Medicina, colocando em risco a população de países como Brasil e Argentina. Falsos diplomas, por exemplo, expedidos na Bolívia têm facilitado golpes. Há promessa de funcionários de certas instituições para estudantes que não querem terminar o curso e vêem facilidades na obtenção do título de médico. Muitos conseguem inclusive a aprovação no Revalida do CRM e trabalham no sistema público de saúde. Vale frisar que a pessoa que exerce a Medicina sem estar qualificado e autorizado para a profissão poderá responder criminalmente e civilmente pelos atos ilegais cometidos. Pelo atual Código Penal brasileiro, é crime o exercício ilegal da medicina, previsto no artigo 282 e a pena é de seis meses a dois anos de detenção. Ademais, esses profissionais que causarem danos poderão responder por homicídio e lesão corporal. Será que o crime realmente compensa?
SANDRA FRANCO é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê de Ética da Unesp para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública.
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DIREITO E FICÇÃO
“Extinção, 2018”: Direitos Humanos no Cinema. [Spoiler] por
Agenor Alexsander Carvalho Costa
“Com certeza um filme de ficção científica que merece nossa atenção e, a reflexão de uma busca por igualdade.” Extinção 2018 – Suspense/Filme de ficção científica – 1h 35m Sinopse: Extinction é um filme de ficção científica americano de 2018 dirigido por Ben Young e escrito por Spenser Cohen, Eric Heisserer e Brad Kane. O filme é sobre um pai que tem um sonho recorrente sobre a perda de sua família enquanto testemunha uma força determinada pela destruição.
U
m filme com forte apelo à reflexão sobre os limites éticos e morais na utilização da Inteligência Artificial (IA), apesar de se tratar de uma ficção científica está muito próximo da nossa realidade visto que o recorrente tema versa sobre uma preocupação global no uso consciente da Inteligência Artificial e Machine Learning. Citamos que “Em maio de 2018, a Anistia Internacional, Access Now, e um punhado de organizações parceiras lançaram a Declaração de Toronto sobre a proteção do direito à igualdade e à não-discriminação em sistemas de aprendizado de máquina. A Declaração é um documento histórico que busca aplicar os padrões internacionais de direitos humanos existentes ao desenvolvimento e uso de sistemas de aprendizado de máquina.” (Sherif Elsayed-Ali, 2018) Bem como em julho de 2015 centenas de cientistas, pesquisadores e especialistas como Elon Musk da Tesla Motors, Steve Wozniak da Apple, Demis Hassabis do Google, Noam Chomsky e Stephen Hawking “assinaram uma carta aberta alertando sobre os riscos do uso da inteligência artificial em armas.” (Future of Life Institute, 2015) Neste filme, Peter (O mesmo ator de Homem-Formiga) vê seus pesadelos se tornando realidade quando o planeta é invadido por uma força brutal e destrutiva. Um detalhe interessante é que não se trata propriamente de alienígenas, mas sim da nossa própria raça
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Lançamento: 27 de julho de 2018 (mundial) Direção: Ben Young Música composta por: The Newton Brothers Elenco: Lizzy Caplan, Michael Peña, Israel Broussard... Produção: David Hoberman, Todd Lieberman, Nathan Kahane Roteiro: Spenser Cohen, Brad Kane, Eric Heisserer
humana, que outrora foi expulsa do planeta pelos ditos “sintéticos” em decorrência de uma igualmente brutal fase de “desligamento”. Os seres humanos que então foram condenados a viver em colônias em outros planetas retornam à Terra afim de reivindicar seu lar. Agora trajando uniformes espaciais onde seriam facilmente confundidos por alienígenas sanguinários. Sem dúvidas o que mais impressiona, assim como em West World, é a possibilidade de nossa tecnologia evoluir ao ponto de alcançar um status humano, dotando nossos robôs com sentimentos, lembranças, consciência, amor, rancor. Ao passo que a humanidade, por reiteradas vezes, se demonstrou desprovida de tal consciência visto que a tudo que não compreende destrói. Vemos então um androide que luta pela vida e para proteger sua família – igualmente sintética, claro – descobrindo dentro de si uma força desconhecida capaz de manter todos que ama a salvo. Com certeza um filme de ficção científica que merece nossa atenção e, a reflexão de uma busca por igualdade. Eu sei que soa meio estranho, mas nós nunca fomos muito bons nisso mesmo (rs). Trailler | Netflix Como essa tecnologia é relevante para os direitos humanos? REFERÊNCIAS
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New humanrightsprincipleson artificial intelligence. Disponível em: https://www.openglobalrights. org/new-human-rights-principles-on-artificial-intelligence/ AutonomousWeapons: an Open Letterfrom AI & RoboticsResearchers. Disponível em: https://futureoflife.org/open-letter-autonomous-weapons/?cn-reloaded=1 Extinção | Site Oficial Netflix. https://www.netflix.com/br/title/80236421 Agenor Alexsander Carvalho Costa é Advogado com registro ativo na OAB/MG nº: 182968, Consultor, Auditor e Correspondente Jurídico. Integrante da rede Alumni ITS Rio, Fundador e Presidente da Comissão de Tecnologia e Segurança da Informação 2ª Subseção da OAB/MG de Conselheiro Lafaiete. Pós-graduando em Advocacia Trabalhista pela Escola Superior de Advocacia da OAB/FUMEC, Bacharel em Direito pela FDCL - Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete. SQL Developer, Técnico em Informática pela UNA/FIT - Faculdade Infórium de Tecnologia.
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DIREITO AMBIENTAL
Devolução de embalagens e mercadorias ao exterior causa prejuízo a importadores Polêmica decorre da interpretação e aplicação da Instrução Normativa 32/2015 do Ministério da Agricultura por
Maicon Carlos Borba e Rafael Ferreira Filippin
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DIVULGAÇÃO
Devem ser levadas em consideração, especialmente, as normas internacionais que o Brasil ratificou e as normas de gestão de resíduos sólidos em vigor, as quais preveem a possibilidade de outra destinação final adequada para essas embalagens de madeira que oferecem risco, tanto do ponto de vista fitossanitário quanto do ambiental.
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MAICON CARLOS BORBA é advogado, especialista em Direito Aduaneiro e consultor em comércio exterior na Andersen Ballão Advocacia.
arquivo pessoal
arquivo pessoal
sta tem sido uma situação comum em vários portos no Brasil: durante o processo de importação, o despachante aduaneiro ou o próprio importador é surpreendido por um Termo de Ocorrência emitido pelo Auditor fiscal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ordenando a devolução das embalagens de madeira, dos pallets ou mesmo da carga toda ao exportador. Além de dificultar a importação da carga em si e de aumentar o tempo de armazenagem e, consequentemente, o seu custo, essa decisão administrativa do fiscal do MAPA causa um prejuízo significativo, pois é muito difícil e desgastante conseguir que o exportador aceite receber as embalagens ou a carga de volta. Sem contar que os transportadores também não aceitam carregar embalagens e cargas que os exportadores não tenham aceitado receber de volta expressamente. Ou seja, além dos altos custos que essa decisão administrativa acarreta, é muito difícil, senão impossível na prática, conseguir realizar a devolução como determinado pelo fiscal do MAPA. Como agir nessas circunstâncias? A alternativa é se socorrer do Poder Judiciário que, felizmente, tem se mostrado sensível a essas situações e tem determinado aos fiscais do MAPA, em várias oportunidades, que revejam suas posições. A polêmica jurídica está centrada na interpretação e aplicação das regras da Instrução Normativa nº 32/2015 que afirma não ser possível a permanência no Brasil de embalagens de madeira vindas do exterior que não tenham um comprovante de que passaram pelo tratamento fitossanitário apropriado, com o objetivo de evitar a proliferação de pragas e espécies exóticas invasoras no país. De fato, ninguém se opõe a que as autoridades brasileiras protejam o Brasil dessa ameaça. Todavia, esse regulamento pode e deve ser interpretado de forma sistemática, isso é, levando em consideração o contexto normativo do qual faz parte. Devem ser levadas em consideração, especialmente, as normas internacionais que o Brasil ratificou e as normas de gestão de resíduos sólidos em vigor, as quais preveem a possibilidade de outra destinação final adequada para essas embalagens de madeira que oferecem risco, tanto do ponto de vista fitossanitário quanto do ambiental. Em síntese, os importadores têm direito subjetivo a uma solução alternativa àquela imposta pelo MAPA e, por sua vez, o Poder Judiciário tem enfrentado essas questões de modo a socorrer os importadores que se encontram nessa situação e que o procuram oportunamente. Por isso é tão importante o trabalho jurídico de acompanhamento dos processos de importação, pois, além de evitar os prejuízos descritos acima, ele pode garantir a segurança jurídica necessária para que essas operações ocorram com tranquilidade.
RAFAEL FERREIRA FILIPPIN é advogado, mestre e doutor em Direito Ambiental e sócio coordenador do Departamento de Direito Público da Andersen Ballão Advocacia.
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ENFOQUE
A Justiça está submetida à lei ou ao povo? DIVULGAÇÃO
por
Allan Titonelli Nunes
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O Judiciário é o único dos Poderes que não passa pelo crivo popular, todavia na medida em que invade as competências dos outros Poderes traz para si um grau de responsabilidade e necessidade de legitimidade de suas decisões, o que pode ser perigoso para o Estado Democrático de Direito, pois o povo muitas vezes é passional e influenciável.
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“O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis.” Platão
A
partir da ação penal 470, popularmente conhecida como o processo do mensalão, iniciou-se um grande interesse da população brasileira pelo direito, campo do saber muito técnico, que até então se resumia a debates entre advogados. Hoje já se observa, com certa frequência, precipuamente após os desdobramentos do que se denominou “operação Lava Jato”, a discussão em bares e outros lugares de encontro, sobre o cabimento dos embargos infringentes, do Habeas Corpus, a prescrição da pretensão punitiva, ato de ofício, corrupção ativa e passiva entre outros institutos do direito processual e material. A mais recente celeuma refere-se ao decreto de indulto natalino editado pelo presidente Michel Temer em 2017, que está sendo apreciado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, (ADI) 5874/2017. Podemos dizer que esse debate passou a fazer parte da cultura popular brasileira, havendo, inclusive, classificação de “golpista”, “antidemocrático”, “usurpador”, “partidário”, “leniente”, etc... a depender do voto proferido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal. É inegável, do mesmo modo, que a universalização do acesso ao Poder Judiciário trouxe novos contornos para a sociedade, cuja explosão de demandas nos Juizados Especiais demonstra muito bem essa realidade, comprovando que a intervenção do direito nas realidades sociais é plena e atual. 92
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Todavia, o resultado desse interesse pelo direito decorre também, em certo aspecto, pelo discurso protagonizado pelos magistrados, o qual tem contribuído para uma preeminência do Judiciário em relação aos Poderes Executivo e Legislativo. Vive-se um momento em que o Poder Judiciário interfere em quase todas as políticas públicas executadas, fenômeno conhecido como “ativismo judicial”, usurpando funções, ora do Executivo ora do Legislativo, quando deveria estar adstrito à prestação da tutela jurisdicional, a qual é sua função precípua. Esse fenômeno é relatado por Luiz Werneck Vianna, em seu livro “A judicialização da política e das relações sociais no Brasil1”, como resultado do acionamento do Poder Judiciário para resolução das demandas sociais e das decisões políticas emanadas pelo Executivo e Legislativo. Nos dias de hoje grande parte das decisões políticas do Poder Executivo e Legislativo estão sendo confrontadas ou questionadas através de ações judiciais, tendo, assim, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, ganhado holofotes mais reluzentes, em face de ser o último órgão jurisdicional a decidir. De outro lado, o Judiciário é o único dos Poderes que não passa pelo crivo popular, todavia na medida em que invade as competências dos outros Poderes traz para si um grau de responsabilidade e necessidade de legitimidade de suas decisões, o que pode ser perigoso para o Estado Democrático de Direito, pois o povo muitas vezes é passional e influenciável. Afinal, o que seria ouvir a opinião pública? Cuja maioria muda de opinião conforme a “onda do momento”, até porque se for o caso de julgar conforme as “vozes da rua”, bastaria contratar um bom instituto de pesquisa, e esquecer qual papel cabe ao Supremo. Montesquieu, inclusive, ao descrever sua teoria sobre a Tripartição dos Poderes no livro “Do espírito das leis2”, já alertava sobre a possibilidade de, em determinada época, haver a prevalência de um Poder em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a independência e harmonia entre eles, combatendo os abusos eventualmente praticados. Muito embora as leis sejam estáticas e a sociedade seja dinâmica, exigindo do julgador a adequação aos fins sociais a que a norma se dirige, sob pena de fechar os olhos à evolução social, muitas vezes o Ordenamento Jurídico é expresso e não comporta outras interpretações. Enfim, conforme professava Platão “O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis.” E esse julgamento deve ser respeitado na forma como expresso por Aristóteles “A base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça.”, o que não exime a decisão de possíveis críticas, mas dá uma diretriz para que o Legislativo altere o ordenamento, visando, assim, adequá-la à vontade popular, quando for o caso. NOTAS
arquivo pessoal
1 VIANNA, Luiz Werneck (et. al.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 2 MONTESQUIEU, Charles Louis de. Do Espírito das Leis – in Coleção Os Pensadores – Montesquieu. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
ALLAN TITONELLI NUNES é procurador da Fazenda Nacional, especialista em Administração Pública pela FGV e em Direito Tributário pela Unisul, ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
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PAINEL UNIVERSITÁRIO
Sistema governamental brasileiro, escolhemos o correto? por
Gabriel Vieira Dacoregio
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O sistema de governo vigente em nosso país, o Presidencialismo, é, por enquanto, o melhor sistema que podemos adotar para o bem-estar da população brasileira, sendo ele um sistema estável que permite ao povo exercer sua real função.
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DIVULGAÇÃO
Brasil passou por dois sistemas de governo desde que deixou de ser colônia de Portugal. Dentre esses sistemas governamentais estão o parlamentarismo e o presidencialismo. Este último citado é o sistema mais aceito pela população brasileira, como já visto nos dois plebiscitos que ocorreram para a escolha do sistema governamental brasileiro, porém é cabível a revisão destes para que saibamos a diferença. O Parlamentarismo constitui-se em poderes Executivo e Legislativo interdependentes, sendo duas pessoas distintas que chefiam o Estado e o Governo, atribuindo essas tarefas ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro. O chefe do governo, não possui mandato e permanece no poder enquanto possuir apoio popular e do parlamento. Além disto, se o parlamento não estiver alcançando as expectativas populares, ele poderá ser desfeito e um novo seria criado. No Brasil,
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o parlamentarismo vigorou em dois períodos.foi utilizado duas vezes. O primeiro entre os anos de 1847 à 1889 e o segundo, mais recente, de 1961 à 1963 durante o governo de Jânio Quadros. O sistema Presidencialista possui a independência entre os poderes Legislativo e Executivo. Há também eleição direta ou indireta de um líder (Presidente da República) que irá comandar o Estado e o Governo. O Presidente escolhido cumprirá um mandato para exercer seu poder, não podendo ele ser destituído, a menos que ele cometa algum crime que caracterize o processo de impeachment. No dia 6 de janeiro de 1963 houve a primeira votação entre os sistemas de governo, parlamentarismo e presidencialismo. A grande maioria que compareceu à votação escolheu o modo presidencialista. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 2o, afirma que “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E a partir deste artigo, foi redigido um Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e de acordo com o autor francês Paul Roubier, as disposições transitórias têm por finalidade estabelecer um regime intermediário entre duas leis, permitindo a conciliação das situações jurídicas pendentes com a nova ordem legislativa (ROUBIER, apud FERRAZ, 1999, p. 56). Ou seja, são alterações feitas na Lei, para que esta, entre em acordo com as regras e ideias atuais. O Ato anexado ao artigo 2o nos apresenta o seguinte: “No dia 21 de abril de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma e o sistema de governo que devem vigorar no País. § 1º Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e sistemas, através dos meios de comunicação de massa cessionários de serviço público. § 2º O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição, expedirá as normas regulamentadoras deste artigo.” O sistema presidencialista sofre grandes críticas por se tratar de uma chamada “ditadura por prazo certo’, pois se algum Presidente estiver realizando um mau governo, ele não poderá ser destituído, a não ser que ele tenha cometido algum crime que permita sua remoção. Todavia, como o Brasil é um País com grande área territorial e constituído de muitos partidos instáveis, ou seja, sem forças para se tornarem partidos grandes e unificados, o modo parlamentarista não seria uma boa alternativa, havendo muitas sucessões na liderança. Vez que, caso o parlamentarismo fosse aprovado, em algum determinado ano, um certo partido estaria com uma força maior que os outros partidos brasileiros. Contudo com o passar de um curto período de tempo, outro partido totalmente contrário poderia acumular forças para que consiga tomar o poder e colocar suas ideias em prática, deixando o Brasil com uma instabilidade governamental muito grande. Por isso é possível afirmar que o sistema de governo vigente em nosso país, o Presidencialismo, é, por enquanto, o melhor sistema que podemos adotar para o bem-estar da população brasileira, sendo ele um sistema estável que permite ao povo exercer sua real função, não sendo estes meros objetos de composição do Estado, podendo assim escolher seus governantes e como eles devem governar.
GABRIEL VIEIRA DACOREGIO é Graduando em Direito, estagiário do escritório Giovani Duarte Oliveira Advogados Associados.
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VADE MECUM FORENSE
Os limites da condução coercitiva como medida cautelar diverso da prisão por
Abadio Souza e Silva
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Os direitos conquistados ao longo dos anos, prescritos na Carta Maior e em tratados internacionais, não podem ser afastados ao arbítrio estatal e no caso caracteriza-se uma violência aberta aos conduzidos/investigados, ferindo a soberania popular.
DIVULGAÇÃO
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N
o Estado Democrático de Direito vige o escalonamento de valores constitucionais e quando se trata de direitos individuais o primeiro a ser observado é o direito à vida, seguido da liberdade, igualdade, segurança e a propriedade. No entanto, nos interessa ao tema o direito a liberdade do investigado ou acusado e suas restrições pela Constituição e legislação infraconstitucional, no caso o Código de Processo Penal. Em introito, vale ressaltar, que a vida é a base e é dela que se originam os demais valores fundamentais, sendo, portanto, pré-requisito para o cidadão galgar a sua existência e usufruir daquilo que foi construído pelo sistema jurídico-constitucional. Nas palavras de Gonet Branco: A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto na Constituição e que esses direitos têm nos marcos da vida de cada individuo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito a vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse1.
A vida é algo imprescindível ao cidadão que após confirmar a sua existência pelos meios legais busca acrescer suas garantias conforme previsão no art. 5º da CF, ou seja, o escalonamento ali previsto ocorre com o passar dos anos e a medida que a pessoa se insere no mundo jurídico. Neste contexto, tanto a vida como a liberdade são considerados direitos de primeira geração, tendo em vista que diz respeito às liberdades individuais oponíveis ao Estado. De acordo com Bonavides: (...) os direitos de primeira geração ou direitos de liberdades têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado2.
Essa não interferência estatal surgiu em razão da opressão das liberdades individuais ocorridas ao longo da existência do ser humano. A primeira geração tem suas origens entre os séculos XVII e XVIII, com fundamentos em alguns documentos históricos, destacando-se: Magna Carta de 1215, assinada pelo rei “João Sem Terra”; Paz de Westfália (1648); Habeas Corpus Act (1679); Bill of Rights (1688); Declarações, seja a americana (1776), seja a francesa (1789)3.
O que se visou com esses documentos foi assegurar a todos dignidade, liberdade, possibilitando ao ser humano condições para incrementar o mínimo necessário para começar o seu desenvolvimento sem a interferência do Estado, portanto era o absenteísmo estatal. Colhe-se no art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. (...)4. Assim, os revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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VADE MECUM FORENSE seres humanos têm o direito de nascer, direito a vida, garantido por documentos internacionais e acolhido internamente pela Constituição Federal de 19885. Nesta mesma Carta de Direitos (art. 1º) consta que é garantido o direito de nascer livre. Com isso, a liberdade surge como uma ordem imanente ao Estado para não interferir nos atos do ser humano. Vige na Constituição Federal, como regra, a liberdade em todos os sentidos, principalmente o direito de ir e vir e não ter a sua manumissão tolhida, salvo nos casos previstos na Carta Maior ou nos atos legais. Então, a liberdade não é absoluta, podendo ser restringida em determinados casos, permitindo o balanceamento dos valores que se quer atingir. Na Constituição Federal, vale destacar, os incisos XV e LXI6, do art. 5º, pois neles cuidam da livre locomoção e da restrição à liberdade. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE LIBERDADE A restrição ao direito de liberdade possui fundo constitucional, mas pode encontra-se ecos em várias vertentes do direito a depender do que se busca proteger com aquela retenção. No campo do processo penal a liberdade pode ser restringida por prisão e medidas cautelares diversa da prisão. No Código de Processo Penal a regra basilar de uma cautelar é com base no princípio da proporcionalidade (necessidade e adequação), pois no art. 282, impõe que se observe ao seguinte: Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observandose a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado7.
Desse modo, o Código de Processo Penal, salvaguardou o direito de liberdade do acusado/indiciado, porém permitiu a aplicação de medidas cautelares em observância à necessidade e adequação, ou seja, quando se tolhe a liberdade do cidadão a autoridade judiciária deve fundamentar o seu decreto cautelar de prisão ou outra medida compatível com o que se busca apurar ou resguardar. Não basta indicar os artigos da Lei, mas demonstrar que a norma a ser aplicada naquele caso concreto é o remédio adequado. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE X RESTRIÇÃO DA LIBERDADE No Processo Penal a liberdade pode ser restringida em maior ou menor grau, ou seja, desde o cárcere (restrição total) até a limitação parcial de alguns direitos de ir e vir do acusado. Isso depende de cada caso. Nesse ponto, o Código exemplifica modalidades de cautelares diversa da prisão. Então, é permitida a restrição parcial da liberdade do acusado como figura substitutiva da prisão. É uma restrição da liberdade de forma proporcional. O princípio da proporcionalidade funciona como medida de justiça a ser verificado em cada caso apresentado durante o trâmite processual. Por isso, que a 98
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Constituição Federal diz que a ordem deve ser fundamentada, nada mais que a proporcionalidade vista sob aquele ato processual. Nesse ponto, o princípio busca harmonizar a colisão de valores constitucionais. A doutrina de Coelho diz que: (...) o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico8.
Para a aplicação do princípio impõe a observar os seus elementos: Necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder substituí-la por outra menos gravosa; Adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; Proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve -se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição9.
Esses subprincípios são encontrados a partir da interpretação do art. 282, I e II e parágrafos 4º, 5º e 6º do CPP. O primeiro deles encontra-se no art. 282, I, pois ali diz categoricamente as cautelares deverão ser aplicadas observando a: “necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais”. Assim, a autoridade judiciária, mediante o caso apresentado, começa a fundamentar a sua decisão ou mesmo verificar se naquele caso é cabível uma medida cautelar. No segundo momento o julgador deve verificar se a medida é idônea a estancar o lastro da infração e seu fundamento está na: “adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”. Busca-se assim, dentre as cautelares disponíveis, qual ou quais delas pode garantir a instrução processual sem afetar por demais o direito do cidadão. Por fim, busca-se a efetividade da cautelar com o mínimo de restrição da liberdade. Neste caso, fala-se em proporcionalidade em sentido estrito, que pode ser extraído dos §§ 4º, 5º e 6º10, pois ali é permitido a movimentação judicial, desde que fundamentado, em alterar a medida cautelar ou impor uma restrição total da liberdade do cidadão. Desse modo, as cautelares processuais, ainda que exemplificativas, para a corrente doutrinária que defende sua aplicação, passam pelo crivo da proporcionalidade e só assim poderão ser aplicadas em nível de investigação ou de instrução processual. PROPORCIONALIDADE X CONDUÇÃO COERCITIVA Atualmente ao paginar jornais, revistas, conteúdos da web, ou visualizar os telejornais11, percebe-se que em diversas operações policiais ou ministeriais, com revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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VADE MECUM FORENSE ordem judicial, quantidade enorme de pessoas sendo conduzidas coercitivamente para a sede do órgão investigador com o intuito de ser ouvido nos procedimentos instaurados pela autoridade responsável. A condução coercitiva é uma forma de restringir a liberdade individual, ainda que por pouco tempo ou tempo necessário à sua oitiva, porém deve seguir os patamares acima delineados. Então, exige-se fundamentação para sua aplicação e deve ser analisada a cada caso concreto, ainda que se tenham vários investigados no mesmo processo. Conduz-se de modo fundamentado e de acordo com a necessidade processual, pois caso contrário fere o direito constitucional de ir, vir ou de permanecer do cidadão. No processo penal a condução coercitiva encontra-se nos artigos 201, § 1° (condução do ofendido), 218 (condução de testemunha), 260 (condução do acusado), 278 (condução do perito), 411 § 7º e 461 § 1º (condução de testemunha no júri) 535 (condução de testemunha no processo sumário), dependendo do sujeito passivo da medida. Apesar das reformas feitas o Código de Processo Penal quando se refere a essas medidas não deve ultrapassar a barreira de contenção constitucional, mas salvaguardar os valores constitucionais. Então, a proporcionalidade é a justeza vista pelo julgador ao decretar a medida, porém sob o aspecto legítimo. PROPORCIONALIDADE X NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO Quando se refere ao acusado, sujeito passivo da medida, é preciso cautela ainda maior da autoridade, tendo em vista que vige a seu favor o princípio da não autoincriminação (Nemo tenetur se detegere). Em síntese, é o direito de silêncio dos acusados por infrações penais. Sua origem remonta-se às perseguições religiosas pelo Estado, saindo do sistema inquisitorial, que se buscava a confissão do réu com prova de maior valor, passando para o sistema acusatório, separando as funções de acusar, defender e julgar. No sistema acusatório, o acusado é sujeito de direito e não objeto de investigação, portanto não é obrigado a produzir prova em seu desfavor. Basta permanecer inerte, invocando o seu direito de silêncio, previsto no inciso LXIII do art. 5º da CF ao afirmar que: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Nesta sequência também é previsto em tratados internacionais (art. 8º, 2, g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e pelo art. 14. 3, g, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos). A norma prevê que o acusado/investigado será informado de seus direitos e dentre eles o de permanecer em silêncio, incluindo neste silêncio o direito de não produzir prova contra si. Cabe ao órgão acusador produzir a prova contra o acusado, garantido-se a ele o direito de defesa. Neste sistema, segundo Medeiros (2010), (...) preconizado pela Lei Fundamental o ônus probatório é do Parquet, cabendo ao acusado ou réu tão somente fazer a prova de fatos modificativos ou extintivos, provando, exempli gratia, o seu álibi e oferecendo contraprovas quando preciso for. Quanto ao princípio nemu tenetur se detegere, faz parte da autodefesa e, como é cediço, possui diversas dimensões, dentre as quais: a) direito ao silêncio; b) o direito de não produzir
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provas contra si mesmo; c) direito de não confessar, (e) direito de declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros, (f ) direito de não apresentar provas que prejudique sua situação jurídica12. (grifos no original).
Então, se o agente não é obrigado a confessar ou mesmo colaborar com as investigações, ou seja, não é obrigado agir em seu desfavor, também em determinados casos não poderá ser conduzido à presença da autoridade policial, ministerial ou judicial, salvo naqueles casos em que o ato não possa ser produzido sem a sua presença (artigo 226, CPP). Numa análise linear, a interpretação da condução coercitiva deve ser consentânea à Constituição Federal, pois parte do princípio que o acusado não é obrigado a falar e a sua condução para a simples identificação legal pode ser feita por outros meios, tendo por exceção o reconhecimento pessoal (art. 226, CPP) ou identificação criminal (Lei 12.037/2009). A condução coercitiva do acusado não dever ser regra, mas exceção, ou seja, naqueles atos em que se torna impossível a sua feitura ou reprodução do ato sem a sua presença. Com isso, o simples ato de autoridade judicial que determina a condução do investigado em que a sua presença torna dispensável para a produção do ato fere a proporcionalidade, inclusive o direito de defesa. Essa invasão da liberdade coloca o acusado submisso ao poder estatal e a prova pode ser considerada obtida de maneira sub-reptícia, colocando em desvantagem a defesa. Em alguns casos, a acusação sobrepõe a defesa, deixando o conduzido desguarnecido de aparato defensivo e com isso facilita o seu convencimento de confissão, que pode ser ardilosa. Essa surpresa provoca o desequilíbrio entre acusação e defesa e dificulta a sua desconstrução posteriormente. Ademais, para que isso aconteça conta com a participação de um juiz não que está equidistante das partes. O art. 260 DO CPP SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL, A VERTICALIDADE DAS LEIS A condução coercitiva encontra-se descrita no CPP da seguinte forma: Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença13.
Ao captar o preceito processual deve se ater ao mínimo na sua interpretação literal, ou seja, prévia intimação para o seu interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que não possa ser realizado sem ele e só a partir desse ponto e que se pode conduzi-lo à presença da autoridade competente. Exige-se que a autoridade exerça o poder de cientificação da parte para comparecer a um ato a ser produzido e com a sua recusa passa-se a observar o comando seguinte da norma processual, que é a sua condução coercitiva. Nesse ponto ao discorrer sobre a condução coercitiva de acusado, o Ministro Alexandre de Moraes considerou que a condução é válida se o acusado/investigado não houver comparecido de modo injustificado. Relata Moraes que “o direito de defesa não engloba somente o direito de ao silêncio, mas o de falar no momento revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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VADE MECUM FORENSE adequado, de escolher o momento de apresentar provas ou de falar. Ou seja, trata da impossibilidade de alguém ser obrigado a produzir provas sobre si mesmo”14. Em aprofundamento ao tema, ao deferir medidas cautelares nas ADPF 395 e 444, o Ministro Gilmar Mendes entendeu que a condução coercitiva restringe a liberdade de locomoção e a não culpabilidade, além da não autoincriminação, o direito de defesa e a dignidade da pessoa humana. Então, na visão do ministro, essa medida não encontra respaldo sob a ótica constitucional. Ou seja, ao verificar a compatibilidade da norma sob o enfoque constitucional, ela não poderá ser utilizada pela parte investigante por ofensa a preceitos da Carta Maior15. Para Mendes a condução coercitiva “é uma supressão completa da liberdade de locomoção, ainda que por período limitado – até a realização do interrogatório”, tendo em vista que captura-se o réu e o custodia para inquirição, suprimindo assim o seu direito de locomoção previsto na Norma Maior, principalmente nos incisos LIV e LVII16, do art. 5º17. Mais adiante o ministro anota que “essa restrição severa da liberdade individual não encontra respaldo no ordenamento jurídico”18. Em posição contrária pela aplicação condução coercitiva frente a Lei Maior há aqueles que anotam que o instituto restaura a ordem jurídica violada e seria um minus em relação às prisões às cautelares, trabalhando a ideia de gradação das tutelas de urgências perante a norma processual penal, portanto, cautelar atípica dentro do poder geral de cautela do juiz19. Nesse patamar, seria plenamente possível a utilização da coerção da liberdade, tendo em vista que a Constituição Federal empresta fundamento ao instituto como medida autônoma a “prevenir riscos à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal”20. A que se discordar desse posicionamento, pois não se pode restaurar a ordem jurídica com a violação de direitos, ainda que pertença a altos escalões do crime organizado, ou em atuação de práticas contra a administração pública. A restauração da ordem se dá com o desempenho do papel do Estado numa investigação eficiente, seguida de uma instrução processual adequada, célere e punição exemplar em curto espaço de tempo. A condução coercitiva não pode ser alternativa a outras cautelares por ser menos invasivas, tendo em vista que o instituto surgiu para cumprir uma finalidade a época que foi criada e perante a nova Carta não cabe essa ponderação de se atingir um grau menor. Corrobora esse entendimento o excerto do voto do ministro Celso de Mello na ADPF 395/DF, ao afirmar que: Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem e não devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática tenha motivado a instauração do procedimento estatal21.
Seguindo a explanação do ministro, percebe-se que a análise dos institutos das cautelares deve se reportar ao art. 282, I e II do CPP, e não segundo a conjugação de preceitos normativos a decidir em desfavor do réu, obedecendo a taxatividade da Lei22. Explica Capez (2017), que o 102
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juiz, no processo penal, está rigorosamente vinculado às previsões legislativas, razão por que somente pode decretar as medidas coercitivas previstas em lei e nas condições por ela estabelecidas, não se admitindo medidas cautelares atípicas (isto é, não previstas em lei) nem o recurso à analogia com o processo civil23-24.
Com isso, diferentemente do processo civil, que não foi possível “antever todas as situações de risco, outorga-se expressamente ao juiz o poder de conceder a tutela de urgência que reputar mais apropriada ao caso concreto, ainda que não prevista em lei”25, a legalidade deve ser observada nos seus limites estritos. No mesmo sentido pronuncia Badaró (2011) que: (...) em termos de privação ou restrição da liberdade, em sede de persecução penal, a lei é o limite e a garantia. Não é possível aplicar o poder geral de cautela e decretar medidas cautelares atípicas diversas daquelas previstas nos artigos 319 e 320 do CPP, nem aplicá-las para finalidades diversas das previstas em lei. (...). Em suma, sob nenhum aspecto, a proporcionalidade pode ser utilizada para justificar a supressão das garantias individuais em prol de uma supremacia do interesse público na eficácia da repressão e, muito menos, ser invocada sem o respeito ao pressuposto formal do princípio da legalidade, a exigir lei escrita, estrita e prévia, que preveja qualquer restrição a direito fundamental (...). Ninguém pode ser privado de sua liberdade senão pelo devido processo legal (CR, art. 5º, inc. LIV), o que inclui não se impor qualquer privação ou restrição da liberdade, por qualquer medida cautelar, a não ser nas hipóteses previstas na Constituição ou nas leis.26
Então o poder cautelar na seara processual penal não encontra guarida no espírito Constitucional, até porque se não cabe as cautelares típicas, aplica-se as medidas cautelares diversos da prisão (art. 319, CPP) e lá não consta a possibilidade de aplicação autônoma da restrição total da liberdade por período determinado. Magistral é o voto do Ministro Celso de na ADPF 395/DF ao afirmar que: Os postulados constitucionais que consagram a presunção de inocência, de um lado, e a essencial dignidade da pessoa humana, de outro, repudiam, por ilegítimas, práticas estatais que convertem atos de prisão ou de condução coercitiva de meros suspeitos, investigados ou réus em inadmissíveis cerimônias públicas de arbitrária degradação moral daqueles que são expostos a procedimentos de investigação criminal ou de persecução penal27.
Assim, no entendimento do ministro, cabe ao estado zelar pela moral e não expor a execração pública aqueles que estão sob sua tutela. Com isso, invoca a incumbência de preservação de direitos, garantido na Constituição Federal e o dever de o Supremo Tribunal Federal não frustrar as conquistas históricas, permitindo condutas perversas e arbitrárias. Se o Estado assim agir subtrai do indivíduo suas garantias e passa a agir irracionalmente. Para o ministro “o processo penal e os Tribunais, nesse contexto, são, por excelência, espaços institucionalizados de defesa e proteção dos réus contra eventuais excessos da maioria”28. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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VADE MECUM FORENSE Cabe rememorar que a modificação legislativa na Lei nº 8.906/94, introduzida pela Lei 13.245/2016, inclui o inciso XXI reconhecendo ao advogado o direito de assistir o seu cliente sob pena de nulidade absoluta do interrogatório e dos atos que dele decorrerem29. Com isso, o legislador quis garantir paridade de tratamento entre os postulantes judiciais reconhecendo a qualquer pessoa, ainda que figure como simples indiciado, a “sua condição de sujeito de determinados direitos e senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito só põe em evidência a censurável (e inaceitável) face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem conformar-se, necessariamente, ao que prescreve o ordenamento positivo da República”30. CONCLUSÃO Conclui-se que a condução coercitiva encontra-se o permissivo legal e pode ser executada contra testemunhas, ofendidos ou peritos, desde que combinado a: regular intimação; não comparecimento; e ato não justificado da parte que foi intimada. Contudo, quando se refere ao investigado ou acusado, sujeito de direitos, verifica-se que não houve recepção na parte que cuida da condução para interrogatório, por vedação constitucional. Assim, fica claro que o Poder do Estado não pode subverter os direitos fundamentais da pessoa humana que figura no polo passivo da ação penal, tendo em vista que não é submisso ao seu autoritarismo. Ademais, os direitos conquistados ao longo dos anos, prescritos na Carta Maior e em tratados internacionais, não podem ser afastados ao arbítrio estatal e no caso caracteriza-se uma violência aberta aos conduzidos/investigados, ferindo a soberania popular. NOTAS 1 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 441. 2 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 563 -564 3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 958. 4 UNICEF Brasil – Biblioteca. Disponível em: <http:// https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Acessado em 07.11.17 5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 2017. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acessado em 07.11.17. 6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 2017. Art. 5º. XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acessado em 07.11.17.
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7 BRASIL. Código de Processo Penal. 2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acessado em 30.10.18. 8 COELHO, I. M. Interpretação constitucional, p. 109. Citado por Pedro Lenza. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012. Pág. 159 9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012. Pág. 159 10 BRASIL. Código de Processo Penal. 2018. Art. 282.... § 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). § 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). § 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319). CPP. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acessado em 30.10.18. 11 Ver, dentre eles: Operação Marcapasso cumpriu mandado de condução coercitiva na Capital. Disponível em: < https://www.campograndenews.com.br/cidades/capital/operacao-marcapasso-cumpriu-mandado-de-conducao-coercitiva-na-capital . acessado em 07.11.17>. 12 Gaeco cumpre mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva. Disponível em: < http://www.rbj.com.br/geral/gaeco-cumpre-mandados-de-busca-e-apreensao-e-de-conducao-coercitiva-1223.html . acessado em 07.11.17>. 13 MEDEIROS, Júlio. Limites ao princípio “nemu tenetur se detegere”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2683, 5 nov. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17768>. Acessado em: 8 11. 17. 14 BRASIL. Código de Processo Penal. 2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del3689Compilado.htm.> . Acessado em 31.10.18. 15 Revista consultor jurídico: Supremo registra 4 votos a 2 a favor da condução coercitiva de investigados. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-13/stf-votos-favor-conducao-coercitiva-investigados>. Por Ana Pompeu, repórter da revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2018. Acessado em 30.10.18. 16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e Supremo. [ADPF 395 e ADPF 444, rel. min. Gilmar Mendes, j. 14-6-2018, P, Informativo 906.] O Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguições de descumprimento de preceito fundamental para declarar a não recepção da expressão “para o interrogatório” constante do art. 260 do CPP, e a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. (…). Nessa medida, as conduções coercitivas tornaram-se um novo capítulo na espetacularização da investigação, inseridas em um contexto de violação a direitos fundamentais por meio da exposição de pessoas que gozam da presunção de inocência como se culpados fossem. Quanto à presunção de não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), seu aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp.> Acessado em 31.10.18 17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e Supremo. [HC 99.891, rel. min. Celso de Mello, j. 15-9-2009, 2ª T, DJE de 18-12-2009.] A Convenção Americana sobre Direitos Humanos não assegura, de modo irrestrito, ao condenado, o direito de (sempre) recorrer em liberdade, pois o Pacto de São José da Costa Rica, em tema de proteção ao status libertatis do réu, estabelece, em seu art. 7º, n. 2, que “Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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ou pelas leis de acordo com elas promulgadas”, admitindo, desse modo, a possibilidade de cada sistema jurídico nacional instituir os casos em que se legitimará, ou não, a privação cautelar da liberdade de locomoção física do réu ou do condenado. Disponível em: <http://www. stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp.> Acessado em 31.10.18. 18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida cautelar na ADPF 395/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/adpf-395-conducao-coercitiva.pdf>. Acessado em 15.08.18. 19 BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Medida cautelar na ADPF 395/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/adpf-395-conducao-coercitiva.pdf>. Acessado em 15.08.18. 20 Revista consultor jurídico: Dodge diz que é inconstitucional proibir juiz de decretar conduções coercitivas. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-mar-13/dodge-inconstitucional -proibir-conducoes-coercitivas>. Por Ana Pompeu, repórter da revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2018. Acessado em 20.09.18 21 Idem, anterior. 22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto do Ministro Celso Mello na ADPF 395/DF. 23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e Supremo. [HC 85.455, rel. min. Marco Aurélio, j. 8-3-2005, 1ª T, DJ de 17-6-2005.] Em face do princípio constitucional da não culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção, cumprindo interpretar os preceitos que a regem de forma estrita (…). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/ constituicao.asp.> Acessado em 31.10.18. 24 CAPEZ, Rodrigo. No processo penal não existe o poder geral de cautela. Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-06/rodrigocapez-processo-penal-nao-existe-poder-geral-cautela.> Acessado em 31.10.18. 25 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105/2015. Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acessado em 31.10.18. 26 CAPEZ, Rodrigo. No processo penal não existe o poder geral de cautela. Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-06/rodrigocapez-processo-penal-nao-existe-poder-geral-cautela.> Acessado em 31.10.18. 27 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. As novas medidas cautelares alternativas à prisão e o alegado poder geral de cautela no processo penal: a impossibilidade de decretação de medidas atípicas. 2011. Disponível em:< http://badaroadvogados.com.br/set-de-2011-asnovas-medidas-cautelares-alternativas-a-prisao-e-o-alegado-poder-geral-de-cautela-no -processo-penal-a-impossibilidade-de-decretacao-de-medidas-atipicas.html>. Acessado em 31.10.18. 28 Revista Consultor Jurídico. Leia o voto do ministro Celso de Mello sobre conduções coercitivas. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/leia-voto-ministro-celso-mello.pdf.,>. 14 de junho de 2018. Acessado em 30.10.2018. 29 Idem, anterior. 30 Brasil. Lei nº 8.906/94. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 2018. Art. 7º São direitos do advogado: XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016). Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acessado em 30.10.18.
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ABADIO SOUZA E SILVA é Delegado de Polícia Civil do Estado de Goiás, Pós-graduado em Direito Processual pela Universidade de Rio Verde, Pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela UCAM – Universidade Cândido Mendes, Pós-graduado em Gestão Pública pela FASEM, Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas.
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EXPRESSÕES LATINAS
Damnum emergens et lucrum cessans por
Vicente de Paulo Saraiva
N
o direito romano, durante o sistema formulário (já explicado no verbete Actio) o réu condenado o era, normalmente, numa prestação pecuniária, mesmo que a pretensão do autor fosse de outra natureza: assim, podia transformar-se esta numa dívida em dinheiro (Insts. 4, 48/52), eludindo-se o devedor da execução contra sua pessoa, que vigia primitivamente sob a égide da Lei das XII Tábuas, inexoneravelmente. Se a intentio (= pretensão) da fórmula fosse de coisa certa contra o réu, o juiz, caso o condenasse, o seria no damnum emergens, isto é: quanti ea res est/erit (= em quanto aquela coisa vale/valer): utilizavase destarte o critério objetivo, levando em consideração o prejuízo imediato advindo do não cumprimento da obrigação. Somente se a intentio fosse de coisa incerta é que podeira o juiz condenar o réu no damnum emergens e no lucrum cessans (D. 46, 8, 13, par.), isto é: id quod creditoris interest (= aquilo que é [= era] do interesse do credor): avaliava-se o dano, assim, pelo critério subjetivo, mediante o qual se levava em consideração também a perda das vantagens que teria o autor da ação, caso tivesse ocorrido o adimplemento obrigacional. Já na extraordinaria cognitio (= processo extraordinário), devia o juiz condenar o réu inadimplente na própria coisa pleiteada pelo autor (v. ad rem [ipsam] = relativamente à coisa mesma, isto é, de modo pertinente). Caso tal fosse impossível, ou se o devedor se recusasse a cumprir o ato a que fora condenado, como nemo praecise ad factum cogi potest (= ninguém pode ser coagido a um fato [´= a praticar um ato] especificamente) – é que, então, a prestação se convertia em pecuniária: compreendia, contudo, tanto o damnum emergens, quanto o lucrum cessans, a fim de que o ressarcimento fosse o mais completo possível. Justiniano, todavia, limitou aquele ao dobro da prestação, se a coisa, quantidade ou contrato tivesse valor certo; do contrário, devia o juiz investigar o prejuízo mi8nuciosamente, a fim de não dar azo a cobranças imoderadas (C. 7, 47, 1). Paulo sintetiza essa dupla composição do prejuízo ao advertir: quantum mihi abest, quantum que lucrari potui [D. 46, 8, 13, par.] (= o quanto me falta [= de que estou privado] e o quanto pude [= poderia] lucrar).
EXPRESSÕES LATINAS
arquivo pessoal
Vê-se, desta forma, que os romanos não tinham uma concepção genérica do dever de indenizar os danos: de casos particulares e concretos destes, é que partiam para a obtenção das correspondentes obrigações de repará-los. Observe-se, ainda, que as expressões do verbete não são propriamente romanas, vazadas estas nos moldes explicitados acima. O direito moderno, nomeadamente o pátrio, coloca, como pressupostos da indenização, a ofensa a um bem jurídico de outrem e o nexo de causalidade entre a conduta antijurídica deste e o dano dela proveniente (CC, art. 403). A indenização deve açambarcar não só o que o prejudicado efetivamente perdeu, no momento atual (damnum emergens), como ainda o que razoavelmente deixou de lucrar, presumivelmente (e não apenas hipoteticamente), no futuro (lucrum cessans) [CC, art. 402]. Se a indenização compreende a totalidade do dano, a este deve limitar-se, porém, sob pena de enriquecimento ilícito por parte do credor. Assim, a avaliação do dano não pode ser arbitrária, cumprindo fundar-se no critério objetivo do valor da coisa, se bem que o valor estimativo desta também se deva levar em conta, em muitos casos. As perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro consistem nos juros de mora e custas, sem prejuízo da pena convencional (CC, art. 404). Mas se a obrigação de dar ou de fazer se tornar impossível ou se o devedor se recusar a prestá-la, o descumprimento se transforma em indenização pecuniária; entretanto, a execução específica não pode cumular-se senão com as perdas e danos moratórios, não com os compensatórios. A doutrina e a jurisprudência têm evoluído no sentido de se admitir o ressarcimento por danos morais, atingidos que foram direitos integrantes da personalidade – sejam aqueles danos advindos de obrigação contratual, sejam de culpa aquiliana, isto é: por descumprimento da lei (v. Actio legis Aquiliae [= Ação da lei aquília ou Ação aquiliana] e Actio damni injuria dati [= Ação de dano causado de modo injusto/injustamente {a outrem}]); têm ainda admitido, inclusive, a cumulação de sua cobrança com a dos danos materiais (Sùmulas nºs 37/STJ e 491/STF). Esta última Súmula de nosso Pretório Excelso reza especificamente que “É indenizável o acidente que causa a morte de um filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. Consoante comentado por Roberto Rosas (Direito Sumular, 11. ed., Malheiros, São Paulo, 2002, p. 221/222), foi o il. Ministro Aliomar Baleeiro quem demonstrou o cabimento de tal indenização (RE nº 59.940, RTJ 39/38), apoiando-se em crescente jurisprudência (RF 97/158; RE nº 49.860, DJ 17.10.63, p. 1023; ERE nº 55.811, RTJ 33/158). Porquanto, “o fato da espera pelos pais de todas as satisfações lícitas, o cuidado e a solicitude pelos filhos, importa uma expectativa tão válida como qualquer direito potencial”. Embora inicialmente a indenização se limitasse ao dano material, o culto Ministro Moreira Alves foi enfático em seu voto pela extensão da indenização ao dano moral em hipóteses que tais (RE nº 84.718) – o que se consolidou no inciso X do art. 5º de nossa atual Constituição Federal.
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VICENTE DE PAULO SARAIVA é Subprocurador-Geral da República (aposentado) e autor da obra Expressões Latinas Jurídicas e Forenses (Saraiva, 1999, 856p.).
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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS
O princípio da independência das instâncias na apuração das infrações-crime, e a comunicabilidade obrigatória da absolvição judicial na administração Jorge Cesar de Assis
DIVULGAÇÃO
por
“
A garantia fundamental de acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV) pressupõe, estreme de dúvida, que o ato administrativo que cause lesão ou ameaça de lesão a um direito do servidor civil ou militar possa, pelo Juiz, ser analisado e decidido.
”
PROCESSOS E PROCEDIMENTOS
Q
uestão de alta indagação e reconhecida complexidade, aafligir os operadores do Direito, é delimitar, com precisão, as hipóteses de comu‘ nicação entre as esferas judicial e administrativa, quando da eventual instauração de processo administrativo disciplinar [ou de sua continuação aos militares das Forças Armadas e Forças Auxiliares,em que estes estejam, simultaneamente, respondendo a processo criminal pelo mesmo fato. Quando chamado a se manifestar, o Poder Judiciário, via de regra, tem entendido que é defeso apreciar o mérito do ato administrativo, cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob o aspecto da legalidade, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente à lei e seu julgamento procedido pela autoridade competente. Todavia, a questão não é tão simples assim, em muitos casos o próprio mérito do ato administrativo pode e deve ser apreciado pelo Juiz, sob pena de se entender que a autoridade administrativa é imune a qualquer controle, ou, que a hipótese [não tão rara] de desvio de finalidade do ato do administrador é mera ficção, e assim, não se estará dando guarida, inclusive, ao princípio fundamental da inafastabilidade do acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). O perfeito entendimento da solução a ser proposta passa pela compreensão do que seja a transgressão disciplinar [que é de natureza administrativa] e suas modalidades. MODALIDADES OU ESPÉCIES DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR Nos termos do art. 14, do Decreto 4.346, de 26.08.2002 – Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), “transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”. As demais Forças Armadas têm definições semelhantes, importando dizer que a Marinha denomina a infração disciplinar de ‘contravenção’, existe, portanto, uma sinonímia entre os termos “contravenção disciplinar” e “transgressão disciplinar”, o que aliás, se encontra referido no art. 42 do Estatuto dos Militares1. Na doutrina, iremos encontrar a seguinte divisão das transgressões (infrações) disciplinares, ainda que com alguma variação:infrações (transgressões) administrativas puras e infrações (transgressões)-crimes. As infrações administrativas puras, seriam aquelas que estão relacionadas como tal nos regulamentos disciplinares. Por sua vez, as infrações-crime, a toda evidência, necessitam estar tipificadas na legislação penal comum ou militar. Dentro do conceito de infração administrativa pura, é de se considerar a prática do ato de improbidade administrativa, podendo-se considerar como tal, aquele que se enquadrar na Lei 8.429, de 02.06.1992, em especial nos seus artigos 9º2, 103, 10-A4 e 115. E isso, por expresso ordenamento legal, visto que, nos termos do art. 14 da lei,qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade, conforme preceitua o § 3º, se atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos através do
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competente processo administrativo que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos artigos 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 19906 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares. Quanto às chamadas infrações-crime, se faz necessário mais uma observação. É que elas podem subdividir-se em outras duas modalidades, quais sejam a infração simplesmente crime, onde o fato a ser apurado é apenas o crime militar ou comum considerado e; a infração onde o crime militar é da mesma natureza que a transgressão disciplinar ocorrendo, portanto, um concurso entre eles. Em relação à primeira espécie, não há qualquer dúvida, o fato a ser apurado é, única e exclusivamente o fato criminoso praticado pelo militar, por exemplo, por ato praticado em serviço culminou sendo processado pelo crime de homicídio, e a Administração também instaurou processo administrativo pelo mesmo fato. Por sua vez, na hipótese de concurso de crime militar e de transgressão disciplinar de mesma natureza, deverá ser aplicada somente a pena relativa ao crime militar (Estatuto dos Militares, art. 42, § 2º). Conforme já dissemos em outro espaço, “nesses casos, apura-se inicialmente o crime militar, para somente depois do processo penal, apurar-se eventual falta administrativa residual. Este comando está previsto nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 14, do Regulamento Disciplinar do Exército e repetido em regulamentos de algumas Polícias Militares. É que existe uma identidade entre o crime militar e a transgressão disciplinar, ambos são violações do dever militar, diferindo entre eles apenas a intensidade da ofensa, mais acentuada no crime militar. No concurso de crime militar e transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, esta é absorvida por aquele e se aplica somente a pena relativa ao crime. A autoridade competente para aplicar a pena disciplinar deve aguardar o pronunciamento da Justiça, para posterior avaliação da questão no âmbito administrativo. Quando, por ocasião do julgamento do crime, este for desclassificado para transgressão disciplinar ou a denúncia for rejeitada pelo mesmo fundamento, a falta cometida deverá ser apreciada, para efeito de punição, pela autoridade a que estiver subordinado o faltoso. São exemplos de concurso de crime e faltas disciplinares da mesma natureza: “deixar de exercer autoridade compatível com seu posto e graduação” e “deixar de punir o subordinado que cometer transgressão disciplinar, salvo na ocorrência de circunstâncias de justificação”, previstas no RDE, itens 4 e 5 do Anexo I, com o crime do art. 322 do CPM (condescendência criminosa); “desacreditar, dirigir-se, referir-se ou responder de maneira desatenciosa a superior hierárquico” e “censurar ato de superior hierárquico ou procurar desacreditá-lo seja entre militares, seja entre civis”, previstas nos números 98 e 99 do Anexo I do RDE, com o crime do art. 160 do CPM (desrespeito a superior); “comparecer a qualquer ato de serviço em visível estado de embriaguez ou nele se embriagar”, previsto no n. 110 do Anexo I, com o crime do art. 202 do CPM (embriaguez em serviço), e assim por diante. Entre a falta disciplinar e o crime militar de mesma natureza, existe uma indisfarçável semelhança na conduta censurada, podendo ser percebida facilmente”7. Deste entendimento não destoou Evandro dos Santos da Costa, quando ao anotar o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro8, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS demonstrou em didático quadro, as disposições do regulamento disciplinar da PMERJ que possuem redações semelhantes ao contido no Código Penal Militar, se subsumindo, às vezes, a mais de um dispositivo penal militar, como abaixo se verifica:
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Transgressões disciplinares (Constantes do Regulamento Disciplinar)
Crimes Militares (Constantes do Código Penal Militar)
RDPM – ANEXO 1
PARTE ESPECIAL
5 – Deixar de punir transgressor da disciplina, ou de promover sua punição pela autoridade competente
Art. 322. Deixar de responsabilizar subordinado que comete infração no exercício do cargo, ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente
7– Deixar de cumprir ou de fazer cumprir normas regulamentares na esfera de suas atribuições.
Art. 324. Deixar, no exercício de função, de observar lei, regulamento ou instrução, dando causa direta à prática de ato prejudicial à administração militar
25 – Abandonar o serviço para o qual tenha sido designado.
Art. 195. Abandonar, sem ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo
37 – Deixar de providenciar a tempo, na esfera de suas atribuições, por negligência ou incúria, medidas contra qualquer irregularidade de que venha a tomar conhecimento.
Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal
39 – Retirar ou tentar retirar de qualquer lugar sobre jurisdição policial militar, material, viatura ou animal, ou mesmo deles servir-se sem ordem o responsável
Art. 241. Se a coisa é subtraída para o fim de uso momentâneo e, a seguir, vem a ser imediatamente restituída ou reposta no lugar onde se achava.
40 – Não zelar devidamente, danificar ou extraviar, por negligência ou desobediência a regra ou norma de serviço, material da Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, que esteja ou não sob sua responsabilidade direta
Art. 259. Destruir, inutilizar, deteriorar ou fazer desaparecer coisa alheia. Art. 265. Fazer desaparecer, consumir ou extraviar combustível, armamento, munição, peças de equipamento de navio ou de aeronave ou de engenho de guerra motomecanizado.
83 – Desconsiderar ou desrespeitar autoridade constituída
Art. 160. Desrespeitar superior diante de outro militar
94–Dirigir-se ou referir-se a superior de modo desrespeitoso
Art. 298. Desacatar superior, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, ou procurando deprimir-lhe a autoridade
97 – Ofender, provocar ou desafiar seu superior 98 – Ofender, provocar ou desafiar seu igual ou subordinado
Art. 299. Desacatar militar no exercício de função de natureza militar ou em razão dela.
106 –Introduzir, distribuir ou possuir, em Organização Militar, publicações, estampas prejudiciais à disciplina e à moral.
Art. 239. Produzir, distribuir, vender, expor à venda, exibir, adquirir ou ter em depósito para o fim de venda, distribuição ou exibição, livros, jornais, revistas, escritos, pinturas, gravuras, estampas, imagens, desenhos ou qualquer outro objeto de caráter obsceno, em lugar sujeito à administração militar, ou durante o período de exercício ou manobras.
100–Travar disputa, rixa ou luta corporal, com seu igual ou subordinado
Art. 211. Participar de rixa, salvo para separar os contendores; Art. 157. Praticar violência contra superior; Art. 175. Praticar violência contra inferior
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111–Embriagar-se ou induzir outrem à embriaguez, embora tal estado não tenha sido constatado por médico.
Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá-lo
108–Ter em seu poder, introduzir ou distribuir, em área militar, tóxicos ou entorpecentes, a não ser mediante prescrição médica.
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
DA REPERCUSSÃO DA DECISÃO JUDICIAL SOBRE A ÓRBITA ADMINISTRATIVA O melhor entendimento do princípio da independência das esferas criminal e administrativa e da comunicabilidade obrigatória da decisão judicial, comporta, inicialmente, algumas considerações acerca da comunicabilidade de instâncias. Lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que “quando se analisa o tema, bastante complexo, da repercussão da decisão proferida pelo juiz criminal sobre a órbita administrativa, deve-se separar duas hipóteses profundamente diversas: 1. Uma em que a infração praticada pelo funcionário é, ao mesmo tempo, definida em lei como ilícito penal e ilícito administrativo; 2. A outra em que a infração praticada constitui apenas ilícito penal. Na primeira hipótese, instauram-se o processo administrativo disciplinar e o processo criminal, prevalecendo a regra da independência entre as duas esferas, ressalvadas algumas exceções, em que a decisão proferida no juízo penal deve prevalecer, fazendo coisa julgada na área civil e na administrativa. A regra fundamental sobre a matéria está contida no artigo 935 do Código Civil, em cujos termos não se poderá questionar mais sobre ‘a existência do fato ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal’. A mesma norma se continha no artigo 1.525 do Código Civil de 1.916. Em consonância com esse dispositivo, o artigo 126 da Lei nº 8.112/909 determina que ‘a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou da sua autoria”.10 Em princípio, repercutem na esfera administrativa as decisões baseadas nos incisos I e V, do art. 386, do Código de Processo Penal (à semelhança do art. 439, letra ‘a, 1ª parte e alínea ‘d’, do Código de Processo Penal Militar). Todavia, há que se fazer uma importante distinção, se o ato praticado pelo servidor constituir, simultaneamente falta funcional e crime e; quando a falta constituir somente crime, melhor dizendo, o servidor estará sendo processado na esfera penal por fato que constitui crime, mas não corresponde à falta administrativa. Desta forma, preciosa é a lição de Maria Sylvia Zanella de Pietro, segundo a qual, “nesse caso, quer-nos parecer que a decisão absolutória proferida pelo juiz criminal, qualquer que seja a fundamentação da sentença repercute sobre a esfera administrativa, porque, nessa matéria, a competência é exclusiva do Judiciário; o funcionário só pode ser punido pela Administração se, além daquele fato pelo qual foi absolvido, houver alguma outra irregularidade que constitua infração revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS administrativa, ou seja, a chamada falta residual a que se refere a Súmula 18 do STF, in verbis: ‘pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor’. Não havendo falta residual, a absolvição na esfera criminal tem que ser reconhecida na órbita administrativa. Nesse sentido é o pensamento de José Armando da Costa (1987:237), quando afirma: ‘sem embargo, acentue-se que toda sentença penal absolutória repercute na instância disciplinar quando a falta funcional se escudar exata e precisamente num tipo penal. Nesses casos, o decisório criminal definitivo, qualquer que seja o seu fundamento, constituirá res judicata no âmbito disciplinar’”11. O PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DE FALTA RESIDUAL PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO A Súmula 18 do Supremo Tribunal Federal tem a seguinte redação: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor”. Por aí se verifica que mesmo absolvido na esfera criminal, o servidor público (civil ou militar) poderá ser submetido a um processo disciplinar. Todavia, há que se compreender que essa possibilidade, de a Administração Militar poder submeter um seu integrante absolvido no processo penal a um processo administrativo, possui uma condição sem a qual não se viabiliza: há que existir uma falta residual, sem a qual, não é possível tentar se responsabilizar administrativamente aquele servidor que foi absolvido no processo criminal. Leciona José Armando da Costa que “a falta residual é aquela parte do comportamento do funcionário que, transbordando os limites do tipo penal, é capaz de provocar malefício ao Serviço Público. Esse resíduo, mesmo que não constitua ato delituoso, pode ser objeto de repressão disciplinar. E prossegue, lembrando Marcelo Caetano, que no atinente a essa questão, apresenta nestes termos o seu magistério: ‘Com apoio na legislação e na jurisprudência portuguesa, sempre sustentamos que a autoridade administrativa pode dar como provados em processo disciplinar fatos pelos quais o responsável haja sido absolvido em processo criminal. No Brasil, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não acolhe essa doutrina quando o procedimento administrativo se baseia tão-só em fato previsto como crime e o arguido é absolvido deste juízo criminal. Neste caso, em que o elemento material das duas infrações e a sua qualificação jurídica são idênticas nas duas jurisdições, a absolvição no foro judicial faz desaparecer o fundamento da ação disciplinar. Esta só se justificaria se, além da matéria criminal apontada em juízo faz desaparecer o fundamento da ação disciplinar. Esta só se justificaria se, além da matéria criminal apreciada em juízo, houver qualquer coisa mais – denominada falta residual – a apreciar disciplinarmente’ (Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, 1ª edição, 1.977, Forense, p. 393/4)12. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a ausência de falta residual, quando o servidor é absolvido na esfera criminal por ausência de provas com base nos incisos II e V do art. 386 do CPP, o que, teoricamente, permitiria a punição disciplinar do servidor por eventual falta residual; Para o STF nessa 114
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decisão, “a constatação da ocorrência de fatos novos, quais sejam a condenação das únicas testemunhas ouvidas no processo administrativo e o reconhecimento de que a acusação contra o recorrente não era verdadeira, originam a conclusão de que, na ausência de falta residual praticada pelo servidor, é inadmissível a sua punição na seara administrativa. Súmula 18 do STF; (c) o recorrente foi acusado, na seara administrativa, de ter exigido dinheiro de motoristas para deixar de lavrar autos de infração, sendo certo que as únicas testemunhas ouvidas foram os motoristas que acusaram o recorrente e que, posteriormente, foram denunciadas pelo Ministério Público Federal pelo mesmo fato e condenadas pelo crime de denunciação caluniosa. As únicas provas produzidas no processo administrativo disciplinar, refutadas na seara criminal, impõe afastar-se a responsabilidade administrativa imputada ao recorrente (STF, Agravo regimental no Recurso ordinário em Mandado de Segurança nº 31.315, 1ª Turma, relator Min. Luiz Fux, julgado em 24.11.2015, unânime). Merecem ser citados alguns acórdãos em que esse entendimento é reiterado nos tribunais, e que constam da obra da Professora Di Pietro13: “Desde que o servidor foi absolvido em processo criminal e nenhum resíduo restou sob o aspecto administrativo, não se justifica sua demissão” (TJSP, in RDP 16/249). “A absolvição no crime produz efeito na demissão do funcionário desde que não haja resíduo a amparar o processo administrativo” (STF, in RDA 51/177) “Se a decisão absolutória proferida no juízo criminal não deixa resíduo a ser apreciado na instância administrativa, não há como subsistir a pena disciplinar” (STF, in RDA 123/216) “Se o inquérito administrativo se baseia tão-só em fato previsto como crime, a absolvição faz desaparecer o motivo do procedimento administrativo, se do fato não restou resíduo para a pena disciplinar” (STF, in RDP 34/131) Para que se possa falar em falta administrativa residual, ela deverá estar obrigatoriamente prevista no Regulamento Disciplinar da Força Armada ou Auxiliar. O resíduo tem de ser concreto, objetivo, não se podendo aceitar ilações de cunho subjetivo ao alvedrio do administrador. E nem se diga da existência daquilo que resolvemos chamar de cláusula de reserva discricionária da autoridade militar14, comumente encontrada nos regulamentos disciplinares, segundo a qual, também serão consideradas contravenções ou transgressões disciplinares, todas as omissões do dever militar, ainda que não especificadas expressamente nos artigos específicos, desde que não sejam qualificadas como crime e sejam cometidas contra preceitos de subordinação e regras de serviços estabelecidos nos diversos regulamentos militares e determinações das autoridades superiores competentes. A dita cláusula encontra-se no parágrafo único do art. 7º do Regulamento Disciplinar da Marinha; no parágrafo único do art. 10 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica; no n. 2 do § 1º do art. 12 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo; no inc. II do art. 27 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Alagoas; no inc. II do § 2º do art. 7º do Regulamento Disciplinar da Brigada Militar gaúcha, e no inciso II, do art. 14, do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro(aliás, idêntico ao do nº 2, do art. 13, do antigo Regulamento Disciplinar do Exército de 198415). Autorizar que se puna transgressão que não esteja prevista, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS revela-se como uma disposição draconiana e foi deixada de lado, não constando mais do atual RDE. Anote-se que esta cláusula de reserva discricionária em favor da autoridade competente para aplicar a sanção disciplinar não está presente no Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais, enquanto que do atual Regulamento Disciplinar do Exército ela foi igualmente suprimida, ao que consta, a fim de evitar questionamentos judiciais, exatamente por ser motivo de constantes interpelações judiciais. Para José Armando da Costa, “harmonizando-se as hipóteses extraídas do aludido art. 386 [do CPP16], com os artigos 65 e 66, todos do Código de Processo Penal, podemos assentar que a sentença penal absolutória faz coisa julgada na instância disciplinar nos seguintes casos: I – quando no processo penal tenha ficado provada a inexistência do fato (hipótese da letra ‘a’’); II – não haver, no processo, prova da existência do fato (hipótese da letra ‘b’); III – inexistir prova de ter o funcionário concorrido para a prática do ilícito penal (hipótese da letra ‘d’); IV – quando tenha ficado provado que o funcionário cometeu o fato em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito (hipótese da letra ‘e’); V – se restou provado, no juízo criminal, que o funcionário cometeu a infração penal sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico (hipóteses da letra f’). Pois bem, a sentença absolutória que tenha tomado por base uma dessas circunstâncias acima delineadas projetará, seus efeitos na órbita disciplinar”17. E desfecha: Para evitar tais inconveniências, o mais coerente seria que a autoridade administrativa, nesses casos em que também ocorre processo na justiça, suspendesse o decisório disciplinar, para aguardar o desfecho daquela instância18. Nesse sentido, o Regimento Interno do Superior Tribunal Militar, aqui tomado por analogia, ao tratar do Conselho de Justificação, que é um processo semelhante ao Conselho de Disciplina, só que dirigido aos oficiais das Forças Armadas, polícias e corpos de bombeiros militares, previu, no § 1º, do seu art. 160 que, caso exista ação penal pendente de julgamento, no foro militar ou comum, em que a imputação corresponda inteiramente às irregularidades atribuídas ao militar no Conselho de Justificação, será este sobrestado até o trânsito em julgado da decisão no foro criminal19. Dentro desse viés garantista, registre-se que a Lei nº 16.544, de 14.07.2010, que dispõe sobre o processo disciplinar no âmbito da Polícia Militar do Paraná, prevê, em seu art. 5º, inciso VI, que será submetido a processo disciplinar o militar estadual que: (...) VI – for condenado por crime de natureza dolosa a pena privativa de liberdade superior a dois anos, com trânsito em julgado, ou seja, na ocorrência de crime, aguardase o trânsito em final da condenação para só aí iniciar o processo administrativo. DA OCORRÊNCIA DE CONCURSO ENTRE CRIME MILITAR E TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR Não raramente ocorre de o militar, pelo mesmo fato, ser submetido a dois processos, um administrativo perante a Corporação e outro judicial, perante a Auditoria Militar Estadual ou Federal. 116
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Em isso acontecendo, plenamente aplicável o princípio da absorção da responsabilidade disciplinar pela penal, ou como lecionou José Armando da Costa, “o ilícito criminal seria a progressão da falta disciplinar, em que teria o servidor de arcar, tão somente, com as consequências da responsabilização penal”. O autor assevera que esse é o sistema adotado pelos regulamentos disciplinares das nossas Forças Armadas, e dizemos nós, de várias Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares também. “O Regulamento Disciplinar do Exército adotou o sistema de absorção no seu art. 12, § 1º: ‘No concurso de crime e transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, aplicar-se-á, somente, a pena relativa ao crime’ (Decreto nº 79.985/77)20. O da Marinha, o fez em seu art. 55: ‘no concurso de crime militar e de transgressão disciplinar será aplicada somente a pena relativa ao crime’ (Decreto nº 38.010/1955)21. E o da Aeronáutica, instituiu no seu art. 9º: ‘No concurso entre crime militar e transgressão disciplinar, ambos de mesma natureza, será aplicada somente a penalidade relativa ao crime’ (Decreto nº 76.322/1975). Sem maiores comentários, podemos concluir que, no Direito Disciplinar Castrense, a responsabilidade funcional do militar é dúplice, ao invés de ser tríplice, como ocorre nos regimes adotados pela 1.711 [atual 8.112/1990] e pelo Estatuto da Polícia Federal. Com efeito, responde o militar apenas pelo crime e pelos danos causados a terceiros, na forma da lei civil, ou tão-somente disciplinar e civilmente, quando a transgressão não chegue a caracterizar delito”22. Na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, tal princípio é expressamente adotado, no § 2º, do art. 40, da Lei 443, de 1º.07.1981, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Rio de Janeiro: “No concurso de crime militar e de contravenção ou de transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, será aplicada somente a pena relativa ao crime”. CONCLUSÃO Sem a pretensão de esgotar o assunto, e, ressalvados entendimentos contrários de todo respeitados, a conclusão que se impõe é a seguinte: A garantia fundamental de acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV) pressupõe, estreme de dúvida, que o ato administrativo que cause lesão ou ameaça de lesão a um direito do servidor civil ou militar possa, pelo Juiz, ser analisado e decidido. As infrações disciplinares, que são de natureza administrativa, se dividem em infrações administrativas puras, que seriam aquelas que estão relacionadas como tal nos regulamentos disciplinares e, as infrações-crime, que a toda evidência, necessitam estar tipificadas na legislação penal comum ou militar. As infrações-crime, subdividem-se em outras duas modalidades, quais sejam a infração simplesmente crime, onde o fato a ser apurado é apenas o crime militar ou comum considerado e; a infração onde o crime militar é da mesma natureza que a transgressão disciplinar ocorrendo, portanto, um concurso entre eles. Se o militar, por um mesmo fato, estiver respondendo simultaneamente, ao processo criminal e ao processo administrativo, a absolvição na esfera judicial (em qualquer uma de suas hipóteses) irá repercutir obrigatoriamente na Administração revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica
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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS Militar, salvo naqueles casos em que, apesar da absolvição criminal, subsista um resíduo administrativo concreto e objetivo, a justificar sua responsabilização (inteligência da Súmula 18, do STF). NOTAS
arquivo pessoal
1 Estatuto dos Militares, Lei nº 6.880, de 09.12.1980. 2 Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito. 3 Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário. 4 Dos Atos de Improbidade Administrativa Decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário. 5 Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública. 6 Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. 7 ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de Direito Disciplinar Militar – da simples transgressão ao processo administrativo, 5ª edição, revista e atualizada, Curitiba: Juruá, 2018, p.231-232. 8 COSTA, Evandro dos Santos da. RDPM / R-9 – Anotado, Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – Decreto 6.579, de 05.03.1983, revisto e atualizado, Rio de Janeiro, 2018. 9 Lei 8.112/1990 – Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. 10 Di PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19ª edição, São Paulo, Atlas, 2006, p. 592. 11 Di PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19ª edição, São Paulo, Atlas, 2006, p. 594. 12 COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Direito Disciplinar. São Paulo: Forense, 1981, página 365. 13 Di PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19ª edição, São Paulo, Atlas, 2006, p. 595. 14 ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de Direito Disciplinar Militar – da simples transgressão ao processo administrativo, 5ª edição, p. 216-217. 15 Regulamento Disciplinar do Exército, Decreto nº 90.608, de 04.12.1984, revogado pelo Decreto nº 4.346, d 26.08.2002. 16 O CPPM tem dispositivo semelhante no seu art. 439. 17 COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Direito Disciplinar. São Paulo: Forense, 1981, página 362-363. 18 COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Direito Disciplinar. São Paulo: Forense, 1981, página 3p63. 19 No mesmo sentido, § 2º, do art. 198, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, no caso de tramitação paralela de processo criminal pelo mesmo motivo, no Tribunal de Justiça ou tribunais superiores. 20 O princípio se repetiu no RDE seguinte, Decreto 90.608/1984, art. 12; e no art. 14, § 4º, do RDE Atual, Decreto nº 4.346/2002. 21 O princípio se mantém no RDMaratual , art. 9º, do Decreto 88.545/1983. 22 COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do direito Disciplinar,São Paulo: Forense, 1981, p. 211-212.
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JORGE CESAR DE ASSIS é Advogado membro da Comissão de Direito Militar da OAB-PR. Oficial da Reserva Não Remunerada da Polícia Militar do Paraná. Integrou o Ministério Público Paranaense, de 1995 a 1999. Integrou o Ministério Público Militar da União, de 1999-2016. Sócio Fundador da Associação Internacional das Justiças Militares – AIJM, sendo dela Secretário-Geral. Membro Correspondente da Academia Mineira de Direito Militar. Professor da Escola de Formação de Oficiais da Academia Policial Militar do Guatupê. Professor convidado em diversos Cursos de Pós-Graduação – Especialização em Direito Militar, no Brasil e em Angola. Integrou o Cadastro de Docentes da Escola Superior do Ministério Público da União, de 2003 a 2016. Membro Titular da Banca Examinadora do 11º Concurso para Ingresso no Ministério Público Militar (11º CPJM/2013), sendo o examinador responsável pela Disciplina de Direito Penal e Direito Penal Militar. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá.
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PRÁTICA DE PROCESSO
O crescimento da mediação e a importância das cláusulas escalonadas por
Gustavo Milaré
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Além de se tratarem de disposições modernas e inteligentes, as cláusulas escalonadas, notadamente as que preveem a mediação na etapa inicial do procedimento para a resolução de conflitos, mostra-se mais aderente às expectativas dos contratantes em termos de tempo, custo e eficiência.
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O
s “meios alternativos de resolução de conflitos” (em inglês, Alternative Dispute Resolution ou, como são mais conhecidos, apenas ADR), também denominados “meios alternativos de resolução de controvérsias” (MASCs) ou ainda “meios extrajudiciais de resolução de controvérsias” (MESCs), são os métodos destinados à solução de cada tipo de conflito, conforme o estágio em que se encontrar. Daí porque, como se tem entendido modernamente, o mais correto é considerar tais meios como “adequados”, ao invés de “alternativos”, já que formam, juntamente com o Poder Judiciário, um verdadeiro modelo de sistema de justiça multiportas, contemplando soluções consensuais, aquelas obtidas de forma amigável pelas próprias partes, e soluções adjudicadas, aquelas obtidas mediante a decisão imposta por um terceiro, privado ou estatal. Dentre as soluções consensuais, a mediação tem ganho cada vez mais destaque no Brasil e no mundo. Em especial com os incentivos governamentais promovidos pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (“Novo Código de Processo Civil”), e pela Lei nº 13.140, de 26
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DIVULGAÇÃO
de junho de 2015 (“Lei de Mediação”), seu uso tem sido disseminado em nosso país, quer em âmbito judicial, quer em âmbito extrajudicial. Importante destacar que números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que, em 2017, cerca de 10% dos processos submetidos ao Poder Judiciário brasileiro já foram solucionados por meio da mediação ou da conciliação. Extrajudicialmente, esse percentual é ainda mais expressivo, como comprova nossa particular experiência no Instituto de Mediação Luiz Flávio Gomes, onde mais de 60% das mediações realizadas terminaram em acordo.
Estatísticas gerais do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá (CAM-CCBC) confirmam o crescimento da mediação no país, ao indicarem que o número de procedimentos iniciados em 2017 triplicou em comparação a 2013, bem como que a soma dos seus valores saltou de R$ 35.206.725,91 em 2013 para R$ 2.293.651.218,79 em 2017. Fora do Brasil, não tem sido diferente. Recente publicação do “IlSole24 Ore”, jornal financeiro mais importante da Itália, que, por sua vez, é o único país dos 47 membros do Conselho da Europa no qual existem dados oficiais do governo sobre mediação, noticia que o “modelo opt-out” italiano reduziu em 30% o número de novos casos judicializados nos últimos quatro anos, tendo alcançado quase 50% de redução em alguns tipos de conflitos, como, por exemplo, os imobiliários. 120
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arquivo pessoal
Contudo, os benefícios da mediação, que notoriamente se caracterizam pela economia, celeridade e efetividade da solução (sem mencionar o ínfimo percentual de não cumprimento espontâneo), podem ser melhor aproveitados se forem previamente acordados entre as partes, que terão mais liberdade para definir o momento e o local mais apropriados para a sua realização. Nesse sentido, a experiência prática tem demonstrado que a solução de conflitos empresariais, comerciais, societários e até familiares é menos demorada, complexa e custosa quando a mediação já está prevista em cláusulas escalonadas nos respectivos contratos. “Cláusulas escalonadas” são as disposições contratuais que preveem o procedimento, composto por dois ou mais meios de resolução de controvérsias, que deverá ser seguido pelas partes para a solução de eventual conflito decorrente do contrato. Via de regra, a etapa inicial desse procedimento é destinada à tentativa de uma solução consensual e obriga as partes a se submeterem a uma mediação, conciliação ou negociação, a fim de que um terceiro (mediador, conciliador ou negociados) ajude-as a solucionarem, de forma amigável, o conflito da maneira que lhes for mais conveniente. Apenas se não chegarem a um acordo é que, em geral, as partes passam então à etapa seguinte, destinada à solução adjudicada (por meio da arbitragem ou de um processo judicial), a fim de que um outro terceiro (árbitro ou juiz) decida o conflito conforme as normas e regras aplicáveis ao caso, as provas produzidas e, principalmente, sua convicção pessoal. Daí porque pesquisas empíricas já identificaram que as partes sentem-se mais motivadas a resolverem eventual conflito quando sabem de antemão – como acontece com as cláusulas escalonadas – que, se não chegarem a um acordo, a decisão caberá a um terceiro e, nessa hipótese, perderão o controle sobre a solução final. Além de se tratarem de disposições modernas e inteligentes, as cláusulas escalonadas, notadamente as que preveem a mediação na etapa inicial do procedimento para a resolução de conflitos, mostra-se mais aderente às expectativas dos contratantes em termos de tempo, custo e eficiência. Como mencionado, considerando que os meios de resolução de controvérsias devem ser adequados ao estágio em que se encontra o conflito, a mediação também se destaca em relação aos demais porque consiste essencialmente em facilitar o diálogo entre as partes, proporcionando-lhes um maior e melhor entendimento sobre os interesses de cada uma delas. Assim, ainda que não resulte em um acordo, a experiência prática igualmente tem demonstrado que a mediação inserida na etapa inicial de procedimentos previstos em cláusulas escalonadas costuma gerar transformações profundas e proveitosas no e para o conflito, uma vez que possibilita ainda às partes endereçarem suas controvérsias de modo mais objetivo à solução adjudicada.
GUSTAVO MILARÉ é advogado, mestre e doutor em Direito Processual Civil e sócio do escritório Meirelles Milaré Advogados.
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por
Hugo Filardi
Judiciário “engarrafado”
C
ertamente, uma das tarefas mais difíceis para o jurista é precisar, matematicamente, o limite do direito de demandar e o dever de não constranger indevidamente determinados jurisdicionados a, de forma despropositada, figurar no polo passivo de uma ação. A cultura de buscar o Poder Judiciário para dirimir controvérsias é resultado de um lento processo de mudança de valores dos indivíduos que em muitas sociedades consideravam amoral o exercício do direito de ação. Diante de um processo de civilização, não se poderia mais conceber que membros da sociedade não tivessem a quem recorrer para composição de situações jurídicas. A dinamização dos meios de comunicação e a evolução tecnológica trataram de eliminar as distâncias existentes entre os sujeitos de direito, tornando as relações jurídicas muito mais complexas e céleres. A tutela jurisdicional, por sua vez, deve acompanhar os anseios da população e cumprir o seu papel de poder equidistante e de distribuição de justiça. Embora não se possa dizer que exista uma sociedade altamente politizada, a massificação das informações possibilitou aos jurisdicionados uma forçada consciência de seus direitos e imperiosidade de tornar-se um hábito a entrega da situação jurídica ao Poder Judiciário. Há, sim, uma sociedade de hábitos formados pelos meios de comunicação e não pelos educadores e formadores de caráter.
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ARQUIVO PESSOAL
ESPAÇO ABERTO
Esse ponto nitidamente contribui para que haja uma profusão de assuntos hoje judicializados e que não precisariam, em condições normais, da intervenção do Judiciário em suas soluções. O acesso à Justiça deveria servir para que a indignação popular motivasse o governo a dar concretude a normas constitucionais propositadamente programáticas, e não só para expandir a propagação de demandas meramente individuais e patrimoniais, que fomenta, por exemplo, a esdrúxula ideia de Judiciário como fonte de renda para os demandantes e aplicação da indústria do dano moral. É curioso constatar, para dizer o menos, como uma pessoa vê seu semelhante jogado na rua sem qualquer apoio governamental sem se indignar e, no entanto, assiste ao poder estatal ser desvirtuado para atender a interesses “menos relevantes”, por exemplo, com uma simples questão de falta de sinal telefônico brada por uma solução do Poder Judiciário obrigatoriamente com indenizações astronômicas. Essa observação não significa, porém, querer impedir a prestação da tutela jurisdicional, mas tão somente vedar que seja usada de forma a torná-la desacreditada ou que sirva a direitos fúteis, em detrimento de situações jurídicas de relevante cunho social. A explosão insólita de demandas temerárias sem qualquer filtro à prestação jurisdicional é completamente prejudicial ao alcance de uma justiça de qualidade e incoerente com os anseios do Estado Democrático de Direito. Permitir a propositura de demandas sem um mínimo de carga probatória ou até mesmo de lógica não significa atender ao comando constitucional de acesso irrestrito à tutela jurisdicional, mas sim violar os interesses da coletividade de explanação de uma justiça de alta confiabilidade. Dentro da teoria de ponderação de princípios, verifica-se que a inafastabilidade da tutela jurisdicional e a vedação ao abuso do direito de demandar devem ser trabalhadas como colunas concomitantes que alicerçam a entrega da tutela jurisdicional adequada. O Judiciário deve ser receptivo ao jurisdicionado e possibilitar todos os mecanismos para exercício do legítimo direito de ação e, na contrapartida, identificar eventuais abusos que “engarrafam” as vias de prestação jurisdicional e medidas judiciais manifestamente utilizadas para, de maneira ilegítima, constranger desnecessariamente jurisdicionados em juízo. O acesso à Justiça é uma garantia fundamental do jurisdicionado, ponto que não deve ser confundido em hipótese alguma com estímulo à litigiosidade exagerada. É necessário salvaguardar e lutar sempre para que os jurisdicionados possam, sem qualquer óbice injustificável, submeter suas pretensões ao justo crivo do Judiciário. No entanto, também em defesa da isonomia processual, deve-se buscar mecanismos de proteção ao jurisdicionado indevidamente demandado, impedindo que sua esfera de vontades seja injustificadamente incomodada. Requerer que as demandas instauradas sejam submetidas a um juízo sério e prévio de admissibilidade, calcado em um mínimo lastro probatório ou em precedentes judiciais, conforme dispõe o Código de Processo Civil, não significa vedar o livre acesso à tutela jurisdicional, mas sim promover a defesa das garantias fundamentais do processo e a busca da atividade do Poder Judiciário, fundada nos princípios da moralidade, da legalidade e da eficiência, que lhe são constitucionalmente impostos. Hugo Filardi é sócio do setor contencioso cível da Siqueira Castro Advogados.
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