Revista Prática Forense nº 26. Ano III, 2019

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fevereiro/2019

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ano III

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ISSN 2526-9577

www.zkeditora.com/pratica

Manuseio de resíduos sólidos advindos da construção civil, reaproveitamento e os benefícios ao meio ambiente: uma análise da legislação pertinente

Enfoque

Processos e Procedimentos

Questões de Direito

Novas regras alteram dinâmica de poder nas sociedades limitadas

Resumo das Notas Técnicas do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal

A violação às garantias fundamentais do processo

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Juliana Maria D’Macêdo

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

Vanice Teixeira Orlandi


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EDITORA E DIRETORA RESPONSÁVEL: Adriana Zakarewicz

À frente dos grandes temas jurídicos

João Badari

ano III

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janeiro de 2019

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nº 25

Medida Provisória nº 871, de 2019: Combate a irregularidades em Pág. 8 benefícios previdenciários

ISSN 2526-8988

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Liberdade de Expressão

TENDÊNCIAS

PORTAL JURÍDICO

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Eudes Quintino de Oliveira Júnior

Corporeideidade e identidade na contemporaneidade

DIREITO E BIOÉTICA

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Jessé Torres Pereira Júnior Reformas constitucionais e legais elevam a eficiência da gestão pública e o seu compromisso com o desenvolvimento?

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por

ARQUIVO PESSOAL

PRIMEIRA PÁGINA

Marcelo Aith

Sonhos precocemente interrompidos: culpa consciente ou dolo eventual?

U

m incêndio na madrugada do último dia 8 de fevereiro deixou 10 mortos e três feridos no Ninho do Urubu, o Centro de Treinamento do Flamengo, na Zona Oeste do Rio. Os mortos tiveram abruptamente interrompidos seus sonhos, suas esperanças de um futuro melhor por uma fatalidade. No entanto, uma questão há que ser analisada, foi de fato uma fatalidade ou negligência dos representantes do Clube de Regatas Flamengo que permitiram que adolescentes de 14 e 15 anos, em sua grande maioria carentes, que tinham no futebol a “luz no fim do túnel”, a chance de deixar a vida miserável e possibilitar algo de bom para seus familiares, morassem em alojamentos inapropriados, verdadeiros conteiners, como uma boiada confinada? No transcorrer dos dias que se sucederam a trágica sexta-feira, com as investigações iniciadas pela polícia técnica do Rio de Janeiro foi possível depreender que o local em que os jovens jogadores do sub-15 dormiam, sequer constavam do projeto encaminhado a municipalidade da capital fluminense. Inequivocamente era uma obra irregular, o que demonstra o absoluto descaso dos dirigentes do Flamengo com suas categorias de base. Ultrapassada essa retórica revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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DIVULGAÇÃO

PRIMEIRA PÁGINA

“Nada disso trará esses jovens de volta, nada disso restabelecerá os sonhos manietados precocemente, porém não podemos compactuar mais com situações como essas, em que pessoas são tratadas como mercadorias, preparadas para serem vendidas, como verdadeiros animais para o abate!”

toda, cabe aqui um questionamento quanto a responsabilidade criminal dos dirigentes do clube. Agiram com culpa consciente ou dolo eventual? A culpa consciente, segundo Juarez Cirino dos Santos, “caracteriza-se, no nível intelectual, pela representação da possível produção do resultado da possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional por confiar na ausência ou evitação desse resultado, pela habilidade, atenção ou cuidado na realização concreta da ação”. Ou seja, sabe que pode ocorrer o resultado, mas acredita que pode evitá-lo com suas habilidades e cuidados. Por outro lado, dolo eventual, para o mesmo criminalista paranaense, “caracteriza-se, no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atividade emocional, por conformar-se com a eventual produção desse resultado”. Portanto, tem consciência do risco, embora não o queira, mas conforma-se com a ocorrência do resultado constante no tipo penal. Cotejando-se os conceitos legais com os fatos apurados até esse momento nas investigações deflagradas pela polícia técnica fluminense, não há como, ao menos em tese, deixar de atribuir aos dirigentes do Clube de Regatas Flamengo a conduta dolosa, por alguns indícios sérios. O local era um “caixote” – estilo contêiner, coberto com telhas com vedação térmica e preenchido com material acústico, altamente inflamável e tóxico, não tinha licença municipal para tal uso. Destarte, ao menos em uma análise primária, pautada nos primeiros elementos trazidos ao conhecimento público pela polícia técnica, que está presente o dolo eventual na espécie, uma vez que sabiam do risco e conformaram-se com a eventual produção do resultado. Mas nada disso trará esses jovens de volta, nada disso restabelecerá os sonhos manietados precocemente, porém não podemos compactuar mais com situações como essas, em que pessoas são tratadas como mercadorias, preparadas para serem vendidas, como verdadeiros animais para o abate! Precisamos sim, encontrar e apontar os culpados por mais essa tragédia. E fazer com que suas punições, sejam quais for, sirvam de exemplo para que outros meninos, outros brasileiros não tenham seus sonhos e caminhos interrompidos. A impunidade não pode continuar. Marcelo Aith é especialista em Direito Criminal e Direito Público​.

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sumário

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Primeira Página

Especial Manuseio de resíduos sólidos advindos da construção civil, reaproveitamento e os benefícios ao meio ambiente: uma análise da legislação pertinente

Sonhos precocemente interrompidos: culpa consciente ou dolo eventual? Marcelo Aith

Ana Emília Bressan Garcia

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Destaque

Em tempos sombrios, o que temos a aprender com Arendt e Lessing?

Lista de vergonha e crimes fiscais Fernando Facury Scaff

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Direito e Literatura

Rômulo de Andrade Moreira

36

Visão Jurídica

Gestão de Escritório O ciclo “Problema – Decisão – Tratamento – Resultado”

Torpeza ou fraude bilateral no estelionato sob a ótica da vitimodogmática e da autoproteção

José Paulo Graciotti

Eduardo Luiz Santos Cabette

38

Processos e Procedimentos Resumo das Notas Técnicas do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal

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Fichário Jurídico Sistema de registro de preço Roberto dos Reis

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

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SUMÁRIO

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Expressões Latinas Jura novit curia x jurisdictio

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Vicente de Paulo Saraiva

Questões de Direito A Violação às Garantias Fundamentais do Processo Vanice Teixeira Orlandi

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Casos Práticos Erro no reconhecimento pessoal

60

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

Painel Universitário Proibição de doação de sangue por gays no Brasil Raynan Henrique Silva Trentim e Tereza Rodrigues Vieira

65

Saiba Mais Tributação para Sociedades de Advogados à luz do Novo Simples Nacional

68

Alexsander Carvalho

Vade Mecum Forense Roteiro prático para o planejamento da licitação que vise a contratação de serviços

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Enfoque Novas regras alteram dinâmica de poder nas sociedades limitadas

Marinês Restelatto Dotti

Juliana Maria D’Macêdo

104

Prática de Processo Redirecionamento da cobrança fiscal Breno Lobato Cardoso

106

Espaço Aberto Precisamos desconectar Luiz Augusto Filizzola D’Urso

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DIVULGAÇÃO

ESPECIAL

Manuseio de resíduos sólidos advindos da construção civil, reaproveitamento e os benefícios ao meio ambiente: uma análise da legislação pertinente

por

Ana Emília Bressan Garcia

É dever dos municípios elaborar planos de gestão na área de construção civil, posto que tais resíduos não podem ser descartados em aterros ou outros locais próprios para o manejo de resíduos sólidos urbanos.

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A

degradação ambiental sempre existiu, no entanto, conforme o ser humano foi se desenvolvendo, se adaptando à vida em sociedade e aprimorando as tecnologias, a degradação ambiental aumentou e atualmente é cada vez mais um problema grave e de difícil solução, uma vez que a simples existência do ser humano, com os atuais níveis de desenvolvimento, já ocasiona danos ambientais. Porém, com o início da industrialização, a partir do século XX, a degradação ambiental se acentuou, fazendo com que o meio ambiente não fosse capaz de atender as necessidades de regeneração, assim, os danos ambientais se tornaram mais evidentes e passaram a trazer consequências sérias, como alterações climáticas, aumento de desastres, entre outros. O meio ambiente é um direito fundamental previsto constitucionalmente e, por isso, não se trata de um direito qualquer, já que para se efetivar tal preceito é essencial que o meio ambiente exista e seja equilibrado, a fim de se garantir a sadia qualidade de vida. Existem diversas formas de se produzir resíduos, contudo, o impacto que estes terão no meio ambiente depende determinantemente da maneira como são descartados. Da mesma forma há várias formas de se produzir resíduos sólidos, que podem ser oriundos de residências, indústrias, hospitais, centros de saúde, construção civil e outros. Todo resíduo sólido produzido pelo ser humano deveria receber o devido tratamento, a fim de ser descartado de forma sustentável no meio ambiente, objetivando-se não gerar contaminações e degradação desnecessária. Nesse sentido, os resíduos sólidos advindos da construção civil devem atender a uma série de requisitos ao serem descartados. Em que pese os requisitos de descarte, nos últimos anos tem sido comuns iniciativas que visam não apenas o correto destino dos resíduos, mas especialmente o reaproveitamento dos mesmos, a fim de diminuir o impacto destes no meio ambiente, além de incentivar práticas inovadoras, econômicas e baseadas no desenvolvimento sustentável. No presente estudo se analisou a respeito da importância do descarte correto de resíduos sólidos advindos da construção civil e como tal fato pode ser determinante para o equilíbrio do meio ambiente e a manutenção da sadia qualidade de vida no planeta. MEIO AMBIENTE E A SADIA QUALIDADE DE VIDA O meio ambiente é um direito de fraternidade, uma vez que visa a preservação da vida no planeta, inclusive a humana. A popularização do direito ambiental, assim como maiores preocupações acerca dos reflexos trazidos pela degradação começaram a partir da década de 70, de forma mais incisiva, se desenvolvendo ainda mais nos primeiros anos do século XXI (GRAZIERA, 2014). A Constituição Federal de 1988 trouxe um capítulo dedicado ao meio ambiente, representando um grande avanço da questão, principalmente ao definir o meio ambiente como essencial para a sadia qualidade de vida, cabendo ao Estado e a população de forma geral cuidar e preservar do meio que estão inseridos, garantindo, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL assim, o equilíbrio para atender as necessidades das presentes e futuras gerações. (SILVA, 2017). Nos dizeres de Ferreira Filho (2013, p. 397): “Em boa hora o constituinte se apercebeu que a expansão das atividades tem como limite natural a defesa do meio ambiente. A deterioração deste ameaça a própria sobrevivência da humanidade”. Contudo, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente já era tema de diversas legislações no país e em âmbito internacional, sendo que dentre as legislações pátrias mais relevantes está a Lei nº 6.938/81, que trouxe a Política Nacional do Meio Ambiente. Tal legislação demonstrou o quanto a sociedade brasileira já estava preocupada com a questão ambiental, inclusive quanto à preservação dos recursos naturais. (GRAZIERA, 2014). A dignidade humana é um dos fundamentos trazidos pela Constituição em vigor, e um dos quesitos para efetivá-lo é, sem dúvida, garantir que o meio ambiente esteja equilibrado. Fiorillo (2013, p. 46), partindo da questão que diz respeito à dignidade humana e a preservação do meio ambiente, diz que: De acordo com esta visão, temos que o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas. Todavia, aludido fato, de forma alguma, impede que ele proteja a vida em todas as suas formas, conforme determina o art. 3º da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), cujo conceito de meio ambiente foi, a nosso ver, inteiramente recepcionado. Se a Política Nacional do Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e não é só o homem que possui vida, então todos que a possuem são tutelados e protegidos pelo direito ambiental, sendo certo que um bem, ainda que não seja vivo, pode ser ambiental, na medida que possa ser essencial à sadia qualidade de vida de outrem, em face do que determina o art. 225 da Constituição Federal (bem material ou mesmo imaterial).

O art. 225 do Texto Maior, em seu bojo, diz que cabe ao Poder Público preservar e restaurar processos ecológicos, bem como realizar o manejo ecológico a fim de preservar espécies e ecossistemas, o patrimônio genético, definir áreas de preservação, além de analisar obras e atividades, antes destas se iniciarem, através do estudo de impacto ambiental. Insta salientar que a Magna Carta brasileira traz a necessidade de se proteger a fauna e a flora, evitando extinções, sendo que pessoas físicas e jurídicas possuem responsabilidades quando o assunto é degradação ambiental. A educação ambiental é outra questão prevista na Constituição, devendo estar inserida em todos os níveis de educação, visando trazer conscientização para a população. Segundo Fiorillo (2013), a Constituição Federal estabelece um mundo do deverser, nesse sentido, o abate de animais para o consumo humano deve evitar o sofrimento e a tortura. Embora seja aceito matar animais para o consumo, a vida, em todas as suas formas deve ser preservada, ainda que o antropocentrismo e a questão econômica sejam muito discutidos atualmente. Contudo, é essencial se definir meio ambiente, sendo que tal definição é trazida pela Lei 6.938/81: 10

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Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

É importante frisar que o meio ambiente, uma vez que é essencial para a sadia qualidade de vida, não apenas dos seres humanos, mas de todas as espécies que compõem a fauna ou flora, precisa ser preservado, dessa forma, incentivar medidas de preservação, educação ambiental e desenvolvimento sustentável é uma questão de sobrevivência para as gerações vivas, presentes e futuras. Degradação ambiental, nos dizeres de (GRAZIERA, 2014, p. 78) representa a alteração adversa de características relacionadas ao meio ambiente, sendo que a poluição é uma espécie do gênero degradação. O meio ambiente não é apenas um direito fundamental, mas está inserido na terceira geração de direitos, denominados de direitos de fraternidade, posto que se tratam de direitos que visam a proteção de grupos, sendo que Sarlet (2012, p. 33) explica: Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.

É importante salientar que as gerações de direitos fundamentais se dividem em: direitos individuais (direitos de primeira geração); direitos sociais (direitos de segunda geração), direitos de fraternidade (direitos de terceira geração) e, por fim os direitos relacionados à tecnologia, que são os direitos de quarta geração. Tais gerações foram se desenvolvendo a partir de conquistas e novas necessidades da humanidade, que evolui e se altera cotidianamente. Ressalta Sarlet (2012) que a terceira geração de direitos fundamentais está cada dia mais presente no palco de discussões, sejam nacionais ou internacionais, sendo que são cada dia mais comuns tratados internacionais e convenções a respeito do meio ambiente. Ainda segundo Sarlet (2012, p. 37), a respeito dos direitos fundamentais, As diversas dimensões que marcam a evolução do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais revelam que estes constituem categoria materialmente aberta e mutável, ainda que seja possível observar certa permanência e uniformidade neste campo, como ilustram os tradicionais exemplos do direito à vida, da liberdade de locomoção e de pensamento, dentre outros tantos que aqui poderiam ser citados e que ainda hoje continuam tão atuais quanto no século XVIII, ou até mesmo anteriormente, se atentarmos para os precedentes já referidos no contexto da evolução histórica anterior ao reconhecimento revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL dos direitos fundamentais nas primeiras Constituições. Além disso, cumpre reconhecer que alguns dos clássicos direitos fundamentais da primeira dimensão (assim como alguns da segunda) estão, na verdade, sendo revitalizados e até mesmo ganhando em importância e atualidade, de modo especial em face das novas formas de agressão aos valores tradicionais e consensualmente incorporados ao patrimônio jurídico da humanidade, nomeadamente da liberdade, da igualdade, da vida e da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, Fiorillo (2013) afirma que o Texto Constitucional trouxe a proteção de todas as formas de meio ambiente e não apenas do meio ambiente natural. Insta salientar ainda as espécies de meio ambiente, ressaltando que meio ambiente não inclui apenas a natureza, mas vai muito além disso. Fiorillo (2013, p. 51): O meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Este aspecto do meio ambiente está diretamente relacionado ao conceito de cidade.

Além disso, o meio ambiente cultural, que envolve as questões de crença e cultura dos povos, o meio ambiente natural, que são de fato as matas, rios e ecossistemas como um todo. Por fim, há o meio ambiente do trabalho, Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.). Caracteriza-se pelo complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa ou sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que a frequentam. (FIORILLO, 2013, p. 57)

Assim, é importante lembrar que preservar todas as formas de meio ambiente é garantir qualidade de vida, uma vez que o meio que envolve os seres é determinante para que continuem existindo de forma saudável. A preservação do meio ambiente precisa, decisivamente, de meios de participação democrática nas decisões do Estado, a fim de que a sociedade possa expor e exigir que suas necessidades sejam atendidas. No atual desenvolvimento dos Estados não há mais lugar para governo autoritários e medidas não participativas. Nesse sentido Santos; Chauí (2013, p. 73): “A sociedade civil tem tido um papel preponderante no atual período justransicional”. O Estatuto da cidade também traz acerca da necessidade da participação popular: Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

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II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

Questões como o acesso a informação, transparência e outras medidas que visam fazer com que a comunidade possa acompanhar melhor seus governantes e as políticas adotadas faz com que seja mais fácil cobrar medidas e fiscalizar, inclusive no que diz respeito ao meio ambiente. RESÍDUOS E A POLUIÇÃO DO MEIO AMBIENTE A evolução tecnológica e científica experimentada, em especial em meados do século XX, fez com que a geração de resíduos aumentasse consideravelmente, tornando o meio ambiente objeto de preocupação e discussão em muitos locais ao redor do planeta. Os avanços tecnológicos possibilitam acesso a uma maior qualidade de vida, porém, não garante igualdade de acesso ou mesmo que o meio ambiente está sendo preservado. A Constituição de 1988 trouxe grandes inovações no quesito autonomia em matéria ambiental para estados e municípios, possibilitando que as cidades tenham a oportunidade de gerenciar os próprios interesses e necessidades. Tal autonomia permite que os municípios adotem políticas públicas voltadas à proteção ambiental, geração de renda, entre outras questões (SILVA; BRITO, 2006, p. 545). Porém, nem todos os municípios se preocupam com a preservação do meio ambiente em que este está inserido, embora tais responsabilidades sejam em especial dever de todos os entes federados, incluindo os municípios. Segundo Wiens. Hamada (2006, p. 01): Os órgãos municipais de gestão ambiental têm a responsabilidade de elaborar e implementar a política local de meio ambiente, atuando de forma compartilhada com a esfera estadual e nacional, conforme preceitua o artigo 23 da Constituição Federal de 1988. No entanto, poucos são os municípios brasileiros que dispõe de secretarias ou departamentos específicos para esta área. Lidar com questões como recursos hídricos, resíduos sólidos, fauna, flora, entre outros, requer a existência de equipe técnica apta a executar a política ambiental e infraestrutura compatível, o que não acontece na maioria dos municípios. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL A geração de renda é de suma importância a fim de possibilitar que as pessoas tenham a oportunidade de zelar pelo meio ambiente, não realizando ocupações irregulares, adotando medidas sustentáveis, além de contribuir para que os resíduos produzidos sejam corretamente descartados. Resíduo pode ser entendido como o lixo, ou seja, alterações ambientais produzidas pela interação humana, que não conseguem ser naturalmente e imediatamente absorvidos pelo meio em que foram inseridos. Para Fiorillo (2013) resíduo é o resto sem valor advindo da ação humana, que tende a modificar o meio ambiente, sendo que existem diversas formas de resíduos que, ao serem produzidos, tendem a degradar o meio ambiente. Neste estudo, se analisará de forma mais detalhada o que diz respeito aos resíduos sólidos, mais especificamente aqueles advindos da construção civil, uma vez que, com um país em constantes incentivos para a área, é um setor bastante promissor e, consequentemente, requer cuidado com os dejetos produzidos, a fim de não haver desequilíbrio excessivo. Por sua vez, a Lei 12.305/10 traz a definição de resíduos sólidos: Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (...) XVI – resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível;

Dentre os principais objetivos da política nacional de resíduos está a preservação do meio ambiente como um todo, garantir a saúde pública, além de incentivar a reciclagem, a reutilização, a redução e o tratamento adequado para cada tipo de resíduo. O manejo correto dos resíduos deve incluir, conforme a Lei nº 12.305/10: Art. 9º Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. § 1º Poderão ser utilizadas tecnologias visando à recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e ambiental e com a implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovado pelo órgão ambiental.

Insta salientar que quando se fala de resíduo, a sua natureza jurídica é de poluente, conforme ensina Fiorillo (2013). Assim, a poluição é a forma pela qual o meio se deteriora, diminuindo a qualidade advinda deste. Na Lei 12.305/10 ainda consta as espécies de resíduos, conforme uma classificação: Art. 13. Para os efeitos desta Lei, os resíduos sólidos têm a seguinte classificação: I – quanto à origem:

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a) resíduos domiciliares: os originários de atividades domésticas em residências urbanas; b) resíduos de limpeza urbana: os originários da varrição, limpeza de logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana; c) resíduos sólidos urbanos: os englobados nas alíneas “a” e “b”; d) resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços: os gerados nessas atividades, excetuados os referidos nas alíneas “b”, “e”, “g”, “h” e “j”; e) resíduos dos serviços públicos de saneamento básico: os gerados nessas atividades, excetuados os referidos na alínea “c”; f ) resíduos industriais: os gerados nos processos produtivos e instalações industriais; g) resíduos de serviços de saúde: os gerados nos serviços de saúde, conforme definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS; h) resíduos da construção civil: os gerados nas construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, incluídos os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis; i) resíduos agrossilvopastoris: os gerados nas atividades agropecuárias e silviculturais, incluídos os relacionados a insumos utilizados nessas atividades; j) resíduos de serviços de transportes: os originários de portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira; k) resíduos de mineração: os gerados na atividade de pesquisa, extração ou beneficiamento de minérios; II – quanto à periculosidade: a) resíduos perigosos: aqueles que, em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com lei, regulamento ou norma técnica; b) resíduos não perigosos: aqueles não enquadrados na alínea “a”. Parágrafo único. Respeitado o disposto no art. 20, os resíduos referidos na alínea “d” do inciso I do caput, se caracterizados como não perigosos, podem, em razão de sua natureza, composição ou volume, ser equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público municipal.

A referida classificação deve ser observada principalmente quando se está realizando medidas visando o descarte correto ou ainda políticas de incentivo para a reutilização, reciclagem ou diminuição da utilização de matéria prima. O grande desafio para o desenvolvimento sustentável na atualidade diz respeito a manter a qualidade de vida, preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, tornar as cidades prósperas. Nesse sentido, explana Granziera (2014, p. 625): A expressão meio ambiente urbano refere-se às cidades, sob o prisma da proteção ambiental. O processo de criação e desenvolvimento dos espaços escolhidos pelo homem para a implantação das cidades é altamente complexo e envolve aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais e religiosos, entre outros, os quais extrapolam a questão ambiental.

Dessa forma, gerenciar a questão da produção de resíduos, em especial no ambiente urbano, é um dos grandes problemas atuais, que se agravam com o aumento da população e do consumo. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL Urge salientar, conforme ressalta Silva (2017) que a Constituição Federal de 1988, bastante inovadora, foi a primeira a trazer a questão de política urbana em seu seio. De acordo com o Texto Constitucional, temos: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

A Lei nº 10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade, trouxe a regulamentação dos dispositivos constitucionais sobre o assunto, sendo bastante completa e inovadora. O principal objetivo do Estatuto da Cidade era garantir medidas de política urbana, contudo, questões ambientais não foram esquecidas. Mukai (2013) ensina que uma das principais questões abordadas pelo Estatuto da Cidade é a participação democrática nas decisões que envolvem os municípios, além da cooperação entre os governos, iniciativa privada e a comunidade como um todo. Trata-se de uma lei voltada para a regulamentação da propriedade urbana, visando a garantia da qualidade do meio. Mukai (2013, p. 18) explana ainda que: Como se verifica, trata-se de diretrizes gerais importantes para a efetivação da política urbana. São obrigatórias para os municípios, que deverão incluí-las em seus planos diretores e em suas leis de uso e ocupação do solo, bem como nas de parcelamento do solo urbano.

Muitas cidades no país já possuem o plano diretor, que pode prever metas e regras para a utilização dos recursos presentes nos municípios. Nesse sentido, o município deve ser capaz de elaborar medidas que atendam às necessidades locais, de forma que seja possível manter a qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente. O plano diretor, na visão de Granziera (2014), representa o principal instrumento de política urbana de desenvolvimento e expansão do município. 16

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De acordo com a Lei nº 10.257/10, acerca do plano diretor, Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. VI – incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. § 1º No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas. § 2º No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido. § 3º As cidades de que trata o caput deste artigo devem elaborar plano de rotas acessíveis, compatível com o plano diretor no qual está inserido, que disponha sobre os passeios públicos a serem implantados ou reformados pelo poder público, com vistas a garantir acessibilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida a todas as rotas e vias existentes, inclusive as que concentrem os focos geradores de maior circulação de pedestres, como os órgãos públicos e os locais de prestação de serviços públicos e privados de saúde, educação, assistência social, esporte, cultura, correios e telégrafos, bancos, entre outros, sempre que possível de maneira integrada com os sistemas de transporte coletivo de passageiros.

Cabe ao município, dessa forma, zelar pela política de sua urbanização, de forma que estes possam ser capazes de gerenciar as atividades desenvolvidas no local, fiscalizando e zelando para que as medidas de prevenção e repressão sejam efetivas. RESÍDUOS SÓLIDOS ADVINDOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL E O REAPROVEITAMENTO A construção civil é uma das áreas mais representativas da economia brasileira, tanto no que diz respeito a insumos, como a construção propriamente dita, representando mais de 6% do PIB – Produto Interno Bruto – brasileiro. (SISTEMA FIBRA, 2018) Insta salientar ainda, acerca do perfil das empresas relacionadas à construção civil no país: Perfil do setor da construção civil, levando como critério o emprego: Brasil Micro empresas (75,7%) – até nove empregos, quase 15,8% do total de empregados. Pequenas empresas (19,5%) – entre dez e 49 empregos, 27,1% do total de empregados. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL Médias empresas (4,1%) – entre 50 e 249 empregados, 27,7% do total de empregados. Grandes empresas (0,7%) – 250 empregados ou mais, 29,4% do total de empregos do setor. Fonte: sistema Fibra, 2018. Nessa seara, uma vez que se trata de um setor que possui grande representatividade no país, não há dúvidas de que há produção e em larga escala de resíduos sólidos. Para Silva et al (2015), a construção civil é uma atividade potencialmente nociva ao meio ambiente e, uma vez que se trata de uma área que frequentemente está em expansão, é bastante difícil se falar em preservação ambiental e mercado da área no país. Frisa salientar que o descarte incorreto de dejetos vindos da construção civil, seja de reforma, de construção ou de demolições pode acarretar uma série de problemas ao meio ambiente, que vão desde contaminação da água, solo e ar, até impossibilidade de manutenção da vida no local. Silva et al (2015, p. 40) ensina que: A disposição irregular dos resíduos pode trazer uma série de problemas ao ambiente, como a contaminação do solo e das águas superficiais e subterrâneas, oferecendo abrigo e condições favoráveis ao desenvolvimento de agentes patogênicos e animais sinantrópicos, além do aspecto visual desagradável que proporciona, influenciando diretamente de modo negativo na qualidade de vida da população.

A geração de resíduos sólidos advindos da construção civil é um problema tão grande que, apena a título de conhecimento, a quantidade de resíduos per capita anual chega a mais de 500 quilos. (SILVA et al, 2015). Tal fato aliado a questão de que é muito comum em obras desperdício ou mesmo o descarte incorreto desses resíduos, o problema representa, sem dúvida uma preocupação, que pode chegar ao colapso se não for devidamente tratada. A construção civil utiliza, em grande parte, matéria prima vinda de recursos naturais não renováveis, fazendo com que a reciclagem e a reutilização sejam medidas tendentes a trazer economia de recursos financeiros numa obra, assim como também economia de recursos retirados do meio ambiente. (SILVA; BRITO, 2006). Os municípios são a esfera federativa em que mais pode haver efetividade nas ações de cunho ambiental, posto que se trata de relação mais íntima com os indivíduos e suas necessidades. Quando se tratada de medidas ambientais eficientes no que diz respeito a resíduos sólidos, os municípios devem ser os grandes astros, conforme Wiens; Hamada (2006, p. 02): Sua disposição varia com as regras que os gestores municipais estabelecem e a fiscalização exercida para garantir seu cumprimento. A ausência de normas locais ou a fiscalização ineficiente favorecem as deposições irregulares ou inadequadas que, por sua vez, criam um cenário favorável ao surgimento de problemas como a proliferação de vetores de doenças, a contaminação de áreas, problemas de drenagem, degradação do ambiente e paisagem urbana, desperdício de recursos naturais, entre outros.

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Assim, a adoção de medidas eficientes que tragam melhorias para as cidades pode contribuir como um todo para a preservação da qualidade do meio ambiente que envolve os seres humanos. Apenas para se ter uma ideia do quanto a construção civil gera resíduos, numa cidade como Belo Horizonte, mais de 40% dos resíduos coletados são oriundos da construção civil (SILVA; BRITO, 2006). Wiens; Hamada (2006) ensina que o entulho advindo da construção civil representa mais que o dobro dos resíduos sólidos existentes no ambiente urbano, sendo grande o problema a respeito. Nesse sentido, é essencial que a indústria da construção civil adote mecanismos que possam ser capazes de reduzir, reciclar e amenizar, de qualquer forma, os danos gerados pela área. A Resolução 307/02, do Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente, traz orientações acerca do descarte, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos que tiveram origem na construção civil. De acordo com a referida Resolução 307/02, resíduos sólidos da construção civil podem ser classificados da seguinte forma: Art. 2º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: I – Resíduos da construção civil: são os provenientes de construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, e os resultantes da preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos cerâmicos, concreto em geral, solos, rochas, metais, resinas, colas, tintas, madeiras e compensados, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação elétrica etc., comumente chamados de entulhos de obras, caliça ou metralha.

Tais materiais, quando descartados incorretamente no meio ambiente são bastante prejudiciais, sendo essencial o manejo correto. Os resíduos sólidos oriundos da construção civil podem ser gerados tanto por pessoas físicas como jurídicas, cabendo a estas, independentemente do local e das circunstâncias, realizar o devido descarte do material que foi demolido ou não foi usado na obra. Importante frisar, ainda, que os resíduos gerados a partir da construção civil devem ser classificados conforme a Resolução 307/02: Art. 3º Os resíduos da construção civil deverão ser classificados, para efeito desta Resolução, da seguinte forma: I – Classe A – são os resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados, tais como: a) de construção, demolição, reformas e reparos de pavimentação e de outras obras de infraestrutura, inclusive solos provenientes de terraplanagem; b) de construção, demolição, reformas e reparos de edificações: componentes cerâmicos (tijolos, blocos, telhas, placas de revestimento etc.), argamassa e concreto; c) de processo de fabricação e/ou demolição de peças pré-moldadas em concreto (blocos, tubos, meio-fios etc.) produzidas nos canteiros de obras; II – Classe B – são os resíduos recicláveis para outras destinações, tais como plásticos, papel, papelão, metais, vidros, madeiras, embalagens vazias de tintas imobiliárias e gesso; III – Classe C – são os resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis que permitam a sua reciclagem ou recuperação; revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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DIVULGAÇÃO

ESPECIAL

Cabe inicialmente às pessoas a conscientização acerca do correto uso e descarte e, também, aos órgãos estatais como um todo a fiscalização e a adoção diária de medidas mais efetivas, visando garantir que as presentes e futuras gerações possam, de fato, desfrutar de qualidade e saúde ambiental.

IV – Classe D – são resíduos perigosos oriundos do processo de construção, tais como tintas, solventes, óleos e outros ou aqueles contaminados ou prejudiciais à saúde oriundos de demolições, reformas e reparos de clínicas radiológicas, instalações industriais e outros, bem como telhas e demais objetos e materiais que contenham amianto ou outros produtos nocivos à saúde.

Importante registrar que as embalagens vazias de tinta, solventes e afins, oriundas da construção civil, serão objeto de logística reversa, ou seja, há uma responsabilidade do fornecedor em recolher e realizar a devida destinação para tais resíduos, tudo com o objetivo de se evitar a contaminação do meio ambiente. As empresas que atuam na área da construção civil devem ter como objetivo primordial a não geração de resíduos, porém, se isso não for possível, devem 20

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proceder de forma a minimizar os danos, incentivando a reutilização, a redução, a reciclagem ou a correta destinação. Saliente-se que os resíduos advindos da construção civil não podem ser descartados em aterros ou locais de destinação de resíduos urbanos comuns, muito menos próximo a matas, nascentes e outros biomas naturais. Assim, para proporcionar a destinação correta dos referidos resíduos, de acordo com a Resolução 307/02: Art. 5º É instrumento para a implementação da gestão dos resíduos da construção civil o Plano Municipal de Gestão de Resíduos da Construção Civil, a ser elaborado pelos Municípios e pelo Distrito Federal, em consonância com o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos.

Nesse sentido, os municípios devem incentivar o desenvolvimento de planos de gestão de resíduos, de forma a orientar empresas e população acerca não apenas do descarte correto, mas formas de se economizar recursos naturais e preservar o meio ambiente. Após a implantação dos procedimentos de gestão de resíduos da construção civil, devem ser observadas as questões previstas ainda na Resolução 307/02 acerca da forma que será realizado o manejo: Art. 10. Os resíduos da construção civil, após triagem, deverão ser destinados das seguintes formas: I – Classe A: deverão ser reutilizados ou reciclados na forma de agregados ou encaminhados a aterro de resíduos classe A de preservação de material para usos futuros; II – Classe B: deverão ser reutilizados, reciclados ou encaminhados a áreas de armazenamento temporário, sendo dispostos de modo a permitir a sua utilização ou reciclagem futura; III – Classe C: deverão ser armazenados, transportados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas. IV – Classe D: deverão ser armazenados, transportados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas.

Importante que a descrição técnica seja devidamente coloca nos planos de manejo, a fim de se evitar dúvidas a respeito, que podem gerar o descarte incorreto e contaminações. O prazo dado pela Resolução 307/02 para que os municípios se adequassem, criando medidas de gestão de resíduos da construção civil foi de 12 meses, assim, atualmente todas as cidades deveriam ter tais medidas já implantadas. Nesse diapasão, os municípios possuem grande responsabilidade quando o assunto é o manejo correto dos resíduos sólidos da construção civil, havendo a necessidade que as cidades disponham de mecanismos capazes de obrigar as empresas a realizar as medidas adequadas, bem como aplicar penalidades, quando estas não forem corretas. CONCLUSÃO Conforme se demonstrou brevemente neste estudo, a conscientização e o incentivo a medidas sustentáveis são as principais formas de garantir que o meio revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL ambiente seja preservado minimamente equilibrado e possa satisfazer as necessidades das espécies vivas do planeta. A descentralização ocorrida na Constituição de 1988 permitiu que estados e municípios se tornassem mais independentes no que diz respeito a medidas de cunho mais específico quanto a questões ambientais. O país é um grande produtor de resíduos sólidos a partir de construções civis, seja na fase de construção, acabamento, reforma ou mesmo demolição, chegado a índices per capita de mais de 500 quilos anuais. Sem dúvida esse material todo precisa ser descartado, contudo, é necessário responsabilidade para tanto, uma vez que o meio ambiente, em especial nas proximidades das cidades, precisa ser equilibrado e trazer qualidade de vida, sob pena de gerar uma infinidade de problemas, que podem chegar a completa impossibilidade de utilização da área, com a extinção de espécies. Dessa forma, diz Wiens; Hamada (2006, p. 04): Implementar uma política voltada aos resíduos da construção pressupõe considerar o ciclo de vida dos mesmos: sua geração na fonte, com ações de incentivo à redução e reutilização; seu acondicionamento adequado, evitando que os acondicionadores (geralmente caçambas) ofereçam risco à saúde ou sejam utilizados inadequadamente; seu transporte, feito por profissionais cadastrados e de forma a evitar que os materiais sejam arrastados no percurso; sua destinação, nos locais devidamente autorizados pelo órgão gestor e sua reciclagem, retornando assim ao ciclo produtivo. Além disso, o desenvolvimento tecnológico para a reciclagem dos materiais, a atratividade econômica e a existência de mercado consumidor que absorva esta produção também influenciam a implantação de políticas eficientes.

Políticas públicas visando a reutilização ou ainda a reciclagem de tais materiais pode trazer grandes benefícios, não apenas para o meio ambiente, como também geração de renda e oportunidades para diversas outras pessoas, que não estão ligadas diretamente com a atividade de construção civil. Nesse sentido, a reutilização de resíduos sólidos advindos da construção civil é uma importante forma de fazer com que haja menos degradação ambiental, além de fazer com que as pessoas reaproveitem materiais que antes seriam descartados. É dever dos municípios elaborar planos de gestão na área de construção civil, posto que tais resíduos não podem ser descartados em aterros ou outros locais próprios para o manejo de resíduos sólidos urbanos. Também é de ordem principalmente dos municípios fiscalizarem e aplicar multas e outras penalidades em empresas que descumpram as normas relacionadas ao descarte correto de resíduos oriundos da construção civil. Incentivar medidas que possam diminuir os gastos, tanto financeiros como com recursos naturais também é uma questão de manejo e efetivação da boa qualidade de vida, com preservação do meio ambiente. Atualmente no Brasil existem leis e outros instrumentos normativos visando a preservação do meio ambiente e da sadia qualidade de vida a todos os seres vivos, como também a preservação do meio ambiente como um todo. 22

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Cabe inicialmente às pessoas a conscientização acerca do correto uso e descarte e, também, aos órgãos estatais como um todo a fiscalização e a adoção diária de medidas mais efetivas, visando garantir que as presentes e futuras gerações possam, de fato, desfrutar de qualidade e saúde ambiental. REFERÊNCIAS

arquivo pessoal

BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso 05 set. 2018. ______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm. Acesso 05 set. 2018. ______. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12305.htm. Acesso 05 set. 2018. ______. Ministério do Meio Ambiente. Resolução nº 307, de 5 de julho de 2002. Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. Disponível em:http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=307. Acesso 28 ago. 2018. ______. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso 28 ago. 2018. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 39. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 14. ed. rev., ampl. e atual. em face da Rio+20 e do novo “Código” Florestal.São Paulo: Saraiva, 2013. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2014. MUKAI, Toshio. O estatuto da cidade. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. SANTOS, Boaventura de Sousa. CHAUÍ, Marilena. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional.11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 40. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2017. SILVA, Paulo José. BRITO, Mozar José de. Práticas de Gestão de resíduos da construção civil: uma análise da inclusão social de carroceiros e cidadãos desempregados. Gestão e produção. v. 13, n. 3, p. 545-556, set.-dez. 2006. Disponível em: www.scielo.br/pdf/gp/v13n3/14.pdf. Acesso 03 set. 2018. SILVA, Otavio Henrique Da et al. Etapas do gerenciamento de resíduos da construção civil. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental. Ed. Especial GIAU-UEM, Maringá – PR. Santa Maria, v. 19, 2015, p. 39 – 48. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reget/article/ viewFile/20558/pdf. Acesso 03 set. 2018. SISTEMA FIBRA. Construção civil representa 6,2% do PIB do Brasil. Disponível em: https://www.sistemafibra.org.br/fibra/sala-de-imprensa/noticias/1315-construcao-civil-representa-6-2-do-pib -brasil.Acesso 03 set. 2018. WIENS, Ivy Karina. HAMADA, Jorge. Gerenciamento de resíduos da construção civil – uma introdução à legislação e implantação.XIII SIMPEP – Bauru, SP, Brasil, 06 a 08 de novembro de 2006. Disponível em: www.simpep.feb.unesp.br/anais/anais_13/artigos/374.pdf. Acesso 28 ago. 2018.

ANA EMÍLIA BRESSAN GARCIA é Advogada e professora universitária, mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento Social pela Universidade de Marília.

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por

Fernando Facury Scaff

Lista da vergonha e crimes fiscais

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ntes mesmo da Constituição de 1988 existiam normas que obrigavam os órgãos fiscais federais a comunicar ao Ministério Público Federal qualquer suspeita de ocorrência de infrações penais. A mais recente dessas normas da Receita Federal do Brasil (RFB) é a Portaria 1.750, de 12 de novembro de 2018 que, além de atualizar os procedimentos de rotina incluindo mais um crime a ser comunicado, o de improbidade administrativa, traz uma novidade no art. 16, que é a divulgação em seu site do nome da pessoa física e da pessoa jurídica e seus responsáveis, incluindo o CPF e o CNPJ, com o relato dos fatos “que configuram o ilícito objeto da representação fiscal para fins penais”. A lista será atualizada mensalmente, a cada dia 10, sendo que as informações só serão retiradas, no todo ou em parte, em três hipóteses: 1) quando o crédito, mesmo parcelado, for integralmente quitado; 2) quando, por decisão administrativa ou judicial, a pessoa deixar de ser considerada responsável pelo fato considerado ilícito; ou 3) por determinação judicial. Nem uma palavra sobre a retirada automática em razão de garantia do débito ou no curso do parcelamento. Antecipando críticas, a RFB divulgou em seu site que o art. 198, § 3º, I do CTN não veda a divulgação de informações, e que tal procedimento cumpre a transparência exigida pela Lei nº 11.527/11, conhecida por LAI – Lei de Acesso à Informação. Será constitucional tal “lista dos crimes fiscais” tornada pública pela RFB? Penso que não, por várias razões. Comecemos pelo intuito do ato, que é de constranger as pessoas envolvidas e não propriamente dar publicidade. Aqui há o uso encoberto do princípio da publicidade para atingir outras finalidades, que é a intensificar a política de “naming 24

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ARQUIVO PESSOAL

DESTAQUE


and shaming” na área fiscal, através do constrangimento moral, com indisfarçável intuito arrecadatório. O art. 198, § 3º, I do CTN, não veda a divulgação de informação, porém o que está sendo feito não é divulgar, mas amplificar o alcance da informação, criando uma “shaming list”, uma lista da vergonha penal, com finalidade fiscal. Há uma diferença entre publicidade e transparência. Publicidade se assemelha a um autofalante, enquanto transparência se aproxima à imagem de uma vitrine. A LAI diz respeito à transparência, que garante acesso a quem busca informações e tem o direito de obtê-las. Nisso a RFB tem se esmerado, como ocorreu quando informou documentalmente que não tinha a memória de cálculo que permitisse afirmar que é de R$ 250 bilhões a perda do Tesouro com a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Relutou, mas informou aos briosos advogados que seguiram essa trilha. A shaming list que foi criada pelo art. 16 da Portaria diz respeito à ampliação da publicidade, colocando no autofalante da internet todos aqueles que, a critério exclusivo do Fisco, tornaram-se suspeitos de terem cometido crimes – não se trata de transparência. Observe-se, em adendo, que não há contraditório penal no curso do processo fiscal. As pessoas (físicas e jurídicas, bem como os responsáveis por estas) são chamadas para se defender de imputações fiscais, e não de imputações penais. Logo, o contraditório e a ampla defesa não ocorreram no âmbito penal, porém, mesmo assim, as pessoas serão expostas como criminosas. Além disso, não há no Brasil o procedimento republicano de responsabilização de quem deu causa a algum dano. É imprescindível que havendo indevidos abalos de crédito, lucros cessantes e danos materiais e morais (que são coisas diferentes entre si), o causador do dano seja responsabilizado. A regra é a responsabilidade ser “do Estado”, na forma do art. 37, § 6º, CF, quando se sabe que, atrás do Estado existem pessoas físicas que devem ser responsabilizadas pelo que fazem, cabendo ao lesionado comprovar que agiram com dolo ou culpa – ou seja, um processo sem fim. O Estado é o garantidor do pagamento da indenização, e não o responsável pelo dano. Constata-se, portanto, que o art. 16 da Portaria nº 1.750/18 infringe, no âmbito constitucional, o art. 37, caput, pois viola o princípio da moralidade, uma vez que usa meios transversos para expor e envergonhar os contribuintes visando arrecadar; e viola também o art. 5º, LV, que determina o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, o que não ocorreu no âmbito criminal. A invalidação dessa norma se impõe por força do art. 20, parágrafo único da LINDB, pois a motivação do ato demonstra a inadequação da medida imposta. Por certo, havendo crime fiscal, a ser apurado de acordo com o devido processo penal, deve haver punição. O que não pode ocorrer é a punição antecipada, com imputação criminal, através de uma lista cujo objetivo é envergonhar os contribuintes. Tem razão o ex-ministro Nelson Jobim, quando afirmou em entrevista (05/10/18) que “no Brasil confunde-se justiça com vingança”. Depois se reclama do excesso de judicialização. Por que será? FERNANDO FACURY SCAFF é professor titular de Direito Financeiro da USP e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.

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DIREITO E LITERATURA

Em tempos sombrios, o que temos a aprender com Arendt e Lessing? Rômulo de Andrade Moreira

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Arendt, a filósofa alemã de origem judaica, trata depois do que ela chama de “emigração interna”, fenômeno (“curiosamente ambíguo”) que ela identificou muito claramente na Alemanha nazista (onde se viveu “o mais sombrio dos tempos”), consistente no fato de “haver pessoas dentro da Alemanha que se comportavam como se não mais pertencessem ao país, que se sentiam como emigrantes.” Mas, por outro lado (daí a ambiguidade referida pela autora), “indicava que não haviam realmente emigrado, mas se retirado para um âmbito interior, na invisibilidade do pensar e do sentir.”

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H

anna Arendt, ao receber o Prêmio Lessing da Cidade Livre de Hamburgo, proferiu um discurso que está incluído em seu livro “Homens em Tempos Sombrios”, obra que foi escrita “ao longo de um período de doze anos, no impulso do momento ou da oportu-

nidade.”1 Em suma, como ela própria deixa claro no prefácio, trata-se de uma “coletânea de ensaios e artigos referentes basicamente a pessoas – como viveram suas vidas, como se moveram no mundo e como foram afetadas pelo tempo histórico.” Ainda no prefácio, Arendt nos alenta com a afirmação de que “mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo que lhes foi dado na Terra. Olhos tão habituados às sombras, como os nossos, dificilmente conseguirão dizer se sua luz era de uma vela ou a de um sol resplandecente. Mas tal avaliação objetiva me parece uma questão de importância secundária que pode ser seguramente legada à posteridade.” Lembrando, então, Lessing – que emprestava o seu nome ao prêmio – Arendt dizia que o poeta e filósofo alemão do século XVIII “nunca se sentiu à vontade (e provavelmente nunca o quis) no mundo tal como então existia, e mesmo assim sempre se manteve comprometido com ele à sua própria maneira.” A atitude de Lessing, “em relação ao mundo, não era positiva nem negativa, mas radicalmente crítica e, quanto ao âmbito público de sua época, totalmente revolucionária.” Esta sua “têmpera revolucionária” provocou, ao longo de sua vida, “muitos mal-entendidos”, o que o levou a não ter “maior crédito na Alemanha, país onde a verdadeira natureza crítica é menos entendida do que em qualquer outro lugar.” Lessing – “mestre de todo o polemismo em língua alemã”, como adjetivou Arendt – certamente por isso, “nunca se reconciliou com o mundo em que viveu.” Ele se comprazia “em desafiar preconceitos e contar a verdade aos apaniguados da corte” e, “por mais caro que pagasse por esses prazeres, eram literalmente prazeres.” Certa vez, a este respeito, ele disse “que todas as paixões, mesmo as mais desagradáveis, são, como paixões, agradáveis, pois nos tornam mais conscientes de nossa existência, fazem-nos sentir mais reais.” Duas questões representavam preocupações para Lessing: uma delas era a liberdade, “muito mais ameaçada por aqueles que pretendiam ‘obrigar à fé por demonstrações’ do que por aqueles que viam a fé como um presente da graça divina.” Uma outra preocupação dele era o próprio mundo, “onde achava que deveriam caber, em lugares separados, tanto a religião como a filosofia, de modo que, após a ‘partilha’, cada uma possa seguir seu próprio caminho, sem atrapalhar a outra.” Disse ele certa vez: “Não tenho obrigação de resolver as dificuldades que crio. Talvez minhas ideias sejam sempre um tanto díspares, ou até pareçam se contradizer entre si, basta que sejam ideias onde os leitores encontrem material que os incite apenas por eles mesmos.” revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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DIREITO E LITERATURA Para Lessing, o pensamento não era algo que brotava do homem ou da mulher, tampouco era a manifestação “de um eu.” Ao contrário, “o indivíduo escolhe tal pensamento porque descobre no pensar um outro modo de se mover em liberdade no mundo.” wLessing não era daqueles que pretendiam estabelecer, com o seu pensamento, conclusões definitivas, “mas estimular outras pessoas ao pensamento independente, e isso sem nenhum outro propósito senão o de suscitar um discurso entre pensadores.” O seu pensamento, portanto, não era “o diálogo silencioso (platônico) entre mim e mim mesmo, mas um diálogo antecipado com outros, e é essa a razão de ser essencialmente polêmico”, sobretudo porque “o que estava errado, e que nenhum diálogo nem pensamento independente jamais poderia resolver, era o mundo.” Quando o homem, afirma Arendt, “se abstém de pensar e deposita sua confiança em velhas ou mesmo novas verdades – lançando-as como se fossem moedas com que se avaliassem todas as experiências –, a própria humanidade do homem perde sua vitalidade”, tornando-se um “mundo inumano, inóspito para as necessidades humanas.” Para ela, e muito a propósito de nosso País, “a história conheceu muitos períodos de tempos sombrios, em que o âmbito público se obscureceu e o mundo se tornou tão dúbio que as pessoas deixaram de pedir qualquer coisa à política além de que mostre a devida consideração pelos seus interesses vitais e liberdade pessoal.” Mas, paradoxalmente, em tempos como estes – sombrios! – é comum a fraternidade se manifestar mais plenamente, como um aspecto mesmo da humanidade: “esse tipo de humanidade (que se realiza via fraternidade) realmente se torna inevitável quando os tempos se tornam tão extremadamente sombrios para certos grupos de pessoas que não mais lhes cabe, à sua percepção ou à sua escolha, retirar-se do mundo”, diz ela. De uma tal maneira que “a humanidade sob a forma de fraternidade, de modo invariável, aparece historicamente entre povos perseguidos e grupos escravizados”, entre os párias, enfim. Aliás, possivelmente é uma das únicas vantagens “que os párias deste mundo, sempre e em todas as circunstâncias, podem ter sobre os outros.” Ocorre algo “como se, sob a pressão da perseguição, os perseguidos tivessem se aproximado tanto entre si que o espaço intermediário que chamamos mundo simplesmente desaparecesse”, passando a “nutrir uma generosidade e uma pura bondade de que os seres humanos, de outra forma, dificilmente seriam capazes”, sendo também “fonte de uma vitalidade e alegria pelo simples fato de estarem vivos, antes sugerindo que a vida só se realiza plenamente entre os que, em termos mundanos, são os insultados e injuriados.” Em seguida, Arendt trata da compaixão “como parte inseparável e inequívoca da história das revoluções europeias”, desde a Revolução Francesa. Para ela, tratase a compaixão, “inquestionavelmente, de um afeto material natural que toca, de forma involuntária, qualquer pessoa normal, à vista do sofrimento, por mais estranho que possa ser o sofredor, e portanto poderia ser considerada como base ideal para um sentimento que, ao atingir toda a humanidade, estabeleceria uma sociedade onde os homens realmente poderiam se tornar irmãos.” 28

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Como uma lição para nós brasileiros que, de certa maneira, vivemos em tempos sombrios, é necessário que nos aproximemos entre nós, como numa fraternidade, e busquemos “no calor da intimidade o substituto para aquela luz e iluminação que só podem ser oferecidas pelo âmbito público.

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DIREITO E LITERATURA Então, Arendt compara – a partir da antiguidade até os tempos modernos – a compaixão com o medo, ambos como algo “totalmente natural.” Talvez por isso, já “Aristóteles tratava a compaixão e o medo juntos.” E qual seria a antítese da compaixão? A crueldade, responde Arendt (e não a inveja, “o pior vício na esfera da humanidade”), que não deixa de ser, assim como a compaixão, “um afeto, pois é uma perversão, um sentimento de prazer ali onde naturalmente se sentiria dor.” Arendt, a filósofa alemã de origem judaica, trata depois do que ela chama de “emigração interna”, fenômeno (“curiosamente ambíguo”) que ela identificou muito claramente na Alemanha nazista (onde se viveu “o mais sombrio dos tempos”), consistente no fato de “haver pessoas dentro da Alemanha que se comportavam como se não mais pertencessem ao país, que se sentiam como emigrantes.” Mas, por outro lado (daí a ambiguidade referida pela autora), “indicava que não haviam realmente emigrado, mas se retirado para um âmbito interior, na invisibilidade do pensar e do sentir.” A emigração interna dá-se justamente em face de que, dada “uma realidade aparentemente insuportável”, o homem “desvia-se do mundo e de seu espaço público para uma vida interior, ou ainda simplesmente ignora aquele mundo em favor de um mundo imaginário, ‘como deveria ser’ ou como alguma vez fora.” Trata-se, sem dúvidas, de uma fuga do mundo, justificável apenas “na medida em que não se ignore a realidade.” Neste caso, “a força pessoal dos fugitivos cresce à medida que crescem a perseguição e o perigo.” Quase ao final do texto, Arendt debruça-se sobre o tema da amizade, lembrando que já “os antigos consideravam os amigos indispensáveis à vida humana, e na verdade uma vida sem amigos não era realmente digna de ser vivida”3, inclusive “para partilhar sua alegria” e não apenas os “momentos de infortúnio.” Assim, nada obstante aquela “máxima segundo a qual é apenas no infortúnio que descobrimos os verdadeiros amigos”, o mais certo é que os “nossos verdadeiros amigos são em geral as pessoas a quem revelamos sem hesitar nossa felicidade e de quem esperamos que compartilhem de nosso regozijo.” Enfim, chega-se ao tema da verdade, inicialmente fazendo uma diferença entre os que acreditam possuir a verdade e os que estão seguros de estarem certos.4 Assim, no tempo de Lessing (meados do século XVIII), a verdade “era uma questão filosófica e religiosa, ao passo que nosso problema de estarmos certos surge no interior da ciência e é sempre decidido por um modo de pensamento orientado para a ciência.” Arendt lembra que Lessing “tinha opiniões altamente pouco ortodoxas a respeito da verdade”; por exemplo, “recusava-se a aceitar quaisquer verdades, mesmo as presumivelmente enviadas pela Providência, e nunca se sentiu compelido pela verdade, fosse ela imposta pelos processos de raciocínio seus ou de outras pessoas.” Contentava-se ele com o “número infinito de opiniões que surgem quando os homens discutem os assuntos deste mundo.” Alegrava-o também o fato de que a verdade, “tão logo enunciada, imediatamente se transformava numa opinião entre muitas outras, era contestada, reformulada, reduzida a um tema de discurso entre outros.” Para ele não poderia “existir uma verdade única no mundo humano”, razão pela qual – e isso também o contentava –, “enquanto os homens existirem, o discurso 30

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interminável entre eles nunca cessará.” Do contrário, se, efetivamente, existisse “uma única verdade absoluta, se pudesse existir, seria a morte de todas aquelas discussões”, seria então “o fim da humanidade”... Lessing, “polêmico a ponto de brigar”, no entanto, “nunca realmente ansiou por brigar com alguém com quem estivesse discutindo”, pois o que lhe interessava era “humanizar o mundo com o discurso incessante e contínuo sobre seus assuntos e as coisas que nele se encontravam.” E, como ele era “uma pessoa totalmente política, insistia que a verdade só pode existir onde é humanizada pelo discurso, onde cada homem diz, não o que acaba de lhe ocorrer naquele momento, mas o que ‘acha que é verdade.’” Por fim, como uma lição para nós brasileiros que, de certa maneira, vivemos em tempos sombrios, é necessário que nos aproximemos entre nós, como numa fraternidade, e busquemos “no calor da intimidade o substituto para aquela luz e iluminação que só podem ser oferecidas pelo âmbito público.” Recomendo muito a leitura desse livro. NOTAS

arquivo pessoal

1 São Paulo: Editora Schwarcz, 2010. 2 Aqui lembrei de George Steiner, para quem “o pensamento é ilimitado”, que “podemos pensar sobre tudo e qualquer coisa” e de que “aquilo que fica fora ou para além do pensamento é rigorosamente impensável” – “esta possibilidade situa-se fora da existência humana.” Para ele, “a infinitude do pensamento é um marcador crucial da eminência humana”, pois “possibilita o domínio do homem sobre a natureza e, dentro de certas limitações, tais como a enfermidade e o sofrimento mental, sobre o seu próprio ser. Ele apoia a liberdade radical do suicídio, de interromper voluntariamente, e no momento escolhido, o pensamento.” Logo, “a infinitude do pensamento é também uma ´infinitude incompleta`.” Daí uma contradição insuperável: “Nunca saberemos até onde o pensamento pode ir no que diz respeito à soma da realidade. Não sabemos se aquilo que nos parece sem limite não é, na realidade, absurdamente estreito e irrelevante. Quem nos poderá dizer se a grande parte da nossa racionalidade, análise e percepção organizada não é constituída por ficções pueris?” (“Dez Razões – Possíveis – para a Tristeza do Pensamento”, Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2015, páginas 15 e seguintes). 3 Para os gregos, por exemplo, “a essência da amizade consistia no discurso, pois apenas o intercâmbio constante de conversas unia os cidadãos numa polis.” Eles chamavam “essa qualidade humana que se realiza no discurso da amizade de philanthopia, ‘amor dos homens’, pois se manifesta numa presteza em partilhar o mundo com outros homens”, ao contrário da misantropia, onde o homem (o misantropo) “não encontra ninguém com quem trate de partilhar o mundo, não considera ninguém digno de se regozijar com ele no mundo, na natureza e no cosmo.” 4 Nada obstante a diferença entre estes dois pontos de vista, havia algo entre eles em comum: “os que assumem um ou outro geralmente não estão preparados, em caso de conflito, para sacrificar seu ponto de vista à humanidade ou à amizade.”

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS.

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VISÃO JURÍDICA

Torpeza ou fraude bilateral no estelionato sob a ótica da vitimodogmática e da autoproteção Eduardo Luiz Santos Cabette

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por

Apesar de praticamente assentado, de forma quase unânime, na doutrina e jurisprudência brasileiras que a fraude ou torpeza bilateral não desnatura o estelionato, esse pensamento é passível de reavaliação crítica diante de argumentos dogmáticos encontráveis dentre autores alemães, bem como, também, na doutrina brasileira.

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O

crime de estelionato é previsto no art. 171, CP e consiste, em linhas gerais, na indução ou manutenção de alguém em erro, para o fim de obtenção de indevida vantagem patrimonial em prejuízo da vítima. Há discussão doutrinária a respeito da chamada “fraude ou torpeza bilateral”. Isso ocorre quando a própria vítima do estelionato também atua com má fé. São os conhecidos casos do “bilhete premiado” e outros golpes que somente funcionam quando a pessoa visada pelo agente também obra de maneira torpe. Rogério Greco apresenta e se filia à tradicional doutrina de Nelson Hungria, entendendo que “nesses casos, não seria possível a punição do agente pelo crime de estelionato”. Não obstante, o próprio autor reconhece que o entendimento majoritário é “pela existência do delito de estelionato, não importando a má fé do ofendido, ou seja, se sua finalidade também era torpe (ilegal, imoral etc.)”.1 Andreucci afirma categoricamente que a “torpeza bilateral não descaracteriza o estelionato”.2 Mirabete e Fabbrini, com fulcro nas lições de Vincenzo Manzini, Edgard Magalhães Noronha, Heleno Fragoso e Bento de Faria, também destacam o predomínio doutrinário no sentido de “ocorrer estelionato na fraude bilateral”. O mesmo vale, conforme expõem os autores para a jurisprudência pátria dominante, a qual indica “que a torpeza simultânea não exclui o delito nem pode erigir-se em causa de isenção penal”.3 No mesmo diapasão, Celso Delmanto indica a prevalência da jurisprudência no sentido de não desnaturação do estelionato pela torpeza bilateral, inclusive com decisão do Supremo Tribunal Federal.4 Na mesma senda se apresenta o escólio de Nucci para quem a “torpeza bilateral em tese não afasta o delito, pois o tipo penal não exige que a vítima tenha boas intenções”.5 Não obstante, o mesmo autor afirma anteriormente que quando a vítima “se deixar envolver, por mera desatenção de sua parte”, é defensável o entendimento da não configuração do delito.6 Esse vislumbre do autor brasileiro, embora não chegue a mencionar a fonte, é coincidente com o que se tem atualmente visto defender na dogmática estrangeira a respeito da aplicação da chamada “vitimodogmática” e da consideração da possibilidade de “autoproteção” da vítima para formar a convicção sobre a ocorrência ou não de infração penal. Sabe-se que a vitimodogmática trata especialmente do comportamento da vítima como precipitador da conduta criminosa, bem como das consequências desse fato. Oliveira, com fulcro nos entendimentos de Manuel Cancio Meliá e Jesús María Silva Sánchez, aponta como central na discussão vitimodogmática o estudo do comportamento da vítima no seio da ciência penal e como em que medida esse comportamento pode influir na determinação da responsabilidade do autor do crime.7 Uma autora como Tatjana Hörnle trata da questão exatamente tendo como paradigma o crime de estelionato, indicando para a necessidade de verificar o comportamento da vítima e sua atuação efetiva ou não em autoproteção do próprio patrimônio para chegar a uma conclusão positiva sobre a configuração delitual: “Aun cuando se este de acuerdo que en la Parte Especial del CP alemán es necesaria, por ejemplo, una prohibición penal bajo la rubrica de ‘estafa’,8 queda por discutir si y en su revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA caso cómo repercute un grave descuido de la autoprotección por parte de la víctimaen casos concretos”.9

A vitimodogmática no bojo da literatura jurídico – penal alemã tem estudado a projeção da autoproteção com relação à solução de problemas de interpretação de certos tipos penais. Há grande destaque dessa discussão no que tange ao crime de estelionato ou outras fraudes patrimoniais, de forma que se tem considerado que a existência de uma séria dúvida quanto à presença de fraude contra si por parte da vítima e sua inércia em apurar devidamente a situação, a tornaria indigna de proteção penal.10 Assim sendo: “Conforme a un modelo de sociedad contractual, el Estado únicamente tendrá reconocido el uso de la pena cuando tanto las otras posibilidades de intervención estatal como las posibilidades de protección independente de los bienes jurídicos alcancen sus limites. En primer lugar, según Schünemann, el próprio ciudada nodebe mantener la disponibilidad sobre sus bienes jurídicos; así, solo necesita al Estado cuando fracasasu autoprotección. Sólo en esta medida el contrato social autoriza el uso de un poder penal”.11

Entretanto, não é totalmente pacífico, mesmo dentre os defensores da aplicação das considerações vitimodogmáticas acima expostas, qual seria a melhor construção de uma solução para a interpretação e aplicação dos tipos penais em situações de negligência vitimal em relação à autoproteção de bens jurídicos. Há objeções quanto a uma suposta divisão do injusto entre o autor e a vítima, de tal forma que, mesmo havendo o cometimento do ilícito, não reste reprimenda a aplicar ao seu autor. Nesse passo, se o autor infringiu um tipo penal existente, restaria inevitavelmente o “desvalor da conduta de desrespeito da norma”. E se o tipo penal existe com a função de proteção dos bens jurídicos das vítimas, havendo sua infração, não seria admissível uma suposta “compensação” com a desatenção vitimal ante as possibilidades de autoproteção. Disso resultaria que o fato de a vítima renunciar ou negligenciar à sua autoproteção, pode conduzir a uma redução do injusto, mas jamais à sua supressão. Ocorre que, mesmo diante dessas objeções, não se descarta de forma geral e peremptória, uma possível “renúncia ao castigo”. Tal renúncia ainda seria possível sempre que o “desvalor do resultado” da conduta fosse insignificante, diante da diminuição do injusto ocasionada pela omissão de autoproteção por parte da vítima.12 Parece bastante claro que, de acordo com esse pensamento, uma negligência vitimal tal que chega ao ponto de haver, por parte da vítima, uma atuação de má fé (torpeza ou fraude bilateral no estelionato), sem a qual o ilícito jamais se consumaria, levaria certamente a um afastamento da configuração do tipo penal ou, no mínimo, a uma redução tal do injusto, apta a impedir a aplicação de pena ao autor. Como afirma Hörnle, seria o caso de permitir a renúncia à pena ou, ao menos, sua diminuição considerável sempre que o vitimado, apesar de conhecer o risco atual a que estava se submetendo, acaba omitindo o cuidado possível e razoável apto a evitar danos.13 Conclui-se que, apesar de praticamente assentado, de forma quase unânime, na doutrina e jurisprudência brasileiras que a fraude ou torpeza bilateral não 34

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desnatura o estelionato, esse pensamento é passível de reavaliação crítica diante de argumentos dogmáticos encontráveis dentre autores alemães, bem como, também, na doutrina brasileira, a exemplo da clássica lição de Nelson Hungria, abraçada por Rogério Greco e da intuição de Nucci ao destacar a importância da “absoluta desatenção da vítima” como elemento capaz de desconfigurar o estelionato. NOTAS 1 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 11. ed. Niterói: Impetus, 2017, p. 677. 2 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Código Penal Anotado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 453. 3 MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 289-290. 4 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 305. 5 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 787. 6 Op. cit., p. 786. 7 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A Vítima e o Direito Penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: RT, 1999, p. 133. 8 Esclareça-se que, conforme Bertachini, “Estafa é como se denomina, em espanhol, o delito de enganar alguém para causar prejuízo patrimonial, com ânimo de lucro”, ou seja, o correspondente ao nosso estelionato. Cf. BERTACHINI, Núria. Espanhol Jurídico. Disponível em www.migalhas.com.br, acesso em 17.07.2018. 9 HÖRNLE, Tatjana. Subsidiariedad como principio limitador. Autoprotección. In: HIRSCH, Andrew Von, SEELMAN, Kurt, WOHLERS, Wolfgang, PLANAS, Ricardo Robles. Límites al Derecho Penal. Trad. Ricardo Robles Planas. Barcelona: Atelier, 2012, p. 89. 10 Op. cit., p. 90. A autora cita como aderentes a esta posição estudiosos como Amelung, Hassemer e Schünemann. 11 Op. cit., p. 91. 12 Op. cit., p. 95. 13 Op. cit., p. 97-98. REFERÊNCIAS

arquivo pessoal

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Código Penal Anotado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BERTACHINI, Núria. Espanhol Jurídico. Disponível em www.migalhas.com.br, acesso em 17.07.2018. DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1991. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 11. ed. Niterói: Impetus, 2017. HIRSCH, Andrew Von, SEELMAN, Kurt, WOHLERS, Wolfgang, PLANAS, Ricardo Robles. Límites al Derecho Penal. Trad. Ricaro Robles Planas. Barcelona: Atelier, 2012. MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2013. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: RT, 2008. OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A Vítima e o Direito Penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: RT, 1999.

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE é Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, pós-graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós-graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

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GESTÃO DE ESCRITÓRIO

O ciclo “Problema – Decisão – Tratamento – Resultado” por

José Paulo Graciotti

Todas as vezes que um gestor empresarial se depara com um desafio a postura certa é parar, analisar a(s) sua(s) causas, todos os possíveis caminhos para serem tomados para enfrentá-lo e decidir por aquele que trará a melhor solução.

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omo no corpo humano, a escolha certa de um remédio para um mal que nos acomete é um dos grandes atributos de um médico, pois como todos sabemos, todo remédio pode curar, amenizar as “dores”, mas a sua administração sempre traz consigo uma série de efeitos colaterais indesejáveis e as vezes impossíveis de serem evitados. Nas bulas dos remédios, invariavelmente, os capítulos destinados a efeitos colaterais ou perigos inerentes à ingestão daquele fármaco são muito maiores que o parágrafo que trata dos seus efeitos benéficos ou positivos. Na gestão de uma empresa, as coisas não são diferentes. Muitas vezes para se resolver um problema ocorrido se é obrigado a tomar decisões que afetam a organização inteira e comparando com o médico,

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o melhor gestor é aquele que puder escolher dentre as possíveis soluções aquela que apresentará o menor efeito colateral. O ciclo de enfrentamento de um problema é composto por identificação, análise, decisão, solução e administração dos resultados (inclusive e principalmente os efeitos colaterais). A solução de um problema numa organização, onde existem vários “órgãos” como no corpo humano (finanças, equipe, procedimentos, sistemas, organograma, etc.) dificilmente é um desafio simples onde uma pequena alteração o soluciona sem nenhum efeito colateral. Novamente utilizo uma metáfora para exemplificar meu pensamento. Podemos associar esse ciclo a um fluxo, onde após a tomada da decisão, os resultados se apresentam numa espiral cônica (como a da figura abaixo).

arquivo pessoal

Como num tabuleiro de xadrez, às vezes o movimento de um peão pode determinar uma alteração brutal na estratégia do jogo e precisamos sempre estar atentos para a análise de todas as consequências de qualquer movimento. A depender da decisão e solução adotada, o resultado e seus efeitos colaterais podem gerar a necessidade de outras decisões para resolver os efeitos colaterais oriundos da primeira. O processo seguinte pode ser “virtuoso” onde as decisões e soluções vão se tornado cada vez mais fáceis e simples até chegar-se à solução completa do problema e de seus efeitos colaterais. A depender da decisão inicial, pode-se também entrar num processo “vicioso” onde cada decisão tomada, acaba gerando outro problema ou aumentando os efeitos colaterais iniciais, o que não é absolutamente desejável. Todas as vezes que um gestor empresarial se depara com um desafio (um problema), a postura certa seria : parar, analisar a(s) sua(s) causas, todos os possíveis caminhos para serem tomados para enfrentá-lo e decidir por aquele que trará a melhor solução, ou seja, a mais rápida, a que que importa em menor custo para a organização e aquela que trará, nos seus efeitos colaterais, o menor impacto aos outros “órgãos” da empresa. Esta sabedoria e sensibilidade organizacional identifica o bom gestor!

JOSÉ PAULO GRACIOTTI é consultor, autor do livro “Governança Estratégica para escritórios de Advocacia”, já editado em 3 idiomas, sócio da GRACIOTTI Assessoria Empresarial, membro da ILTA – International Legal Technology Association e da ALA – Association of Legal Administrators. Há mais de 30 anos implanta e gerencia escritórios de advocacia.

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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS

Resumo das Notas Técnicas do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal por

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

O presente documento traz um resumo das notas técnicas produzidas pelo Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal (CNIJF), as quais contêm sugestões para a identificação e escolha de procedimentos adequados para evitar ou solucionar conflitos estruturais ou de massa e para a melhor gestão de precedentes, com a finalidade de procedimentalizar a isonomia e de tornar mais efetivas as garantias constitucionais, como acesso à justiça e duração razoável do processo.

A

s notas técnicas do CNIJF apresentam, em geral, o diagnóstico de uma situação relacionada às demandas repetitivas e/ou aos conflitos estruturais, desenvolvido e explicado em um estudo elaborado por seus relatores, bem como a proposta de estratégias para a solução das questões levantadas, sempre com base em objetivos específicos perseguidos. Assim, o resumo abaixo sistematiza cada uma das atuais 17 notas técnicas a partir desses três elementos: diagnóstico, objetivo e estratégia. Além disso, o resumo conta com algumas remissões e comentários do autor, a fim de que o leitor possa melhor entender a proposta contida em cada nota técnica. A proposta aqui é dar conhecimento à comunidade jurídica dos esforços envidados pelo Poder Judiciário para resolver da melhor forma possível os diversos conflitos que têm se repetido nas unidades jurisdicionais e para entabular diálogos interinstitucionais. 38

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Vejamos cada nota técnica: Nota Técnica 1/2017 Diagnóstico: As instâncias ordinárias têm ampliado, indevidamente, a suspensão de processos determinada no REsp 1657156,1 para os casos em que se pleiteia a concessão de medicamentos antineoplásicos. Objetivo: Celeridade processual: evitar suspensões indevidas. Estratégia: Dar ciência ao Relator do REsp 1657156 sobre a situação. Sugerir a ressalva na delimitação da questão submetida a julgamento. Nota Técnica 2/2017 Diagnóstico: O ajuizamento de certas demandas revela o desconhecimento, pelos operadores de ingresso, dos precedentes firmados pelos Tribunais. Objetivo: Divulgar os julgamentos qualificados, com conhecimento e observância da sistemática de precedentes introduzida pelo CPC/2015. Estratégia: Firmar convênios com as principais instituições mantenedoras de sites de consulta de legislação e fazer anotações sobre decisões dos Tribunais em julgados qualificados (legislação anotada). Nota Técnica 3/2017 Diagnóstico: A Súmula 490/STJ,2 editada sob a égide do art. 475 do CPC/1973,3 firmou o critério econômico para justificar a exigência do duplo grau de jurisdição. Os parâmetros foram, no entanto, alterados pelo vigente art. 496, § 3º, do CPC, tornando inócua a aplicação da Súmula em questão. Objetivo: Adequada aplicabilidade das normas do CPC. Descongestionamento da demanda nos TRFs. Estratégia: Encaminhar a nota técnica à Comissão Gestora de Precedentes e à Comissão Permanente de Jurisprudência, ambas do STJ, para avaliar a conveniência de modificar/cancelar a Súmula 490 e/ou afetar recurso especial ao rito dos repetitivos, para discutir o alcance, a revogação ou aplicabilidade da Súmula frente ao CPC.4 Nota Técnica 4/20175 Diagnóstico: O STJ possui decisões conflitantes sobre a possibilidade de reafirmação da DER com o cômputo do tempo de contribuição posterior à data do ajuizamento da ação.6 Objetivo: Evitar demandas repetitivas: estabelecer decisão vinculante. Estratégia: Encaminhar a nota técnica à Comissão Gestora de Precedentes do STJ. Nota Técnica 5/20177 Diagnóstico: Há divergência entre a Corte Especial8 e a 1ª Seção9 do STJ sobre a repetibilidade das parcelas de benefício previdenciário pagas ao beneficiário por força de tutela antecipatória posteriormente revogada. Objetivo: Coerência sistêmica e efetividade do sistema de procedentes. Estratégia: Encaminhar a nota técnica: aos órgãos dos TRFs responsáveis pela admissão de REsp, para encaminhar os recursos representativos de controvérsia ao STJ, delimitando melhor o tema; e ao STJ, para priorizar o encaminhamento de proposta de afetação. Nota Técnica 6/2018 Diagnóstico: O gasto com perícias cresceu bastante entre 2010 e 2017, de modo que os recursos orçamentários referentes à rubrica de assistência judiciária às pessoas carentes, após a EC 95/2016, que limitou os gastos da Justiça Federal, passou a inviabilizar a alocação de valor suficiente para atender a essa despesa, além de revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS impedir a suplementação orçamentária. Ademais, verifica-se que há uma tendência de elevação dos valores pagos, em razão do aumento do número de demandas. Objetivo: Promover estudos sobre a problemática do custo progressivo das perícias judiciais a cargo do orçamento da Justiça Federal, especialmente em relação aos processos previdenciários que tramitam nos JEFs. Estratégia: Realizar reuniões prévias com o INSS, o Ministério do Planejamento e a DPU, para delimitar os pontos em discussão. Realizar audiências públicas para debater temas que influenciam nesse aumento (alta programada, perspectivas orçamentárias, legitimidade do impacto em relação ao teto da Justiça Federal, alternativas de ressarcimento das despesas adiantadas, papel da Defensoria Pública, acesso a antecedentes médico-periciais e sociais). Oficiar os Centro Locais de Inteligência e as Coordenadorias dos JEFs, na busca por melhores práticas. Comunicar a TNU sobre o teor da NT e do grave risco orçamentário provocado pelas Súmulas 79 e 80. Encaminhar à Corregedoria-Geral da Justiça Federal pedido de revisão dos critérios de fixação da remuneração de peritos à conta da ação orçamentária de assistência judiciária às pessoas carentes. Nota Técnica 7/2018 Diagnóstico: Os TRFs, em razão da pendência de embargos de declaração sobre o acórdão do Tema 810/STF, não têm aplicado, imediatamente a tese definida, ocasionando demora na solução da lide e abrindo as portas para a utilização de estratégias intraprocessuais dos litigantes e para o aumento do prejuízo ao Tesouro Nacional, com o pagamento de juros e correção daí advindos, uma vez que há mais de 100 mil processos suspensos. Objetivo: Solucionar o problema da excessiva litigiosidade decorrente da tese jurídica fixada no Tema 810/STF.10 Uniformizar a prestação jurisdicional a respeito da controvérsia jurídica. Estratégia: Reunir com a AGU para debater proposta de estratégia conciliatória para aplicar a tese do Tema 810/STF. Cientificar os Centros Locais sobre as práticas das TR/RS, para que se avalie a conveniência e oportunidade de que sejam replicadas. Nota Técnica 8/2018 Diagnóstico: Há uma divergência a respeito do marco temporal adequado para o levantamento do sobrestamento/suspensão de processos após o julgamento do recurso repetitivo que se torna precedente qualificado. Em geral, há três marcos: trânsito em julgado, publicação do acórdão, julgamento do recurso. Já para o STJ e o STF, firmou-se que não é necessário esperar o trânsito, mas há decisões pontuais que determinam que se espere o julgamento dos embargos aclaratórios. Objetivo: Apresentar sugestões para a melhoria da gestão do acervo de processos e recursos sobrestados/suspensos, especialmente quanto ao momento a partir do qual podem ter prosseguimento, com aplicação das teses firmadas. Estratégia: Encaminhar a NT ao Presidente do STJ e das Seções do STJ e à Presidência do STF. Nota Técnica 9/2018 Diagnóstico: A pensão por morte previdenciária sempre teve caráter vitalício. Com a Lei nº 13.135/2015, o benefício passou a ostentar natureza temporária, o que levou os beneficiários a aforar demandas pelo restabelecimento da pensão, em razão de sua cessação. O aumento de litigiosidade é gerado pela ausência de informação pela Administração Pública sobre o caráter agora temporário da pensão. 40

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Objetivo: Transparência da Administração Pública e informação dos beneficiários da previdência social. Estratégia: Encaminhar ao INSS a NT, com a sugestão de inclusão de informação sobre a natureza provisória da pensão por morte previdenciária, o período pelo qual será pago, a data exata de cessação, o valor da renda e a regra legal aplicável. Cientificar a OAB sobre a NT, para amplo conhecimento e divulgação entre os advogados e advogadas que atuam na área previdenciária. Nota Técnica 10/2018 Diagnóstico: A regularidade do CNIS (ou extrato previdenciário) é indispensável para usufruir do sistema de previdência social. Todavia, o INSS tem admitido alterações em seus lançamentos apenas quando o benefício é requerido. Logo, aos beneficiários tem sido negado o direito de regularização de seu próprio cadastro. Esse impedimento tem como consequência a geração de dificuldades futuras para a prova de vínculos e tempo de contribuição. Além disso, não há fundamento legal para a negativa de revisão. Objetivo: Prevenir litígios sobre revisão do extrato previdenciário. Estratégia: Reunir com o Presidente do INSS para apresentar o tema e buscar a prevenção de litígios, além de identificar caminhos de atuação conjunta. Nota Técnica 11/2018 Diagnóstico: A PGFN traçou uma estratégia de racionalização e desjudicialização da cobrança de sua dívida ativa relativa a devedores eventuais, concentrando esforços na cobrança judicial dos grandes devedores, desafogando, com isso, as Varas Federais. Todavia, o mesmo procedimento não é adotado, em geral, pelas procuradorias das autarquias e fundações públicas federais, da CEF e dos Conselhos Profissionais Objetivo: Racionalizar e desjudicializar as cobranças de créditos pela PGF, CEF e Conselhos Profissionais. Construir uma cultura de conciliação, preferencialmente pré-processual. Promover o protesto extrajudicial dos créditos. Estratégia: Promover o diálogo interinstitucional para implantar o planejamento na cobrança de dívida ativa. Nota Técnica 12/2018 Diagnóstico: O STJ firmou tese jurídica de que é indevida a repetição pelo servidor público que receber pagamento indevido da Administração Pública, por interpretação errônea sua.11 A evolução da jurisprudência do STJ tem ampliado a extensão de aplicação desta tese para casos não previstos no Tema 531, isto é, para casos em que se discute a repetição de valores pagos por equívoco da Administração ao servidor, que age de boa-fé. Objetivo: Revisitar a extensão de aplicação do Tema 531/STJ, para incluir outras hipóteses de irrepetibilidade. Estratégia: Enviar a NT para os TRFs, a fim de que encaminhem ao STJ recursos representativos de controvérsia para delimitar melhor o tema; para o STJ para priorizar o encaminhamento de propostas de afetação; e para o Presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ. Nota Técnica 13/2018 Diagnóstico: Possibilidade de divergência entre os entendimentos do STJ firmados, em sede de repetitivo, no REsp 139826012 e no REsp 130611313, sobre a especialização de tempo, com base no agente ruído. Objetivo: Segurança jurídica: evitar acórdãos divergentes. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS Estratégia: Monitorar as decisões que têm sido produzidas. Aprofundar reflexões sobre o tema. Oficiar à Comissão Gestora de Precedentes do STJ para monitorar. Nota Técnica 14/2018 Diagnóstico: Os arts. 55, § 3º,14 e 286, III,15 do CPC determinam que, para evitar decisões conflitante ou contraditórias, em casos semelhantes, os processos, ainda que não conexos entre si, sejam reunidos para julgamento conjunto. É impresCNIJFdível, assim, que, diante do elevado número de demandas, se possibilite, mediante o uso de tecnologias de inteligência artificial, o conhecimento rápido das demandas repetitivas ajuizadas. Objetivo: Operacionalizar o art. 55, § 3º, do CPC no que se refere a demandas repetitivas. Estratégia: Recomendar aos Centros Locais debater e promover estudos sobre a possibilidade de reunião de demandas repetitivas num único juízo. Realizar intercâmbios de informações a respeito de soluções tecnológicas, que permitam identificar a repetitividade de ações em estágio inicial. Nota Técnica 15/2018 Diagnóstico: A existência de elevado número de processos em fase de execução ou cumprimento de sentença sobre questões em comum, notadamente em demandas coletivas, e que ensejam atos processuais variados, recebem, conforme o juízo processante soluções rápidas ou lentas, violando preferências legais. Devese, nesse sentido, buscar a cooperação dos sujeitos processuais para soluções mais céleres em todos os juízos. Objetivo: Operacionalizar o art. 69, § 2º, VI,16 do CPC no que se refere à cooperação jurisdicional baseada na centralização de processos repetitivos. Estratégia: Convidar representantes dos principais órgãos exequentes da União para debater medidas de racionalização das ações de execução em demandas repetitivas. Estimular debates sobre o tema nos Centros Locais, para que se busque soluções baseadas na cooperação jurisdicional e na resolução administrativa de litígios. Nota Técnica 16/2018 Diagnóstico: Com o desastre de Mariana, provocado pela Mineradora Samarco, evidenciaram-se a necessidade de aprofundamento das relações interinstitucionais entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual, com base na aplicação do art. 45 do CPC17 e reinterpretação da Súmula 489/STJ18. Isso porque o dispositivo legal determina a extinção do feito quanto ao pedido cuja competência para análise é de juízo diverso daquele em que proposta a ação. Objetivo: Equacionar a aplicação da Súmula 489/STJ com o art. 45 do CPC. Estratégia:Elaborar um plano de atuação interinstitucional entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual para prevenir conflitos decorrentes da aplicação do art. 45 do CPC e da Súmula 489/STJ. Encaminhar a NT aos Coordenadores dos Centros Locais de Minas Gerais e do Espírito Santo, aos respectivos TRFs e TJs, para fomentar a cooperação interinstitucional. Encaminhar a NT para a Comissão de Jurisprudência do STJ, para ciência do debate sobre a aplicação do art. 45 do CPC e sua relação com a Súmula 489/STJ. Nota Técnica 17/201819 Diagnóstico:Há divergência entre o entendimento firmado no Tema 896/STJ20 e julgados monocráticos no âmbito do STF: no ARE 1121629,21 ficou decidido que a definição do momento em que deve ser aferida a renda do segurado desempregado recolhido à prisão é questão infraconstitucional, enquanto que no ARE 1122222,22 42

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decidiu-se que a definição deve seguir a tese firmada no Tema 89/STF.23 Objetivo: Segurança jurídica quanto à definição do momento adequado para aferir a renda do segurado desempregado recolhido à prisão. Estratégia: Enviar a NT à Comissão Gestora de Precedentes do STJ para avaliar a possibilidade de suscitar QO para esclarecer a tese do Tema 896/STJ e se ela se mantém diante da decisão monocrática do STF no ARE 1122222. NOTAS 1 “A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da impresCNIJFdibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento” (STJ, REsp 1657156, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 04/05/2018 – Tema 106). 2 “A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas” (STJ, Súmula 490, Corte Especial, DJe 01/08/2012). 3 “Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI); § 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente”. 4 “§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I – 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – 500 (quinhentos) saláriosmínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III – 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público”. 5 Ver Tema 995/STJ: É possível considerar o tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, reafirmando-se a DER para o momento de implementação dos requisitos necessários à concessão de benefício previdenciário? Aplica-se o art. 493 do CPC? Qual o momento processual oportuno para se requerer a reafirmação da DER, bem assim para apresentar provas ou requerer a sua produção? 6 Pela impossibilidade: STJ, AgRg no AREsp 828552, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 13/04/2016. Pela possibilidade: STJ, REsp 1640310, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 27/04/2017. 7 Observação: A divergência apontada não existe, pois os acórdãos tratam de coisas diferentes, na 1ª Seção, o que se discutiu foi a repetibilidade quando a decisão antecipatória é reformada na sentença, enquanto que na Corte Especial, o que se discutiu foi a irrepetibilidade em razão da dupla conformidade (confirmação da antecipatória por sentença e pelo acórdão). Além disso, embora a NT diga que a 1ª Seção decidiu primeiro e depois a Corte Especial, na verdade, esta decidiu (em 2013) antes daquela (em 2014). 8 “1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PROCESSOS E PROCEDIMENTOS legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância. 2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizara boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia – e, de fato, deve confiar – no acerto do duplo julgamento. 3. Por meio da edição da Súmula 34/ AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada. 4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família. Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais” (STJ, EREsp 1086154, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 19/03/2014). 9 “A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos” (STJ, REsp 1401560, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª Seção, DJe 13/10/2015 – Tema 692). 10 “1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina” (STF, RE 870947, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, DJe 20/11/2017 – Tema 810). 11 “Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público” (STJ, REsp 1244182, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 19/10/2012 – Tema 531). 12 “O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB” (STJ, REsp 1398260, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe 05/12/2014 – Tema 694). 13 “As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/1991)” (STJ, REsp 1306113, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe 07/03/2013 – Tema 534). 14 “§ 3o Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.

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arquivo pessoal

15 “Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...) III – quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3o, ao juízo prevento”. 16 “§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para: (...) VI – a centralização de processos repetitivos” 17 “Art. 45. Tramitando o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente, exceto as ações: I – de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente de trabalho; II – sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho. § 1º Os autos não serão remetidos se houver pedido cuja apreciação seja de competência do juízo perante o qual foi proposta a ação. § 2º Na hipótese do § 1º, o juiz, ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles, não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas. § 3º O juízo federal restituirá os autos ao juízo estadual sem suscitar conflito se o ente federal cuja presença ensejou a remessa for excluído do processo”. 18 “Reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça estadual” (STJ, Súmula 489, Corte Especial, DJe 01/08/2012). 19 Observação: O Min. Marco Aurélio tem proferido decisões isoladas em sentido contrário ao que a 1ª Turma (à qual ele pertence) e o Plenário têm decidido, como aconteceu, por exemplo, também recentemente, em relação à incidência do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito não for superior a R$ 20 mil. No presente caso, verifica-se o mesmo comportamento, o qual não deve ser levado a sério, porque destoante. Para se ter ideia, no Tema 89, o STF firmou que o requisito econômico para concessão do auxílio-reclusão é o salário de contribuição do segurado recolhido à prisão, não o dos dependentes. Essa tese se complementa por aquela firmada no Tema 489/STJ, pela qual o conceito de baixa renda deve ser analisado a partir da condição em que se encontrar o segurado no momento do recolhimento à prisão, isto é, se está exercendo atividade laboral remunerada ou não. Caso esteja exercendo, deve-se considerar como critério para aferir se ele é de baixa renda ou não, o último salário-de-contribuição por ele recebido, de maneira que, na ausência de prova pela parte autora da quantia percebida, será considerado o último valor registrado no CNIS ou na CTPS. Todavia, é possível que o último salário-de-contribuição seja levemente superior ao mínimo legal. Para esses casos, aplica-se o Tema 169/TNU, pelo qual “é possível a flexibilização do conceito de ‘baixa-renda’ para o fim de concessão do benefício previdenciário de auxílio-reclusão desde que se esteja diante de situações extremas e com valor do último salário-de-contribuição do segurado preso pouco acima do mínimo legal – ‘valor irrisório’” (TNU, PEDILEF 0000713-30.2013.4.03.6327, Rel. Juiz Fed. Ronaldo José da Silva, DJe 01/03/2018). Caso o segurado, no momento da prisão estiver desempregado, o critério para aferir a sua baixa renda é a ausência de renda, conforme consignado no Tema 896/STJ. Veja-se que a questão já está resolvida, e que bastaria ao Min. Marco Aurélio seguir o fluxo, e não criar outro, sem o submeter ao Plenário. 20 “Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei nº 8.213/1991), o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição” (STJ, REsp 1485417, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe 02/02/2018 – Tema 896). 21 STF, ARE 1121629, dec. mon. Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 19/04/2018. 22 STF, ARE 1122222, dec. mon. Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 27/04/2018. 23 “Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição Federal, a renda do segurado preso é a que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do auxílio-reclusão e não a de seus dependentes” (STF, RE 587365, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJe 02/04/2009 – Tema 89).

JULIO PINHEIRO FARO HOMEM DE SIQUEIRA é Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV; Pesquisador na UFRN, na FDV e na URI/SAN; Servidor Público Federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

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DIVULGAÇÃO

FICHÁRIO JURÍDICO

Sistema de registro de preço por

Roberto dos Reis

Inquestionavelmente o Sistema de Registro de Preço trouxe para a Administração Pública uma nova forma de gerenciar suas contratações de bens e serviços. A vantajosidade levou a doutrina pátria a manifestar no sentido de que esse sistema deveria ser uma obrigatoriedade imposta à Administração, diante da possibilidade de contratar o que quiser, quando quiser e na quantidade que quiser, respeitando sempre as normas inerentes ao sistema, dentre as quais destaca-se o prazo de vigência da ata e o quantitativo nela expresso.

O

conceito que se tem do Sistema de Registro de Preço é que se trata de um sistema de compras e serviços pelos quais os interessados em fornecer materiais, equipamentos ou gêneros e prestar serviços ao Poder Público concordam em manter os valores registrados no órgão competente, por um determinado período e a fornecer as quantidades solicitadas pela Administração, no prazo previamente estabelecido. Em primeira linha afirmo que o Sistema de Registro de Preço não é uma modalidade de licitação. Nas sábias palavras de Joel de Menezes

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Niebhur “é a forma de gerenciar processo de contratação” quando a Administração Pública pretende contratar bens e serviços fugindo da sistemática tradicional de contratação, onde o pilar sustentável é a efetiva aquisição de bens e serviços com o vencedor do certame, onde há obrigações cravadas no instrumento contratual tanto para o Poder Público quanto para o particular. Essa forma gerencial das contratações públicas exige apenas do particular o cumprimento do pactuado no que tange ao fornecimento do objeto que teve seu preço registrado, ficando a Administração Pública liberada do compromisso de adquiri-lo, sendo certo que as diversas vantagens obtidas através do Sistema de Registro de Preço vêm fazendo com que os órgãos da Administração adotem esta forma gerencial. Diante da vantajosidade do Sistema de Registro de Preço, há entendimento doutrinário, destacando-se o de Marçal Justen Filho1, que a escolha desse sistema deve ser uma obrigatoriedade para a Administração Pública e não uma discricionariedade. LEGISLAÇÃO O Sistema de Registro de Preço não é novidade no ordenamento jurídico regente da Administração Pública. Desde os idos de 1986 já era prevista no revogado Decreto-Lei 2.300, de 21.11.1986, esta forma gerencial de contratação, consoante art. 14, inciso II, que tinha a seguinte redação: “As compras, sempre que possível e conveniente, deverão: I (...); II – ser processadas através de sistema de registro de preço”. Em 1993 o Sistema de Registro de Preço passou a ser regido pela Lei nº 8.666, de 21.06.1993, que manteve a mesma redação do inciso II do art. 14 do revogado Decreto-Lei nº 2.300, de 1986, desta vez no art. 15, inciso II. Dispõe o § 3º do art. 15 que o sistema de registro de preço será regulamentado por decreto, respeitado as suas peculiaridades. O Governo Federal já editou três decretos regulamentando o sistema de registro de preço. O primeiro, nº 2.743, de 1998, que foi revogado pelo Decreto nº 3.931, de 2001, que por sua vez foi revogado pelo atual Decreto, nº 7.892, de 2013. O Executivo Federal cumpriu dessa forma o comando do § 3º do art. 15 da lei de licitações, estando, portanto, apto a adotar o sistema de registro de preço para suas contratações. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, para utilizarem dessa forma de contratação devem expedir seus respectivos regulamentos. Muito embora esses entes da Federação ao adotarem seus regulamentos o fazem com as normas semelhantes às constantes no decreto federal, o certo é que edite regulamentos em observância às peculiares de sua localização, isto porque a economia numa determinada região não é a mesma que em outra. Há uma severa crítica legislativa feita pelo doutrinador Joel de Menezes Niebhur2, a respeito da redação do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93. A crítica gira em torno do instrumento regulamentador dessa forma de gerenciar as contratações públicas, determinada pelo artigo em comento, qual seja: o decreto. Isto se dá porque o “decreto” é um ato privativo do Chefe do Poder Executivo, “(...) é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito)3”. Partindo dessa definição, a primeira visão que se tem é que o Poder Legislativo e Judiciário, bem como o Ministério Público e os Tribunais de Contas, não estariam submetidos ao decreto expedido pelo Executivo, diante da autonomia administrativa existentes entre eles. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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FICHÁRIO JURÍDICO Nem por isso estariam afastados de cumprir o que determina o § 3º do art. 15 da lei geral das licitações públicas e contratos administrativos. A norma é geral, aplicando não só a todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), mas, também a todos os Poderes. O certo é que o sistema de registro de preço, para ser utilizado pela Administração Pública nas suas contratações, deve ser regulamentado em virtude de expressa determinação legal, independente de qual instrumento será intitulado. O que não pode é o instrumento regulamentador afastar-se de um dos princípios basilares da Administração Pública que é o princípio da legalidade. CABIMENTO DO SRP Considerando o que dispõe o art. 15 da Lei nº 8.666, de 1993, o Sistema de Registro de Preço tem cabimento quando a Administração Pública pretende contratar bens. Neste sentido é a redação do citado artigo: “As compras, sempre que possível, deverão: (...); II– ser processadas através do sistema de registro de preço”. Por não constar expressamente nesta lei o SRP não teria cabimento para outros tipos de contratações, tais como, serviços, comuns e de engenharia, e obras. Tanto é verdade que o legislador inseriu o SRP na seção destinada às compras – Capítulo I, Seção V. As vantagens obtidas com a realização dessa forma gerencial de contratação tornaram inevitável a expansão do SRP para as contratações de serviços comuns. A vantajosidade fez com que o legislador introduzisse no ordenamento jurídico administrativo a possibilidade da utilização do SRP igualmente para as contratações de serviços comuns, o fazendo através da Lei nº 10.520, de 2002, que instituiu a modalidade de licitação denominada pregão. Está no bojo desta legislação que “As compras e contratações de bens e serviços comuns, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando efetuadas pelo sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, poderão adotar a modalidade de pregão, conforme regulamento específico”. É a exata redação do art. 11. Posteriormente, a utilização do SRP foi permitida no âmbito da Administração Pública Federal Direta, autárquica e fundacional pelo art. 1º do Decreto nº 7.892, de 2013. O cabimento do SRP também para as contratações de serviços comuns caiu nas graças da Administração Pública, havendo, inclusive, manifestação dos Tribunais de Controle Externo. Neste particular a questão encontra-se sedimentada. Entendo que o legislador acertou em ampliar o cabimento do SRP para outros objetos. Limitar referido sistema às compras seria frustrar o princípio da eficiência na Administração, visto que esta forma gerencial foi uma brilhante ferramenta disponibilizada aos agentes públicos que vem dele desfrutando com muito sucesso, não havendo embasamento legal para afastar a contratação de serviços comuns e de engenharia. Ponto que ainda não se encontra pacificado é a ampliação do SRP para as contratações públicas de obras, havendo manifestação contrária à referida utilização desse sistema, conforme se depara na decisão proferida pelo Ministro Benjamin Zymler nos autos do Acórdão 296/2007 – 2ª Câmara – TCU. PRINCIPAIS ESPECIFICIDADES O Sistema de Registro de Preço apresenta algumas especificidades que a contratação tradicional não oferece. Uma delas é que o licitante proponente não tem 48

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obrigação em relação a todo o objeto licitado, mas, sim, em relação a determinada unidade. A finalidade é registrar o preço da unidade pretendida pelo Poder Público. Não apresenta o licitante o preço para fornecimento de trinta computadores. Ele oferece para registro o preço da unidade do computador, que será entregue no prazo determinado no edital regente do certame e na posterior ata de registro de preço, que não poderá ser superior a um ano. Outra especificidade constante neste sistema é que o licitante declarado vencedor do certame licitatório não celebra, de forma imediata, um contrato administrativo com a entidade promotora da licitação. Inicialmente, o licitante vencedor assina o instrumento intitulado ata de registro de preço, onde assume o compromisso de fornecer o quantitativo previsto na licitação dentro do prazo definido na respectiva ata. Contrário ao compromisso assumido pelo licitante vencedor do certame, a Administração Pública não se obriga a contratar na integralidade o objeto licitado cujo preço foi registrado. Ela, Administração, contrata se quiser, na quantidade que quiser, obedecendo por certo o limite do quantitativo licitado e no momento que melhor lhe interessar, desde que dentro do prazo de validade da ata. A pretensão dela é, a princípio, registrar preço para determinados bens e serviços, podendo até adquirir todo o objeto que licitou, mas, como dito, não tem essa obrigatoriedade. Não tem, até porque, a atual legislação assim exime a Administração, nos exatos termos do § 4º do art. 15 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, onde reza que “A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições”. Mais uma especificidade inerente ao SRP é que a instauração do processo de licitação independe da indicação da dotação orçamentária. Por força do art. 14 da Lei nº 8.666, de 1993, nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento. Isto quer dizer que a Administração Pública ao instaurar processo licitatório para contratar com o particular, na forma tradicional, deverá indicar, no edital regente, a dotação orçamentária para fazer face ao pagamento da despesa a ser efetivada, dando assim uma garantia ao particular que o pagamento do objeto por ele fornecido está assegurado no orçamento do órgão licitante. Esta exigência do art. 14 não se aplica aos processos licitatórios instaurados na forma gerencial do Sistema de Registro de Preço. E não tem porque a Administração Pública não está obrigada a adquirir o objeto licitado. Contudo, ao decidir pela contratação haverá obrigatoriedade de indicar a fonte dos recursos no instrumento contratual. Seguindo na linha das especificidades desta forma gerencial de contratação a Administração não precisa fazer estoques de materiais. Na verdade, o objeto licitado ficará estocado no estabelecimento da signatária da ata de registro de preço e será entregue para atender a real necessidade do setor requisitante, evitando com isso o desperdício da coisa pública com o vencimento do prazo de validade do objeto. ATA DE REGISTRO DE PREÇO O Sistema de Registro de Preço se divide em três fases: a primeira é a licitação propriamente dita, em obediência à norma constitucional da obrigatoriedade de licitar obras, serviços, compras e alienações, podendo ocorrer através das revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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FICHÁRIO JURÍDICO modalidades concorrência ou pregão. A segunda é a celebração da ata de registro de preço. A terceira é a celebração do instrumento de contrato, oriundo da ata, se assim entender e desejar o órgão ou entidade promotora do certame, obedecendo sempre o quantitativo licitado. É a ata de registro de preço a primeira conseqüência da licitação. Ela antecipa a celebração do contrato, que ocorrerá somente no interesse da Administração. A ata é um instrumento unilateral, pois, o fornecer signatário tem a obrigação de entregar o objeto quando a Administração assim desejar. A legislação regente das licitações é omissa no que tange a definição das cláusulas que deve conter a ata de registro de preço. Por entender a esmagadora doutrina que a ata de registro é considerada um pré contrato ou contrato preliminar, como queiram, a lacuna deixada pelas leis pode ser preenchida pelo art. 462 do Código Civil Brasileiro, que tem a seguinte redação: “O contrato preliminar, exceto quanto a forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”. A Lei Nacional nº 8.666, de 1993, em seu art. 55 elenca, em treze incisos, as cláusulas que um contrato administrativo deve conter, não se limitando a eles. Acrescento ainda que em obediência ao princípio de vinculação ao instrumento convocatório, cláusulas do edital também podem ser inseridas na ata de registro de preço. Quanto a validade da ata de registro de preço o § 3º do art. 15 da lei geral das licitações determina que não será superior a um ano. Igual redação tem o art. 12 do Decreto nº 7.892, de 2013, aplicado no âmbito da Administração Pública Federal. Assim, não há dúvida de que a ARP poderá ser prorrogada, desde que a prorrogação não extrapole a periodicidade anual. Uma ata celebrada por três meses poderá ser prorrogada até atingir a anualidade. Não há nenhuma excepcionalidade que faça com a ata seja prorrogada por mais de doze meses, assim como ocorre com o contrato administrativo na exata redação do § 4º do art. 57 da lei geral. Igualmente às minutas do contrato administrativo, a minuta da ARP deve passar pelo crivo da assessoria jurídica do órgão promotor da licitação, mesmo não fazendo referência o parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666, de 1993. A ARP é um ajuste entre a Administração e o fornecedor, razão pela qual não pode fugir da visão jurídica. O art. 61 dispõe que o extrato dos contratos administrativos deve ser publicado na imprensa oficial, assim como os respectivos aditivos. Referido artigo nada menciona a respeito da ata de registro de preço. Nem por isso deve a Administração deixar de conceder publicidade à ARP, até porque, agindo dessa forma, estará cumprindo um dos princípios que norteiam a Administração Pública, qual seja, o princípio da publicidade. Ademais, o § 2º do art. 15 da lei geral disciplina no sentido de que os preços constantes na ARP devem ser publicados trimestralmente. Como se sabe, o extrato para publicação deve conter as informações básicas da ata, dentre as quais não pode ser afastado o nome do fornecedor, o bem ou serviço, o preço registrado, o prazo, penalidades, etc... Portanto, ainda que não haja dispositivo que diretamente determina a publicação do extrato da ata de registro de preço, a publicação ocorrerá de forma indireta quando for concedida a publicidade trimestral dos preços registrados, sem obstáculo à publicação do extrato da ata, aplicando, por analogia o parágrafo único do art. 61 da lei de licitações. 50

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INSTRUMENTO DE CONTRATO A terceira fase do Sistema de Registro de Preço, como dito alhures, é a celebração do instrumento de contrato oriundo da ata de registro de preço, relembrando que a celebração é uma faculdade da Administração Pública, cabendo somente a ela decidir neste aspecto. Manifestando interesse na celebração do instrumento contratual deverá a Administração convocar o fornecedor ou o prestador de serviço no prazo de vigência da ata de registro de preço. Vencido o prazo de vigência o instrumento contratual não mais poderá ser celebrado. Outra condição que dever ser observada é aquela que diz respeito ao quantitativo. Não se permite contratar todo o quantitativo constante na ata. A contratação deverá respeitar o quantitativo remanescente. Optando a Administração em celebrar o instrumento de contrato e sendo ele efetivado, passará a ser regido pelas normas da Lei Nacional nº 8.666, de 1993, regente das licitações públicas e dos contratos administrativos. Assim, um instrumento que tinha suas alterações limitadas, no caso, a ata de registro de preços, converteu-se num instrumento que flexibilizou sua execução, uma vez que lhe será aplicado as regras dos arts. 57, 58 e 65 da lei geral de licitações, naquilo que tange à prorrogação de prazo, na alteração do objeto para melhor adequação ao interesse público e na modificação do valor contratado visando a manutenção do equilíbrio econômico financeiro, respectivamente. Frise-se que da ata de registro de preço não originará apenas um instrumento contratual. Dela poderá, a critério da Administração, ser celebrados quantos instrumentos contratuais forem necessários, desde que não extrapole o quantitativo licitado e o prazo de vigência da ata de registro de preço. CONCLUSÃO Inquestionavelmente o Sistema de Registro de Preço trouxe para a Administração Pública uma nova forma de gerenciar suas contratações de bens e serviços. A vantajosidade levou a doutrina pátria a manifestar no sentido de que esse sistema deveria ser uma obrigatoriedade imposta à Administração, diante da possibilidade de contratar o que quiser, quando quiser e na quantidade que quiser, respeitando sempre as normas inerentes ao sistema, dentre as quais destaca-se o prazo de vigência da ata e o quantitativo nela expresso. NOTAS

arquivo pessoal

1 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. ed., Dialética, São Paulo: 2005, p. 144. 2 Licitação Pública e Contrato Administrativo. 3. ed., Fórum, Belo Horizonte: 2013, p. 598. 3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed., São Paulo: 2011, p. 235.

ROBERTO DOS REIS é Advogado militante em Sete Lagoas/MG. Pós-graduando em Direito Administrativo pelo Instituto Elpídio Donizete. Consultor Jurídico em Licitação Pública e Contratos Administrativos de órgãos da Administração Pública Palestrante em cursos e treinamentos em Licitação Pública e Contratos Administrativos.

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QUESTÕES DE DIREITO

A Violação às Garantias Fundamentais do Processo Vanice Teixeira Orlandi

DIVULGAÇÃO

por

Se os recursos extraordinários interpostos pela Uipa contra os rodeios tivessem sido conhecidos, a constitucionalidade dos rodeios já teria sido analisada por esta Corte. Teria havido, ao menos, a chance de se colocar um fim à exploração econômica do sofrimento desses animais. Já poderia estar o Movimento de Proteção Animal bem mais fortalecido contra a cultura da violência que vitima, especialmente, os bovinos e equinos desse país.

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E

m meados dos anos 1990, a Uipa, União Internacional Protetora dos Animais, associação civil que, no século XIX, instituiu o Movimento de Proteção Animal no país, encaminhou numerosas representações ao Ministério Público de São Paulo, visando proibir, nas montarias em rodeios, instrumentos de tortura como o sedém e as esporas, além da realização de outras provas cruéis que nesses eventos ocorrem, como as que envolvem laçadas e derrubadas. E essa pretensão amparava-se em dezenas de laudos e pareceres técnicos que a entidade obteve para instruir ações civis públicas propostas contra a prática. Temendo o fim dos rodeios, seus adeptos socorreram-se de parlamentares para a edição de leis permissivas da prática, fazendo surgir a Lei Estadual Paulista nº 10.359/99 e a Lei Federal nº 10.519/2002, ambas inconstitucionais, por violarem preceito que veda a crueldade com animais, inserto no artigo 225, § 1º, inciso VII, da Constituição da República. E o peão de rodeio ainda foi alçado à categoria de atleta profissional pela Lei Federal nº 10.220/2001! Cerca de metade das ações civis públicas ajuizadas foram julgadas procedentes pelo Tribunal de Justiça, tendo a entidade interposto Recurso Extraordinário contra as decisões prolatadas em desfavor dos animais, que davam aplicação às leis permissivas de rodeios, a despeito de sua natureza inconstitucional. Mas o seguimento desses recursos foi, sistematicamente, negado sob a alegação de que a discussão do pedido formulado envolveria o debate da legislação de índole infraconstitucional que rege a matéria, o que não seria possível por via de recurso extraordinário, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que exige, como um dos requisitos de admissibilidade, a existência de violação direta e frontal ao texto constitucional. Segundo o referido assentamento jurisprudencial, violações que não atinjam, de forma direta, o texto constitucional, dependendo a sua verificação da análise de legislação infraconstitucional, não possibilitam o conhecimento do recurso extraordinário, à medida que se trataria de uma violação indireta ou reflexa. Impraticável, diante desse quadro, questionar a constitucionalidade de decisões judiciais exaradas com base em leis permissivas de provas que impõem sofrimento aos animais, pelo só fato de tal inconstitucionalidade estar sendo classificada como indireta ou reflexiva, o que não autorizaria o manejo de um recurso extraordinário. Mediante a impossibilidade de conhecimento de recursos extraordinários que viessem a ser interpostos, a entidade viu-se obrigada a frear a proposição de novas ações civis públicas, uma vez que a aplicação e eficácia da norma constitucional protetiva da fauna, e a sua supremacia sobre lei infraconstitucional que a viole, já não estariam sendo garantidas pela Suprema Corte, guardiã da Constituição da República. Grave ainda o fato de que a propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade – ADI – também não se mostra cabível, pois conforme entendimento estabelecido pela Suprema Corte, a incompatibilidade entre a lei e a Constituição também há de ser direta e frontal, inadmitida violação oblíqua ou reflexa. Muito embora trate-se de assentamento jurisprudencial já firmado, é forçoso reconhecer que esse requisito de admissibilidade não encontra amparo na norma constitucional que determina ao Supremo Tribunal Federal que guarde a Constituição, julgando, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, “quando a decisão recorrida contrariar dispositivo constitucional”, como se depreende da leitura do artigo 102, inciso III, alínea “a”. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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QUESTÕES DE DIREITO Segundo a norma acima transcrita, basta que a decisão recorrida contrarie dispositivo constitucional, inexistindo qualquer imposição relativa ao caráter direto e frontal dessa contrariedade. Mesmo a Lei que regula o ajuizamento da ADI também não faz menção à necessidade de ser tal ação proposta apenas no caso de ofensa direta e frontal à Constituição da República. Ao firmar o posicionamento de que a violação indireta e reflexa ao texto constitucional não autoriza o conhecimento do recurso extraordinário, ceifou-se dos jurisdicionados o instrumento para debelar ofensas às normas constitucionais, restringindo-se a própria eficácia dessas normas que, livremente, podem ser atacadas por leis infraconstitucionais e por decisões de segunda instância, sem que se tenha a quem recorrer. Exercer a tutela jurídica da fauna, que tem na norma constitucional protetiva o seu maior expoente, tornou-se inviável, à medida que inexistem ferramentas processuais que possibilitem reclamar a sua prevalência sobre leis infraconstitucionais e decisões do Judiciário que a transgridam. Já não se dispõe de meios para impugnar decisões judiciais que ofendem a norma constitucional protetiva dos animais, nem para arguir a inconstitucionalidade de leis editadas para explorá-los. Estaremos sob o império de leis inconstitucionais, e a norma protetiva seguirá como letra morta, se esse entendimento jurisprudencial continuar a ser aplicado. Se o direito de ação é uma prerrogativa, e o recurso é o prolongamento do direito de ação, óbices não poderiam ser colocados à efetiva tutela jurisdicional, sob pena de ferir-se um direito e uma garantia, ambos de natureza constitucional. Em uma de suas decisões, o Ministro Marco Aurélio Mello lembra que esse posicionamento não se mostra compatível com a missão do Supremo Tribunal Federal: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO – DEVIDO PROCESSO LEGAL – VIABILIDADE. Caso a caso, o Supremo Tribunal Federal deve perquirir até que ponto o que decidido pela Corte de origem revela inobservância ao devido processo legal. Enfoque que se impõe no que o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal remete, necessariamente, a normas estritamente legais. Cabimento do extraordinário em hipóteses em que, mesmo diante de embargos declaratórios, o órgão de cúpula do Judiciário Trabalhista deixou de examinar matéria de defesa. Não se coaduna com a missão precípua do Supremo Tribunal Federal, de guardião maior da Carta Política da República, alçar a dogma a assertiva segundo a qual a violência à Lei Básica, suficiente a impulsionar o extraordinário, há de ser frontal e direta. Dois princípios dos mais caros nas sociedades democráticas, e por isso mesmo contemplados pela Carta de 1988, afastam esse enfoque, no que remetem, sempre, ao exame do caso concreto, considerada a legislação ordinária – os princípios da legalidade e do devido processo legal. EMBARGOS DECLARATÓRIOS – OMISSÃO. Uma vez constatado o silêncio sobre matéria de defesa, impõese o acolhimento dos declaratórios. Persistindo o órgão julgador no vício de procedimento, tem-se a transgressão ao devido processo legal no que encerra garantia assegurada, de forma abrangente, pela Carta da República, artigo 5º, inciso LV.” STF – Ministro Relator Marco Aurélio Mello – RE 398407/RJ – 1ª Turma – Julgamento de 21.09.04.

Como lembra Leonardo Greco, “no Estado Democrático Contemporâneo, a eficácia concreta dos direitos constitucionais e legalmente assegurados depende da garantia da tutela jurisdicional efetiva, porque sem ela o titular do direito não dispõe da proteção necessária do Estado ao seu pleno gozo. A tutela jurisdicional efetiva 54

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é, portanto, não apenas uma garantia, mas ela própria, também um direito fundamental.” (“Garantias Fundamentais do Processo”: o processo justo in Juris Polesis”, Revista da Universidade Estácio de Sá, nº 6, ano 07, Rio de Janeiro, 2004, páginas 3 e 4). No caso em comento, estamos diante de uma inconteste afronta à norma constitucional. Isso porque os corcoveios dos animais utilizados em rodeios resultam da dor e do tormento de que padecem, não só pelo uso de esporas, mas também pelo sedém, artefato amarrado e retesado ao redor de seus corpos, na região da virilha, tracionado ao máximo no momento em que são soltos na arena. Ainda que confeccionado em material macio, o sedém produz estímulos dolorosos derivados da violenta compressão exercida sobre a sensível região da virilha. Com força e brutalidade, animais são golpeados por esporas, que lhes causam sofrimento, ainda que não pontiagudas. Laçadas e derrubadas submetem animais ao risco de rompimento de órgãos internos, lesões nos membros, nas costelas e na coluna vertebral. Pelo sofrimento que produzem, tais práticas constituem crueldade, a despeito da lei que as permitem. A norma jurídica não tem a propriedade de alterar a natureza dos fatos ou de legitimar atividade de natureza cruel. Falsa também a alegação de que os rodeios integram o patrimônio cultural brasileiro. Laçar bezerros e atirar-se sobre a cabeça de um garrote, em pleno galope, para derrubá-lo ao chão, são atividades que jamais integraram a rotina das fazendas. E a indumentária utilizada por peões, travestidos de cowboys americanos, já denuncia o plágio da cultura estrangeira, confirmado, ainda pela origem inglesa das denominações dadas às modalidades apresentadas no rodeio como Bareback, Bull Riding, Team Penning, Calf Roping, Team Roping, Buldogging e Saddle Bronc. Sabe-se que a festejada decisão que julgou inconstitucional lei cearense permissiva da vaquejada na ADI 4983, tendo em vista os requisitos, atualmente, exigidos para a procedência de uma ADI, foi uma exceção. Gloriosa exceção! Célebre exceção pela qual a Uipa rende suas homenagens àquela Corte! Se os recursos extraordinários interpostos pela Uipa contra os rodeios tivessem sido conhecidos, a constitucionalidade dos rodeios já teria sido analisada por esta Corte. Teria havido, ao menos, a chance de se colocar um fim à exploração econômica do sofrimento desses animais. Já poderia estar o Movimento de Proteção Animal bem mais fortalecido contra a cultura da violência que vitima, especialmente, os bovinos e equinos desse país. Compreende-se que a busca por meios de reduzir o aporte de recursos a serem julgados possui natureza meritória, que segue na direção de uma prestação jurisdicional aprimorada com o quilate que melhor se ajusta à Suprema Corte. Mas cabe a esse Tribunal, por ser supremo, conferir às normas constitucionais a máxima eficácia, sem abdicar de examinar as ofensas que lhe são dirigidas, ainda que de forma indireta ou reflexa. Como guardiã da Carta Magna, àquela Corte compete garantir ao povo um Poder Judiciário que não frustre seus ideais de justiça e, que ao zelar pelo princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, jamais decline de enfrentar o que desonra a Constituição da República e os mais comezinhos postulados do Estado Democrático de Direito.

VANICE TEIXEIRA ORLANDI é advogada, presidente da Uipa, União Internacional Protetora dos Animais, entidade centenária, fundada em 1895, responsável pela instituição do Movimento de Proteção Animal no país. Possui também formação em Psicologia, com especialização em Psicologia da Educação.

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EXPRESSÕES LATINAS

Jura novit curia x jurisdictio por

Vicente de Paulo Saraiva

Controvertida, igualmente, a distinção entre jurisdictio e imperium (= o poder estatal de mando), parecendo a alguns romanistas ser aquela apenas um dos aspectos deste; e a outros, serem poderes independentes entre si.

Jura novit curia literalmente significa: A cúria (= A assembleia [dos representantes do povo]) conhece os direitos [deste]. Ou seja: O juiz (é quem) conhece (= sabe interpretar) o direito.

O

adágio traduz o princípio de que a interpretação e aplicação do direito à espécie, apresentada em juízo pelas partes ou pelo Ministério Público, são da exclusiva competência do juiz. Este não resta vinculado às provas oferecidas para os fatos (CPC, art. 131), nem ainda às normas legais alegadas. Uma vez tornada irrecorrível a decisão – mesmo errada –, res judicata pro veritate habetur (= a coisa julgada é tida por verdadeira/correta). É por isso que ao juiz cabe a jurisdictio – a saber, a jurisdição. Jurisdictio, no direito romano (D. 2, I; C. 3, 13), era o poder que detinha todo magistrado judiciário de dizer o direito (< juris + dicere), no sentido de declarar o direito aplicável à espécie (mas não também o de julgar). Trata-se de um conceito ainda hoje controvertido. Porquanto, no sistema das ações da lei e no das fórmulas, o magistrado – que detinha a jurisdictio – atuava apenas na fase in jure (= em juízo), enviando as partes ao árbitro para decidir: logo, não tinha aquele a capacidade de igualmente julgar. E tal somente passou a ocorrer no período da cognição extraordinária, quando o magistrado

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– funcionário público que representava o Estado – atuava em instância única, obrigando as partes a se submeterem ao direito declarado no caso concreto (v. Actio – onde a matéria já foi exposta). Controvertida, igualmente, a distinção entre jurisdictio e imperium (= o poder estatal de mando), parecendo a alguns romanistas ser aquela apenas um dos aspectos deste; e a outros, serem poderes independentes entre si. Nas fontes do período pós-clássico é que se encontra a distinção entre jurisdição voluntária (ou graciosa) e contenciosa (ou litigiosa). A jurisdição voluntária (ou graciosa) era dirigida à efetivação de um negócio jurídico, livremente acordado entre as partes: operava-se mediante um processo fictício, como na adoção, quando artificialmente se criasse a patria protestas (= o pátrio poder) para alguém que, não a tendo, fazia ingressar em sua família um estranho, alieni juris (= pessoa dependente de direito alheio/pessoa sob o poder de alguém/pessoa sem capacidade jurídica plena): D. 1, 7; Instas. 1, 11; Insts. 1, 98/107. Já a jurisdição contenciosa (ou litigiosa) visava a solucionar litígios entre as partes, ora homologando a escolha que estas haviam feito do árbitro ou negandolhes a ação; ora entregando a posse provisória de um bem ao autor ou ao réu; ora, enfim, adjudicando àquele a coisa sob litígio (v. do, dico, addico = [diz o juiz]: dou/ concedo, atribuo [a posse provisória], adjudico [o bem à pessoa]). Enfeixando durante a realeza na pessoa do rei, o exercício da Justiça passou, na República, aos cônsules, pretores e edis curuis; no principado, aos magistrados municipais, ocorrendo no dominato a criação dos juízes inferiores e superiores: distribuiu-se, assim, a jurisdição num leque de competência, em função de variados fatores, como o território, a natureza das causas ou seu valor, a condição das pessoas e a hierarquia jurisdicional (v. forum = o prédio onde se administrava a Justiça). Modernamente, restou já doutrinariamente esclarecido ser a jurisdição uma só, repartindo-se seu exercício a diversidade de órgãos com específicas atribuições – levando-se em consideração vários critérios, como o funcional, a qualidade das pessoas, a matéria do feito ou sua natureza e a hierarquia das instâncias. De um modo particular, assentaram-se os conceitos de jurisdição contenciosa e a impropriamente dita “jurisdição” graciosa. Diz-se contenciosa (inter nolentes = entre pessoas em desacordo), por decidir a respeito de interesses opostos, assinalados pela contestação: ao juiz não é dado decidir senão à luz da lei (excepcionalmente pela equidade) e dos fatos; mas suas sentenças – declaratórias, constitutivas ou condenatórias – são capazes de produzir a coisa julgada (= auctoritas rei judicatae). E denomina-se jurisdição voluntária (inter volentes = entre pessoas de acordo), dita também graciosa (na terminologia do Código Canônico), por ser de natureza administrativa, quando interesses privados são confiados à supervisão da Justiça, criando-se então situações jurídicas novas, em procedimentos que não podem resultar em coisa julgada, embora semelhantes, aqueles, aos processos da jurisdição contenciosa (com inicial, citação e resposta, produção de provas, prolação de sentença e previsão de recurso): CPC, arts. 1.103/1.210.

VICENTE DE PAULO SARAIVA é Subprocurador-Geral da República (aposentado) e autor de obra Expressões Latinas Jurídicas e Forenses (Saraiva, 1999, 856 p.).

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CASOS PRÁTICOS

Erro no reconhecimento pessoal por

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

F

oi exaustivamente noticiado pela imprensa escrita e televisiva o caso do jovem Leonardo Nascimento dos Santos, que foi conduzido preso à delegacia de polícia de Guaratiba, Rio de Janeiro, como suspeito pela morte do estudante de psicologia Matheus Lessa que, no afã de defender a mãe, lançando-se à frente dela durante um assalto ao estabelecimento comercial da família, foi morto a tiros.1 O procedimento policial, de regra, em não havendo prisão em flagrante delito, deve ser célere, realizar pesquisas, indagar pessoas que se encontravam no local dos fatos, recolher e apreender objetos, enfim, encetar todas as diligências necessárias para o esclarecimento da autoria e materialidade do delito. No caso em tela, por ser de pele negra, magro e alto, conforme descrição das testemunhas, a suspeita recaiu sobre a pessoa de Leonardo dos Santos, que foi preso preventivamente e encaminhado à delegacia, local em que foi elaborado o auto de reconhecimento por três testemunhas, além da mãe de Matheus, que o reconheceram como o autor dos disparos. A prova do reconhecimento é importante para o deslinde da autoria. No instante em que quatro pessoas afirmaram com segurança ter sido Leonardo o responsável pela autoria, nasce para o Estado uma garantia com nítido e induvidoso conteúdo probatório. Não se exige uma prova absoluta, mas, pelo menos, que haja um indicativo razoável da autoria para que seja instaurado o procedimento persecutório com a finalidade de demonstrar de forma inconcussa o responsável pelo latrocínio. O Código de Processo Penal, editado em 1941, com nítida influência italiana, apregoa que todas as provas são relativas e nenhuma delas terá valor decisivo ou mais prestígio que a outra. Apesar dessa regra que encabeça a Lei de Introdução do referido estatuto penal,

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na prática, no entanto, a prova testemunhal, coletada dentre pessoas do povo sem qualquer interesse na lide, exerce preponderante influência sobre as demais provas. Basta ver que o legislador processual aceita qualquer pessoa do povo como testemunha (art.202 CPP); em outra oportunidade confere a qualquer um do povo a legitimidade para oferecer notitia criminis (art. 5º, § 3º CPP); autoriza-o como se fosse um longa manus para prender em flagrante delito (art. 301 CPP) e, em outra, unge-o com o toga de julgador, como ocorre no julgamento pelo Tribunal do Júri (art. 472 CPP). No reconhecimento pessoal, conforme determinação legal por ser formalidade indispensável, a pessoa que vai ser reconhecida deverá perfilar ao lado de outras com aspectos físicos e fisionômicos com alguma semelhança, de preferência sem que veja as que irão participar da diligência. Tal procedimento deve ser observado com o máximo rigor, pois é até comum os tribunais julgarem pela imprestabilidade da prova colhida por não ter sido observada a regra básica. E, sem qualquer dúvida, é uma tarefa difícil para a autoridade policial conseguir arrebanhar outras pessoas com perfis semelhantes à que vai ser reconhecida. Com a investigação policial em curso, o pai de Leonardo, que acreditava piamente na inocência do filho, contando com a colaboração de parentes e amigos, encetou uma investigação paralela e em pouco tempo conseguiu as imagens gravadas e arquivadas na câmera de segurança de um prédio exibindo Leonardo em outro local, voltando para casa na mesma hora do assassinato e trajando roupa totalmente diferente daquela do autor do crime. Tal prova, aliada à prisão de outra pessoa que confessou ter cometido o crime, derrubou o reconhecimento pessoal e possibilitou a soltura do então suspeito, para alívio da família e até mesmo da Justiça que, por confiar nas testemunhas que o apontaram como o autor, decretou sua prisão preventiva. Se assim não fosse, com certeza a prisão de Leonardo estaria mantida e dificilmente as testemunhas que o reconheceram mudariam de opinião na fase judicial, abrindo uma imensa vala para um clamoroso erro judiciário. Fica evidenciado, de forma inequívoca, que o reconhecimento pessoal é uma prova que exige muita cautela, ponderação e até mesmo experiência de quem a conduz. As pessoas convocadas a reconhecer, na ânsia de querer colaborar com a investigação, principalmente em se tratando de um crime com grande repercussão na comunidade, mesmo em considerando um lapso temporal não muito distante do fato, podem apontar pessoa distinta da que praticou o crime, baseando-se única e exclusivamente nas informações físicas padronizadas por todos. É prova relevante e com muito prestígio no campo penal, porém deve ser realizada com redobrado zelo e com restrita observância ao procedimento prescrito no art. 226 do Código de Processo Penal. NOTA

arquivo pessoal

1 https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/01/23/inocente-homem-apontado-como-assassino-de-rapaz-em-mercado-no-rio-e-solto.ghtml

EUDES QUINTINO DE OLIVEIRA JÚNIOR é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pósdoutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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PAINEL UNIVERSITÁRIO

Proibição de doação de sangue por gays no Brasil por

Raynan Henrique Silva Trentim e Tereza Rodrigues Vieira

É imprescindível que o Supremo Tribunal Federal (STF), tendo ciência da histórica discriminação que a comunidade LGBTI+ enfrenta, elimine os resquícios impostos institucionalmente a essa minoria, em razão da total inconstitucionalidade dessa infundada e discriminatória proibição.

O

preconceito e a discriminação em relação às pessoas LGBT extrapolam a atmosfera social e política e, avança, inclusive, sobre a área da saúde. Embora não seja recente, a intolerância tornou-se mais perceptível com a proliferação do vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) nos anos 1980 que deixou em pânico a população mundial, chamando a atenção de todos para a comunidade gay, que foi considerada grupo de risco, uma vez que fora bastante afetada pela AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Em decorrência disso, esta comunidade de homens gays foi proibida de doar sangue no mundo inteiro. É sabido que cada bolsa de sangue pode salvar diversas vidas e é pensando nisso que muitos voluntários se dirigem a hospitais e bancos com o intento de doar sangue. Inclusive, é comum que pessoas sejam convidadas por algum amigo, que tem um parente que passou por uma cirurgia, a doar sangue para o hospital onde este se encontra

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internado. O voluntário comparece por solidariedade e a instituição se nega a fazer a coleta em razão da sua homossexualidade. Como você se sentiria? O que diria aos seus pais ou ao seu chefe que te dispensou do trabalho naquele dia só para doar sangue? Recusado por qual motivo? A frustração pelo prejulgamento e humilhação sofridos é imensa devido ao preconceito e discriminação por orientação sexual. DISCRIMINAÇÃO NORMATIVA Apesar da comprovada necessidade dos bancos de sangue, normas estatais estabelecem os critérios para doação de sangue, com base no perfil epidemiológico de grupos populacionais e no risco da exposição a diversas situações. Até o ano de 2002, as pessoas homossexuais eram proibidas de doar sangue. Hoje, homens que praticam sexo com homens são tidos como inaptos para a doação por 12 meses após a última relação. Nesse grupo podem entrar gays, bissexuais e transgêneros, uma vez que se considera o chamado “sexo biológico”. Historicamente, a comunidade LGBT+ é culpabilizada pela existência da AIDS. Os homens que fazem sexo com homens sempre foram vistos como aberrações, que utilizam o corpo para práticas sexuais desviantes, inclusive, diversos segmentos sociais acreditam que o HIV é um castigo divino por conta da prática sexual “pecaminosa”. Em 1982, a AIDS foi classificada como a doença dos 5H, representando os homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuário de heroína injetável) e hookers (termo) em inglês para as profissionais do sexo). No mesmo ano, foi registrado o primeiro caso de AIDS decorrente de transfusão sanguínea (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1982). A falta de informação sobre a propagação e contágio provocou tanto pânico que muita gente se recusava a apertar a mão de pessoas contaminadas. Também ocorreram contágios provocados por transfusões sanguíneas e, com isso, proibiu-se a doação de sangue por indivíduos pertencentes aos grupos considerados “de risco”. Com o decurso do tempo, as proibições de doação de sangue foram revogadas e as pessoas Gays se tornaram inaptas temporárias para doação, a partir de qualquer relação sexual, mesmo com o uso de preservativo. Tal restrição é baseada em norma norte-americana fundamentada em trabalhos sobre a transmissão da AIDS. Sucede que a referida proibição é homofóbica e nega aos pacientes acesso a um maior estoque de sangue, desperdiçado pelo preconceito. A Portaria n. 5, de 28 de setembro de 2017, do Ministério da Saúde, Anexo XXXIII, Anexo 1, letra B, dispõe que: “São considerados grupos em risco para a doença: homossexuais e bissexuais masculinos; usuários de drogas injetáveis; hemofílicos ou politransfundidos”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). É notório que qualquer pessoa pode adquirir o HIV, inclusive, dados recentes mostram um grande aumento da presença do vírus em idosos, mulheres e jovens. Evidente que não é porque uma categoria está sendo contaminada que deve haver uma proibição para todos os indivíduos pertencentes a esta comunidade. O Estado deve agir com responsabilidade em sua ação regulamentária, visto que a proibição de doação de sangue por homens homossexuais entra em conflito com tratados internacionais e princípios estabelecidos pelo Estado Brasileiro. Além dos gays, também são discriminados os bissexuais e os transgêneros, uma vez que se deseja atingir homens “biológicos” que fazem sexo com homens. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PAINEL UNIVERSITÁRIO Por conta desta proibição, tramita uma ação no Supremo Tribunal Federal pleiteando a declaração da inconstitucionalidade, a ADI 5543, proposta em julho de 2016, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que discute a constitucionalidade da ressalva aos homossexuais e bissexuais masculinos (art. 64, inciso IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde e art. 25, inciso XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária– ANVISA – Consolidadas pela Portaria n. 5/2017, do Ministério da Saúde). Vale ressaltar que ambas possuem a mesma redação, sendo: “Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: “[...] homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes.”, tal proibição viola diversos princípios constitucionais, como igualdade e dignidade da pessoa humana. A proibição temporária de doação de sangue por homens homossexuais com vida sexualmente ativa é claramente inconstitucional, pois viola direitos básicos inerentes ao exercício da sexualidade e da liberdade de cada um. Considera-se de forma contundente que todos os homens homossexuais estão propensos a atrair o vírus, sem considerar que, na realidade, qualquer pessoa também o está, independentemente da orientação sexual e identidade de gênero, bastando a exposição sexual sem o uso de preservativo. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Ministério da Saúde regulamentam a inaptidão temporária dos homens gays desconsiderando o uso do preservativo nas práticas sexuais ao proibirem a doação de forma absoluta. Logo, verifica-se que o que precisa ser analisado é a conduta singular de cada indivíduo ao invés de corroborar com a estigmatização de um grupo já discriminado. A proibição da doação de sangue é ineficaz se considerada através de “grupos de risco” (homossexuais e bissexuais masculinos) e poderia ser resolvida caso fosse analisada por meio do comportamento individual. A Resolução já torna inapto temporário quem tenha feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos, que tenha feito sexo em troca de dinheiro, que tenha utilizado drogas injetáveis, vítimas de abusos sexuais ou quem tenha vivido em encarceramento em sistema prisional, dentre outras situações. Tudo a fim de evitar o contágio do HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis (DST’s), afastando qualquer justificativa que determine a proibição de homossexuais e bissexuais masculinos de realizar a doação. Portanto, essas normativas já possuem mecanismos suficientes para afastar situações de risco dos procedimentos de doação de sangue, sendo desnecessária a restritiva baseada em orientação sexual. Qualquer documento que constar restrição ou tratar de maneira inferior qualquer orientação sexual ou identidade de gênero é passível de anulação e decretação da inconstitucionalidade, pois inferiorizar a orientação sexual viola a dignidade da pessoa humana, um dos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito. O STF começou a julgar o caso em outubro de 2017, mas o suspendeu depois do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Os Ministros Luiz Edson Fachin (Relator), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber votaram pela inconstitucionalidade da norma. O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do Relator pela inconstitucionalidade, uma vez que tal norma restringe direitos fundamentais dos homossexuais masculinos. Ressalta que a regra que impõe abstinência por 12 meses coíbe 62

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o desfrute de uma vida sexual normal, sendo dispensável e caracteriza uma ofensa ao mandamento da proporcionalidade (STF, 2017). No entender da Ministra Rosa Weber, as normas refutadas permitem um tratamento discriminatório quando impõem como critério de inaptidão para doação de sangue a orientação sexual do doador e não a conduta de risco, desprezando, por exemplo, o uso de preservativo ou não, o fato de o doador ter parceiro fixo ou não, dados que fariam toda a diferença (STF, 2017). O Ministro Luiz Fux, ao se manifestar pela inconstitucionalidade da norma, entendeu que estas deveriam ter sido escolhidas de acordo com as condutas de risco como critério de inaptidão para doação, não grupo de risco, em decorrência da orientação sexual. Partiu-se da premissa de que a maioria dos homossexuais masculinos é portadora do vírus HIV, apesar do fato de que as atuais pesquisas revelam que os homossexuais são bem mais cuidadosos e que o vírus tem contaminado mais homens heterossexuais. Ademais, disse ainda que, a norma é desproporcional ao estabelecer o prazo de 12 meses, considerando que, nos dias atuais, a janela imunológica compreende de 10 a 15 dias (STF, 2017). No entanto, o Ministro Alexandre de Moraes em voto divergente, optou pela parcial procedência da ação, uma vez que entende ser possível a doação por homens que fizeram sexo com outros homens, contudo, o sangue deve passar por teste imunológico antes de ser utilizado (CONJUR, 2018). Frisa-se aqui que qualquer sangue coletado passa pelo referido teste, independentemente do doador ser homo ou heterossexual, portanto, esse protocolo já existe. A proibição da doação de sangue por homens homossexuais que fazem sexo com outros homens viola vários direitos constitucionais, inclusive, o direito à vida e à saúde dos que deixam de receber o sangue. O princípio da dignidade humana deve ser resguardado, pois esse abrange o direito à pluralidade e à liberdade sexual, assegurando direitos da homossexualidade e da bissexualidade como formas legítimas de sexualidade e afeto. Não há como desvincular o exercício da sexualidade do princípio da dignidade da pessoa humana. Evidentemente, o Judiciário não pode permitir nenhum tipo de discriminação travestida de regulamentação. Ademais, qualquer norma que inferiorize ou lesione a dignidade de qualquer grupo social, deve ser imediatamente revogada. Cite-se aqui que, tramita no legislativo um projeto de lei do Estatuto da Diversidade Sexual, que garante a retirada do teor discriminatório da doação de sangue por homens homossexuais. Vejamos: “Art. 50. não pode ser usada como critério para seleção de doadores de sangue a orientação sexual ou de gênero, e que as entidades coletadoras não podem questionar a orientação sexual de quem se apresenta voluntariamente como doador”. Assim, é extremamente necessário que esse projeto seja aprovado para efetivar direitos das minorias sexuais e de gênero, redesenhando uma nova realidade, prevalecendo o direito à igualdade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A comunidade LGBTI+ é alvo de discriminação social e violência em todas as partes do mundo, em maior ou menor grau. O Estado acaba reproduzindo atos discriminatórios e criando mecanismos a fim de instituir obstáculos às minorias sexuais e de gênero. Um exemplo disso é a proibição da doação de sangue por homens homossexuais, exclusão visivelmente inconstitucional. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PAINEL UNIVERSITÁRIO É evidente que a ANVISA e o Ministério da Saúde já possuem mecanismos suficientes para proteger a qualidade do sangue, evitando a transmissão de doenças. Porém, restringir e considerar homens homossexuais como “grupos de risco” e impedir que doem sangue é um desrespeito à singularidade de cada indivíduo e viola, sobretudo, o direito à liberdade e o da não discriminação e, principalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana. A regulamentação que torna homens homossexuais inaptos temporários para doação e que é baseada em sua orientação sexual, é conduta visivelmente discriminatória, portanto, se faz necessário que o Supremo Tribunal Federal julgue procedente a ADI 5543, declarando inconstitucional essa medida. É indiscutível a necessidade de leis que protejam a integridade e o respeito à identidade de gênero e orientação sexual, como o Projeto Lei nº 134/2018 (Estatuto da Diversidade Sexual), a fim de efetivar os direitos das minorias sexuais e de gênero e auxiliar na luta constante pela efetivação de direitos a todos os indivíduos, reconhecendo sua humanidade. Destarte, é imprescindível que o Supremo Tribunal Federal (STF), tendo ciência da histórica discriminação que a comunidade LGBTI+ enfrenta, elimine os resquícios impostos institucionalmente a essa minoria, em razão da total inconstitucionalidade dessa infundada e discriminatória proibição. REFERÊNCIAS

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RAYNAN HENRIQUE SILVA TRENTIM é Licenciado em História; Professor da Rede Estadual de Ensino; Graduando do 5º. Ano do curso de Direito e participante do projeto de pesquisa: “O direito da criança e adolescente trans à identidade de gênero” vinculado ao PEBIC/CNPq/UNIPAR.

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arquivo pessoal

arquivo pessoal

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 43, 19 de setembro de 2014. Dispõe sobre as Boas Práticas no Ciclo do Sangue. Disponível em: http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2014/rdc0043_19_09_2014.pdf. acesso em 04 mar. 2018. BRASIL. Projeto Lei nº 134/18. Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero. Disponível em: <https:// legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7302364&disposition=inline>. Acesso em 10 jul. 2018. CONJUR. Proibição da Anvisa para gays doarem sangue é inconstitucional, decide TJ-RN. Revista Consultor Jurídico. Edição de: 31 ago. 2018. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 158, de 4 de fevereiro de 2016. Diário Oficial da União, Brasília, seção 1, p. 37, 05 fev. 2016. MINISTÉRIO DA SAÚDE. História da Aids – 1982. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/noticias/historia-da-aids-1982. Acesso em 21 jul. 2018. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria de Consolidação Nº 5, de 28 de Setembro de 2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0005_03_10_2017.html. Acesso em: 12 jan. 2019. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO em face de Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e Ministério da Saúde. Relator: MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI. Brasília, 07 jun. 2016. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4996495. Acesso em 03 mar. 2018. STF. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=360115 Edição de: 25 out 2017.

TEREZA RODRIGUES VIEIRA é Pós-Doutora em Direito pela Université de Montreal, Canadá; Docente do Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade Paranaense (UNIPAR) onde coordena o projeto “Intolerância, multiculturalismo e proteção das minorias vulneráveis”. Advogada em São Paulo.


SAIBA MAIS

Tributação para Sociedades de Advogados à luz do Novo Simples Nacional por

Alexsander Carvalho

C

omeça o ano com um velho assunto, versando sobre uma legislação não tão antiga, mas que, com a vigência do ano de 2019 pode bem até ser considerada velha. Malgrado esquecida ou desconhecida por alguns. Sempre temos a impressão que a atuação do advogado como pessoa física seja a melhor forma de trabalhar. Mas não, conforme Stanley Martins Frasão (2013), até certo tempo a carga tributária para escritórios e advogados autônomos poderia ser assim compreendida: Considerando um advogado que tenha um total de recebimentos tributáveis, exclusivamente no exercício da advocacia, de R$ 80.400,00 por ano, R$ 6.700 por mês, o imposto de renda será de R$ 9.032,40. Uma sociedade de advogados que também tenha recebido o valor de R$ 80.400,00 por ano, R$ 6.700 por mês, pagará R$ 2.412,00 (COFINS), R$ 522,60 (PIS), R$ 3.859,20 (IRPJ) e R$ 3.859,20 (CSLL), totalizando R$ 9.109,32, somente de impostos federais. Todavia, desde 2016, temos que para facilitar a legalização dos serviços de advocacia a legislação autorizou a Sociedade unipessoal de advogados. Trata-se da Lei n° 13.247, que permite ao advogado registrar-se na Seccional da OAB, permitindo também que ele faça a opção pelo regime tributário do Simples Nacional. Este modelo sem dúvidas facilitou e muito a vida do advogado individual ao atuar como pessoa jurídica, visto que antes do seu registro como Sociedade unipessoal haviam desvantagens em igual monta, e a principal aqui apontada seria a carga tributária de 22% decotada dos ganhos do seu cliente. O que, decerto, não é atraente! Pois, se o mesmo tiver êxito na demanda, digamos a exemplo, sejam na ordem de R$ 6.700 ele receberá apenas R$ 5.226, sendo retido o importe de R$ 1.474, como nos afirma a contadora Karina Meinberg Rodrigues(2018) da Contab Fácil, em parceria com Jurídico Certo.


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SAIBA MAIS

Caso opte pela “não abertura de sua empresa”, atuando como pessoa física você estará preferindo pagar até 27,5% (Imposto de Renda Pessoa Física) do seu faturamento ao ano ao invés de pagar 4,5% do faturamento ao mês (Optante pelo Simples Nacional – tabela progressiva). Sendo este, portanto, um fator imperioso para escritórios que queiram optar por uma ECONOMIA EFETIVA na carga tributária, seja Sociedade Simples ou Sociedade unipessoal.

Já em sendo pessoa jurídica, como Sociedade unipessoal optante pelo Simples Nacional, esse dilema se findou e o cliente recebe o valor integral referente ao êxito de sua demanda, sendo decotados apenas os honorários contratuais, se assim pactuado, como já ocorre na Sociedade Simples. E a Sociedade Simples – nosso foco – ainda deverá recolher PIS, CONFINS, IRPJ, CSLL? Não mais, como nos informa Marcele Alves (2018), da Comissão de Sociedades da Ordem da OAB/MG: Senhor advogado, transcrevo o despacho do Dr. Stanley Martins Frasão, Presidente desta Comissão, em resposta a consulta formalizada por V.Sa.: “O Simples Nacional é a resposta para a questão tributária do Consulente, indicando ser a melhor opção. Sociedade de Advogados e/ou Sociedades Individuais podem firmar ajustes de associação ou de colaboração, conforme Art. 8º, IV do Provimento 112/2006 do Conselho Federal da OAB.” 66

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Ou seja, agora tanto a Sociedade Simples pode ser optante pelo Simples Nacional – e economizar com a carga tributária de 4,5% –, bem como os advogados desta constituírem individualmente cada qual uma Sociedade unipessoal optante pelo Simples Nacional, e firmarem contrato de associação. Confirmando tal fato com Marcele Alves (2018), sobre ao Novo Simples Nacional que vigorou em 2018 “A sociedade de advogados (plural) também é optante pelo simples”, com nova tabela, novo teto ampliado e, redução da alíquota efetiva. Ainda sendo devido o pagamento da parte patronal de INSS. Portanto, é preciso pagar a alíquota do simples e a parte patronal de ISS separada. Então, por exemplo, se você é um advogado e quer abrir uma empresa, pode abrir essa sociedade unipessoal ou uma sociedade simples com outro advogado, iniciando a tributação com 4,5% no simples. Entretanto, pagará mais 20% de INSS sobre o pró-labore que retirar ou sobre a folha de pagamento, assim terá a contribuição previdenciária fora do regime do Simples Nacional. Além da vantagem de se poder emitir Nota Fiscal em cima dos serviços prestados – não obrigatória ao advogado – que traz um toque de profissionalismo à sociedade. E não para por aí, evita-se um processo administrativo visto estar o escritório devidamente registrado – em compliance com Estatuto da OAB –, abre a possibilidade de se expor uma bela placa na faixada do lado de fora, haja vista ter passado por estudo de viabilidade junto à prefeitura. Mister se faz lembrar que, caso opte pela “não abertura de sua empresa”, atuando como pessoa física você estará preferindo pagar até 27,5% (Imposto de Renda Pessoa Física) do seu faturamento ao ano ao invés de pagar 4,5% do faturamento ao mês (Optante pelo Simples Nacional – tabela progressiva). Sendo este, portanto, um fator imperioso para escritórios que queiram optar por uma ECONOMIA EFETIVA na carga tributária, seja Sociedade Simples ou Sociedade unipessoal. FELIZ ANO NOVO! REFERÊNCIAS

arquivo pessoal

_____. Advogado e o Simples Nacional 2018. Disponível em: https://www.jornalcontabil.com.br/o-advogado-e-o-simples-nacional-2018/#.W9Y9G3tKjIV ALVES, Marcele. Sociedade Adv (mensagem pessoal). Mensagem recebida por <alexsander_carvalho@yahoo.com.br> em 28 out. 2018 FRASÃO, Stanley Martins. Sociedades de Advogados ou Advogado Individual? Disponível em: http:// www.oabmg.org.br/Areas/Sociedade/doc/Sociedade_Advogados_Advogado_Individual.pdf Acessado em: 11 de maio de 2018 _____. O que é o Simples Nacional? Disponível em: http://www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional/ RODRIGUES, Karina Meinberg. Sociedade Unipessoal ou Sociedade de Advogados. Qual escolher? Disponível em: https://blog.juridicocerto.com/2018/04/sociedade-unipessoal-ou-sociedade-de -advogados-qual-escolher.html _____. Simples Nacional para os Advogados. Disponível em: http://pejota.com.br/2017/01/23/simples-nacional-para-os-advogados/

ALEXSANDER CARVALHO é Advogado, Consultor, Auditor e Correspondente Jurídico. Integrante da rede Alumni ITS Rio, Fundador e Presidente da Comissão de Tecnologia e Segurança da Informação 2ª Subseção da OAB/MG de Conselheiro Lafaiete. Pós-graduando em Advocacia Trabalhista pela Escola Superior de Advocacia da OAB/FUMEC, Bacharel em Direito pela FDCL – Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete. SQL Developer, Técnico em Informática pela UNA/FIT - Faculdade Infórium de Tecnologia.

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VADE MECUM FORENSE

Roteiro prático para o planejamento da licitação que vise a contratação de serviços. Aplicação das diretrizes da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017. Dos estudos preliminares ao ato de aprovação do termo de referência ou projeto básico por

Marinês Restelatto Dotti

A equipe de planejamento da contratação constitui-se no conjunto de servidores que reúnem as competências necessárias à completa execução das etapas de planejamento da contratação, o que inclui conhecimentos sobre aspectos técnicos e de uso do objeto, licitações e contratos, dentre outros.

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DIVULGAÇÃO

e acordo com a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, aplicável às contratações de serviços para a realização de tarefas executivas sob o regime de execução indireta no âmbito de órgãos ou entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, as contratações desse objeto (serviço) devem ser realizadas observando-se as seguintes fases: planejamento da contratação; seleção do fornecedor; e gestão do contrato. O planejamento da contratação, para cada serviço a ser contratado, consistirá nas seguintes etapas: (a) estudos preliminares; (b) gerenciamento de riscos; e (c) elaboração do projeto básico ou termo de referência, este último aplicável à modalidade licitatória denominada pregão.

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Segundo a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, ao receber o documento para formalização da demanda pelo setor requisitante do serviço, a autoridade competente do setor de licitações poderá, se necessário, indicar servidor ou servidores que atuam no setor para compor a equipe de planejamento da contratação. A equipe de planejamento da contratação constitui-se no conjunto de servidores que reúnem as competências necessárias à completa execução das etapas de planejamento da contratação, o que inclui conhecimentos sobre aspectos técnicos e de uso do objeto, licitações e contratos, dentre outros. Fundamental que as equipes responsáveis pelo planejamento da contratação, pela elaboração dos estudos preliminares e pelo projeto básico e termo de referência possuam conhecimentos técnicos relacionados ao objeto da licitação, assim como conhecimentos técnicos relacionados às condições para sua execução, as quais, com propriedade, estarão aptas a auxiliarem o pregoeiro na elaboração de decisão sobre eventual impugnação ao edital, conforme preceitua o Decreto nº 5.450/05, in verbis: Art. 18. Até dois dias úteis antes da data fixada para abertura da sessão pública, qualquer pessoa poderá impugnar o ato convocatório do pregão, na forma eletrônica. § 1º Caberá ao pregoeiro, auxiliado pelo setor responsável pela elaboração do edital, decidir sobre a impugnação no prazo de até vinte e quatro horas.

VEDAÇÕES Consoante preceitua o Decreto nº 9.507/18, não poderão ser objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços: (a) que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; (b) que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; (c) que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; e (d) que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios poderão ser executados de forma indireta, vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado. Ainda segundo o Decreto nº 9.507/18, os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de fiscalização e consentimento relacionados ao exercício do poder de polícia não serão objeto de execução indireta. Registre-se que a Portaria nº 443, de 27 de dezembro de 2018, do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão (atual Ministério da Economia) relaciona, de forma exemplificativa, os serviços que serão, preferencialmente, objeto de execução indireta, em atendimento ao disposto no art. 2º do Decreto nº 9.507/18. ESTUDOS PRELIMINARES No tocante aos estudos preliminares, segundo o Anexo III da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, devem contemplar a viabilidade e o levantamento revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE dos elementos essenciais que servirão para compor o projeto básico ou termo de referência, de forma que melhor atenda às necessidades da administração. Os estudos preliminares, portanto, subsidiam a elaboração do projeto básico ou termo de referência da licitação. São diretrizes gerais para a elaboração dos estudos preliminares, previstas na citada Instrução Normativa, a serem observadas pelo órgão licitante: a) listagem e exame dos normativos que disciplinam os serviços a serem contratados, de acordo com a sua natureza; b) análise da contratação anterior, ou a série histórica, se houver, para identificar as inconsistências ocorridas nas fases do planejamento da contratação, seleção do fornecedor e gestão do contrato, com a finalidade de prevenir a ocorrência dessas (inconsistências) no termos de referência ou projeto básico; c) ao final da elaboração dos estudos preliminares, avaliação da necessidade de classificá-los nos termos da Lei nº 12.527/11 (lei de acesso à informação). Diretrizes específicas São diretrizes específicas a cada elemento dos estudos preliminares, segundo a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017: a) identificação da necessidade da contratação: • a justificativa da necessidade da contratação deve ser fornecida pela unidade requisitante. Competência para justificar a necessidade da contratação Nesse tópico a Instrução Normativa estabelece não só o dever de justificar a necessidade da contratação (art. 2º, parágrafo único, inciso VII, da Lei nº 9.784/99) como, também, a competência para esse fim. b) referência aos instrumentos de planejamento do órgão, se houver: • indicar se a contratação está alinhada aos planos instituídos pelo órgão ou entidade tais como Plano de Desenvolvimento Institucional ou Planejamento Estratégico, quando houver; Plano Anual de Contratações – PAC A Instrução Normativa nº 1, de 10 de janeiro de 2019, da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, dispõe sobre o Plano Anual de Contratações – PAC de bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação e comunicações no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional e sobre o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações – PGC • informar a política pública a que esteja vinculada ou a ser instituída pela contratação, quando couber. c) requisitos da contratação: • elencar os requisitos necessários ao atendimento da necessidade; • no caso de serviços, definir e justificar se o serviço possui natureza continuada ou não; Classificação da natureza dos serviços (continuados ou não) Se essencial e permanente para atender as necessidades da administração, fundamental para o apoio de suas atividades e cuja interrupção é capaz de causar prejuízos à regularidade de suas atribuições institucionais, a natureza da contratação reveste-se de caráter contínuo. Sendo de natureza continuada, repercutirá na duração do termo de contrato, a qual poderá alcançar o limite de sessenta meses conforme previsto no art. 57, II, da Lei nº 8.666/93. Nesse caso, o termo de contrato deverá contemplar o prazo de vigência contratual na forma do dispositivo citado.

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Se o serviço não for classificado como de natureza continuada, a duração do termo de contrato (prazo de vigência) deverá observar a regra do art. 57, caput, da Lei nº 8.666/93, ou seja, estará limitada ao exercício financeiro em que celebrado. O art. 167, II, da Constituição Federal veda a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. O art. 57, caput, da Lei nº 8.666/93, em cumprimento ao comando constitucional, dispõe que a duração dos contratos por ela regidos deve ficar adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, os quais são fixados, anualmente, por meio de lei orçamentária (art. 165, §5º, da Constituição Federal). A finalidade da lei orçamentária é estimar a receita e fixar a despesa para o exercício financeiro. • incluir, se possível, critérios e práticas de sustentabilidade que devem ser veiculados como especificação técnica do objeto ou como obrigação da contratada; Critérios e práticas de sustentabilidade Critérios e práticas de sustentabilidade (cite-se, como exemplo, o “Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras”), devidamente motivados nos autos do processo, não previstos como requisito de habilitação, notadamente de qualificação técnica (art. 30, IV, da Lei nº da Lei nº 8.666/93), devem ser veiculados como especificação técnica do objeto ou como obrigação da contratada, segundo dispõe o Decreto nº 7.746/12, que regulamenta o art. 3º da Lei nº 8.666/93 quanto a critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal. Assim: Art. 2º Na aquisição de bens e na contratação de serviços e obras, a administração pública federal direta, autárquica e fundacional e as empresas estatais dependentes adotarão critérios e práticas sustentáveis nos instrumentos convocatórios, observado o disposto neste Decreto. Parágrafo único. A adequação da especificação do objeto da contratação e das obrigações da contratada aos critérios e às práticas de sustentabilidade será justificada nos autos, resguardado o caráter competitivo do certame. Art. 3º Os critérios e as práticas de sustentabilidade de que trata o art. 2º serão publicados como especificação técnica do objeto, obrigação da contratada ou requisito previsto em lei especial, de acordo com o disposto no inciso IV do caput do art. 30 da Lei nº 8.666, de 1993. (grifei) • identificar a necessidade de a contratada promover a transição contratual com transferência de conhecimento, tecnologia e técnicas empregadas; • elaborar quadro identificando as soluções de mercado (produtos, fornecedores, fabricantes etc.) que atendem aos requisitos especificados e, caso a quantidade de fornecedores seja considerada restrita, verificar se os requisitos que limitam a participação são realmente indispensáveis, de modo a avaliar a retirada ou flexibilização destes requisitos. d) estimativas das quantidades: • definir e documentar o método para a estimativa das quantidades a serem contratadas; • utilizar informações das contratações anteriores, se for o caso; • incluir nos autos as memórias de cálculo e os documentos que lhe dão suporte; • para os casos em que houver a necessidade de materiais específicos, cuja previsibilidade não se mostra possível antes da contratação, avaliar a inclusão de mecanismos para tratar essa questão; • levantamento de mercado e justificativa da escolha do tipo e solução a contratar (considerar diferentes fontes, podendo ser analisadas contratações similares feitas por outros órgãos e entidades, com objetivo de identificar a existência de novas metodologias, tecnologias ou inovações que melhor atendam às necessidades da administração e, ainda, em situações específicas ou nos casos de complexidade técnica do objeto, poderá ser realizada revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE audiência pública para coleta de contribuições a fim de definir a solução mais adequada visando preservar a relação custo-benefício). Consulta pública As especificações do objeto que a administração almeja contratar devem ser as necessárias e suficientes para a sua correta apreensão pelo mercado fornecedor e atendimento com a qualidade pertinente. Se forem insuficientes, sujeitarão a administração a adquirir objeto de pouca ou nenhuma qualidade, justamente porque suas características essenciais não foram definidas. Por outro lado, se forem excessivas, desnecessárias ou análogas às especificações técnicas de determinado fabricante, podem denotar restrição ao caráter competitivo do certame e/ou direcionamento da contratação, contrastando com os ditames do art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93. Para o eficaz delineamento dos contornos da melhor solução para o objeto que almeja contratar, pode e deve a administração pública valer-se de diálogo com a iniciativa privada, medida que prestigia o princípio constitucional da eficiência e a busca dos melhores resultados para o interesse público, cujo fundamento legal repousa no disposto no art. 32 da Lei nº 9.784/99 (lei do processo administrativo federal1). Ainda, o Decreto-Lei nº 4.657/42 (lei de introdução às normas do Direito Brasileiro) dispõe sobre a realização de consulta pública pela administração pública: Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) [...] Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) § 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) e) estimativas de preços ou preços referenciais: • definir e documentar o método para estimativa de preços ou meios de previsão de preços referenciais, devendo seguir as diretrizes de normativo publicado pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia); • incluir nos autos as memórias de cálculo da estimativa de preços ou dos preços referenciais e os documentos que lhes dão suporte; Pesquisa de mercado A Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 5, de 27 de junho de 2014, dispõe sobre os procedimentos administrativos básicos para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral. A realização de pesquisa de preços é eficaz instrumento para aproximar o valor do objeto àquele praticado pelo mercado, serve de balizamento seguro para a aceitação da proposta pelo pregoeiro ou comissão de licitação, define os recursos financeiros para o cumprimento das obrigações e atende, além do princípio da legalidade, também os princípios da economicidade e da eficiência. É reproduzido a seguir, excerto da Instrução Normativa SLTI/MPOG Nº 5, de 27 de junho de 2014:

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Art. 2º A pesquisa de preços será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros: I – Painel de Preços disponível no endereço eletrônico http://paineldeprecos.planejamento.gov.br; II – contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à data da pesquisa de preços; III – pesquisa publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenha a data e hora de acesso; ou IV – pesquisa com os fornecedores, desde que as datas das pesquisas não se diferenciem em mais de 180 (cento e oitenta) dias. (Alterado pela Instrução Normativa nº 3, de 20 de abril de 2017) § 1º Os parâmetros previstos nos incisos deste artigo poderão ser utilizados de forma combinada ou não, devendo ser priorizados os previstos nos incisos I e II e demonstrado no processo administrativo a metodologia utilizada para obtenção do preço de referência. § 2º Serão utilizados, como metodologia para obtenção do preço de referência para a contratação, a média, a mediana ou o menor dos valores obtidos na pesquisa de preços, desde que o cálculo incida sobre um conjunto de três ou mais preços, oriundos de um ou mais dos parâmetros adotados neste artigo, desconsiderados os valores inexequíveis e os excessivamente elevados. § 3º Poderão ser utilizados outros critérios ou metodologias, desde que devidamente justificados pela autoridade competente. § 4º Os preços coletados devem ser analisados de forma crítica, em especial, quando houver grande variação entre os valores apresentados. § 5º Para desconsideração dos preços inexequíveis ou excessivamente elevados, deverão ser adotados critérios fundamentados e descritos no processo administrativo. § 6º Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será admitida a pesquisa com menos de três preços ou fornecedores.” Art. 3º Quando a pesquisa de preços for realizada com os fornecedores, estes deverão receber solicitação formal para apresentação de cotação. Parágrafo único. Deverá ser conferido aos fornecedores prazo de resposta compatível com a complexidade do objeto a ser licitado, o qual não será inferior a cinco dias úteis. Art. 4º Não serão admitidas estimativas de preços obtidas em sítios de leilão ou de intermediação de vendas. Art. 5º O disposto nesta Instrução Normativa não se aplica a obras e serviços de engenharia, de que trata o Decreto nº 7.983, de 8 de abril de 2013. Os sistemas oficiais de referência da administração pública, como o Painel de Preços disponível no endereço eletrônico http://paineldeprecos.planejamento.gov.br, refletem, em boa medida, os preços de mercado e, por gozarem de presunção de veracidade, devem ter precedência em relação à utilização de cotações feitas diretamente com empresas do mercado. Segundo a Corte de Contas federal, a pesquisa de preços para elaboração do orçamento estimativo da licitação não pode ter como único foco propostas solicitadas a fornecedores. Ela deve priorizar os parâmetros disponíveis no Painel de Preços do Portal de Compras do Governo Federal e as contratações similares realizadas por entes públicos, em observância à Instrução Normativa SLTI/MPOG Nº 5, de 27 de junho de 2014 (Acórdão nº 718/2018 – Plenário, Rel. Min. André de Carvalho, Processo nº 025.204/2017-3). A realização de ampla e séria pesquisa de preços, devidamente documentada nos autos do processo, afasta a aplicação do disposto no art. 10, V, da Lei nº 8.429/92 (lei de improbidade administrativa) o qual prevê sanções ao agente público pela prática de qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que permita ou facilite a aquisição de bem ou serviço por preço superior ao de mercado, com prejuízo ao erário. Assim: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...] V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; Competência para verificar se a pesquisa de preços realizada observou critérios aceitáveis De acordo com precedentes do Tribunal de Contas da União, é da competência da comissão de licitação, do pregoeiro e da autoridade superior (responsável pela homologação da licitação) verificar se houve recente pesquisa de preço do objeto a ser licitado e se essa pesquisa observou critérios aceitáveis (Acórdão nº 2.147/2014 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 005.657/2011-3 e Acórdão nº 2318/2017 – Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Processo nº 000.257/2017-6). Divulgação do preço de referência Registre-se que a Corte de Contas federal assentou o entendimento de ser obrigatória a divulgação do preço de referência em editais de licitação, na modalidade pregão, quando for utilizado como critério de aceitabilidade das propostas (Acórdão nº 10.051/2015, Segunda Câmara, Rel. Min. André de Carvalho, Processo nº 008.959/2015-3). Tal medida possibilita que os licitantes formulem suas propostas utilizando como parâmetro o preço de referência divulgado pela administração, o qual, a seu turno, deve decorrer de ampla e séria pesquisa sobre os preços praticados pelo mercado. Demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução Consoante estabelece o art. 113 da Lei nº 8.666/93, o órgão licitante/contratante é responsável pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição Federal, caso venha a ser demandada pelos órgãos de controle, interno e externo. Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto. O art. 113 da Lei nº 8.666/93 derroga a presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos relativos à execução da despesa pública, porquanto transfere para a autoridade que os expediu o ônus de comprovar sua regularidade se esta for impugnada pelos órgãos de controle interno ou externo. f ) descrição da solução como um todo: • descrever todos os elementos que devem ser produzidos/contratados/executados para que a contratação produza resultados pretendidos pelo órgão; g) justificativas para o parcelamento ou não da solução: • o parcelamento da solução é a regra devendo a licitação ser realizada por item (ou por grupo/lote), sempre que o objeto for divisível, desde que se verifique não haver prejuízo para o conjunto da solução ou perda de economia de escala, visando propiciar a ampla participação de licitantes que embora não disponham de capacidade para execução da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas; • definir e documentar o método para avaliar se o objeto é divisível, levando em consideração o mercado fornecedor, podendo ser parcelado caso a contratação nesses moldes

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assegure, concomitantemente: ser técnica e economicamente viável; que não haverá perda de escala; e que haverá melhor aproveitamento do mercado e ampliação da competitividade. Parcelamento O parcelamento do objeto é regra que deve ser observada pela administração pública. Encontra previsão nos seguintes dispositivos da Lei nº 8.666/93, aplicável subsidiariamente à modalidade do pregão por força do disposto no art. 9º da Lei nº 10.520/02: Art. 23, §1º. As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendose à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala. § 2º Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação. A Súmula nº 247 do Tribunal de Contas da União fixou o entendimento da Corte sobre a regra do parcelamento. Assim: É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade. O objetivo do parcelamento é o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampliação da competitividade, mas para isso é imprescindível que a divisão do objeto seja técnica e economicamente viável, não represente risco ao conjunto ou complexo do objeto, nem prejuízo à economia de escala. Devem coexistir a viabilidade técnica da divisão e os benefícios econômicos que dela decorram, ou seja, mesmo sendo viável a divisão, há de se observar a possível perda de economia de escala que a medida pode gerar (significa que quanto maior for a quantidade licitada, menor poderá ser o custo unitário do serviço a ser adquirido). Configurando-se uma das situações (inviabilidade técnica, risco ao conjunto ou complexo do objeto ou prejuízo para a economia de escala), o melhor encaminhamento a ser dado pela administração é o de licitar o objeto de forma global. Eis a orientação do TCU: O parcelamento do objeto escapa à discricionariedade administrativa sob circunstâncias em que se faça impositivo. Sua não adoção, nessa situação, configura patente ilegalidade. O parcelamento, além de disposição legal, é regra ética, de bom-senso e de boa administração, de modo a se promover o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado, sem perda da economia de escala. (Acórdão nº 2.593/2013 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 000.723/2013-4). Serviços distintos Existindo diversas especialidades de serviços e em razão da inviabilidade técnica da execução do todo por um único prestador, processa-se a contratação de cada um deles separadamente, de modo a atrair competidores que não detenham qualificação técnica para a execução do todo, mas, sim, para determinados serviços. A contratação de serviços cuja viabilidade é eficazmente assegurada pelo seu parcelamento pode efetivar-se por meio de licitações distintas ou, ainda, por meio de uma única licitação dividida em itens ou lotes/grupos, cada um deles com julgamento, habilitação e adjudicação próprios. Essa revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE última hipótese privilegia o princípio da economicidade, aplicável às licitações e contratações, em razão da economia de recursos financeiros que propicia, além de racionalizar as atividades administrativas. Divisão da licitação em grupos/lotes A adjudicação por grupo/lote não é, em princípio, irregular, devendo a administração, nesses casos, justificar de forma fundamentada, no respectivo processo administrativo, a vantagem dessa opção. A divisão da licitação em lotes/grupos deve respeitar a integridade qualitativa do objeto a ser executado, prestado ou fornecido, sendo inadequado desnaturá-lo para efeito de fragmentá-lo em contratações diversas e que importem em risco para a sua satisfatória execução. De acordo com o Tribunal de Contas da União a opção de se licitar itens agrupados deve estar acompanhada de justificativa, devidamente fundamentada, da vantagem da escolha, em atenção aos artigos 3º, § 1º, I, 15, IV e 23, §§ 1º e 2º, todos da Lei nº 8.666/1993. (Acórdão nº 861/2013-Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 001.605/2013-5). Aquisição de itens do grupo de forma individualizada Definida pelo órgão licitante a vantajosidade de realizar-se licitação formada por grupo(s)/lote(s), é importante que seja observada a orientação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, publicada em 5 de janeiro de 2018, a respeito da aquisição por preço global de grupos de itens (acessível em: https://www.comprasgovernamentais.gov. br/index.php/noticias/862-global): A Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (SEGES/MP), em atenção aos Acórdãos 2.977/2012-TCU-Plenário, 2.695/2013-TCU-Plenário, 343/2014-TCU-Plenário, 4.205/2014-TCU-1ª Câmara, 757/2015-TCU-Plenário, 588/2016-TCU -Plenário, 2.901/2016-TCU-Plenário e 3.081/2016-TCU-Plenário orienta os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (Sisg) que: No âmbito das licitações realizadas sob a modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens, somente será admitida as seguintes hipóteses: a) aquisição da totalidade dos itens de grupo, respeitadas as proporções de quantitativos definidos no certame; ou b) aquisição de item isolado para o qual o preço unitário adjudicado ao vencedor seja o menor preço válido ofertado para o mesmo item na fase de lances. Constitui irregularidade a aquisição (emissão de empenho) de subconjunto de itens de grupo adjudicado por preço global para os quais o preço unitário adjudicado ao vencedor do lote não for o menor lance válido ofertado na disputa relativa ao item. Os editais de licitações deverão prever cláusulas que impeçam a aquisição diferente desta Orientação. A licitação por itens proporciona a obtenção de propostas mais vantajosas individualmente, ou seja, para cada item que integra o edital da licitação busca-se a proposta mais vantajosa, enquanto que na licitação por lote/grupo, tendo-se como critério de julgamento o menor preço global, alguns itens podem ser ofertados pelo vencedor do lote/grupo a preços superiores aos propostos por outros competidores ou, ainda, com sobrepreço. Se permitida a aquisição de itens individualizados que compõem o lote/grupo e o interesse recair em itens com valores acima dos de outros competidores, a contratação torna-se antieconômica para a administração. Por isso que a licitação por lote/grupo deve ser afastada quando o interesse da administração não for a aquisição integral de seus itens. h) demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis: • declarar os benefícios diretos e indiretos que o órgão almeja com a contratação, em termos de economicidade, eficácia, eficiência, de melhor aproveitamento dos recursos

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humanos, materiais e financeiros disponíveis, inclusive com respeito a impactos ambientais positivos (por exemplo, diminuição do consumo de papel ou de energia elétrica), bem como, se for o caso, de melhoria da qualidade de produtos ou serviços oferecidos à sociedade. i) providências para adequação do ambiente do órgão: • elaborar cronograma com todas as atividades necessárias à adequação do ambiente do órgão para que a contratação surta seus efeitos e com os responsáveis por esses ajustes nos diversos setores; • considerar a necessidade de capacitação de servidores para atuarem na contratação e fiscalização dos serviços de acordo com as especificidades do objeto a ser contratado; • juntar o cronograma ao processo e incluir, no mapa de riscos, os riscos de a contratação fracassar caso os ajustes não ocorram em tempo. j) declaração da viabilidade ou não da contratação: • explicitamente declarar que a contratação é viável ou que a contratação não é viável, justificando com base nos elementos anteriores dos estudos preliminares. k) participação de entidades de menor porte – licitação dividida em itens e/ou lotes/ grupos • reproduzem-se, a seguir, o art. 48 da Lei Complementar nº 123/06 e os artigos 6º e 9º, inciso I, do Decreto nº 8.538/15, respectivamente: Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública: I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); Art. 6º Os órgãos e as entidades contratantes deverão realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens ou lotes de licitação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). [...] Art. 9º Para aplicação dos benefícios previstos nos arts. 6º a 8º: I – será considerado, para efeitos dos limites de valor estabelecidos, cada item separadamente ou, nas licitações por preço global, o valor estimado para o grupo ou o lote da licitação que deve ser considerado como um único item; De acordo com os diplomas citados, para o efeito de conceder-se a exclusiva participação de entidades de menor porte, o valor de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) deve ser observado para cada item (ou lote/grupo), ainda que constantes de um único edital de licitação. Cada item (ou lote/grupo) da licitação é considerado uma licitação isolada das demais, com julgamento, habilitação e adjudicação próprios. Para o item (ou lote/grupo) que não ultrapassar R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), desde que não incidente uma das exceções previstas no art. 49 da Lei Complementar, a participação será exclusiva para entidades de menor porte. Para o item (ou lote/grupo) que ultrapassar aquele valor, conceder-se-á, a essas entidades, o tratamento privilegiado a que aludem os artigos 43 e 44 da Lei Complementar n˚ 123/06. Se a licitação é formada por um único item (preço global), aplicam-se as mesmas regras retro citadas, ou seja, se o valor estimado global não ultrapassar a cifra de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), desde que não incidente uma das exceções previstas no art. 49 da Lei Complementar, a participação será exclusiva para entidades de menor porte; se ultrapassar, conceder-se-á, a essas entidades, o tratamento privilegiado a que aludem os artigos 43 e 44 da Lei Complementar n˚ 123/06. Tal entendimento encontra-se consolidado não somente no âmbito do art. 48, I, da Lei Complementar nº 123/06 e dos artigos 6º e 9º, I, do Decreto nº 8.538/15, mas também, no âmbito da Advocacia-Geral da União, in verbis: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE EM LICITAÇÃO DIVIDIDA EM ITENS OU LOTES/GRUPOS, DEVERÁ SER ADOTADA A PARTICIPAÇÃO EXCLUSIVA DE MICROEMPRESA, EMPRESA DE PEQUENO PORTE OU SOCIEDADE COOPERATIVA (ART. 34 DA LEI Nº 11.488, DE 2007) EM RELAÇÃO AOS ITENS OU LOTES/ GRUPOS CUJO VALOR SEJA IGUAL OU INFERIOR A R$ 80.000,00 (OITENTA MIL REAIS), DESDE QUE NÃO HAJA A SUBSUNÇÃO A QUAISQUER DAS SITUAÇÕES PREVISTAS PELO ART. 9º DO DECRETO Nº 6.204, DE 2007 (Orientação Normativa nº 47, de 25 de abril de 2014). m) participação de sociedades cooperativas • quanto à participação de sociedades cooperativas na licitação, registre-se que encontra vedação quando, pela natureza do serviço ou pelo modo como é usualmente executado no mercado em geral, houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o contratado, bem como de pessoalidade e habitualidade (Súmula nº 281 do TCU). • a contratação de sociedades cooperativas somente poderá ocorrer quando, pela sua natureza, o serviço a ser contratado evidenciar: (a) a possibilidade de ser executado com autonomia pelos cooperados, de modo a não demandar relação de subordinação entre a cooperativa e os cooperados, nem entre a Administração e os cooperados; e (b) que a gestão operacional do serviço seja executada de forma compartilhada ou em rodízio, em que as atividades de coordenação e supervisão da execução dos serviços e as de preposto, conforme determina o art. 68 da Lei nº 8.666/93, sejam realizadas pelos cooperados de forma alternada ou aleatória, para que tantos quanto possíveis venham a assumir tal atribuição.

Participação da fiscalização no planejamento da licitação A Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, estabelece que, sempre que for possível, é importante identificar os servidores que participarão da fiscalização do contrato, os quais poderão ser convidados a participar do planejamento da contratação. Estudos preliminares: documento anexo do termo de referência De acordo com a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, os estudos preliminares constituem anexos do projeto básico ou termo de referência. Assim: ANEXO V DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DO PROJETO BÁSICO (PB) OU TERMO DE REFERÊNCIA (TR) 2.2. Fundamentação da contratação: a) Os Estudos Preliminares serão anexos do TR ou PB, quando for possível a sua divulgação; b) Quando não for possível divulgar os Estudos Preliminares devido a sua classificação, conforme a Lei nº 12. 527, de 2011, deverá ser divulgado como anexo do TR ou PB um extrato das partes que não contiverem informações sigilosas.

GERENCIAMENTO DE RISCOS Dispõe o art. 25 da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, que o gerenciamento de riscos é um processo que consiste nas seguintes atividades: (a) identificação dos principais riscos que possam comprometer a efetividade do planejamento da contratação, da seleção do fornecedor e da gestão contratual ou que impeçam o alcance dos resultados que atendam às necessidades da contratação; 78

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(b) avaliação dos riscos identificados, consistindo da mensuração da probabilidade de ocorrência e do impacto de cada risco; (c) tratamento dos riscos considerados inaceitáveis por meio da definição das ações para reduzir a probabilidade de ocorrência dos eventos ou suas consequências; (d) para os riscos que persistirem inaceitáveis após o tratamento, definição das ações de contingência para o caso de os eventos correspondentes aos riscos se concretizarem; e (e) definição dos responsáveis pelas ações de tratamento dos riscos e das ações de contingência. A responsabilidade pelo gerenciamento de riscos compete à equipe de planejamento da contratação devendo abranger as fases do procedimento da contratação previstas no art. 19 da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017. O gerenciamento de riscos materializa-se no documento denominado de mapa de riscos, o qual deve ser atualizado e juntado aos autos do processo de contratação, pelo menos: ao final da elaboração dos estudos preliminares; ao final da elaboração do termo de referência; após a fase de seleção do fornecedor; e após eventos relevantes, durante a gestão do contrato pelos servidores responsáveis pela fiscalização. Para elaboração do mapa de riscos poderá ser observado o modelo constante do Anexo IV da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017. Concluídas as etapas relativas aos estudos preliminares e ao gerenciamento de riscos, os setores requisitantes deverão encaminhá-los, juntamente com o documento que formaliza a demanda, à autoridade competente do setor de licitações, que estabelecerá o prazo máximo para o envio do termo de referência ou projeto básico, conforme alínea “c” do inciso I, do art. 21 da Instrução Normativa SEGES/ MPDG nº 5, de 2017. TERMO DE REFERÊNCIA OU PROJETO BÁSICO O Anexo V da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, contempla as diretrizes para a elaboração do termo de referência ou projeto básico. Relacionam-se, a seguir, as diretrizes aplicáveis à prestação de serviço. Vedações São vedadas especificações que: • por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitam, injustificadamente, a competitividade ou direcionam ou favoreçam a contratação de prestador específico; Lei nº 8.666/93 Art. 3º [...] § 1º É vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991; revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE • não representem a real demanda de desempenho do órgão, não se admitindo especificações que deixem de agregar valor ao resultado da contratação ou sejam superiores às necessidades do órgão ou entidade; • estejam defasadas tecnológica e/ou metodologicamente ou com preços superiores aos de serviços com melhor desempenho.

Diretrizes específicas Enumeram-se, a seguir, as diretrizes específicas a cada elemento do projeto básico ou termo de referência: a) declaração do objeto: • fazer descrição sucinta, com os três elementos essenciais que compõem o núcleo do objeto, que é imutável: declaração da natureza do objeto; quantitativos; e prazo do contrato, incluindo a possibilidade de prorrogação do contrato, se for o caso; Definição clara e objetiva do objeto A busca da melhor proposta para o órgão público exige adequada caracterização do objeto, com sua especificação completa, porém escoimada de pormenores irrelevantes ou desnecessários. A propósito, estabelece o art. 4º, X, da Lei nº 10.520/02 (lei do pregão) que para julgamento e classificação das propostas será adotado o critério de menor preço, observados os prazos máximos para fornecimento, as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital. A especificação incompleta, ao enevoar a essência do objeto e o que lhe possa influenciar o custo de produção, impede o licitante de apresentar proposta adequada. Os licitantes necessitam, para bem elaborar suas propostas, de especificações claras e precisas, que definam o padrão de qualidade e o desempenho do produto ou serviço desejado pelo órgão público. Por outro lado, o estabelecimento de condições que restrinjam a competição, pela presença de especificações irrelevantes, pode conduzir (i) ao direcionamento do resultado da licitação, (ii) a um procedimento deserto (nenhum concorrente se apresenta) ou fracassado (os concorrentes ofertam propostas inaceitáveis). Contrato “guarda-chuva” Registre-se que é irregular o contrato “guarda-chuva”. O contrato assim chamado caracteriza-se por objeto amplo e indefinido, ou, ainda, vários objetos, contrariando o disposto no art. 6º, IX, da Lei nº 8.666/93, exigente de que o projeto básico (ou termo de referência) indique os elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução. Ou seja, a Lei exige que o objeto da licitação ou da contratação direta seja previamente definido pela administração pública, vedada a indefinição ou a indicação de objetos eventuais. O Tribunal de Contas da União censura a espécie: Todavia, ao se deter na descrição dos objetos correspondentes às mencionadas licitações, as quais foram processadas no âmbito da Prefeitura Municipal de [...], verifica-se a insofismável ocorrência da irregularidade que a jurisprudência desta Corte tem apropriado com a denominação de “contrato guarda-chuva”, conforme assinalado na peça inicial desta representação (fl. 26). O tipo diz respeito ao procedimento por meio do qual a administração pública reúne num único objeto licitatório ampla gama de obras ou serviços, cujas particularidades e especificidades não são singularizadas da forma devida, com a finalidade

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de se contratar uma única empresa que se incumbirá da respectiva execução, conforme a administração pública defina exatamente os serviços a serem realizados e à medida que obtenha os recursos financeiros correspondentes – provenientes, na maioria dos casos, de emendas ao orçamento da União. É um artifício administrativo de definição prévia de certa empreiteira para que possa ser imediatamente acionada, quando surgir a ocasião propícia para a execução de um tipo genérico de obra. O procedimento é ilegal, não somente porque desatende ao adequado nível de precisão concernente ao projeto básico (art. 6º, IX da Lei nº 8.666/1993), como também porque torna ineficaz o necessário e prévio comprometimento orçamentário, capaz de assegurar o pagamento das obrigações correspondentes (art. 7º, § 2º, III). (Grifamos) (Acórdão nº 1.644/2010 – Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, Processo nº 009.804/2009-8). Outros precedentes do Tribunal de Contas da União: 1.7. Determinações: 1.7.1. ao Município de [...] que se abstenha de incorrer nas seguintes falhas: [...] 1.7.1.2. não observância do previsto nos arts. 3º, 7º, § 2º, inciso III, e 23, § 1º, 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de 1993, abstendo-se de celebrar contratos do tipo “guarda-chuva” (Acórdão nº 2.042/2013 – Segunda Câmara, Rel. Min. André Luís de Carvalho, Processo nº 004.850/2012-2); 9.2.3. abstenha-se de firmar contrato com objeto amplo e indefinido, do tipo “guardachuva”, em observância aos termos do art. 54, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 (Acórdão nº 717/2005 – Plenário, Rel. Min. Ubiratan Aguiar, Processo nº 010.435.2003-6). Discrepâncias, discordâncias ou divergências nas características do objeto O objeto da licitação deve ser definido de forma inequívoca e uníssona no edital, no projeto básico ou termo de referência, na minuta de contrato e no sistema operacional do pregão, quando adotada essa modalidade, em seu formato eletrônico. Na dicção do verbete 177, da Súmula do Tribunal de Contas da União, “A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais, das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada em uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão”. Discordâncias, discrepâncias ou divergências entre o que define o edital, os seus anexos e o sistema operacional do pregão quanto ao objeto em disputa podem ensejar a oferta de propostas distintas, comprometendo o caráter competitivo da licitação, o julgamento objetivo e a busca da proposta mais vantajosa, dando azo à nulidade do procedimento licitatório. • indicar o código do item a ser contratado em conformidade com o Catálogo de Serviços (Catser) do Sistema de Serviços Gerais (Sisg); b) fundamentação da contratação: • os estudos preliminares serão anexos do termo de referência ou projeto básico, quando for possível a sua divulgação; • quando não for possível divulgar os estudos preliminares devido a sua classificação, conforme a Lei nº 12. 527/11, deverá ser divulgado como anexo do termo de referência ou projeto básico um extrato das partes que não contiverem informações sigilosas. c) descrição da solução como um todo: • descrição da solução como um todo extraída dos estudos preliminares, com eventuais atualizações decorrentes de amadurecimento com relação à descrição da solução. d) requisitos da contratação: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE • transcrever o item “Requisitos da contratação” dos estudos preliminares, com eventuais atualizações, pois após a aprovação desses estudos preliminares, a equipe de planejamento da contratação pode ter amadurecido com relação aos requisitos que a solução deverá atender; • estabelecer a exigência da declaração do licitante de que tem pleno conhecimento das condições necessárias para a prestação dos serviços. Declaração inócua A exigência de declaração do licitante de que tem pleno conhecimento das condições necessárias para a prestação dos serviços é inócua. Ao participar do certame o licitante vincula-se às condições estabelecidas no edital da licitação e seus anexos. • Caso seja imprescindível o comparecimento do licitante, desde que devidamente justificado, o órgão deve disponibilizar os locais de execução dos serviços a serem vistoriados previamente, devendo tal exigência, sempre que possível, ser substituída pela divulgação de fotografias, plantas, desenhos técnicos e congêneres; Vistoria ou visita técnica Dependendo da natureza do serviço a ser prestado, é salutar que o licitante conheça as condições para cumprimento das obrigações, objeto da licitação, de forma a identificar eventual necessidade de adaptações que se fizerem necessárias para a prestação dos serviços. A exigência de vistoria ou visita técnica é também uma forma de a administração se resguardar, pois a contratada não poderá alegar a existência de impedimentos para a perfeita execução do objeto, amparada no desconhecimento das instalações onde realizará os serviços. Encontra previsão no art. 30, III, da Lei nº 8.666/93, aplicável subsidiariamente à modalidade pregão: Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: […] III – comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; A vistoria ou visita técnica deve constituir direito subjetivo da empresa licitante e não, exclusivamente, uma obrigação imposta pela administração, motivo pelo qual pode ser tratada (a visita) como uma faculdade reconhecida pela administração aos participantes do certame. A faculdade na realização de visita técnica (ou vistoria) possibilita a substituição do atestado de visita técnica (assinado por servidor responsável e designado pelo órgão licitante) por declaração do responsável de que possui pleno conhecimento do objeto. Mas, com o fim de prevenir que o caráter facultativo da visita seja usado como argumento para pleitos de alterações no objeto por parte da contratada, é fundamental que o edital estabeleça a responsabilidade desta última (contratada) pela ocorrência de eventuais prejuízos em virtude de sua omissão na verificação das condições locais para a execução do objeto. Confiram-se precedentes do Tribunal de Contas da União a respeito: Nos casos em que a administração considerar necessária a realização de visita técnica por parte dos licitantes, são irregulares, em regra, as seguintes situações: (i) ausência de previsão no edital de substituição da visita por declaração de pleno conhecimento do objeto; (ii) exigência de que a vistoria seja realizada pelo responsável técnico pela execução da obra; (iii) obrigatoriedade de agendamento da visita ou de assinatura em lista de presença (Acórdão nº 2361/2018 – Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman, Processo nº 008.683/2018-2); 1.6.1. dar ciência, com amparo no art. 7º da Resolução – TCU 265/2014, ao [...], para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de ocorrência semelhante, de que: [...] 1.6.1.2. não foi devidamente justificada a vistoria obrigatória exigida pelo edital de abertura, de modo a demonstrar que tal exigência era imprescindível para a execução

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contratual, em dissonância com a jurisprudência do Tribunal que entende que a vistoria deve ser uma faculdade e não uma obrigação imposta ao licitante, incluindo, no caso de visita técnica facultativa, cláusula no edital que estabeleça ser de responsabilidade do contratado a ocorrência de eventuais prejuízos em vista de sua omissão na verificação dos locais de prestação, a fim de proteger o interesse da Administração (Acórdãos 983/2008, 2.395/2010, 2.990/2010, 1.842/2013, 2.913/2014, 234/2015, 372/2015, 1447/2015 e 3.472/2012, todos do Plenário); (Acórdão nº 5/2016 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 024.279/2015-3); 9.3. dar ciência à [...] de que a visita técnica prevista no art. 30, inciso III, da Lei 8.666/1993 deve ser exigida somente quando justificável e pode ser substituída por declaração formal assinada pela empresa proponente, sob as penalidades da lei, de que tem pleno conhecimento das condições e peculiaridades inerentes à natureza e ao local dos trabalhos e de que não alegará desconhecimento para quaisquer questionamentos futuros que ensejem avenças técnicas ou financeiras com o contratante; (Acórdão nº 5.665/2015 – Segunda Câmara, Rel. Min. Ana Arraes, Processo nº 011.985/2015-1); 9.2. dar ciência ao [...] de que: [...] 9.2.2. deve evitar, salvo em situações excepcionais devidamente justificadas, exigir visita técnica pelos interessados nas licitações, eis que sua substituição por declaração formal assinada pela empresa, sob as penalidades da lei, de que tem pleno conhecimento das condições locais e peculiaridades inerentes à natureza dos trabalhos e não alegará desconhecimento para quaisquer questionamentos futuros de caráter técnico ou financeiro, atende o art. 30, inciso III, da Lei nº 8.666/1993 sem comprometer a competitividade do certame; (Acórdão nº 1.564/2015 – Segunda Câmara, Rel. Min. Ana Arraes, Processo nº 011.069/2014-7); 9.7.5. a exigência de visita técnica à obra, verificada nos editais nos Pregões Presenciais 15/2009 e 18/2009, sem alternativa de apresentação, pelo licitante, de declaração formal assinada pelo responsável técnico acerca do conhecimento pleno das condições e peculiaridades da obra, além de não ser medida imprescindível para caracterização do objeto, implica frustração ao caráter competitivo da licitação, em contrariedade ao disposto no inciso I, § 1º, art. 3º da Lei nº 8.666/1993; (Acórdão nº 538/2015 – Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, Processo nº 011.817/2010-0). Assim, atribuindo-se o caráter facultativo à vistoria (ou visita técnica), consoante assentado pela Corte de Contas federal, cumpre ao órgão licitante elaborar modelo de documento anexo ao edital, contemplando a declaração formal assinada pela empresa proponente, sob as penalidades da lei, de que tem pleno conhecimento das condições e peculiaridades inerentes à natureza e ao local dos trabalhos e de que não alegará desconhecimento para quaisquer questionamentos futuros que ensejem avenças técnicas ou financeiras com o contratante. Além de o edital, no campo pertinente à qualificação técnica, estabelecer as condições atinentes à realização de visita técnica ou vistoria e seu caráter facultativo, integrarão o edital da licitação como anexos: (a) modelo de atestado de visita técnica a ser assinado pelo agente público responsável pelo seu acompanhamento; e (b) modelo de declaração a ser assinada pela empresa proponente, sob as penalidades da lei, de que tem pleno conhecimento das condições e peculiaridades inerentes à natureza e ao local dos trabalhos e de que não alegará desconhecimento para quaisquer questionamentos futuros que ensejem avenças técnicas ou financeiras com o órgão contratante. Ainda, a estipulação de que a visita técnica ocorra num único dia é restritiva da competição, dado não conferir aos licitantes tempo suficiente para a finalização de suas propostas. O prazo estabelecido no edital para tanto deve ser suficiente para que estes tomem conhecimento das peculiaridades que possam influenciar no fornecimento do objeto licitado e revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE na formulação das propostas, possibilitando, ainda, a um maior número possível de interessados, conhecer as condições locais para a execução do objeto. Assegura-se ampliação da competição respeitando-se o prazo mínimo entre a publicação do aviso de edital e a apresentação da proposta. Da jurisprudência do Tribunal de Contas da União extrai-se que: A realização de vistoria técnica não deve estar limitada a um único dia e horário. (Acórdão nº 1.948/2011 – Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Processo nº 005.929/2011-3) • estabelecer a quantidade estimada de deslocamentos e a necessidade de hospedagem dos empregados, com as respectivas estimativas de despesa, nos casos em que a execução de serviços eventualmente venha a ocorrer em localidades distintas da sede habitual da prestação do serviço; • estabelecer obrigações da contratante e da contratada, incluindo deveres específicos e compatíveis com o objeto; e) modelo de execução do objeto: • descrever a dinâmica do contrato, devendo constar, sempre que possível: a definição de prazo para início da execução do objeto a partir da assinatura do contrato, do aceite, da retirada do instrumento equivalente ou da ordem de serviços, devendo ser compatível com a necessidade, a natureza e a complexidade do objeto; atentar que o prazo mínimo previsto para início da prestação de serviços deverá ser o suficiente para possibilitar a preparação do prestador para o fiel cumprimento do contrato. • a descrição detalhada dos métodos ou rotinas de execução do trabalho e das etapas a serem executadas; • a localidade, o horário de funcionamento, dentre outros; • a definição das rotinas da execução, a frequência e a periodicidade dos serviços, quando couber; • os procedimentos, metodologias e tecnologias a serem empregadas, quando for o caso; • os deveres e disciplina exigidos; • o cronograma de realização dos serviços, incluídas todas as tarefas significativas e seus respectivos prazos; Cronograma físico-financeiro A elaboração do cronograma físico-financeiro é da competência da administração pública, conforme se extrai dos seguintes dispositivos da Lei nº 8.666/93: Art. 7º [...] § 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: [...] III – houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma; [...] Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: [...] XIV – condições de pagamento, prevendo: [...] b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros;

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O Decreto nº 5.450/05 também alude à competência para a elaboração do cronograma físico-financeiro: Art. 9º Na fase preparatória do pregão, na forma eletrônica, será observado o seguinte: […] § 1º A autoridade competente motivará os atos especificados nos incisos II e III, indicando os elementos técnicos fundamentais que o apóiam, bem como quanto aos elementos contidos no orçamento estimativo e no cronograma físico-financeiro de desembolso, se for o caso, elaborados pela administração. § 2º O termo de referência é o documento que deverá conter elementos capazes de propiciar avaliação do custo pela administração diante de orçamento detalhado, definição dos métodos, estratégia de suprimento, valor estimado em planilhas de acordo com o preço de mercado, cronograma físico-financeiro, se for o caso, critério de aceitação do objeto, deveres do contratado e do contratante, procedimentos de fiscalização e gerenciamento do contrato, prazo de execução e sanções, de forma clara, concisa e objetiva. Importante, pois, na hipótese de o objeto ser executado em etapas, é a elaboração do cronograma físico-financeiro, a cargo do órgão licitante e não do licitante ou vencedor da disputa. • demais especificações que se fizerem necessárias para a execução dos serviços. f ) definir o método para quantificar os volumes de serviços a demandar ao longo do contrato, se for o caso, devidamente justificado; g) definir os mecanismos para os casos em que houver a necessidade de materiais específicos, cuja previsibilidade não se mostra possível antes da contratação, se for o caso; h) definir o modelo de ordem de serviço que será utilizado nas etapas de solicitação, acompanhamento, avaliação e atestação dos serviços, sempre que a prestação do serviço seja realizada por meio de tarefas específicas ou em etapas e haja necessidade de autorização expressa prevista em contrato, conforme modelo previsto no Anexo V-A da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, devendo conter, no mínimo: a identificação do pedido; a identificação da contratada; a definição e especificação dos serviços a serem realizados; a prévia estimativa da quantidade de horas demandadas na realização da atividade designada, com a respectiva metodologia utilizada para a sua quantificação, nos casos em que a única opção viável for a remuneração de serviços por horas trabalhadas; demais detalhamentos compatíveis com a forma da prestação dos serviços; o local de realização dos serviços; os critérios de avaliação dos serviços a serem realizados; e a identificação dos responsáveis pela solicitação, avaliação e ateste dos serviços realizados, os quais não podem ter nenhum vínculo com a empresa contratada; i) a contratação de serviços de natureza intelectual ou outro serviço que o órgão ou entidade identifique a necessidade, deverá ser estabelecida como obrigação da contratada realizar a transição contratual com transferência de conhecimento, tecnologia e técnicas empregadas, sem perda de informações, podendo exigir, inclusive, a capacitação dos técnicos da contratante ou da nova empresa que continuará a execução dos serviços; j) definir com base nas informações dos estudos preliminares: • se haverá ou não possibilidade de subcontratação de parte do objeto, e, em caso afirmativo, identificar a parte que pode ser subcontratada; Subcontratação Consoante o art. 78, VI, da Lei nº 8.666/93, constitui motivo de rescisão de contrato a subcontratação total ou parcial do seu objeto, não admitida no edital e no contrato. A subcontratação total configura burla à regra da licitação, sendo vedada. A subcontratação parcial do objeto contratado é admitida e não necessita ter expressa previsão no edital ou no contrato, ou seja, a omissão nesses instrumentos não obsta a subcontratação de partes da obra, serviço ou fornecimento, quando fato superveniente e excepcional a demandar, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE por isso, salutar que o projeto básico ou termo de referência não vede a subcontratação. Diante do universo de situações que podem surgir durante a execução contratual, entre elas a demanda por um serviço de natureza peculiar que a subcontratação pode solucionar com maior presteza e/ou qualidade, admite-se o repasse de parte de sua execução a um terceiro qualificado para esse fim, mesmo que inexistente previsão no edital ou contrato. Precedente do Tribunal de Contas da União assim esclarece: A subcontratação parcial de serviços, ao contrário da subcontratação total, é legalmente admitida (art. 72 da Lei nº 8.666/93), razão pela qual não requer expressa previsão no edital ou no contrato, bastando que estes instrumentos não a vedem. (Acórdão nº 2198/2015 – Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Processo nº 012.611/2006-9). • se haverá ou não obrigação de subcontratação de parte do objeto de ME ou EPP; Decreto nº 8.538/15: Art. 7º Nas licitações para contratação de serviços e obras, os órgãos e as entidades contratantes poderão estabelecer, nos instrumentos convocatórios, a exigência de subcontratação de microempresas ou empresas de pequeno porte, sob pena de rescisão contratual, sem prejuízo das sanções legais, determinando: I – o percentual mínimo a ser subcontratado e o percentual máximo admitido, a serem estabelecidos no edital, sendo vedada a sub-rogação completa ou da parcela principal da contratação; II – que as microempresas e as empresas de pequeno porte a serem subcontratadas sejam indicadas e qualificadas pelos licitantes com a descrição dos bens e serviços a serem fornecidos e seus respectivos valores; III – que, no momento da habilitação e ao longo da vigência contratual, seja apresentada a documentação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas, sob pena de rescisão, aplicando-se o prazo para regularização previsto no § 1º do art. 4º; IV – que a empresa contratada comprometa-se a substituir a subcontratada, no prazo máximo de trinta dias, na hipótese de extinção da subcontratação, mantendo o percentual originalmente subcontratado até a sua execução total, notificando o órgão ou entidade contratante, sob pena de rescisão, sem prejuízo das sanções cabíveis, ou a demonstrar a inviabilidade da substituição, hipótese em que ficará responsável pela execução da parcela originalmente subcontratada; e V – que a empresa contratada responsabilize-se pela padronização, pela compatibilidade, pelo gerenciamento centralizado e pela qualidade da subcontratação. § 1º Deverá constar do instrumento convocatório que a exigência de subcontratação não será aplicável quando o licitante for: I – microempresa ou empresa de pequeno porte; II – consórcio composto em sua totalidade por microempresas e empresas de pequeno porte, respeitado o disposto no art. 33 da Lei nº 8.666, de 1993; e III – consórcio composto parcialmente por microempresas ou empresas de pequeno porte com participação igual ou superior ao percentual exigido de subcontratação. § 2º Não se admite a exigência de subcontratação para o fornecimento de bens, exceto quando estiver vinculado à prestação de serviços acessórios. § 3º O disposto no inciso II do caput deverá ser comprovado no momento da aceitação, na hipótese de a modalidade de licitação ser pregão, ou no momento da habilitação, nas demais modalidades, sob pena de desclassificação. § 4º É vedada a exigência no instrumento convocatório de subcontratação de itens ou parcelas determinadas ou de empresas específicas.

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§ 5º Os empenhos e pagamentos referentes às parcelas subcontratadas serão destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas. § 6º São vedadas: I – a subcontratação das parcelas de maior relevância técnica, assim definidas no instrumento convocatório; II – a subcontratação de microempresas e empresas de pequeno porte que estejam participando da licitação; e III – a subcontratação de microempresas ou empresas de pequeno porte que tenham um ou mais sócios em comum com a empresa contratante. • se haverá ou não possibilidade de as empresas concorrerem em consórcio. Formação de consórcio É ato discricionário da administração a decisão quanto à participação ou não de consórcios na licitação, todavia exigente de motivação, ou seja, a explicitação dos pressupostos de fato e de direito que lhe dão sustentação, em homenagem à ampliação da competitividade. São precedentes do Tribunal de Contas da União a respeito: Cabe ao administrador a opção de permitir ou não a associação de licitantes em consórcio, devendo justificar técnica e economicamente a decisão. (Acórdão nº 2.303/2015 – Plenário, Rel. Min. José Múcio Monteiro, Processo nº 034.010/2011-4); 1.7.2.2. vedar a participação de consórcios sem a devida motivação contraria a jurisprudência do TCU (Acórdãos 1.636/2007-Plenário, 963/2011-2ª Câmara e 1.165/2012-Plenário) e pode ocasionar restrição indevida à competitividade da licitação (Acórdão nº 711/2014 – Primeira Câmara, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 022.936/2013-0). k) modelo de gestão do contrato e critérios de medição e pagamento: Fixação das condições para a execução do contrato Compete ao órgão licitante definir, no projeto básico ou termo de referência, as condições adequadas para a execução do serviço, obrigações e responsabilidades aplicáveis. Não é a contratada (ou empresa vencedora da licitação) que define as condições para execução do objeto, o prazo para tal e as obrigações. A fixação das condições e prazo para a execução/conclusão do objeto, obrigações e responsabilidades das partes compete exclusivamente ao edital, ou seja, ao órgão licitante, conforme disposto nos artigos 40, II, e 55, IV, da Lei nº 8.666/93. • definir os atores que participarão da gestão do contrato; • definir os mecanismos de comunicação a serem estabelecidos entre o órgão e a prestadora de serviços; • atentar que, no caso de serviços que devam ser implementados por etapas, os pagamentos à contratada devem ser realizados em conformidade com esses critérios; • definir a forma de aferição/medição do serviço para efeito de pagamento com base no resultado, conforme as seguintes diretrizes, no que couber: estabelecer a unidade de medida adequada para o tipo de serviço a ser contratado, de forma que permita a mensuração dos resultados para o pagamento da contratada e elimine a possibilidade de remunerar as empresas com base na quantidade de horas de serviço ou por postos de trabalho, observando que: excepcionalmente poderá ser adotado critério de remuneração da contratada por quantidade de horas de serviço, devendo ser definido o método de cálculo para quantidade, qualificação da mão de obra e tipos de serviços sob demanda, bem como para manutenção preventiva, se for o caso; • estabelecer a produtividade de referência ou os critérios de adequação do serviço à qualidade esperada, de acordo com a unidade de medida adotada para a execução do objeto, sendo expressa pelo quantitativo físico do serviço ou por outros mecanismos capazes de aferir a qualidade, seguindo-se, entre outros, os parâmetros indicados nos Cadernos de Logística; revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE • identificar os indicadores mínimos de desempenho para aferição da qualidade esperada da prestação dos serviços, com base nas seguintes diretrizes: considerar as atividades mais relevantes ou críticas que impliquem na qualidade da prestação dos serviços e nos resultados esperados; prever fatores que estejam fora do controle do prestador e que possam interferir no atendimento das metas; os indicadores deverão ser objetivamente mensuráveis e compreensíveis, de preferência facilmente coletáveis, relevantes e adequados à natureza e características do serviço; evitar indicadores complexos ou sobrepostos. • descrever detalhadamente os indicadores mínimos de desempenho esperados, em relação à natureza do serviço, com a finalidade de adequar o pagamento à conformidade dos serviços prestados e dos resultados efetivamente obtidos, devendo conter, dentre outros requisitos: indicadores e metas estipulados de forma sistemática, de modo que possam contribuir cumulativamente para o resultado global do serviço e não interfiram negativamente uns nos outros; indicadores que reflitam fatores que estão sob controle do prestador do serviço; metas realistas e definidas com base em uma comparação apropriada; previsão de nível de desconformidade dos serviços que, além do redimensionamento dos pagamentos, ensejará penalidades à contratada e/ou a rescisão unilateral do contrato; registros, controles e informações que deverão ser prestados pela contratada, se for o caso; previsão de que os pagamentos deverão ser proporcionais ao atendimento das metas estabelecidas no ato convocatório, observando-se o seguinte: as adequações nos pagamentos estarão limitadas a uma faixa específica de tolerância, abaixo da qual o fornecedor se sujeitará ao redimensionamento no pagamento e às sanções legais, se for o caso; na determinação da faixa de tolerância, considerar-se-á a importância da atividade, com menor ou nenhuma margem de tolerância para as atividades consideradas relevantes ou críticas; e o não atendimento das metas, por ínfima ou pequena diferença, em indicadores não relevantes ou críticos, a critério do órgão ou entidade, poderá ser objeto apenas de notificação nas primeiras ocorrências, de modo a não comprometer a continuidade da contratação. • definir os demais mecanismos de controle que serão utilizados para fiscalizar a prestação dos serviços, adequados à natureza dos serviços, quando couber; • definir o método de avaliação da conformidade dos produtos e dos serviços entregues com relação às especificações técnicas e com a proposta da contratada, com vistas ao recebimento provisório; • definir o método de avaliação da conformidade dos produtos e dos serviços entregues com relação aos termos contratuais e com a proposta da contratada, com vistas ao recebimento definitivo; Recebimentos provisório e definitivo De acordo com o art. 40, § 2º, da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, o recebimento provisório dos serviços ficará a cargo do fiscal técnico, administrativo ou setorial, quando houver, e o recebimento definitivo, a cargo do gestor do contrato. • definir o procedimento de verificação do cumprimento da obrigação da contratada de manter todas as condições nas quais o contrato foi assinado durante todo o seu período de execução; • definir uma lista de verificação para os aceites provisório e definitivo, a serem usadas durante a fiscalização do contrato, se for o caso; • definir as sanções, glosas e condições para rescisão contratual, devidamente justificadas e os respectivos procedimentos para aplicação, utilizando como referencial os modelos de minutas padronizados de atos convocatórios e contratos da Advocacia-Geral da União, bem como às seguintes diretrizes: relacionar as sanções previstas nas Leis nº 8.666/93, e nº 10.520/02, conforme o caso, às obrigações da contratada estabelecidas no modelo de execução do objeto; definir o rigor das sanções, de modo que sejam proporcionais ao prejuízo

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causado pela desconformidade; no caso de multa: definir o cálculo da multa por atraso (injustificado) para início ou atraso durante a execução da prestação dos serviços; definir a forma de cálculo da multa de modo que seja o mais simples possível; definir as providências a serem realizadas no caso de multas reincidentes e cumulativas, a exemplo de rescisão contratual; definir o processo de aferição do nível de desconformidade dos serviços que leva à multa; definir as condições para aplicações de glosas, bem como as respectivas formas de cálculo. Norma Operacional 2 DIRAD, de 17 de março de 2017 No tocante à aplicação de sanções e sua dosimetria, observar a aplicabilidade da Norma Operacional 2 DIRAD, de 17 de março de 2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. • definir as garantias de execução contratual, quando necessário. Garantia da execução A garantia contratual prevista no art. 56 da Lei nº 8.666/93 pode ser exigida em licitações envolvendo contratações de obras, serviços e compras, independente do valor estimado do objeto e da modalidade licitatória. Da garantia contratual prestada na forma estabelecida pelo art. 56 da Lei nº 8.666/93, pode-se descontar o valor da multa moratória ou compensatória aplicada ao contratado, na hipótese deste não honrar o pagamento no prazo e modo estabelecidos na decisão administrativa que o condenou (arts. 86, § 2º e 87, § 1º, da Lei nº 8.666/93). Na hipótese de rescisão contratual unilateral determinada pela administração, é possível executar a garantia contratual para ressarcimento da administração diante de prejuízos causados pelo contratado e dos valores das multas e indenizações a ela devidos (art. 80, III, da Lei nº 8.666/93). Para que seja prestada a garantia pelo vencedor da licitação, no entanto, é necessário que a exigência e suas condições constem no edital da licitação e, ainda, formalização de suas cláusulas, em conformidade com o edital, em minuta de termo de contrato. l) forma de seleção do fornecedor: • estabelecer a classificação dos serviços, conforme artigos 14 e 15 da Instrução Normativa e Decreto nº 9.507/18; • identificar a forma de selecionar o fornecedor (licitação, inexigibilidade, dispensa), justificando a escolha; • no caso de a seleção do fornecedor ocorrer por processo licitatório, enquadrar o serviço como comum ou não, para fins do disposto no art. 4º do Decreto nº 5.450/05. m) critérios de seleção do fornecedor: • definir os critérios de habilitação indicados para a contratação, atentando para: analisar e identificar os critérios de qualificação econômico-financeiras a serem exigidos, considerando a prestação dos serviços e os riscos da contratação; analisar e identificar os critérios de qualificação técnica a serem exigidos, considerando a prestação dos serviços e os riscos da contratação; Requisitos de habilitação Rol taxativo de documentos de habilitação Dispõe o art. 40, inciso VI, da Lei nº 8.666/93, que o edital da licitação deverá prever as condições para participação na licitação, em conformidade com os artigos 27 a 31 da mesma Lei. Ou seja, o dispositivo limita as possíveis exigências de habilitação dos licitantes aos requisitos expressos nesses artigos. Do advérbio “exclusivamente”, constante do art. 27, caput, da Lei nº 8.666/93, deduzse que nada mais poderá ser exigido na licitação além da documentação mencionada nos artigos 27 a 31 da Lei, excetuada exigência prevista em lei especial, como ressalva o art. 30, inciso IV (art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: […] IV – prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso). revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE Da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 3, de 2018, colhe-se que: Art. 26. O instrumento convocatório não poderá conter cláusulas que excedam as exigências contidas nos arts. 28 a 31 da Lei nº 8.666, de 1993, salvo quando os assuntos estiverem previstos em legislação específica. A legislação específica a que alude a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 3, de 2018 refere-se à prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso, exigência de qualificação técnica prevista no art. 30, IV, da Lei nº 8.666/93. Os artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666/93, portanto, relacionam e limitam os documentos a serem exigidos em licitações, sendo aplicáveis à modalidade pregão (Lei nº 10.520/02). A indicação e a limitação dos documentos que podem ser exigidos dos licitantes na fase de habilitação, previstas em lei geral de edição privativa da União (art. 22, XXVII, CR/88), almejam conferir segurança jurídica à administração e aos interessados em participar dos certames competitivos. Qualificação técnica O conteúdo e a extensão da qualificação técnica dependem diretamente do objeto da licitação. Ao defini-lo, a administração está, implicitamente, delimitando a qualificação técnica que os eventuais interessados em participar da licitação deverão apresentar. Exigências de qualificação técnica excessivas ou desarrazoadas ferem a sistemática constitucional acerca da universalidade de participação em licitações, porquanto a Constituição Federal determina apenas a admissibilidade de exigências mínimas possíveis. Veja-se o que deliberou o Tribunal de Contas da União sobre o limite de exigências de qualificação técnica: É exaustiva a lista de requisitos para habilitação técnica de licitantes previstos no art. 30 da Lei nº 8.666/1993, sendo impossível a definição infralegal de novos requisitos. (Acordão nº 4.788/2016 – Primeira Câmara, Rel. Min. Bruno Dantas, Processo nº 001.103/2015-6) Qualificação econômico-financeira Editais de licitação costumam exigir a comprovação da qualificação econômico-financeira por meio da apresentação de certidão negativa de falência, balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social e comprovação de patrimônio líquido [ou capital social]. É fundamental aquilatar, em vista do valor atribuído ao item da licitação, sua complexidade e/ou riscos que representam, a razoabilidade de tais exigências, as quais, se excessivas, podem restringir a competitividade. Dispõe a Constituição Federal que: Art. 37 [...] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Veja-se, ainda, o que dispõe o Decreto nº 8.538/15: Art. 3º Na habilitação em licitações para o fornecimento de bens para pronta entrega ou para a locação de materiais, não será exigida da microempresa ou da empresa de pequeno porte a apresentação de balanço patrimonial do último exercício social. A Lei nº 8.666/93 preceitua que: Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa,

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vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta; II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física; III – garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no “caput” e § 1º do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação. Estabelece a Lei nº 10.520/02 que: Art. 4º [...] XIII – a habilitação far-se-á com a verificação de que o licitante está em situação regular perante a Fazenda Nacional, a Seguridade Social e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso, com a comprovação de que atende às exigências do edital quanto à habilitação jurídica e qualificações técnica e econômico-financeira; O art. 31 da Lei nº 8.666/93, aplicável subsidiariamente à modalidade pregão por força do disposto no art. 9º da Lei nº 10.520/02, não obriga a administração pública e exigir requisitos de qualificação econômico-financeira em toda e qualquer licitação, apenas relaciona e limita os documentos a serem exigidos quando necessária a verificação da idoneidade financeira da sociedade empresária licitante para o efetivo cumprimento das obrigações contratuais. A decisão sobre a exigência de qualificação econômico-financeira constitui juízo discricionário do administrador público, previsto na Constituição Federal. De acordo com o seu art. 37, XXI, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A decisão e a escolha dos requisitos de qualificação econômico-financeira, portanto, farse-ão caso a caso, na fase interna do procedimento licitatório, em face das circunstâncias, riscos e peculiaridades do objeto e das necessidades que a administração pública deve realizar. Requisitos de qualificação técnica e de qualificação econômico-financeira – licitação dividida em itens ou grupos/lotes Na fase interna da licitação, ou seja, antes da publicação do edital ou expedição do convite, cumpre ao órgão licitante ponderar e definir quais requisitos de qualificação técnica e de qualificação econômico-financeira são importantes para a aferição da capacidade técnica e/ou idoneidade financeira do participante do certame para o cumprimento das obrigações contratuais. Dispõe a Constituição Federal que: Art. 37 [...] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Estabelece a Lei nº 8.666/93 que: Art. 3º [...] § 1º É vedado aos agentes públicos: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; Por fim, a Súmula 247 do Tribunal de Contas da União dispõe que: É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade. À luz do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, do art. 3º da Lei nº 8.666/93, e da Súmula 247 do Tribunal de Contas da União, para cada item (ou grupo/lote) em disputa as regras licitatórias aplicam-se como se fossem em certames diferentes. Isso porque, em licitação dividida em itens (ou grupos/lotes), cada item (ou grupo/lote) constitui uma licitação separada, isolada das demais, com julgamento, habilitação e adjudicação próprios. Definem-se, pois, os requisitos de qualificação técnica e de qualificação econômicofinanceira em conformidade com o valor/complexidade/risco do objeto (preço global) ou em conformidade com o valor/complexidade/risco do item ou grupo/lote da licitação. Podem ser exigidos requisitos maiores, mas limitados àqueles previstos nos artigos 30 e 31 da Lei nº 8.666/93, para item (ou grupo/lote) de maior valor e/ou complexidade e/ou risco. Podem ser reduzidos os requisitos para o item (ou grupo/lote) de menor valor e/ou complexidade e/ou risco. Tal orientação tem por fundamento o disposto na parte final da Súmula nº 247 do Tribunal de Contas da União (“... devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade”). De acordo com o Tribunal de Contas da União, a exigência de documentos que comprovem a qualificação técnica e a capacidade econômico-financeira das licitantes, desde que compatíveis com o objeto a ser licitado, não é apenas uma faculdade, mas um dever da administração, devendo ser essa exigência a mínima capaz de assegurar que a empresa contratada estará apta a fornecer os bens ou serviços pactuados. (Acórdão nº 891/2018 – Plenário, Rel. Min. José Mucio Monteiro, Processo nº 005.316/2018-9). Licença Dispõe a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, sobre a exigência de licenças que: 2.2. Exigências de comprovação de propriedade, apresentação de laudos e licenças de qualquer espécie só serão devidas pelo vencedor da licitação; dos proponentes poder-se-á requisitar tão somente declaração de disponibilidade ou de que a empresa reúne condições de apresentá-los no momento oportuno; Desde que aplicável ao objeto da licitação, a comprovação de licença outorgada por órgão competente deve ser exigida como obrigação contratual, ou seja, do vencedor da disputa, no prazo fixado no termo de referência ou no termo de contrato. E não é só. Devem ser indicados, objetivamente, o órgão/entidade competente para a expedição da licença e a norma que a exige. Extrai-se do decisório do Tribunal de Contas da União: 1.7.1. dar ciência, com base no art. 4º da Portaria Segecex 13/2011, ao [...], das seguintes impropriedades identificadas no Pregão Eletrônico 61/2015, com vistas a evitar a ocorrência de outras semelhantes:

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1.7.1.1. a exigência, na fase de habilitação, de licença ambiental para tratamento de resíduos de saúde, licença ambiental para transporte de resíduos perigosos dentro do estado e licença ambiental para transporte interestadual de resíduos perigosos, contida nos itens 8.3.6.2, 8.3.6.3 e 8.3.6.4 do edital, não encontram respaldo na jurisprudência do TCU, uma vez que já decidiu esta Corte que a licença ambiental deve ser exigida somente do licitante vencedor, como condição indispensável para a celebração do contrato (Acórdão 2.872/2014 – Plenário – Relator José Múcio Monteiro), sendo ilegal a sua exigência como requisito de qualificação técnica, por ferir o rol taxativo do art. 30 da Lei nº 8.666/1993 (Acórdão 1.010/2015 – Plenário – Relator José Múcio Monteiro), bem como sua exigência como requisito de habilitação jurídica, considerando o previsto no art. 28 da Lei nº 8.666/93; (Acórdão nº 815/2016 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 004.984/2016-1); b) dar ciência à [...] acerca das falhas a seguir, identificadas no Edital da Concorrência 4/2015 (processo 1230215/2015), anulada após a autuação do presente processo, de modo a evitar a repetição de tais práticas em licitações cujo objeto seja custeado, ainda que parcialmente, com recursos federais: [...] b.5) exigência de apresentação pelas licitantes, como requisito de habilitação, de licenças ambientais de operação, de transporte e das instalações para destinação final de resíduos sólidos e líquidos provenientes da construção civil ou de termo de compromisso emitido por empresa licenciada (item 3.6.1.4, “d”, do edital), impondo ônus antecipado à licitante interessada e que deveria ser demandada apenas da vencedora do certame, na esteira do decidido nos Acórdãos 125/2011 e 2872/2014 – TCU – Plenário e, ainda, no Acórdão 5900/2010 – TCU – 2ª Câmara. (Acórdão nº 2.492/2015 – Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, Processo nº008.298/2015-7); 9.2. cientificar a […] de que a exigência a todos os licitantes, e não apenas ao vencedor após a fase de adjudicação e anteriormente à assinatura do contrato, de apresentação de licença de operação concedida pelo órgão ambiental, identificada na Concorrência Internacional nº 1/2013 (revogada), contraria as disposições sobre qualificação técnica constantes do art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993 e a jurisprudência desta Corte de Contas (Acórdão nº 2.872/2014 – Plenário, Rel. Min. José Múcio Monteiro, Processo nº 004.419/2014-6); A licença ambiental de operação deve ser exigida apenas do vencedor da licitação (Acórdão nº 125/2011 – Plenário, Rel. Min. André Luís de Carvalho, Processo nº 015.085/2010-4). Alvará Colhe-se do Tribunal de Contas da União os seguintes precedentes: 9.3.2. abstenha-se de exigir dos licitantes a apresentação de autorização de funcionamento de empresa, alvará expedido por órgão de vigilância sanitária ou documentação semelhante, salvo se a existência de algum desses documentos for imposta pelo Poder Público como requisito para funcionamento da empresa, o que deverá ser expressamente indicado no edital mediante citação da norma de regência (Acórdão nº 3.409/2013 – Plenário, Rel. Min. Aroldo Cedraz, Processo nº 041.586/2012-3); Para fins de habilitação jurídica, é vedada a exigência de apresentação de alvará de funcionamento sem a demonstração de que o documento constitui exigência do Poder Público para o funcionamento da licitante, o que deve ser evidenciado mediante indicação expressa da norma de regência no edital da licitação. (Acórdão nº 7.982/2017 – Segunda Câmara, Rel. Min. Ana Arraes, Processo nº 011.702/2017-6). O enquadramento da exigência de alvará, nas condições elencadas pelo Tribunal de Contas da União, ou seja, desde que imposto pelo Poder Público como requisito para funcionamento da sociedade empresária, constitui requisito de habilitação jurídica (art. 28, V, da Lei nº 8.666/93). Nesse caso, devem ser indicados, objetivamente, o órgão/entidade competente para a emissão do alvará e a norma que o exige. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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A aprovação do termo de referência ou projeto básico, pela autoridade competente, está condicionada à análise e juízo favorável acerca das características, condições e custos apresentados para o objeto. A autoridade competente poderá valer-se de laudos ou pareceres técnicos para justificar a decisão. A aprovação não se restringirá a expressões como “Aprovo o termo de referência” ou “Aprovo o projeto básico”. Impõe-se o dever de a autoridade competente motivar o ato administrativo de aprovação, apresentando os elementos de fato e de direito que justificam a decisão.

• definir os critérios técnicos obrigatórios indicados para a contratação que deverão se basear nos requisitos técnicos especificados na seção “Requisitos da contratação”; • definir os critérios de aceitabilidade de preços, com fixação de preços máximos aceitáveis, tanto globais quanto unitários; Fixação de preço máximo Extrai-se da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, que o único critério de aceitabilidade de proposta de menor valor admitido na contratação de serviços terceirizados baseia-se no preço máximo fixado pela administração. Confiram-se os itens a respeito: 2. São diretrizes específicas a cada elemento do Termo de Referência ou Projeto Básico: [...] 2.8. Critérios de seleção do fornecedor: [...] d) Definir os critérios de aceitabilidade de preços, com fixação de preços máximos aceitáveis, tanto globais quanto unitários; [...] 2.9. Estimativa de preços e preços referenciais: [...] b) No caso de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, o custo estimado da contratação deve contemplar o valor máximo global e mensal estabelecido em decorrência da identificação dos elementos que compõem o preço dos serviços, definidos da seguinte forma: [...] 9. Da desclassificação das propostas: [...] 9.1. Serão desclassificadas as propostas que: [...] c) apresentarem preços finais superiores ao valor máximo estabelecido pelo órgão ou entidade contratante no ato convocatório; O art. 40, X, da Lei nº 8.666/1993 admite a fixação de preço máximo como critério de aceitabilidade das propostas. Significa que, dispondo a administração de meios para conhecer os preços praticados no mercado e dependendo do objeto da licitação, poderá optar pela limitação de preço, desclassificando propostas que sejam superiores ao máximo fixado no edital. Referido dispositivo faculta à administração pública a fixação de preço máximo nas licitações, o qual propicia a todos os interessados o conhecimento antecipado do limite máximo que a administração pretende pagar pelo objeto. Já o art. 43, IV, da Lei nº 8.666/1993 permite que a licitação seja processada e julgada mediante a verificação da exata correspondência de cada proposta aos requisitos do edital

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e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou, ainda, com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente lançados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis. O critério de aceitabilidade das propostas, com base no exame da compatibilidade dos valores ofertados com aqueles estimados pela administração na fase interna do procedimento licitatório, admite aquelas (propostas) superiores ao valor estimado, exigindo-se, neste caso, por parte da comissão de licitação ou do pregoeiro, a explicitação dos motivos da aceitação do preço. O Tribunal de Contas da União anotou que o valor orçado pela administração pública, ou seja, aquele resultante de pesquisa de preços praticados no mercado, pode ser definido como o preço máximo a ser praticado em determinada licitação, mas não necessariamente. Assim: 4.1 Com as vênias de praxe, entendo que se possa, também, excluir, como fundamento de eventual multa, o fato indicado na alínea “a” supra, pois verifico que o valor aceito foi apenas 2% acima do estimado, o que me leva a considerá-lo irrelevante para subsidiar uma apenação ao pregoeiro (valor de referência: R$680.000,00/mês e valor contrato: R$694.138,27/ mês – peça 35/fl. 33 e peça 36/fl. 24). 4.2 Vale lembrar que este Tribunal, por meio da Súmula nº 259/2010 deixou assente que a fixação de preços máximos, unitários e globais, é obrigação do gestor apenas quando se trata de obras e serviços de engenharia. Não se tratando desses objetos, essa fixação é meramente facultativa. Como já registrei em outros processos por mim relatados, “valor de referência” ou simplesmente “valor estimado” não se confunde com “preço máximo”. O valor orçado, a depender de previsão editalícia, pode eventualmente ser definido como o preço máximo a ser praticado em determinada licitação, mas não necessariamente. São conceitos distintos, que não se confundem. (grifamos) 4.3 Portanto, para contratações como a que aqui se examina (prestação de serviço médico hospitalar), a fixação de preços máximos não é obrigatória. Nessas condições e considerando a pouca representatividade da diferença entre os valores de referência e o contratado (2%), penso que se possa excluir o fato das razões para apenação do recorrente. (Acórdão nº 6.452/2014 – Segunda Câmara, Rel. Min. José Jorge, Processo nº 015.108/2009-4); [...] 3. “Orçamento” ou “valor orçado” ou “valor de referência” ou simplesmente “valor estimado” não se confunde com “preço máximo”. O “valor orçado”, a depender de previsão editalícia, pode eventualmente ser definido como o “preço máximo” a ser praticado em determinada licitação, mas não necessariamente. (Acórdão nº 392/2011 – Plenário, Rel. Min. José Jorge, Processo nº 033.876/2010-0). Em outro julgado, a Corte de Contas federal assentou que nas licitações regidas pela Lei nº 8.666/1993, o valor orçado não se confunde com o preço máximo, a menos que o instrumento convocatório estabeleça tal condição. Não sendo ela estabelecida, a contratação por preço superior ao orçado deve ser justificada. Confira-se: Representação formulada ao TCU apontou possível irregularidade em convite promovido pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), cujo objeto era a locação de embarcações. De acordo com o representante, o preço final contratado teria sido 6,32% superior ao valor orçado pela Petrobras, à evidência de sobrepreço. Após apreciar as razões de justificativa dos responsáveis ouvidos em audiência, a unidade técnica propôs que lhes fosse aplicada multa, bem como expedida determinação à entidade para que repactuasse o contrato firmado com a vencedora do certame. Ao discordar da unidade instrutiva, o relator pontuou que “a Lei de Licitações e Contratos estabelece que o preço da proposta vencedora deve estar compatível com os preços de mercado, sem embargo de prever a possibilidade de a entidade licitante estabelecer, no edital, que o valor global não poderá exceder determinado limite, tal como revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE disposto no art. 48, inciso II”. A corroborar sua assertiva, o relator invocou o Acórdão 392/2011 Plenário, no qual restou assente que “o valor orçado não se confunde com preço máximo, a menos que o edital estabeleça tal condição”, e que a fixação do preço máximo só é obrigatória na contratação de obras e serviços de engenharia, conforme a Súmula TCU 259. Nesse contexto, cumpriria então averiguar se o instrumento convocatório da licitação em exame estabelecera o preço constante do orçamento como limite máximo para aceitabilidade das propostas. Após transcrever o item do convite relativo ao julgamento das propostas, o relator concluiu que o orçamento não fora fixado como preço máximo aceitável pela Petrobras, inexistindo, dessa forma, afronta ao instrumento convocatório. Ponderou, contudo, restar como impropriedade “uma aparente insuficiência na justificativa da contratação por preço superior ao orçado”, sendo bastante, a seu ver, dar ciência à entidade. (Acórdão nº 1.549/2017 – Plenário, Rel. Min. José Múcio Monteiro, Processo nº 010.612/2016-5). Ainda segundo a Corte de Contas federal, a fixação de preço máximo como critério de aceitabilidade das propostas, na modalidade pregão, traduz juízo discricionário da administração. Veja-se: Representação relativa a pregão eletrônico para registro de preços, promovido pelo [...], objetivando a contratação de serviços de criação de leiaute da Carteira de Identidade Profissional, produção, personalização de cartões em policarbonato e outros, apontara, dentre outras irregularidades, a ausência de valor estimado da contratação. Ao examinar o caso, o relator destacou que a jurisprudência do Tribunal é firme no sentido de que “na licitação na modalidade pregão, o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários não constitui um dos elementos obrigatórios do edital, mas deve estar inserido obrigatoriamente no bojo do processo relativo ao certame. Todavia, sempre que o preço de referência ou o preço máximo fixado pela Administração for utilizado como critério de aceitabilidade de preços, a sua divulgação em edital torna-se obrigatória”. Sobre o assunto, relembrou o relator o voto condutor do Acórdão 392/2011 – Plenário, segundo o qual, no pregão, “caberá aos gestores/pregoeiros (...) a avaliação da oportunidade e conveniência de incluir tais orçamentos – e os próprios preços máximos, se a opção foi a sua fixação – no edital, informando nesse caso, no próprio ato convocatório, a sua disponibilidade aos interessados e os meios para obtê-los”. Ressalvara, contudo, a deliberação que “na hipótese de o preço de referência ser utilizado como critério de aceitabilidade de preços, a divulgação no edital é obrigatória”, tendo em vista que “qualquer regra, critério ou hipótese de desclassificação de licitante deve estar, por óbvio, explicitada no edital, nos termos do art. 40, X, da Lei nº 8.666/1993”. Considerando que o certame encontrava-se suspenso por iniciativa do CRBM-3ª Região para a correção das impropriedades apontadas, o Tribunal acolheu o voto do relator, julgando parcialmente procedente a Representação, cientificando o órgão de que “na hipótese de o preço de referência ser utilizado como critério de aceitabilidade, a sua divulgação no edital é obrigatória, nos termos do art. 40, X, da Lei nº 8.666/1993” (Acórdão nº 2.166/2014 – Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, Processo nº 011.468/2014-9. Informativo de licitações e contratos nº 211, de 2014). Para o TCU, quando adotado o critério de julgamento de propostas baseado na compatibilidade com o preço estimado pela administração, inexiste percentual aceitável de sobrepreço em relação ao valor global de serviços. A jurisprudência predominante da Corte assinala que não há margem de tolerância de sobrepreço e que situações excepcionais devem ser analisadas à luz de suas particularidades (Acórdãos de nº 1894/2011, 1155/2012, 3095/2014, 2132/2015 e 3021/2015, todos do Plenário, dentre outros). O fato de a Corte ter excepcionalmente admitido, ao analisar casos concretos, que valores pouco acima dos preços referenciais podem ser considerados variações normais de mercado, não significa dizer que exista alguma faixa de tolerância que possa ser entendida como normal

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ou aplicável generalizadamente (Acórdão nº 1.894/2016 – Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, Processo nº 021.409/2003-4). Significa, pois, à luz do ordenamento normativo e da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que o critério de aceitabilidade baseado no preço máximo não é o único parâmetro disponível para a administração pública para a escolha da melhor proposta, seja na contratação de serviços, seja na aquisição de bens, excepcionando-se a contratação de obras e serviços de engenharia por aplicação do disposto no verbete 259, da Súmula do Tribunal de Contas da União (Nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor), as contratações realizadas com supedâneo no regime diferenciado de contratações públicas, por aplicação do disposto no art. 24, III, da Lei nº 12.462/2011 [Art. 24. Serão desclassificadas as propostas que: (...) III – apresentem preços manifestamente inexequíveis ou permaneçam acima do orçamento estimado para a contratação, inclusive nas hipóteses previstas no art. 6º desta Lei] e as contratações das empresas públicas e sociedades de economia mista, por aplicação do disposto no art. 56, IV, da Lei nº 13.303/2016 [Art. 56. Efetuado o julgamento dos lances ou propostas, será promovida a verificação de sua efetividade, promovendo-se a desclassificação daqueles que: (...) IV – se encontrem acima do orçamento estimado para a contratação de que trata o § 1º do art. 57, ressalvada a hipótese prevista no caput do art. 34 desta Lei;]. A Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, contudo, não conferiu alternativas para o administrador público no tocante à escolha do melhor critério de julgamento de propostas aplicável ao caso concreto. O único critério admitido, segunda a IN, é o do preço máximo. Vejase que o art. 40, X, da Lei nº 8.666/1993, aplicável subsidiariamente à modalidade pregão (art. 9º da Lei nº 10.520/2002), faculta a fixação de preço máximo como critério de aceitabilidade de propostas, ou seja, a administração pública, segundo o dispositivo citado, pode optar pela limitação de preço, mas não necessariamente, como orienta o Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 392/2011 – Plenário, Rel. Min. José Jorge, Processo nº 033.876/2010-0). Veja-se, ainda, que de acordo com o art. 25, caput, do Decreto federal nº 5.450/2005 (regulamenta o pregão eletrônico no âmbito da administração pública federal), uma vez encerrada a etapa de lances, o pregoeiro examinará a proposta classificada em primeiro lugar quanto à compatibilidade do preço em relação ao estimado para contratação e verificará a habilitação do licitante conforme disposições do edital. Ou seja, segundo o Decreto nº 5.450/2005, o critério de aceitação de proposta a ser fixado no edital de pregão, no formato eletrônico, independentemente do objeto (compra ou serviço), deve ser o do exame da compatibilidade da proposta ofertada pelo licitante em relação ao preço estimado pela administração para a contratação e não o de preço máximo, conforme fixado na IN nº 5/2017. Este normativo (IN nº 5/2017) contraria o Decreto nº 5.450/2005 e a Lei nº 8.666/1993 ao estabelecer o preço máximo como único critério de aceitação de proposta possível na contratação de serviços. O Decreto nº 5.450/2005, por sua vez, contraria a Lei nº 8.666/1993 a qual permite, em caráter facultativo, a fixação de preço máximo (art. 40, X) ou, ainda, o exame da compatibilidade do preço ofertado em relação ao estimado para a contratação (art. 43, IV) como critérios possíveis para a aceitação de propostas. A natureza do objeto da contratação, as condições para a sua execução, os indicadores do mercado fornecedor, contratações anteriores de mesmo objeto e outras peculiaridades envolventes da contratação podem, eficazmente, guiar o administrador público na definição do adequado critério de julgamento de proposta, em conformidade com as soluções (critérios) apresentadas pelo ordenamento normativo e admitidos pelo Tribunal de Contas da União, a serem fixadas no respectivo edital. • definir os critérios de julgamento das propostas, incluindo: os critérios de preferência e desempate aplicáveis; margem de preferência, se aplicável. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE Prestação de serviços de informática e automação O Decreto nº 7.174/10 que regulamenta a contratação de bens e serviços de informática e automação pela administração pública federal, direta ou indireta, pelas fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público e pelas demais organizações sob o controle direto ou indireto da União, é aplicável nas contratações de terceiros para a prestação de serviços de informática e automação. Referido diploma estabelece sobre o direito de preferência nessas contratações. n) estimativa de preços e preços referenciais: • refinar, se for necessário, a estimativa de preços ou meios de previsão de preços referenciais realizados nos estudos preliminares; o) adequação orçamentária: • indicar a dotação orçamentária da contratação. p) elaborar planilha de formação de preços: Planilha de formação de preços A Lei nº 8.666/93 estabelece que a prestação de serviço somente será licitada quando existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários. Assim: Art. 7º [...] § 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: [...] II – existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários; Ainda segundo a Lei nº 8.666/93: Art. 40 [...] § 2º Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante: [...] I – o projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, especificações e outros complementos; II – orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; De acordo com a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, o projeto básico ou termo de referência deverá conter os elementos técnicos capazes de propiciar a avaliação do custo, pela administração, com a contratação e os elementos técnicos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar o serviço a ser contratado e orientar a execução e a fiscalização contratual. Efetiva-se a avaliação do custo do serviço por meio da elaboração de planilha de custos e formação de preços, podendo ser motivadamente dispensada nas contratações em que a natureza do seu objeto torne inviável ou desnecessário o detalhamento dos custos para aferição da exequibilidade dos preços praticados. A planilha de formação de custos constitui instrumento indispensável para a formação do preço estimado do objeto, a partir de sistemas de referência existentes ou ampla pesquisa de preços; serve de balizamento seguro para a formulação das propostas pelos licitantes e para o julgamento destas pelo pregoeiro ou comissão de licitação, possibilitando, assim, a seleção da proposta mais vantajosa. Constitui, ainda, eficaz e eficiente instrumento para a recomposição do valor contratual (reequilíbrio econômico-financeiro), quando necessário. A elaboração de planilha de formação de custos, pelo órgão licitante, com base no termo de referência ou projeto básico, é regra na contratação de serviços. Deve integrar o edital da licitação como anexo, servindo de supedâneo para os licitantes elaborarem as suas respectivas planilhas (propostas). Pode, contudo, reitera-se, ser motivadamente dispensada nas contratações em que a natureza do seu objeto torne inviável ou desnecessário

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o detalhamento dos custos para aferição da exequibilidade dos preços praticados, solução a ser defina pelo órgão licitante. n) formalização do ajuste: Termo de contrato No que tange à formalização do ajuste decorrente da licitação, estabelece a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, que: ANEXO VII-G DA FORMALIZAÇÃO E PUBLICAÇÃO DO CONTRATO 1. O órgão ou entidade convocará formalmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, nas condições e prazo estabelecidos no ato convocatório, conforme previsto no inciso II do art. 40 e no art. 64 da Lei nº 8.666, de 1993. 2. O instrumento contratual será obrigatório, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993, salvo se: a) o valor da contratação por licitação, dispensa ou inexigibilidade não superar o previsto para a modalidade convite; ou b) nos casos de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica. De acordo com a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, nos itens (ou grupos/ lotes) de contratação cujo valor estimado superar o previsto para a modalidade convite (art. 1º, II, “a”, do Decreto nº 9.412/18), o ajuste será formalizado por meio de termo de contrato. Pondere-se, contudo, que mesmo na hipótese de o valor estimado do item (ou grupo/lote) não ultrapassar o previsto para a modalidade convite, se for necessário prorrogar o prazo para início ou para a entrega do serviço ou, ainda, acrescer o objeto, tais alterações materializamse por meio de termo aditivo. O termo de contrato, pois, viabiliza a realização de aditivos necessários a acrescer o objeto do contrato até o limite previsto em Lei (art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/93) e prorrogar o prazo para início ou entrega do objeto (art. 57, § 1º, da Lei nº 8.666/93). Art. 57 [...] § 1o Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo: I – alteração do projeto ou especificações, pela Administração; II – superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato; III – interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração; IV – aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei; V – impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência; VI – omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis. A Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, ratifica o dever de a administração formalizar as alterações/modificações contratuais por meio de termo aditivo. Assim: ANEXO X DA ALTERAÇÃO DOS CONTRATOS 1. Durante a fase de execução da prestação dos serviços, o objeto contratado poderá ser alterado, desde que justificadamente, na forma prevista no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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A autoridade competente para aprovar o termo de referência ou projeto básico é aquela incumbida, regimentalmente, para essa e outras finalidades. Na hipótese de o regimento não contemplar especificamente o assunto, reservando poderes para a autoridade de maior hierarquia decidir acerca de assuntos afetos às contratações da administração, entendese que a competência para aprovar o termo de referência ou projeto básico seja dessa autoridade.

2. As alterações contratuais devem ser promovidas mediante celebração de termo aditivo, que deverá ser submetido à prévia aprovação da consultoria jurídica do órgão ou entidade contratante. 2.1. Nas alterações contratuais unilaterais, devem ser observados os limites legais para os acréscimos e supressões, e nas alterações consensuais, os limites para os acréscimos, utilizando-se, em qualquer caso, o valor inicial atualizado do contrato. 2.2. Em qualquer hipótese, não poderá haver modificação da essência do objeto. 2.3. É vedado promover modificação no contrato sem prévio procedimento por aditamento ou apostilamento contratual. O apostilamento é apropriado nas exclusivas hipóteses que o art. 65, §8º, da Lei nº 8.666/93 enumera (“A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento”.) O termo de contrato, pois, viabiliza a realização de aditivos necessários a formalizar alterações/modificações contratuais, independentemente do valor atribuído ao objeto da licitação. Importante, ainda, quando da formalização do contrato, observar que as cláusulas contratuais devem atender às disposições do edital e da proposta vencedora, por aplicação do seguinte dispositivo da Lei nº 8.666/93: Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. § 1o Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.

APROVAÇÃO MOTIVADA DO TERMO DE REFERÊNCIA E PROJETO BÁSICO Dispõe o Decreto nº 5.450/05 que: Art. 9º Na fase preparatória do pregão, na forma eletrônica, será observado o seguinte: [...] II – aprovação do termo de referência pela autoridade competente; § 1º A autoridade competente motivará os atos especificados nos incisos II e III, indicando os elementos técnicos fundamentais que o apóiam, bem como quanto aos elementos

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contidos no orçamento estimativo e no cronograma físico-financeiro de desembolso, se for o caso, elaborados pela administração. Estabelece a Lei nº 8.666/93 que: Art. 7º [...] § 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;

A aprovação do termo de referência ou projeto básico, pela autoridade competente, está condicionada à análise e juízo favorável acerca das características, condições e custos apresentados para o objeto. A autoridade competente poderá valer-se de laudos ou pareceres técnicos para justificar a decisão. A aprovação não se restringirá a expressões como “Aprovo o termo de referência” ou “Aprovo o projeto básico”. Impõe-se o dever de a autoridade competente motivar o ato administrativo de aprovação, apresentando os elementos de fato e de direito que justificam a decisão. As razões apresentadas na motivação poderão reportar-se às considerações de ordem técnica apostas em laudo ou parecer. Não há obstáculos para que assim proceda a autoridade, impondo-se, contudo, a obrigatória juntada do respectivo instrumento no processo. Veja-se o que deliberou o Tribunal de Contas da União a respeito da aprovação do projeto básico pela autoridade competente, extensivo à aprovação do termo de referência: A autoridade que aprova o projeto básico é solidariamente responsável pelos prejuízos advindos de deficiências no documento técnico, exceto se forem vícios ocultos, dificilmente perceptíveis, pois a aprovação não é ato meramente formal ou chancelatório, e sim ato de fiscalização por meio do qual a autoridade competente referenda os procedimentos adotados e o conteúdo elaborado. (Acórdão 7181/2018 – Segunda Câmara, Relator Ministro Aroldo Cedraz).

A autoridade competente para aprovar o termo de referência ou projeto básico é aquela incumbida, regimentalmente, para essa e outras finalidades. Na hipótese de o regimento não contemplar especificamente o assunto, reservando poderes para a autoridade de maior hierarquia decidir acerca de assuntos afetos às contratações da administração, entende-se que a competência para aprovar o termo de referência ou projeto básico seja dessa autoridade. NOTA

arquivo pessoal

1 De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito estadual ou municipal, ausente lei específica, a Lei Federal nº 9.784, de 1999, pode ser aplicada de forma subsidiária, haja vista tratar-se de norma que deve nortear toda a administração pública, servindo de diretriz aos seus órgãos (AgRg no REsp 1092202/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 18/04/2013).

MARINÊS RESTELATTO DOTTI é Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora no curso de especialização em Direito Público com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter – LaureateInternational Universities.

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ENFOQUE

Novas regras alteram dinâmica de poder nas sociedades limitadas por

Juliana Maria D’Macêdo

O procedimento de exclusão de sócio nas sociedades compostas por dois sócios poderá precipitar um aumento das ações judiciais para discutir a legalidade da deliberação de exclusão tomada pelo sócio remanescente, algo que novamente colocará em risco o dia a dia da sociedade empresária.

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arquivo pessoal

ntrou em vigor, em janeiro deste ano, a Lei nº 13.792/2019 que estabeleceu a redução do quórum legalmente necessário para destituição de sócios do cargo de administrador da sociedade, que passou de quotas representativas de 2/3 do capital social para maioria simples do capital social, exceto se de outra forma for estabelecido no Contrato Social. Essa nova regra alterou o parágrafo primeiro do artigo 1.063 e o art. 1.073 do Código Civil. Em sentido estrito, é possível analisar que alteração legislativa buscou ampliar e pulverizar os poderes de administração das sociedades limitadas, uma vez que minorias organizadas de sócios poderão, desse modo, articular-se para destituir sócios administradores detentores de parcela expressiva das quotas sociais. A sensibilidade do tema está relacionada à aplicação das teorias da função social da empresa e da preservação da empresa no âmbito das sociedades limitadas, com o objetivo de estabelecer maior proteção contra eventuais abusos de direito cometidos por sócios detentores de mais de 33% do capital social, praticados em razão da ausência de ameaça ao exercício dos poderes de administração em caráter pleno. Esses abusos criam impasses nas deliberações sociais que muitas vezes eram submetidas a longas batalhas judiciais que em muito prejudicam o desenvolvimento regular das atividades empresariais. Por outro lado, a inovação legislativa cria uma fragilidade aos interesses dos sócios que aportaram a maior parte dos investimentos da sociedade, deixando-os desprotegidos em relação a eventuais discordâncias sobre os rumos da administração social. Isto pode servir como fator de desestímulo ao investimento, pois o controle societário pode não estar diretamente vinculado ao controle da administração. Além da alteração do quórum de destituição dos sócios administradores, a nova legislação também introduziu a alteração do parágrafo único do artigo 1.085, que estabeleceu a dispensa da convocação e realização de reunião para deliberar a exclusão de sócios em sociedades limitadas que sejam formadas exclusivamente por dois sócios. Em que pese o caráter prático da dispensa da formalidade anteriormente exigida, a ausência de indicação de um procedimento que viabilize o exercício das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa é um fator que inspira cuidados, posto que as circunstâncias legais que permitem a exclusão de um sócio por justa causa estão dotadas de subjetividade ao se falar em um “risco à continuidade da empresa” e em “atos de inegável gravidade” praticados. Nesse contexto, o procedimento de exclusão de sócio nas sociedades compostas por dois sócios poderá precipitar um aumento das ações judiciais para discutir a legalidade da deliberação de exclusão tomada pelo sócio remanescente, algo que novamente colocará em risco o dia a dia da sociedade empresária. Ainda que a legislação tenha introduzido alterações relevantes na dinâmica das relações entre sócios nas sociedades limitadas, é importante reconhecer que a forma mais eficiente para estabelecer regras claras e objetivas é buscar o suporte de um advogado capacitado e apto a promover a discussão de um contrato social ou acordo de sócios que estabeleçam um consenso em relação às particularidades de cada sociedade, atendendo as necessidades de seus respectivos sócios. É fundamental garantir a segurança jurídica no cotidiano das sociedades limitadas.

JULIANA MARIA D’MACÊDO é mestre em Direito Comercial pela PUC/SP e sócia do escritório Meirelles Milaré Advogados.

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PRÁTICA DE PROCESSO

Redirecionamento da cobrança fiscal por

Breno Lobato Cardoso

Diante da omissão da lei de execuções fiscais, é forçoso que se aplique o IDPJ de forma subsidiária (art. 15, CPC) no “redirecionamento” verificado de forma incidente na execução fiscal, o que permitirá que o cidadão não seja pego de surpresa devedor de crédito tributário, muitas vezes de valor elevado e com arresto de bens, sem que tenha – de forma prévia – exercido seu direito ao contraditório.

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assados mais de dois anos de vigência do novo Código de Processo Civil (CPC) ainda persiste na jurisprudência muita controvérsia sobre a aplicação, ou não, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) nas execuções fiscais. Vem se criando uma jurisprudência nos Tribunais Regionais Federais no sentido de que o instituto não é aplicável à execução fiscal, sob o argumento de que a responsabilidade em questão seria pessoal, o que permitiria a propositura da execução fiscal diretamente contra o responsável, conforme autoriza o art. 4º, V da Lei nº 6.830/1980. Ocorre que esse argumento não se sustenta. Embora seja verdade que a execução possa ser proposta contra o responsável, isso implica, de forma necessária, que o nome dele conste na certidão de dívida ativa, o que significa dizer que a sua responsabilidade já foi objeto de contraditório e decisão na esfera administrativa. Sem que o terceiro conste como responsável no título de crédito não é possível que a execução seja contra ele proposta, o que não impede que, mediante incidente no processo de execução, identifique-se e apure essa responsabilidade, dando ensejo ao “redirecionamento” da execução fiscal cujo ônus da prova, nesse caso, é do Fisco, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em diversas oportunidades (por exemplo: AgRg no AgRg no REsp 1153333/SC). É valiosa a lição de Leandro Paulsen ao argumentar que “não constando do título o nome do responsável tributário, não pode ser simplesmente citado para pagamento”.

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Portanto, constatado durante o curso da execução fiscal causa de responsabilidade de terceiro pelo crédito tributário é possível o “redirecionamento” da execução fiscal contra ele, procedimento que não foi objeto de regulamentação na Lei de Execuções Fiscais. Antes do novo CPC, o responsável era incluído no processo e passava a ser réu, sendo muitas vezes surpreendido até mesmo com o arresto on-line de suas contas bancárias, restando a ele o exercício do direito de defesa a posteriori mediante propositura de embargos à execução, que como se sabe exige para o seu processamento a garantia do juízo. Em que pese ser possível, em tese, oferecer exceção de pré-executividade, esse tipo de defesa tem sido sistematicamente rejeitada sob o argumento de que é necessária dilação probatória para dirimir a questão. Então, o contribuinte era obrigado a dispor de seu patrimônio e garantir o juízo para, somente assim, ter analisado seus argumentos sobre a possível inexistência de responsabilidade tributária. Isso ocorria com frequência também na execução trabalhista, alvo de muita reclamação por parte do cidadão. O novo CPC veio prestigiar o princípio da não surpresa (art. 9º) e evitar que o cidadão seja responsabilizado antes de ter seus argumentos analisados em contraditório, inclusive com produção de provas, através do incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no art. 133 e s/s. A partir de então o cidadão passou a exercer o seu direito de defesa de forma prévia e sem a necessidade de dispor do seu patrimônio, pois a defesa no IDPJ não pressupõe a garantia do juízo. Com a entrada em vigor do novo CPC e diante de muita discussão no âmbito da Justiça do Trabalho, o TST, visando uniformizar a jurisprudência, baixou a Instrução Normativa nº 39 deixando claro que o procedimento deveria ser seguido na execução trabalhista. Já no âmbito da execução fiscal, constata-se uma intolerável omissão do STJ, que passados mais de 2 (dois) anos da entrada em vigor do NCPC, ainda não se debruçou sobre o assunto, o que tem como consequência a multiplicação de processos sobre o tema, pois há forte expectativa que a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais seja revista no STJ, o que tem incentivando a litigiosidade, a multiplicação de recursos e a insegurança jurídica. Penso que diante da omissão da lei de execuções fiscais, é forçoso que se aplique o IDPJ de forma subsidiária (art. 15, CPC) no “redirecionamento” verificado de forma incidente na execução fiscal, o que permitirá que o cidadão não seja pego de surpresa devedor de crédito tributário, muitas vezes de valor elevado e com arresto de bens, sem que tenha – de forma prévia – exercido seu direito ao contraditório. Faz coro a esse entendimento, dentre outros, o processualista Leonardo Carneiro da Cunha. De qualquer forma, o mais importante é que o tema entre na pauta do STJ e se decida a questão conferindo-lhe maior segurança jurídica, pois já deu tempo para a discussão chegar àquela Corte, que tem como missão institucional uniformizar a jurisprudência dos tribunais e a interpretação da lei federal, o que se espera seja feito em breve.

BRENO LOBATO CARDOSO é advogado, mestre (UFPA) e MBA em direito tributário(FGV), procurador da Junta Comercial do Estado do Pará, diretor da Associação dos Advogados Tributaristas do Pará(AATP) e sócio de Leite Cardoso & Melo Advogados.

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por

Luiz Augusto Filizzola D’Urso

Precisamos desconectar

U

m estudo recente da Universidade Estadual de São Francisco, na Califórnia (EUA), apontou que interagimos, em média, 2.617 vezes por dia com nossos smartphones. Isso quer dizer que gastamos, diariamente,em torno de 2 horas e 25 minutostocando, rolando, pressionando e utilizando nossos celulares. A dependência de alguns em relação ao celular é tão grande, que a distância pode gerar a sensação de nomofobia (pavor de estar longe do aparelho), além do vício que já preocupa médicos e psicólogos, pois,para alguns especialistas, existe uma ligação diretaentre dependência tecnológica e depressão. É curiosaa mudançadas relações humanas com o avanço da tecnologia, uma vez que, antigamente, o momento de distração era quando se chegava em casa, ligava-se o computador e interagia com seus amigos. Hoje, vivemos conectados e interagindo a todo instante, e o tão desejado lazer, ironicamente, é o período em quenos afastamos do celular e do computador (por opção ou porque estamos em um local sem sinal de telefonia móvel). Esta grande mudança gerounecessidades estranhas e absurdas, como a de sempre estar com a bateria carregada de seu smartphone.A falta de cargagera um desesperado incontrolável, visto queo sentimento é de “banimento social” ede isolamento absoluto. Portanto, hoje, testemunhamos a necessidade de se ter este “elemento essencial à vida”, que denominamos bateria, tornando-nos reféns das tomadas, das baterias externas e dos cabos de conexão. Por outro lado, a cooperação na busca pela conexãoé cada vez mais comum:comono compartilhamento da senha do wifi, da rede 4G, além do revezamentodas tomadas queutilizamos para alimentarnossos celulares,nos fundos do salão. Por fim, registramosa ânsia por uma ilusória realidade, quese resume nas fotos que postamos em nossas redes sociais, mesmo que, para isto,estejamosdebaixo de chuva,utilizando um sinal de wifi grátis ou disputando uma tomada precária, sentados no chão. Precisamosurgentemente nos desconectar!

Luiz Augusto Filizzola D’Urso é Advogado Criminalista, especialista em Cibercrimes, Coordenador e Professor do Curso de Direito Digital e Cibercrimes da FMU, Presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibercrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), Pós-Graduado pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha) e pela Faculdade de Direito de Coimbra (Portugal).

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ARQUIVO PESSOAL

ESPAÇO ABERTO



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