Revista Prática Forense, nº 29. Ano III, 2019

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ano III

maio/2019

no 29

ISSN 2526-9577

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Ordenador de despesas não responde perante a Lei de Improbidade Administrativa de forma objetiva – Responsabilidade subjetiva com má-fé e com desonestidade Visão Jurídica

Vade Mecum Forense

Gestão de Escritório

Seguro na era digital

A prática de upskirting é crime no Brasil?

1 milhão e 200 mil motivos para se diferenciar

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Irapuã Beltrão

Joaquim Leitão Júnior e Marcel Gomes de Oliveira

Alexandre Motta


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EDITORA E DIRETORA RESPONSÁVEL: Adriana Zakarewicz

À frente dos grandes temas jurídicos

ISSN 2526-8988

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ano III

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abril de 2019

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nº 28

A Reforma Política no Brasil Edição Especial

Debates e Polêmicas

Conselho Editorial: Almir Pazzianotto Pinto, Antônio Souza Prudente, Esdras Dantas de Souza, Habib Tamer Badião, José Augusto Delgado, José Janguiê Bezerra Diniz, Kiyoshi Harada, Luiz Flávio Borges D’Urso, Luiz Otavio de O. Amaral, Otavio Brito Lopes, Palhares Moreira Reis, Sérgio Habib, Wálteno Marques da Silva Diretores para Assuntos Internacionais: Edmundo Oliveira e Johannes Gerrit Cornelis van Aggelen Colaboradores: Alexandre de Moraes, Álvaro Lazzarini, Antônio Carlos de Oliveira, Antônio José de Barros Levenhagen, Aramis Nassif, Arion Sayão Romita, Armand F. Pereira, Arnoldo Wald, Benedito Calheiros Bonfim, Benjamim Zymler, Cândido Furtado Maia Neto, Carlos Alberto Silveira Lenzi, Carlos Fernando Mathias de Souza, Carlos Pinto C. Motta, Décio de Oliveira Santos Júnior, Eliana Calmon, Fátima Nancy Andrighi, Fernando Tourinho Filho, Fernando da Costa Tourinho Neto, Georgenor de Souza Franco Filho, Geraldo Guedes, Gilmar Ferreira Mendes, Gina Copola, Gustavo Filipe B. Garcia, Humberto Theodoro Jr., Inocêncio Mártires Coelho, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Ivo Dantas, Jessé Torres Pereira Junior, J. E. Carreira Alvim, João Batista Brito Pereira, João Oreste Dalazen, Joaquim de Campos Martins, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, José Alberto Couto Maciel, José Carlos Arouca, José Carlos Barbosa Moreira, José Luciano de Castilho Pereira, José Manuel de Arruda Alvim Neto, Lincoln Magalhães da Rocha, Luiz Flávio Gomes, Marco Aurélio Mello, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Mário Antonio Lobato de Paiva, Marli Aparecida da Silva Siqueira, Nélson Nery Jr., Reis Friede, René Ariel Dotti, Ricardo Luiz Alves, Roberto Davis, Tereza Alvim, Tereza Rodrigues Vieira, Toshio Mukai, Vantuil Abdala, Vicente de Paulo Saraiva, William Douglas, Youssef S. Cahali. Arte e Diagramação: Charles Design Revisão: Equipe ZK Marketing: Diego Zakarewicz Comercial: André Luis Marques Viana CENTRAL DE ATENDIMENTO AO CLIENTE Tel. (61) 3263-1362 Home-page: www.zkeditora.com/pratica

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POR

ARQUIVO PESSOAL

PRIMEIRA PÁGINA

Pedro Mahin Araujo Trindade

Cadastro positivo, o direito do consumidor e a falta de política pública de acesso ao crédito

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oi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, no último dia 8 de abril, a Lei Complementar nº 166/2019, que altera a Lei do Cadastro Positivo (Lei nº 12.414/2011), para tornar automática a inclusão do histórico de crédito de consumidores, pessoas físicas e jurídicas, em banco de dados administrado por gestor autorizado a funcionar pelo Banco Central. Essa alteração entrará em vigor em julho de 2019. Até lá, a inscrição no Cadastro Positivo será facultativa, dependendo de autorização prévia de consumidores. O propósito é que, com a possibilidade de uma análise de risco do crédito mais rigorosa, se torne viável o aumento da disponibilidade de crédito e a redução da taxa de juros para os bons pagadores. Isso permitiria a injeção de maior liquidez na economia, com impactos diretos sobre o comércio e sobre a atividade econômica como um todo, fomentando a geração de emprego e renda. REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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PRIMEIRA PÁGINA Apesar dos possíveis efeitos benéficos da Lei, a guarda das informações de consumidores pelos gestores do banco de dados deve ser objeto de rígido controle, para evitar a utilização de dados pessoais e bancários dos cadastrados para outras finalidades que não a análise de risco e a concessão ou a extensão de crédito. Tal controle torna-se ainda mais necessário porque a Lei Complementar 166 retira da Lei nº 12.414 a obrigatoriedade de autorização prévia dos dados de consumidores para o compartilhamento de seus dados entre diferentes gestores do banco de dados. Vale recordar que a Lei do Cadastro Positivo veda a anotação de informações sensíveis, como origem social e étnica, estado de saúde, informação genética, orientação sexual, convicções políticas, religiosas e filosóficas, ou quaisquer outras não vinculadas à análise de risco de crédito do consumidor. Trata-se de norma necessária para evitar possível tratamento discriminatório nas operações de concessão de crédito. Por outro lado, as regras para atribuição de nota ou pontuação de crédito deverão ser mais transparentes possíveis, não bastando que as informações armazenadas para a formação do histórico de crédito de consumidores o sejam. Como previsto na Lei, o gestor está autorizado a disponibilizar aos consulentes a nota ou a pontuação de crédito elaborada com base nas informações constantes do banco de dados, porém não há regras sobre como essa nota ou pontuação será atribuída. Além disso, a Lei do Cadastro Positivo contraria as normas de proteção ao consumidor ao estipular que o histórico de crédito dos consumidores serão preservados nos bancos de dados por até 15 anos. O Código de Defesa do Consumidor estabelece que cadastros de consumidores não podem conter informações negativas por períodos superiores a 5 anos. Esse lapso temporal é necessário para permitir que iniciativas como a da Lei do Cadastro Positivo não sirvam para ampliar o fosso da desigualdade socioeconômica no Brasil, já um dos dez países mais desiguais do planeta, segundo dados da Oxfam. A prorrogação do prazo de preservação dos dados de 5 para 15 anos pode ser determinante para que essas pessoas não acessem o crédito necessário para transformar a sua situação. Apesar de favorecer os bons pagadores, a Lei gera obstáculos ao acesso de maus pagadores ao crédito. Em regra, os maus pagadores são pessoas que se encontram em estratos mais vulneráveis da população, com dificuldades de acesso ao emprego e à renda. Nesse sentido, é significativo que, no Brasil, segundo dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o ano de 2017 encerrou com 60,2 milhões de pessoas com alguma restrição de acesso ao crédito. Por fim, a criação do cadastro positivo não basta, em si, como política pública de acesso ao crédito. É necessário estabelecer a geração de emprego e renda como prioridade da política econômica do governo, em todas as suas esferas, e promover a educação financeira da população, como forma de evitar que os consumidores se endividem em excesso e tenham seu nome negativado.

PEDRO MAHIN ARAUJO TRINDADE é advogado especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e sócio do Mauro Menezes & Advogados.

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REVISTA PRÁTICA FORENSE - Nº 29 - MAIO/2019



PRIMEIRA PÁGINA SUMÁRIO

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Primeira Página

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Especial Ordenador de despesas não responde perante a Lei de Improbidade Administrativa de forma objetiva – Responsabilidade subjetiva com má-fé e com desonestidade

Cadastro positivo, o direito do consumidor e a falta de política pública de acesso ao crédito Pedro Mahin Araujo Trindade

Mauro Roberto Gomes de Mattos

46

Destaque As armadilhas do comércio de bens eletrônicos

48

Questões de Direito Crescimento da Judicialização na Saúde: qual a solução?

Lucas Morelli

Sandra Franco

50

Prática Jurídica

54

Gravidez, maternidade e paternidade como meios para obtenção da conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar

Visão Jurídica Seguro na era digital Irapuã Beltrão

Eduardo Luiz Santos Cabette

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67

Gestão de Escritório

60

Vade Mecum Forense

1 milhão e 200 mil motivos para se diferenciar

A prática de upskirting é crime no Brasil?

Alexandre Motta

Joaquim Leitão Júnior e Marcel Gomes de Oliveira

Know How O ódio social e a interpretação literal das leis Amadeu Garrido de Paula

70

Painel Universitário A tutela provisória de urgência: a necessidade da prestação da tutela jurisdicional como meio de evitar prejuízo à parte Kaynara Carvalho de Oliveira, Millena da Costa Silva e Rodrigo de Lima Leal


76

Planejamento Financeiro Como funcionam e quais os riscos dos multimercados? Mario Okazuka

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78

Expressões Latinas Mora accipiendi/credendi/ creditoris. Mora (= retardamento) em receber/em aceitar a prestação[de]/ (mora) do credor Vicente de Paulo Saraiva

Saiba mais A ilegalidade de cobrança da taxa de conveniência na aquisição de ingressos Renata Cristina Marques Ferreira

82

Enfoque A extinção das ações individuais ante a falência do devedor

84

Camilla Oshima

Casos Práticos O massacre de Suzano Eudes Quintino de Oliveira Júnior

86 107

Fichário Jurídico Fake news: as consequências da desinformação

Prática de Processo

Agenor Alexsander de Carvalho Costa

Arbitragem, mecanismo alternativo para solução de conflitos Fernanda Rossi

111

109

Prática de Processo

Espaço Aberto

A polêmica contagem de prazos processuais

Reajuste do plano de saúde e os aumentos abusivos na terceira idade

Mariana Vianna Martinelli

Isabela Perrella


ESPECIAL

Ordenador de despesas não responde perante a Lei de Improbidade Administrativa de forma objetiva – Responsabilidade subjetiva com má-fé e com desonestidade Mauro roberTo goMes de MaTTos

DIVULGAÇÃO

POR

Após verificar uma ausência de doutrina específica sobre a responsabilidade administrativa do Ordenador de Despesas perante os termos da Lei nº 8.429/92, verificamos a necessidade de pautar as seguintes razões, com base em precedentes uniformes do Superior Tribunal de Justiça, afim de deixar explícito que o gestor público, como os demais agentes, não respondem perante a Lei de Improbidade Administrativa de forma objetiva.

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Improbidade Administrativa é identificada pelo elemento subjetivo de uma conduta extremada (grave) do agente público com a nota qualificadora da má-fé e da desonestidade. O agir ou deixar de praticar o ato deve vir precedido de dolo e de uma imoralidade qualificada, visto que qualquer ato ilegal, para se subsumir aos tipos elencados na Lei de Improbidade Administrativa deve conter a má-fé e a desonestidade como fundamento do agir ímprobo. A simples ilegalidade administrativa sem o dolo e uma imoralidade qualificada não é suficiente para caracterizar a improbidade administrativa. Apesar de tal situação jurídica já estar consolidada perante a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça, ainda se presencia o manejo de ações de improbidade administrativa visando a desconstituição de atos meramente ilegais sem a presença do elemento subjetivo da conduta qualificadora, descaracterizando, por completo, a validade da via eleita pelo Ministério Público. Isso porque, a boa-fé do agente público inviabiliza a aplicação da Lei nº 8.429/92, que é voltada ao combate do ato administrativo ilícito praticado com dolo e má-fé. A jurisprudência pacificada no colendo Superior Tribunal de Justiça já se consolidou no sentido de a subsunção da conduta do agente público nos tipos descritos nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/92 deve ser sempre precedida do elemento subjetivo dos tipos, qual seja, o dolo, não havendo o enquadramento do ato nas hipóteses dos artigos citados se o elemento subjetivo da conduta do agente for meramente a culpa (STJ. EREsp 479.812/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, 1ª Seção, DJ de 27.09.2010; AgRg no REsp nº 11224/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJ de 02.02.2011 e AgRg no REsp 1065588/SP, 1ª T., DJ de 21.02.2011). E quando for a subsunção da conduta do agente público tipificada no art. 10, da Lei nº 8.429/92, a culpa grave deve estar devidamente identificada na prática do ato impugnado pela ação de improbidade administrativa. Em sede doutrinaria, o Ministro Alexandre de Moraes1 também se filia ao entendimento declinado: “Ressalte-se. Novamente, que a Lei de Improbidade não pune a mera ilegalidade, mas a conduta ilegal ou imoral do agente público, e de todo aquele que o auxilie, voltada para a corrupção, exigindo, dessa forma, o elemento subjetivo para a sua caracterização (...)”

Da mesma forma, definiu o STJ:2 “Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente... A ilegalidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.”

Esses esclarecimentos se fazem necessários logo no início de nossa explanação, pois a máquina administrativa se movimenta mediante à prática dos atos e, diante de determinados acontecimentos, é comum ouvir a seguinte indagação: quem foi o responsável? Essa responsabilidade se subsume a um dos tipos descritos na Lei nº 8.429/92? Principalmente quando o agente público ostenta função de alto escalão na pirâmide REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL da hierarquia da Administração Pública, muitas das vezes lhe é imputada a prática do ato de improbidade administrativa por ele ser o ordenador de despesas, e só por isso. A ideia de responsabilidade pela prática de ato omissivo ou comissivo no direito administrativo é de curial importância, pois o ato ilícito é aquele que o agente público pratica violando um dever jurídico. Se essa ofensa gera danos à Administração Pública ou a terceiros, surge um novo dever jurídico, que é o de reparar o prejuízo. Na improbidade administrativa, nem sempre a violação de um dever jurídico, praticado de forma dolosa ou com culpa grave irá gerar o dever de se ressarcir ao erário, ou a de gerar a responsabilidade perante os termos da Lei nº 8.429/92, pois deverá vir precedida de má-fé e de desonestidade, mas convém distinguir os institutos da “obrigação” e da “responsabilidade”. Em feliz síntese sobre os aludidos institutos, Jessé Torres Pereira Júnior,3 citando Santiago Dantas, faz a devida ilustração da diferença de ambos os institutos: “... Os atos ilícitos constituem uma das fontes da obrigação, mas não se poderá dar um passo na dogmática civil se não se fizer uma distinção muito clara entre o conceito de obrigação e o conceito de responsabilidade ... A primeira diferença que se tem de fazer é que em toda a obrigação há um dever jurídico originário, e na responsabilidade se tem o dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. Um homem toma emprestado de outro uma quantia, constituindo-se, portanto, seu devedor. Tem-se uma obrigação. O devedor tem o dever de pagar e o credor o direito de receber; esse dever jurídico, que pesa sobre o devedor, é uma obrigação, porque é um dever jurídico originário. Formou-se em consequência deste contrato, que foi o mútuo. Outro exemplo: um homem oferece os seus serviços profissionais a outro, que os contrata. Existe aí uma obrigação sobre o devedor, que é quem vai prestar o serviço – pesa uma obrigação de fazer e essa obrigação é um dever jurídico originário. Esse homem, porém, que tinha de prestar os seus serviços ao outro, não cumpre a sua obrigação; viola o dever jurídico originário. Que acontece? Surge daí um outro dever jurídico, que é dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação. O dever será o mesmo, mas em vez do dever a que anteriormente estava adstrito – o trabalho, ela passa a dever uma nova coisa: a composição do prejuízo... Este segundo dever é sucessivo; toma o lugar o primeiro. Diz-se, então, que isto não é uma obrigação; é uma responsabilidade. Pode-se, na prática, baralhar os termos e chamar a ambos obrigação ou a ambos responsabilidade. É preciso, porém, que esteja bem claro que a obrigação é um dever jurídico originário e que responsabilidade é um dever jurídico sucessivo.”

No âmbito do nosso estudo essa situação se revela fundamental, pois a regra geral na Lei nº 8.429/92 é a de responsabilizar o agente público devasso e imoral, aquele que se locupleta às custas do erário ou permite que terceiros obtenham vantagens ilícitas. Nunca se pode perde de vista que uma ilegalidade apontada pelos Tribunais de Contas ou pelo Ministério Público, gerando responsabilidades ao gestor, ensejará automaticamente a condição da prática de ato de improbidade administrativa. Nas Cortes de Contas, por exemplo, tem-se como regra geral a obrigação dos gestores públicos de demonstrar a correta aplicação dos recursos públicos, ao 10

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passo que a responsabilidade de recompor o erário surge após o descumprimento daquele dever jurídico originário. Daí porque é necessário investigar a conduta antijurídica, as normas violadas, a natureza das sanções, os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, para após identificar se a responsabilidade do agente é de natureza penal, civil, administrativa disciplinar, administrativa perante o Tribunal de Contas, ou se praticou ato de improbidade administrativa. Obrigatoriamente, deverá o intérprete de normas sobre gestão pública considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas conforme o estabelecido no art. 22, da LIND (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.”

Também se houver revisão quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, nas esferas administrativas, controladora ou judicial, cuja produção já se houver completado, serão levadas em conta as orientações gerais da época, sendo vedado, com base em mudança posterior de orientação geral, se declararem situações plenamente constituídas.4 Em algumas situações temos presenciado um certo açodamento do Ministério Público no ajuizamento compulsório e automático da ação de improbidade administrativa contra os ordenadores de despesas, quando o Tribunal de Contas aponta algumas irregularidades administrativas, como por exemplo, na concessão de direitos e de vantagens a servidores públicos, ou quando há uma contratação de servidores para trabalhos excepcionais e de interesse público, ou outras práticas de atos gerenciais que não foram praticados diretamente pelo ordenador de despesas originário e sim por agentes públicos responsáveis pela prática de tais atos. Ou até mesmo quando o ordenador de despesas assina contratos administrativos após pareceres dos órgãos técnicos responsáveis pela fiscalização da lisura e da legalidade da contratação. A ideia de culpa está imbricada à responsabilidade que perante a Lei nº 8.429/92 deve ser subjetiva, já perante o Tribunal de Contas poderá o gestor público ser punido por uma responsabilidade objetiva, que, como se sabe, não se subsume aos tipos descritos na Lei de Improbidade Administrativa. A culpa sem o elemento subjetivo, como se sabe, não é suficiente para atrair responsabilidade perante a Lei nº 8.429/92. Portanto, para que o ordenador de despesa seja responsabilizado perante os termos da Lei de Improbidade Administrativa a sua responsabilidade deve ser subjetiva, caracterizada por uma atuação com culpa grave ou com dolo, não bastando a simples demonstração da prática de ato ilícito, ou da verificação de uma ilegalidade. Prevalecerá a formação da vontade do agente, que na improbidade administrativa deverá ser de má-fé e com desonestidade. Sendo certo, segundo a melhor doutrina, a responsabilidade subjetiva demanda a presença simultânea de quatro fatores, quais sejam: REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL – ação ou omissão; – dano; – nexo causal; – culpa ou dolo. A culpa, no plano subjetivo, deve ser demonstrada, através de um robusto acervo probatório, daquele que pleiteia a reparação cível, a quem cabe o ônus da prova. Assume inquestionável relevo, a necessidade de dados probatórios evidenciadores da prática do ato de improbidade administrativa pelo ordenador de despesa ou por qualquer outro gestor público. Isso porque, em nosso sistema jurídico, como ninguém desconhece, a situação de dúvida razoável, só pode se beneficiar o réu, jamais prejudicá-lo, pois esse é um princípio básico que deve prevalecer nos modelos constitucionais que consagram o Estado Democrático de Direito. É preciso relembrar que as limitações à atividade persecutória estatal, aí incluída a ação de improbidade administrativa, traduzem garantias constitucionais insuprimíveis que a ordem jurídica confere ao suspeito, ao indiciado e ao acusado com a finalidade de fazer prevalecer o seu estado de liberdade em razão do direito fundamental de ser presumido inocente. Por pior que seja a imputação, ela não poderá ser fruto de criação intelectual de seu subscritor, ou de meras suspeitas, totalmente divorciadas de elemento probatório mínimo e confiável. Cumpre ter presente, bem por isso, neste ponto, em face de sua permanente atualidade, a advertênciafeita por Rui Barbosa5 no sentido de que: “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar interferência, não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas (...) (g.n.)

Nesse ponto, o Ministério Público possui o inquérito civil, que é o instrumento legal apto a busca de provas, para capacitar o membro do parquet a propor a ação de improbidade administrativa contra quem viole o bem jurídico tutelado pela mesma, de forma segura, através de uma acusação bem estruturada e respaldada por robustas provas que demonstrem, em tese, a prática de um ato administrativo de extremada gravidade. Devendo ser ressaltado neste ponto, que a ação de improbidade administrativa rege-se pelo princípio da contraposição dialética, que, além de não admitir condenações jurídicas baseadas em prova alguma, também não tolera decretos condenatórios apoiados em elementos de informação unilateralmente produzidos pelo Ministério Público. A condenação do ordenador de despesas, ou a inclusão do ordenador de despesas como Réu na ação de improbidade administrativa, somente se justificará quando existentes, no processo, e sempre colhidos sob a égide do postulado constitucional do contraditório, elementos de convicção que, demonstrem dados consistentes que possam legitimar um juízo condenatório pelo Poder Judiciário. Alguns magistrados entendem que a prova produzida no inquérito civil público é suficiente para o deslinde da controvérsia e, um possível juízo condenatório do acusado. Nos opomos a tal postura, por entender que somente a prova produzida em juízo pelo Ministério ou por outro órgão de acusação, sob a égide da garantia 12

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constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de uma sentença de condenação pela prática de ato de improbidade administrativa. Essa é a razão pela qual o art. 155, do Código de Processo Penal, na redação que lhe deu a Lei nº 11.690/2008, dispõe que: “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” Já, no Código de Processo Civil de 1973, o seu art. 131 estabelecia que o juiz deveria apreciar livremente a prova, devendo indicar, na sentença, os motivos que formaram o seu convencimento. Contudo, o NCPC, no atual art. 371 diz que: “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.” No atual modelo processual civil (Art. 6º, do NCPC), o juiz e as partes atuam juntos para um mesmo fim comum: um processo justo. Assim, não seria compatível com esse modelo um juiz passivo, neutro, que se limitasse a chancelar a prova produzida unilateralmente, sem o crivo do contraditório, produzido no inquérito civil público. Isso porque, na atualidade, ao proferir a decisão, incumbe ao juiz, apresentar uma valoração discursiva da prova, justificando seu convencimento acerca da veracidade das alegações e, indicando os motivos pelos quais acolhe ou rejeita cada elemento do conjunto probatório. Sendo assegurado aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, como plasmado de garantia fundamental no texto constitucional (art. 5º, inciso LV, da CF), não há como se admitir, sem que se viole a CF, que a prova produzida de forma unilateral e sem o contraditório, sirva de juízo condenatório na ação de improbidade administrativa. Em outros termos, cabe ao juiz, na valoração da prova, encontrar a verdade que tenha sido demonstrado no processo através dos elementos de prova a ele fornecidos, devendo possibilitar, contudo, que as provas produzidas unilaterais pelas investigações desenvolvidas pelo Ministério Público, sejam contraditadas em juízo, em prol da busca de um processo justo. Outro não é o magistério de José Frederico Marques6 para quem “não há prova (ou como tal não se considera), quando não produzida contraditoriamente”. Afinal, salienta o saudoso mestre paulista, “se a Constituição solenemente assegura aos acusados ampla defesa, importa violar essa garantia valer-se o Juiz de provas colhidas em procedimento em que o réu não podia usar do direito de defender-se com os meios e recursos inerentes a esse direito”7 Vale referir, ante a extrema pertinência de suas observações, a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho8: “(...) Para que o Juiz possa proferir um decreto condenatório,é preciso haja prova da materialidade delitiva da autoria. Na dúvida, a absolvição se impõe. Evidente que a prova deve ser séria, ao menos sensata. Mais ainda: prova séria é aquela colhida sob o crivo do contraditório. Na hipótese de, na instrução, não ter sido feita nenhuma prova a respeito da autoria, não pode o juiz louvar-se no apurado na fase inquisitorial presidida pela Autoridade Policial. Não que o inquérito não apresente valor probatório; este, contudo, somente poderá REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL ser levado em conta se, na instrução, surgir alguma prova, quando então, é lícito ao Juiz considerar tanto as provas do inquérito quanto aquelas por ele colhidas, mesmo porque, não fosse, não fosse assim, estaria proferindo um decreto condenatório sem permitir ao réu o direito constitucional do contraditório. (...).” (g.n.)

Assim, não basta o agente público ou político ostentar a qualificação de ordenador de despesas ou gestor público, para pura e simplesmente ser alçado a condição de Réu, visto que para ele ser responsabilizado subjetivamente, é necessário que esteja caracterizado pelo acervo probatório que atuou com culpa grave ou dolo com má-fé, para fins de subsunção de uma conduta de extrema gravidade violadora de um dos tipos descritos na Lei de Improbidade Administrativa. O fato de ser ordenador de despesas ou pertencer a posição hierárquica superior no órgão público, por si só, não é suficiente para imputar-lhe responsabilidade perante a Lei nº 8.429/92, visto que a conduta é que será subsumida a um dos tipos da improbidade administrativa se for a hipótese jurídica mais adequada, porquanto tal lei não contempla a hipótese de responsabilidade objetiva, pois vincula-se a atuar contra aquele que praticou até de má-fé e com devassidão. DA RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA DO ORDENADOR DE DESPESA A doutrina dominante sobre a responsabilidade civil é uníssona em preconizar a necessidade de se ter configurado simultaneamente quatro elementos capazes de demonstrar a responsabilidade subjetiva do agente: ação ou omissão; dano; nexo causal e culpa (negligência, imperícia e imprudência). O primeiro elemento, ação ou omissão do agente pode ser entendido como, na primeira situação, a ação é o agir positivo, a prática de determinado ato; já a omissão é desprezar ou esquecer algo ou alguém. O direito penal entende por omissão algo que deixa de ser feito quando a pessoa estaria obrigada a fazê-lo por norma jurídica, ou teria condições para tal. A ação é o ato praticado e a omissão o agir negativo à não-ação. O segundo elemento, o dano é o prejuízo sofrido ou causados por alguém. Ele pode ser financeiro (patrimonial), físico ou moral. O terceiro elemento, o nexo causal se vincula à causa e resultado do ato omissivo ou comissivo do agente e o resultado por ela produzido. Examinar o nexo de causalidade é descobrir quais as condutas positivas ou negativas deram causa ao resultado previsto em lei. Já o quarto elemento, culpa é a falta de diligência na observância norma de conduta, isto é, a ação ou omissão desatenta do agente que gerou prejuízo a outrem, mesmo sem intenção para tal. Aguiar Dias9, define a culpa: “A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo por parte do agente, do esforço necessário para observá-lo, como resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude.”

E o art. 186, do Código Civil define da seguinte maneira a prática de ato ilícito: 14

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“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Com efeito, a negligência, a imprudência e a imperícia, que são formas do núcleo objetivo da prática do ato ilícito se aperfeiçoam pela falta de diligência, prevenção e cuidado do agente. Mais uma vez, abra-se parênteses para registrar a autorizada ótica de Aguiar Dias10 sobre a matriz do ato ilícito culposo: “Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas condições emergentes às considerações que regem a conduta normas dos negócios humanos. É a inobservância das normas que os ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento. Consiste na imprudência da precipitação do procedimento sensato. É a afoiteza no agir, o desprezo das cautelas que devemos tomar em nossos atos. Omissão e abstenção usam-se abusivamente como sinônimos, não obstante sua bem perceptível diferença. Omissão é negligência, o esquecimento das regras de proceder, no desenvolvimento da atividade. A abstenção é a inatividade. Genericamente encarada, a omissão pressupõe a iniciativa. A abstenção a excluir. O mesmo se dá em relação à omissão e inércia. Ambos os conceitos exprimem o procedimento negativo, mas a omissão tem significado mais amplo e mais complexo. Em essência, é culpa.”

Dessa forma, se constata que a negligência se relaciona diretamente com a desídia do agente; a imprudência consiste na precipitação; e a imperícia na falta de habilidade. Já na responsabilidade administrativa o ordenador de despesas, como os demais gestores públicos, respondem perante o o Tribunal de Contas (Controle Externo da Administração Pública), perante o Controle Interno e são fiscalizados pelo Ministério Público, possuindo responsabilidade de natureza subjetiva, não se admitindo a imputação de responsabilidade objetiva, apesar de alguns casos, de forma equivocada,vem ocorrendo a responsabilização de forma objetiva. Contudo, o Tribunal de Contas da União – TCU pacificou o entendimento de que a responsabilidade do gestor público quando administra recursos públicos é subjetiva. Nesse sentido, extrai-se trecho do Acórdão nº 386/1995 – 2ª Câmara/TCU/TC nº 574.084/93-2) no qual foi afirmada a impossibilidade de ser invocada a responsabilidade objetiva do agente público pela prática de atos administrativos: “Por outro lado, o art. 37, § 6°, da Constituição Federal disciplina a responsabilidade objetiva do risco administrativo das pessoas jurídicas de direito público e das legatárias, por atos praticados pelos agentes públicos, violando direitos de outras pessoas, causando-lhes danos ou prejuízos, uma evolução da responsabilidade civilista. ln fine, o citado parágrafo disciplina que o agente público praticante do ato responde perante a pessoa jurídica responsável por culpa lato sensu. No caso em exame, não se trata de lesão singular a direito, mas à sociedade, por descumprir um dever implícito na função pública, fundado em princípios que norteiam o Direito Público, cujo controle ab initio cabe ao Tribunal, nos termos do retromencionado art. 71 e seguintes da Constituição Federal. Preleciona o mestre Hely Lopes Meirelles: ‘A responsabilização de que cuida a Constituição é a civil, visto que a administrativa decorre da situação estatutária e a penal está prevista no respectivo Código, em capítulo dedicado aos crimes funcionais (arts. 312 a 317).’ REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL Tal entendimento foi reiterado no acórdão nº 67/2003 – 2ª Câmara/TCU (TC nº 325.165/1997-1): ‘A responsabilidade dos administradores de recursos públicos, escorada no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal e no art. 159 da Lei n° 3.071/1916, segue a regra geral da responsabilidade civil. Quer dizer, trata-se de responsabilidade subjetiva. O fato de o ônus de provar a correta aplicação dos recursos caber ao administrador público não faz com que a responsabilidade deixe de ser subjetiva e torne-se objetiva. Esta, vale frisar, é responsabilidade excepcional, a exemplo do que ocorre com os danos causados pelo Estado em sua interação com particulares – art. 37, § 6°, da Constituição Federal. A responsabilidade subjetiva, vale dizer, possui como um dos seus pressupostos a existência do elemento culpa. Neste sentido, permito-me transcrever Silvio Rodrigues (Direito Civil, Responsabilidade Civil, p. 16): ‘Culpa do agente. O segundo elemento, diria, o segundo pressuposto para caracterizar a responsabilidade pela reparação do dano é a culpa ou o dolo do agente que causou o prejuízo. A lei declara que se alguém causou o prejuízo a outrem por meio de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, fica obrigado a reparar. De modo que, nos termos da lei, para que responsabilidade se caracterize mister se faz a prova deque o comportamento do agente causador do dano tenha sido doloso ou pelos menos culposo.’.”

Da mesma forma, no Acórdão nº 249/2010-Plenário,11 foi averbado: “Preliminarmente, ressalto que a responsabilidade desses agentes é subjetiva.”

Diversos outros julgados do TCU, Plenário, mantiveram-se fiéis a essa orientação da responsabilidade subjetiva dos administradores de recursos públicos: Acórdãos nº 46/2001; 175/2003; 33/2005; 46/2006; 975/2006 e 487/2008. Cabendo ressaltar que o Tribunal de Contas exerce competência constitucional privativa de julgar as contas dos Administradores Públicos,12 formulando, dessa forma, juízo de valor acerca da gestão dos responsáveis por seus bens e valores públicos, podendo condenar em débito e aplicar sanções de natureza pecuniária e restritivas de direitos que encontram paralelo na esfera penal. Apesar de haver uma confluência na atuação dos Tribunais de Contas com os princípios da responsabilidade civil e da responsabilidade penal, não se pode perder de vista que nem toda infração cometida pelo gestor público se desdobrará compulsoriamente em improbidade administrativa, porquanto é de se identificar a conduta e o núcleo do tipo do ato lesivo, para depois concluir qual a responsabilidade a ser imputada ao mesmo, pela prática de ato de extrema gravidade, subsumindo com dolo,má-fé e de desonestidade. Nessa direção, o art. 21, inciso II, da Lei nº 8.429/92, esclarece que a aplicação das sanções previstas no aludido ordenamento jurídico independe “da aprovação ou rejeição da contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.” Assim esclarece o próprio Tribunal de Contas da União quanto a responsabilidade do agente público:13 “A responsabilização nos processos dos tribunais de contas se origina de conduta comissiva do agente, dolosa ou culposa, cujo resultado seja a violação dos deveres impostos pelo

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regime de direito público aplicável àqueles que administram recursos do Estado ou ainda aos que, sem deter essa condição, causarem prejuízo aos cofres públicos. Considerando a natureza subjetiva e o caráter peculiar acima expostos, os requisitos indispensáveis à configuração da responsabilidade no âmbito nos Tribunais de Contas, que serão examinados detidamente mais adiante, são – prática de ato ilícito na gestão de recursos federais por agente sob a jurisdição do tribunal, havendo ou não prejuízo ao erário; – existência de dolo ou culpa como elemento subjetivo da ação; – existência de nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente público ou privado e o resultado nocivo observado.”

O art. 5º, da Lei Orgânica do TCU estabelece a seguinte jurisdição: “Art. 5° A jurisdição do Tribunal abrange: I – qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inciso I do art. 1° desta Lei, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária; II – aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário; III – os dirigentes ou liquidantes das empresas encampadas ou sob intervenção ou que de qualquer modo venham a integrar, provisória ou permanentemente, o patrimônio da União ou de outra entidade pública federal; IV – os responsáveis pelas contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo. V – os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social; VI – todos aqueles que lhe devam prestar contas ou cujos atos estejam sujeitos à sua fiscalização por expressa disposição de Lei; VII – os responsáveis pela aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VIII – os sucessores dos administradores e responsáveis a que se refere este artigo, até o limite do valor do patrimônio transferido, nos termos do inciso XLV do art. 5° da Constituição Federal; IX – os representantes da União ou do Poder Público na Assembleia Geral das empresas estatais e sociedades anônimas de cujo capital a União ou o Poder Público participem, solidariamente, com os membros dos Conselhos Fiscal e de Administração, pela prática de atos de gestão ruinosa ou liberalidade à custa das respectivas sociedades.”

Não havendo conduta culposa ou dolosa do ordenador de despesa, não há, em regra, responsabilidade perante o Tribunal de Contas. Como se sabe, o dolo corresponde à vontade livre e consciente de alcançar o resultado. Ele decorre da previsão consciente do agente de causar um resultado danoso quando age de forma contrária ao dever jurídico. Para haver a responsabilidade do ordenador de despesas perante a Lei nº 8.429/92 a conduta deve vir precedida de culpa grave ou dolo exteriorizados na prática de ato de extremada gravidade. REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL O tipo culposo (culpa simples) não é suficiente para a subsunção da conduta do ordenador de despesas ou do agente público, no tipo descrito no art. 10, da Lei nº 8.429/92, mas sim a culpa na forma grave, caracterizada por uma extrema inobservância do dever de lealdade e de probidade, visto que na improbidade administrativa deve haver o componente má-fé e desonestidade no ato administrativo praticado pelo agente. ORDENADOR DE DESPESA QUE NÃO PRATICA ATO DE MÁ-FÉ COM DOLO OU CULPA GRAVE NÃO RESPONDE AOS TERMOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA No Brasil, o servidor público chamado de Ordenador de Despesa é aquela autoridade que seus atos resultam em emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos, segundo dispõe o Decreto-Lei nº 200/67. Também pode ser caracterizado como autoridade com atribuições definidas em ato próprio, entre os quais as de movimentar créditos orçamentários, empenhar despesas e efetuar pagamentos. O Ordenador de Despesas deve possuir conhecimento em diversas áreas, visto que terá que tomar decisões e informações em finanças, contratos, licitações, obras, recursos humanos, transparência, bens patrimoniais, dentre outros. Como nem todo ordenador de despesas possui qualificação técnica em Contabilidade ou em Administração, deverá se socorrer de equipe com conhecimento básico na área de gestão. Ou servidores responsáveis pelas áreas de gestão financeira e de pessoal. Os atos do ordenador de despesas devem ser pautados pela regularidade de uma gestão equilibrada, pois ele é o responsável pela aplicação orçamentária do ente público ao qual se encontra vinculado, na forma do art. 70, da CF. Por outro lado, é importante destacar a distinção entre ordenador de despesa, autoridade responsável e gestor fiscal. A autoridade responsável por bens públicos ou pelos pagamentos de RH (Recursos Humanos) possuem funções muito mais amplas que o do ordenador de despesa. O responsável por bens públicos e pelo setor de pessoal tem competência de deferir a realização de despesas, além de ser o responsável pela administração dos haveres públicos. No campo da Administração de Pessoal, o responsável pelo setor faz o devido cotejo entre os direitos, obrigações e a legislação aplicável a servidores estatutários, servidores celetistas, servidores contratados, aposentados e pensionistas. Essas autoridades responsáveis por essas atribuições também se submetem à fiscalização orçamentária, financeira, contábil, patrimonial e operacional. Portanto, as funções desempenhadas pela autoridade responsável incluem aquelas desempenhadas pelo ordenador de despesa. O Gestor Fiscal é o dirigente máximo do poder e é responsável pelo cumprimento das regras estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal. O Ordenador de Despesas, como visto, é a autoridade administrativa detentora de competência de ordenar a execução de despesas orçamentárias como a emissão de notas e empenho e a autorização para liquidação de despesas, na forma do art. 80, do Decreto-Lei nº 200/67. Salvo se praticar ato em conluio com a autoridade responsável (gestor público) ele responderá pela prática de atos praticados por seus subordinados. 18

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Eis a dicção do art. 80, do Decreto-Lei nº 200/67: “Art. 80. Os órgãos de contabilidade inscreverão como responsável todo o ordenador da despesa, o qual só poderá ser exonerado de sua responsabilidade após julgadas regulares suas contas pelo Tribunal de Contas. § 1° Ordenador de despesas é toda e qualquer autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual esta responda. § 2º O ordenador de despesa, salvo conivência, não é responsável por prejuízos causados à Fazenda Nacional decorrentes de atos praticados por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas.” (g.n.)

Do contrário, somente pela ação ou omissão subsumidos em um dos tipos descritos na Lei nº 8.429/92 é que o ordenador de despesas responderá subjetivamente. Como visto, o ordenador de despesas não é responsável por atos praticados por agente subordinado, necessitando atuar em culpa grave ou dolo na prática de ato ilícito para, em tese, ser responsabilizado por ato ímprobo, pelo fato de não responder objetivamente por falhas ou por atos ilegais. O ordenador de despesas, que pode ser originário ou principal, é a autoridade que possui poderes e competências para ordenar as despesas orçamentárias definidas em lei e/ou em regulamento específico. Por se tratar de autoridade que detém legalmente tais atribuições, fala-se que seu poder ordenatório é originário. Os ordenadores de despesas originários são os Prefeitos, Presidentes dos Poderes Legislativo e Judiciário, os Ministros e Secretários de Estado, assim como dirigentes de Autarquias, Fundações, Sociedades de Economia Mista, empresas públicas, etc. Já o ordenador de despesas derivado ou secundário é aquele que recebe, via instituto da delegação, as competências e atribuições do ordenador de despesas originário. Assim sendo, para o exame e inspeção de qualquer despesa pública torna-se necessário, antes de mais nada, identificar quem autorizou a despesa. Geralmente, os ordenadores de despesas que desempenharam cargos políticos, como, por exemplo, os Prefeitos, exerceram função política, possuem servidores públicos profissionais, inclusive na área de orçamento, de contratações e de gestão de pessoal, dentre outras áreas, com atribuições específicas de observar os direitos e os deveres de todos os que recebem verbas municipais, bem como são responsáveis por contratações e pelo processo de licitação, praticando todos os atos necessários à fiel observância da melhor contratação pública, em respeito ao princípio da economicidade. Por essa razão, como dito por Rui Cirne Lima, é importante distinguir os ordenadores, chamados “condutores políticos” (caso do Prefeito, como por exemplo), dos ordenadores ditos “funcionários profissionais” e dos responsáveis pela prática do ato. Eis a diferenciação feita por Rui Cirne Lima14: “(...) Condutores políticos são essencialmente todos quantos, isoladamente ou em grupo, exercem o poder de orientar e dirigir as atividades do Estado, dividir a tarefa estatal, determinar funções, ordenar serviços, fixar competências ‘São, antes de tudo, portadores de ideias.’ REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL Quatro características, independentes entre si, sinalam o funcionário público profissional: a) a natureza técnica ou prática do serviço prestado; b) a retribuição, de cunho profissional; c) a vinculação jurídica à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município: d) o caráter permanente dessa vinculação, segundo uma disciplina legal específica. (...)”

Essa diferenciação é fundamental no exame da ordenação de despesa pública, pois se é distinta a responsabilidade, diversa deverá ser a sanção caso haja a responsabilidade por pagamento indevido ou gasto excessivo em uma contratação. Dentre os condutores políticos, pode-se enumerar: o Presidente da República, os Ministros de Estado, o Governador, os Secretários de Estado, o Prefeito e os Secretários de Estado. Esses ordenadores, pelas funções que lhes incumbem e que condicionam as forças da ação administrativa, são detentores primários e originários. Os ordenadores de despesa secundários, como já dito, são os funcionários públicos profissionais, os quais possuem competência para tal fim, bem como qualificação técnica. Assim, para que haja a responsabilidade dos ordenadores, torna-se necessária a verificação da ilegalidade ou ilegitimidade dos atos de ordenação de despesa, ou seja, se os mesmo praticaram infrações graves, visto que a responsabilidade perante a Lei de Improbidade Administrativa é subjetiva e deve ter o substrato da má-fé e da desonestidade no âmago do ato ilícito. Por outro lado, a área administrativa comumente denominada de “Recursos Humanos”, ou RH, é a responsável por diversos atos de pessoal, como por exemplo: concurso, registros, documentações, pagamentos, concessão de benefícios, controle de ponto e etc. Esse setor também pode ser reconhecido por outros nomes, como gestão de pessoas e gestão de recursos humanos. O RH é o setor responsável pelo pagamento de atribuições técnicas e direitos e vantagem dos servidores públicos de uma maneira geral, e não os seus Prefeitos no caso do Município, ou do Ordenador de Despesa primário, que não possuem qualificações técnicas, visto que são políticos, e não possuem conhecimento para verificarem ou interpretarem normas jurídicas para a correta aplicação de direitos e vantagens dos servidores públicos. A moderna gestão entende que o gerenciamento de pessoas é compromisso de todos os gestores e/ou chefias dos órgãos públicos. Por ser o elemento de continuidade de uma organização entre as diferentes gestões, o gestor deve ser desenvolvido, orientado e motivado de forma sistêmica e contextualizada. Como o ordenador de despesas primário geralmente não consegue controlar todos os gastos públicos, a Constituição Federal, em seu art. 74, estabeleceu individualmente o controle interno nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. As atividades de auditoria interna do órgão público são regidas pela Constituição Federal (arts. 70 e 74), Lei nº 4.320/67 (arts. 75 a 80 e 84) e Lei Complementar nº 101/2000 (arts. 49 e 56), cabendo à auditoria interna, por meio de análises de amostras e por critérios de relevância, verificar toda a realidade administrativa do órgão, desde o seu planejamento orçamentário até a folha de pagamento e a economicidade nas aquisições. 20

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Conforme entendimento do TCU, a auditoria interna é essencial para detectar precocemente riscos ainda não adequadamente tratados, e fornecer a certeza de que os controles internos administrativos são efetivos. (Acórdão TCU n° 3023/2013 – Plenário). Este foi um levantamento de governança e gestão de pessoas em unidades da Administração Pública Federal, onde foram fiscalizadas 330 unidades jurisdicionadas pelo TCU. Extrai-se do acórdão do TCU a necessidade de uma boa governança de pessoas vinculada a permanentes auditorias na folha de pagamentos, não só para verificar a existência de pagamentos irregulares, mas também para detectar riscos e restabelecer o controle interno da área.15 “3.2.6 Controle de Concessão de direitos e vantagens 171. A figura abaixo apresenta a distribuição em ‘Controle da concessão de direitos e vantagens:

Capacidade em “Controle da concessão de direitos e vantagens” (n=305) Inicial (<40%)

Intermediária (40 a 70%)

42%

Aprimorada (>70%)

42%

16%

172. Esse é o único componente do modelo em que poucas organizações foram avaliadas com capacidade inicial. O resultado era esperado, uma vez que os gestores e os órgãos de controle da APF costumam concentrar mais esforços no aspecto da legalidade que nos da eficiência e da efetividade da gestão de pessoas. 173. A única situação merecedora de destaque é que 42% das organizações informaram não realizar auditorias internas na folha de pagamento de forma sistemática (Questão 83). Entre essas, 7% não têm previsão para adotar a prática, 9% pretendem adotá-la, 4% iniciaram ou concluíram planejamento para adotá-la e 22% adotam-na de forma assistemática. Somente no segmento EXE – Mil (órgãos das Forças Armadas), 100% das organizações responderam que adotam integralmente a prática. 174. Com base na experiência desta Unidade Técnica, é possível afirmar que os benefícios gerados pela adoção dessa prática costumam superar muito os seus custos, haja vista se tratar de despesas continuadas. A interrupção de eventuais pagamentos irregulares continuados gera elevado benefício financeiro para os cofres públicos; pois, ainda que se trate de parcelas de pequeno valor, quando o pagamento é efetuado durante longo período, o montante total do prejuízo torna-se significativo. Ademais, os custos decorrentes da adoção sistemática de tal prática podem ser reduzidos, por exemplo, por meio da automatização de trilhas de auditoria ou da celebração de acordos de cooperação que visem ao compartilhamento de custos entre mais de uma organização. 175. Ressalte-se que a boa governança de pessoas pressupõe razoável garantia de regularidade dos pagamentos, e a auditoria em folha é um instrumento relevante para esse fim. Portanto, as organizações públicas devem garantir a realização sistemática desse tipo de REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL auditoria não apenas para verificar a existência de pagamentos irregulares, mas também para detectar tempestivamente riscos ainda não adequadamente tratados e fortalecer os controles internos da área.”

O setor responsável deve realizar auditorias, inspeções e fiscalizações anuais em relação à economicidade, eficácia, eficiência, legitimidade e legalidade da gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como das metas, transparência e programas realizados pelo órgão. Tal controle se estende para as contratações e serviços que o órgão público efetivar. Mais especificamente, por exigência dos art. 70, 74 e 75 da Constituição Federal, art. 54 e 59 da Lei Complementar nº 101/2000, art. 77 e 78 da Lei nº 4.327/64 e art. 7°, VII, letra “b” da Lei nº 12.527/2011, os procedimentos de fiscalização do Controle Interno devem abarcar todas as despesas com pessoal, folha de pagamento, rotinas de controle de ponto dos servidores, licitações, contratos, obras, convênios, utilização dos veículos oficiais, inventários anuais, almoxarifado, e etc. Assim dispõe o art. 74 da CF: “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.” (g.n.)

Dessa forma, o responsável pela folha de pagamento de órgão Público é o Chefe de RH, que sofre fiscalização do controle interno, que se tomar conhecimento ou for omisso em sua função de controle de legalidade no pagamento das obrigações, inclusive com a sua folha de pagamento, será responsabilizado por seus atos e não o ordenador de despesas objetivamente. Nesse sentido, segue a orientação de Fernando Facury Scaff e Luma Cavaleiro de Macedo Sacaff,16 ao comentarem o disposto no § 1º, do art. 74, da CF: “(...) O § 1º estabelece a responsabilidade dos órgãos de controle interno com a apuração de eventuais ilegalidades ou irregularidades que tomarem conhecimento em razão de sua atividade funcional. Diferente dos órgãos de controle externo, que possuem poderes expressos na Constituição (vide arts. 71 e 72) para sustação de atos considerados ilegais, os órgãos de controle interno têm o dever de relatar ao Tribunal de Contas da União, as irregularidades que forem encontradas sob pena de responsabilidade funcional solidária. Duas são tônicas do preceito. A primeira é a de tentar vincular dos sistemas, fazendo que a atividade de controle interno sirva de auxiliar para a de controle externo.

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E a segunda é a de tentar desvincular os órgãos de controle interno da submissão aos Poderes dos quais faz parte, sob pena de responsabilidade funcional e solidária dos envolvidos, com as irregularidades que forem apuradas e não informadas, por aqueles que tinham o dever funcional de conhecê-los e, delas tomando conhecimento, não as comunicaram. (...)” (grifamos)

Dessa forma, os atos praticados pelo RH das Prefeituras, como por exemplo, ou qualquer outro ente público sofrem, obrigatoriamente, a fiscalização do controle interno, órgãos responsáveis pela fiel aplicação da legislação aos servidores públicos, no que se refere ao recebimento de direitos e de vantagens. A omissão do controle interno do órgão gera responsabilidade por ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92, como destaca o Ministro Alexandre de Morais17, nos seus comentários ao § 1º, do art. 74, da CF: “(...) Importante ressaltar que esse sistema integrado de controle externo, pois o próprio § 1º, do art. 74 prevê a obrigatoriedade dos responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darem ciência ao Tribunal de Contas, sob pela de responsabilidade solidária. Note-se, inclusive, sob pena de, em tese, responsabilidade por ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92. (...)” (grifamos)

O Ordenador de Despesas originário geralmente, não é o responsável por esse controle interno, e nem é a sua função fiscalizar o Departamento Pessoal para verificar a fiel execução da legislação aplicável aos servidores públicos efetivos, celetistas, contratados, aposentados e pensionistas. É dever do Tribunal de Contas quando de sua fiscalização verificar se o órgão inspecionado possui controle interno, responsável pelo cumprimento da legalidade, eficácia e eficiência, na atividade pública fiscalizada, na forma do art. 74 da CF. Dessa forma, compete ao Tribunal de Contas, quando de sua inspeção, atestar se a estrutura administrativa fiscalizada funciona um sistema de Controle Interno implementado, responsável não só pela salvaguarda dos registros administrativos, mas sobretudo pela realização de atividade pública voltada para que a área do departamento de pessoal seja realizada com legalidade, eficácia e eficiência. Constatada a existência do Controle Interno na estrutura administrativa, o Tribunal de Contas identificará se o Departamento de Pessoal também é operante, e possui as informações necessárias para a prevenção de erros na concessão de benefícios e na folha de pagamentos. Assim, a responsabilidade por erros ou equívocos na área de pessoal é do respectivo departamento e do controle interno, que são os ordenadores de despesas secundários, que praticam diretamente atos inerentes à fiel e correta aplicação dos direitos e das vantagens aos servidores públicos estatutários e celetistas, bem como dos contratados temporariamente, se houver aposentados, pensionistas e etc. É dever da Corte de Contas na sua inspeção ou no julgamento das despesas, verificada irregularidade ou ilegalidades, identificar os responsáveis pelas diversas áreas e escalões da Administração Pública inspecionada, para que os mesmos REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL possam se defender de futuras imputações, inclusive perante a Lei nº 8.429/92, visto que o ordenador de despesa primário ou originário não responde objetivamente aos termos da lei de improbidade administrativa. No caso de serem constatadas ilegalidades pela inspeção do Tribunal de Contas é necessária a identificação dos responsáveis pela prática do ato ou do respectivo controle do mesmo, para se não se impute a responsabilidade objetiva ao ordenador de despesa primário. Cabendo ressaltar que o § 2º, do art. 80, do Decreto-Lei nº 200/67, retira a responsabilidade do ordenador de despesa , salvo conivência, por prejuízos causados ao erário por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas. DA ATUAÇÃO DO ORDENADOR DE DESPESAS EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Da mesma forma que o ordenador de despesa originário nem sempre é responsável pela prática de atos voltados à gestão de pessoal, em relação aos contratos firmados pela Administração Pública, apesar dele geralmente assinar o contrato administrativo (prática de ato de ofício), deve atuar um gestor público, com a finalidade de verificar a regularidade e a economicidade da respectiva contratação. Nos pregões (Lei nº 10.520/2002) o ordenador de despesa nomeará autoridade competente para tomar todos os atos necessários para o fiel e bom cumprimento da delegação recebida, que visa contratar a melhor proposta para o poder público, dentro dos princípios de economicidade, eficiência, legalidade, isonomia, dentre outros. Já na fase preparatória do pregão, o art. 3º, da Lei nº 10.520/2002, determina as seguintes providências: “Art. 3º A fase preparatória do pregão observará o seguinte: I – a autoridade competente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, inclusive com fixação dos prazos para fornecimento; II – a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição; III – dos autos do procedimento constarão a justificativa das definições referidas no inciso I deste artigo e os indispensáveis elementos técnicos sobre os quais estiverem apoiados, bem como o orçamento, elaborado pelo órgão ou entidade promotora da licitação, dos bens ou serviços a serem licitados; e IV – a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.”

Designados pela autoridade competente, os servidores do órgão tomador do serviço, o pregoeiro e a respectiva equipe de apoio, se houver qualquer vício de legalidade no certame capaz de ensejar a responsabilidade perante os termos da Lei nº 8.429/92, deve-se identificar os responsáveis diretos pelas falhas, deixando de lado o ordenador de despesas, salvo se tiver atuado em conluio com o 24

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subordinado, porquanto se apenas e tão somente tenha praticado ato de ofício de assinar o instrumento contratual com o vencedor do certame, não lhe poderá ser atribuída a responsabilidade objetiva. Todavia, se for comprovada a prática de ato ilícito do ordenador de despesas, como por exemplo, o conluio, a simulação ou o ardil ligadas a uma desonestidade, o mesmo terá responsabilidade subjetiva para responder sob uma possível prática de ato de improbidade administrativa. Não existindo essas hipóteses narradas, não há como se sustentar a responsabilidade objetiva do ordenador de despesa pelo fato dele ter subscrito o contrato com o vencedor da licitação. Já a Lei nº 8.666/93 aborda as seguintes atribuições de responsabilidade da autoridade do órgão público designado pelo ordenador de despesas ou pela autoridade máxima: • O pagamento de todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações deverá obedecer, para cada fonte de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante justificativa da autoridade competente, devidamente publicada (art. 5º). • As licitações para execução de obras e para a prestação de serviços será precedida da conclusão e aprovação pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à execução do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços será precedida da conclusão e aprovação pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à execução do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços, desde que autorizado pela Administração. Compete também à autoridade competente aprovar o projeto básico das obras e dos serviços, quando houver a necessidade (art. 7º, § 1º e § 2º); • “É proibido o retardamento imotivado da execução da obra ou serviço, ou de suas parcelas, se existente previsão orçamentária para sua execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem técnica, justificados em despacho circunstanciado da autoridade...” (art. 8º, parágrafo único); • Autoridade competente poderá alienar os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento (art. 19); • As dispensas de licitação previstas nos §§ 2º e 4º, do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade constantes no art. 25, necessariamente justificadas, deverão ser comunicados, dentro de três dias, à autoridade superior, para satisfação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição de validade dos atos (art. 26); • “Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c” desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicação da licitação, a qual terão acesso o direito a todas as informações pertinentes e se manifestar todos os interessados.” (art. 39); REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL • O original do Edital deverá ser datado, rubricado em todas as folhas e assinado pela autoridade que o expedir, permanecendo no processo de licitação, e dele extraindo-se cópias integrais ou resumidas, para sua divulgação e fornecimento aos interessados.” (§ 1º, do art. 40); • A licitação será processada e julgada com deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação. Também é facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originalmente da proposta (art. 43, VI e § 3º); • “Excepcionalmente, os tipos de licitação previstos neste artigo poderão ser adotados, por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório.” (§ 3º, do art. 46); • “A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.” (art. 49); • “No caso de convite, a Comissão de licitação, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e em face da exiguidade de pessoal disponível, poderá ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.” (§ 1º, do art. 51); • O critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. Para obras e serviços de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do contrato.” (art. 56 e § 3º); • Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.” (art. 57, § 2º); • Constitui motivo para rescisão do contrato o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como a de seus superiores, bem como as razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato (art. 78, VII e XII); • “A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente.” (§ 1º, do art. 79); • “A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que 26

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seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.” (inc. IV, do art. 87); • “O recurso previsto nas alíneas “a” e “b” do inciso I deste artigo terá efeito suspensivo, podendo a autoridade competente, motivadamente e presentes razões de interesse público, atribuir ao recurso interposto eficácia suspensiva aos demais recursos”. “O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade” (Art. 109, §§ 2º e 4º); • “A adoção do procedimento de pré-qualificação será feita mediante proposta da autoridade competente, aprovada pela imediatamente superior.” (Art. 114, § 1º) • “Os órgãos da Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência, observadas as disposições desta Lei”. “As normas a que se refere este artigo, após aprovação da autoridade competente, deverão ser publicadas na imprensa oficial.” (Art. 115, § único). Geralmente esses atos são praticados por gestores públicos designados pelo ordenador de despesa ou pela autoridade máxima do órgão público, onde são nomeadas Comissões responsáveis para a fiel execução do contrato administrativo e da licitação. A autoridade máxima delega poderes para os seus comandados, pois seria muito difícil que ela controlasse a legalidade de todos os atos praticados por seus comandados. Dessa forma, nasce a responsabilidade funcional dos gestores públicos responsáveis pela prática de atos funcionais necessários ao fiel cumprimento das normas de condutas, caso sejam identificadas ilegalidades extremas que estejam tipificadas na Lei de Improbidade Administrativa, sendo vedada a imputação objetiva ao ordenador de despesas, salvo se ele tenha praticado ato de má-fé e desonesta em detrimento da probidade administrativa. Isso porque, a improbidade é conduta subjetiva, ligada à prática de atos imorais e desonestos, construídos pela má-fé do agente. Ou pela definição de Marçal Justen Filho18: “A improbidade por responsabilidade extraordinária se verifica nos casos em que o sujeito atua dolosamente para violar os deveres inerentes à função pública, de modo a gerar resultados ilícitos. Existe a improbidade porque o sujeito atua consciente e voluntariamente com o intento de violar a ordem administrativa, usualmente para propiciar para si ou para outrem benefícios econômicos indevidos. Essa hipótese está prevista nos arts. 9º e 11 da LIA. A improboidade por danosidade extraordinária é aquela em que a reparação resulta da conduta do agente de produzir um dano insuportável e inadmissível no âmbito da atividade administrativa. a probabilidade de dano extraordinário exige do sujeito um dever de diligência especial.”

Existindo gestores e controle interno, a ausência de relação causal retira do ordenador de despesa a prática de ato de improbidade administrativa: REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA EO ATO ILÍCITO. MERA IRREGULARIDADE. ATO DE IMPROBIDADEADMINISTRATIVA NÃO CARACTERIZADO. 1. A declaração da existência, ou não, da prática de atos deimprobidade, em casos como o presente, não reclama o reexame defatos ou provas. Com efeito, o juízo que se impõe restringe-se aoenquadramento jurídico, ou seja, à consequência que o Direito atribui aos fatos e provas que, tal como delineados pelas instânciasordinárias, darão suporte à condenação. 2. A decisão agravada, em momento algum, alterou as premissas estabelecidas pela origem; ao invés, limitou-se a asseverar que, segundo o arcabouço fático delineado, não restou comprovada prática de ato de improbidade administrativa, porquanto inexistente nexo de causalidade direto entre a conduta perpetrada pelo recorrente (solicitação de patrocínio) e a contratação direta da empresa. 3. A existência de meras irregularidades administrativas não enseja a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992. A razão para tanto é que “a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé; e por isso, necessário o dolo genérico na condutado agente” (REsp 1512047/ PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/05/2015, DJe 30/06/2015). 4. Agravo interno improvido.”19

As irregularidades administrativas que possam ser identificadas pelo Tribunal de Contas ou pelo Ministério Público devem ser precisas e voltadas para os agentes públicos responsáveis por tais falhas, praticadas de má-fé e com uma reprovabilidade extraordinária vinculada a desonestidade. Não existe responsabilidade compulsória e automática do ordenador de despesa ou da autoridade máxima do órgão, se ele não praticou ato imoral ou ímprobo, pois a sua responsabilidade é subjetiva. Não é cabível ter-se como presente o elemento doloso ou a má-fé do gestor público se ele adota exatamente a mesma conduta que sempre fora praticada e que merecera aprovação de órgãos de controle. Mesmo que se reconheça uma irregularidade de conduta, exclui-se a presença do elemento subjetivo que caracteriza a improbidade. Seria o mesmo, à guisa de exemplo, que punir o Presidente da República ou os seus Ministros por uma eventual pagamento de vantagens indevidas aos servidores públicos federais ou que fossem detectadas contratações ou licitações irregulares. Existem controles de Recursos Humanos e o controle interno dos órgãos públicos que possuem a atribuição de verificar a correta aplicação da legislação de pessoal e da Lei nº 8.666/93, sem que com isso, detectada falha dos controles, a responsabilidade recaia para o gestor público político ou originário. Não sendo apontada uma única conduta do ordenador capaz de caracterizar ato de improbidade administrativa, não há como prosperar a ação de improbidade administrativa contra ele: “A Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé, e por, necessário o dolo genérico na conduta do agente.”20

No mesmo sentido, seguem os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: 28

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“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO DOLO NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU VIOLAÇÃO A PRINCÍPIO. SÚMULA7/STJ. 1. Cuida-se de ação civil pública, que busca ressarcimento depretenso dano ao erário, decorrente de licitação para compra de umaunidade móvel de saúde, alegando o Ministério Público Federalimprobidade administrativa por ausência de publicação do edital em jornal de circulação estadual. 2. Na sentença de primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, absolvendo os agravados das acusações de improbidade administrativa. O Tribunal de origem manteve a sentença de primeiro grau, que afastou a improbidade administrativa, afirmando que houve apenas “mera irregularidade, não caracterizando desonestidade, má-fé ou improbidade, na conduta dos recorridos”. 3. As considerações feitas pelo Tribunal de origem afastam a prática do ato de improbidade administrativa, caso em que a conduta do agente não se amolda ao disposto nos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/1992, pois não ficou caracterizado o elemento subjetivo dolo na conduta do recorrido ou dano ao erário ou violação de princípios. Incidência da Súmula 83/STJ, verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”. 4. Demais disso, entender diversamente do Tribunal de origem, para concluir pela ocorrência de dano ao erário ou violação de princípios ou enriquecimento ilícito, uma vez que houve publicação do edital apenas em âmbito regional e municipal, e, não, em jornal de circulação estadual, demandaria análise de matéria fático-probatória, vedada pela Súmula 7 desta Corte. Agravo regimental improvido.”21 “PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO OU CULPA DO AGENTE. ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NA NÃO COMPROVAÇÃO DOS FATOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1. Afigura-se indispensável a presença de dolo ou culpa do agente público para ensejar a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992, sendo insuficiente, para tanto, meras irregularidades administrativas. 2. A absolvição do acusado quanto à suposta prática de atos ímprobosbaseada na não comprovação dos fatos narrados na inicial inviabilizaa análise da pretensão recursal, conforme orientação da Súmula 7desta Corte. 3. O cotejo analítico entre os casos confrontados perpassa,necessariamente, pela análise das peculiaridades fáticas da causa, oque não se fez no caso concreto. 4. Recurso especial conhecido, em parte, para, nessa medida,negar-lhe provimento.”22

Portanto, não há que se falar em ato de Improbidade Administrativa praticado pelo ordenador de despesa se ausente a prática de ato devasso ou imoral, pois a suposta ilegalidade dos atos só adquire o status de improbidade se presentes o elemento subjetivo da contratação de obras e serviços a Lei nº 8.66/93 dota de responsabilidade os gestores públicos que deverão cumprir seus deveres de lealdade e de probidade no trato da coisa pública. DA NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA PARA FINS DE SUBSUNÇÃO NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – JUSTA CAUSA A ação de improbidade administrativa não pode ser um “veículo” de picuinhas pessoais ou de perseguições políticas ou ideológicas, visto que a petição inicial REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL possui o dever de atribuir comportamento específico e individualizado aos acusados, que demonstre desde o início da plausibilidade do direito explicitado. A imputação ao agente tido como Réu do suposto fato ímprobo, apenas em razão dele ser ordenador de despesas ou possuir cargo de hierarquia superior, viola o plasmado do due process of law, visto que obrigatoriamente deve constar na petição inicial da ação de improbidade a descrição dos fatos e a participação dos Réus. Se os fatos narrados na petição inicial foram descritos de “modo genérico”, reconhecido estará que o fato acoimado de ímprobo não foi descrito em todas as suas circunstâncias, uma vez que a sua descrição pode ser sucinta, resumida, condensada, marrada com poucas palavras, mas devem conter todos os elementos necessários para a delimitação da conduta dos acusados. Pela conjugação dos princípios constitucionais da reserva legal e da responsabilidade pessoal, clara está que a Constituição repele o princípio da responsabilidade objetiva perante a Lei de Improbidade Administrativa. Cumpre ter presente, desse modo, que se impõe, ao Ministério Público, órgão acusador, ao plano da persecução da improbidade administrativa, o dever de definir, com precisão, a participação individual dos autores de quaisquer delitos, inclusive do ato tido como ímprobo. O Poder Público, tendo presente a norma inscrita no art. 17, § 6º, da Lei nº 8.429/92, não pode deixar de observar as exigências que emanam desse preceito legal, sob pena de incidir em grave desvio jurídico-constitucional no momento em que exerce o seu dever-poder de fazer instaurar a “persecução estatal” contra aqueles que, alegadamente, transgrediram a Lei de Improbidade Administrativa. A ação deve ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentais da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas. Sobre o tema, importantes considerações traçadas por Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto23: “O que se exige é uma inicial clara e precisa, acompanhada de provas e indícios mínimos que justifiquem o recebimento e processamento de uma ação judicial de evidente gravidade, com reflexos políticos, pessoais e econômicos (...)”

Mesmo prevalecendo o princípio do in dúbio pro societate, a petição inicial deverá descrever circunstanciadamente a prática do pseudo ato ímprobo, com a participação ativa ou passiva do Réu, sob pena de inépcia. Os fatos típicos atribuídos a cada um dos acusados devem guardar correlação com a Lei nº 8.429/92, no que diz respeito, em tese, a materialidade do ilícito e a sua provável autoria. Em sintonia como que foi dito, segue o presente precedente do STJ24: “(...) ações sancionatórias – essa é uma lição repassadas pelos melhores doutrinadores – é indispensável que a postulação inicial demonstre a presença de elementos confiáveis e seguros quanto a materialidade do ilícito e a sua provável autoria, sem que não se revela a sua justa causa, esse quarto elemento próprio das ações sancionadoras, ao lado do interesse processual, da possibilidade jurídica do interesse de agir.”

As acusações genéricas são repudiadas pelo nosso sistema processual, que repele as sentenças indeterminadas e adverte, especialmente no contexto do delitos que 30

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DIVULGAÇÃO

Meras conjecturas, sequer podem conferir suporte material a persecução estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revertem, em sede de ação de improbidade administrativa, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação em violação aos tipos descritos na Lei nº 8.429/92, quer, com maior razão, para fins de prolatação de juízo condenatório.

envolvam a prática de ato de improbidade administrativa, que mera presunção de culpa, decorrente unicamente do fato de ser ordenador de despesas ou ocupar cargo de direção em órgão público, não pode alicerçar uma imputação de prática de improbidade administrativa, pois a submissão de uma pessoa aos rigores de um processo de improbidade administrativa exige um mínimo de prova de que tenha praticado ato ímprobo, ou concorrido para a sua prática. Se isto não existir, haverá o que se denomina o abuso do poder de denúncia. Essa necessidade de individualização das respectivas condutas dos acusados, elencados como Réus na ação de improbidade administrativa deve observar os princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º, inciso LV) e dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). A petição inicial é inepta se não pormenorizar, de modo adequado e suficiente, a conduta ímproba dos Réus, respaldada por indícios de autoria e de materialidade, acompanhado de documentos que comprovem a plausibilidade do direito postulado em juízo. A pessoa sob investigação administrativa ou penal possui o direito de não ser acusado com base em denúncia inepta. Isso porque, a petição inicial, enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação da ação de improbidade constitui peça processual de indiscutível REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da ação prática do ato ímprobo, define, a própria res in judicio deducta. A petição inicial, por isso mesmo, deve estabelecer a exposição do ato ímprobo, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, com respaldo probatório confiável. Essa narração, ainda que suscinta, impõe ao órgão acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao acusado, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Acusação que não descreve, adequadamente, o ato ímprobo e que também deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao evento delituoso qualifica-se como acusação inepta. Não basta a mera invocação da condição de ordenador de despesas em ente de direito público, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule ao resultado ímprobo, apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção máximo em ente público não se revela suficiente, por si só, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução estatal em juízo. Preocupado com o reducionismo dos indícios e das provas, alicerçadas a presunção de culpas dos acusados nas ações de improbidade administrativa, característica de autoritarismos violentos, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho25 faz a observação precisa e certeira: “Mas os agentes do poder estatal de punir, porém, tendem a fazer tabula rasa da exigência da justa causa para inaugurar e desenvolver os processos punitivos, porquanto as suas consolidadas vocações autoritárias, violentas e discriminatórias sempre encontram, fora das instâncias administrativas, apoiadores oportunos, dessintonizados das ideias do aludido garantismo jurídico e judicial, negligentes quanto à centralidade das garantias subjetivas e da necessidade de impor limites ao poder punitivo do Estado. Contudo, é preciso deixar bem claro, para não se incidir em abstracionismos ou em ingenuidades imperdoáveis, que estes, hoje em dia, veem-se em acelerada marcha ascendente e já são praticamente majoritários; para eles, o reducionismo dos indícios e das provas a presunções de culpa são o grande mote para os seguidos autoritarismos violentos, carreados por justificações jurídicas muitas vezes bem verbalizadas.”

Para iniciar-se a ação de improbidade administrativa é de se observar a locução justa causa para se avaliar, logo de início, se o pleito é legítimo, afim de que o mesmo não resulte, ou para potencialmente resultar efeitos prejudiciais ou danosos a direito ou a interesses de pessoas. Apesar da teoria da justa causa possuir matriz no direito penal e processual, o direito sancionador, aí inclui-se a ação de improbidade administrativa, passou a adotar tal teoria como forma de minimizar as açodadas demandas, bem como os processo disciplinares, movimentados por parâmetro subjetivo de justiça de seu subscritor, sem qualquer isenção ou critério de aplicação do direito justo. A justa causa é uma exigência de qualquer formulação judicial, máxime aquela que carrega pretensão sancionadora, capaz de devastar a integridade de uma pessoa, com sérios reflexos patrimoniais, sociais e familiares. 32

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A formulação de acusações genéricas, em prática de atos de improbidade administrativa, culmina por consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade objetiva, ausente de mínima justa causa para a persecução estatal. Preocupado com denúncias genéricas por parte do Ministério Público, Ronaldo Augusto Brestas Marzagão26, aduna: “Se há compromisso da lei com a culpabilidade, não se admite responsabilidade objetiva, decorrente da imputação genérica, que não permite ao acusado conhecer se houve e qual a medida da sua participação no fato, para poder se defender. Desconbecendo o teor preciso da acusação, o defensor não terá como orientar o interrogatório, a defesa prévia e o requerimento de provas, bem assim não terá como avaliar eventual colidência de defesas entre a do seu constituinte e a do co-réu. O acusado será obrigado a fazer prova negativa de que não praticou o crime, assumindo o ônus da prova que é do Ministério Público, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência. A denúncia genérica, nos crimes de sonegação fiscal, impossibi1ita a ampla defesa e, por isso, não pode ser admitida.” (grifei)

Cumpre ter presente, bem por isso, que ser ordenador de despesas, por si só, não gera responsabilidades perante a Lei de Improbidade Administrativa. Logo, a invocação dessa condição, sem descrição de condutas específicas que vinculem cada autoridade administrativa à prática de ato ímprobo, não basta para viabilizar o recebimento da petição inicial. É preciso ressaltar que mesmo o STJ tendo fixado o entendimento de que o art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92 funciona como in dúbio pro societa ao estabelecer que a inicial somente será rejeitada quando constatada a inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou a inadequação da via eleita, a inexistência de elementos mínimos para a admissibilidade da ação de improbidade em desfavor do demandado, autoriza a sua rejeição, a fundamental justa causa para o prosseguimento da ação. Em preciso julgado, o STJ27 afastou a argumentação do órgão acusador de que basta a descrição genérica dos fatos e imputação dos Réus para o recebimento da petição inicial, totalmente carente de elementos mínimos para a sua admissibilidade: “(...) 1. A imprescindibilidade da comprovação da justa causa decorre dapossível utilização do direito de ação de forma temerária, que,conforme sustenta o jurista Mauro Roberto Gomes de Mattos, semprovas ou elementos de convicção para o julgador, deve ser rejeitada(O Limite da Improbidade Administrativa: Comentários à Lei nº 8.429/92.Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 552). 2. Na presente demanda, o TRF da 2ª Região, com base nos fatos eprovas constantes dos autos – impermeáveis a modificações e insindicáveis em sede de recorribilidade extraordinária –, verificou que a conduta da acusada não foi suficientemente filigranada na petição inicial, apontado-se a insuficiência, para os efeitos de processamento de ação de improbidade, da simples referência de que a implicada ocupava o cargo de gerente de relacionamento da CEF e de que era dela a responsabilidade pela concessão dos dois empréstimos alegadamente irregulares (fls. 206). REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL 3. Portanto, ausente a descrição do fato típico que teria sido praticado pela implicada, não há falar-se em conduta ímproba, contrariamente, portanto, ao que pretende a parte agravante na insurgência em testilha, uma vez que alega a suficiência de descrição genérica dos fatos. Rejeita-se, portanto, a alegação da parte recorrente de violação aos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, porquanto o que se exige de uma promoção judicial, sobretudo em matéria de sanções, é a individualização do suposto malfeito do réu, com a pormenorização dos fatos, até mesmo para que a defesa doacionado tenha a mínima viabilidade; providência não atendida nademanda em espeque. 4. Agravo Interno do Órgão Acusador desprovido.” (g.n.)

Em sede doutrinária, destaca-se a firme posição do Min. Napoleão Nunes Maia Filho28: “A exigência de justa causa nas iniciativas sancionadoras representa, portanto, um freio às afoitezas acusatórias, criando um limite não ultrapassável ao exercício do poder de acusar, impondo ao acusador que, antes de exercer a iniciativa punitiva, vale dizer, antes da inauguração do processo punitivo, recolha, previamente, com seriedade e método, provas sérias da materialidade do ilícito e indícios veementes e seguros da sua provável autoria, porquanto, sem o cumprimento dessas exigências, a promoção punitiva resvalará para o perigoso território do possível – e não do provável – e a ação sancionadora poderá se converter apenas em meio de tormento, em detrimento da sua feição de meio de justiça.”

Meras conjecturas, sequer podem conferir suporte material a persecução estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revertem, em sede de ação de improbidade administrativa, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação em violação aos tipos descritos na Lei nº 8.429/92, quer, com maior razão, para fins de prolatação de juízo condenatório. A RESPONSABILIDADE É PESSOAL DO ORDENADOR DE DESPESAS E A ILEGALIDADE DEVE DEMONSTRAR DESLEALDADE E DESONESTIDADE Os atos imputados ao ordenador de despesas, como qualquer outro gestor público, refere-se à má qualidade de uma administração, à prática de atos que impliquem em enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário, ou, ainda em violação aos princípios que orientam a Administração Pública de forma grave e extremada, demonstrando deslealdade e desonestidade. De forma acertada, o Superior Tribunal de Justiça – STJ identificou que a sua jurisprudência exige para a aplicação da violação de princípios, a que alude o art. 11, da Lei nº 8.429/92 a observância de duas fases: – dolo (ato voluntário consciente); – deslealdade e desonestidade Explicitando tais valores, o Min. Og Fernandes29 esclarece: “Destarte, ao proferir voto no Resp 1.573.026/SE, cujo julgamento encontra-se suspenso na Segunda Turma deste Sodalício com pedido de vista do ilustre Ministro Herman Benjamim, explicitei que, após verificada a sequência de julgados desta Corte Superior, é possível deduzir que a jurisprudência exige para aplicação do art. 11 da Lei nº 8.429/1992 a observância de duas fases: a) a existência de um ato voluntário e consciente – doloso, no

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sentido genérico – que afronte um princípio da administração pública ou uma das figuras do art. 11 da Lei nº 8.429/1992. Inexistindo o primeiro, ou seja, se não há ato doloso – no sentido de dolo genérico –, nem se há de perquirir sobre existência de má-fé, a qual deve ser buscada na fase seguinte não como um fim especial de agir (basta o dolo genérico), mas como uma nota qualificativa da conduta ilícita. b) que esse atuar se revele desleal ou desonesto para com a administração pública, isto é, uma nota qualificada para que aquele ato – objetivamente descrito no item “a” supra – configure a prática de improbidade administrativa.” No que concerne a esta segunda fase e sendo uma decorrência da linha evolutiva da jurisprudência desta Corte, pode-se citar o seguinte julgado:

Com essas premissas, o Superior Tribunal de Justiça alterou a sua jurisprudência para consolidar a necessidade de má-fé e de desonestidade do gestor público quanto sua conduta se subsume ao tipo descrito no art. 11, da Lei nº 8.429/9230 “RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO E DE MOBILIÁRIO PARA IMÓVEL FUNCIONAL UTILIZADO PELA REITORIA DA UNB, COM RECURSOS DO FUNDO DE APOIO INSTITUCIONAL À FUB. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ E DE QUALQUER INTENÇÃO DESONESTA OU DESLEAL DOS IMPUTADOS. REVALORAÇÃO DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSÁRIO REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A orientação jurisprudencial sedimentada no Superior Tribunal de Justiça estabelece que a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração depende da demonstração do chamado dolo genérico. 2. “Para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014” (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016). 3. No caso, o acórdão recorrido consigna que, em face da prova dos autos e levando em consideração a forma com que foram feitas as aquisições do mobiliário e do automóvel, não ficou evidenciada a prática de desonestidade e de má-fé por parte dos réus. Acrescenta que “o exame dos autos conduz à conclusão de que, ao seguir a rotina repetida em grande número de órgãos públicos, o Conselho Deliberativo da FUB e os ordenadores de despesas tiveram, para si, a convicção de que seu comportamento não era censurável e que a iniciativa destinava-se ao desenvolvimento institucional da FUB, de natureza infraestrutural, tal como previsto pela Lei nº 8.958/1994 e pelo art. 1º, § 3º, do Decreto nº 5.205/2004, mencionados na inicial. Pautando-se nessa praxe, na pior das hipóteses, os agentes públicos teriam agido com culpa, mas não com dolo, elemento indissociável de qualquer atividade punitiva do Estado Democrático, especialmente nas hipóteses previstas no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, a que se refere a inicial”. 4. Logo, o Tribunal local, através de fundamentação idônea e contextualizando todos os fatos, demonstrou inexistir qualquer nota qualificadora de um atuar de má-fé ou REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL desonesto (no sentido da deslealdade) para com o cumprimento dos deveres no âmbito da administração pública. 5. Nesse ínterim, a revisão das conclusões adotadas configuraria, de forma inequívoca, infringência ao enunciado n. 7 da súmula de jurisprudência do STJ, o que inviabiliza adentrar-se no mérito do presente recurso especial. Tal óbice, como cediço, impede também o conhecimento do recurso pela divergência jurisprudencial (alínea “c” do permissivo constitucional). 6. Recurso especial não conhecido.”

Nesse particular, interpretandoo que seja a desonestidade revelada pela má-fé exigida pela jurisprudência do STJ, para efeito de configuração da prática descrita no art. 11, da Lei nº 8.429/92, o Min. Og Fernandes, Relator do REsp nº 1622.001/ DF, deixou explicitado em seu voto: “Com efeito, uma coisa é atuar o agente em desacordo com a lei. Outra é se, além de atuar em desacordo com a lei, existe na sua conduta a nota especial da má-fé, desonestidade ou deslealdade, como bem anotado no julgamento do REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin. A conduta desonesta, de má-fé ou desleal, para efeito de aplicação do art. 11 da Lei nº 8.429/1992, é aquela que, ante o contexto, exsurge com algum dos elementos abaixo: a) reiteração de atos da mesma espécie em certo procedimento, mesmo diante do já conhecimento, cientificado por outrem, ou não, de que a sua conduta pode incidir em grave ilícito violador de determinado princípio da administração pública; b) ciência anterior, em decorrência de manifestação havida por parte de órgãos da fiscalização, de que atuar daquela forma pode redundar em violação de princípio da administração pública; c) conduta desleal, no sentido de ocultar a real condição do agente, na tentativa de induzir alguém a erro ou evitar o conhecimento do fato; e d) prova devidamente produzida nos autos, a demonstrar que o agente violador do princípio da administração pública já incidira nas mesmas práticas anteriormente.”

A improbidade administrativa não é “apenas” um mero fato de se descumprir determinada norma legal ou princípio constitucional, caracterizado apenas por uma atuação do agente público inconsistente, involuntária ou até mesmo, se for praticado com o dolo genérico, mas sem o substrato da má-fé, não há a configuração do ato ímprobo. O descumprimento de um dever legal pela prática de ato de inabilidade precedida de dolo deve vir com uma atuação com a nota qualificadora do tipo do art. 11, da Lei nº 8.429/92, pois o desastrado e o inábil não se inserem no presente contexto. Assim, para a nota qualificadora do art. 11, da Lei nº 8.429/92, deve estar presente a desonestidade, como condição do núcleo do tipo do ato ilícito ímprobo, já nos casos previstos nos arts. 9º e 10º, da Lei de Improbidade Administrativa, além desse comportamento desonesto é exigido o próprio enriquecimento ilícito do agente ou do terceiro por ele indicado e o grave dano ao erário, respectivamente. A presença do elemento subjetivo para a tipificação da conduta do agente público como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa é de crucial importância, visto que somente os atos desleais e desonestos se subsumem ao escopo da Lei nº 8.429/92. Dessa forma, não basta estar conectado ao ato ímprobo o dolo, visto que ele deve vir acompanhado de uma conduta desonesta e desleal. Nesse sentido, segue o seguinte procedente do Superior Tribunal de Justiça – STJ31: 36

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“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. [...]. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público estadual contra o ora recorrente, Prefeito do Município de Ibaiti, objetivando a condenação deste pela prática de atos ímprobos, em razão de fatos apurados pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Resolução 2.593/2005), quais sejam: abertura de créditos adicionais suplementares sem autorização legal; déficit orçamentário injustificado e variação do percentual das despesas com pessoal acima dos índices fixados no art. 71 da Lei de Responsabilidade Fiscal. [...] PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO 5. O entendimento do STJ é no sentido de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10. 6. É pacífico nesta Corte que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 7. Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. 8. Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014. [...]

Influenciado por essa atual interpretação jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça – STJ afastou a prática de ato de improbidade administrativa por parte de ordenadores de despesas da Universidade de Brasília, que autorizaram a aquisição de veículo e de mobiliário para imóvel funcional utilizado pela Reitoria da UnB, com recursos do Fundo de Apoio Institucional à FUB. A capitulação do fato foi exclusivamente na regra do art. 10, da Lei nº 8.429/92, sem demonstrar a existência de má-fé e de qualquer intenção desonesta ou desleal dos imputados. Ou seja, não basta a simples demonstração do dolo genérico do ordenador de despesas para a configuração do ato de improbidade por ofensa ao princípio da administração, pois as provas produzidas no processo devem demonstrar, de forma cabal e indiscutível também, a prática de ato de má-fé ou desonesto. Assim a alegação do desvio de finalidade de recurso do Fundo de Apoio Institucional à Universidade de Brasília, originária da FINATEL, para a aquisição de automóvel e mobiliário para decoração de imóvel funcional cedido ao Reitor da Universidade de Brasília, por si só não é suficiente para configurar, no caso, a má-fé tida por premissa de configuração do ato ilegal e ímprobo. Com essas premissas, o Superior Tribunal de Justiça32 decidiu: RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO E DE MOBILIÁRIO PARA IMÓVEL FUNCIONAL UTILIZADO PELA REITORIA DA UNB, COM RECURSOS DO FUNDO DE APOIO INSTITUCIONAL À FUB. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECE A INEXISTÊNCIA REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL DE MÁ-FÉ E DE QUALQUER INTENÇÃO DESONESTA OU DESLEAL DOS IMPUTADOS. REVALORAÇÃO DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSÁRIO REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A orientação jurisprudencial sedimentada no Superior Tribunal de Justiça estabelece que a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração depende da demonstração do chamado dolo genérico. 2. “Para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/ PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014” (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016). 3. No caso, o acórdão recorrido consigna que, em face da prova dos autos e levando em consideração a forma com que foram feitas as aquisições do mobiliário e do automóvel, não ficou evidenciada a prática de desonestidade e de má-fé por parte dos réus. Acrescenta que “o exame dos autos conduz à conclusão de que, ao seguir a rotina repetida em grande número de órgãos públicos, o Conselho Deliberativo da FUB e os ordenadores de despesas tiveram, para si, a convicção de que seu comportamento não era censurável e que a iniciativa destinava-se ao desenvolvimento institucional da FUB, de natureza infraestrutural, tal como previsto pela Lei 8.958/1994 e pelo art. 1º, § 3º, do Decreto 5.205/2004, mencionados na inicial. Pautando-se nessa praxe, na pior das hipóteses, os agentes públicos teriam agido com culpa, mas não com dolo, elemento indissociável de qualquer atividade punitiva do Estado Democrático, especialmente nas hipóteses previstas no art. 11 da Lei 8.429/1992, a que se refere a inicial”. 4. Logo, o Tribunal local, através de fundamentação idônea e contextualizando todos os fatos, demonstrou inexistir qualquer nota qualificadora de um atuar de má-fé ou desonesto (no sentido da deslealdade) para com o cumprimento dos deveres no âmbito da administração pública. 5. Nesse ínterim, a revisão das conclusões adotadas configuraria, de forma inequívoca, infringência ao enunciado n. 7 da súmula de jurisprudência do STJ, o que inviabiliza adentrar-se no mérito do presente recurso especial. Tal óbice, como cediço, impede também o conhecimento do recurso pela divergência jurisprudencial (alínea “c” do permissivo constitucional). 6. Recurso especial não conhecido.”

A má-fé, portanto, é premissa do ato ímprobo. Em consequência, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública pela má-fé do agente Público. Se assim não fosse, qualquer irregularidade praticada por agente público poderia ser tida como improbidade, por violação ao princípio da legalidade, sujeitando-se às severas sanções impostas pela respectiva lei, o que por certo, tornaria inviável a própria atividade administrativa, pois o erro ou o equívoco é inerente ao ser humano, e não pode ser encarado como ato de desonestidade para com o ente público. Essa lição deve ser estendida para as situações concretas do ordenador de despesas, pois ele somente responderá aos termos da Lei nº 8.429/92 por atos que tenha praticado com desonestidade ou má-fé. Outro exemplo explícito do que fora afirmado, foi quando determinado ordenador de despesas, sem ter praticado ato foi alçado à condição de Réu na ação de 38

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A má-fé, portanto, é premissa do ato ímprobo. Em consequência, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública pela má-fé do agente Público. Se assim não fosse, qualquer irregularidade praticada por agente público poderia ser tida como improbidade, por violação ao princípio da legalidade, sujeitando-se às severas sanções impostas pela respectiva lei, o que por certo, tornaria inviável a própria atividade administrativa, pois o erro ou o equívoco é inerente ao ser humano, e não pode ser encarado como ato de desonestidade para com o ente público.

Improbidade Administrativa por ostentar posição hierárquica superior, pelo fato de um agente administrativo subalterno (responsável pelo processo de licitação) ter realizado compras, que segundo o Ministério Público seriam irregulares, feitas ilegalmente. O Superior Tribunal de Justiça-STJ33 concluiu pela ausência de elemento subjetivo e também destacou a ínfima ou nenhuma participação do ordenador de despesas na prática do ato contestado pelo autor da ação, afastando a própria prática do ato ímprobo: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. FUNDAMENTO INATACADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 182/STJ. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACÓRDÃO QUE, EM FACE DOS ELEMENTOS DE PROVA DOS AUTOS, CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO E NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SÚMULA 7/STJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE DOLO GENÉRICO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA PARTE, IMPROVIDO. (...) IV. O acórdão recorrido, mediante exame do conjunto probatório dos autos, concluiu que (a) “as aquisições, especialmente de leite e material de construção, tinham uma razão de ser, estando plenamente justificada a variação do preço do litro de leite e o porquê de se ter feito a aquisição em estabelecimentos diversos, e nas quantidades adquiridas para suprir as necessidades das escolas e creches municipais”; e (b) “é segura a prova testemunhal acerca da lisura do segundo réu, no sentido de afastar qualquer possibilidade de enriquecimento ilícito. O primeiro réu, na verdade, agindo como ordenador de despesas, nos fatos narrados na inicial, pouco ou nenhuma participação teria. E o segundo réu, que realizou efetivamente as compras que estariam irregulares, comprovou toda a sistemática, afastando qualquer conduta ilícita da sua parte. Assim, além de não se prova segura de que as aquisições foram feitas ilegalmente, também não restou evidenciado que os réus agiram de má-fé, REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL com a intenção de lesar os cofres públicos e/ou de obter proveito próprio, enriquecendo-se indevidamente”. V. Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do art. 10” (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/10/2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 02/09/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2014. VI. A questão referente à possibilidade da configuração de ato de improbidade administrativa pela presença do dolo genérico, além de não ter sido debatida, na origem – o que ensejaria a incidência do óbice previsto nas Súmulas 282 e 356/STF –, não consta das razões de Recurso Especial, somente tendo suscitada no presente Agravo interno, de modo que inviável o seu exame, por se tratar de indevida inovação recursal. VII. Nos termos em que a causa fora decidida, infirmar os fundamentos do acórdão – para acolher a pretensão do agravante e reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa, do elemento subjetivo doloso e da ocorrência de dano ao Erário – demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ. VIII. Agravo Regimental parcialmente conhecido, e, nessa parte, improvido.”

Em outra hipótese jurídica, o Superior Tribunal de Justiça34, prestigiando o delineamento fático-probatório contido no acórdão recorrido, manteve a absolvição de ex-Secretário de Educação, que realizou processo licitatório na modalidade concorrência para aquisição de livros didáticos pelo critério de menor preço, sendo certo que, embora tenha sido auferida a regularidade da licitação, o Ministério Público pediu a condenação pela prática de ato de improbidade, com base do art. 10, da Lei nº 8.429/92, por entender haver imprudência na aquisição dos livros, uma vez que entendia ser possível adquiri-los por preço menor daquele alcançado no certame se comparados diretamente na editora. Não houve prova de que o então acusado, ex-Secretário de Educação teria facilitado ou concorrido para incorporação indevida de verba pública ao patrimônio particular (art. 10, inciso I, da Lei nº 8.429/92); ou que frustrou a licitude do processo licitatório (art. 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92); ou permitiu, facilitou ou concorreu para que terceiro se enriquecesse ilicitamente (art. 10, inciso XII, da Lei nº 8.429/92). A ação foi distribuída apoiando-se em decisão do Tribunal de Contas que condenou o ordenador de despesas, apesar de ter agentes responsáveis pelo processo licitatório, condenou o ordenador de despesas por entender que a aquisição de livros didáticos foram em preço superior ao de mercado, incidindo em prejuízo ao erário e, por essa razão, houve a tipificação em violação ao art. 10, da Lei nº 8.429/92. Ora, ao ser reconhecida a licitude do certame licitatório, afastando-se qualquer tipo de fraude, ardil ou conluio,não há em se cogitar a imprudência do administrador, que apenas homologou o certame e firmou o competente contrato administrativo. Ratificando o que foi dito, o Min. Gurgel de Faria, no seu voto condutor no já citado Agravo em Recurso Especial nº 553150/ES, deixou explicitado: 40

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“Nessa linha e considerada a situação fática descrita pelas instâncias ordinárias, com base na qual se afastaram a ilicitude na realização do procedimento licitatório e eventual conluio do administrador com sociedades empresárias licitantes, deve-se reconhecer, no caso, que a conduta do ex-Secretário de Educação não pode ser considerada ímproba, ainda que o contrato decorrente da licitação realizada para a aquisição dos livros tenha-se “revelado” mais custoso do que aquele que, em tese, poderia ter sido realizado outrora, diretamente, com as editoras dos livros. Com efeito, está consignado que o recorrente, em atenção à comprovada necessidade da Administração Pública, procedeu à licitação na modalidade concorrência, pelo menor preço, para aquisição dos referidos livros; procedimento este considerado regular. E o que o parquet, apoiando-se em decisão do Tribunal de Contas, pede a condenação do réu porque, “à época, ordenador de despesas da Secretaria de Estado da Educação, deu causa à aquisição de livros didáticos em preço superior ao de mercado, incidindo nas hipóteses de atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário estabelecidas no art. 10 da LIA, tanto em seu caput, como também nos incisos I, V, VIII e XII [...] os atos buscaram finalidade diversa a qualquer interesse público – buscaram, na verdade, o fim pessoal caracterizador do benefício pessoal, ainda mais por se valerem de espúrios artifícios, ensejadores da tomada de providências na esfera criminal” (e-STJ fl. 15/16). Tanto o magistrado de primeiro grau, como o Tribunal de Justiça, decidiram pela licitude do procedimento licitatório, com a absolvição das sociedades empresárias, mas pela condenação do ex-Secretário de Educação. O juiz sentenciante porque: “o pagamento superior pelos livros finalizados proporcionou prejuízo ao erário, já que se eles tivessem sido editados em conjunto com a própria Secretaria Educacional de Educação e não comprados diretamente da iniciativa privada, o custo ao patrimônio público seria consideravelmente inferior” (e-STJ fl. 1.511). Enquanto o Tribunal de Justiça porque: “o desrespeito ao dever objetivo de cuidado com as verbas públicas é tão flagrante, tal como exposto acima, que verifica-se culpa grave na conduta do apelante [...] inegável a existência do dano ao erário e da culpa (imprudência), o que autoriza o apenamento administrativo do apelante, nos termos do caput do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa”. Ora, afastada a ocorrência de fraude/conluio e atestada a licitude do procedimento licitatório, não há espaço para se concluir pela imprudência do administrador e enquadrar o ato em nenhum dos incisos do art. 10 indicados na inicial, pois não há nenhum fato registrado que sirva de prova de que o réu facilitou ou concorreu para a incorporação indevida de verba pública ao patrimônio particular (inc. I); frustrou a licitude do processo licitatório (inc. VIII); ou permitiu, facilitou ou concorreu para que terceiro se enriquecesse ilicitamente (inc. XII).”

Em seguida, não deixando margem para qualquer dúvida, o Ministro Gurgel de Faria finaliza: “Quanto à hipótese do inciso V do art. 10 da Lei n. 8.429/1992, única que poderia dar ensejo à eventual condenação do réu, data maxima venia daqueles que entendem o contrário, não se pode entender que a realização de uma licitação, sem restrição de participação às editoras, possa ser qualificada com fato “permissivo ou facilitador da aquisição de serviço por preço superior ao de mercado”, ainda que, de fato, ao final da licitação, o preço venha a ser superior àquele que poderia ter sido alcançado por meio de outro projeto administrativo. Os fatos descritos na inicial da ação de improbidade e no acórdão recorrido não indicam que o processo licitatório, ao final, não cumpriu o objetivo de escolher a proposta mais REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL vantajosa para a administração, pois, assegurada a regular competição entre licitantes interessados, nos termos do edital, essa qualidade/finalidade não significa, por si, aquisição pelo menor custo possível que se poderia alcançar. A isso deve-se somar o fato de o anterior projeto administrativo de aquisição dos livros não servir de parâmetro comparativo adequado à comprovação de que a autoridade teria permitido ou facilitado a aquisição dos livros por preço superior ao de mercado, porquanto, como registrado nos autos, a estratégia administrativa anterior era diversa, como, p.ex., com a co-edição dos livros. Ou seja, o “produto final” do projeto anterior é diferente do bem adquirido por meio do processo licitatório ora em discussão. Ademais, à luz do art. 49 da Lei nº 8.666/1993 e em atenção ao caso específico dos autos, observada a regularidade das fases do processo administrativo e não havendo indícios de favorecimento nem de descumprimento de eventual dever funcional, a autoridade competente não estava obrigada a anular a licitação, tendo em vista a inexistência de ilegalidade; e, de outro lado, não ocorrido fato superveniente que afetasse o interesse público, também não estava obrigada a revogá-la, embora pudesse. Como dito pela orientação jurisprudencial deste Tribunal, a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, sendo indispensável para a caracterização do tipo do art. 10 da Lei nº 8.429/1992 o dolo, afastado, in casu, pelas instâncias ordinárias, ou culpa grave, a qual entendo não configurada tão somente em razão de haver discrepância entre os valores efetivamente alcançados e aqueles que, em tese, poderiam ser praticados pelas editoras, as quais, de outro lado, não estavam impedidas de participar da licitação.”

Importante deixar explícito que nos termos do art. 21, inciso II, da Lei nº 8.429/92, a aplicação das sanções por improbidade independe da aprovação ou sujeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal de Contas não inibe a propositura da ação de improbidade, bem como não deve ser o libelo acusatório compulsório de uma futura ação. Extraia-se do Supremo Tribunal Federal – STF a ratificação do que foi dito: “1. O Tribunal de Contas tem atribuição fiscalizadora acerca de verbas recebidas do Poder Público, sejam públicas ou privadas (MS n° 21.644/DF), máxime porquanto implícito ao sistema constitucional a aferição da escorreita aplicação de recursos oriundos da União, mercê da interpretação extensiva do inciso II do art. 71 da Lei Fundamental. 2. O art. 71, inciso II, da CRFB/88 eclipsa no seu âmago a fiscalização da Administração Pública e das entidades privadas. 3. É cediço na doutrina pátria que “o alcance do inciso [II do art. 71] é vasto, de forma a alcançar todos os que detenham, de alguma forma, dinheiro público, sem seu sentido amplo. Não há exceção e a interpretação deve ser a mais abrangente possível, diante do princípio republicano, (...)”. (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro . 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 564). 4. O Decreto nº 200/67, dispõe de há muito que “quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.”. 5. O Tribunal de Contas da União, sem prejuízo de sua atuação secundum constitutionem, atua com fundamento infraconstitucional, previsto no art. 8º da Lei Orgânica desse órgão fiscalizatório. 6. As instâncias judicial e administrativa não se confundem, razão pela qual a fiscalização do TCU não inibe a propositura da ação civil pública, tanto mais que, consoante informações prestadas pela autoridade coatora, “na hipótese de ser condenada ao final do processo judicial, bastaria à Impetrante a apresentação

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dos documentos comprobatórios da quitação do débito na esfera administrativa ou viceversa.”. Assim, não ocorreria duplo ressarcimento em favor da União pelo mesmo fato. 7. Denegação da segurança, sem resolução do mérito, diante da falta de apresentação, nesta ação, de fundamento capaz de afastar a exigibilidade do título constituído pelo TCU em face da Impetrante, ficando ressalvado, ex vi do art. 19 da Lei nº 12.016, o direito de propositura de ação própria, ou mesmo de eventual oposição na execução fiscal.”35 “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APROVAÇÃO DAS CONTAS DO AGENTE PÚBLICO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.”36

O princípio é o mesmo quando Tribunal de Contas identifica irregularidades administrativas, que somente irá repercutir perante a Lei nº 8.429/92 se a ilegalidade for tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do ordenador de despesas. Isso quer dizer que o ordenador de despesas responderá pelos atos que praticar ou pelos atos que deixou de praticar, tendo o elemento subjetivo de sua conduta avaliado de modo a qualificar-se ou não perante os tipos elencados da Lei nº 8.429/92. Jamais um julgado da Corte de Contas, ou de qualquer órgão administrativo, que se fundamente em responsabilidade objetiva do ordenador de despesas poderá ser o libelo acusatório de uma ação de improbidade administrativa que a responsabilidade é subjetiva.37 CONCLUSÃO Após verificar uma ausência de doutrina específica sobre a responsabilidade administrativa do Ordenador de Despesas perante os termos da Lei nº 8.429/92, verificamos a necessidade de pautar as seguintes razões, com base em precedentes uniformes do Superior Tribunal de Justiça, afim de deixar explícito que o gestor público, como os demais agentes, não respondem perante a Lei de Improbidade Administrativa de forma objetiva. Para que haja a subsunção da conduta do ordenador de despesas, deve a mesma ser subjetiva e precedida de nota qualificadora dos três tipos do ato ímprobo, que é a má-fé e a desonestidade. NOTAS 1

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MORAES, Alexandre de. “A Necessidade de Ajuizamento ou Prosseguimento da Ação Civil de Improbidade Administrativa para fins de Ressarcimento ao Erário Público, mesmo nos casos de Prescrição das demais sanções previstas na Lei 8.429/92”, in Improbidade Administrativa. Temas atuais e contravertidos. MARQUES, Mauro Campbell (coord.) Rio de Janeiro: Forense: 2016, p. 30. STJ, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, REsp nº 827445/SP, 1. T, DJ de 08.03.2010 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. 7. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 674. Cf. art. 24, da LIND. BARBOSA, Rui. Novos Discursos e Conferências. São Paulo: Saraiva, 1933, p. 75. REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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ESPECIAL 6 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, vol. I, 1980, p. 194. 7 MARQUES, José Frederico. op. cit. ant., p. 104. 8 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. Vol. 1/655, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 9 DIAS, José de Aguiar apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 3. ed. V. 4. São Paulo: Atlas, 2003, p. 32. 10 DIAS, Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Revisado e atualizado de acordo com o Código Civil de 2002 por DIAS, Rui Belford, p. 149. 11 TCU, Rel. Min. Walton Alencar, Acórdão nº 249/2010, Plenário, julgado em 24.02.2010. 12 A Constituição Federal de 1988 dispõe que: “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; 13 “A responsabilização de Agentes segundo a jurisprudência do TCU – Uma abordagem a partir de Licitações e Contratos, Instituto Serzedello Corrêa, TCU, in portal tcu.gov.br, consulta feita em 03.09.2018. 14 LIMA, Rui Cirne. Princípios de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1954, ps. 163/164. 15 TCU, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Acórdão 3023/2013, Plenário (Processo nº 022.557/2012-2, julgado em 13.11.2013). 16 Fernando FacuryScaff e Luma Cavaleiro de Macedo Scaff, in Comentários à Constituição do Brasil, coordenada por JJ Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Inga Wolfgang Scarlet, 2. ed., São Paulo: Saraiva e Almedina, 2018, ps. 1263/1264. 17 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 6. ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 1269. 18 JUSTEN FILHO, Marçal. Contratação Temporária e a Configuração do Ato de Improbidade Administrativa. cit. ant., p. 185/186. 19 STJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, AgInt no RESp nº 1561858/RS, 1. T, DJ de 14.05.2018. 20 STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, REsp nº 151204/PE, 2. T., DJ de 30.06.2015. 21 STJ, Rel. Min. Humberto Martins, AgRg no AREsp nº 822.214/PR, 2. T, DJ de 15.03.2016. 22 STJ, REsp nº 1186435/DF, Rel. Min. Og Fernandes, 2. T., DJ de 29.04.2014. 23 GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92, de 2 de julho de 1992. 3. ed., São Paulo: RT, 2014, p. 337. 24 STJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, REsp nº 1259350/MS, 1. T., DJ de 29.08.2014. 25 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Breves Estudos sobre a Ação de Improbidade Administrativa, a Justa Causa e outros temas relevantes de Direito Sancionador. Ceará: Curumin, 2014, p. 36. 26 MARZAGÃO, Ronaldo AugustoBrestas. Denúncias Genéricas em Crime de Sonegação Fiscal, in Justiça e Democracia, vol. 1/207-211, 210-211, São Paulo: RT, 1996. 27 STJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, AgInt no REsp nº 1485027/RJ, 1ª T., DJc de 31.08.2017. 28 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. op. cit. ant., p. 41.

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STJ, Rel. Min. Og Fernandes, REsp nº 1622001/DF, 2. T., julgado em 5.12.2017. STJ, Rel. Min. Og Fernandes, REsp nº 1622001/DF, 2. T, julgado em 5.12.2017. STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, REsp nº 1508.169/PR, 2. T, DJ de 19.12.2016. STJ, Rel. Min. Og Fernandes, REsp nº 1622.001/DF, 2. T, julgado em 5.12.2017. STJ, Rel. Min. Assussete Magalhães, AgRg no REsp nº 170921/MG, 2. T, julgado em 21.02.2017. STJ, REl. Min. Gurgel de Faria, AREsp nº 553150/ES, 1. T, DJ de 23.10.2017. STF, Rel. Min. Luiz Fux, MS nº 26.969, 1. T, DJ de 12.12.2014. STF, Rel. Min. Cármen Lúcia, AgReg no RE nº 888.214/CE, 2. T, julgado em 17.11.2015. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACÓRDÃO QUE, EM FACE DOS ELEMENTOS DE PROVA DOS AUTOS, CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO E PELA NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO (...) II – No acórdão objeto do Recurso Especial, o Tribunal de origem manteve sentença que julgara improcedente o pedido, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Município de Mirassol/SP, na qual postula a condenação dos ora agravados, então Prefeito e empresa contratada, pela prática de atos de improbidade administrativa, consubstanciados na indevida celebração de aditivos a contrato de coleta de lixo. III – O acórdão recorrido, mediante exame do conjunto probatório dos autos, concluiu (a) que, “conquanto se verifique a ocorrência de algumas irregularidades no procedimento de contratação, especialmente com relação aos aditamentos supramencionados, não se vislumbra a existência de dano ao erário. Não há prova segura de que os contratos entabulados foram superfaturados ou que houve desvio de verbas públicas”; (b) que “o contrato foi efetivamente cumprido”; (c) que “mesmo que o administrador tenha dispensado a licitação e adotado o regime de aditamento, não foram colhidos elementos de prova suficientes para evidenciar a imprescindível conduta dolosa”; e (d) que, “no caso concreto, porém, inexiste prejuízo ao erário público e tampouco houve enriquecimento ilícito do administrador e sua contratada e, da mesma forma, inexiste violação aos Princípios da Administração Pública. Consequentemente não restou configurada ofensa à figura prevista no art. 11 da LIA”. IV – Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do art. 10” (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/10/2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 02/09/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2014. V – Nos termos em que a causa foi decidida, infirmar os fundamentos do acórdão – para acolher a pretensão do agravante e reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa e a existência do elemento subjetivo doloso – demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ. VI – Agravo interno improvido.” (STJ, REl. Min. Assusete Magalhães, AgInt no AREsp nº 1190179/ SP, 2. T, DJ de 21.05.2018).

MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS é Advogado, palestrante, escritor de alguns livros (O Limite da Improbidade Administrativa, Forense, 6. ed., RJ; Lei nº 8.112/90 – Interpretada e Comentada, Impetus, 7. ed, Niterói; O Limite de Instauração do Inquérito Civil Público e da Ação de Improbidade Administrativa, Forense; O Contrato Administrativo, América Jurídica, 2. ed., RJ; Licitação e seus Princípios na Jurisprudência, Lúmen Iuris, RJ; Compêndio de Direito Administrativo – Servidor Público, Forense; dentre outros) e autor de pareceres e artigos .

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POR

Lucas Morelli

As armadilhas do comércio de bens eletrônicos

O

mercado de consumo de eletrônicos sempre é fortemente chacoalhado com novidades no começo do ano. São inovações de todos os tipos, que fazem brilhar os olhos dos amantes por lançamentos. Mas quais os reflexos disso ao consumidor? Em um primeiro momento: uma onda de novos aparelhos eletrônicos, com tecnologias novas que incorporam inteligência artificial, novos processadores ultrarrápidos, novos materiais e novas telas, com inovação e serviços que atendem cada vez mais os anseios dos consumidores. Todavia, a enxurrada de produtos lança dúvidas sobre o consumidor que, diante de tantas opções, não consegue mais distinguir os produtos “mais novos” dos “mais antigos”, gerando problemas, a médio prazo, de compatibilidade de aplicações ou mesmo encurtamento artificial da vida útil dos lançamentos do ano anterior. Por mais que os vendedores mostrem os equipamentos eletrônicos com extensas explicações, não é qualquer consumidor que tem condições de diferenciar os processadores com ou sem base de grafeno, por exemplo, ou se os notebooks com tecnologia optane são mais vantajosos.

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DESTAQUE


Essa confusão faz com que o consumidor adquira produtos antigos por preços muitas vezes mais elevados, crendo estar levando produtos do ano, ou ainda adquira produtos mais caros com tecnologia embarcada que não traz um efetivo diferencial no uso do dispositivo. A tecnologia e os constantes avanços acabam gerando dúvida ao consumidor na hora da compra, visto que ele não tem informação suficiente sobre o produto que adquire, em uma aberta violação ao art. 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, no qual há previsão legal para que a informação do produto ou serviço seja transmitida ao consumidor de forma adequada e clara, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço. Não se está diante de produtos com vícios de qualidade ou quantidade, ou que causem dano ao consumidor, casos dos arts. 12 a 17 ou 18 a 25 do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente. O que existe é um problema de desconhecimento do consumidor em relação aos produtos, já que a rapidez e a quantidade de lançamentos estão cada vez maiores, confundindo aqueles que não entendem as diferenças e/ou as vantagens entre os aparelhos. Outro ponto importante: a tecnologia acabou por sepultar a distinção entre comprar um produto e comprar um serviço. Hoje, produtos eletrônicos normalmente abarcam uma prestação de serviço inerente. Por exemplo, na compra de celulares há uma licença aberta do sistema Android ou IOS que permite ao smartphone funcionar, e esses softwares demandam atualizações periódicas para seu funcionamento. Aqui, um novo perigo espreita: ao consumidor, não é informado por quanto tempo esses serviços embarcados funcionarão. Alguns celulares, por exemplo, são adquiridos e nunca serão atualizados. Outros são atualizados por até dois anos por suas fabricantes, mas isso não é esclarecido ao consumidor, sendo comum no mercado da tecnologia que as fabricantes “descontinuem” produtos que ainda estão sendo vendidos, sem qualquer preocupação com órgãos reguladores ou os consumidores. Os produtos adquiridos não informam minimamente o tempo de atualização, como suas informações são processadas e tratadas pelos dispositivos eletrônicos ou mesmo questões que hoje estão em pauta com a Lei Geral de Proteção de dados (Lei nº 13.709/2018), permanecendo totalmente fora da percepção do consumidor. Essa barreira acaba gerando a manutenção de um mercado de produtos eletrônicos que, cada vez mais, abusa do uso de termos técnicos para informar o comprador, mas deixa de esclarecer elementos essenciais do produto/serviço adquirido. O que se observa, de fato, é uma precarização do consumo eletrônico em um nível alarmante, majorando a vulnerabilidade do consumidor sob seu aspecto tecnológico em uma proporção inédita e pouco analisada devido a baixíssima percepção do consumidor médio. Daí a razão para os fornecedores ainda não terem se ponderado de forma efetiva, muito embora isso já deveria estar na pauta dos órgãos reguladores. LUCAS MORELLI é Mestre em Direito Civil pela USP e Coordenador do Contencioso Cível do escritório Bueno, Mesquita e Advogados.

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QUESTÕES DE DIREITO

Crescimento da Judicialização na Saúde: qual a solução? POR

sandra Franco

J

á são décadas de crescimento das ações e processos judiciais em que os pacientes acionam o Poder Judiciário para ter o direito e o acesso aos serviços de saúde no Brasil. Os tribunais passaram a ser uma extensão dos balcões de atendimento dos hospitais, clínicas e operadoras de saúde, uma porta de acesso quase sem barreiras. O custo da Judicialização para o país é estimado em R$ 10 bilhões por ano, quase 10% do valor total dos recursos disponibilizados para a área. Recente relatório encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Poder Judiciário apontou um crescimento de aproximadamente 130% nas demandas de primeira instância entre 2008 e 2017. A pesquisa, realizada com base em dados da Lei de Acesso à Informação, identificou 498.715 processos em primeira instância, distribuídos entre 17 justiças estaduais e 277.411 processos de segunda instância, distribuídos entre 15 tribunais estaduais. Na segunda instância, houve um salto de 2.969 processos em 2008 para mais de 20 mil em 2017. Problemas com os convênios foram a maior causa (30,3%) dos pedidos de processos relacionados ao assunto no país. Outros assuntos levados ao Judiciário foram: pedidos de seguro em saúde (21,1%), saúde pública (11,7%), tratamento médico-hospitalar ou fornecimento de medicamentos (7,8%) e fornecimento de medicamentos (5,6%). Na segunda instância, planos de saúde respondem por 38,4% e seguro, por 24,7%. Na primeira instância, são saúde pública (23%), planos de saúde (22,8%) e seguro (14%). O estudo também revelou que, em São Paulo, 82% dos processos se referem a planos de saúde, tendo distribuído 116.518 casos nessa categoria. Já no Rio de Janeiro, a saúde pública é o principal entrave, com 35% dos casos. Em Minas Gerais, a maior demanda judicial é pelo acesso ao tratamento médico-hospitalar ou fornecimento de medicamentos, com 21%. E, em Santa Catarina, o tema mais recorrente, com 28% dos casos, é o acesso aos medicamentos. Segundo dados apresentados pelo CNJ, o caso de maior relevo é o que envolve órteses e próteses, citados em mais de 108 mil decisões de tutela antecipada em uma amostra de 188 mil. Claro que o valor

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de órteses e próteses e o caráter de urgência algumas vezes associado à sua utilização explicariam o elevado número de pedido de liminares; no entanto, chama atenção o fato de muitos profissionais da saúde ganham mais pela indicação de certas marcas e tipos desses materiais cirúrgicos. Independentemente dos pedidos irreais que alguns pacientes demandam ao Judiciário, esses números constatam que a saúde no Brasil sofre os efeitos de uma má gestão política, econômica e administrativa. É preciso mais que do que ações pontuais para que se resolva ou, pelo menos, amenize a situação atual. Não se pode olvidar que há também uma cultura de favorecimento diretamente ao médico, seja por meio da prescrição de medicamentos desnecessários com incentivos financeiros por fornecedores e laboratórios, seja por honorários profissionais que o médico irá receber pelo procedimento. Tem-se assistido ao desmanche de quadrilhas formados por profissionais da saúde com escopo de fraudar o sistema de saúde quer seja público quer seja privado, por exemplo, ao prescrever medicamentos pela marca, em vez de indicar apenas o princípio ativo. O cenário é crítico e o sistema de saúde está à beira de um colapso. Os pacientes brasileiros sofrem com a falta de leitos, de atendimento de qualidade, com equipamentos decentes para exames e diagnósticos, com o tempo de espera para cirurgias e procedimentos, com a distribuição e o preço de medicamentos. Sem esquecer que a falta de políticas de promoção à saúde, tal como tratamento de água e saneamento básico colaboram para a indústria da doença. A judicialização no setor é um problema crônico, que parece um caminho sem fim. Há mais de uma década discute-se a possibilidade de uma força-tarefa entre os operadores do Direito e os profissionais da saúde para se resolver esta questão. Entretanto, enquanto a política do Governo Federal não fizer sua parte, com ações, mudanças de gestão, previsões de gastos e uma atenção especial aos hospitais públicos, o Judiciário continuará servindo como porta de acesso àqueles que conseguem pagar advogados para ter privilégios ou para serem colocados à frente nas filas de espera para os diversos procedimentos no SUS. A cultura do cidadão de entender a saúde como um direito de todos, de forma a que não se poderá suprir apenas os interesses individuais também é essencial. Aquele que usa seu plano de saúde para exames desnecessários ou judicializa para procedimentos e medicamentos que nem sequer utiliza também colabora para o caos na saúde. O Judiciário, por sua vez, tem buscado formas de tornar mais rápidas e adequadas às decisões, por exemplo, o CNJ propõe aos magistrados julgadores que se utilizem dos NATs (Núcleos de Apoio Técnico), os quais disponibilizam fundamentos técnicos para auxiliar os juízes na tomada de decisões das demandas relacionadas à saúde. Mister que sempre esteja presente o fundamento de que os recursos financeiros para a saúde são findos, isso em qualquer parte do mundo. Enquanto o Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto não fizerem sua parte, com ações, mudanças de gestão, previsões de gastos e uma atenção especial aos hospitais públicos, o Judiciário continuará servindo como porta de acesso àqueles que conseguem pagar advogados para ter privilégios ou para serem colocados à frente nas filas de espera para os diversos procedimentos da rede SUS.

SANDRA FRANCO é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, doutoranda em Saúde Pública, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) e membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde.

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PRÁTICA JURÍDICA

DIVULGAÇÃO

Gravidez, maternidade e paternidade como meios para obtenção da conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar – avanços e percalços da Lei nº 13.257/16

POR

eduardo Luiz sanTos cabeTTe

A

gravidez, ao lado de outros motivos previstos no art. 318, I a III, CPP, também exsurge na lei como causa para concessão da Prisão Domiciliar, conforme inciso IV do art. 318, CPP. Na redação original do dispositivo, dada pela Lei nº 12.403/11, não era o só fato de que a mulher estivesse grávida que iria conceder-lhe o direito à Prisão Domiciliar. Para isso deveria ocorrer ao menos uma de duas hipóteses previstas: 50

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– A gravidez deveria ser para além do 7º mês; – Ou, a gestação deveria ser de “alto risco”. Nesse caso as hipóteses não eram exigíveis concomitantemente. A ocorrência de qualquer delas conferia à gestante o direito à Prisão Domiciliar. É claro que uma gravidez pode ser de alto risco e estar acima do 7º mês, mas isso não era requisito necessário para o benefício. Também nesse caso a prova das condições de admissibilidade da substituição deveriam ser elaboradas através de perícia médica que atestasse a gravidez no sétimo ou posterior mês ou ser esta de “alto risco”. A gestante até o 7º mês, não sendo a prenhez de alto risco, não faria jus ao benefício, de modo que somente lhe seriam assegurados os demais direitos de toda gestante presa tais como assistência médica e atendimento pré-natal. Por outro lado, tratando-se de gravidez de alto risco, não importaria o tempo de gestação, sendo possível a concessão da Prisão Domiciliar a qualquer momento, desde que necessária e adequada à situação. Também nesses casos, ocorrido o nascimento ou superada a situação de risco a Prisão Domiciliar não poderia mais ser mantida em razão dessas motivações que não mais subsistissem. Não havendo mais situação de risco, a gestante deveria

O Direito Penal e o Processo Penal não estão sozinhos na missão da tutela dos interesses sociais e, especialmente, dos nascituros e crianças. Outros ramos do Direito pátrio podem ofertar instrumentos úteis à defesa desses relevantes interesses.

retornar à Prisão Preventiva e, se fosse o caso, ser reconduzida à Prisão Domiciliar quando completasse 7 meses de gravidez. Se a prenhez de alto risco já fosse de sete meses e, por algum motivo, desaparecesse a situação de risco, nada se alteraria, pois que a Prisão Domiciliar poderia sustentar-se tão somente na questão temporal, conforme já consignado. Porém, quanto à situação em que a gestante dava a luz, não haveria mais como sustentar o benefício no inciso IV do art. 318, CPP. Nesses casos deveria o Juiz sopesar a situação, verificando agora a imprescindibilidade da mãe para os cuidados da criança (recém nascido, obviamente menor de 6 anos) ou se a mulher não ficou com sequelas da gestação de risco. Nessas situações poderia ocorrer a manutenção da Prisão Domiciliar nos termos dos incisos II ou III do art. 318, CPP. O mesmo poderia ocorrer se o recém-nascido fosse portador de deficiência que exigisse os cuidados da mãe, não havendo outras opções. Atente-se para a circunstância em que a mulher dava a luz e a criança era saudável, não sendo imprescindível sua presença para cuidados, já que tinha outros familiares para tratar do recém-nascido. Também considere-se que a mulher não estivesse enferma. Nesse quadro, a Prisão Preventiva deveria ser restabelecida por aplicação da revogabilidade ou variabilidade (“rebus sic stantibus”). Mas, isso não significa que a detenta não teria mais contato com o filho. Muito ao contrário. A Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84), estabelece em seu art. 42 a equiparação em REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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PRÁTICA JURÍDICA direitos entre os presos provisórios e condenados no que couber. No seguimento o art. 83, § 2º, do mesmo diploma determina que nos estabelecimentos penais femininos deverá haver berçários onde as presas possam cuidar de seus filho e praticar a amamentação, no mínimo, até os 6 meses de idade. Também quando trata a Lei de Execuções Penais das Penitenciárias Femininas, determina em seu artigo 89 a existência de seção para gestantes e parturientes e creche para crianças de 6 meses a 7 anos para a assistência de filhos de presas desamparados. Portanto, mesmo às presas provisórias deverão ser assegurados esses direitos de contato com o filho e amamentação, inclusive por força do disposto no art. 5º, L, da CF. Observe-se, porém, que essas exigências quanto ao tempo de prenhez e/ou alto risco da gravidez foram superadas pela nova redação dada ao inciso IV do art. 318, CPP pela Lei nº 13.257/16. Atualmente somente exige a legislação a condição de gestante para a concessão do benefício da substituição da preventiva pela domiciliar. Não há mais os requisitos de que a gravidez seja a partir do 7º mês ou que seja de alto risco.1 Importa destacar que o STF, no julgamento do HC Coletivo 143.641, 2ª Turma, tendo como Relator o MinistroLewandowski,impetrado pelo “Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos” e pela Defensoria Pública, concedeu ordem para conversão de prisões preventivas em domiciliares para todas as gestantes e mulheres com filhos até 12 anos de idade incompletos, impondo o cumprimento da nova redação, bem menos exigente dada pela Lei 13.257/16 ao artigo 318, incisos IV e V, CPP. Somente foram excetuadas pelo STF situações em que a mulher tenha perpetrado crime com violência ou grave ameça contra seus próprios descendentes ou outras circunstâncias excepcionalíssimas, a serem objeto de devida fundamentação judicial no caso de denegação da conversão pelos juízes, com pronta comunicação do Supremo. E mais, a ordem foi concedida de ofício estendendo a determinação às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças, assim como às adolescentes sob aplicação de medidas socioeducativas em iguais circunstâncias em todo o território nacional. Como já mencionado também a Lei nº 13.257/16 acrescentou um inciso V, concedendo a conversão de prisão preventiva em domiciliar a toda mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos. E neste caso também deixa de exigir a comprovação de que seja a única pessoa imprescindível aos cuidados da criança. Para os homens também é incluído um inciso VI pela mesma Lei nº 13.257/16, relativo àquele responsável por filho menor de 12 anos. Mas, no caso dos homens, exige a lei que ele seja o único responsável pelos cuidados do filho. Obviamente a lei não fala em “homem gestante”, o que seria absurdo. No entanto, sinceramente, não se vê razão para discriminar o pai negativamente em relação à mãe, de forma que esta obtém o benefício somente tendo o filho menor de 12 anos e aquele, na mesma condição, somente garante a benesse legal se for o único responsável pela criança. Sendo também a gestação e a questão etária passageiras, tais alterações merecem as mesmas observações já feitas acima, sendo fato que a prisão preventiva poderá ser recomposta acaso cesse a motivação para a conversão em domiciliar, ou esta poderá ser mantida por nova motivação. Por exemplo, a mulher que dá a luz e estava em domiciliar com fulcro no art. 318, IV, CPP, continuará na mesma condição, apenas agora com sustento no art. 318, III e V, CPP. O homem, porém, completando o filho 12 anos, não mais fará jus ao benefício, podendo ser recomposta a prisão preventiva, desde que a medida se mostre ainda necessária. 52

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Tal qual os demais caos, nos termos do art. 318, Parágrafo Único, CPP, será necessária prova idônea dos requisitos para o benefício. No caso da gestante, o atestado médico e exames respectivos. No caso das crianças a comprovação documental da idade e da filiação. Há, no seio da sociedade brasileira, uma justa preocupação no sentido de que os criminosos(as) passem a se valer dessas circunstâncias para obtenção de uma espécie de “salvo – conduto” com relação à prisão preventiva, o que pode inclusive, ser aproveitado pelo crime organizado, usando pessoas nas condições do art. 318, IV, V e VI, CPP como “pontas de lança” nas suas atividades. É que a possibilidade de obtenção dos benefícios, até mesmo com relação aos casos do inciso III do mesmo dispositivo, se amplia sobremaneira. Observe-se que em situações que tais, na verdade, tais “pais” e “mães” sequer merecerão tais nomes e estarão instrumentalizando a gravidez ou o fato de terem um filho nas condições legalmente previstas para se locupletarem de forma torpe com a legislação. Necessário nesses casos lembrar da lição de Bello Filho: “A interpretação do Direito deve partir sempre da premissa de que a Constituição e os Direitos Fundamentais, têm de ser interpretados tomando em conta a conjuntura de sua aplicação, ou seja, a partir da fusão do texto com a realidade”.2

Entende-se que em se tratando de casos desse jaez, devidamente comprovada a instrumentalização da prenhez pela mulher ou dos filhos crianças pelo homem ou pela mulher, será possível denegar o benefício mediante a devida fundamentação na seara processual penal, tal qual já indica a decisão reitora do STF acima mencionada. Além disso, será o caso, certamente, de tomada de providências na seara cível pelo Ministério Público, no interesse do menor ou nascituro para destituição do poder familiar do pai ou da mãe por prática de “atos contrários à moral e aos bons costumes” (art. 1638, III, do Código Civil Brasileiro). Sem o poder familiar, não subsistirá ao preso(a) motivação para gozar de qualquer benefício ligado à criança ou nascituro. É preciso lembrar sempre que o Direito Penal e o Processo Penal não estão sozinhos na missão da tutela dos interesses sociais e, especialmente, dos nascituros e crianças. Outros ramos do Direito pátrio podem ofertar instrumentos úteis à defesa desses relevantes interesses. NOTAS 1 2

REIS, Alexandre Cebrian Araújo, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 434. BELLO FILHO, Ney de Barros. Sistema Constitucional Aberto. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 281.

REFERÊNCIAS

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BELLO FILHO, Ney de Barros. Sistema Constitucional Aberto. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. REIS, Alexandre Cebrian Araújo, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE é Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial, Criminologia e Medicina Legal na graduação e na pós-graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

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VISÃO JURÍDICA

Seguro na era digital POR

iraPuà beLTrÃo

A era digital é uma realidade nos negócios e contratos de seguro, tendendo a se incrementar cada dia mais. Já a necessidade de adaptação dos agentes do setor e dos profissionais que lidam com as demandas dali decorrentes igualmente deve ser observada, sob risco de continuarmos utilizando velhas fórmulas para novas estruturas.

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e é certo que as novidades digitais e o avanço tecnológico afetam a todas as relações sociais e jurídicas, é igualmente certo que algumas atividades tem as suas estruturas mais sofisticadas por tal aspecto ou sofrem com maiores demandas. Justo com estas, emergem variadas preocupações pelos profissionais que atuam naqueles segmentos. A atividade de seguro e os respectivos contratos trilham este caminho de máxima mutação na era digital. Nunca demais recordar que, na contido no art. 1433 Código Civil 1916, era o contrato de seguro obrigado a ser escrito, tendo a doutrina de época debatido bastante se tal forma era da própria essência do negócio jurídico ou apenas para os fins de prova. A redação trazida pelo código de 2002 não deixou dúvidas quanto a isto, ainda que se mantenha no art. 758 a referência aos documentos típicos da relação securitária. Por outro lado, para os fins de uma atualização legislativa restaria ainda a necessidade de modernização do marco legal do Sistema Nacional de Seguros Privados, na medida em o Decreto-Lei nº 73/66 ainda tem, em suas previsões, a determinação de que a contratação seja precedida por propostas assinadas, concebidas ali na forma convencional. Evidente que todas as estas disposições legais devem ser interpretadas em compasso com os novos tempos e a era tecnológica. Naturalmente, que aquela proposta mencionada no art. 9º D.L. 73/66 seja admitida por assinaturas eletrônicas e outras formas de manifestação de vontade. Qualquer exegese sobre a exigência de uma proposta para contratação de seguros que não seja atrelada aos novos meios de revelação das vontades equivale a uma negativa da realidade social e de como tais feitios já se encontram presentes no dia-a-dia de todos. O próprio Conselho Nacional de Seguros Privados já teve oportunidade de editar uma resolução nº 294/2013 em que se admite a utilização de meios remotos na contratação de seguros e planos de previdência aberta, trazendo, por outro lado, parâmetros para que

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emprego daquela utilização. E, no final do ano de 2017, amparado em pareceres jurídicos,novamente o CNSP reforçou tal posição, aprimorando tal regulamentação setorial para deixar clara não só a autorização a emissão de bilhetes, de apólices, de certificados individuais, de contratos coletivos e de endossos com a utilização de meios remotos, mas também que o aviso de sinistro, solicitação de resgate, concessão de benefício, portabilidade, alteração de beneficiário e demais solicitações que impliquem em alteração ou encerramento da relação contratual poderão ser efetivadas igualmente pelo uso de meios remotos. Se é fato que diversas atividades do dia-a-dia já utilizam de tais meios, de outro ponto, deve ser compreendido o esforço hermenêutico para compatibilizar tais ações diante de uma legislação que demora a se atualizar com as novas ferramentas trazidas pela era digital. O emprego destes instrumentos nos seguros traz também às seguradoras e profissionais ligados ao setor novas demandas, seja para reconhecer os direitos do consumidor, seja para equalizar tais ferramentas ao conteúdo normativo que rege tal relação. Basta imaginar que companhias deverão assegurar meios confiáveis para os protocolos que envolvam a utilização remota, inclusive quando se fizerem necessário para confirmação e comprovação em processos judiciais. Mais do que isto, sendo tal contratação caracterizada como uma pactuação à distância implicará no direito de arrependimento previsto no art. 49 do Código do Consumidor Por outro lado, é fácil reconhecer a possibilidade de que dados para a aceitação dos riscos, que antes eram obtidos fisicamente ou presencialmente, passam a ser também conduzidos por meios remotos. Em 2018 o Superior Tribunal de Justiça apreciou caso (RHC nº 98.920, j. em 28.6.2018) em que o recorrente, em tese, adulterou a data de validade de cópia de sua Carteira de Habilitação, e a utilizou para firmar contrato de seguro de automóvel, obtendo êxito em ludibriar a empresa, uma vez que a contratação foi realizada através de sistema eletrônico e a empresa não teve acesso presencial ao documento. Sendo um contrato fundado na mais estrita boa fé e veracidade, a inexatidão ou inobservância poderá implicar na perda da garantia ou da indenização. Se tais conceitos e formas de aplicação já eram de complicada aplicação, esta dificuldade será potencializada com o emprego de meios remotos e o negócio eletrônico. Daí basta se imaginar a judicialização e a tormentosa exposição de todos aqueles aspectos para um processo judicial. Mas as exigências do novo modelo não se limitam ao emprego dos meios remotos, seus riscos e a eventual judicialização. Considerando que o seguro pressupõe uma transferência de informações e dados que sirvam para o segurador dimensionar o risco, caberá a esse recepcionar e gerir tais dados. Deverão os agentes do mercado envidar todos os esforços para que não exista mau uso, mormente nos tempos da Lei de Proteção de Dados. Descuidos nos elementos protegidos pela privacidade das pessoas e das empresas poderá implicar em claros prejuízos e sérias responsabilizações. A verdade é que a era digital é uma realidade nos negócios e contratos de seguro, tendendo a se incrementar cada dia mais. Já a necessidade de adaptação dos agentes do setor e dos profissionais que lidam com as demandas dali decorrentes igualmente deve ser observada, sob risco de continuarmos utilizando velhas fórmulas para novas estruturas.

IRAPUÃ BELTRÃO é Doutor em Direito, Subprocurador-chefe da SUSEP.

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GESTÃO DE ESCRITÓRIO

1 milhão e 200 mil motivos para se diferenciar POR

aLeXandre MoTTa

Falha o advogado que acredita apenas nos seus vastos conhecimentos jurídicos como aposta para captar novos clientes e se consolidar na carreira. Esse tempo já passou e até os pequenos devem se comportar de forma estratégica, criando uma marca forte e reconhecida no mercado.

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muito óbvio que o número citado no título deste artigo se refere ao volume total de advogados que até – março de 2019 – existem no Brasil. Estamos entre os países no mundo com o maior número de advogados, totalizando uma média aproximada de 1 para cada 180 habitantes.

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O problema não está em conhecer estes dados, mas sim perceber que não dá mais sobreviver sem o auxílio de ferramentas extras na advocacia. E é ainda mais óbvio que vou aqui – e sempre o farei – defender o marketing jurídico. Não ações isoladas, não o marketing digital disfarçado de marketing jurídico, não o oportunismo de achar que existe fórmulas mágicas e outras feitiçarias inexistentes, mas sim o marketing jurídico completo, encorpado, parrudo e robusto que apenas uma boa estratégia analisada consegue impulsionar em um escritório. Se você leu o parágrafo anterior e pensou “marketing jurídico completo? Isso está fora da minha realidade de escritório pequeno”. Pense novamente. Para alguns advogados, pensar em marketing jurídico ainda pode parecer algo muito distante da realidade do escritório, como se fosse uma ferramenta que é usada apenas pelas grandes bancas de advocacia e que não traria nenhum ganho às pequenas e médias. Este é um grande engano. Mas o gancho que quero comentar neste artigo, e que é uma das pérolas que o marketing traz para advocacia, é sobre a diferenciação. Voltando ao nosso estrondoso número inicial, imagine, apenas a título de visualização, 1.200.000 martelinhos alinhados, um ao lado do outro. Se você tivesse que escolher um, qual seria sua opção? Difícil, certo? E é exatamente isso que o mercado sente ao ter que escolher um advogado que se porta exatamente igual aos demais, sem nenhum tipo de diferenciação. Isso serve, em especial, para o advogado solo, o escritório micro, o pequeno e o médio. São estes os que mais precisam do marketing para mostrar seu diferencial ao mercado. A ideia por trás de criar um diferencial é responder as seguintes perguntas: • Por que um cliente prospectivo nos contrataria? • Por que ele me escolheria e não meu concorrente mais próximo?

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GESTÃO DE ESCRITÓRIO • Quais as razões que estamos dando hoje (e que estejam condizentes com o nossa missão, visão e valores) para que o mercado nos perceba como merecedores de contrato? Diversos itens podem ser usados como diferenciadores, sejam eles: • Tradição: quando o escritório tem grande tempo de atuação e experiência. • Especialização: quando o escritório tem foco único em uma área específica (Cuidado: não existe “somos especializados em diversas áreas de atuação”). • Marca Reconhecida: quando o escritório tem credibilidade dada pelo mercado, inclusive através de premiações. • Benchmarking: quando o escritório tem tanta significância no mercado que é visto como exemplo de escritório modelo para aquele determinado setor. • Atendimento Personalizado: quando o escritório tem foco total no cliente incluindo atendimento direto dos sócios ou grupo de atendimento. • Atendimento Contínuo: quando o escritório tem plantão 24 horas de atendimento. • Resultados Reais: quando o escritório consegue comprovar seus resultados em pelo menos 80% dos casos trabalhados. • Organização: quando o escritório tem uma estrutura ideal e completa, com todas as necessidades que o cliente possa ter, incluindo, por exemplo, departamentos de execução de cálculos processuais, cobrança de valores, suporte para apuração e cálculo do passivo, entre outros. • Atuação em Território Nacional e Internacional: quando o escritório pode atender os clientes em um módulo geográfico completo, seja com filiais próprias ou parcerias e correspondentes. • Excelência na Qualidade Técnica Profissional: quando o escritório conta com profissional de alto calibre técnico, inclusive com professores em seu quadro. • Tecnologia de Ponta: quando o escritório dá facilidades tecnológicas aos clientes através de programas de acompanhamento processual acessíveis direto no site, análise robótica de possibilidade de ganho e aplicativos do escritório para andamentos de fácil entendimento e notícias customizadas. • Atuação Preventiva/Antecipação: quando o escritório consegue prevenir situações de risco antes mesmo que o cliente perceba, pois está antenado nas evoluções políticas e mercadológicas. • Grandes Contas: quando o escritório tem nomes de clientes reconhecidos em seu quadro. • Transparência: quando o escritório tem rotina de apresentações situacionais mensais indicando os próximos passos de sua atuação. • Agrupador de Consultores: quando o escritório trabalha para determinado nicho novo de atuação e contrata um consultor do setor para instruir e aconselhar as decisões jurídicas, baseadas também pela visão da rotina do dia a dia deste profissional. • Confiança: quando o escritório ganha tanto envolvimento satisfatório com o mercado que existe uma demanda espontânea de novos clientes através de clientes antigos. 58

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• Qualidade de Procedimentos Internos: quando o escritório está tão evoluído em seus movimentos internos que consegue tirar o ISO 9001 de excelência. • Lealdade: quando o escritório implementa um plano de recompensa funcional para clientes antigos que merecem ser beneficiados pela constância de atuação junto à banca. • Novos Caminhos Estratégicos: quando o escritório tem saídas comprovadamente inovadoras para os clientes. Geralmente é aquela banca que gera teses ou resoluções novas que são copiadas rapidamente pelo mercado. • Visão de Negócios: quando o escritório se porta como um consultor de negócios dentro da empresa contratante. • Multidisciplinariedade: quando o escritório tem visão integrada e sistêmica dos diversos ramos do direito para propiciar uma ampla e coerente análise da situação do cliente. • Sistema “Multiportas” de Acesso à Justiça: quando o escritório busca da via adequada para a solução da questão apresentada, dentre os diversos métodos disponíveis, tais como: negociação, conciliação, mediação, arbitragem, judiciário, dispute board, etc. • Advocacia Humanizada: quando o escritório tem atendimento jurídico com enfoque humanizado, valorizando, entendendo e respeitando o cliente muito mais enfatizado do que o trâmite comum de advogado/cliente. • Singularidade: quando o escritório atua no formato onde cada processo é comprovadamente começado do zero, com estudos completos, sem nunca existir a cópia de nada. É provadamente um trabalho artesanal, geralmente feito por mais de um advogado. • Resolvedor: quando o escritório se posiciona como aquele que conserta os erros de outros advogados que já tenham trabalhado no caso e não tenham dado resultado, ou, em muitos casos, piorado a situação do cliente. Estes são apenas alguns dos ganchos ou ângulos que podem ser explorados na visualização diferenciada de um escritório. Existem outras dezenas de ideias que podem ser criadas e se adequar a qualquer escritório, de qualquer porte. Falha o advogado que acredita apenas nos seus vastos conhecimentos jurídicos como aposta para captar novos clientes e se consolidar na carreira. Esse tempo já passou e até os pequenos devem se comportar de forma estratégica, criando uma marca forte e reconhecida no mercado. Por fim, apenas ser um apaixonado pelas leis, um grande entendedor do direito não fará do advogado um profissional de sucesso. Independentemente do tamanho do escritório – para cada um haverá uma estratégia diferente – é necessário abraçar o marketing como uma ferramenta altamente eficaz para a realização dos objetivos profissionais e para ganhar competitividade neste universo de mais de 1 milhão e 200 mil martelinhos. Bom crescimento!

ALEXANDRE MOTTA é sócio diretor do Grupo Inrise, autor dos livros “Marketing Jurídico: os Dois Lados da Moeda” e “O Guia Definitivo do Marketing Jurídico” e através de sua experiência prática em marketing jurídico, atualmente mantém inúmeros escritórios sob sua responsabilidade de atuação e crescimento ético.

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VADE MECUM FORENSE

A prática de upskirting é crime no Brasil? POR

joaQuiM LeiTÃo jÚnior e MarceL goMes de oLiveira

O art. 5º, inciso X, da Constituição Federal prescreve que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, todavia, mesmo sendo passível de indenização, os casos do denominado upskirting só tem aumentado no Brasil e em outros países. A PRÁTICA DE UPSKIRTING É CRIME NO BRASIL?

E

m que pese em nosso vernáculo não termos algo para exprimir a tradução de upskirting, esta é uma prática (ou fetiche) de fotografar e registrar imagens,em locais públicos ou privados, por debaixo da saia, vestido ou pelas entranhas de peças de roupa de uma pessoa sem o seu consentimento. Geralmente, os adeptos desta prática abominável e ultrajante ficam monitorando suas vítimas (alvos) até o momento de distração para captar e registrar essas imagens, inclusive com exposição do rosto da vítima e do local da prática do upskirting. Após à captação ou registro destas imagens com a nítida violação à imagem da pessoa e da dignidade da pessoa humana, é comum que essas imagens sejam disponibilizadas gratuitamente ou comercializadas na internet. Sem sombras de dúvidas, essa prática de upskirting causa angústia, dor, humilhação, exposição indevida da intimidade da vítima e sofrimento emocional, depressão e até mesmo suicídio. Com isto, em nossa concepção, a prática de upskirting estará abrangida pela violação de intimidade (art. 7º, inciso II, da Lei Maria da Penha, por força do advento da Lei nº 13.772/2018 que acrescentou essa novel disposição). Desse modo, pensamos que após a vigência da Lei nº 13.772/2018, quem realizar a prática de upskirting estará sujeito às penas do art. 216-B, do Código Penal Brasileiro.

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Porém, antes mesmo do advento da Lei nº 13.772/2018, a Lei Maria da Penha já previa a violência sexual (art. 7º, inciso III, da aludida lei), violência esta entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (art. 7º, inciso III, da mencionada lei). O problema é que apesar dos esforços hercúleos da doutrina em procurar conferir um injusto penal dentro da nossa legislação1, em regra não havia um tipo penal específico para situação, diante da lacuna do ordenamento jurídico. Retomando a discussão, a expressão “violação de sua intimidade” trazida pelo art. 7º, inciso II, da Lei Maria da Penha, por força do advento da Lei nº 13.772/2018 que acrescentou essa novel disposição trará grandes embates, por ser ampla demais. Afinal, o que devemos entender por “violação de sua intimidade” da vítima? Qual o seu alcance? Essa tutela abrangeria apenas e tão somente à violação da intimidade da mulher vítima no âmbito doméstico no “aspecto sexual”, ou também abrangeria violação da sua intimidade no “seio familiar”, por exemplo, como exposição de brigas de família, humilhações, vexames etc. sem cunho sexual, mas que de certa forma viesse implicar na violação da intimidade? Em respostas as estas inquietações e seguindo a linha de interpretação (e exegese) sempre com observação da “mens legis”, pensamos que o legislador ordinário por meio da alteração legislativa em comento, quis ampliar o âmbito de proteção da mulher, vítima de violência de gênero, mas apenas no campo da intimidade sexual. Tanto é verdade, que na parte da lei incriminadora trouxe também um dispositivo legal sob rubrica de “registro de imagem não autorizada de intimidade sexual” (o que reforça nosso ponto de vista do viés apenas de a violação de intimidade estar relacionada com a intimidade sexual). Esse apontado dispositivo veio para suprir uma lacuna no ordenamento jurídico penal, em que não criminalizava o registro não autorizado da intimidade sexual de dimensão sexual, lacuna esta apontada desde tempos pela doutrina e agora suprida – como será abordado adiante. Logo, a interpretação mais adequada e em conexão com a “mens legis” a ser dada em nossa singela opinião, é aquela que prestigie a maior amplitude e alcance possível dessa proteção à intimidade sexual propriamente dita, para se evitar a proteção deficiente frente ao bem jurídico tutelado – embora não descartamos o surgimento de opiniões em sentido contrário, sob o argumento de que o Direito Penal como instrumento para tutelar a mulher, vítima de violência de gênero, deve ser dada à interpretação mais abrangente possível para outras situações que causem de certa forma violação da sua intimidade [saindo do enfoque propriamente sexual] (como por exemplo exposição de brigas de família, humilhações, vexames etc. sem cunho sexual, mas que de certa forma implique na violação da intimidade), não devendo o intérprete cingir a letra fria da lei. Outro argumento para essa outra possível corrente é de que a violação sexual2 já estaria prevista no art. 7º, inciso III (pelas expressões: “qualquer conduta”; “qualquer modo” e ou que “limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”), da Lei Maria da Penha, logo, com essa inovação legislativa não faria sentido o legislador trazer REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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VADE MECUM FORENSE palavras inúteis no texto da lei, assim o novo conceito da “violação da intimidade” (art. 7º inciso II, da Lei Maria da Penha) teria maior amplitude e não se limitaria a violação de intimidade de cunho sexual, vez que já existiria a violência sexual expressamente prevista, querendo o legislador com isso, dar uma interpretação mais elástica na Lei Maria da Penha, no tocante à expressão de “violação da intimidade”. Sob essa perspectiva, o art. 7º, inciso III (pelas expressões: “qualquer conduta”; “qualquer modo” e ou que “limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”), da Lei Maria da Penha já poderia alcançar atos de conotações sexuais de violência ao gênero feminino, mas fato é que agora temos um novo inciso que não deixa mais margens para dúvidas. De qualquer forma, caberá a doutrina e jurisprudência formarem o entendimento sobre o tema. De outro lado, avançando às análises, caso estejamos diante das condutas de oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia. Pensamos são plenamente possíveis, a depender do contexto, que incida o art. 218-C, do Código Penal Brasileiro. Confronto entre o art. 216-B (inclusive a prática do upskirting) e o art. 218-C, ambos do Código Penal Brasileiro: os núcleos do art. 216-B, do Código Penal estão relacionados ao registro, produção do vídeo, fotografia etc. Por outro lado, os núcleos do art. 218-C, do Código Penal estão relacionados com a divulgação do vídeo, fotografia etc. de cena de sexo, nudez ou pornografia, também sem o consentimento da(s) vítima(s). Veja o quadro abaixo para melhor ilustração:

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Art. 216-B, CPB

Art. 218-C, CPB

Registro não autorizado da intimidade sexual Art. 216-B – Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.

Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. Aumento de pena § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Exclusão de ilicitude § 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.

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Observe que a pena do delito do art. 218-C, CP é muito mais elevada que a pena do art. 216-B, CP, porque o legislador pune mais severamente o ato de divulgar que o ato de registrar. Além do mais, o art. 218-C, do CPB dispõe de causa de aumento de pena e hipótese de exclusão da ilicitude, enquanto o art. 216-B, do CPB, nada traz. Questão tormentosa que poderá causar celeuma na doutrina e jurisprudência seria o concurso entre os delitos do art. 216-B (inclusive a prática do upskirting) e 218-C. Indaga-se: o agente que filma e em seguida divulga o vídeo, incorre nos delitos dos arts. 216-B (inclusive a prática do upskirting) e 218-C, em concurso material ou, incidiria apenas no delito do art. 218-C, ficando o art. 216-B absorvido? O professor Rogério Sanches, em posição a qual nos filiamos, defende que “caso o agente faça o registro indevido e posteriormente divulgue a cena deve responder pelos crimes dos arts. 216-B e 218-C em concurso material” (SANCHES, 2018, p. 8) (contextos fáticos diversos). A despeito disso, não podemos ignorar que surgirá corrente defendendo absorção do art. 216-B, do Código Penal Brasileiro pelo delito do art. 218-C, do Código Penal Brasileiro (contextos fáticos diversos). O importante será analisar os contextos fáticos (se diferentes), porque caso estejamos no mesmo contexto fático as respostas poderão variar. Ademais, o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal prescreve que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, todavia, mesmo sendo passível de indenização, os casos do denominado upskirting só tem aumentado no Brasil e em outros países. Análise da prática do upskirting sob o enfoque médico legal das parafilias Outro ponto a ser observado trata da prática do upskirting no enfoque médico legal das parafilias. Diga-se de passagem que, inclusive o assunto é pouco tratado pela doutrina nessa vertente. Conforme Genival Veloso de França (2011, p. 271) as parafilias ou transtornos sexuais “são distúrbios qualitativos ou quantitativos, fantasias ou comportamentos recorrentes e intensos que surgem de forma inabitual, de origem orgânica ou simplesmente por preferências sexuais”. O professor Rogério Greco (2011, p. 194) ainda afirma que esses transtornos (sexuais) “podem vir a ocasionar atos delinquenciais, com graves repercussões jurídicas”. Como é o caso do upskirting que pode variar no autoerotismo ou na pictofilia (grafolagnia ou iconofilia). Podemos ainda dizer que o art. 216-B pode se encontrar associado a outras parafilias, tais como o voyeurismo, parascopismo e a grafelagnia. Dito isto, conceituamos cada uma das parafilias citadas: a) pictofilia (grafolagnia ou iconofilia): a excitação é alcançada através de fotos ou quadros eróticos; b) autoerotismo: apenas uma fotografia, um vídeo já é suficiente para contemplação; c) voyeurismo: o ato de assistir, gravar, registrar pessoas peladas ou praticando relações sexuais, sem o consentimento destas; d) parascopismo: variante de voyeurismo, praticado através de janelas de dormitórios; e) grafelagnia: excitação a partir de fotos de sexo e nudez. REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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VADE MECUM FORENSE Da problemática do alcance do conceito de “nudez” e de sua abrangência sob aspecto cultural, moral, legal entre outros para fins de upskirting e o novel delito em estudo Advogamos a ideia de que o conceito de nudez vai além do conceito simples e singelo que vulgarmente é propagado. Tanto é assim que, também entendemos que não se pode cingir apenas ao “nu” propriamente dito, sob pena de fazer interpretação rasa da vontade do legislador. Em verdade, a nudez pode se dar de modo integral como de modo parcial (seminudez) e o intérprete deve estar atento a isso. A abrangência da nudez integral e parcial (semi-nudez) dependerá também do aspecto cultural, moral e regional. Melhor exemplificando ainda que de forma radical: em análise ao aspecto da cultura e regional, não se tem como comparar a cultura e moral caipira e do interior com uma cultura de uma capital brasileira litorânea, por exemplo. Obviamente, o alcance de nudez integral e parcial terão dimensões diferentes a depender dos aspectos culturais, morais entre outros. De qualquer forma, é o caso concreto que será a diretriz da interpretação. Certamente, surgirão correntes interpretativas que rejeitem a ideia de que estando a vítima sendo fotografada ou filmada com roupas íntimas (pessoas de calcinhas, saias e vestidos curtos [estando a vítima de calcinha ou desnuda], “lingerie”, cueca, biquíni a depender do contexto, sutiã, etc.), não haverá, é claro, ato sexual ou libidinoso e se questionará a configuração da “nudez” neste ponto. Nos ensinamentos do festejado doutrinador e delegado Eduardo Luiz Santos Cabette: “Entende-se, contudo, que a nudez a que se refere a lei não precisa ser completa, aliás não há essa exigência de completude na letra da legislação. A nudez pode ser completa ou parcial (semi-nudez). Ninguém pode duvidar que a filmagem, fotografia etc., de uma mulher em trajes íntimos, sem sua autorização configura o tipo penal em questão, não havendo necessidade de que não esteja vestida com nenhuma peça de roupa. O caso concreto deverá ser analisado. Possivelmente uma pessoa de pijamas ou camisola comprida não servirá, mas um homem de cuecas ou uma mulher somente com calcinha parecem se enquadrar na previsão legal. Ademais, no caso do “upskirting” há que levar em conta que em certos casos a vítima poderá estar desprovida de roupas íntimas e então a nudez será realmente completa nas imagens, fotos ou registros obtidos” (CABETTE, p. 1, 2019).

Continuando com a exposição do delegado de polícia, Eduardo Luiz Santos Cabette, este de forma profunda seguindo nossa linha de entendimento também, vai mais além quanto ao significado de nudez, asseverando como já dito acima de que é algo oscilante na cultura e da moral de um povo, sendo que a análise do caso concreto é quem nos dirá isso. Citemos: “A palavra nudez ou somente nu, também é correto dizer, diz-se do estado de uma pessoa não estar vestida. Por diversas vezes, faz referência ao estado de desgaste, da pouca roupa, ou até mesmo das convenções ou regras de uma determinada cultura ou de uma determinada situação que tenha sido estabelecida (...). A nudez em algumas culturas ocidentais pode ser considerada erótica e em outro ponto é considerada como sendo um estado normal, ao qual não é atribuído qualquer sentimento ou qualquer emoção. Mesmo que exista muitas definições da palavra nudez, esta, na maioria das vezes, significa que o corpo não é coberto com roupas.

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(...) a sua definição tem diferentes conotações que são subjetivas. A palavra nudez que tem sua origem etimológica no latim “nudus” é a tradução literal de alguém que está sem roupa. Um estado de nudez completa, é aquele em que não existem pessoas vestidas com cobertura das partes do corpo mais íntimas, ou seja, estão totalmente sem roupas. Já a nudez parcial pode se referir a alguém vestido apenas com uma canga cobrindo os órgãos genitais. Como exemplo da nudez parcial pode-se mencionar algumas tribos de índios, espalhados por algumas regiões do Brasil. No antigo Egito um ato de nudez feminina era considerado a maneira com que as mulheres exibiam seus cabelos naturais” (grifos nossos) (CABETTE, p. 1, 2019).

Nos valendo ainda das lições de Eduardo Luiz Santos Cabette, acerca do problemática da nudez ou semi-nudez, temos ainda que: “No que diz respeito aos casos de exposição sensual ou de nudez de crianças e adolescentes, já se tem interpretado, inclusive o STJ, que quando o art. 241-E do ECA (Lei nº 8.069/90) se refere à exposição de órgãos genitais, estes podem estar recobertos ou totalmente em exibição, o que importa é o caráter de exploração da sensualidade. Parece óbvio que a exposição e uma menina trajando apenas calcinhas em circunstâncias insinuantes se adequa aos tipos penais do Estatuto. “Mutatis mutandis” parece que o mesmo entendimento, por interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico, pode ser perfeitamente aplicável ao artigo 216-B, CP nos casos de “upskirting” e outras situações de registro de semi – nudez sensual” (CABETTE, p. 1, 2019).

Por fim, entendemos que havendo o “zoom”, “close” ou “closed” de imagem ou filmagens de registros com o nítido propósito e o contexto dessa captação é que serão imprescindíveis ao caso concreto para o alcance da nudez ou semi-nudez, lembrando que a intenção do legislador na justificativa do novo tipo penal foi contemplar também essas situações – por mais que a redação do texto legal não tenha sido das melhores, como de costume. CONCLUSÃO Encerra-se o trabalho, afirmando que a prática de upskirting é prevista como crime no Brasil, podendo a depender do contexto fático, se enquadrar na hipótese do art. 216-B, do CPB ou do art. 218-C, ambos do Código Penal Brasileiro, pela violação de intimidade (art. 7º, inciso II, da Lei Maria da Penha, por força do advento da Lei nº 13.772/2018 que acrescentou essa novel disposição) e edificou também uma nova figura incriminadora (art. 216-B, do CPB) no Código Penal Brasileiro. NOTAS 1

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Antes do advento da Lei nº 13.772/2018, a doutrina procurava imputar o ant. 61 da Lei das Contravenções Penais (apenas com pena de multa) pela prática de “importunação ofensiva ao pudor” e os possíveis crimes contra a honra, diante das práticas de upskirting. Pensamos que neste último raciocínio, apenas se teria a possível prática de possíveis crimes contra a honra, se exteriorizada a conduta, ou seja, com a divulgação que poderia redundar no dia de hoje no art. 218-C, do CPB. Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

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VADE MECUM FORENSE II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; REFERÊNCIAS

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JOAQUIM LEITÃO JÚNIOR é Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso, atualmente lotado na Diretoria da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso no cargo de Assessor Institucional/Assessor Jurídico. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obra jurídica e autor de artigos jurídicos. Atualmente também é professor de cursos preparatórios para concursos públicos e professor voluntário da Acadepol-PJC/MT.

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ARQUIVO PESSOAL

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 10.151, DE 2018 (Do Sr. Carlos Sampaio). Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro, para tipificar a ação de se fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, em local público ou acessível ao público, as partes íntimas da vítima, sem o seu consentimento. Disponível em: <<http:// www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=43D838AA6DDA6F02259A2E4841930DF3.proposicoesWebExterno2?codteor=1659542&filename=Avulso+ -PL+10151/2018>>. Acesso em 04 de janeiro de 2018. __________. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº , de 2018. (Do Sr. Rafael Motta). Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para incluir o crime de violação de intimidade. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1642886. Disponível em:<< http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1642886>>. Acesso em 04 de janeiro de 2018. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Violação da intimidade como violência doméstica contra a mulher e o novo crime de registro não autorizado da intimidade sexual. Disponível em:<<https:// eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/664153368/violacao-da-intimidade-como-violencia-domestica-contra-a-mulher-e-o-novo-crime-de-registro-nao-autorizado-da-intimidadesexual>>. Acesso em 18 de janeiro de 2019. FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. GRECO, Rogério. Medicina Legal à Luz do Direito Penal e do Direito Processual Penal: teoria resumida. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. LEITÃO JÚNIOR, Joaquim; OLIVEIRA, Marcel Gomes de. Comentários à Lei nº 13.772 de 2018 – O novo conceito de violência psicológica da Lei Maria da Penha e o novo delito do art. 216-B do Código Penal Brasileiro. Disponível em: <<www.amdepol.org>>. Acesso em 18.01.2019. O QUE é nudez? Disponível em: <<https://oquee.com/nudez/>>. Acesso em 17.01.2019.

MARCEL GOMES DE OLIVEIRA é Delegado de Polícia no Estado do Mato Grosso, atualmente lotado na Coordenadoria de Plantão Metropolitano. Formado pelo Centro Universitário Jorge Amado – UNIJORGE. Foi Advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito do Estado. Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Direito Processual Penal. Foi professor de Criminologia, Ética, Direitos Humanos e Cidadania do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado da Bahia. Atuou também como professor de Direito Penal, Legislação Penal Especial e Medicina Legal das Faculdades 2 de Julho. E, como professor de Direito Penal e Direito Processual Penal do Centro Universitário da Bahia (Estácio de Sá). Atualmente é professor de cursos preparatórios para concursos públicos e professor da Academia de Polícia Judiciária Civil do Estado do Mato Grosso – ACADEPOL/MT.


KNOW HOW

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O ódio social e a interpretação literal das leis

John Rawls

POR

aMadeu garrido de PauLa

O

mundo jurídico civilizado aprendeu, nas academias e nas lides processadas e resolvidas pelo Estado, a interpretar as leis antes de aplicá-las aos casos concretos da vida social. Contudo, o povo não alcança essa reflexão, o que é muito compreensível. Há muito tempo de pensares jurí-


KNOW HOW dicos, os operadores do direito deixaram de dar crédito ao que disseram os romanos: “in claris cessat interpretatio” (na clareza da lei não há o que se interpretar). Em todos os casos, justifica-se uma reflexão sobre o modo de entender a norma jurídica e materializá-la. A interpretação da norma, que, no Brasil, teve como principal especialista o professor e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Maximiliano (“Hermenêutica e Interpretação das Leis”, entre inúmeros outros estudos e lições), em todos os casos, inclusive nos aparentes mais simples ou simplórios, é imprescindível. Cumpre verificar as causas sociais do momento em que a norma foi criada (“occasio legis”), a razão pela qual ela veio ao mundo do direito a (“ratio legis”), a significação no campo mais amplo da normatividade como um todo (interpretação sistemática), a finalidade (“interpretação teleológica”), eventual decrepitude no passar dos tempos, (embora nosso direito positivo não preveja a revogação automática por anacronismo), a interpretação em conformidade com a lógica jurídica plasmada ao correr dos litígios por séculos e por meio dos Tribunais de inúmeros países, seu ajuste de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e os preceitos e garantias constitucionais.

Diz-se – talvez uma lenda – que na Austrália até canguru conhece a Constituição, mas o esforço de divulgar o Direito, a Ética, o possível conceito do justo, a equidade, deveria nos acompanhar durante todos os cursos ainda que não jurídicos. Para, por meio da autorreflexão, revivescíamos valores e aceitar com nobreza a democracia que Rawls deriva da cooperação racional e razoável entre os membros de uma sociedade, para que esta possa sobreviver, não obstante suas naturais diferenças de atribuições, funções etc. É a essência da justiça distributiva.

John Rawls lança mão de uma virtude do cérebro humano – a capacidade de refletir sobre os vários aspectos de um fato – para aquilatar sobre o verdadeiro sentido da norma jurídica. Há uma norma inicial – fundadora dos raciocínios jurídicos – lastreada nas hipóteses de contratos sociais –, Rousseau, Locke, Hobbes – irmã da regra fundamental de Kelsen – em torno das quais as reflexões e, sobretudo, aos autorreflexões sobre o direito devem ser desenvolvidas. Em suma, o homem comum, no sentido de não ser versado em direito, antes de levar-se pelas emanações concretas das regras a ele enunciados – em seu dia-a-dia – deveria depositar sua reflexão e, não raro, modificar sua impressão 68

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original, a quem ninguém desmerece em seu grupo social, pois é da necessária dinâmica do ser pensante a mudança de seus pensamentos. Infeliz, para si e para a sociedade, o ser amarrado a convicções que imagina corretas e das quais não se liberta – em suposto caráter de coerência. Ao mesmo tempo, repensar sobre o significado do comando. Numa cidade como São Paulo, exemplificativamente, em que a carência de mobilidade urbana torna os espaços disputadíssimos e fonte de neuroses, a tendência é seguir as regras sinalizadas. As demarcações são mais impositivas que os métodos interpretativos, desconhecidos, como afirmado, pela imensa maioria. Daí decorrem muitos desentendimentos, conflitos verbais, físicos e até mesmo mortes por homicídios. São os determinados crimes por motivo fútil. Temos um índice deplorável de homicídios por ano, mas não são classificados por suas motivações – torpezas, futilidade, justificadas por necessariedades – legítima defesa sem excesso. Daí promana a futilidade do “dono do direito”. Se estou numa via preferencial, relaxo, por atribuir exclusivamente ao outro o dever de evitar um acidente, por mais consequenciais que sejam. Se vejo alguém num pátio onde alguém estacionou seu carro fora dos lindes sinalizados, acredito-me no direito de buscar explicações junto ao infrator, não raro com dissidências lamentáveis, ainda que o fato não me incomode, face à existência de espaços vazios. Não se pensa como uma vítima de danos (“pas de nullité sans grief”), mas como um todo poderoso alguém que pilhou outro numa infração corriqueira, sem dolo e danos, que o ordenamento relega ao poder de polícia administrativo, com direito a censurá-lo, admoestá-lo – exerce-se aí um pouco de poder. Ninguém compreende, como é óbvio, a tríplice cognição de Miguel Reale (fato, valor e norma), na inteireza de seus receptivos conceitos. Diz-se – talvez uma lenda – que na Austrália até canguru conhece a Constituição, mas o esforço de divulgar o Direito, a Ética, o possível conceito do justo, a equidade, deveria nos acompanhar durante todos os cursos ainda que não jurídicos. Para, por meio da autorreflexão, revivescíamos valores e aceitar com nobreza a democracia que Rawls deriva da cooperação racional e razoável entre os membros de uma sociedade, para que esta possa sobreviver, não obstante suas naturais diferenças de atribuições, funções etc. É a essência da justiça distributiva. Talvez sob o sistema do “common law” as reflexões sobre o significado da lei sejam mais críticas e autocríticas, porquanto a lei é apenas um dado referencial, não dispensando outros modos igualmente importantes de soluções jurídicas, que não embotam os cérebros. Se não dispensássemos – enquanto leigos – a tarefa intelectual de pôr em prática a democracia de cooperação, não teríamos um Judiciário quase enfartado, nossa vida social seria muito menos tensa e tudo correria com uma leveza dissipadora do ódio que nos embrutece.

AMADEU GARRIDO DE PAULA é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

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PAINEL UNIVERSITÁRIO

A tutela provisória de urgência: a necessidade da prestação da tutela jurisdicional como meio de evitar prejuízo à parte POR

Kaynara Carvalho de Oliveira, Millena da Costa Silva e Rodrigo de Lima Leal

“É imperioso que os juízes e advogados olhem a estabilização da tutela como instituto que veio para racionalizar o acesso ao Judiciário e que o apliquem sem exigências inúteis, redundantes ou contraditórias. O procedimento é simples e, se aplicado adequadamente, tem o potencial de resolver conflitos com relativa definitividade já mediante cognição sumária, contribuindo para que não se acumulem no Judiciário processos já faticamente resolvidos.”

I

nicialmente reforça-se o pensamento de que o Direito é essencialmente uma coisa viva. Ele está destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam e se modificam. Nessa premissa, faz-se necessário com que o as regras do nosso ordenamento jurídico sigam essas modificações humana para cumprir com o seu efetivo funcionamento. Nesse sentido, ensina Ernane Fidelis dos Santos que: Se o direito existe para garantir o gozo de um bem da vida, o tempo poderá frustrar-lhe a própria existência, quando, em virtude dele, não poder ser exercido a contento. Quando o direito é molestado, amea­çado ou contestado, com a proibição da justiça privada, o pretendente deve buscar do Estado a respectiva tutela jurisdicional (SANTOS, 1999, p. 19).

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O novo Código de Processo Civil é apresentado à sociedade civil como diploma hábil a imprimir celeridade aos procedimentos em trâmite, desburocratizando determinados atos processuais, com vistas a imprimir uma redução do formalismo processual. Dessa forma, as alterações do Código de Processo Civil de 1973, veio com a proposta de tratar de circunstâncias especiais a fim de dar celeridade aos processos no seu âmbito, assumindo papel de destaque. Consubstancialmente, houve alterações no tocante as tutelas de urgência, evidência e a estabilização da tutela antecipada. Tutelas, estas, que vem causando vastas discussões no Direito. Contudo, antes de adentrarmos no tema central do presente artigo, da tutela de urgência faz-se necessário tecer breves comentários acerca dos tipos de tutelas oferecidas pelo Estado-juiz. São elas, as Tutelas Definitiva e Provisória. A Tutela Definitiva, é aquela em que o objeto da decisão é intensamente debatido (cognição exauriente), sendo atendidos, obedecidos e seguidos os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, produzindo efeitos ou resultados imutáveis, ou seja, a coisa julgada. Já na Tutela Provisória, o assunto da decisão não é debatido com a mesma profundidade da tutela definitiva, existindo apenas uma cognição sumária por parte do juiz. O objetivo da Tutela Provisória é de dar maior efetividade ao processo por afastar o perigo a que está sujeita a tutela jurisdicional ou por assegurar, proteger, preservar o provimento final. Neste trabalho, apresenta-se um dos principais pontos em que motivaram o surgimento de um Novo Código de Processo Civil, mas especificamente, acerca das tutelas de natureza sumária, em que a retirada do processo cautelar deu lugar às tutelas de urgência. A nova lei, trouxe ainda a possibilidade de, considerada a inércia do réu diante da antecipação do pedido, estabilizar os efeitos do pedido antecipado. Neste liame, faz-se necessário a pergunta: A simples inércia do réu diante da antecipação do pedido, é suficiente para a sua estabilização? O presente artigo tem como objetivo verificar a efetividade dessa estabilização à luz do ordenamento jurídico brasileiro, fazendo uma análise acercada aplicação da tutela de urgência. Nos objetivos específicos buscou-se investigar a efetivação da tutela de urgência e estabilização da tutela antecipada. Como principal ponto, discutir a estabilização da tutela em face do Novo Código de Processo Civil de 2015, fazendo perpassar pela lei, doutrina, jurisprudência e direito comparado. TUTELA DE URGÊNCIA A princípio, é importante colocar a observação de que com o projeto do Novo Código de Processo Civil, o livro referente ao processo cautelar foi substituído por um título que trata da tutela de urgência, cautelar e satisfativa e da tutela de evidência. De acordo com o art. 294 do novo CPC (2015), a tutela provisória pode fundamentarse em urgência ou evidência parágrafo único, a tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. O Art. 294, parágrafo único do novo Código, dispõe que a tutela provisória, de natureza cautelar ou satisfativa, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Já o art. 303 autoriza a parte, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a peticionar ao juízo requerendo apenas a tutela provisória, com indicação sumaria da lide, do direito que se busca realizar e do perigo da demora e, posteriormente, adiar a inicial com o REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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PAINEL UNIVERSITÁRIO pedido principal, se for o caso. E o art. 305 e seguintes preveem o procedimento para a concessão da tutela conservativa (cautelar) de forma antecedente. Em qualquer caso, não há uma ação sumária distinta da ação dita principal. A pretensão da medida urgente se apresenta como parcela eventual da ação que objetiva solucionar o litígio, quer quando a antecede e a prepara, quer quando a complementa já em seu curso. (THEODORO JUNIOR, 2015, p. 635).

A possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela é essencial no cotidiano da celeridade dos processos, atuando na urgência dos direitos que correm o risco de não sobreviverem até o momento do pronunciamento da sentença. Fazendo uso das palavras de Nery Júnior (2001) a tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito é providência que tem natureza jurídica mandamental. Assim, tem como objetivo, entregar ao autor, ou ao réu, a própria pretensão de antecipação urgente de seus efeitos. Com o fim de atingir critérios mais objetivos, parte da doutrina entende que na cautelar basta que o fato alegado pelo requerente pareça ser verdadeiro, enquanto na tutela antecipada, além disso deverá haver um conjunto probatório suficiente para fundamentar a concessão da medida, mas ainda não definitivo. A tutela de urgência poderá ser satisfativa ou cautelar, o que difere da tutela de evidencia que só poderá ser de natura satisfativa. Tutela de urgência segundo o Novo Código de Processo Civil, 2015 Art. 300 A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

No momento em que houver fundamentos que evidenciem a possibilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, logo só poderá ser concedida no momento em que for provado o perigo. Já na tutela de evidencia, será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (art. 311, NCPC). Percebe-se, assim, que o magistrado deve estar atento sobre a existência ou ausência dos “elementos que evidenciam” a probabilidade de os fatos narrados serem verídicos e quais as chances de êxito do demandante. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA NO NCPC O grande diferencial do Novo CPC é que, dependendo da atitude do autor e do réu, a tutela torna-se estável, é que o Novo CPC prevê a possibilidade de o autor ingressar apenas com o pedido de tutela antecipada antecedente, sem formular o pedido principal e juntar todos os documentos essenciais e úteis para uma sentença final favorável, mencionando tão-somente qual será o pedido da tutela final, bem como expondo a lide, o direito que pretenderá, a probabilidade do direito e o perigo de dano, e se obtiver a tutela provisória de urgência antecipada (satisfativa) de forma antecedente, essa tutela poderá se tornar estável se: 72

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Concedida a tutela e o autor aditar a petição inicial – a tutela concedida não terá estabilidade se o réu ingressar com agravo de instrumento (art. 304, NCPC). A estabilização da decisão concessiva de tutela antecipada é uma técnica de monitorização do processo civil brasileiro (DIDIER, 2016, p. 684). Como já tratado, o novo CPC, claramente voltado à duração razoável do processo e a efetividade da tutela jurisdicional, permite que a antecipação satisfativa seja veiculada de maneira antecedente, ou seja, em petição própria, antes da propositura da demanda principal (art. 303 do CPC). O citado artigo autoriza a apresentação de requerimento de tutela de urgência antecipada antes que seja apresentado o pedido de tutela final de maneira completa. Nesse caso, uma vez deferida a medida, deverá o requerente aditar a petição inicial (em 15 dias ou outro prazo maior a ser definido pelo magistrado), complementando-a, com os demais argumentos e provas. Ocorre que, se a medida assim requerida (de modo antecedente) e deferida não for confrontada pela parte contraria pelo recurso cabível, qual seja o agravo de instrumento, ela se estabiliza, isto é, conservará os seus efeitos práticos, independentemente da complementação da petição inicial e da defesa do réu. Em principal novidade relativa ao tema, como dito, apresenta o Código de Processo Civil vigente uma nova roupagem que agora possibilita a Antecipa­ção de Tutela Antecedente, com a Estabilização de seus efeitos (MEDINA, 2016, p. 483). A estabilização da tutela antecipada está arrolada no art. 304 do NCPC Artigo 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. § 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos ter­mos do caput. § 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º. § 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos au­tos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida. § 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, pre­visto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º. § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

O artigo supracitado, enumera direitos e deveres que devem ser obedecidos para a efetiva estabilização da tutela. Importante destacar, que o direito de revisão, reversão ou reforma da decisão, deve ser demandada pelas partes em até 2 anos após a estabilização da demanda. Em que pese o processo seja extinto, a decisão que concedeu a tutela provisória satisfativa, já estabilizada, conserva seus efeitos. Para que a estabilização da tutela ocorra, é necessário que estejam presentes determinados pressupostos, a saber: requerimento de tutela provisória satisfativa antecedente; ausência de manifestação do autor pelo prosseguimento do processo para a tutela definitiva; decisão que concede a tutela provisória satisfativa antecedente; inércia do réu e; síntese REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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PAINEL UNIVERSITÁRIO dos pressupostos para a estabilização da tutela provisória e negócio processual atípico sobre o tema. O que há mais característico na tutela antecipada é que ela, antecipamente, satisfaz, no todo ou em parte, a pretensão formulada pelo autor, concedendo-lhe os efeitos ou consequências jurídicas que ele visou obter com o ajuizamento da ação. Se postulou a condenação, o juiz, antecipando a tutela, permitirá ao credor obter aquilo que da condenação lhe resultaria. Por isso, o juiz não pode concedê-la com efeitos que ultrapassem a extensão do provimento final, ou que tenham natureza diferente da deste. (GONÇALVES, 2017, p. 380).

Portanto, é imperioso que os juízes e advogados olhem a estabilização da tutela como instituto que veio para racionalizar o acesso ao Judiciário e que o apliquem sem exigências inúteis, redundantes ou contraditórias. O procedimento é simples e, se aplicado adequadamente, tem o potencial de resolver conflitos com relativa definitividade já mediante cognição sumária, contribuindo para que não se acumulem no Judiciário processos já faticamente resolvidos. REQUISITOS DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA Para a concessão da tutela de urgência é necessário que conste no processo elementos que evidenciem a probabilidade do direito, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Os arts. 300 ao 302 do CPC/2015, regulam as disposições gerais relativas à tutela provisória de urgência, sendo que para este ensaio o que nos interessa é a redação do art. 300, caput, do novo CPC “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.” (BRASIL, 2015). Diz-se provável a pretensão que se encontra resguardada pela análise conjunta do direito discutido em tese e do conjunto probatório, ou seja, da análise do direito e do fato tratado no processo, nos permite deduzir ser provável que o requerente vença. O perigo de dano é a plausibilidade de que o direito que se discute sofra algum tipo de mal, a conduta de uma das partes ou mesmo o fator tempo representam nocividade ao direito do requerente. E, o risco ao resultado útil do processo, é a ameaça que direta ou indiretamente pode prejudicar o direito do requerente, caso vença a ação. O grau dessa probabilidade será apreciado pelo juiz, prudentemente e atento à gravidade da medida a ser concedida. Ao primeiro requisito (probabilidade), deve ainda, estar somado um destes requisitos: perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Inicialmente, faz-se necessário fazer a distinção entre risco e perigo, embora possam parecer sinônimos, não se confundem. Risco é a possibilidade de dano, enquanto que perigo é a probabilidade de um dano ou prejuízo. Assim, perigo é uma causa do risco. Dano, nada mais é do que um mal, prejuízo, ofensa material ou moral ao detentor de um bem juridicamente protegido. Já o resultado útil do processo, trata-se do bem da vida que é devido ao autor, e não a sentença acobertada pela coisa julgada material, que é própria da ação principal. É possível que o juiz exija caução idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa suportar, no entanto se o requerente não puder apresentar por ser hipossuficiente, a mesma deve ser dispensada. Dada a natureza das tutelas de urgência, o juiz pode ou não ouvir a outra parte antes de sua concessão. 74

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A tutela antecipada de urgência, não deverá ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Porém, os tribunais têm afastado este requisito (ausência de perigo de irreversibilidade) e concedido tutelas antecipadas mesmo com perigo de irreversibilidade em casos de natureza alimentar ou nas hipóteses em que a irreversibilidade seja dúplice (é dizer: irreversibilidade dos efeitos para autor e réu). Casos como os de risco à saúde são exemplos dessa irreversibilidade dúplice. Tal entendimento privilegia o princípio da dignidade humana e a própria utilidade do processo que pode não existir se houver a espera pelo provimento final. CONSIDERAÇÕES FINAIS O instituto da estabilização da tutela antecipada não viola modelo constitucional de processo. Ao contrário, positiva e esclarece uma situação que sempre foi possível, embora de modo pontual, qual seja, de uma decisão sumaria tornar-se definitiva. É certo que, antes de se tornar definitiva, ficará estabilizada, dispensando o autor de complementar a demanda, que será extinta. Ao término do prazo de dois anos da estabilização, finalmente, por absoluta omissão dos interessados, restará definitiva. Portanto, se tem a tutela de urgência, que será concedida no momento em que houver fundamentos que evidenciem a possibilidade do direito e o perigo de dano, ou o risco ao resultado útil do processo, nessa tutela, por exemplo, é preciso provar que há a probabilidade do perigo. Diante disso é que se diz que o direito fundamental há a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF), por onde exige que seja realizado com certa moderação. Não há como se negar que submeter o direito evidente e urgente às formalidades exigidas no processo seria um retrocesso, violando, inclusive, garantias fundamentais como as do acesso à justiça e a duração razoável do processo. REFERÊNCIAS

RODRIGO DE LIMA LEAL é Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Especialista em Direito Previdenciário e Metodologia do Ensino Superior pelas Faculdades Integradas de Patos – FIP. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG. Professor. Advogado.

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KAYNARA CARVALHO DE OLIVEIRA é Acadêmica do curso de bacharelado em Direito na faculdade de ensino superior RSÁ, quinto período (noturno).

ARQUIVO PESSOAL

BRASIL. Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, 16 de março de 2015. BRASÍLIA, DF. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. BRASIL. Constituição (1988). BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas de urgência. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p.67. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2017. MEDINA, J. M. G. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. NERY JR., Nelson; Andrade Nery, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor. 5. ed. São Paulo: RT. 2001. p. 732. PINTO, Rodrigo Tegani Junqueira. Tutela Antecipada no Novo Código de Processo Civil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 138, jul 2015. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/ site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16214>. Acesso em 22 de novembro de 2018. THEODORO JÚNIOR, H. Novo Código de Processo Civil Anotado. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

MILLENA DA COSTA SILVA é Acadêmica do curso de bacharelado em Direito na faculdade de ensino superior RSÁ, quinto período (noturno).

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PLANEJAMENTO FINANCEIRO

Como funcionam e quais os riscos dos multimercados? Mario oKazuKa

DIVULGAÇÃO

POR

Os multimercados são uma das melhores categorias de fundos para investir, pois permitem capturar os ganhos, delegando para uma equipe a gestão, em um cenário em que é preciso estar mais ativo para buscar uma carteira eficiente.

O

que são os fundos multimercados? Vale a pena investir nesses fundos? Mario Okazuka, CFP, responde: Caro leitor, Quanto à primeira pergunta, podemos definir que os fundos multimercados são aqueles que permitem ao gestor realizar aplicações em diferentes tipos de ativos, não restringindo a sua política em um único instrumento. Com tantas possibilidades, não devemos fazer as

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nossas análises considerando todos eles como uma única categoria. Neste sentido, a Anbima estabeleceu 11 tipos, conforme a sua principal estratégia, permitindo ao investidor uma decisão mais consciente. Alguns exemplos dessa classificação são os denominados balanceados, que possuem uma política de alocação já pré-determinada nas classes de ativos e não é permitida alavancagem; os fundos macro, que realizam operações com base no cenário macroeconômico; os fundos de juros e moedas, que fazem investimentos em estratégias com riscos em juros, índice de preços e moeda estrangeira; e os fundos longand short, que fazem operações ligadas à renda variável. Podemos ver que os multimercados podem ser utilizados nas alocações das carteiras de diversos perfis de investidores. Há desde aqueles destinados ao perfil mais conservador, com políticas que permitem ativos de baixo risco e sem volatilidade, e também os mais arrojados, que são comparáveis a um parque de diversões com brinquedos de alta escala de emoção, com diversos loopings, quedas bruscas em que a pessoa demora mais tempo para voltar ao seu estado padrão. Sobre a segunda pergunta, se considerarmos que há três anos os investidores podiam adquirir um título público a uma taxa de 14,25% e, atualmente, com uma taxa Selic de 6,5%, há uma necessidade de maiores retornos e, consequentemente, maiores riscos, os multimercados são uma das melhores categorias de fundos para investir, pois permitem capturar os ganhos, delegando para uma equipe a gestão, em um cenário em que é preciso estar mais ativo para buscar uma carteira eficiente. Porém, antes de fazer o seu investimento, é importante fazer alguns questionamentos: – Quanto eu estou disposto a perder do capital investido? É preciso verificar se os limites que são estabelecidos para o gestor atuar estão em linha com o que o investidor aceita. – Qual o horizonte de tempo que quero manter esse investimento? O investimento em um fundo multimercado não é o mais indicado para aqueles que miram um curto prazo, pois as estratégias desenvolvidas geralmente buscam uma rentabilidade em um prazo mais longo. – Caso precise do dinheiro, em quanto tempo ocorre o pagamento do resgate? Um ponto importante que deve ser analisado durante o processo de alocação é a liquidez. Dado que são instrumentos que possuem diferentes tipos de riscos, os gestores estabelecem regras de prazos mais longos em caso de pedido de resgates. Isso é feito para possibilitar o desmonte de suas estratégias e que não haja maiores prejuízos para os cotistas. – Quais são as taxas cobradas? De forma geral, esses fundos além da taxa de administração estabelecem taxa de performance – ou seja, à medida em que o gestor obtém retornos superiores ao benchmark, parte desse retorno é destinado a ele, como uma forma de alinhamento de interesses. Vale lembrar que a performance é cobrada, no mínimo, semestralmente, então, não adianta o fundo performar um mês, é preciso ultrapassar o benchmark em um período maior. Para encontrar as respostas, os investidores devem ler os documentos e avisos dos fundos. Bom investimento!

MARIO OKAZUKA é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros.

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EXPRESSÕES LATINAS

Mora accipiendi/ credendi/creditoris

Mora (= retardamento) em receber/em aceitar a prestação[de]/(mora) do credor POR

vicenTe de PauLo saraiva

Moeda romana com a efígie do Imperador Adriano (76-138).

A

ccipiendi/credendi estão no genitivo do gerúndio dos verbos accipere e credere (respectivamente), como adjuntos adnominais [“restritivos”] de mora. (Em vez do genitivo, encontram-se formulações paralelas no ablativo, precedido este da preposição in – in accipiendo/in credendo –, locuções e adjuntos adverbiais de causa, ou mesmo de tempo, mais consentâneos com a tradução dada acima.) O uso do gerúndio foi devido ao fato de ser adjunto adnominal de mora (como já dito) e não ter seu complemento verbal expresso; isso porque, em latim, o infinitivo não podia exercer senão as funções chamadas “retas”, ou seja: de sujeito e seu predicativo (às quais correspondia o nominativo) ou de objeto direto (correspondente ao acusativo, sem preposição). Como alternativa para qualquer dos dois gerúndios, poder-se-ia vazar a locução mediante o substantivo creditoris, no genitivo singular, também como adjunto adnominal [“restritivo”] de mora. Já no direito romano, a manifestação do credor se caracterizava pela recusa deste em aceitar a oblatio (= a oferta) da prestação pelo devedor. Era necessário que a aludida oferta da coisa ou do dinheiro fosse efetiva e integral – devendo ser apresentada ao credor, quando deste não fosse exigível a colaboração (D. 46, 3, 33, 1; 46, 3, 39; 19, 1, 3, 4); bastaria, entretanto, a oferta oral se ao credor coubesse vir receber a 78

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coisa devida (D. 22, 1, 24, 2); dispensava-se, contudo, a oferta, se a prestação tivesse termo prefixado (D. 18, 6, 5). Necessário, também, que a recusa do credor não se originasse de um motivo justo – como nos casos em que a oferta não estava conforme ao conteúdo da obrigação (D. 13, 5, 17), ou quando o retardamento estivesse implicando particular dano ao credor (D. 2, 11, 8; 45, 1, 135, par.). Os efeitos da manifestação do credor eram de que a perda não dolosa da coisa extinguida a obrigação (D. 45, 1, 105; 46, 3, 72, par.; 46, 3, 9, 1); a cessação dos juros moratórios (D. 26, 7, 28, 1; 22, 1, 7); e o ressarcimento pelas despesas com a conservação da coisa (D. 19, 1, 38, 1; 33, 6, 8). Purgava a mora o credor se se dispusesse a receber a oferta e a indenizar os danos por aquela causados (D. 22, 1, 7). Embora a oferta produzisse a mora do credor, nem por isso o devedor era liberado de sua obrigação autonomaticamente: devia por isso consignar o pagamento, depositando a prestação in publico (= em lugar público – como em banco, armazém etc.) [C. 4, 32, 19]. O caráter extintivo desse depósito é normalmente admitido pelos romanistas ao menos no direito justinianeu, porquanto no período clássico sua eficácia era certa apenas quanto à cessação dos juros de mora. Também no direito autal, constitui mora creditoris a injustificada recusa em receber a prestação que lhe é devida, no tempo, lugar e forma convencionados (CC, art. 394). São seus requisitos essenciais, portanto: 1º) que o retardamento não tenha motivo justo, como p. ex., se derivada de força maior, ou se houver desconformidade da prestação com o conteúdo da obrigação; 2º) que a dívida esteja vencida, pois o credor não é obrigado a receber aquela, mesmo antecipadamente; e 3º) que o credor seja constituído em mora (pelo próprio devedor ou por terceiro interessado): e tal se configura pela efetiva oferta, ostensiva, de modo a poder ser comprovada – o que facilmente se obtém mediante a ação de consignação em pagamento (CC, art. 335). Aliás, às vezes é requerida a colaboração do próprio credor – como nas obrigações alternativas, em que este deve previamente manifestar-se quanto à sua opção; às vezes, também, independente da oferta do devedor, como ocorre nas dívidas querables, quando cabe ao credor procurá-las. Os efeitos da mora creditoris consistem, essencialmente: 1º) em eximir o devedor, isento de dolo, da responsabilidade pelo perecimento ou avaria da coisa – transferindo-se os riscos para o credor; 2º) em liberar o devedor dos juros e da pena convencional; 3º) em ressarci-lo das despesas na conservação da coisa; e 4º) em aceitá-la pelo seu mais alto valor, se este oscilar entre a data do vencimento e a do efetivo pagamento (CC, art. 400). Dar-se-á a purgação da mora se o credor oferecer-se a receber o pagamento e sujeitar-se aos efeitos da mora até a data da oferta, ou se o devedor renunciar aos direitos que da mora do credor lhe adviriam (CC, art. 401, II/III). De observar-se que os juros moratórios são sempre devidos, a partir da constituição em mora, ainda que não se alegue prejuízo (CC, art. 407) – por serem apenação decorrente do mero retardamento: os legais, na taxa de 6 a.a. (CC, art. 406); e os convencionais, de 12% a.a. (Decreto nº 22.626, de 07.04.33, art. 1º). Á presente mora accipiendi/credendi/creditoris se contrapõe a mora debendi/ solvendi/debitoris (= a mora do devedor).

VICENTE DE PAULO SARAIVA é Subprocurador-Geral da República (aposentado) e autor da obra Expressões Latinas Jurídicas e Forenses (Saraiva, 1999, 856 p.).

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SAIBA MAIS

A ilegalidade de cobrança da taxa de conveniência na aquisição de ingressos POR

renaTa crisTina MarQues Ferreira

A plataforma de ingressos pela internet é uma intermediária entre a organizadora do evento e o consumidor. Sendo assim, a empresa contratante deve ser responsável por arcar com a remuneração dos sites de ingressos, não os consumidores.

N

os dias atuais tornou-se comum frequentadores de casas de shows, cinemas e teatros adquirirem ingressos pela internet, haja vista a comodidade proporcionada. O conforto, porém, acaba por refletir no valor final do ingresso, pois na aquisição deste tipo de produto o consumidor é obrigado a pagar a chamada “Taxa de Conveniência”, adicional que representa aproximadamente 15% (quinze por cento) do valor do ingresso. As empresas alegam que para garantir a comodidade do consumidor é necessário que haja um investimento em estrutura e segurança, além da constante atualização dos serviços de venda e distribuição de ingressos, fator gerador de custos. O consumidor, mesmo pagando referida taxa, na grande maioria das vezes, acaba tendo que se deslocar até o ponto de venda para adquiri-lo, pagar pelo envio do ingresso para sua residência, ou mesmo imprimi-lo. A venda de ingressos pela internet é parte essencial do negócio, um risco da atividade comercial e integrante do investimento do fornecedor, compondo, assim, o custo básico embutido no preço. A cobrança da chamada “Taxa de Conveniência” caracteriza-se como transferência interna de custos da empresa para o consumidor, impondo a este uma onerosidade excessiva, visto que dele é cobrado por fazer uso de um recurso que já é inerente ao serviço prestado pelas empresas. No dia doze de março de 2019, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria de votos, ser ilegal a cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos de shows e eventos pela internet. A Turma decidiu, ainda, que as empresas deverão devolver

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taxas de conveniência cobradas nos últimos cinco anos. A decisão é válida em todo o território nacional, mas ainda cabe recurso à própria Turma e ao Supremo Tribunal Federal, caso haja questão constitucional a ser discutida. O Superior Tribunal de Justiça analisou pedido da Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul, em face da empresa Ingresso Rápido. A entidade ajuizou ação coletiva em face da referida empresa, sustentando ser prática abusiva o fato de o consumidor, além de ser compelido a pagar uma taxa de conveniência elevada quando da aquisição de ingressos on-line, ainda ter de se deslocar até o ponto de entrega dos ingressos e enfrentar filas no dia do evento para que possa ter sua compra validada. O Juízo da 16ª Vara Cível de Porto Alegre julgou a ação procedente e determinou que a empresa se abstivesse de efetuar a cobrança de taxa de conveniência, sob pena de multa cominatória. A empresa Ingresso Rápido recorreu e em 2016 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou legal a referida cobrança por entender que a venda de ingressos pela internet não é o único meio de aquisição e sim uma mera opção colocada à disposição dos consumidores. A Associação de Defesa dos Consumidores recorreu ao Superior Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso interposto contra a decisão do Tribunal de Justiça gaúcho. Relatora do caso, a Ministra Nancy Andrighi entendeu que a venda de ingressos on-line é parte do risco da atividade comercial e que a modalidade beneficia as empresas. Segundo seu entendimento a venda pela internet, que alcança interessados em número infinitamente superior que a venda por meio presencial, privilegia os interesses dos produtores e promotores do espetáculo cultural de terem, no menor prazo possível, vendidos os espaços destinados ao público e realizado o retorno dos investimentos. A plataforma de ingressos pela internet é uma intermediária entre a organizadora do evento e o consumidor. Sendo assim, a empresa contratante deve ser responsável por arcar com a remuneração dos sites de ingressos, não os consumidores. O custo de terceirizar a venda dos ingressos não pode ser transferido para o consumidor através da Taxa de Conveniência, pois caracteriza “venda casada”. A “venda casada” fere o princípio da boa-fé objetiva, pois atinge a liberdade de escolha do cliente decorrente da vinculação da aquisição de um produto/serviço à aquisição de outro, quando o intuito do consumidor é de adquirir apenas o produto/serviço principal. Relevante salientar que a Ministra considerou que a ilegalidade da cobrança da “Taxa de Conveniência” é insuficiente para caracterizar o dano moral, visto não atingir valores essenciais e tampouco possuir o atributo da intolerabilidade. Configura-se apenas a mera infringência à lei ou ao contrato, decorrente da transferência indevida de encargos do fornecedor para o consumidor. A Ministra, por fim, destacou que a eficácia e os efeitos da sentença proferida nos autos da ação coletiva estão circunscritos aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais, tendo a sentença, portanto, validade em todo o território nacional.

RENATA CRISTINA MARQUES FERREIRA é Advogada, responsável pela unidade de Santos e litoral.

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ENFOQUE

A extinção das ações individuais ante a falência do devedor POR

caMiLLa oshiMa

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e acordo com a Lei de Falências e Recuperações Judiciais (Lei nº 11.101/2005), quando o juiz, por intermédio da sentença, decreta a falência de uma empresa, as ações e execuções individuais ajuizadas contra a devedora são suspensas até o encerramento do processo falimentar, com exceção das ações que envolvam o pagamento de quantia ilíquida, incluindo as ações trabalhistas (artigos 6º e 99, V).

Nada impede que o credor opte por extinguir a sua execução que foi suspensa pela decretação de falência da empresa devedora. Todavia, na situação em que os sócios também são incluídos como parte no polo passivo da execução e não forem atingidos pelos efeitos da falência, o credor possui o direito de prosseguir com a ação individual para buscar a satisfação do crédito em face destes, os quais continuarão a responder pela dívida com os seus bens particulares.

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No caso destas, a ação individual prossegue até a fase de liquidação do crédito discutido, ou seja, até a quantificação do valor devido, para posterior habilitação e pagamento perante o juiz da falência. Nas demais circunstâncias, a suspensão das ações individuais ocorre porque, quando o processo de falência é instaurado, os credores habilitam os seus créditos nesse processo e todos os ativos e passivos da devedora são levantados para saldar as dívidas, observando-se, no entanto, uma ordem legal de preferência entre os credores. Em outras palavras, as ações individuais em curso são suspensas para evitar o processamento concomitante de duas demandas que visem satisfazer o mesmo crédito. Acontece que, na prática, a suspensão acaba se tornando uma medida inócua, pois se o crédito é satisfeito no processo de falência, não há mais razão de existir da execução; em contrapartida, sendo insuficientes os recursos da massa falida para adimplir a dívida, isso conduzirá ao insucesso da execução. Assim, em razão do tempo e do custo despendidos pelo credor na ação suspensa que, a grosso modo, permanece “paralisada” durante anos até a resolução do processo de falência, extingui-la representa uma solução alternativa, já que o pagamento do crédito será perseguido na ação falimentar. Embora não haja disposição em lei nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando sobre o tema, mas não dispõe a quem competiria o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em caso de extinção da ação suspensa. Ao julgar o Recurso Especial nº 1.564.021/MG, a Corte confirmou a possibilidade de extinguir as demandas individuais contra a empresa que sofre a decretação da falência. Essa medida, no entanto, é compatível apenas nos casos em que houver sentença definitiva de decretação de falência, isto é, quando não for mais passível de modificação em grau de recurso. Ao proferir o seu voto, a ministra Nancy Andrighi explicou que, diante da irreversibilidade da decisão, qualquer desfecho do processo de falência torna a ação individual ineficaz. Se o crédito for integralmente satisfeito na ação falimentar, o autor da execução (até então suspensa) carece de interesse de agir, pois a sua pretensão já teria sido alcançada; por outro lado, se a massa falida desprover de recursos para o pagamento das dívidas, as execuções suspensas se tornariam inviáveis, pois ausentes as chances reais de êxito. Somado a isso, a ministra destacou que a decretação da falência provoca a dissolução total da empresa e, consequentemente, a extinção da pessoa jurídica. Logo, ainda que o processo de execução individual fosse retomado pelo credor, não seria possível cobrar o pagamento da dívida, pois não há um sujeito passivo (devedor) contra o qual se exigiria o cumprimento da obrigação. A partir dos fundamentos elucidados acima, nada impede que o credor opte por extinguir a sua execução que foi suspensa pela decretação de falência da empresa devedora. Todavia, na situação em que os sócios também são incluídos como parte no polo passivo da execução e não forem atingidos pelos efeitos da falência, o credor possui o direito de prosseguir com a ação individual para buscar a satisfação do crédito em face destes, os quais continuarão a responder pela dívida com os seus bens particulares.

CAMILLA OSHIMA é advogada integrante do Departamento de Contencioso e Arbitragem da Andersen Ballão Advocacia. Pós-graduanda em Atualização e Especialização em Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná.

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CASOS PRÁTICOS

O massacre de Suzano POR

eudes QuinTino de oLiveira jÚnior

Os agressores ingressaram num labirinto de psicose belicosa e, dentro de uma evolução crescente, deram espaços para a predisposição de repetir ataques ocorridos com sucesso anteriormente que, para eles, eram considerados normais, um verdadeiro ato heróico e compatível com a realidade do momento.

C

ausou profundo pesar ao país, não acostumado com dantescas cenas de violência envolvendo crianças, as trágicas mortes de alguns adolescentes estudantes e funcionários da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, região metropolitana de São Paulo, quando, repentinamente, durante o intervalo entre as aulas, no interior da escola, foram acuados por dois atiradores armados com um revólver calibre 38, com o qual foram efetuados vários disparos, além de uma besta e artefatos explosivos. O resultado contabilizado foi de cinco alunos, duas funcionárias da escola, um comerciante mortos, além do suicídio da dupla. Não se pretende aqui discutir a respeito da política de desarmamento da população porque, pelo material de ataque utilizado, percebe-se que não se trata de armas adquiridas regularmente e sim das clandestinas que circulam pelo país. Nem também lamentar a incúria e a dissídia da escola pública em oferecer proteção e segurança aos estudantes, pelo menos em restringir a entrada de pessoas não autorizadas no estabelecimento de ensino. A questão a ser abordada – sem qualquer conotação científica que demandaria incursões nas áreas da sociologia e psicologia criminal em busca de fenômenos relacionados com o proceder humano – reside na motivação da conduta dos dois responsáveis pela tragédia. Pelo pouco que se sabe, são pessoas com formação acadêmica mediana, um deles adolescente com 17 anos de idade e o outro com 25, egressos da instituição agredida. É até comum e corriqueiro o alardeamento dado pela imprensa nacional e internacional, além das redes sociais, aos ataques ocorridos em escolas de outros países com consideráveis números de alunos abatidos, como se fosse uma verdadeira apologia ao crime, embora a intenção seja a de passar uma informação jornalística de credibilidade.

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O espírito de imitação é inerente ao ser humano, principalmente ao jovem ainda inexperiente e que trabalha com instintos imitativos, buscando o sensacionalismo. Fernandes, com a argúcia necessária, argumenta: “De sorte que os meios de comunicação de massa, notadamente os jornais e televisão, além de divulgarem com mórbido alardeio a imagem dos crimes e dos criminosos, não raro de maneira complacente e amistosa, também propagam em suas minudências os meios e as técnicas de consecução dos delitos!.”1 Tanto é verdade que, pelo comportamento dos assassinos, é fácil concluir que projetaram sua linha de ataque com certa semelhança aos ocorridos no exterior, cópia autêntica que foi do caso da escola de ensino médio Columbine, no Colorado, Estados Unidos, pois se armaram de forma a transparecer que adredemente tinham um plano bem entabulado para provocar danos letais ao maior número possível de alunos, contando, inclusive, com artefatos explosivos que seriam detonados com a maciça presença de alunos no horário do intervalo. Além do que o adolescente agressor, um pouco antes de ingressar na escola, postou várias fotos na rede social, exibindo um revólver e usando um lenço com desenho de caveira no rosto. Tudo, é claro, preparado para ser apresentado posteriormente quando do rastreamento no computador, que seria feito pela polícia. O importante é que ficasse registrado que o ataque seria bem sucedido e que os objetivos seriam atingidos no iter criminis entabulado. Não se pode desprezar também, pelo modus operandi dos agentes, a nítida influência dos games violentos que certamente provocaram estímulos para a prática dos comportamentos agressivos contra qualquer pessoa que se encontrasse no local, sem a identificação de alvos selecionados. Bem se vê que os agressores ingressaram num labirinto de psicose belicosa e, dentro de uma evolução crescente, deram espaços para a predisposição de repetir ataques ocorridos com sucesso anteriormente que, para eles, eram considerados normais, um verdadeiro ato heróico e compatível com a realidade do momento. As variações sociais são muitas e constantes, principalmente as que são provenientes de jovens que carregam problemas de convivência e praticam condutas sem nexo, com a intenção de demonstrar seu inconformismo com determinada situação e em desacordo com o regramento da sociedade. Sem qualquer dúvida, podem influenciar outros jovens que se encontram na mesma linha de pensamento e desencadear outro ataque com iguais ou maiores proporções. O nível de tolerabilidade social, a cada agressão coletiva experimentada, vai atingindo índices insuportáveis e a população, já quedada por seguidas hostilidades, vê cada vez mais distantes as tentativas de harmonização e humanização social. Pode se concluir que não foi um massacre com a intenção de obter qualquer tipo de vantagem e nem de levantar um brado de inconformismo com o sistema educacional, mas sim para realização de uma fantasia errônea e nefasta, em que ambos eram os atores principais, gerada e produzida no seio da própria sociedade. NOTA

ARQUIVO PESSOAL

1

Fernandes, Newton/Walter. Criminologia integrada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 408.

EUDES QUINTINO DE OLIVEIRA JÚNIOR é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pósdoutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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FICHÁRIO JURÍDICO

Fake news:

as consequências da desinformação

DIVULGAÇÃO

“Tecnologia só se combate com tecnologia.” (Alexandre Juan Daoun)

POR

agenor aLeXsander de carvaLho cosTa

A informação, a educação e o conhecimento fazem diferença. Quando os indivíduos são capazes de fazer leituras críticas da realidade, por meio de suas interpretações do conjunto do que é publicado ou daquilo que ele tem acesso, há muita diferença de postura e posicionamento. Por conta disso, não é simples resolvê-la. São necessárias ações articuladas no curto e no longo prazo para combater falsidades, vazamentos de dados pessoais e o discurso do ódio na Web. Nesse sentido, é fundamental trabalhar ações nos eixos educacional, tecnológico e da justiça.

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O

fenômeno da desinformação não é uma invenção da modernidade, apenas foi reconfigurada e automatizada. Se antes ela cavalgava a cavalo, hoje viaja na velocidade da internet, com potencial viral mais complexo do que muitas doenças. Notícias falsas não são uma exclusividade do século XXI, na Roma antiga o político e general Marco Antônio cometeu suicídio motivado por notícias falsas. A doação de Constantino século VIII, foi uma história forjada. Benjamin Franklin escreveu notícias falsas sobre Índios assassinos etc. Noutro giro, em nossa atualidade “não é exagero afirmar que as fake news representam uma ameaça à própria democracia, na medida em que podem deturpar a expressão máxima da vontade popular”, afirma Claudio Lamachia (2018) em seminário sobre fake news organizado pelo TSE e a Delegação da União Europeia no Brasil. Devemos entender que, “One thing that ‘fake news’ does capture is the difficulty readers are having telling the difference between what is true and false in news reporting”, conforme salienta Connie Moon Sehat (2017), diretora da Global Voices1. Portanto, temos quea questão da disseminação de notícias falsas na internet possui vários contornos e apresenta-se como um dos grandes dilemas atuais à sociedade da Informação, com resultados diversos e reflexos diretos na vida do cidadão, na Democracia e nos Direitos Humanos. Assim sendo, é extremamente relevante a reflexão aqui apresentada face à que, neste cenário também temos uma indústria de fake news que lucra alto com esse desserviço. Existe um mercado das notícias falsas de acordo com o estudo realizado pela London School of Economics (LSE): O sistema de anúncios online contribui para que popularidade de matérias seja mais importante do que a veracidade delas. Esse modelo faz com que a divulgação de notícias falsas seja um negócio cada vez mais lucrativo. Uma forma relativamente nova de publicidade online é o combustível que mantém a máquina de notícias falsas funcionando financeiramente. (DW BRASIL, 2017).

Cabendo ressaltar ainda que, até mesmo a Ordem dos Advogados já foi vítima de fake news em março de 2017, onde fora propagada em mídias sociais a notícia falsa sugerindo o apoio da OAB à Guerra Civil. (OAB – Conselho Federal, 2017). CRIME VIRTUAL E SUAS MODALIDADES De todas as modalidades delitivas no cenário virtual, focar-se-á nesta pesquisa por aquela que considera-se a vertente que tem influência direta na psique humana, segundo posição louvável da emérita professora Rosana Ribeiro da Silva (2013, aput VANCIM; MATIOLI, 2014. p. 212) aquela “que rouba das vítimas o mais importante atributo enquanto indivíduos, o valor moral e espiritual [...] a dignidade da pessoa humana”. Desta feita, para nos centrarmos ao tema, devemos antes explicar quais são as modalidades delitivas neste cenário, bem como o foco deste trabalho, que se faz na interseção da tecnologia e os Direitos Humanos, especialmente no que se refere às ameaças ao discurso on-line, liberdade de expressão e acesso à informação e a neutralidade da rede. REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO Para Reginaldo César Pinheiro (2003), citado por Adriano Roberto Vancim (2014), os crimes informáticos ou cibernéticos são classificados em três categorias: virtuais puros, mistos e, comuns: Crime virtual puro seria toda e qualquer conduta ilícita que tenha por objetivo exclusivo o sistema de computador, ou ao equipamento e seus componentes, inclusive dados e sistemas. Crime virtual misto seria aquele em que o uso da internet é condição sine qua non para a efetivação da conduta, embora o bem jurídico visado seja diverso do informático, como, por exemplo, as transferências ilícitas de valores em uma home banking ou no chamado salamislacing, onde o cracker retira de milhares de contas correntes, diariamente, pequenas quantias que correspondem a centavos e as transfere para uma única conta. [...] Por derradeiro, crime virtual comum seria utilizar a internet apenas como instrumento para a realização de um delito já tipificado pela lei penal. (2003 aput VANCIM; MATIOLI, 2014. p. 192,193).

Observamos desta forma que, a priori, enquadrarem-se as fake news – embora ainda não tipificadas em nosso ordenamento – na modalidade de crime virtual comum, “o crime virtual comum seria aquele onde a internet é apenas um mero recurso para a realização de crimes que se enquadram no Código Penal, ou que poderiam, também, ser praticados off-line”, comenta Atheniense (2018, p. 52), “cumpre destacar que a questão da nomenclatura para crimes dessa natureza, como em outros países, não está uniformizada no Brasil.” (DAOUN, 2012, p. 4). Diante do cenário apresentado, temos que as “notícias que envolvem ‘crime’ e ‘tecnologia’ já estão tuteladas pela legislação pátria, afastando definitivamente, a ideia de que a internet é território livre e isento de responsabilidades.” Com efeito, “não pode ser considerado crime, conduta que não esteja prevista em lei, bem como a que foi formulada sem a observância do devido processo legislativo.” (DAOUN, 2012, p. 5-10). Em face das lacunas oriundas da modernidade, a reprimenda aos novos crimes virtuais que afloram em nosso meio deverá acatar o princípio da reserva legal, conquanto verificada no art. 1º do Código Penal Brasileiro e consagrado pelo art. 5º, XXXIX da Constituição Federal de 1988: ‘‘Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal’’. (DAOUN, 1999).

Segundo Otto Licks (2014), professor de Direito e Patentes da PUC/RJ, “não tem tecnologia que consiga superar a aplicação da lei na sociedade”, e concordamos quando diz que “não faltam leis, mas sim meios de garantir seu cumprimento”, visto que a modalidade de crimes cibernéticos em comento comporta práticas delitivas diversas cometidas em redes sociais, fóruns e,aplicativos de bate-papo (Fake News , Ciberbullyng, Revengeporn etc.) e todas tem amparo no Código Penal Brasileiro: Ameaça (art. 147), Calúnia (art. 138), Difamação (art. 139), Injúria (art. 140), Falsa Identidade (art. 307). Destarte, fake news encontra correlata classificação penal com o crime complexo, face à seu reflexos atingirem vários bens jurídicos penalmente tutelados (direitos, interesses individuais ou sociais de extrema relevância), é a “fusão de vários crimes contidos num mesmo tipo penal”, ao passo que também é crime comum, visto que “pode ser cometido por qualquer pessoa”, ou mesmo, crime de 88

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opinião face ao “abuso da liberdade de expressão”, conforme leciona Fernando Capez (2011, p. 286-290). De maneira efetiva, no “campo fático dos crimes informáticos, temos constatado a prática de condutas possuidoras de cunho tecnológico que já estão tuteladas na legislação penal e portanto passível de perfeita aplicação.” (DAOUN, 2012, p. 6). Pode-se afirmar que a doutrina penal e os tribunais brasileiros têm adotado o conceito de crimes informáticos como ação típica, antijurídica e culpável cometida contra ou pela utilização de processamento automático de dados ou sua transmissão, definição esta, similar à que foi cunhada pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento da ONU (Organização das Nações Unidas): “é qualquer conduta ilegal não ética, ou não autorizada, que envolva processamento automático de dados e/ou transmissão de dados.” [...] conclui-se que para o mencionado rol de condutas não há que se falar na criação de novos tipos penais em razão do fator tecnológico. Crimes que a tecnologia funciona, repitase, apenas como veículo ou meio para cometimento de condutas claramente definidas na legislação penal vigente ou seja, hipóteses em que o bem jurídico aviltado já está devidamente tutelado pela lei. (DAOUN, 2012, p. 4-7).

Alexandre Juan Daoun (2014), endossa a opinião de Otto Licks. Mas vai além, ao denunciar nossa realidade em descompasso aextrema modernidade dos crimes virtuais: [...] a polícia, em alguns Estados, ainda investiga casos de crimes de internet usando máquina de escrever. E quanto mais esse upgrade das forças policiais demorar, maior será o fosso entre os criminosos virtuais e a Justiça. (aput VANCIM; MATIOLI, 2014. p. 200-202).

O problema, desta forma, ultrapassa as fronteiras da mera tipificação como crime em nosso ordenamento penal ao exigir também recursos financeiros, qualificação adequada e especialização para seu enfrentamento. A análise acerca da criação de leis penais que envolve tecnologia da informação, deve ser feita com extrema cautela, especialmente quanto à finalidade e eficácia da criação legal. (DAOUN, 2012, p. 9).

FAKE NEWS Entre janeiro de 2015 e junho de 2016, a Stanford University realizou o estudo Evaluating Information: The Cornerstone of Civic Online Reasoning, testando e validando um banco de avaliações baseadas no raciocínio cívico on line com mais de 7.800 estudantes, o referido estudo teve por foco a capacidade de avaliar a credibilidade das informações que alimentam os smartphones, tablets e computadores dos jovens. O resultado mostrou que “most US high school students, for example, simply accept photographs and their captions as ‘real,’ without thinking to verify them”. (Sehat, 2017). Assim sendo, conforme Claire Wardle (2017), para entendermos o ecossistema da desinformação temos de fazer uma análise dos tipos de conteúdo falso, das motivações dos criadores de conteúdo e, de como ele está sendo disseminado: REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO Previous attempts to influence public opinion relied on ‘one-to-many’ broadcast technologies but, social networks allow ‘atoms’ of propaganda to be directly targeted at users who are more likely to accept and share a particular message. Once they inadvertently share a misleading or fabricated article, image, video or meme, the next person who sees it in their social feed probably trusts the original poster, and goes on to share it themselves. These ‘atoms’ then rocket through the information ecosystem at high speed powered by trusted peer-to-peer networks. (WARDLE, 2017).

Feitas estas considerações iniciais, podemos passar a uma primeira classificação das fake news segundo a investigação centrada em análise de mídia colaborativa via plataforma NewsFrames2. Tal experimento idealizado pela First Draft3 em parceria com o Global Voices, busca esclarecer o conceito e explorar sua dimensão global, concentrando seus esforços em casos suspeitos de notícias falsas. Segundo essa investigação, “there are seven distinct types of problematic content that sit within our information ecosystem. They sit on a scale, one that loosely measures the intent to deceive”, Claire Wardle (2017):

O estudo inicial da First Draft também nos indica padrões distintos de conteúdo e finalidades específicas para sua disseminação, conforme explica Claire Wardle (2017), [...] we also need to think about who is creating these different types of content and why it is being created. I saw Eliot Higgins present in Paris in early January, and he listed four ‘Ps’ which helped explain the different motivations. I’ve been thinking about these a great deal and using Eliot’s original list have identified four additional motivations for the creation of this type of content: Poor Journalism, Parody, to Provoke or ‘Punk’, Passion, Partisanship, Profit, Political Influence or Power, and Propaganda. This is a work in progress but once you start breaking these categories down and mapping them against one another you begin to see distinct patterns in terms of the types of content created for specific purposes.

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Diante o exposto, Connie Moon Sehat (2017) conclui que “it is difficult to know exactly what ‘fake news’ is”. Já o Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS, 2019), acrescenta que “a desinformação é a informação manipulada, distorcida, fora de contexto, com uso problemático de fontes ou totalmente fabricada.” Já a interpretação mais literal do termo fake news, “refere-se apenas ao último caso, à mentira absoluta, à enganação direta. Mas essas não são, mesmo mais facilmente identificadas, as únicas capazes de causar danos [...] à construção da informação social.” Com vistas a esta breve classificaçãoda desinformação,começamos a compreenderum pouco mais da sua complexidade, bem como o compromisso global em esclarecer o seu conceito e explorar a dimensão sobre as informações errôneas ou enganosas dentro de ambientes de mídia social e de notícias. Segundo Otávio Frias de Oliveira Filho (2018), diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo e diretor editorial do Grupo Folha: O termo fake news deveria ser compreendido como toda informação que, sendo de modo comprovável falsa, seja capaz de prejudicar terceiros e tenha sido forjada e/ou posta em circulação por negligência ou má-fé, neste caso, com vistas ao lucro fácil ou à manipulação política. É prudente, tudo indica, isolar a prática, diferenciando-a da mera expressão de pontos de vista falsos ou errôneos, assim como do entrechoque de visões extremadas. Cabe também discernir entre a divulgação ocasional de notícias falsas e sua emissão reiterada, sistemática, a fim de configurar a má-fé. (FILHO, 2018, p. 43).

Por fim, a importância em se ter bem definida tal classificação se dá devido às tentativas de cerceamento à liberdade de expressão mundo afora, com a delegação de tal função à censores privados, como veremos mais adiante neste trabalho. CONSEQUÊNCIAS É importante salientarmos que é impossível negarmos que o uso das mídias digitais tenha crescido significativamente nas últimas décadas e nos trouxe REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO inúmeros benefícios. Conquanto, gerou também efeitos negativos como aumento da exposição a conteúdos inadequados, além de apresentar riscos relacionados à privacidade e segurança pública. Como já afirmou a ministra Carmen Lúcia (aput COELHO, 2017): [...] saímos da era da invasão de privacidade para entrar na era da evasão de privacidade. Com um celular na mão e uma ideia na cabeça, todos compartilham o que querem, da forma que quiserem. Nesta era da pós-verdade, que é quando as crenças e ideologias superam os fatos, quando há manipulação da opinião pública, temos que combater da forma que podemos.

Portanto, devemos cada vez mais nos apartar do senso comum e das ideias que nos levam a crer na impunidade dos atos praticados na rede mundial de computadores, pois toda vítima de crime cibernético pode recorrer à Justiça para garantir o seu direito de reparação. Publicar ofensas em redes sociais não se confunde com o direito à liberdade de expressão. A falsa sensação de anonimato tem levedo centenas de internautas a publicarem conteúdos ofensivos de todo tipo para milhares de pessoas. (CNJ, 2018 – grifo nosso).

Neste sentido, Patrícia Peck Pinheiro acrescenta que, [...] os chamados crimes contra honra na internet – que envolvem ameaça, calúnia, difamação, injúria, ameaça e falsa identidade – têm gerado cada vez mais processos judiciais, que resultam em pagamento de indenizações, retirada de páginas do ar, responsabilização de agressores e outras condenações em favor das vítimas. (PINHEIRO, 2018, p. 249).

“Ainda vamos todos sofrer as consequências dessa nossa delinquência digital” alerta-nos a professora Patrícia Peck (2018, p. 250). Coaduno a essa visão. Passamos a explorar a seguir alguns casos verídicos do cotidiano brasileiro, e as suas consequências na vida do cidadão e da sociedade. A liberdade diante da responsabilidade O celular, que evoluiu para minicomputadores (smartphone), agora tem emprego como arma em desfavor do cidadão de bem, dando maior vasão à propagação da calúnia e difamação online (art. 138 do Código Penal), cuja pena pode variar de seis meses a dois anos de prisão além do pagamento de multa. Como observa-se pelo fato noticiado em 21 de novembro de 2017, no Jornal Fato Real de Conselheiro Lafaiete/MG: Uma foto de Cleber dentro do seu carro, um Vectra de cor preta, parado próximo ao CAIC foi postada em vários grupos com um alerta de que ele estaria aliciando crianças. Rapidamente a postagem se espalhou. (FATO REAL, 2017).

Para Patrícia Peck Pinheiro (2018, p. 249), “todo tipo de liberdade exige educação e um ambiente seguro para se manifestar. Nesse sentido, qualquer excesso é prejudicial, seja pela falta da liberdade ou pelo abuso dela.” A vítima, neste caso, 92

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ainda deixa um importante recado para quem publicou ou compartilhou a postagem inverídica: “deveriam ao menos, aferir a veracidade das informações antes de publicá-las em suas páginas, sob pena de causarem prejuízos irreparáveis à imagem de alguém, como aconteceu comigo”. Cléber é casado há mais de 26 anos, pai de 1 filho de 22 anos, e empregado há mais de 15 anos em uma grande empresa da região. Mora no mesmo bairro há mais de 35 anos. É apontado como uma pessoa íntegra, honesta, religiosa, que procura viver de acordo com os princípios e ensinamentos cristãos. (FATO REAL, 2017).

Diga-se de passagem, ao término da reportagem,a vítima revelou-nos ainda que terminada a história e depois de conseguir limpar seu nome, não tem mais vontade de continuar morando em Conselheiro Lafaiete. Levando-nos à conclusão de que as consequências desastrosas destas notícias falsas para a sociedade são inúmeras, visto que não só alcançam a vítima, bem como também maculam o bom nome da cidade. Mas não parou por ai, novamente – decorrido apenas um anos após do episódio –, em dezembro de 2018, o Jornal Correio de Conselheiro Lafaiete (2018, p. 8), noticia novamente outro crime cibernético envolvendo disseminação de notícias falas, desta vez tendo por vítimas quinze policiais militares lafaietenses que foram “caluniados, constrangidos e agredidos verbalmente em rede social”. E a pergunta que fica no ar é, se até mesmo quem cuida da nossa segurança é vítima potencial deste mal, o que será de nós? A insegurança propagada Vale exacerbar, que por intermédio da irresponsabilidade digital e sob o julgo de um inconsequente tribunal popular movido por boatos espalhados nas mídias sociais, levam até mesmo algumas vítimas a sofrer lesão corporal (art. 129 do Código Penal). A exemplo, em 6 de abril de 2017, um casal foi acusado em redes sociais de serem sequestradores de crianças, provocando a revolta coletiva da população e por consequência quase foram linchados: Uma multidão tentou linchar um casal em Araruama, na região dos Lagos no Rio de Janeiro, depois que um boato de que eles seriam sequestradores de crianças se espalhou em uma rede social. Mas o casal, que apanhou bastante, não tinha feito nada de errado. O vídeo gravado em um celular mostra mais de uma centena de pessoas aglomeradas em volta de um carro em um bairro de Araruama. Algumas pessoas quebram, empurram e tentam virar o veículo. Viaturas da Polícia Militar e da Guarda Municipal foram chamadas para proteger o casal que estava no carro e foi agredido pela multidão. Uma publicação em uma rede social dizia que um casal em um carro branco estaria sequestrando crianças em Araruama. Uma viatura teve o vidro quebrado por uma pedrada quando os guardas tentaram tirar o casal do bairro e levá-lo para a delegacia. Muito assustado e ferido, o vendedor Luiz Aurélio de Paula disse que foi cercado e não teve como reagir. Segundo a Polícia Civil, não há nenhuma suspeita contra ele por sequestros de crianças. Ele se diz vítima de um boato espalhado pelas redes sociais. (HORA 1, 2017. – grifo nosso). REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO Mister se faz apontar ainda que, [...] o linchamento público não se configura como um tipo penal específico e sim como um crime coletivizado que envolve tantos outros, não havendo, portanto, seu devido enquadramento nos inquéritos policiais e judicializações que podem surgir. (JUNIOR, Ailton Medeiros de Souza. 2018).

A vida usurpada Conforme Fernanda Mazzafera Salles (2018, p. 250), “não podemos confundir liberdade de expressão nas redes sociais com irresponsabilidade, senão se torna abuso de direito.” Mesmo assim, a irresponsabilidade propagada por usuários da rede mundial de computadores não tem limites.Importa-nos lembrar de Fabiane de Jesus, vítima de notícias falsas em 4 de maio de 2014,que veio a óbitoem decorrência de notícias falsas (art. 121 do Código Penal): Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morreu na manhã desta segunda-feira, dois dias após ter sido espancada por dezenas de moradores de Guarujá, no litoral de São Paulo. Segundo a família, ela foi agredida a partir de um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra. (G1, 2014).

A dona de casa espancada até a morte sonhava em ver a filha formada, mas teve seu sonho interrompido, sendo vítima de um boato gerado em uma página no Facebook junto a um retrato falado da dona de casa que rapidamente viralizou4 pela rede juntamente com histórias falsas e relatos mentirosos de quem afirmava ter testemunhado os sequestros, assim culminando com o seu sentenciamento e posterior execução, em uma cena lamentável de agressão coletiva,fatores estes que levaram-na a óbito. Segundo informado à época pela Agência Câmara Notícias,a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)aprovou o PL 7544/14,no dia 28 de março de 2017. O projeto agravaria a pena em 1/3 à quem incita a prática de crimes pela internet. A intenção da proposta original era criar um novo tipo penal para quem incita violência por meio de rede social ou de qualquer veículo de comunicação virtual como aplicativos de bate-papo, mas o relator do projeto entendeu que esse crime de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal) já existe. Por isso, optou por um endurecimento da pena. (CÂMARA NOTÍCIAS, 2017).

Ocorre que, “a incitação virtual atinge muitas pessoas ao mesmo tempo e é muito mais grave que a incitação de uma única pessoa”, argumentou o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA). O projeto foi apresentado pelo deputado Ricardo Izar (PP-SP) a pedido do advogado da família da vítima, que fez relevantes apontamentos quanto à ineficácia em se ter o material meramente deletado das redes, como no caso: A ilustração ficou algumas horas no ar; em seguida, a página retirou a publicação e informou que se tratava de um boato. No tempo em que ficou no ar, no entanto, a foto induziu algumas

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pessoas a acreditarem que uma dona de casa do Guarujá (SP) era a autora do delito divulgado. “Infelizmente, a repercussão de que não se passava de um boato não foi a mesma do retrato falado”, lamentou o parlamentar, ressaltando que a dona de casa em questão foi linchada por moradores da região onde morava e morreu. (CÂMARA NOTÍCIAS, 2017).

Conflitos Internacionais Na França, segundo nos relata Fernanda Mazzafera Salles: [...] houve precedente no âmbito internacional, que quase causou um incidente diplomático, decorrente da circulação de uma notícia falsa em dezembro de 2016, envolvendo Paquistão e Israel.Nesse incidente uma notícia falsa do site awdnews.com comunicou que o Ministro de Defesa de Israel teria prometido um ataque nuclear caso o Paquistão enviasse tropas à Síria.Em resposta pelo Twitter, o Ministro de Defesa do Paquistão se pronunciou e somente então o Ministro de Defesa de Israel tomou conhecimento de seu suposto pronunciamento, tendo utilizado também o Twitter para desmentir a notícia.(SALLES, 2018, p. 252).

Referido incidente este que motivou ao presidente Emmanuel Macron ensaiar a sua proposta de lei para coibir a propagação de notícias falsas, [...] contudo a sua proposta esbarra em questão da arquitetura de neutralidade da rede, uma vez que se pretende criar um órgão estatal para vigiar o tráfego de informações, especialmente quando originadas em outros países e que possam trazer alguma instabilidade política para a França. (SALLES, 2018, p. 252).

Mas consoante a este entendimento foi que, face à problemas com a neutralidade de rede e a liberdade de expressão, “a Malásia acaba por se tornar o primeiro país a voltar atrás em uma lei de combate às fake news.”(Revista Consultor Jurídico, 2018). Contudo, sem dúvidas o precedente internacional mais emblemático neste cenário seria do presidente americano Donald Trump, em 2016. Quando as fake news ganharam maior notoriedade devido ao fato deque “pesquisas apontaram que realmente houve uma influência direta delas nas eleições norte-americanas”, conforme Luiz Augusto Filizzola D’Urso (2018). Motivo de preocupação para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas campanhas eleitorais deste ano, ao ponto de se mobilizar desde 2017 coordenando “o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições”. No mesmo compasso, o ministro Admar Gonzaga e o presidente do Tribunal Luiz Fux firmaram, em junho de 2018, um “acordo com Google e Facebook para combate à divulgação de notícias falsificadas”. (PODER360, 2018). Direitos humanos em risco na internet Para melhor compreender como os Direitos humanos tem relação com as novas fronteiras da internet, crível destacar que “os direitos fundamentais de quinta geração surgem como resultado da realidade virtual, que correspondem ao grande desenvolvimento da cibernética, implicando o rompimento de fronteiras” (MIGUEL, p. 475. 1997, p. 527). Porém, apesar de termos tido tantos avanços na área da ciência e tecnologia nas ultimas décadas, Adriano Roberto Vancim (2014. REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO p.234) assevera que “a extrema modernidade serve também de depósito para o primitivismo que existe contra a dignidade e a honra humana”. A maior bandeira da globalização e do avanço tecnológico está na internet, mas é nesse meio que se vislumbra um terreno novo e convidativo para a prática de delitos e fraudes ao aviltamento dos Direitos Humanos. Chega a ser assustador o número de notícias veiculadas nos principais órgãos de imprensa acerca do tema. (VANCIM; MATIOLI, 2014. p. 233-235).

Segundo Patrícia Peck Pinheiro, [...] o direito à informação está desmembrado em três categorias, de acordo com o sujeito de direito: a) direito de informar, que é um direito ativo; b) o direito de ser informado, que é um direito passivo; c) o direito de não receber informação, que é um direito passivo e ativo. (PINHEIRO, 2016, p. 89).

Ainda conforme nós relembra a UNESCO (2016), O acesso a conteúdo de mídia e informação de qualidade e participação em redes de mídia e comunicação são necessários para cumprir o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Mais adiante, Patrícia Peck esclarece que “devido à importância de se garantir o direito à informação e a proteção da liberdade de expressão, foi promulgada lei especifica no Brasil [...] chamada de Marco Civil da Internet.”No entanto, “a liberdade de expressão não pode ser confundida com um suposto ‘direito à ofensa’ como vem acontecendo frequentemente em discussões políticas nas redes sociais” conclui João Jacinto Anchê Andorfato (2018, p. 6). A Constituição Federal deixa bem claro que a liberdade de expressão serve para proteger a manifestação do pensamento, a atividade artística, intelectual, científica e todo o debate essencial para a construção de um Estado democrático, excluindo-se qualquer manifestação lesiva à honra de terceiros. (Andorfato, 2018, p. 7).

ATUALIZAÇÃO LEGISLATIVA Internet, uma terra sem lei? Antigamente, havia uma falsa impressão de que o que estava no mundo digital não estava previsto em lei, que a internet era uma terra sem dono. É um conceito extremamente errado. Hoje, no Brasil, o arco legislativo em relação ao uso da internet é bastante avançado. (ATHENIENSE, 2018, p. 49).

Mesmo sob a égide de uma utópica inclusão digital, observa-se que “uma das maiores economias do mundo, onde apenas metade (50%) dos domicílios tem conexão com a internet” (FREENET, 2016), testemunha o surgimento de problemas típicos da globalização e de uma cultura hiperconectada. E em defesa da solução deste impasse, atualmente “existem pelo menos 14 projetos de lei em tramitação no Congresso, 13 na Câmara e 01 no Senado.” Conforme Miguel Matos (2018), PLC 96

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79/2016, que muda as normas no setor de telecomunicações; o PL 7604/2017 (na Câmara), que prevê a aplicação de multa pela divulgação de informações falsas; o PL 9533/2018 (também na Câmara), que altera a Lei de Segurança Nacional; e o PL 6812/17 (na Câmara), que dispõe sobre a tipificação criminal da divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou incompleta na internet. Inspirado na proposta apresentada pelo Governo alemão da Chanceler Angela Merkel, em vigência desde outubro de 2017, o projeto de lei brasileiro PL 7604/2017segue apensado aos PL-6812/2017, PL-9647/2018 que visa alterar o Marco Civil da Internet – Lei nº 12.965/2014 e determinar que os provedores de conteúdo nas redes sociais (LinkedIn, Twitter, Facebook etc.) removam ou bloqueiem em até 24h do recebimento da reclamação, de qualquer usuário. A lei passaria a tornar os provedores civilmente responsáveis pelos danos decorrentes da publicação e disseminação da notícia falsa e sujeitos a multa de R$ 50 milhões de reais por cada evento. Marcelo Cargano (2018), pondera quanto a aplicabilidade lei alemã no que legitima transformar servidores de mídia em verdadeiros de sensores privados, sem antes termos bem definido o conceito sobre fake news, deixando tal encargo as suas diretivas e políticas internas, Na prática, tanto a lei alemã como o anteprojeto brasileiro transferem aos provedores de aplicações de internet a decisão sobre qual conteúdo deve ser excluído ou não da internet, podendo transformar estas gigantescas empresas em verdadeiros censores privados. E ainda que se assumam sua boa-fé, é natural pensar que, dado o exíguo prazo de 24h, em caso de dúvida estas empresas tenderão a excluir qualquer conteúdo notificado como impróprio para evitar penalidades, incluindo conteúdo possivelmente verdadeiro. (CÁRGANO, 2018).

Para Guilherme Alpendre (2018), secretário executivo da associação brasileira de jornalismo investigativo, “O que nos preocupa na questão da fake news é exatamente isto: quem vai definir o que é fake news?” Convergente a este entendimento, Otávio Frias Filho (2018) conclui que, Um terceiro aspecto a merecer reparo é a facilidade com que se aceita que ao duopólio que hoje controla a internet – Google e Facebook – seja delegada a tarefa delicada de selecionar e censurar fake news. Nenhuma dessas organizações tem compromisso ou interesse de sustentar a liberdade de expressão, nem sequer a expertise necessária para discernir entre jornalismo de qualidade melhor ou pior. (FILHO, 2018. p. 43).

A conselheira Maria José Braga (2018), por sua vez denuncia “o debate conceitual está contaminado” e cobra uma definição precisa ao termo fake news. Destarte, entrevemos a sua preocupação com a tentativa em se “destruir do caráter aberto e a neutralidade da rede5, onde com ela morre um pouco também da capacidade de solidariedade dos povos, a cultura, o conteúdo independente e a democracia”. O pesquisador Pablo Ortellado (2018), coordenador do Gpopai-USP, também criticou a solução alemã para o problema: Na Alemanha o que aconteceu foi que a regulamentação colocou no colo das plataformas a responsabilidade por julgar se é uma notícia falsa ou não. Não podemos correr esse risco no Brasil. A responsabilidade sobre o conteúdo postado em plataformas não é do provedor de serviços, segundo o Marco Civil. Não acredito que o combate a rumores e REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO boatos, bem como notícias falsas, passe pela censura imediata, sem o devido debate e julgamento próprio. (DW BRASIL, 2018).

Entretanto, o então presidente do Senado, Eunício Oliveira (2018) ao participar do seminário Impactos Sociais, Políticos e Econômicos das fake news, reafirmou o que disse em seu discurso de 2017 onde ressaltou a importância do colegiado “na defesa da liberdade de expressão e de imprensa.” A seguir, em nota conjunta com a Presidência do Senado Federal, enfatizaram que “não solicitaram e que não está em elaboração qualquer projeto de lei para alterar o Código Penal, a Lei Eleitoral ou o Marco Civil com o objetivo de criar mecanismos de censura à livre manifestação e informação na internet”. Guilherme Alpendre (2018), assertivamente afirma que a solução para combater o compartilhamento de notícias falsas é a educação. O combate às fake news – a disseminação de notícias falsas – não passa só pela criminalização da prática, mas deve envolver uma ação conjunta de órgãos competentes para elaborar políticas públicas para conscientizar a população. [...] Matos destacou o trabalho feito por uma frente parlamentar na Câmara sobre o tema, além das ações propostas pela Comunidade Européia no combate às notícias falsas, que incluem o aumento da transparência das notícias online; a “alfabetização midiática”; a capacitação de jornalistas e usuários; e a promoção de pesquisa contínua sobre o tema. Na avaliação do conselheiro, a discussão sobre a divulgação de notícias falsas deve levar em conta a definição clara de Fake News; a definição de padrões de penalização convergente com os atos cometidos e legislações similares; a responsabilização do autor; e a adoção do preceito de que qualquer retirada de conteúdo deve ser precedida de ordem judicial. (MATOS, 2018. – grifos nosso).

Com precisão, ensina Alexandre Juan Daoun (2012, p. 09), que “o Direito Penal deve entrar em cena somente quando outros ramos do Direito mostraram-se insuficientes para a solução dos conflitos. Sua excessiva aplicação, gera descrédito e ineficiência”. EDUCAÇÃO DIGITAL Antetodo o exposto, “nosso maior desafio será educacional” (PINHEIRO, 2016, p.93) visto será melhor forma aqui apontada para o combate à desinformação a curto prazo. Endossando este entendimento colacionamos as palavras de Davi Lima Prada (2011, p. 35), ao destacarmos que “diante de tantas transgressões ao ordenamento jurídico, com graves prejuízos à paz social, urge repensar qual a formação moral e intelectual que queremos legar para nossos filhos e as futuras gerações.” Não é crível imaginar que o livre acesso às novas tecnologias seja capaz de oferecer educação e uma aprendizagem eficaz ao ser humano com uma formação intelecto-emocional incompleta. [...] Deveria o legislador preocupar-se em rever a política nacional de ensino, visando acabar com o regime de progressão continuada, que aprova milhares de analfabetos todos os anos. (PRADA, 2011, p. 35).

Vale colacionar também o entendimento de Ortellado (2018), que aponta o fenômeno das fake news serem o sintoma de um problema mais amplo, e não o problema em si. 98

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A polarização contribui para sua criação e disseminação. A gente precisa de mais transparência nas plataformas, mas também muita campanha de conscientização entre os usuários, de mais consciência crítica. A difusão dessas notícias depende de nós, que estamos muito polarizados e apaixonados por nossas posições. Nesse ponto, as fake news fazem parte da guerra política. A solução ampla é educar os usuários e a população. Temos um problema real, mas uma regulamentação estatal pode ter um efeito ruim sobre a liberdade de expressão. (DW BRASIL, 2018 – grifo nosso).

O combate à desinformação exige que se eduque a população por meio de informações constantes sobre os problemas que podem acarretar as notícias fraudulentas antes de pensarmos em leis que criminalizem o cidadão como se estas fosse solução hábil a todo problema social, visto que por vezes este é igualmente vítima de notícias falsas. Ademais, já deixamos claro a impossibilidade de tipificação do crime de meio, onde “a internet surge apenas como um facilitador” (PINHEIRO, 2016, p. 380). As agências de fact-checking6 são um antídoto contra a desinformação. Ferramentas de checagem também ajudam muito, assim como os alertas disparados nas redes sociais quando notícias enganosas são publicadas. Porém, novas bases comuns curriculares deveriam incluir com mais atenção a educação digital. Destarte, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2016), em cooperação e edição da tradução com Cetic.br/NIC.br, preocupadas com o processo atual de evolução das sociedades do conhecimento lançaram em 01 de novembro de 2016, as diretrizes para a formulação de políticas e estratégias para a Alfabetização Midiática e Informacional, o resumo sobre as políticas da AMI pode ser acessado online por todos em seu Website. Checagem de informação Como seria possível diminuir a propagação das fake news? Para Pollyana Ferrari (2018), “Não compartilhando e não curtindo. Primeiro, você checa, joga no Google, tenta ver a procedência do texto, qual a fonte, quando foi publicado, se é uma coisa velha, se a foto foi manipulada.” As pessoas leem só o título e passam pra frente. [...]O Whatsapp é o maior propagador de mentiras. As pessoas não foram educadas a checar, chega no Whatsapp e as pessoas acreditam. E não é só o jovem que propaga Fake News. Então, na questão de escala, a tecnologia propaga muito mais do que antes dessas redes. [...] A gente tem que aprender socialmente a checar. É fundamental ter as agências de checagem, bots e algoritmos de checagem, mas nunca vai ter fim. Mesmo se tivesse 6.000 agências de checagem, não iam dar conta. (FERRARI, 2018 – grifo nosso).

“Somente o Google teria que contratar cerca de 100 mil novos funcionários para a checagem de informação”, como dito por Thomaz Wood Jr. (2017), [...] mudanças tecnológicas e inovações precisam ser acompanhadas de processos educacionais que preparem os indivíduos para trabalhar com elas e aparelhem a sociedade e as organizações para lidar com seus impactos. (JÚNIOR, Thomaz Wood. 2017).

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FICHÁRIO JURÍDICO Neste sentido, o ensino à checagem de informação face ao enfrentamento do fenômeno fake news é de suma importância para o nosso ecossistema digital. Não precisamos ser especialistas no assunto, mas o mínimo de conhecimento de causa contribui para melhor se “entender o papel protagonista de cada usuário na construção de um universo digital mais produtivo e sustentável”, conforme Patrícia Peck Pinheiro (2018, p. 249). [...] podemos afirmar que na era da Informação, o poder está nas mãos do indivíduo, mas precisa ser utilizado de modo ético e legal, sob pena de, no exercício de alguns direitos, estar-se infringindo outros, e isso não é tolerável em um ordenamento jurídico equilibrado. Neste sentido, a tecnologia pode ser sim a solução para harmonizar as diversas forças sociais. (PINHEIRO, 2016, p. 94).

E para tanto, evidencia-se a necessidade da promoção de iniciativas como o Course on Identifying Misinformation da plataforma First Draft da Harvard Kennedy School, e a promoção de projetos similares no Brasil como tivemos recentemente ofertado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas o curso gratuito intitulado How to debunk ‘Fake News’ and never call it by that name again, lançado em português e baseado no curso da First Draft.

Startups BR: Entre a Inovação e a Burocracia Outra ótica que deve nortear esta discussão, é que também neste cenário que vemos despontar startups fact-checking empenhadas na proposta da investigação de informação falsa na rede, citamos a Conversar.io, Correctiv.org, Boatos.org, FatoOuFake, AosFatos.org etc. Conforme aponta-nos Fernanda Mazzafera Salles, A pioneira na verificação da veracidade de notícias no Brasil é a agência Lupa, que emprega uma metodologia para a classificação da veracidade de conteúdo, mediante o emprego de oito tipos de etiquetas. (SALLES, 2018, p. 251).

Temos ainda, a Originalmy.com que fornece uma extensão7 nacional de checagem de informação e registro de veracidade em Blockchain8 para o navegador Chrome9. Ronaldo Lemos (2018), em seu programa Expresso Futuro, entrevista vários especialistas mundiais engajados no assunto. Em especial, abordamos aqui sua entrevista à Tai Nalon, diretora executiva e co-fundadora do Aos Fatos, onde ela discorre sobre a criação do robô “Fátima” para checagem de informação em mídias sociais como o Twitter, tornando a Agência Brasileira Aos Fatos pioneira no uso da Inteligência Artificial no combate à desinformação. Todavia, aqui convergimos categoricamente com a opinião de Marina Pita ao afirmar que “a inclusão digital no Brasil serve ao consumo e não a cidadania”. Durante a primeira gestão Dilma Rousseff, foi lançada a política de incentivo fiscal para o comércio de espertofones, houve uma tentativa de impor contrapartida aos fabricantes. Um dos principais debates era o embarque de aplicativos nacionais para obtenção da isenção fiscal proposta. A indústria obviamente se contorceu e chiou o quanto pôde, e o governo foi recuando até que a política, em vez de aperfeiçoada por meio do diálogo com os diversos setores interessados, simplesmente desidratou. Nenhuma outra política de peso,

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do tamanho que este segmento econômico (e em ascensão) requer, foi apresentada para sustentar o desenvolvimento e crescimento do mercado de apps brasileiros. Contentamonos em deixar esta parcela da nossa economia escoar para os países com liderança tecnológica. (PITA, 2017 – grifo nosso).

Por assim ser verdade, a startup Originalmy.com apesar de ser um projeto brasileiro tem registro empresarial na Estônia. Edilson Osorio Jr. (2018), seu idealizador, viu como recurso para viabilização do seu projeto a busca pela “identidade digital e cidadania de outro país, face à toda burocracia, falta de incentivos e a alta carga tributária sob o crivo da CVM, encontrada no Brasil.” Edilson Osório e Emília Campos falam mais sobre as dificuldades enfrentadas pelo empreendedor ao promoveram o debate “Blockchain – Usos e Desafios” no painel da Bitcoin Summit 2018. A Originalmy.com em parceria com o Cartório Azevêdo Bastos vem desburocratizando a vida de escritórios e profissionais da advocacia por meio da tecnologia Blockchain para a autenticação de documentos, provas processuais, registro de direitos autorais, e assinaturas digitais com validade em todo território nacional. Conforme esclarecido por Alexandre Barbosa (aput PITA, 2017), gerente do Cetic.br, temos que: Ao privilegiar o atual modelo ofertado pelo mercado das operadoras de telecomunicações nosso governo também opta pelo modelo de desenvolvimento econômico com baixo potencial de produção e disseminação de conteúdo.(PITA, 2017).

Desta feita, depreende-se termos “uma inclusão digital apenas para o consumo, e não para a cidadania, para a economia e para o fortalecimento da democracia”, conclui Marina Pita (2017). Asseveramos, portanto, que é preciso por parte do nosso governo maior atenção e investimentos no que tange a inovação e desburocratização de políticas para abertura de startups nacionais, temos expertise e criatividade bastantes para nos engajarmos nessa luta, mas não há incentivos neste sentido. Pelo revés, segundo Caio Alves (2017), “o governo aumentou para 40% os impostos sobre software em nuvem no Brasil”, tais medidas de certo inibem o empreendedorismo. De acordo com especialistas de Direito Tributário, o Fisco está tributando fortemente o setor este ano, como mostram duas determinações recentes da Cosit (Coordenação-Geral de Tributação), vinculada à Receita Federal. A carga tributária tem penalizado especialmente as operações computação em nuvem, que teve um aumento extra de 34,25% nos últimos meses, aponta Georgios Theodoros Anastassiadis, sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, que atende vários clientes do setor. (ALVEZ, 2017).

Não por outra razão, “empresas de tecnologia decidiram bater nas portas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar convencê-los a analisar, no próximo dia 22 de agosto de 2018, um conjunto de processos que questionam a incidência do ICMS sobre software.” (IGNACIO, 2018). Neste sentido, sem dúvidas a Medida Provisória n° 881, de 2019 (Liberdade Econômica) foi uma vitória para a inovação, ciência e tecnologia ao instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e outras providências. Conforme Breno REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO Pires (2019), “O plano em relação às startups é remover exigências de licenças ou alvarás para começarem a funcionar, fazer testes e inovar.” CONSIDERAÇÕES FINAIS A tecnologia do século XXI não é compatível com a barbárie medieval resultante da propagação de notícias falsas. Ironia é sermos o quinto maior país do mundo e não sermos capazes de lançar mão de métodos promissores para a mitigação deste dilema de forma mais democrática que o viés primitivo da censura. Com efeito, “nosso país tem um passado lamentável de repressão à liberdade de imprensa e expressão.” (NUNES; SANTOS, 2018, p. 77). Tentativas de censurar a informação veiculada na rede de forma seletiva com a promessa de uma efetiva solução do problema das fake news devem ser observadas atentamente, visto serem práticas que ferem a neutralidade de rede prevista no Marco Civil da Internet,todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, não sendo possível promover o acesso apenas às mídias mais populares ou mesmo restringir a liberdade de expressão do cidadão. BernersLee (2016 aput PITA, 2018) em entrevista para o documentário FREENET (2016), nos deixa o seguinte recado no que tange às tentativas perpetradas em desfavor à neutralidade de rede e os Direitos humanos: “Façam com que todos conheçam o Marco Civil da Internet do Brasil, defendam o Marco Civil da Internet brasileiro. Ele resguarda os princípios da Web”. Para Marina Pita (2017) “nós precisamos que as empresas estrangeiras que atuam no Brasil respeitem as leis brasileiras, incluindo aí o Marco Civil da Internet.” Yasodara Córdova (2018), pesquisadora da Digital Kennedy School da Universidade Harvard, também aponta que seria eficiente proibir a prática do zero rating10: Ela dá ao Facebook e ao Whatsapp a preferência desleal no uso da Internet. Como eles são de uso gratuito, sem consumo da banda contratada, o eleitor tende a ficar nessas redes e não consultar os sites de políticos para ver propostas, ou checar notícias etc. Até mesmo uma consulta no Google pode ficar mais cara do que abrir um perfil no Facebook. (DW BRASIL, 2018).

Demonstrando sua preocupação com o atual modelo de inclusão digital brasileiro, Alexandre Barbosa (2017 aput PITA, 2017) assevera que: As atividades de maior valor agregado são justamente as mais requeridas pela nova economia digital. No entanto, elas pressupõem habilidades digitais mais complexas, que vão além do uso instrumental das aplicações corriqueiras como as de rede social ou de envio de mensagens, demandando uma maior apropriação das novas tecnologias e aplicações. (PITA, 2017).

Por outro viés, não podemos olvidar que ao se pensar em uma provável tipificação penaldas fake news – não obstante termos claro que, para o ambiente virtual, aplica-se toda a legislação em vigor que for pertinente – é preciso antes se definir seu conceito face à sua extensa abrangência, criando filtros eficientes para seu enfrentamento, como o projeto Comprova11,sob a coordenação da Abraji12, inspirado no Cross Check13 francês, que será usado no Brasil face às eleições de 102

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2018. Ambos os projetos são idealizados pela First Draft do Centro Shorenstein da Harvard Kennedy School. CONCLUSÃO Como consequência desse entender, o problema das fake news jamais poderá ser tratado pela via simplista da censura, mas antes ser visto como problema correlato à educação digital. Precisamos de programas que promovam a correta navegação na Web, que fomentem a pesquisa e cultura, planos familiares de uso de mídias, campanhas de conscientização entre os usuários, fomento a uma maior consciência crítica, e por fim uma internet livre. “As decisões políticas acerca da internet e a concentração econômica do setor têm matado o caráter livre originário da rede criada por Tim Berners-Lee”. (PITA, 2017). De todo modo, a Alfabetização Midiática e Informacional onde a UNESCO tem vasta experiência – a exemplo, com a Declaração de Grünwald de 1982, a qual reconhece a necessidade de sistemas políticos e educacionais para promover cidadãos com compreensão crítica dos fenômenos da comunicação – deve ter observância mais que imperiosa como ferramenta para combate à desinformação. A informação, a educação e o conhecimento fazem diferença. Quando os indivíduos são capazes de fazer leituras críticas da realidade, por meio de suas interpretações do conjunto do que é publicado ou daquilo que ele tem acesso, há muita diferença de postura e posicionamento. Por conta disso, não é simples resolvê-la. São necessárias ações articuladas no curto e no longo prazo para combater falsidades, vazamentos de dados pessoais e o discurso do ódio na Web. Nesse sentido, é fundamental trabalhar ações nos eixos educacional, tecnológico e da justiça. NOTAS 1

Comunidade internacional e multilíngue de blogueiros, jornalistas, tradutores, estudiosos e ativistas de direitos humanos. 2 A plataforma NewsFrames permite que a comunidade Global Voices e seus parceiros escrevam histórias em conjunto. 3 Projeto do Centro Shorenstein de Mídia, Política e Políticas Públicas da Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard. 4 Termo que designa a ação de fazer com que algo se espalhe rapidamente, semelhante ao efeito viral. 5 Princípio de que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma. 6 O fact-checking é uma forma de qualificar o debate público por meio da apuração jornalística. 7 Extensões de navegador permitem que você adicione novas funcionalidades ao seu browser, literalmente estendendo seu browser para além das funções básicas do acesso a páginas na internet. 8 “Blockchain” (corrente de blocos, em tradução literal), é uma espécie de grande “livro contábil” que registra vários tipos de transações e possui seus registros espalhados por vários computadores. No caso das moedas criptografadas, como o bitcoin, esse livro registra o envio e recebimento de valores. 9 Google Chrome é um dos mais populares navegadores disponível para Windows, Mac (Mac OS), Linux (Ubuntu), Android e iOS. 10 Termo que define a prática de operadoras em disponibilizar acesso gratuito a determinadas redes sociais ou aplicativos de mensagens. REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO 11 Comprova reúne jornalistas de 24 empresas de mídia brasileiras para identificar e explicar rumores, conteúdo fabricado e táticas de manipulação que podem influenciar a campanha eleitoral presidencial de 2018. 12 Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. 13 CrossCheck é uma colaboração de verificação on-line que começou em fevereiro de 2017. REFERÊNCIAS ___________. Alfabetização midiática e informacional (AMI). Disponível em: http://www.unesco. org/new/pt/brasilia/communication-and-Information/access-to-knowledge/media-and-information-literacy/ Acessado em: 20/09/2018 ___________. Alfabetização midiática e informacional: diretrizes para a formulação de políticas e estratégias. Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/singleview/news/portuguese_version_of_media_and_information_literacy_policy/ Acessado em: 20/09/2018 ALPENDRE, Guilherme. Seletividade de informações e censura são os perigos do combate às ‘Fake News’. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2018/01/seletividade-de -informacoes-e-censura-sao-os-perigos-do-combate-ao-fake-news Acessado em: 20/07/2018 ALVES, Caio. Impostos sobre software em nuvem aumentam quase 40% no Brasil. Disponível em: https://ipnews.com.br/impostos-sobre-software-em-nuvem-aumenta-quase-40-no-brasil/ Acessado em: 20/09/2018 ANDORFATO, João Jacinto Anchê. Redes Sociais: liberdade de expressão não é direito à ofensa. Ano II, nº 20, Brasília: Revista Conceito Jurídico – agosto/2018. p. 06-07 ATHENIENSE; Alexandre. et al. Legislação entre redes: O Direito Digital. Belo Horizonte: Revista Vanguarda – CAA, Fevereiro/Março de 2018, p.47-52 BRASIL, Lei nº 12.965/14 – Marco Civil da Internet (2014). 25. ed. São Paulo: VadeMecum Tradicional – Editora Saraiva, 2018, p.2216 BRASIL, Código Penal (1940). 25. ed. São Paulo: VadeMecum Tradicional – Editora Saraiva, 2018, p.445-448,465 BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). 25. ed. São Paulo: VadeMecum Tradicional – Editora Saraiva, 2018, p.4 BRAGA, Maria José; MATOS, Miguel. In: SENADO NOTÍCIAS. Combate a notícias falsas exige conscientização, diz integrante do Conselho de Comunicação Social. Disponível em: https:// www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/05/07/combate-a-noticias-falsas-exige-conscientizacao-diz-integrante-do-conselho-de-comunicacao-socialAcessado em: 21/07/2018 ____________. CÂMARA NOTÍCIAS. CCJ aumenta pena de quem incita a prática de crimes pela internet. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/528067-CCJ-AUMENTA-PENA-DE-QUEM-INCITA-A-PRATICA-DE-CRIMES-PELA-INTERNET. html Acessado em: 21/07/2018 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral – Vol. 01. 15. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 286-288. CÁRGANO, Marcelo. Fake News e a responsabilidade civil das plataformas online. Disponível em: https://www.lexmachinae.com/2018/03/05/fake-news-e-responsabilidade-civil-das-plataformas-online/Acessado em: 19/07/2018 ___________. CNJ – Crimes digitais: o que são, como denunciar e quais leis tipificam como crime? Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87058-crimes-digitais-o-que-sao-como-denunciar-e-quais-leis-tipificam-como-crime Acessado em: 30/07/2018 COELHO, Julia. Jornalismo profissional e educação no combate às notícias falsas. Disponível em: https://www.abert.org.br/web/index.php/notmenu/item/26025-jornalismo-profissional-e-educacao-no-combate-as-noticias-falsas Acessado em: 20/07/2018 DAOUN, Alexandre Juan; LIMA, Gisele Truzzi de. CRIMES INFORMÁTICOS O DIREITO PENAL NA ERA DA INFORMAÇÃO, 2012. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/crimes -inform%C3%A1ticos-o-direito-penal-na-era-da-informa%C3%A7%C3%A3o Acessado em: 25/09/2018

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DAOUN, Alexandre Juan. Os novos crimes da informática, 1999. Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/opiniao/os-novos-crimes-da-informatica-alexandre-jean-daoun-221924. html. Acessado em: 25/09/2018 D’URSO, Luiz Augusto Filizzola. O impacto das Fake News nas Eleições 2018. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/fake-news-eleicoes-2018/ Acessado em: 30/07/2018 __________. DW Brasil: O desafio das ‘Fake News ‘ nas eleições de 2018. Disponível em: https:// www.dw.com/pt-br/o-desafio-das-fake-news-nas-eleições-de-2018/a-42214569 Acessado em: 30/07/2018 __________. DW Brasil: Como a publicidade incentiva “Fake News”. Disponível em: https://www. dw.com/pt-br/como-a-publicidade-incentiva-fake-news/a-38857521?maca=pt-BR-Twitter -sharing Acessado em: 25/06/2018 __________. EvaluatingInformation: The Cornerstoneof Civic Online Reasoning. Disponível em: https://purl.stanford.edu/fv751yt5934 Acessado em: 26/06/2018 __________. FATO REAL. Homem nega aliciamento em porta de escola, denuncia calúnia em redes sociais e procura justiça. Disponível em: http://fatoreal.com.br/site/homem-nega-aliciamento-em-porta-de-escola-denuncia-calunia-em-redes-sociais-e-procura-justica/ Acessado em: 22/11/2017 FERRARI, Pollyana. Livro discute a disseminação de notícias falsas nas redes sociais. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2018/04/como-sair-da-bolha-livro-discute-adisseminacao-de-noticias-falsas-nas-redes-sociaisAcessado em: 20/07/2018 FILHO, Otavio Frias. O que é falso sobre Fake News. n. 116, São Paulo: Revista USP. janeiro/fevereiro/ março 2018, p. 39-44 ___________. Free Online Courseon Identifying Misinformation. Disponível em: https://firstdraftnews.org/free-online-course-on-identifying-misinformation/ Acessado em: 28/06/2018 ___________.FREENET. (2016) Disponível em: https://vimeo.com/161511483 Acessado em: 25/06/2018 ___________. G 1. Mulher espancada após boatos em rede social morre em Guarujá, SP. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos -em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html Acessado em: 10/04/2017 ___________. HORA 1. Boato em rede social faz multidão tentar linchar casal no RJ. Disponível em: http://g1.globo.com/hora1/noticia/2017/04/boato-em-rede-social-faz-multidao-tentar-linchar-casal-no-rj.html Acessado em: 10/04/2017 ___________. Howtodebunk ‘Fake News’ andnevercall it bythatnameagain. Disponível em: https:// knightcenter.utexas.edu/blog/00-19972-how-debunk-%E2%80%98fake-news%E2%80%99-and-never-call-it-name-again-new-free-online-course-portugueseAcessado em: 31/07/2018 IGNACIO, Laura. Empresas tentam ampliar julgamento sobre tributação de softwares no STF. Disponível em: https://www.valor.com.br/legislacao/5732663/empresas-tentam-ampliar-julgamento-sobre-tributacao-de-softwares-no-stf Acessado em: 25/09/2018 ___________. IRIS, 2019. Apostila: Minicurso Fundamentos do Direito e Novas Tecnologias.Disponível em: http://irisbh.com.br/pt/cursos/apostila-minicurso-fundamentos-do-direito-e-novastecnologias/ Acessado em: 25/04/2019. ___________. Calúnia em rede social leva grupo de PMs à justiça. Ano XXVII, edº 1454/2018, Conselheiro Lafaiete: Jornal Correio – dezembro/2018. p.08 JUNIOR, Ailton Medeiros de Souza. Linchamentos públicos no Brasil: uma expressão do racismo. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2018/06/22/linchamentos-publicos-no -brasil-uma-expressao-do-racismo/ Acessado em: 23/06/2018 JUNIOR, Thomaz Wood. As mídias digitais provocam também efeitos negativos. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/revista/938/as-midias-digitais-provocam-tambem-efeitosnegativos Acessado em: 10/06/2018 LAMACHIA, Claudio Pacheco Prates. Fake News são uma ameaça à democracia, diz presidente da OAB em seminário. Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia/56444/fake-news-sao-uma -ameaca-a-democracia-diz-presidente-da-oab-em-seminario Acessado em: 22/07/2018 LEMOS, Ronaldo. In: Expresso Futuro. Fake News e Manipulação. Disponível em: http://www.futuraplay.org/video/fake-news-e-manipulacao/438910/ Acessado em: 21/08/2018 REVISTA PRÁTICA FORENSE - WWW.ZKEDITORA.COM/PRATICA

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FICHÁRIO JURÍDICO

ARQUIVO PESSOAL

MIGUEL, Amadeu Elves. Direitos humanos e direitos fundamentais: conceito, genese e algumas notas históricas para a contribuição do surgimento dos novos direitos. Disponível em http:// www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15028 Acessado em 23/06/2018 NUNES, Allan Titonelli; SANTOS, Márcio Vieira. Tratamento isonômico dos Meios de Comunicação nas Eleições. Ano II, nº 20, Brasília: Revista Conceito Jurídico – agosto/2018. p.77 ___________. OAB – Conselho Federal. Notícia falsa nas redes sociais. Disponível em: http://www. oab.org.br/noticia/54926/noticia-falsa-nas-redes-sociais. Acessado em: 30/03/2017 OLIVEIRA, Eunício. In: SENADO NOTÍCIAS. É preciso combater as ‘Fake News’, diz Eunício ao Conselho de Comunicação. (08/11/2017) Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/ materias/2017/11/08/e-preciso-combater-as-fake-news-diz-eunicio-ao-conselho-de-comunicacaoAcessado em: 10/06/2018 OLIVEIRA, Eunício. In: SENADO NOTÍCIAS. ‘Fake News’ são tema de debate em reunião do Conselho de Comunicação. (01/03/2018) Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/01/conselho-de-comunicacao-vai-apresentar-proposta-para-combater-noticiasfalsas Acessado em: 10/06/2018 OLIVEIRA, Eunício. In: SENADO NOTÍCIAS. Congresso não bancará censura prévia sob pretexto de combater Fake News, diz Eunício. (20/06/2018) Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ noticias/materias/2018/06/20/congresso-nao-bancara-censura-previa-sob-pretexto-de-combater-fake-news-diz-eunicioAcessado em: 10/06/2018. __________. Edilson Osório + Emília Campos | Bitcoin Summit 2018. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=w2Bw32hY0pI Acessado em: 10/06/2018 PIRES, Breno. MP da Liberdade Econômica vai desburocratizar atividades de startups. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,mp-da-liberdade-economica-vai-desburocratizar-atividades-de-startups,70002809443 Acessado em: 30/04/2019 PITA, Marina. A inclusão digital no Brasil serve ao consumo e não à cidadania. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/a-inclusao-digital-no-brasil-serve-ao-consumo-e-nao-a-cidadania Acessado em: 16/07/2018 PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 89-90, 94, 380. PINHEIRO, Patrícia Peck. A responsabilidade no uso das mídias sociais em nossas comunidades. Direito Digital Aplicado 3.0. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 248. PRADA, Dave Lima. Processo Educativo e Cultura Digital, Realidade e Ficção. Ano XV, nº 344, Brasília: Revista Jurídica Consulex. 11 de maio de 2011, p. 33-35. ___________. Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2018. Malásia é o primeiro país do mundo a revogar lei de combate às Fake News. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-19/malasia-primeiro-pais-revogar-lei-combate-fake-news Acessado em: 26/08/2018 SALLES, Fernanda Mazzafera. Fake News: muito além do campo moral da autoria. Direito Digital Aplicado 3.0. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 250-251. SEHAT, Connie. Fake, Fraud, False, Fabricated: Findingthe Vocabulary for Truth in News. Disponível em: https://globalvoices.org/2017/02/01/fake-fraud-false-fabricated-truth-news-vocabulary/ Acessado em: 26/06/2018. ___________. TSE firma acordo com Google e Facebook contra ‘Fake News’. Disponível em: https://www.poder360.com.br/eleicoes/tse-firma-acordo-com-google-e-facebook-contra-fakenews/Acessado em: 28/06/2018 VANCIM, Adriano Roberto; MATIOLI, Jeferson Luiz. Direito & Internet: Contrato Eletrônico e Responsabilidade Civil na Web. São Paulo: Lemos e Cruz Livraria e Editora, 2014. WARDLE, Clarie.Fake News. It’scomplicated. Disponível em: https://firstdraftnews.org/fake-newscomplicated/ Acessado em: 26/06/2018

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AGENOR ALEXSANDER DE CARVALHO COSTA é Advogado, formado em Direito pela FDCL – Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da OAB/FUMEC, atuante nas esferas trabalhista, empresarial, consumidor, cível e digital. Fundador e Presidente da Comissão de Tecnologia e Segurança da Informação 2ª Subseção da OAB/MG de Conselheiro Lafaiete. Técnico em Informática pela UNA/FIT – Faculdade Infórium de Tecnologia.

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PRÁTICA DE PROCESSO

Arbitragem, mecanismo alternativo para solução de conflitos Fernanda rossi

DIVULGAÇÃO

POR

Apesar da tímida divulgação, existem várias câmaras arbitrais, e pelas vantagens existentes é uma forte tendência e um beneficio tanto para o judiciário quanto para as partes que escolhem a arbitragem como meio de resolver seus conflitos.


PRÁTICA DE PROCESSO

ARQUIVO PESSOAL

LEI DE ARBITRAGEM Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996. (Com as alterações da LEI Nº 13.129, DE 26 DE MAIO DE 2015) A arbitragem tem sido uma das formas de resolução de conflitos que mais tem crescido no Brasil e tem sido fortemente incentivado, recentemente tivemos a reforma da lei de arbitragem especialmente para incentivar a arbitragem com a administração publica e em 2016 o Novo Código de Processo Civil – NCPC veio e prestigiou outras formas extrajudiciais de resolução de conflitos, entre as quais a própria arbitragem, Artigo 3º, NCPC. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. As pessoas envolvidas nos conflitos tem a liberdade de escolher a arbitragem como meio de solução de conflitos e em 2002 o Supremo Tribunal Federal (STF), entendeu que a arbitragem é constitucional, exatamente por ser fruto da vontade das partes e o Estado não ser centralizador e monopolizador da justiça. A arbitragem é um mecanismo alternativo à resolução de conflitos, visto que o poder judiciário não suporta mais tantos processos e foi necessário criar esses mecanismos alternativos para solucionar os conflitos, é um meio tão importante e eficaz de resolução de conflitos extrajudiciais que um dos pontos da reforma trabalhista propõe a adoção da arbitragem, por todas as suas vantagens, mas a arbitragem é muito mais que um desafogo ao poder judiciário, não é um acordo, mas sim a solução de conflitos onde não existe atuação do estado, é privada, havendo duas limitações, não trata de direitos indisponíveis e conflitos que envolvam incapazes, sempre atendendo três variáveis básicas: custo, tempo e expertise da decisão. Enquanto na Justiça Comum o Juiz é obrigado a fundamentar sua decisão na lei, na Arbitragem, o julgamento pode ser por equidade, a critério das partes, nos princípios gerais do direito, nos costumes ou no livre convencimento dos árbitros. Muitas vantagens são encontradas na arbitragem e a sentença arbitral é autônoma e faz coisa julgada, é irrecorrível, não cabe recurso, no máximo cabe pedido de esclarecimento, é progressivo chegando ao final e as partes podem escolher a Câmara Arbitral e os procedimentos que serão aplicados, como a legislação que será usada, os árbitros que participarão e os prazos que apesar de ter previsão legal de 180 dias, poderão ser aumentados ou diminuídos a critério das partes, entre outros procedimentos. É um processo totalmente confiável, mas infelizmente temos muito preconceito em relação a arbitragem que ainda não é tão divulgada e usada no Brasil como em outros países, mas é uma solução para desafogo do judiciário. Apesar da tímida divulgação, existem várias câmaras arbitrais, e pelas vantagens existentes é uma forte tendência e um beneficio tanto para o judiciário quanto para as partes que escolhem a arbitragem como meio de resolver seus conflitos.

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FERNANDA ROSSI é Mestre em Direito, Pós-graduada em Direito Processual, pro­fessora de direito na Academia da Policia Militar de Minas Gerais e da Faculdade Pitágoras.

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DIVULGAÇÃO

PRÁTICA DE PROCESSO

A polêmica contagem de prazos processuais POR

Mariana vianna MarTineLLi

C

onsiderando a recente modernização dos Correios, que resultou no aviso de recebimento (AR) digital nas citações feitas por carta, alguns juízes têm entendido que a contagem do prazo para contestar deve ser feita a partir do primeiro dia útil subsequente à data em que o AR digital é acostado aos autos. O problema é que, considerando que o AR eletrônico entra automaticamente no sistema do tribunal, não há como impedir que essa juntada automática seja efetivada em finais de semana e feriados, o que gerou uma interpretação exótica das regras processuais e deflagrou a discussão sobre o início da contagem do prazo para contestação. De um lado, há um posicionamento minoritário, segundo o qual a juntada do AR eletrônico gera eficácia imediata, ainda que ocorra em um feriado. Nesse sentido, recentemente, o juiz Marcelo Augusto de Moura, da 4ª Vara Cível da Comarca de Franca (SP), decidiu nos autos do processo nº 1025749-06.2017. 8.26.0196 que a juntada do AR eletrônico no sábado teria plena eficácia a partir desse próprio dia. Nessa linha, entendeu que a contagem do prazo para defesa teve início no primeiro dia útil subsequente ao sábado, isto é, na segunda-feira seguinte, decretando intempestiva a contestação da parte que contou a partir da terça-feira o início da fluência do prazo. O entendimento que se pretende inovador, porém, não está de acordo com o sistema processual em vigor e pode resultar em decisões prejudiciais às partes, sobretudo com relação ao prazo final de defesa. Juristas de renome já se posicionaram em sentido oposto, porque tal interpretação não está somente em desacordo com disposições expressas dos arts. 216, 212, 224 e 231 do Código de Processo Civil (CPC), como também contraria aspectos principiológicos desse recente Código. A título de exemplo, menciona-se que um dos avanços trazidos pelo CPC é a consagração do descanso dos advogados, na medida em que computa apenas os dias úteis na contagem do prazo processual, nos termos do artigo 220.


PRÁTICA DE PROCESSO

ARQUIVO PESSOAL

O professor de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo, Paulo Henrique dos Santos Lucon, ensina que “a partir do início da vigência do novo Código, uma vez iniciado o curso do prazo, somente serão computados em sua contagem os dias úteis, ou seja, dias de expediente forense integral. A nova regra garante que os finais de semana e feriados sejam, efetivamente, dias de descanso para o advogado”. Ao contrário desse entendimento, a decisão que toma como eficaz a juntada do aviso de recebimento em um sábado sinaliza que o advogado deveria acompanhar o processo também em dia não úteis, para não ser surpreendido com o primeiro dia do prazo já em curso no primeiro dia útil. A juntada do AR é ato processual que é um marco para a defesa e, nos termos do art. 212 do CPC, os atos processuais são realizados em dias úteis. De acordo com o art. 216 do CPC, o sábado é considerado dia não útil, equiparado ao feriado forense. Dessa forma, ainda que a juntada automatizada ocorra em um feriado, o ato processual (juntada do aviso de recebimento) considera-se ocorrido no primeiro dia útil subsequente e o prazo para contestar deve começar a fluir somente um dia após, nos termos do art. 224 do CPC. O professor Elpídio Donizetti, membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, tem o mesmo entendimento ora esposado: “A intimação feita no sábado (dia equivalente a feriado, nos termos do art. 216 do CPC de 2015) considera-se feita na segunda-feira e a contagem do prazo terá início na terça-feira (primeiro dia útil seguinte ao da intimação). Quanto ao termo final, se este cair em dia não útil, considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil.” Outro jurista reconhecido nos tribunais superiores, Leonardo Carneiro da Cunha, também aponta a inovação do art. 216 do CPC, pontuando que não se considera o ato praticado no sábado, para efeito de início de prazo. O entendimento majoritário da recente jurisprudência também é pela prorrogação da eficácia da juntada para o primeiro dia útil seguinte. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apontamos o acórdão exarado pela 27ª Câmara de Direito Privado, no julgamento da apelação nº 1004537-42.2016.8.26.0008. De igual modo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, emitiu comunicado que a contagem dos prazos das intimações no sistema do processo judicial eletrônico será alterada a partir de 22 de abril, reconfigurando o termo inicial do prazo para o primeiro dia útil seguinte à data da intimação eletrônica. Assim, não obstante constar que o AR eletrônico tenha sido juntado no sábado, por o ato processual ter acontecido em um feriado, considera-se que ele tenha sido juntado somente na segunda-feira, pois um ato processual válido é realizado somente em dias úteis, independentemente de o AR ser digital. Portanto, nessa linha de raciocínio, para fins de cômputo do prazo legal para contestar, tendo o ato processual da juntada do AR eletrônico sido realizado em um final de semana ou feriado, dia em que não houve expediente forense, considera-se o ato praticado no próximo dia útil sucessivo à sua realização, iniciando-se a contagem do prazo no dia subsequente, nos termos do art. 224 do CPC. Segundo autorizada doutrina, é o único entendimento em consonância com as normas processuais vigentes.

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MARIANA VIANNA MARTINELLI é advogada de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.

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ESPAÇO ABERTO

Reajuste do plano de saúde e os aumentos abusivos na terceira idade POR

Isabela Perrella

É

ARQUIVO PESSOAL

muito comum as operadoras de saúde reajustarem as mensalidades do plano de saúde de seus segurados quando estes completam 59 anos. Isso ocorre porque o Estatuto do Idoso proíbe o aumento após os 60 anos. Assim, como uma forma de burlar a legislação, o segurado é surpreendido quando completa os 59 anos de idade com um reajuste abusivo, tendo em vista ser a última oportunidade do aumento por faixa etária. Muitos segurados, mesmo insatisfeitos, aceitam a mudança. O que poucos sabem é que o reajuste do plano de saúde por idade é válido apenas dentro de um percentual que seja considerado razoável. Tal entendimento foi proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do recurso repetitivo tema 952 no final de 2016 e é aplicado ainda que o reajuste do plano seja previsto e permitido em contrato. Sendo assim, para que o reajuste fundado na mudança de faixa etária do beneficiário seja válido, é necessário que haja previsão contratual e que sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores. É necessário ainda, que não sejam aplicados percentuais que onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso, ou seja, que não sejam considerados sem razão, aleatórios ou inadequados. Nesse sentido, caso o segurado seja surpreendido com reajuste em percentual desarrazoado em razão da mudança de faixa etária, é possível questionar a sua validade por meio de ação judicial e assim requerer a sua cessação de forma imediata através de liminar. De modo geral, não são permitidos reajustes abusivos anuais. Ainda que fujam da faixa etária, tais reajustes devem ser aplicados de acordo com a tabela da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou, quando se trata de planos coletivos, é necessário que a operadora comprove que há uma justificativa para aquele aumento, o chamado “sinistro”. Portanto, seja o reajuste em razão da idade ou anual, se for desarrazoado ou aleatório, o consumidor pode e deve ir à justiça pleitear a cessação do aumento, inclusive podendo ser revistos os ajustes aplicados nos últimos cinco anos. Fique atento aos seus direitos!

ISABELA PERRELLA é especialista em Direito do Consumidor do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

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