Revista Prática Forense nº 31, Ano III, 2019

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ano III

julho/2019

no 31

ISSN 2526-9577

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772526

957717

Criminalização da homofobia pelo STF:

Uma aberração jurídica Vade Mecum Forense

Painel Universitário

Prática de Processo

Contratação de soluções inovadoras pela administração pública: desafios e caminhos

O direito de ser trans para além da existência dos cidadãos pela metade

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Processo civil constitucionalizado e direito intertemporal

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Pedro Ivo Peixoto

Roberta Julliane de Lima Santos Lira e Giorge André Lando

Amadeu Garrido de Paula


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EDITORA E DIRETORA RESPONSÁVEL: Adriana Zakarewicz

À frente dos grandes temas jurídicos

José Maria Alves da Silva

ano III

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junho de 2019

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nº 30

A continuidade da crise Pág. 7

ISSN 2526-8988

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898881

EDUCAÇÃO Direito fundamental

TENDÊNCIAS Jorge Cesar de Assis Os novos desembargadores da Justiça Militar

Ives Gandra da Silva Martins

CIÊNCIA JURÍDICA EM FOCO

Indicação do Procurador Geral da República pelo Presidente da República

PORTAL JURÍDICO

A hermenêutica constitucional como teoria do conhecimento do direito nas democracias contemporâneas

Inocêncio Mártires Coelho

aproveite nossas promoções

Leitura indispensável para quem quer estar em sintonia com as tendências do mundo jurídico

Conselho Editorial: Almir Pazzianotto Pinto, Antônio Souza Prudente, Esdras Dantas de Souza, Habib Tamer Badião, José Augusto Delgado, José Janguiê Bezerra Diniz, Kiyoshi Harada, Luiz Flávio Borges D’Urso, Luiz Otavio de O. Amaral, Otavio Brito Lopes, Palhares Moreira Reis, Sérgio Habib, Wálteno Marques da Silva Diretores para Assuntos Internacionais: Edmundo Oliveira e Johannes Gerrit Cornelis van Aggelen Colaboradores: Alexandre de Moraes, Álvaro Lazzarini, Antônio Carlos de Oliveira, Antônio José de Barros Levenhagen, Aramis Nassif, Arion Sayão Romita, Armand F. Pereira, Arnoldo Wald, Benedito Calheiros Bonfim, Benjamim Zymler, Cândido Furtado Maia Neto, Carlos Alberto Silveira Lenzi, Carlos Fernando Mathias de Souza, Carlos Pinto C. Motta, Décio de Oliveira Santos Júnior, Eliana Calmon, Fátima Nancy Andrighi, Fernando Tourinho Filho, Fernando da Costa Tourinho Neto, Georgenor de Souza Franco Filho, Geraldo Guedes, Gilmar Ferreira Mendes, Gina Copola, Gustavo Filipe B. Garcia, Humberto Theodoro Jr., Inocêncio Mártires Coelho, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Ivo Dantas, Jessé Torres Pereira Junior, J. E. Carreira Alvim, João Batista Brito Pereira, João Oreste Dalazen, Joaquim de Campos Martins, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, José Alberto Couto Maciel, José Carlos Arouca, José Carlos Barbosa Moreira, José Luciano de Castilho Pereira, José Manuel de Arruda Alvim Neto, Lincoln Magalhães da Rocha, Luiz Flávio Gomes, Marco Aurélio Mello, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Mário Antonio Lobato de Paiva, Marli Aparecida da Silva Siqueira, Nélson Nery Jr., Reis Friede, René Ariel Dotti, Ricardo Luiz Alves, Roberto Davis, Tereza Alvim, Tereza Rodrigues Vieira, Toshio Mukai, Vantuil Abdala, Vicente de Paulo Saraiva, William Douglas, Youssef S. Cahali. Diretor Geral: André Luis Marques Viana Revisão: ZK Editora Arte e Diagramação: Charles Design Marketing: Diego Zakarewicz Central de Atendimento ao Cliente Tel. (61) 3263-1362 Home-page: www.zkeditora.com/pratica Redação e Correspondência artigos@zkeditora.com.br Revista Conceito Jurídico é uma publicação da Zakarewicz Editora. As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos seus autores e não refletem, necessariamente, a posição desta Revista. Anúncios publicidade@zkeditora.com.br Todos os Direitos Reservados Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo.


por

ARQUIVO PESSOAL

PRIMEIRA PÁGINA

Jorge Luiz Souto Maior

A servidão bate à porta

E

feitos danosos do mundo virtual são bem concretos. Tarde da noite. João está cansado e com fome. Resolve não sair de casa e pede uma pizza. Quarenta minutos depois, José está lá, com a encomenda. “Veio até rápido, que bom”, pensa João, que só tem olhos para a pizza. Quer saber se ela não se desmantelou. Afinal, José veio de bicicleta: “Que sujeito doido!”. Entrega feita. Pagamento efetuado. O contato termina. Mas os olhares não se cruzam. E por que precisariam? João não considera a existência de José. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PRIMEIRA PÁGINA Afinal, pediu pelo aplicativo. Já José entende que João é apenas mais um ponto de entrega, uma vez que o seu serviço será remunerado via aplicativo. O encontro é real, mas a relação é virtual. Trocassem palavras, seriam percebidas as condições daquele tipo de trabalho que são, em geral, bastante desfavoráveis, em termos de horas de trabalho e de ganhos, porque, na lógica virtual instaurada, José não é empregado de ninguém e, assim, as obrigações trabalhistas não são respeitadas. A situação, entretanto, é bem mais concreta do que se apresenta porque o aplicativo é resultado da atividade de uma empresa. É uma empresa que, possuidora dos meios necessários, oferece o trabalho de José para João. Quando esse trabalho é realizado com habitualidade (de forma não episódica, independentemente de uma quantificação semanal específica), há a formação de um vínculo de emprego, para que direitos trabalhistas sejam exigíveis e as repercussões sociais se efetivem (artigos 2º e 3º da CLT). A proliferação do uso da tecnológica digital para essa finalidade lucrativa não representa qualquer novidade para o direito do trabalho. O modo de exploração do trabalho aparece como algo diferente e novo. Essencialmente, é mais do mesmo. Não há diferença alguma entre produzir copos, pagando salários aos trabalhadores que atuam na unidade fabril, e vender facilidades, pagando o serviço por meio da retenção de percentual do valor cobrado do cliente da possuidora do aplicativo. Acatar as imposições do suposto “mundo virtual” confere às empresas do setor a possibilidade de explorarem o trabalho de forma generalizada e promíscua, sem qualquer contribuição para o projeto de seguridade social, constitucionalmente prometido. Tomam para si, exclusivamente, os efeitos econômicos do trabalho de milhões de pessoas, que estão por aí, a céu aberto, reproduzindo formas quase medievais de exploração do trabalho, alimentadas por um processo de destruição da consciência em torno da própria existência que as faz acreditar que são empreendedoras - ou empresárias de si mesmas. Como a compreensão humana não pode ser delimitada pelos algoritmos, enxergar esses seres humanos é tarefa primária de uma necessária reação à barbárie. Quando João, que não raro é também um trabalhador precário, não se vê em José e este não reconhece João, é sinal de que a tecnologia está sendo instrumentalizada para consumir não só braços, mas também mentes. E não é difícil reconhecer isso: pois, se o mundo proposto é virtual, seus efeitos danosos são bastante concretos. As chances para essa apreensão se renovarão sempre que a servidão bater à sua porta! JORGE LUIZ SOUTO MAIOR é Professor da Faculdade de Direito da USP e desembargador no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

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PRIMEIRA PÁGINA SUMÁRIO

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Primeira Página

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Especial Criminalização da homofobia pelo STF: Uma aberração jurídica

A servidão bate à porta Jorge Luiz Souto Maior

Eduardo Luiz Santos Cabette

14

Destaque A banalização do nazismo (ou o uso da dor do outro)

16

Planejamento Financeiro Como planejar a aposentadoria pela Previdência oficial?

Clarisse Goldberg

Paulo Marostica

18

Gestão de Escritório

20

As joias do infinito do marketing Jurídico

Vade Mecum Forense Contratação de soluções inovadoras pela administração pública: desafios e caminhos

Camila Rodrigues

Pedro Ivo Peixoto

41

47

Questões de Direito

44

Know How

Toxicomania, doença mental e processo penal

O Papa Francisco e a Bioética

Daniela Chammas

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

Painel Universitário

52

Saiba Mais

O direito de ser trans para além da existência dos cidadãos pela metade

Estorno de compras no cartão de crédito, como funciona?

Roberta Julliane de Lima Santos Lira e Giorge André Lando

Carla Graziela Porto


54

Data Venia STF põe em risco garantias de projetos de infraestrutura Igor Nascimento de Souza, Rodrigo Sarmento Barata e Fernando Bernardi Gallacci

57

Expressões Latinas Condicio x condictio Vicente de Paulo Saraiva

60

Enfoque Reforma da Previdência avança, mas ainda precisa de ajustes contra privilégios João Badari

63

Casos Práticos Reforma legislativa tecnológica: Uma necessidade brasileira

68

Agenor Alexsander de Carvalho Costa

Prática Jurídica O homicídio doloso perpetrado pelo marido, convivente, namorado e amasiado, em face da sua mulher, por motivo de ciúme, atrai por si só, a figura do feminicídio? Joaquim Leitão Júnior

103

78

Visão Jurídica IPI – Importação – Ausência de processo de industrialização – Importação direta, por encomenda e por conta e ordem de terceiros...

Prática de Processo Processo civil constitucionalizado e direito intertemporal

Ives Gandra da Silva Martins e Rogério Vidal Gandra Martins

Amadeu Garrido de Paula

109

107

Prática de Processo

Espaço Aberto

Dúvidas na impugn(ação?) de crédito

Lava Jato e seu processo inquisitorial

Leonardo Honorato Costa

Marcelo Aith


DIVULGAÇÃO

ESPECIAL

Criminalização da homofobia pelo STF:

Uma aberração jurídica

por

Eduardo Luiz Santos Cabette

Ao Estado em qualquer de seus poderes, inclusive o Judiciário, não cabe agir de maneira usurpadora de funções, ainda mais em clara atuação inconstitucional com lesão franca ao Princípio da Legalidade Penal e à Tripartição dos Poderes. Não é possível admitir que de Estado Constitucional de Direito nos convertamos em um “Estado de Exceção” (“ad aeternum”).

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os autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n. 26, de relatoria do Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal decidiu, já por maioria de votos, que as chamadas condutas de homofobia ou transfobia são consideradas como crimes de racismo, ao menos até que o Poder Legislativo emita normativa específica sobre o tema.1 Vale advertir, desde logo, que este texto não tem o objetivo de admitir, ou pior, defender a legitimidade ou legalidade de qualquer prática discriminatória contra homossexuais ou transexuais. A conduta preconceituosa ou discriminatória contra qualquer pessoa, por que motivo for, é sempre e invariavelmente abominável e passível de sanções morais e legais. O grande problema é que a Lei de Racismo (Lei nº 7.716/89) trata tão somente do preconceito e discriminação de “raça, cor, etnia e religião”. Nada mais evidente do que o fato de que o preconceito referente à orientação sexual, à homossexualidade ou à transexualidade, não se coaduna com nenhuma das hipóteses taxativas da lei. Ademais, é

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preciso ter prudência com essa interpretação ampliativa para outros preconceitos ou discriminações em equiparação com o racismo, mesmo por via legislativa. Ocorre que se há uma excessiva ampliação, a tendência é que outros grupos venham a pleitear o mesmo reconhecimento em uma espécie de processo que caracteriza o que já foi chamado de “Cultura da Vitimização”.2 De repente poderemos nos deparar com a criminalização qual racismo da obesofobia, da esqueleticofobia, da gerontofobia, da misoginia, da nanofobia e da gigantofobia (afinal, os anões e as pessoas de baixa estatura, assim como os gigantes também são gente), da veganofobia, da alopeciofobia (Alopecia Areata é uma doença que faz faltarem pelos em regiões do corpo, no corpo todo ou ao menos na cabeça – os carecas também são vítimas de preconceito), dentre outras situações imprevisíveis “ad infinitum”. É bem verdade que a Constituição Federal considera ilegal qualquer forma de discriminação, como resta claro diante do disposto no art. 3º, IV e art. 5º, XLI. Isso não deixa dúvidas quanto à existência de um bem jurídico constitucional a ser tutelado pelo Direito interno. Entretanto, logo de início, há que apontar para o fato de que a existência de um bem jurídico constitucional é fator necessário, mas não suficiente, por si só, para indicar a via da proteção pelo instrumento de “ultima ratio” que é o Direito Penal. É bom lembrar com Tavares que a própria gênese do instituto do bem jurídico – penal está ligada ao intuito de limitar e não de fundamentar o “ius puniendi” estatal.3 Assim sendo, a existência de um bem jurídico constitucionalmente tutelado, não impõe a proteção necessariamente pela via penal. A tutela de dado bem jurídico (e.g. a vida humana) pelo Direito Penal, não se dá simplesmente porque há sua previsão constitucional, mas porque essa espécie de proteção é “considerada concretamente necessária para aquele bem”.4 Ainda que essa proteção pela via extrema da criminalização de condutas seja considerada viável e necessária, tal função, qual seja, a de prever crimes e penas, compete ao Poder Legislativo e não ao Poder Judiciário ou ao Poder Executivo. Nesse passo a divisão de poderes deve ser respeitada de forma bastante rígida. Quando há invasão de searas, seja pelo Judiciário, seja pelo Executivo, descamba-se para o mais puro totalitarismo, com uma Ditadura Política ou uma Ditadura do Judiciário. Como bem aduz Frankenberg: “Segundo os paradigmas liberais, a separação dos poderes estatais não é apenas uma questão de divisão do trabalho na organização estatal; a ela cabe também uma função de garantia da liberdade. Isso se tornou inquestionável desde o Segundo Tratado sobre o governo de Locke e Do Espírito das Leis de Montesquieu. Desde a Declaração Francesa de 1789, a separação dos poderes – a par da garantia dos direitos do homem e dos cidadãos – é considerada elemento constituinte da Constituição democrática e elemento central da promessa de coerência e transparência da Modernidade”.5

Foi exatamente com vistas a uma reação aos abusos inquisitoriais, seja por excesso, seja por leniência, que se moldou, após a Revolução Francesa, a ideia matriz de que “o juiz é um funcionário que diz a lei, não que a faz”, de forma que: “posto diante de um caso concreto a ser julgado, ele procura, entre as normas, aquela na qual tal caso recai. No limite, não encontrando uma, renuncia ao juízo porque ‘o fato não constitui crime’”.6 revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL Desde então o Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal exerce papel central na conformação do Direito Penal (art. 5º, XXXIX, CF e art. 1º, CP). Mas, o que ocorre quando a Suprema Corte, supostamente guardiã da constitucionalidade, simplesmente despreza a tripartição dos poderes e a garantia da legalidade penal? Ocorre uma espécie de “ativismo judicial” deletério, o qual supera até mesmo a adjetivação de “ativismo” para conformar-se como uma verdadeira “usurpação judicial”.7 Como com maestria destaca Badaró: “Não temos mais, portanto, garantia da legalidade no direito penal! Descanse em paz ‘nullumcrimen, nullapoena, sine lege’”.8 Olvida-se a lição básica de que “ao julgador cabe interpretar a lei, mas não a reescrever”.9 É inadmissível um suposto “abuso legítimo da lei por parte dos poderes estatais”, seja por que motivação for.10 Badaró, com absoluta propriedade, cita Natalino Irti: “reconhecer ou aceitar o poder normativo dos juízes significa – como adverte um eminente estudioso alemão, Bernd Rütheres – realizar uma revolução clandestina ou secreta (Heimlich), e subverter os princípios da democracia representativa” (grifos no original).11

E prossegue o autor em destaque, demonstrando que tal postura diante dos limites aos juízes pela legalidade se impõe de forma ainda mais intensa no que tange à matéria criminal: “Mormente quando se está cogitando do conteúdo de um tipo penal, em relação ao qual há garantia constitucional de reserva de lei é inaceitável que o julgador possa considerar crime condutas que o legislador não tipificou. Admitir isso seria substituir o princípio da legalidade por um de ‘jurisdicionalidade’! Isso porque a conduta criminosa estará sendo determinada, em última análise, não pelo legislador, mas por um órgão judiciário”.12

Ao Estado em qualquer de seus poderes, inclusive o Judiciário, não cabe agir de maneira usurpadora de funções, ainda mais em clara atuação inconstitucional com lesão franca ao Princípio da Legalidade Penal e à Tripartição dos Poderes. Não é possível admitir que de Estado Constitucional de Direito nos convertamos em um “Estado de Exceção” (“ad aeternum”). Retomando Frankenberg, o qual se vale das lições de Fraenkel e Blanke, é inviável a admissão de um “Estado de Medidas”, o qual supostamente “executa valores fundamentais superiores de modo metalegal e, além disso, na medida do necessário, desobrigando-se do princípio da legalidade”.13 A verdade é que se atualmente um Promotor de Justiça elaborar uma denúncia por racismo em caso, por exemplo, de homofobia, não se estará alicerçando em legislação penal alguma, mas numa decisão jurisdicional metalegal. Como bem ilustra jocosamente, mas muito apropriadamente Lamas, a redação da peça, em seu cabeçalho seria mais ou menos assim: “Ante o exposto, ofereço a presente denúncia pela prática do crime previsto na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão combinada com analogia ‘in mallam partem’...”.14

Fernandes chama a atenção para o fato de que na doutrina estrangeira, especialmente na italiana, se costuma estabelecer uma proibição “de efeito manipulativo deletério ao réu em matéria penal”.15 E no direito brasileiro, essa reserva, 10

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esse necessário retraimento quanto a decisões manipulativas penais “in mallam partem” ganha contornos ainda mais drásticos: “Todavia, no direito brasileiro, além da reserva legal qualificada comum a outros ordenamentos jurídicos, há um argumento de reforço à vedação de sentenças manipulativas no âmbito penal: a proibição constitucional de medidas provisórias sobre matéria penal aponta para a especial relevância dessa temática a obstar a atuação do Executivo e exigir a exclusividade da atuação do legislador, por meio de lei formal”.16

Vale ainda mencionar o problema que é gerado com tais decisões que criam condutas criminosas pela via jurisdicional no que se refere à devida aplicação do Princípio da Anterioridade e da Proibição da Retroatividade de Lei Penal que prejudique o réu. Acontece que uma decisão judicial não se faz como uma lei, que é publicada e tem uma “vacatio legis” estabelecida ou a previsão expressa de que entra em vigor na data de sua publicação. O órgão colegiado, como neste caso concreto ocorre, forma uma maioria e, portanto, já se sabe de antemão o resultado do julgamento que é positivo para a criminalização da conduta em testilha. Afinal, a partir desse ponto, formada a maioria, já ocorre a criminalização e aí está o marco da irretroatividade? Ou será que a efetiva criminalização somente se dará com a decisão final, ainda que meramente formal, e seu trânsito em julgado? Diz-se meramente formal, porque, tendo em vista a maioria já estabelecida, dificilmente haverá alteração no quadro, salvo no caso de alguma improvável “iluminação” mental ou reencontro da própria identidade de magistrado e não de legislador por algum dos Ministros que já manifestaram seus votos, mas poderiam alterar sua posição. Dada a baixa probabilidade dessa ocorrência, possivelmente seria a criminalização efetiva somente válida após a decisão final transitada em julgado. Mas, um vácuo ficaria existindo entre a formação da maioria e a formal finalização do julgamento. Uma situação, no mínimo, estranha, geradora de insegurança jurídica, até mesmo de certa perplexidade. Ainda pior será a situação em que havendo a decisão final de reconhecimento da homofobia e da transfobia como crimes de racismo, advier a aprovação pelo Congresso Nacional de nova lei específica sobre o tema. Então haverá problemas intertemporais entre a lei aprovada pelo Legislativo e a decisão do Judiciário. Se a lei for mais benéfica, retroagirá e tornará letra morta a decisão judicial enfocada. Se for mais rígida, então alguns serão julgados mais beneficamente de acordo com a decisão do STF e outros, no futuro, mais rigorosamente nos termos da legislação de regência. Isso se o STF não resolver também inviabilizar a eventual lei aprovada pelo Congresso Nacional, gerando então ainda mais confusão. Outro aspecto importante é que se o Congresso, como está ocorrendo, não promove uma simples adição à Lei de Racismo, mas sim à criação de uma lei especial tratando da homofobia e da transfobia, então teremos condutas que por um dado período foram consideradas como gravíssimos crimes de racismo, imprescritíveis e inafiançáveis e adiante serão consideradas como configuradoras de delitos comuns, inclusive prescritíveis, já que ao legislador não é dado criar imprescritibilidades à margem da Constituição Federal. Essa situação é deveras teratológica. As condutas da homofobia e da transfobia seriam espécies de “transformers” legais; ora racismo, ora crimes comuns! A não ser que se entenda que a decisão do STF vincula o legislador, de modo que estaria ele obrigado a criminalizar essas condutas revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ESPECIAL como espécies de racismo. Não poderia sequer criar lei nova, mas tão somente fazer mero acréscimo à Lei 7.716/89 já existente. Mas, então o legislador seria um estafeta ou contínuo dos Ministros do STF, mero cumpridor de suas determinações, sem qualquer margem de discricionariedade, oportunidade, conveniência ou livre convicção. Tratar-se-ia de sobreposição, ou melhor, de submissão do Poder Legislativo ao Poder Judiciário de uma forma absolutamente inadmissível num regime democrático, a não ser que se chame de democracia a uma “Ditadura do Judiciário”. Observe-se que ao invés dos magistrados terem de se curvar aos limites da lei, estaria ocorrendo o justo oposto, a lei teria de se adequar aos contornos estabelecidos pelos magistrados, a despeito até mesmo das normas constitucionais em contrário. O voluntarismo que se escancara nessa situação é totalmente incompatível com os contornos de um Estado Democrático de Direito, cuja índole deve ser nitidamente normativa. Fato é que houve uma verdadeira prestidigitação jurídica malsã conduzida pelo STF. Nas apropriadas palavras de Badaró, o Ministro Celso de Mello, que começa seu voto destacando a impossibilidade de o Judiciário se sobrepor ao Legislativo, em suma, dizer a lei, ao invés de dizer o direito, acaba realizando um “truque de ilusionista” ao concluir afirmando que não se pode “criar” um novo tipo penal por via jurisprudencial, mas é permitido usar um tipo penal já previsto em lei “para considerar como crime algo que nele não está descrito”.17 Ora, isso nada mais é do que a institucionalização, por via judicial pervertida, mediante um jogo de palavras em circunlóquio e petição de princípio, da aplicação da analogia “in mallam partem” no Direito Penal. E não se pode dizer que essa foi a primeira vez, inclusive sobre o tema específico do racismo. O STJ já equiparou indevidamente a injúria preconceito (art. 140, § 3º., CP) ao crime de racismo e quando o tema chegou ao STF, este simplesmente se omitiu, sob a alegação de que a matéria versava sobre interpretação de lei federal e não havia questão constitucional a ser discutida.18 Note-se que essa decisão do STF sobre homofobia deve gerar também efeitos na aplicação do crime de injúria preconceito, tendo em vista a institucionalização da analogia “in mallam partem”. Embora a injúria racial também não mencione nada sobre homofobia, passaria esta a ser abrangida em nova analogia, agora com a decisão do STF, completando a absurdidade da consideração como crime de racismo. Realmente parece que para o STF o Princípio da Legalidade Penal e a Tripartição dos Poderes não são matérias com dignidade constitucional. NOTAS 1 D’AGOSTINHO, Rosanne, OLIVEIRA, Mariana. Maioria do STF vota por enquadrar homofobia como crime de racismo; julgamento suspenso. Disponível em www.g1.globo.com , acesso em 05.06.219. 2 Vide: CAMPBELL, Bredley, MANNING, Jason. Microaggresion and Moral Cultures. Comparative Sociology. Disponível em https://www.academia.edu/10541921/Microaggression_and_Moral_Cultures, acesso em 05.06.2019. Ver também vídeo elucidativo: SILVA, Claudio Henrique Ribeiro da. Microagressões e a Cultura da Vitimização. Disponível em https://www.youtube. com/watch?v=hOA7L1a54d4, acesso em 05.06.2019. 3 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 181. 4 Cf. PASCHOAL, Janaina Conceição. Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo: RT, 2003, p. 148. 5 FRANKENBERG, Günter. Técnicas de Estado. Trad. Gercelia Mendes. São Paulo: Unesp, 2018, p. 226.

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6 CAMMILLERI, Rino. A Verdadeira História da Inquisição. Trad. Luciano Machado Tomaz e Ulisses Trevisan. Campinas: Ecclesiae, 2013, p. 50. 7 Cf. USURPAÇÃO Judicial. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=95iAuq8D6c4&t=28s, acesso em 05.06.2019. 8 BADARÓ, Gustavo. Legalidade penal e homofobia subsumida ao crime de racismo: um truque de ilusionismo. Disponível em https://www.academia.edu/39348378/Legalidade_penal_e_a_ homofobia_subsumida_ao_crime_de_racismo_um_truque_de_ilusionista_Ao_julgador_ cabe_interpretar_a_lei_mas_n%C3%A3o_a_reescrever?fbclid=IwAR2bu3NS_0RFPD5pFgx32SztjJWJdJQS4vuoOlZfe5hGph1ITje5PT4QLZw , acesso em 05.06.2019. 9 Op. Cit. 10 Cf. FRANKENBERG, Günter, Op. Cit., p.239. 11 BADARÓ, Gustavo, Op. Cit. 12 Op. Cit. 13 FRANKENBERG, Günter, Op. Cit., p. 241. 14 LAMAS, Fabrício. SEM título. Disponível em https://twitter.com/fabriciolamas/status/1131767427178614784, acesso em 05.06.2019. 15 FERNANDES, André Dias. Modulação de efeitos e decisões manipulativas no controle de constitucionalidade brasileiro – possibilidades, limites e parâmetros. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 256. 16 Op. cit., p. 258. 17 BADARÓ, Gustavo, Op. Cit. 18 Sobre o tema, veja-se artigo elaborado anteriormente: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Para o STJ, injúria é crime de racismo. Será? Disponível em https://jus.com.br/artigos/52141/para-o-stj-injuria-e-crime-de-racismo-sera, acesso em 05.06.2019. REFERÊNCIAS

arquivo pessoal

BADARÓ, Gustavo. Legalidade penal e homofobia subsumida ao crime de racismo: um truque de ilusionismo. Disponível em https://www.academia.edu/39348378/Legalidade_penal_e_a_homofobia_subsumida_ao_crime_de_racismo_um_truque_de_ilusionista_Ao_julgador_cabe_ interpretar_a_lei_mas_n%C3%A3o_a_reescrever?fbclid=IwAR2bu3NS_0RFPD5pFgx32SztjJWJdJQS4vuoOlZfe5hGph1ITje5PT4QLZw , acesso em 05.06.2019. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Para o STJ, injúria é crime de racismo. Será? Disponível em https:// jus.com.br/artigos/52141/para-o-stj-injuria-e-crime-de-racismo-sera, acesso em 05.06.2019. CAMMILLERI, Rino. A Verdadeira História da Inquisição. Trad. Luciano Machado Tomaz e Ulisses Trevisan. Campinas: Ecclesiae, 2013. CAMPBELL, Bredley, MANNING, Jason. Microaggresion and Moral Cultures. ComparativeSociology. Disponível em https://www.academia.edu/10541921/Microaggression_and_Moral_Cultures, acesso em 05.06.2019. D’AGOSTINHO, Rosanne, OLIVEIRA, Mariana. Maioria do STF vota por enquadrar homofobia como crime de racismo; julgamento suspenso. Disponível em www.g1.globo.com , acesso em 05.06.219. FERNANDES, André Dias. Modulação de efeitos e decisões manipulativas no controle de constitucionalidade brasileiro – possibilidades, limites e parâmetros. Salvador: Juspodivm, 2018. FRANKENBERG, Günter. Técnicas de Estado. Trad. Gercelia Mendes. São Paulo: Unesp, 2018. LAMAS, Fabrício. SEM título. Disponível em https://twitter.com/fabriciolamas/status/1131767427178614784, acesso em 05.06.2019. PASCHOAL, Janaina Conceição. Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo: RT, 2003. SILVA, Claudio Henrique Ribeiro da. Microagressões e a Cultura da Vitimização. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=hOA7L1a54d4, acesso em 05.06.2019. TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. USURPAÇÃO Judicial. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=95iAuq8D6c4&t=28s, acesso em 05.06.2019.

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE é Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, pós-graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós-graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

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por

ARQUIVO PESSOAL

DESTAQUE

Clarisse Goldberg

A banalização do nazismo (ou o uso da dor do outro)

Precisamos lembrar para jamais esquecer. Honrar e respeitar as vítimas, os sobreviventes, aprender com a história e, acima de tudo, estarmos alertas para que não se repita.

N

a sala, vó Raquel escuta, entre suspiros, “Lídiche Mame” no toca-discos. Quando a música termina, olha para a neta e conta, mais uma vez, sua história – da fuga da Polônia entre as duas grandes guerras, da família e amigos que ficaram por lá e morreram nas câmaras de gás dos campos de extermínio nazista, da chegada ao Brasil. Encerra a conversa pedindo que a neta, caso tenha uma filha, dê seu nome, para que ela nunca seja esquecida. Não esquecer é uma lembrança que acompanha as vítimas de guerras, ditaduras, genocídios e imigrações forçadas pelo

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mundo. No nosso caso, judias e judeus, o jamais esquecer é recordado ainda mais fortemente no Dia de Lembrança do Holocausto, mesma data em que se homenageia o Levante do Gueto de Varsóvia, e no dia 27 de janeiro, Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto (ou como chamamos, Shoah). Lembramos do crime contra a humanidade que levou ao extermínio de milhões de judeus, ciganos, homoafetivos, comunistas, opositores ao nazismo, negros, deficientes e outros “indesejáveis”. Foi nesse dia, em 1945, que as tropas soviéticas (integrantes dos países Aliados, origem das Nações Unidas), libertaram o maior campo de extermínio nazista, Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Lembrar para jamais esquecer. E a cada ano, perguntamo-nos: – Quem irá nos lembrar desse horror, quando os sobreviventes não estiverem mais por aqui? Trago em mim, neta da vó Raquel, uma resposta: nós, descendentes de imigrantes e sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Nós somos herdeiros dessa história, trazemos impregnado em nossos genes os horrores que nossos antepassados viveram, os medos, as despedidas, as saudades. No meu caso, também pesadelos com os campos de concentração. Apesar disso, passados 74 anos do final da guerra, muitos desconhecem o que foi o Holocausto, tornando a lembrança ainda mais necessária, especialmente no momento em que se ignora a história e o conhecimento em nome de uma guerra ideológica e do ataque a quem é “indesejável” ao governo. O desconhecimento é preenchido com falsas informações e polêmicas. Nesse contexto de vale tudo, mais que esquecida, a Shoah vem sendo desrespeitada e ultrajada, assim como a história de dezenas de milhões de vítimas do nazismo, entre elas seis milhões de judeus. Tentar reescrever a história, inventando um “nazismo de esquerda” como inimigo a ser odiado – como os judeus para os nazistas –, perdoar uma dor que não lhe pertence e que não tem como ser perdoada, divulgar a homenagem a um soldado alemão que serviu ao exército nazista, apresentando-o como “sobrevivente” de guerra. Um insulto à memória das vítimas e dos verdadeiros sobreviventes! Mas nós, que trazemos essas lembranças para que jamais esqueçamos a que ponto a humanidade pode chegar, também herdamos a esperança de que esses crimes não se repitam, seja com que população for. Por isso, é imperdoável que se deturpe, banalize ou minimize um dos maiores crimes da história em nome de um projeto de poder. E mesmo que tentem contar a história de outra maneira, não muda como ela aconteceu. Não deveria ser humano apoiar ou desejar extermínio, mais desumano ainda é planejar para que horrores desse tipo aconteçam. Por isso, precisamos lembrar para jamais esquecer. Honrar e respeitar as vítimas, os sobreviventes, aprender com a história e, acima de tudo, estarmos alertas para que não se repita. CLARISSE GOLDBERG é Psicóloga, integrante da Coordenação do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil.

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PLANEJAMENTO FINANCEIRO

Como planejar a aposentadoria pela Previdência oficial? por

Paulo Marostica

Face uma possível perda de poder aquisitivo para quem depende apenas do benefício do INSS e das incertezas econômicas, não é demais buscar alternativas de renda, como, por exemplo, previdência privada, aplicações em títulos públicos e rendas de aluguéis.

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omo faço para planejar minha aposentadoria pela previdência social? Devo começar a pagar pelo teto para melhorar minha renda de aposentadoria? Tenho 42 anos e trabalho registrada há 17 anos. Paulo Marostica, CFP®, responde, com a colaboração de Arlindo Marostica: Cara leitora, Respondendo à primeira pergunta, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), conhecido como INSS, os segurados classificam-se em: 1) obrigatórios (Art. 12 da Lei 8.212/93): são os indivíduos conceituados de empregado, empregado doméstico, contribuinte individual,

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trabalhador avulso e segurado especial, dos que a lei exige a participação no custeio da seguridade social, concedendo-lhes em contrapartida, desde que presentes os requisitos para a concessão, benefícios e serviços; 2) facultativos: aqueles que, não estando vinculados a nenhum regime previdenciário, seja o regime previdenciário próprio (estatutário) ou o regime geral (INSS), resolvem, de forma espontânea, se inscrever na Previdência Social e passam a contribuir mensalmente para fazer jus a benefícios e serviços. A leitora enquadra-se no grupo dos segurados obrigatórios, que representa a absoluta maioria dos segurados. A contribuição é compulsória, de 8%, 9% ou 11% dos seus ganhos. No atual RGPS, não há margem para planejar o valor do benefício que não poderá ser inferior ao salário mínimo, nem superior ao teto previdenciário, atualmente de R$ 5.839,45. Tendo em conta os seus 42 anos de idade e os 17 anos de trabalho com carteira assinada, respondemos sua segunda pergunta: Hoje, o cálculo do salário de benefício para o cidadão filiado ao INSS a partir de 29 de novembro de 1999, data de publicação da Lei nº 9.876, considera todo o período contributivo. Quando do cálculo da aposentadoria os salários de contribuição são integralmente corrigidos pelo INPC. A leitora somente poderá alcançar o benefício máximo (teto) se em seu período contributivo contar com, pelo menos, 80% de contribuições pelo teto. Entretanto, nos meses em que a remuneração sujeita à contribuição previdenciária não atingir o teto, o segurado somente poderá contribuir sobre o salário base auferido no respectivo mês, não podendo complementar o valor para atingir o teto. Já o segurado facultativo pode alternar mensalmente o valor de sua contribuição, podendo flutuar entre o piso (salário mínimo) e o teto. Atualmente, a leitora poderá requerer a aposentadoria por tempo de serviço ao completar 30 anos de contribuição, sujeita, porém, ao fator previdenciário. Projetando-se mais 13 anos, a leitora teria 30 anos de contribuição aos 55 de idade. Exemplo, aposentando-se aos 55 anos, o fator previdenciário seria 0,579. Significa que o fator previdenciário reduziria a chamada “Renda Mensal Inicial” (RMI) a ser paga em 42,10%. Ou seja, caso sua média ficasse em R$ 2.000, receberia R$ 1.158,00 brutos mensais. A atual regra 86/96 é progressiva. Em 2026, atingirá o topo da progressão: 90/100. Assim, para a leitora não ser afetada pelo fator previdenciário, somente deverá requerer sua aposentadoria por tempo de contribuição em 2035, quando, então, a soma da idade mais o tempo de contribuição totalizar, pelo menos, 90. Todo o exposto poderá ser modificado, pois a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) enviada ao Congresso pelo governo, se aprovada, promoverá alterações no atual sistema previdenciário. Face uma possível perda de poder aquisitivo para quem depende apenas do benefício do INSS e das incertezas econômicas, não é demais buscar alternativas de renda, como, por exemplo, previdência privada, aplicações em títulos públicos e rendas de aluguéis.

PAULO MAROSTICA é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros.

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GESTÃO DE ESCRITÓRIO

As joias do infinito do marketing Jurídico Camila Rodrigues

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por

Inicialmente você não terá todas as joias, mas elas serão encontradas e desenvolvidas durante a evolução de seu escritório através do marketing jurídico.

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omo o estrondoso sucesso dos filmes da Marvel, culminando agora com o eminente maior sucesso de bilheteria de todos os tempos (Vingadores: Ultimato), podemos ver algumas semelhanças com o cenário jurídico atual. Dentro do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), existiam seis singularidades que foram transformadas pelas entidades cósmicas Morte, Entropia, Infinito e Eternidade nas Joias do Infinito. Nomeadas como Realidade, Espaço, Mente, Poder, Tempo e Alma, cada uma delas concede um poder especifico ao seu portador e aquele que possuir as seis joias acopladas em uma unidade de contenção torna-se onipotente e onisciente. Teoricamente o maior poder do universo em uma única pessoa. Constituindo uma analogia ao Marketing Jurídico, podemos elencar a representação do poder de cada uma de suas joias da seguinte maneira:

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• Joia da Realidade: No decorrer de um projeto, quando os escritórios realmente encontram um grande desafio, passam por situações duras e nem sempre agradáveis, muitos acabam desistindo. Outros não se abalam, pois sabem que precisam passar essa fase para seu crescimento. Essa joia é representada pela Persistência e Comprometimento, pontos essenciais para seu crescimento. A Joia da Realidade do Marketing Jurídico é, portanto, transformar a realidade atual na realidade ideal pretendida. • Joia do Espaço: Espaço é um termo que vem do latim spatĭum e que admite várias acepções, onde a principal é a extensão ideal, sem limites, que contém todas as extensões finitas e todos os corpos ou objetos existentes ou possíveis. Essa joia seria a capacidade de olhar para onde todos estão olhando e achar a oportunidade que ninguém encontrou. A Joia do Espaço do Marketing Jurídico é, portanto, a estratégia de abrir o seu espaço próprio dentro de um mercado com competição acirrada. • Joia da Mente: Nosso pensamento é a base de nossas decisões. Como dizia Buda, “somos o que pensamos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo”. Controlar a mente e ter o seu mindset voltado para o sucesso é o caminho mais indicado para estimular os acontecimentos. A Joia da Mente do Marketing Jurídico é, portanto, voltar sua mente aos caminhos escolhidos, mesmo se eles derem trabalho extra. • Joia do Poder: Um líder pode ser chamado assim a partir do momento que sabe utilizar seu poder de liderança. Ele pode ser representado como o “pescoço” de seu escritório, que escolhe para qual lado deve movê-lo. É responsável por todos os resultados e deve aprender, por exemplo, a argumentar, a aconselhar, a convencer e a trazer resultados através de seus colaboradores. Se ele não souber utilizar seu poder de maneira adequada, a equipe e o escritório como um todo sofrem os prejuízos. A Joia do Poder do Marketing Jurídico é, portanto, saber liderar e ser o primeiro a dar os exemplos necessários à evolução da banca. • Joia do Tempo: O planejamento estratégico do tempo é uma ferramenta fundamental. O bom gerenciamento de tempo não significa trabalhar mais, mas, sim, trabalhar de forma mais inteligente. A Joia do Tempo do Marketing Jurídico é, portanto, adequar sua rotina diárias e atribuições para que as prioridades sejam trabalhadas adequadamente e com foco. • Joia da Alma: A vida para manter um escritório requer muito esforço, porém de nada adianta se você perde sua alma no processo. Trabalhar honestamente sempre é a única opção, mesmo que estejamos vivendo em um país onde a corrupção e assuntos “por baixo dos panos” sejam os mais executados. A Joia da Alma do Marketing Jurídico é, portanto, entender que nada vale mais a pena do que estar com sua mente e alma alinhado com seus ideais pessoais, mesmo que essa adequação te elimine de negócios mais obscuros e dinheiro “fácil”. Inicialmente você não terá todas as joias, mas elas serão encontradas e desenvolvidas durante a evolução de seu escritório através do marketing jurídico. Qual delas você já encontrou?

CAMILA RODRIGUES é analista de marketing do Grupo Inrise, formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Cruzeiro do Sul.

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VADE MECUM FORENSE

Contratação de soluções inovadoras pela administração pública: desafios e caminhos por

Pedro Ivo Peixoto

Os instrumentos jurídicos existentes devem ser manejados na direção da instrumentalidade procedimental para que a administração pública tenha, de imediato, ferramentas para maximizar suas entregas para sociedade e economizar recursos públicos.

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contratação de inovações pela administração pública é um tema cada vez mais pujante na administração pública. O avanço tecnológico dos últimos anos fez com o que o Estado enfrentasse desafios não apenas para exercer sua função regulatória, mas também para incorporar nas suas entregas à sociedade a eficiência que as inovações tecnológicas são capazes de prover. A rigidez da legislação e do controle sempre foram críticas comuns dos advogados e gestores que lidam com contratações públicas, e podese dizer que essas críticas aumentaram de intensidade na mesma proporção com que as inovações tecnológicas ofertavam soluções que a administração pública não conseguia interiorizar. Não é exagero afirmar que há um consenso na administração pública sobre a sua própria ineficiência em contratar o que o mercado de tecnologia tem a oferecer. A notícia boa é que esse consenso está motivando os gestores públicos e engajando-os para superar esse desafio. 20

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Vale destacar a existência de boas iniciativas governamentais que estudam mudanças nos textos legais que regem as compras públicas. Dada a importância e urgência da questão, é imperiosa a construção de caminhos mais céleres, visto que os processos de alterações legislativas são naturalmente complexos e demorados. Ademais, é importante que a adequação procedimental das contratações públicas esteja sob bases que possuam flexibilidade e agilidade para acompanhar o ritmo evolutivo do ecossistema de inovação. Nesse contexto, esse artigo pretende discorrer sobre soluções jurídicas capazes de viabilizar contratações de inovações pela administração pública com base na legislação atualmente existente. CONCEITO DE SOLUÇÕES INOVADORAS As soluções jurídicas aqui apresentadas serão baseadas no conceito de inovação previsto na Lei nº 10.973/2004, a chamada Lei da Inovação. A sustentação legal positiva é fundamental visto que há incessante discussão no mundo acadêmico e tecnológico sobre o conceito de inovação1, o que, se extrapolado para o âmbito das contratações públicas, pode aumentar ainda mais a insegurança jurídica do instituto e inviabilizá-lo em definitivo. Assim, o conceito de inovação proposto para sustentar as soluções jurídicas para as compras públicas é o previsto no inciso IV do art. 2º da Lei nº 10.973/2004: inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho.

Esse conceito atende adequadamente as necessidades a serem endereçadas pelos procedimentos licitatórios, pois ele comporta a “introdução da novidade ou aperfeiçoamento” tanto no âmbito interno quanto externo da administração pública. Assim, uma solução tecnológica que se enquadre no conceito citado pode ser considerada solução inovadora, independentemente de ser disruptiva ou incremental. Vale ressaltar que para as teses jurídicas de contratação de soluções inovadoras aqui propostas apenas o conceito de inovação será extraído da Lei nº 10.973/2004. Isso porque o foco desse estudo está estritamente no suprimento das necessidades da administração pública, ou seja, na contratação propriamente dita, e não no “incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo”, como é o propósito da Lei de Inovação. O PARADIGMA DA ESPECIFICAÇÃO: O PULO DO GATO Para viabilizar a contratação de soluções inovadoras por licitação é necessário mudar a abordagem do que talvez seja o paradigma mais solidificado no instituto das contratações administrativas: a especificação do objeto. Sabemos a complexidade do desafio que é propor uma reflexão sobre um instituto de tamanha sacralização, mas a necessidade de aprimoramento das compras públicas, agravada exponencialmente pelas crescentes perdas de oportunidade de revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE incremento da eficiência estatal em decorrência da obsolescência das ferramentas contratuais atuais, nos impele a encarar tabus teóricos para atualizar conceitos e institutos. É imperioso restabelecermos o protagonismo do princípio da instrumentalidade procedimental no campo das contratações públicas, para que o Princípio da Eficiência seja efetivamente materializado. Alexandre Santos Aragão2 defende uma abordagem sobre o Princípio da Eficiência focada na valorização do caráter finalístico da lei. Ao tratar sobre a relação entre a eficiência e a tecnicidade normativa, o eminente jurista deixa claro que o foco finalista deve prevalecer na busca pela materialização da eficiência: O dilema deve, ao nosso ver, ser resolvido, não pelo menosprezo da lei, mas pela valorização dos seus elementos finalísticos. É sob este prisma que as regras legais devem interpretadas e aplicadas, ou seja, todo ato, normativo ou concreto, só será válido ou validamente aplicado, se, ex vi do Princípio da Eficiência (art. 37, caput, CF), for a maneira mais eficiente ou, na impossibilidade de se definir esta, se for pelo menos uma maneira razoavelmente eficiente de realização dos objetivos fixados pelo ordenamento jurídico. O Princípio da Eficiência de forma alguma visa a mitigar ou a ponderar o Princípio da Legalidade, mas sim a embeber a legalidade de uma nova lógica, determinando a insurgência de uma legalidade finalística e material – dos resultados práticos alcançados –, e não mais uma legalidade meramente formal e abstrata. É desta maneira que a aplicação tout court das regras legais deve ser temperada, não apenas pela outrora propugnada eqüidade, mas pela realização das finalidades constitucionais e legais aplicáveis à espécie. (grifamos)

Merece destaque a fundamental ressalva do doutrinador sobre o prestígio ao Princípio da Legalidade, que, de maneira nenhuma, é ameaçado nessa abordagem finalística. A eficiência confere materialidade à legalidade na medida em que exige o efetivo alcance dos resultados almejados pela lei para sua adequação. Não se trata de descumprir a lei, mas apenas de, no processo de sua aplicação, prestigiar os seus objetivos maiores em relação à observância pura e simples de suas regras, cuja aplicação pode, em alguns casos concretos, se revelar antitética àqueles. Há uma espécie de hierarquia imprópria entre as meras regras contidas nas leis e os seus objetivos, de forma que a aplicação daquelas só se legitima enquanto constituir meio adequado à realização destes. (grifamos)

Essa lição de Alexandre Santos Aragão serve de alicerce para as ideias defendidas neste artigo, que propõe a aplicação da legislação vigente com foco nos resultados pretendidos pelo legislador. Nesse contexto, vale relembrar a finalidade de qualquer processo de contratação pública: satisfazer uma necessidade da administração pública e da sociedade. A sistemática normativa das licitações deve ser edificada e interpretada na direção desse vetor, que é perfeitamente conciliável com o vetor da governança, cuja ferramenta maior deve ser a transparência. As especificações técnicas são as protagonistas dos processos licitatórios, e esse papel precisa ser constantemente aprimorado para que as licitações sejam efetivamente capazes de satisfazer a necessidade que motivou a realização do certame. 22

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A sistemática legal das licitações sempre exigiu a especificação da solução pretendida pela administração, determinando, ainda, que ela deveria ser assertiva e detalhada. Essa é a lógica positivada na Lei nº 8.666/93, notadamente na definição de projeto básico prevista no inciso IX do art. 6º. A exaustividade e objetividade do projeto básico demandam da administração um enorme esforço na fase interna da licitação, e, para alcançá-las, é necessário que a administração gaste muito tempo e energia ($) pesquisando as soluções de mercado existente e objetivando-as num documento escrito. Na área de tecnologia esse cenário é crítico e normalmente leva a administração pública a dois caminhos: ou há um enorme investimento de dinheiro público (pesquisas, consultorias, servidores) para mapear e especificar boas soluções de TI ou há um enorme déficit de eficiência administrativa pela incapacidade do órgão de mapear e especificar o que o mercado pode lhe oferecer. Sob a ótica do Princípio da Eficiência e dos deveres estatais perante a sociedade, os dois caminhos são consideravelmente questionáveis. O binômio “inovações e licitações” é o ápice dessa encruzilhada, pois a complexidade e o dinamismo das soluções inovadoras devolvidas pelo mercado não são capturáveis com as tradicionais ferramentas jurídicas e operacionais dos processos licitatórios. A legislação e a jurisprudência que formam a sistemática normativa das licitações foram cunhadas em uma dimensão completamente diferente do ecossistema de inovação. Seus tempos, premissas e práticas são absolutamente distintas, o que impõe à administração pública um dever urgente de atualização para que o gap de eficiência entre o setor público e privado não cresça exponencialmente. Esse diagnóstico já é um consenso entre os gestores públicos e também entre os atores do mercado de inovação que possuem ou querem possuir relação contratual com o governo. Há iniciativas na administração pública para tentar se aproximar do ecossistema de inovação, que, como é da sua natureza, se mostra aberto e receptivo, mas, ao mesmo, intolerante a obsolescências, sejam nas ferramentas ou nas ideias. Uma recente iniciativa governamental que merece destaque positivo é o Marco Legal das Startups3, do qual tivemos a oportunidade de participar. Houve a participação colaborativa de diversas instituições públicas e privadas e o objetivo foi “identificar os gargalos que impedem a criação, crescimento, expansão dessas empresas e, com isso, propor melhorias normativas e também de mecanismos de estímulo às startups”. As melhorias normativas construídas foram submetidas à consulta pública, para, posteriormente, seguirem os caminhos institucionais. Neste artigo, pretendemos propor caminhos que independem de alterações legislativas e podem ser percorridos com base nas ferramentas jurídicas existentes na legislação atual. O “pulo do gato” para destravar as contratações de inovações pela administração pública nos parece estar numa mudança de paradigma das especificações técnicas. A sistemática legal e jurisprudencial que impõe especificações técnicas com alto grau de objetividade na descrição da solução pretendida torna a licitação incapaz de selecionar soluções inovadoras. Para viabilizar a contratação de soluções inovadoras, as especificações técnicas precisam expor o problema a ser resolvido e os resultados pretendidos. Deve ser redirecionado para a fase externa o esforço que hoje a administração faz na fase revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE interna da licitação: mapear o mercado, avaliar as soluções disponíveis e escolher a melhor solução. Além do tempo ($) gasto, esse exercício de especificação na fase interna culminará numa especificação provavelmente ultrapassada quando o edital for publicado, fora o provável risco de haver soluções melhores não mapeadas na fase interna, o que se torna cada vez mais inevitável diante do crescente dinamismo das inovações. Assim, um edital de licitação que especifique o problema e os resultados esperados com a contratação, e deixe o conhecimento e avaliação das soluções existentes no mercado para a fase externa é duplamente mais eficiente, por otimizar o esforço da fase interna e por aumentar exponencialmente a probabilidade de contratação da melhor solução disponível. Além dos benefícios econômicos, pode-se dizer que nessa sistemática há também um importante benefício intangível: maior transparência e participação social no processo de escolha da solução a ser contratada pela administração pública, visto que ela se dará num procedimento público e participativo. A lógica aqui defendida já é utilizada em alguns procedimentos realizados pela administração pública, muitos configurados como “desafios” (sob a modalidade concurso), destinados a identificar soluções inovadoras para problemas descritos no edital (a mais famosa dessas iniciativas foi o PitchGov do Governo de São Paulo). Em regra, esses procedimentos são exitosos na identificação de boas soluções, mas encontram muitas dificuldades para concretizar a contratação. A mudança de paradigma defendida neste é artigo é justamente para formatar um procedimento licitatório, nos moldes dos “desafios”, que de destine não apenas a identificar a melhor solução para o problema exposto no edital, mas, sobretudo, a contratá-la no mesmo certame. CAMINHOS PARA AS EMPRESAS ESTATAIS Com a edição da Lei nº 13.303/2016, as empresas estatais ganharam um valioso mandato legal para construir ferramentas jurídicas para enfrentar desafios mais complexos através dos seus procedimentos licitatórios: o regulamento de licitações. O art. 40 do Estatuto das Estatais positivou a legitimidade normativa dos regulamentos de licitações para regular importantes institutos dos procedimentos licitatórios. Além da legitimação desse espaço normativo, o legislador foi consideravelmente menos exaustivo quando comparado ao texto da Lei nº 8.666/93, o que, deliberadamente, exige que as estatais preencham lacunas procedimentais nos seus regulamentos internos. A junção da delegação legal expressa com o caráter não exaustivo da Lei nº 13.303/2016 concede ao regulamento de licitações das estatais um espaço legítimo para normatizações específicas e inovadoras, conforme ressalta Alexandre dos Santos Aragão4: O art. 40 do Estatuto atribui um relevante poder normativo às estatais (note-se: para as estatais, não para o Executivo central) para regulamentarem, ou seja, detalharem e interpretarem de forma geral e abstrata alguns dispositivos em seu âmbito. Essa regulamentação pelas próprias estatais já possuía um precedente no art. 119 da Lei nº 8.666/93, mas que não possuía maior relevância prática em razão da Lei nº 8.666/93 ser tão exaustiva que não deixava muito espaço para regulamentações.

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(...) Esse poder regulamentar das estatais pode legitimamente construir um espaço de inovação e potencialização das normas mais modernas trazidas pelo Estatuto. (grifamos)

Em recente dissertação de mestrado5, tivemos a oportunidade de analisar detalhadamente o regulamento de licitações de sete estatais federais (BASA, BB, BNB, BNDES, CEF, FINEP, PETROBRAS), com a finalidade de averiguar como elas preencheram esse espaço normativo. Foram analisados todos os artigos e parágrafos dos regulamentos de licitações dessas estatais, classificando-os de acordo com o seu conteúdo sob a seguinte grade: a) inovação: introdução de um conceito ou procedimento inédito na legislação federal; b) reafirmação: reforço normativo específico de um princípio, valor, conceito ou regra já incidente em decorrência da legislação; c) repetição legal: reprodução de texto oriundo de diploma legal inexoravelmente incidente sobre a estatal; d) importação legal: reprodução de texto oriundo de diploma legal não obrigatoriamente incidente sobre a estatal; e) procedimentalização: disposição regulamentar que visa disciplinar rotinas, fixar atribuições internas, descrever documentos, detalhar institutos previstos na legislação, ou qualquer outra finalidade de natureza procedimental, não inovadora. Os achados da pesquisa foram altos índices de repetição legal, de importação legal e de procedimentalização (que pode representar alta burocratização) e baixíssimos índices de inovação. A pesquisa permitiu a criação de uma matriz para consolidar a propensão à inovação das estatais e o índice de repetição legal dos seus regulamentos, que resultou na seguinte configuração: Figura 1 – Matriz de Inovações e Repetições

Fonte: elaboração própria

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VADE MECUM FORENSE Assim, podemos afirmar, no espectro teórico e empírico, que há um enorme espaço normativo a ser preenchido pelas estatais para regular seus procedimentos licitatórios endereçando seus desafios específicos. No Estatuto das Estatais, o legislador infraconstitucional acertadamente prestigiou os vetores expostos no § 1o do art. 173 da Constituição Federal e concedeu às estatais ferramentas jurídicas para aumentar sua eficiência e aproximar seus procedimentos das melhores práticas do mercado. Para não perdermos a tradição nacional de metáforas futebolísticas: a estatais estão com a bola, e na cara do gol. O REGULAMENTO DE LICITAÇÕES E SEUS CAMINHOS Para endereçar o desafio de contratação de soluções inovadoras pelas estatais, esse artigo buscará clarear os caminhos da trilha das licitações propriamente ditas, e não das contratações diretas. Apesar de muitas vezes a contratação por inexigibilidade se mostrar, sob o aspecto técnico e operacional, a decisão mais vantajosa para a solucionar o problema na mesa, os entraves jurídicos têm prevalecido nas tomadas de decisão, sobretudo pela baixa predisposição a assunção de riscos pelos gestores e seus advogados, causada, em grande parte, pelo medo dos órgãos de controle. Naturalmente, esse é um problema de extrema importância que deve ser massivamente debatido no campo do Direito e da Administração Pública, mas, justamente pela complexidade deste estado de coisas, buscaremos, nesse momento, propor caminhos que encontrem sustentação em institutos jurídicos já consolidados, e que permitem formatar uma licitação capaz de contratar soluções inovadoras. Reforçando: a Lei nº 13.303/2016 deliberadamente deixou relevante liberdade normativa para as Estatais, seja pela redação do seu art. 40 seja pela sua baixa exaustividade quando comparada à lei que veio substituir (Lei nº 8.666/93). Nesse contexto, entendemos que há no Estatuto das Estatais caminhos a serem percorridos que podem nos levar a construir ferramentas jurídicas e operacionais eficientes para contratar soluções inovadoras por licitação. Nessa premissa, para contratar soluções inovadoras, a estatal pode materializar o princípio da instrumentalidade procedimental das licitações e positivar no seu regulamento de licitações as disposições normativas mais eficientes para tanto. No nosso entendimento, esses caminhos estão na exploração da liberdade normativa da Estatais sob a lógica do ecossistema de inovação, com o qual a administração pública deseja e precisa se conectar. Entendemos que há bons caminhos jurídicos para as licitações destinadas a contratar soluções inovadoras no desenvolvimento normativo dos critérios de julgamento que foram positivados no art. 54 da Lei nº 13.303/2016 e não foram procedimentalmente exauridos no texto legal. Discorreremos também sobre o importante caminho das contratações atreladas ao objeto social das estatais e oportunidade de negócios (§ 3o do art. 28 da Lei nº 13.303/2016), que não se submetem ao regime jurídico das licitações e podem ser o meio mais eficiente para a solução do problema do dia. MELHOR TÉCNICA Diferentemente da Lei nº 8.666/93, o Estatuto das Estatais não regulou como deve ser o procedimento do critério de julgamento melhor técnica (art. 54, IV). 26

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Dessa forma, cabe ao regulamento de licitações editado pela estatal o estabelecimento dos seus ritos, juntamente com o edital do certame. O § 2o do art. 54 consolida as diretrizes a serem seguidas na licitação: § 2º Na hipótese de adoção dos critérios referidos nos incisos III, IV, V e VII do caput deste artigo, o julgamento das propostas será efetivado mediante o emprego de parâmetros específicos, definidos no instrumento convocatório, destinados a limitar a subjetividade do julgamento.

Vale destaque positivo para o reconhecimento que o legislador expressamente faz da existência de alguma subjetividade nos julgamentos. Ao exigir que haja “parâmetros específicos, definidos no instrumento convocatório destinados a limitar a subjetividade do julgamento”, o legislador obriga que o administrador defina previamente os critérios de julgamento e os divulgue no edital, para os concorrentes tenham conhecimento e seja “limitada” (e não eliminada) a subjetividade do julgamento. Outro dispositivo legal que regula o critério melhor técnica está no § 2o do art. 34 do Estatuto: Art. 34 (...) § 2º No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.

Juntamente com a estipulação do prazo de publicidade do edital (art. 39), essas são as únicas menções legais expressas sobre o critério de julgamento melhor técnica na Lei nº 13.303/2016. Ou seja, as estatais não precisam manter a lógica do tipo melhor técnica prevista na Lei nº 8.666/93. Elas podem, através do seu regulamento de licitações, estipular as regras procedimentais que mais se adequem às suas necessidades. O regulamento de licitações das estatais pode conter capítulo específico para a contratação de soluções inovadoras mediante o critério melhor técnica, em que seja positivada a lógica defendida neste artigo de focar na especificação do problema e dos resultados esperados e deixar que os concorrentes, durante o procedimento licitatório, ofertem suas soluções. Cumprindo o § 2o do art. 54 do Estatuto, os critérios de pontuação que a comissão utilizará deverão estar previamente estipulados no edital, e deverão ser construídos com base nos resultados esperados pela administração. Para viabilizar o Princípio da Isonomia, o edital deverá conter as informações necessárias para permitir que os resultados prometidos pelas diferentes soluções ofertadas possam ser comparados, sendo mandatório que a comissão justifique suas avaliações de maneira e objetiva. O regulamento de licitações pode permitir que o critério melhor técnica contrate a solução inovadora que obtiver a maior pontuação do certame, desde que o valor a ser pago esteja dentro do orçamento destinado para a contratação. Como dito, não há necessidade que as estatais sigam o procedimento do tipo melhor técnica previsto na Lei nº 8.666/93, em que é mandatório que a administração “negocie” com o licitante que detém a melhor técnica a redução do seu preço para o menor valor ofertado, e assim sucessivamente. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE A única exigência legal em relação ao valor a ser contratado que o regulamento de licitações deve respeitar é o cumprimento ao § 2o do art. 34 e, para tanto, basta que o edital divulgue o valor máximo a ser pago pela administração ou as bases da remuneração do contratado, o que pode ser aplicável nos casos em que a remuneração variar em função do seu desempenho (art. 45). Nesse tocante, como as soluções serão conhecidas e avaliadas na fase externa da licitação, pode ainda o regulamento de licitações permitir que a pesquisa de mercado seja finalizada no curso do certame. Essa postergação pode ser necessária para que a administração tenha meios suficientes para assegurar a vantajosidade da contratação, pois como no certame terão soluções diferentes competindo, somente após a definição da que melhor atende à necessidade exposta é que a pesquisa de mercado pode se feita com precisão. O art. 57 da Lei nº 13.303/20166 determina a negociação de condições mais vantajosas com o vencedor do certame, o que vai ao encontro da sistemática aqui defendida. Relembre-se que a pesquisa de mercado é um instrumento para assegurar que o valor a ser pago pela administração esteja adequado aos parâmetros de mercado, e, por isso, não há qualquer prejuízo que ela seja depurada na fase externa da licitação (desde que seja antes da assinatura do contrato). Esse procedimento também não gera prejuízo à isonomia, uma vez que na melhor técnica o valor ofertado não é parâmetro definidor da competição. Naturalmente, a administração pode estipular livremente como se dará a avaliação das soluções no curso do certame, desde que respeite a isonomia e divulgue os critérios de avaliação previamente, podendo ser exigida a realização de testes, protótipos e/ou provas de conceito. Em resumo, o regulamento de licitações das estatais pode prever que para a contratação de soluções inovadoras pode ser utilizado o critério de julgamento melhor técnica, com os seguintes contornos: a) especificações técnicas focadas no problema que motivou a licitação e nos resultados esperados com a contratação. b) edital com critérios de avaliação que permitam a comparação de diferentes soluções. c) parâmetros de remuneração (valor máximo e/ou critérios). d) possibilidade de finalização da pesquisa de mercado no curso do certame (após a definição da melhor solução). e) obrigatoriedade de julgamento justificado por comissão. f) possibilidade de realização de fase de testes e/ou provas de conceito na fase externa do certame, mediante critérios previamente definidos (que podem ser custeadas pela administração). g) possibilidade de contratação do licitante que ofertar a melhor solução, independentemente da ponderação de preços com outros concorrentes, desde que o seu preço esteja dentro dos parâmetros estipulados pela administração e adequado aos valores de mercado (o que pode ser aferido no curso da licitação). TÉCNICA E PREÇO Assim como na melhor técnica, as estatais têm ampla liberdade para normatizar em seus regulamentos de licitação a contratação de soluções inovadoras pelo critério técnica e preço (art. 54, III), pois a Lei nº 13.303/2016 também foi pouco 28

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exaustiva em relação ao seu procedimento, deixando para o regulamento a estipulação das suas possibilidades e limites. No nosso entendimento, as mesmas considerações feitas no tópico acima para as licitações pelo critério melhor técnica aplicam-se às licitações cujo critério for a combinação de técnica e preço, excepcionando apenas o que a Lei nº 13.303/2016 discorreu expressamente (como, por exemplo, o limite de 70% para o critério mais relevante – art. 54, § 5º). Para as contratações de soluções inovadoras, a decisão pela utilização do critério melhor técnica ou técnica e preço deverá ser balizada pela existência de vantagem para administração em ponderar a nota técnica da solução com o seu custo. Há casos em que essa ponderação pode ser mostrar pouco vantajosa para a administração, pois a avaliação do custo deve levar em conta não apenas o valor a ser pago pelo contratado, mas também outros impactos para o contratante, como economia de recursos, otimização de pessoal, ou até mesmo outros que podem ter valor econômico intangível (como, por exemplo, imagem institucional). Assim, caso a administração entenda que a solução do seu problema comporte adequadamente uma ponderação de técnica e preço, ela poderá valer-se de uma licitação com esse critério de julgamento para avaliar as soluções inovadoras que se apresentarem no certame. Reforça-se, nesses casos, a necessidade da construção de parâmetros de avaliação a serem utilizados pela comissão que comportem um racional de “custo x benefício”, mas que assegurem que as soluções bem pontuadas no certame sejam capazes de satisfazer adequadamente a necessidade da administração. Para tanto, assim como no critério melhor técnica, devem ser construídos critérios eliminatórios qualitativos, pois a administração pública não pode correr o risco de ver sagrar-se vencedora do certame uma solução cuja qualidade não seja satisfatória mas que, pelo baixo custo, tenha sido a melhor classificada na ponderação da técnica com o preço. Em resumo, o regulamento de licitações das estatais pode prever que para a contratação de soluções inovadoras pode ser utilizado como critério de julgamento a melhor combinação de técnica e preço, com os seguintes contornos: a) especificações técnicas focadas no problema que motivou a licitação e nos resultados esperados com a contratação; b) edital com critérios de avaliação que permitam a comparação de diferentes soluções e ponderação custo x benefício; c) critérios técnicos eliminatórios, para impedir que a ponderação com o preço torne vencedora uma solução que não resolva adequadamente o problema; d) parâmetros de remuneração (valor máximo e/ou critérios). e) possibilidade de finalização da pesquisa de mercado no curso do certame (após a definição da melhor solução); f) obrigatoriedade de julgamento justificado por comissão. g) possibilidade de realização de fase de testes e/ou provas de conceito na fase externa do certame, mediante critérios previamente definidos (que podem ser custeados pela administração). MAIOR RETORNO ECONÔMICO Outro caminho que a Lei nº 13.303/2016 abre para a contratação de soluções inovadoras pelas estatais é a utilização do critério maior retorno econômico (art. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE 54, VII), que será cabível quando a avaliação da solução inovadora mais adequada para resolver o problema puder ser objetivada exclusivamente na vantagem financeira a ser proporcionada. O § 2º do art. 54 também incide sobre esse critério de julgamento, determinando que o julgamento das propostas seja “efetivado mediante o emprego de parâmetros específicos, definidos no instrumento convocatório, destinados a limitar a subjetividade do julgamento”. O cabimento do critério maior retorno econômico é positivado no § 6º do art. 54, nos seguintes termos: Art. 54 § 2º Quando for utilizado o critério referido no inciso VII do caput, os lances ou propostas terão o objetivo de proporcionar economia à empresa pública ou à sociedade de economia mista, por meio da redução de suas despesas correntes, remunerando-se o licitante vencedor com base em percentual da economia de recursos gerada.

Nesse caso, é necessário que o edital exponha as informações e premissas para que os concorrentes façam suas propostas sob as mesmas bases e, com isso, possam ter suas soluções comparáveis de maneira objetiva. A lei diz expressamente que o contratado se vincula com a oferta de economia que fizer no certame, e, caso não a gere, deverá arcar com a diferença ou até mesmo ser penalizado, nos termos do art. 79: Art. 79. Na hipótese do § 6º do art. 54, quando não for gerada a economia prevista no lance ou proposta, a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida será descontada da remuneração do contratado. Parágrafo único. Se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior à remuneração do contratado, será aplicada a sanção prevista no contrato, nos termos do inciso VI do caput do art. 69 desta Lei.

Nesse ponto, vale ressaltar o cuidado que a administração deve ter para alocar objetivamente os riscos da relação contratual. O art. 79 é claro ao alocar no contratado o risco de performance da sua solução, mas é possível que existam variáveis que independam da sua atuação, ou mesmo que dependam exclusivamente de condutas ou condições a serem proporcionadas pela administração, o que pode relativizar a alocação integral do risco no contratado. Por isso, a matriz de riscos (art. 69, X) dessas contratações deve ser bastante objetiva e abrangente. Em resumo, o regulamento de licitações das estatais pode prever que para a contratação de soluções inovadoras pode ser utilizado o critério de julgamento maior retorno econômico, com os seguintes contornos: a) especificações técnicas focadas no problema que motivou a licitação e nos resultados esperados com a contratação; b) edital com informações e parâmetros que permitam a comparação de diferentes soluções com base na economia financeira por elas prometida; c) possibilidade de finalização da pesquisa de mercado no curso do certame (após a definição da melhor solução); d) obrigatoriedade de julgamento justificado por comissão; 30

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e) possibilidade de realização de fase de testes e/ou provas de conceito na fase externa do certame, mediante critérios previamente definidos (que podem ser custeados pela administração); f) matriz de risco abrangente que aborde as variáveis da relação contratual a aloque objetivamente as respectivas responsabilidades. CONTRATAÇÃO RELACIONADA AO DESEMPENHO DA ATIVIDADE SOCIAL E/ OU OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO Outro importante caminho que o legislador pavimentou para o incremento da eficiência das empresas estatais está contido no § 3º do art. 28 da Lei nº 13.303/2016, que afasta a incidência do regime jurídico de licitação para os casos em que a estatal esteja executando atividade prevista em seu objeto social ou esteja concretizando oportunidades de negócio, nos seguintes termos: § 3º São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo nas seguintes situações: I – comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais; II – nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.

O legislador agiu na direção da segurança jurídica para clarear o incessante debate “atividade-fim x atividade-meio” incrementando-o com a referência expressa ao objeto social das estatais e com a definição do que seriam oportunidades de negócio, nos termos do § 4º: § 4º Consideram-se oportunidades de negócio a que se refere o inciso II do § 3º a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.

Assim, as contratações que forem enquadradas no § 3º do art. 28 não se submetem ao regime licitatório, o que as coloca numa sistemática jurídica diferente das contratações diretas (inexigibilidade ou dispensa de licitação) e as posiciona no regime jurídico de direito privado, por estarem na esfera de atuação mercadológica das empresas públicas. Por serem integrantes da administração pública, os princípios que sobre ela incidem também deverão ser aplicados a esses contratos, sem que isso retire a contratação do âmbito do direito privado e da lógica de mercado. O jurista Alexandre dos Santos Aragão (2018, p. 228) defende que a ausência de licitação se aplicará a todo e qualquer contrato estrategicamente relevante para a estatal em um mercado competitivo, e cita outros importantes juristas que também se posicionam no sentido do afastamento do regime jurídico das licitações para os casos em que haja incompatibilidade entre o regime licitatório e a finalidade da contratação no âmbito da atividade competitiva desenvolvida pela estatal. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE Os juristas citados por Aragão que comungam desse entendimento são Floriano de Azevedo Marques Neto, Carolina Barros Fidalgo, Carlos Ari Sundfeld, Rodrigo Pagani de Souza e José Vicente Santos de Mendonça. O Tribunal de Contas da União já teve a oportunidade de se manifestar sobre esse dispositivo do Estatuto das Estatais, e deve-se elogiar sua atuação em prestígio à eficiência perseguida pelo legislador. No Acórdão 2488/2018 o TCU estipulou requisitos para o enquadramento da contratação no inciso II do § 3º, nos seguintes termos: São requisitos para a contratação direta de empresa parceira com fundamento no art. 28, § 3º, inciso II, da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais): a) avença obrigatoriamente relacionada com o desempenho de atribuições inerentes aos respectivos objetos sociais das empresas envolvidas; b) configuração de oportunidade de negócio, o qual pode ser estabelecido por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do art. 28, § 4º, da Lei das Estatais; c) demonstração da vantagem comercial para a estatal; d) comprovação, pelo administrador público, de que o parceiro escolhido apresenta condições que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado; e e) demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo, servindo a esse propósito, por exemplo, a pertinência e a compatibilidade de projetos de longo prazo, a comunhão de filosofias empresariais, a complementariedade das necessidades e a ausência de interesses conflitantes.

Vale destacar que os requisitos estipulados pela Corte de Contas não limitam a abrangência do dispositivo legal, e estão em consonância com a doutrina especializada, conforme citado acima. O TCU também possui jurisprudência específica sobre o inciso I do § 3º do art. 28 do Estatuto das Estatais. O Acórdão 2033/2017 reconheceu a inaplicabilidade do regime licitatório para contratações relacionadas à prestação de serviços relacionados ao objeto social das estatais, mas reforçou a necessidade de respeito à isonomia, impessoalidade e transparência, em decorrência da incidência dos princípios que regem a administração pública: Embora as empresas estatais estejam dispensadas de licitar a prestação de serviços relacionados com seus respectivos objetos sociais (art. 28, § 3º, inciso I, da Lei nº 13.303/2016), devem conferir lisura e transparência a essas contratações, em atenção aos princípios que regem a atuação da Administração Pública, selecionando seus parceiros por meio de processo competitivo, isonômico, impessoal e transparente.

Nesse contexto, as lições dos doutrinadores aqui trazida e a jurisprudência do TCU nos levam à pavimentação de mais um caminho para a contratação de soluções inovadoras pela administração pública: contratação fundamentada no inciso I e/ou II do § 3º do art. 28 da Lei nº 13.303/2016 precedida de procedimento de seleção. Vale ressaltar que sobre essas contratações não incide o regime jurídico que rege as licitações, mas sim o que rege as relações do mercado em que a estatal se insere. 32

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Nos casos em que a estatal entender que o problema por ela enfrentado a conduzirá para uma contratação passível de ser enquadrada em algum dos incisos do § 3º do art. 28 do Estatuto, ela poderá publicar edital que estipule o procedimento seletivo que justificará a escolha da melhor solução inovadora. Vale ressaltar que esse edital instrumentaliza uma chamada pública, destinada a conferir publicidade e isonomia ao processo seletivo, e não um processo licitatório. Nesse enquadramento jurídico, a estatal poderá no seu edital especificar o problema por ela enfrentado e os critérios para avaliar a melhor solução inovadora. Assim como defendemos nos casos em que será cabível um procedimento licitatório, por se tratar de uma contratação de solução inovadora, a estatal poderá focar suas especificações na descrição do problema e nos resultados esperados, deixando a escolha da solução para ser materializada no curso do processo seletivo, por meio de critérios previamente definidos e julgamento justificado da comissão. Reforçamos que essa nos parece ser a estratégia de contratação mais eficiente para a obtenção de soluções inovadoras. Podemos configurar um exemplo para ilustrar melhor essa hipótese: uma estatal do setor bancário pretende valer-se de solução digital para maximizar a oferta de crédito a potenciais clientes por meio de fintechs que se remunerem por comissões nas operações que realizar. Enquadrada possivelmente nos dois incisos do § 3º do art. 28 da Lei nº 13.303/2016, a estatal poderia lançar edital de chamada pública para selecionar a solução que se mostrar mais eficiente segundo os critérios expostos, e firmar com um ou mais concorrentes contratos privados. As regras do processo seletivo baseado no § 3º do art. 28 do Estatuto são de livre estipulação pela estatal, que só deve reverência aos princípios que regem a administração pública (e não às regras de licitação do Estatuto), e devem materializar o procedimento mais adequado para maximizar a eficiência da respectiva atividade empresarial. Por não estarem sujeitas ao regime licitatório, essas contratações prescindem da existência de regulamento prévio, podendo seus critérios serem estabelecidos no caso concreto pela alçada decisória competente. FASES DE TESTES E PROVAS DE CONCEITO Tanto nos procedimentos licitatórios, em todos os critérios de julgamento, quanto nas contratações enquadradas no § 3º do art. 28 do Estatuto, o edital pode estipular a realização de testes e provas de conceito para embasar a escolha da solução vencedora. A Lei nº 13.303/2016 não possui qualquer vedação quanto a esse ponto e o regulamento de licitações juntamente com o edital podem estipular livremente esses procedimentos. Como o objetivo é viabilizar a contratação de soluções inovadoras, vale registrar a necessidade de sensibilidade quanto a uma possível restrição de competividade em decorrência dos custos com os testes ou prova de conceito, haja vista o porte da maioria das empresas desse mercado. O ecossistema de inovação é maciçamente formado por startups, que muitas vezes estão no início da sua vida empresarial e ainda não possuem folego financeiro para suportar uma fase de testes ou prova de conceito. Por isso, quando se mostrar necessária para a avaliação da solução, a fase de testes ou a prova de conceito pode ser custeada pela própria administração pública, que estará maximizando a competitividade e investindo na obtenção da solução mais eficiente para solucionar seu problema. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE O Tribunal de Contas da União possui entendimento no mesmo sentido: Provas de conceito não devem ser utilizadas na fase interna da licitação (planejamento da contratação), uma vez que não se prestam a escolher solução de TI e a elaborar requisitos técnicos, mas a avaliar, na fase externa, se a ferramenta ofertada no certame atende às especificações técnicas definidas no projeto básico ou no termo de referência.(Acórdão 2059/2017- Plenário).

Outra solução viável para as provas de conceito é colocá-las como uma etapa do contrato e estabelecer as metas de desempenho que, caso não alcançadas, poderão ensejar a rescisão contratual pela administração. A Lei nº 13.303/2016 foi expressa ao estabelecer que os contratos são regidos pelas regras de direito privado (art. 68), e tornou necessária a estipulação das causas de rescisão (art. 69, VII), que podem conter condições de performance da prova de conceito. ERRAR É PRECISO (MAS COLOQUE NA MATRIZ DE RISCOS) Por estarmos no campo das soluções inovadoras, há a presença natural e inafastável de incertezas, sejam nos quesitos relacionados ao desempenho técnico da solução quanto econômico da empresa. O ambiente de inovação lida muito bem com essas incertezas ao ponto de considerarem o erro uma etapa absolutamente natural e positiva para o processo. O lema que rege o ecossistema de inovação é “erre o mais rápido possível”, pois o que interessa é aprender com o erro, e rápido. É uma lógica incompatível com a cultura vigente na administração pública. Para se conectar com o ecossistema de inovação, a administração pública precisa atualizar seus aplicativos culturais e institucionais, sob pena de ficar de fora das novas tecnologias e aumentar exponencialmente o gap de eficiência entre o setor público e o privado. Nesse contexto, uma necessidade premente é naturalizar o erro, inclusive nas contratações públicas. O erro é natural em qualquer atividade humana, sobretudo nas inovações. Para promover essa mudança cultural, a interação com os atores do ecossistema de inovação e com os órgãos de controle é fundamental. A Lei nº 13.303/2016 conferiu às estatais mais uma eficaz ferramenta para ser usada nas contratações de soluções inovadoras: a matriz de riscos. Definida no inciso X do art. 42, ela deve conter os elementos que vão nortear a resolução de incertezas e problemas no curso das contratações: X – matriz de riscos: cláusula contratual definidora de riscos e responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação, contendo, no mínimo, as seguintes informações: a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato, impactantes no equilíbrio econômico-financeiro da avença, e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo quando de sua ocorrência; b) estabelecimento preciso das frações do objeto em que haverá liberdade das contratadas para inovar em soluções metodológicas ou tecnológicas, em obrigações de resultado, em termos de modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto básico da licitação;

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c) estabelecimento preciso das frações do objeto em que não haverá liberdade das contratadas para inovar em soluções metodológicas ou tecnológicas, em obrigações de meio, devendo haver obrigação de identidade entre a execução e a solução pré-definida no anteprojeto ou no projeto básico da licitação.

A matriz de riscos deve ser a ferramenta jurídica que internaliza nas contratações públicas as incertezas inerentes às inovações. Como a única saída para afastar totalmente os riscos inerentes às soluções inovadoras é não contratá-las (e isso não nos parece uma opção), é necessário que a matriz de riscos seja utilizada para que haja adequada alocação de responsabilidades e aumente a segurança jurídica. HABILITAÇÃO Outro ponto de atenção para as contratações de soluções inovadoras é em relação às exigências de habilitação estabelecidas pelas estatais nas suas licitações. Como o ecossistema de inovações é formado em grande parte por startups, é necessário que as exigências habilitatórias sejam calibradas para que inviabilizem a participação daquelas que possuam boas soluções inovadoras mas não preencham as condições usualmente exigidas nos procedimentos licitatórios. As exigências habilitatórias são ferramentas para conferir segurança e eficiência à contratação, e, caso sejam estabelecidas com rigor excessivo perante o mercado alvo da licitação, se tornarão instrumentos de ineficiência por impedir a obtenção da melhor solução pela administração. No caso das estatais, essa calibração pode ser feita de forma bastante flexível, visto que o art. 58 do Estatuto deixou enorme margem para customização das exigências habilitatórias, nos seguintes termos: Art. 58. A habilitação será apreciada exclusivamente a partir dos seguintes parâmetros: I – exigência da apresentação de documentos aptos a comprovar a possibilidade da aquisição de direitos e da contração de obrigações por parte do licitante; II – qualificação técnica, restrita a parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes, de acordo com parâmetros estabelecidos de forma expressa no instrumento convocatório; III – capacidade econômica e financeira; IV – recolhimento de quantia a título de adiantamento, tratando-se de licitações em que se utilize como critério de julgamento a maior oferta de preço.

Alguns comentários são importantes para ressaltar a inteligência da lei ao deixar ampla margem de flexibilidade para as estatais. O inciso I, que faz as vezes de habilitação jurídica, é suficientemente claro para que a administração possa customizar exigências compatíveis com o mercado de inovação e com a realidade das startups. A lei fez questão de não exigir o tradicional “estatuto social devidamente registrado”, limitando-se a exigir que o licitante demonstre legitimidade jurídica para ofertar sua proposta no certame. Assim, é perfeitamente possível, ou melhor, recomendado, que nas contratações que se destinem a acessar o mercado de inovação, o edital permita que os licitantes participem do certame comprovando apenas a legitimidade jurídica para ali estarem, e que sejam postergadas para a assinatura do contrato, ou até mesmo para um momento posterior à assinatura, as formalidades definitivas. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE A habilitação técnica, prevista no inciso II, também permite que a administração calibre livremente as exigências do edital para acessar de forma eficaz o mercado de inovação. Para tanto, é preciso abandonar a lógica ultrapassada de exigir “atestados de capacidade técnica”, sob pena de inviabilizar totalmente a participação de startups nos certames. A lei fala apenas em “qualificação técnica”, que pode ser demonstrada de diversas maneiras, sendo talvez a mais eficiente delas a realização de testes, amostras e provas de conceito. As startups se caracterizam pela alta capacidade técnica dos seus integrantes e pela alta valorização da confiança mercadológica, mas também pelo pouco tempo de existência e pela aversão a formalismos. A exigência de atestados de capacidade técnica é pratica incompatível com a contratação de soluções inovadoras. É imperioso que as estatais exerçam a liberdade que lei as conferiu e se conectem com a lógica do ecossistema de inovação. Sobre a capacidade econômico-financeira recai a mesma necessidade de adequação procedimental. A lei for extremamente flexível e deixou para a estatal total liberdade para estipular as exigências editalícias. Aqui também recai a necessidade de atualizar o roteiro cristalizado da Lei 8.666/93: balanço patrimonial do último exercício social, certidão negativa, índices contábeis, garantia, etc. Repetir essas exigências é o caminho certo para inviabilizar a obtenção de uma solução inovadora numa licitação. As estatais precisam utilizar a liberdade legal e exigir o estritamente necessário para a participação no certame, inclusive permitindo que exigências sejam cumpridas pelos sócios, caso a empresa ainda não esteja totalmente constituída. Vale ressaltar que a redação do art. 58 determina que a habilitação será apreciada exclusivamente por esses parâmetros, o que reforça a obrigação da estatal de abster-se de exigir condições rigorosas demais. Para o mercado de inovação, a lógica que deve reger as licitações deve ser de flexibilização das condições de habilitação e possibilidade de postergação comprovações definitivas para o momento de assinatura do contrato, ou mesmo para um momento posterior. Somente com essa sensibilidade a administração estará se alinhando com o ecossistema de inovação, sobretudo por tornar as licitações uma possibilidade de impulsionar programas de aceleração e de conferir tração para as startups. GARANTIA CONTRATUAL – ESCALONAMENTO OU DISPENSA Outro ponto usualmente citado pelas startups como grande entrave nas licitações é a exigência de garantia contratual, o que a lei diz ser discricionariedade do gestor mas que na prática é quase uma cláusula pétrea dos editais de licitação. Como o objetivo da garantia é cobrir eventuais multas ou danos na execução contratual, os gestores se sentem inseguros de abrir mão da exigência de garantia, mesmo reconhecendo que muitas vezes elas apenas encarecem as contratações e não garantem uma indenização satisfatória. Nas licitações destinadas a contratar soluções inovadoras essa exigência pode restringir excessivamente a competividade e impedir que a administração obtenha a melhor solução para o seu problema. Isso porque é característico das startups a pouca maturidade econômica, que as impede de conseguir uma fiança bancária ou dispor de uma quantia significativa para depositar como caução. Nesse contexto, mais uma vez, é necessário que os gestores e seus advogados utilizem a liberdade normativa da lei para adequarem seus procedimentos licitatórios ao mercado que pretendem atingir. O art. 70 do Estatuto diz que “poderá” ser exigida 36

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garantia, e o seu § 2º diz que ela “não excederá a 5% do valor do contrato”. Isso quer dizer que a administração pode pedir qualquer percentual abaixo de 5, inclusive zero. Dessa forma, como no Direito prevalece a máxima “quem pode o mais, pode o menos”, é perfeitamente possível que o edital exija um percentual menor do que 5%, e mais, é possível ainda que o percentual exigido seja depositado de forma escalonada pelo contratado, mediante o depósito de determinada fração do seu fluxo de pagamentos. Ou seja, o contrato pode prever que um percentual da fatura seja retido pelo contratante para compor a caução destinada à garantia contratual, pelo período de tempo necessário para integralizá-la. Essa sistemática compatibiliza a exigência de garantia pelos gestores com as possibilidades das startups, levando para a administração os efeitos positivos decorrentes do aumento de soluções inovadoras ofertadas no certame e, possivelmente, da diminuição dos valores das propostas dos concorrentes, pois o custo financeiro das garantias é naturalmente embutido no preço dado pelos licitantes. CAMINHOS PARA A ADMINISTRAÇÃO DIRETA A administração direta não possui a mesma flexibilidade normativa das empresas estatais, mas nem por isso não há caminhos que permitam a contratação de soluções inovadoras nos mesmos moldes defendidos para as estatais. A seguir, discorreremos brevemente sobre algumas teses que entendemos poder prover sustentação jurídica para procedimentos promovidos pela administração direta com a mesma lógica defendida neste artigo: especificar o problema a ser solucionado, e não a solução a ser contratada. REGULAMENTAÇÃO POR LEI: ESTADOS E MUNICÍPIOS A incidência normativa da Lei nº 8.666/93 varia de intensidade para os diferentes entes normativos. O inciso XXVII do art. 22 da Constituição Federal diz que compete à União legislar sobre “normas gerais de licitação”, o que deixa para Estados e Municípios liberdade normativa para estipularem “normas específicas”. A definição do que na Lei nº 8.666/93 é norma geral ou norma específica é bastante dinâmica no mundo jurídico. O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão algumas vezes7 e a doutrina jurídica possui vasta produção sobre o assunto8. Para este artigo, consideraremos que as soluções jurídicas aqui defendidas encontramse na esfera de liberdade normativa dos Estados e Municípios dentro do conceito de “norma específica”, entendimento que, na nossa visão, está em consonância com a jurisprudência do STF e com a doutrina referenciada. Nessa premissa, entendemos que os Estados e Municípios podem editar leis instituindo os mesmos procedimentos defendidos neste artigo no tópico relativo às empresas estatais. A sistemática aqui defendida de mudar o foco das especificações técnicas da solução para o problema está dentro da legitimidade normativa dos Estados e Municípios, assim como a sistemática procedimental dos tipos “melhor técnica” e “técnica e preço”. ADMINISTRAÇÃO DIRETA No âmbito da União Federal, a Lei nº 8.666/93 estabelece normas gerais e específicas, o que faz ser necessária lei federal para normatização legal diferente. A sua revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE definição de projeto básico e a sistemática normativa dos tipos “melhor técnica” e “técnica e preço” (art. 46) inviabilizam juridicamente a adoção das soluções deste artigo. O mesmo entendimento vale para os demais entes federativos que não possuam normatização legal diversa. Vale relembrar a definição de projeto básico contida no art. 6o: IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos: a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza; b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem; c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso; f ) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;

A Lei nº 8.666/93 torna o projeto básico, nos termos dessa definição, elemento obrigatório para as licitações, conforme disposições do art. 7o e art. 40. Como defendido neste artigo, o projeto básico exigido pela Lei nº 8.666/93 é uma ferramenta incapaz de viabilizar a contratação de soluções inovadoras, o que é agravado pela sistemática procedimental dos arts. 45 e 46 (melhor técnica e técnica e preço). Essa incompatibilidade entre os institutos legais e a contratação de uma solução inovadora por licitação é uma premissa cuja fundamentação é eminentemente técnica (e não jurídica), e é corroborada de forma unânime por todos os integrantes do ecossistema de inovação. Dessa forma, pode-se dizer que a administração direta não possui institutos jurídicos capazes de viabilizar a contratação de soluções inovadoras por meio de licitação. A modalidade concurso, prevista na Lei nº 8.666/93, não se destina a contratação propriamente dita de serviços ou de soluções de tecnologia. É comum a promoção de concursos para a identificação de soluções inovadoras para problemas enfrentados pela administração, mas seus instrumentos de incentivo basicamente se limitam a premiações e não viabilizam a assinatura do contrato. Na maioria das vezes, ao final do concurso, a administração se vê diante de outro problema: como contratar a solução premiada? A energia ($) gasta para solucionar esse dilema, junto com a provável realização de outro procedimento 38

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seletivo (e suas incertezas intrínsecas) e com a perda de oportunidades de contratação, não nos parece aproximar a administração pública do Princípio da Eficiência. Assim, entendemos que a administração direta possui fundamentação técnica e jurídica para sustentar a inexigibilidade de licitação como o único caminho possível para a contratação de soluções inovadoras. O art. 25 da Lei nº 8.666/93 diz a licitação é inexigível quando houver inviabilidade de competição, o que ocorre diante das regras de competição definidas pela própria lei. Contudo, considerar que é inviável a competição nos termos da Lei nº 8.666/93 não significa dizer que é inviável a competição sob outros parâmetros procedimentais que também observem os princípios da administração pública. Para a contratação de soluções inovadoras, o procedimento seletivo deve focar na especificação do problema, para permitir que todas as soluções capazes de resolvê-lo possam ser ofertadas e julgadas no procedimento e por não exigir que a administração gaste muita energia tentando mapear as soluções disponíveis no mercado para incluí-las nas suas especificações técnica, o que, diante da complexidade do ecossistema de inovação, é um exercício de distanciamento da eficiência. Assim, diante da sistemática legal da Lei nº 8.666/93, consideramos que a contratação de soluções inovadoras pela administração direta pode ser enquadrada como uma inexigibilidade de licitação, que, para respeitar os princípios da administração pública, deve, em regra, ser precedida de procedimento seletivo público e impessoal. Este procedimento deve especificar o problema que a administração objetiva resolver e os resultados por ela esperados, para que as soluções inovadoras ofertadas sejam analisadas e comparadas através de critérios previamente definidos, por comissão que detenha conhecimento técnico para tanto. INEXIGIBILIDADE + PROCEDIMENTO SELETIVO: SEGURANÇA JURÍDICA Para viabilizar a tese aqui defendida para a administração direta, é necessário conferir segurança jurídica para os gestores públicos, haja vista que a realização de uma inexigibilidade de licitação é um procedimento que os expõe consideravelmente, sobretudo pela atuação cada vez mais rigorosa dos órgãos de controle. Dessa forma, como a inexigibilidade para a contratação de soluções inovadoras é estrutural, ou seja, decorre da incompatibilidade dos procedimentos da Lei nº 8.666/93 com as características intrínseca das inovações e, portanto, pode ser declarada para todas as contratações que demandem soluções inovadoras, entendemos que o tratamento jurídico mais seguro é o enquadramento pelo chefe do poder executivo, mediante decreto ou parecer jurídico vinculante da sua procuradoria. Ao chefe do poder executivo cabe exercer a direção superior da administração direta (art. 84, II, CRFB/88), o que o legitima para reconhecer a ineficiência causada pela impossibilidade de contratação de soluções inovadoras por licitação e determinar a observância de procedimento seletivo capaz de viabilizar essas contratações, sempre com respeito aos princípios da administração pública. Como defendido neste artigo, é necessária a estipulação de procedimento seletivo que foque na especificação do problema e deixe a escolha da melhor solução para o momento do julgamento das propostas ofertadas, sempre com base em critérios previamente definidos e mediante justificativa expressa dos membros da comissão. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VADE MECUM FORENSE Até que haja instrumentos legais que permitam configurar esse tipo de procedimento como uma licitação (como as estatais podem fazer pelos seus regulamentos), a administração direta não pode continuar perdendo oportunidades de incrementar sua eficiência com as soluções inovadoras que se multiplicam em projeção geométrica no ecossistema de inovação. Os instrumentos jurídicos existentes devem ser manejados na direção da instrumentalidade procedimental para que a administração pública tenha, de imediato, ferramentas para maximizar suas entregas para sociedade e economizar recursos públicos. CONCLUSÃO A contratação de soluções inovadoras pela administração pública demanda uma mudança de paradigma: as especificações técnicas devem focar no problema a ser resolvido e nos resultados esperados, e não na solução previamente mapeada. A melhor solução para o problema deve ser avaliada no curso do certame, mediante critérios previamente definidos e julgamento justificado por comissão tecnicamente capacitada. A Lei nº 13.303/2016 deu às empresas estatais a legitimidade normativa para positivar essa sistemática procedimental no seu regulamento de licitações. Já a administração direta precisa valer-se de instrumentos jurídicos pouco utilizados, mas que podem abrir os mesmos caminhos procedimentais. Com base na legislação atual, soluções inovadoras podem ser contratadas pela administração pública, sendo necessário, para tanto, que ela se coadune com as características do ecossistema de inovação, dentre as quais não estão a burocratização e a aversão a riscos. NOTAS

arquivo pessoal

1 Sobre: Manual de Oslo 2018, 4. ed., OCDE. Disponível em: https://www.oecd.org/science/oslo -manual-2018-9789264304604-en.htm 2 ARAGÃO, Alexandre Santos. O Princípio da Eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 4, Salvador: 2005. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br> 3 http://www.mdic.gov.br/index.php/inovacao/marco-legal-de-startups 4 Aragão, Alexandre dos Santos de. Empresas estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedade de economia mista. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018. 5 “Regulamentos de licitações editados sob a Lei 13.303/2016: instrumentos de inovação ou de repetição?”, disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/27262 6 Art. 57. Confirmada a efetividade do lance ou proposta que obteve a primeira colocação na etapa de julgamento, ou que passe a ocupar essa posição em decorrência da desclassificação de outra que tenha obtido colocação superior, a empresa pública e a sociedade de economia mista deverão negociar condições mais vantajosas com quem o apresentou. 7 Destacam-se: ADI nº 927-3 (MC); ADI nº 3.059 (MC); ADI nº 3.158-9. 8 Ver, por todos: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: RT, 2014.

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PEDRO IVO PEIXOTO é Mestre em Administração Pública – FGV/EBAPE, Especialista em Direito Administrativo Empresarial, Advogado do BNDES.

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QUESTÕES DE DIREITO

Toxicomania, doença mental e processo penal por

Daniela Chammas

O processo penal busca a verdade real para alcançar a justiça. Se for comprovado através de exame técnico que o réu, em razão de dependência química, não é capaz de entender o caráter ilícito da conduta, será aplicada medida de segurança.

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QUESTÕES DE DIREITO

D

e acordo o Manual Merck, a atividade relacionada com a droga se torna parte tão grande do dia a dia de um toxicômano que sua dependência interfere na capacidade de trabalhar, estudar e se relacionar com os que o cercam. Na dependência grave, todos os pensamentos e atividades do dependente se dirigem para a obtenção e consumo da droga. Um dependente pode manipular, mentir e roubar no intuito de satisfazer sua dependência. A dependência química é uma doença progressiva e potencialmente fatal que atinge o ser humano nas áreas física, psíquica e social, levando o indivíduo a uma progressiva mudança de comportamento. A dependência de drogas conhecida na medicina legal como toxicomania, pode, em alguns casos, excluir a culpabilidade do agente por gerar incapacidade de entendimento sobre o caráter ilícito da conduta. É possível debater a dependência de substâncias ilícitas no processo penal mediante produção de prova técnica a fim de provar incidente de insanidade mental. A drogadição causa problemas sociais e jurídicos. E quando se caracteriza a responsabilidade penal, essa questão assume um outro contorno. Batista (1990) defende que o princípio da culpabilidade deve ser entendido como repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas também deve ser entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito lhe seja reprovável. Para Fernando Capez (2010, p. 331): “Imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento. Exemplo: Um dependente de drogas tem plena capacidade para entender o caráter ilícito do furto que pratica, mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância psicotrópica, razão pela qual é impelido a obter recursos financeiros para adquirir o entorpecente, tornando-se um escravo de sua vontade, sem liberdade de autodeterminação e comando sobre a própria vontade, não podendo, por essa razão, submeter-se ao juízo de censurabilidade.” Para se delimitar a extensão das toxicomanias, em conformidade com as pesquisas de saúde pública, sociais e educacionais da Organização das Nações Unidas, classificam-se quatro tipos de usuários: “Usuário experimental: limita-se a experimentar uma ou várias drogas, por diversos motivos, como curiosidade, desejo de novas experiências, pressão de grupo etc. Via de regra, este contato não ultrapassará as primeiras vezes. Usuário ocasional: utiliza um ou vários produtos, de vez em quando, se o ambiente for favorável e a droga disponível. Nestes casos, os pesquisadores não identificam o desenvolvimento de dependência, nem corte das relações afetivas, sociais ou profissionais. Usuário habitual: faz uso frequente de drogas. Em suas relações sociais já é possível se verificar uma certa dissolução. Mesmo assim, ainda tem uma vida social razoável, embora de forma precária e correndo riscos de dependência. É aquele usuário vulgarmente chamado como “viciado”.

Usuário dependente: estes são os casos mais severos. O indivíduo que alcança esse estágio vive pela droga e para a droga, quase que exclusivamente. Rompe vínculos sociais e afetivos, o que acaba por leva-lo ao isolamento e à marginalização, acompanhados, eventualmente, de decadência física e moral. 42

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Quando o corpo probatório contido nos autos indica que o réu é dependente do uso de substâncias psicoativas, torna-se imprescindível a realização de exame pericial a fim de se averiguar a capacidade plena de entendimento do caráter ilícito do fato bem como de autodeterminação conforme esse entendimento. O instituto da inimputabilidade penal foi introduzido no Brasil no art. 26 do Código Penal, que reza ser “isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento”. O legislador adotou o sistema biopsicológico para aferir a inimputabilidade do agente, ou seja, primeiramente se verifica se o agente, ao tempo da ação ou omissão, era portador de doença ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Se o resultado dessa verificação der positivo, será investigado se o indivíduo era capaz de compreender o caráter ilícito do fato bem como de determinar-se de acordo com essa consciência. Nessa linha: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 26, CP. INIMPUTABILIDADE. CRITÉRIO BIOPSICOLÓGICO NORMATIVO. Em sede de inimputabilidade (ou semiimputabilidade), vigora, entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa. (STJ, HC 33401/RJ, Min. Felix Fischer, 5ª T, DJ 03/11/2004, p. 212).

O processo penal busca a verdade real para alcançar a justiça. Se for comprovado através de exame técnico que o réu, em razão de dependência química, não é capaz de entender o caráter ilícito da conduta, será aplicada medida de segurança. A compreensão de limitações mentais incapacitantes por uso de drogas é tecnicamente difícil, mas sabe-se que determinadas substâncias podem incapacitar o entendimento do caráter ilícito de condutas criminosas, bem como do uso do livre arbítrio e do entendimento pessoal. Quando se comprovar que através do incidente de insanidade mental a droga usada foi determinante no entendimento sob a prática do crime, inevitavelmente será imposta a medida de segurança com finalidade terapêutica. REFERÊNCIAS

arquivo pessoal

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MANUAL MERCK, Biblioteca Médica Online. Disponível em: manualmerck.net. Acesso em: 06 de julho de 2019. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 2. ed., vol. I, Atlas, São Paulo, 1985. BATISTA, Nilo. Introdução crítica do Direito Penal Brasileiro. Revan. Rio de Janeiro. 1990.

DANIELA CHAMMAS é Mestranda em Educação pela Universidad del Atlantico de Espanha; Especialista em Psicologia Forense e Criminologia (Universidade Gama Filho – RJ); Especialista em Direito Penal (Universidade Gama Filho – RJ)

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KNOW HOW

O Papa Francisco e a Bioética por

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

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Papa Francisco, reconhecido pelo seu espírito despojado, incorporando a humildade franciscana em seus atos, nomeou o presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Rui Nunes, conhecido como o pai do Testamento Vital, como membro da Academia Pontifícia de Bioética para a Vida, para oferecer aconselhamento relacionado com o avanço da biotecnologia e o consequente respeito à dignidade da pessoa humana, com relevo especial à moral cristã e às diretrizes da Igreja.1 De bom alvitre a iniciativa papal. A transformação mundial, tanto na era da tecnologia como na evolução das novas práticas de vida, recomenda um aconselhamento bioético de formação bem apurada, visto que a Igreja já vem procurando um ajustamento, conforme Carta Encíclica recentemente publicada, cuja mensagem é a união de toda família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral. O Bispo de Roma assim se manifestou na oportunidade: “Lanço um convite urgente para renovar o diálogo sobre a maneira como estamos construindo o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós”.2 Com tal iniciativa vem demonstrando ao longo de seu pontificado um interesse desmedido em abrir novos canais para que a Igreja possa dialogar com as mais recentes tecnologias que vão, a passos rápidos, invadindo e se assenhorando do universo, influenciando diretamente a vida do homem. Não só o aparato tecnológico, como, também, muitos outros temas relevantes afastados da preferência cristã, como, por exemplo, a aproximação e o acolhimento dos homossexuais, refletido no documento Instrumentum Laboris que, pela primeira vez, usou a sigla LGBT, além do interesse em abrigar as famílias irregulares, principalmente as privações estabelecidas aos divorciados.

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DIVULGAÇÃO

A Igreja, sob o cajado do Papa Francisco, está disposta a participar dos grandes dilemas bioéticos da humanidade, numa proposta de renovação comedida, tendo como lema a Igreja peregrina, assim chamada no Concílio Vaticano II, no modelo delineado na constituição dogmática Lumen Gentium.

A Bioética, pelo seu caleidoscópio multidisciplinar, que consegue encontrar a correta lente para a leitura adequada, ocupa um espaço de destaque que reúne todos os predicados para atender as múltiplas exigências do mundo atual. Tem potencial suficiente para unificar as várias línguas dissonantes e apresentar um canal por onde todos podem se manifestar com vistas ao tão reclamado bem comum. As atividades de pesquisas em seres humanos ampliaram-se imensamente em decorrência dos avanços e da evolução da sociedade, juntamente com os costumes. Não só o desenvolvimento incessante das pesquisas, mas também revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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KNOW HOW as interferências sobre o início e o fim da vida – como a reprodução humana homóloga e heteróloga, a utilização de contraceptivos para combater a crise demográfica, a engenharia genética, a maternidade substitutiva, o aborto, a clonagem, as terapias gênicas, a eugenia, a eutanásia, a distanásia, a ortotanásia, o suicídio assistido, a utilização da tecnologia do DNA recombinante e das células-tronco embrionárias, a intervenção da biossegurança, o transplante de órgãos e tecidos humanos e muitos outros avanços científicos. O então arcebispo de Buenos Aires Jorge Bergoglio, hoje Papa Francisco, acompanhado do rabino Abraham Skorka, no livro “Sobre o Céu e a Terra” (Editora Paralela, 2013), fez algumas incursões a respeito de alguns destes assuntos polêmicos. Censura veementemente a eutanásia ativa, que vem a ser a decretação da morte com a abrupta interrupção da vida, mas deixa a entender que a ortotanásia apresenta-se como a solução desejada, pois em caso de doença irreversível, não são exigidos meios extraordinários para manter a vida, desde que conferido o tratamento recomendado para preservar a dignidade da pessoa. Rejeita o aborto em qualquer modalidade e considera que o direito à vida é o primeiro dos direitos humanos, daí ser inconcebível matar o ente que já contém todo o código genético da vida. Defende o casamento entre o homem e a mulher como uma instituição milenar criada de acordo com a natureza e a antropologia. Porém, sem tecer qualquer depreciação aos homossexuais, considera um retrocesso antropológico a união entre pessoas do mesmo sexo, pois a própria natureza estabelece um pai masculino e uma mãe feminina para formar a identidade da criança. Com relação à biotecnociência, respeita a autonomia dos cientistas que almejam sanar danos e doenças, porém alerta quando os avanços não impõem limites e ultrapassam as fronteiras éticas como verdadeiros senhores da vida, dispondo do código genético a seu bel-prazer. Dá para sentir que a Igreja, sob o cajado do Papa Francisco, está disposta a participar dos grandes dilemas bioéticos da humanidade, numa proposta de renovação comedida, tendo como lema a Igreja peregrina, assim chamada no Concílio Vaticano II, no modelo delineado na constituição dogmática Lumen Gentium. É um caminhar lento e refletido em busca da renovação, sem decisões precipitadas, que certamente encontrará resistência dos setores mais tradicionais da Cúria Romana. E a Bioética, pela sua pertinência e consistência, certamente trará significativos dividendos nesta árdua tarefa. NOTAS

arquivo pessoal

1 https://www.dn.pt/vida-e-futuro/interior/medico-portugues-nomeado-conselheiro-do-papa-francisco-10776879.html 2 Papa Francisco. Laudato Si’. Paulus Editora, Edições Loyola Jesuítas, 2015, p. 16.

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EUDES QUINTINO DE OLIVEIRA JÚNIOR é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pósdoutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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PAINEL UNIVERSITÁRIO

O direito de ser trans para além da existência dos cidadãos pela metade por

Roberta Julliane de Lima Santos Lira e Giorge André Lando

Uma sociedade democrática, na qual defende-se a primazia da pluralidade e das liberdades, deve perseguir incansavelmente a defesa da convivência harmoniosa e pacífica das diferenças.

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s movimentos de democratização representativa e a ampliação das esferas de debate sobre direitos de minorias emergiram a luta de grupos minoritários que há muito sofriam e ainda sofrem diversos tipos de agressões aos seus direitos essenciais, os quais perpassavam desde o estigma a que eram e são submetidos até formulações do próprio Estado, através de decisões judiciais no sentido de perpetuação de preconceitos e negativas de direitos. Nessa esteira, a causa das pessoas transgêneros, dentro do dinâmico universo dos LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgênero, Transexuais, Queer, Interssexuais e outros), mostra o quanto a efetivação de direitos pode ser cerceada por uma cultura fundamentalmente


PAINEL UNIVERSITÁRIO heteronormativa, tal qual é a conservadora sociedade brasileira, assim, nessa perspectiva, a presente discussão refere-se à analise do processo de desjudicialização da alteração do prenome e gênero no Registro Civil da pessoa trans. Primeiramente, faz-se necessário compreender que quando se fala sobre o conceito de gênero, vale destacar que ele parte de uma construção social permeada por padrões comportamentais, ou seja, “gênero e sexualidade são construídos performativamente pela cultura ao longo do tempo e em diferentes contextos sociais que não são somente normativos” (FREITAS, 2016, p. 228). Porquanto, qualquer outra forma de percepção que fuja ao majoritário social, sendo esse estruturado pela heterossexualidade normativa, tende a sofrer dos mais diversos tipos de preconceito e estigmas (SOALHEIRO; CANÇADO, 2017, p. 12). Além do mais, importa frisar que a identificação do sexo, com o nascimento da pessoa, possui um caráter eminentemente biológico, momento em que se desconsideram componentes culturais, sociológicos, psicológicos e de outras ordens que serão essenciais para a construção da personalidade de cada pessoa (PONTES; SARAIVA, 2017, p. 85) e certamente irão colaborar para a autodeterminação da identidade delas, que poderá se manifestar com gênero e orientação sexual diversas dos padrões heteronormativos. Segundo Judith Butler (2013, p. 25) os seres humanos vão sendo moldados paralelamente às transformações sociais dos elementos socionormativos que os compõem, por conseguinte, “o gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado”. Diante disso, oportuna a valorização da autodeterminação do indivíduo para esfera do direito, compreensão essa que foi classificada por Luiz Edson Fachin (2014, p.37) como sendo elemento fundamental para garantia da qualidade de vida e essencial à defesa das garantias das liberdades pessoais e dignidade dentro da perspectiva de uma sociedade plural. Destarte, etimologicamente falando, a autodeterminação está incluída na esfera dos princípios caros aos direitos da dignidade da pessoa humana, abrangendo conceitos como autonomia, exercício de liberdades pessoais, livre-arbítrio, resultando numa confluência para a criação de uma identidade própria a respeito do próprio corpo e identidade própria. Assim, dentro dessa perspectiva, felizes foram as palavras de Carmen Lucia, em decisão, sobre o tema em tela: “O Estado há que registrar o que a pessoa é, e não o que acha que cada um de nós deveria ser, segundo a sua conveniência” (BRASIL, 2018). Apenas para registro, a decisão diz respeito a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275/DF, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), quando então o Supremo Tribunal Federal julgou pela possibilidade de alteração do nome e gênero no assento do Registro Civil, sem a necessidade de judicialização e/ou comprovação de realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo para efetivação desses direitos civis. Seguindo, cumpre dizer que os direitos da personalidade podem ser considerados como sendo um dos pilares basilares do Estado Democrático de Direito, logo, com base teórica jusnaturalista, conforme preceituou Luiz Edson Fachin (2014, p. 39), “os direitos da personalidade se estruturam a partir da ideia de essencialidade e inerência à própria condição humana”. Nessa esteira, a ideia de proteção desses direitos tem origem intrínseca aos movimentos pós Segunda Guerra Mundial, quando buscou-se definir mecanismos e esferas de proteção ao individuo contra as arbitrariedades vivenciadas àquela época. 48

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Ainda, nas palavras de Anderson Schreiber (2013, p. 06) “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. A dignidade humana é o epicentro da ordem jurídica internacional, desde os movimentos pós Grandes Guerras, os quais influenciaram as construções constitucionais subsequentes. Especificamente quanto ao Estado Brasileiro, tais movimentos ganharam mais força com o fim do regime de exceção militar e o início da redemocratização do país, os quais geraram a atual Constituição Federal, que tem por um de seus fundamentos a defesa da dignidade da pessoa humana. Os direitos da personalidade, “consistem em atributos essenciais da pessoa humana, cujo reconhecimento jurídico resulta de uma continua marcha de conquistas históricas” (SCHREIBER, 2013, p. 13). Logo, o direito a autodeterminação sobre a identidade de gênero é espécie que deriva diretamente dos direitos da personalidade, partindo de um mesmo centro e visando tutelar um princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana. É certo que, acerca da proteção do corpo, a tutela jurídica sobre esse bem sofreu inúmeras modificações, especificamente, no que cerne ao Brasil, apesar do estado constitucional basear-se pela laicidade, é inegável a influência de pensamentos religiosos moralizante durante a evolução do tratamento jurídico ora posto. Isso porque, durante muito, primeiro negou-se a mudança de nome e sexo das pessoas transgênero conforme análise de jurisprudências dos anos 90 a meados dos anos 2000, posteriormente, até o primeiro trimestre de 2017 exigia-se, além do procedimento judicial autorizativo, a comprovação de redesignação sexual através da cirurgia para efetuação das modificações de nome e gênero nos Registro Civil das Pessoas Naturais - RCPN, dentro de uma perspectiva, como bem definiu Anderson Schreiber (2013), da supervaloração dada a “verdade médica”, realidade esta alterada em maio de 2017 quando o Superior Tribunal de Justiça passa a considerar que a identidade psicossocial prevalece em relação à identidade biológica, não sendo a intervenção médica nos órgãos sexuais um requisito para a alteração de gênero em documentos públicos. Na esteira desses acontecimentos, as decisões recentes, tanto da Suprema Corte quanto do Conselho Nacional de Justiça vieram a concretizar a viabilidade de retificação do nome e gênero no registro civil da pessoa trans pela via extrajudicial com absoluta dispensa da redesignação sexual. Essa decisão, proferida em março de 2018 pelo Supremo Tribunal Federal foi fruto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275/DF, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR) quando foi questionada a Corte Suprema sobre a necessidade de dispor de uma interpretação constitucional a respeito do artigo 58 da Lei nº 6.015/73, a qual regula os Registros Públicos Brasileiros. Impende que, em junho de 2018, o Conselho Nacional de Justiça através do Provimento nº 73 regulamentou a respeito da averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento da pessoa transgênero no RCPN. Desde a vigência do presente Provimento nº 73, os 15 (quinze) Cartórios de Registro de Pessoas Naturais da cidade do Recife/PE passaram a receber pessoas trans para a retificação do nome e gênero correspondentes a sua identidade de gênero. De acordo com os primeiros dados quantitativos oriundos das informações fornecidas pelos citados cartórios recifenses, os resultados preliminares correspondem revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PAINEL UNIVERSITÁRIO a 1/3 dos Cartórios Extrajudiciais onde foi possível constatar que cerca de 52 (cinquenta e duas) pessoas trans procuraram os serviços cartorários recifenses nos primeiros 08 (oito) meses de vigência do supracitado Provimento do CNJ. Ainda, foi possível identificar que todos os interessados possuem o estado civil de solteiro, e solicitaram, além da mudança de gênero, também, a alteração do prenome. Prosseguindo, no que diz respeito ao gênero escolhido, 48,08% mudaram para o gênero masculino e 51,92% mudaram o gênero para feminino. Importa frisar que, tal como prevê o Provimento Regulamentar do CNJ, a solicitação de mudança do nome e gênero somente pode ser requerida a partir dos 18 (dezoito) anos, para tanto, foram definidas, para o presente estudo 04 (quatro) faixas etárias, quais sejam: faixa 01: dos 18 a 27 anos; faixa 02: 28 a 37 anos; faixa 03: 38 a 47 anos; faixa 04: 48 a 57 anos. Nesse sentido, considerando as referidas faixas etárias, observa-se que o maior número de solicitações de mudança de gênero se encontra nas primeiras duas faixas, ou seja, a faixa 1 com 55,77% e a faixa 2 com 28,85%. Fato esse que implica dizer que, cada vez mais as pessoas trans tem optado por pela modificação extrajudicial, corroborando para o pensamento trazido por Araújo (2016) de que, com a evolução do pensamento científico e cultural, a base conceitual tradicional do sexo não mais comporta as categorias predeterminadas pelo fenótipo. Dessa forma, tem-se na perspectiva de implementação de direitos à intimidade e da autoafirmação dentro das relações da esfera privada, a realização da autonomia do individuo, o qual não precisa mais subjugar-se a longos processos contenciosos para um direito de titularidade do individuo, e não ao Estado, cabendo a esta se limitar a declará-lo (LANDO et al, 2018). Ademais, conforme já demonstrado, a identidade do individuo trans abrange sua personalidade, logo, segundo Bolesina e Gervasoni (2018, p. 67) “os caminhos a serem percorridos para a obtenção de uma definição jurídica mais atenta demandaria uma revisão de título: os ‘direitos da personalidade’ deveriam ser vistos como ‘direitos da identidade”, a qual englobaria um projeto de definição existencial particular, viabilizando, assim, uma emancipação pessoal que objetive a identidade condigna. Outrossim, Boaventura de Souza Santos (1999) defendeu interessante tese de que o direito de ser igual sempre inferioriza, por consequência, deve-se, sempre, contemplar o direito de ser diferente sempre que a igualdade descaracterizar a identidade de cada individuo. Dessa forma, o direito à identidade pessoal nasce da urgência de ser tutelado pela “verdade pessoal”. Assim, o número de pessoas trans que tem optado pela modificação do prenome e gênero pela via cartorária tem demonstrado a materialização da verdade pessoal da pessoa trans a ter o seu direito garantido via Registros Públicos. Ademais, é inaceitável numa sociedade que se guia pela plenitude das liberdades, conformar-se a existência de “cidadãos pela metade” Araújo (2016, p. 259), os quais lutam pela normalidade de gênero, de serem incluídos e usufruírem dos direitos e deveres como qualquer cidadão brasileiro. Outrossim, não cabe ao Direito interferir nas escolhas de construção da personalidade, mas sim ser um viés condutor de efetivação de direitos, bem como, o Estado deve ser um ente propiciador dos meios que corroborem para a construção da personalidade a partir das escolhas autodeterminadas (NASCIMENTO et al, 2019). Assim, uma sociedade democrática, na qual defende-se a primazia da pluralidade e das liberdades, deve perseguir incansavelmente a defesa da convivência 50

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harmoniosa e pacífica das diferenças. A luta pelo reconhecimento de direitos essenciais de grupos sociais como os LGBTQI+, no Brasil, tem demonstrado o quanto são morosas as mudanças jurídicas e o quanto é necessário percorrer um longo caminho em se tratando de direitos fundamentais coligados à dignidade e implementação da cidadania plena em sociedade. REFERÊNCIAS

ROBERTA JULLIANE DE LIMA SANTOS LIRA é Graduanda em Bacharelado em Direito pela Universidade de Pernambuco - UPE.

arquivo pessoal

arquivo pessoal

ARAÚJO, Jailton Macena de. Pós-Gênero e Direitos Humanos: aspectos bioéticos do processo de redesignação sexual em adolescentes transexuais. Periódico Gênero e Direito, Paraíba, v. 05, n. 01, 2016. BOLESINA, Iuri; GERVASONI, Tamiris A. O direito à identidade pessoal no Brasil e seus fundamentos jurídicos na atualidade.Saber Humano,v.08, n.13, p.65-87, 2018. BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2013. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 73 de 26/06/2018. Brasília, 2018.Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3503> Acesso em: 17 de abril de 2019. _______.Supremo Tribunal Federal. STF reconhece a transgêneros possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo. Brasília, 2018.Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=371085> Acesso em: 17 de abril de 2019. COSTA, Welington O. de S. dos Anjos; CAMPELLO, Livia G. Bósio. Patologização da Transexualidade sob a Ótica Jurídica: mal (des)necessário. Revista de Gênero, Sexualidade e Direito,Brasília, 2017. FACHIN, Luiz Edson. O corpo do Registro no Registro do Corpo; Mudança de Nome e Sexo sem Cirurgia de Redesignação. Revista Brasileira de Direito Civil, 2014. FREITAS, Marcel de A. Performances e Problemas de Gênero, Judith Butler. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016 LANDO, Giorge Aandré; NASCIMENTO, Elaine Ferreira; MONTE, Liana do Monte Ibiapina; QUEIROZ, Alessandro Pelópidas Ferreira de.A fluidez do gênero e o direito à não identificação do sexo biológico. Revista Feminismos, Salvador, v. 6, n. 1, p. 46-56, 2018. NASCIMENTO, Elaine Ferreira; LANDO, GiorgeAandré; QUEIROZ, Alessandro Pelópidas Ferreira de; MONTE, Liana do Monte Ibiapina; FERREIRA, Breno de Oliveira et al. Whatwas solid, is now dismantled: the de construction of a gender as a fixed identification, International Journal of Development Research, 09, (03), p. 27137-27141, 2019. PERNAMBUCO. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Consulta de Cartórios Extrajudiciais. Recife, 2019. Disponível em: <http://www.tjpe.jus.br/cartorios#_48_INSTANCE_FkEW6RzxXwXd_%253Dhttp%25253A%25252F%25252Fwww.tjpe.jus.br%25252Fcartorio_SY%25252Fconsulta. asp%3D%26_48_INSTANCE_FkEW6RzxXwXd_%3Dhttp%253A%252F%252Fwww.tjpe.jus. br%252Fcartorio_SY%252Fconsulta2.asp> Acesso em: 17 abr. 2019. PONTES, Ana C. A.; SARAIVA, Welligton C. Gênero, Ideologia e Percepções de Direitos Humanos no Ensino Básico. Revista de Gênero, Sexualidade e Direito, Brasília, 2017. SANTOS, Boaventuda de Souza. A construção multicultural da igualdade e da diferença. In: Oficina do CES, n. 135, 1999. SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2013. 2. ed. SOALHEIRO, Luiza H. M.; CANÇADO, Paula O. M. A Garota Dinamarquesa: Reflexão sobre o direito Fundamental à sexualidade. Revista de Gênero, Sexualidade e Direito,Brasília, 2017.

GIORGE ANDRÉ LANDO é Pós-Doutor em Direito pela Università Degli Studi di Messina – Itália. Doutor em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Professor Adjunto da Universidade de Pernambuco – UPE. Professor Permanente do Programa de PósGraduação de Direitos Humanos – PPGDH da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

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SAIBA MAIS

Estorno de compras no cartão de crédito, como funciona? por

Carla Graziela Porto

A nova Lei que foi aprovada no Senado Federal no último dia 13 de março (PLP 54/2019) que aprovou o Cadastro Positivo determina que empresas especializadas possam avaliar o risco de crédito de outras companhias e pessoas a partir do histórico financeiro e comercial.

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uitos não sabem, mas e possível sim, solicitar o estorno na venda de cartão de crédito, esse procedimento é feito quando você deseja a devolução de um valor gasto. Em caso de desistência da compra ou erro no cálculo do valor cobrado, você deve solicitar o estorno no mesmo dia. A solicitação pode ser feita direto na loja, no site em que você fez a compra ou com a administradora do cartão de crédito. Contudo, existem algumas situações que poderá ser solicitado o estorno: • Erro na fatura de compra presencial: O estabelecimento deverá realizar o estorno e fazer uma nova cobrança. No caso de se recusarem a pagar, você pode solicitar diretamente com a administradora do cartão de crédito; • Para desistência ou cancelamento de compra em uma loja física: Vale ressaltar que o lojista não é obrigado a devolver o dinheiro se não tiver nenhuma irregularidade. Pois, não existe regulamento de arrependimento de compra presencial; • Cancelamento ou desistência de compra online: Existe um prazo de arrependimento de compra de até 07 dias após o recebimento. Basta entrar em contato com a empresa, que eles ficarão encarregados de fazer a logística para o reenvio do produto, como também o estorno do valor. • Fatura incorreta em compra online: Entrar em contato com a loja e pedir uma nova fatura da compra. Caso contrário, é conveniente reportar o ocorrido para administradora do cartão de crédito. • A exemplo, se foi feita uma compra de R$ 1.000,00 (mil reais) e dividiu em duas parcelas de R$500,00 (quinhentos reais), no momento do cancelamento a empresa deverá pedir o estorno imediato do valor total de R$ 1.000,00 (mil reais) incluindo também o frete, caso tenha sido contratado. Lembrando que mesmo sendo ressarcito o valor total, a próxima parcela será descontada numa fatura posterior do cartão de crédito.

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Em casos aonde venha a receber a restituição com valor inferior ao valor total da compra, fique atento, pois o direito à complementação do valor é certo, estando amparado pelo artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor, confome abaixo: Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; Para compras parceladas, o estorno será dado apenas para as parcelas já pagas em dinheiro ou crédito no cartão. As parcelas a vencer serão apenas canceladas. Valem lembrar que se forem parcelas cobradas irregularmente, o consumidor pode solicitar ao estabelecimento para realizar um novo faturamento com os valores corrigidos.

arquivo pessoal

Resumindo, o prazo para o estorno ser contabilizado é de até 5 dias úteis. No caso de devolução de produtos comprados online, esse prazo conta a partir da data em que o produto chega de volta ao vendedor. No caso de vendas presenciais, esse prazo conta a partir do momento em que o estabelecimento foi comunicado do erro. A nova Lei que foi aprovada no Senado Federal no último dia 13 de março (PLP 54/2019) que aprovou o Cadastro Positivo determina que empresas especializadas possam avaliar o risco de crédito de outras companhias e pessoas a partir do histórico financeiro e comercial. A expectativa do Governo Federal é que 130 milhões de pessoas sejam inclusas, mesmo os negativados em órgãos como SPC e Serasa. Você não deseja ser incluso? A solicitação da retirada ou adição pode ser comunicada gratuitamente por meio telefônico, físico ou eletrônico. Mesmo quem está com o nome negativado pode abrir o Cadastro Positivo, assim suas contas pagas em dias também poderão ser consideradas, e as empresas, poderão ter condições de avaliar seu histórico de pagamentos de uma forma mais completa e justa. Dependendo da política financeira da empresa, você pode conseguir taxas de juros melhores do que alguém que não tem o cadastro positivo. Para melhorar um pouco mais, é importante dizer que o seu Cadastro Positivo pode ajudar a aumentar o seu Score de Crédito. Pois é! O Score de Crédito é a pontuação que mede a confiança que o mercado tem na sua capacidade de honrar seus compromissos nos próximos doze meses, e que ajuda os bancos e empresas a aprovar aquele financiamento na hora que você mais precisa. O que pode gerar de benefícios num futuro próximo com a diminuição de juros para os pagadores em dia, de outro lado, resta-nos alertar sobre os cuidados pela inadimplência. Caso o consumidor seja incluso no SPC (cadastro negativo), essa informação pode ficar no histórico por quinze anos. Até pequenos atrasos, seja numa quantia irrisória, podem provocar registros negativos no Cadastro. Outro ponto importante diz sobre o resgaste do histórico. Enquanto o ingresso é automático, o passado de bons pagamentos do consumidor deverá ter autorização, ainda que não esteja bem claro na nova Lei. Sugerimos que o consenso entre empresa e cliente seja ainda a melhor forma de evitar problemas no Judiciário.

CARLA GRAZIELA PORTO é colaboradora do escritório Giovani Duarte Oliveira, responsável pelo setor de Cobrança. Graduada em Processos Gerenciais e graduanda em Direito.

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DATA VENIA

STF põe em risco garantias de projetos de infraestrutura Igor Nascimento de Souza, Rodrigo Sarmento Barata e Fernando Bernardi Gallacci

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por

O novo entendimento do STF pode constituir mais um entrave no desenvolvimento de projetos, ante à provável insegurança jurídica acerca do tema, somada à carência de garantias robustas a serem prestadas pela Administração Pública em projetos de PPP. Esperava-se do STF maior cuidado com o tema, especialmente quando falamos de assunto complexo, inclusive já validado pela própria Corte e AGU.

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ecisão recente do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 553, de relatoria da ministra Carmen Lúcia, promete gerar debates no setor de infraestrutura, assim como nos Estados e municípios brasileiros. A discussão, como abordado mais abaixo, está umbilicalmente ligada às garantias para projetos de infraestrutura e para a tomada de crédito junto a instituições financeiras (inclusive os bancos públicos, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil). Em resumo, no acórdão publicado em meados de fevereiro deste ano, o STF entendeu inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual do Rio de Janeiro que vinculava percentual de repasse do Fundo de Participação do Estado para um fundo específico, o qual, por sua vez, detinha obrigatoriedade de utilizar parte de seus recursos para fomentar projetos de microempresas e empresas de pequeno porte (art. 226, § 1º, da Constituição Estadual do RJ). A discussão do STF girou em torno da (im)possibilidade da vinculação dos repasses federais via fundos de participação estaduais e municipais. Como se sabe, entes federados não podem, em regra, vincular receitas com a arrecadação de impostos para órgão, fundo ou despesa (art. 167, IV da Constituição Federal). Trata-se do princípio da não-vinculação de impostos, que visa garantir que o administrador público tenha liberdade de alocar os recursos segundo as prioridades orçamentárias de cada ente federado. Este princípio se complementa ao sistema de cooperação federativa de receitas, com distribuição do produto da arrecadação de tributos pela União para os entes subnacionais (art. 159, I da Constituição). Esse é o núcleo jurídico dos debates: os repasses dos Fundos de Participação aos Estados e Municípios (assim como os de ICMS realizados por Estados aos municípios) podem ser ofertados como garantia em projetos de PPPs ou financiamento bancários? Formalmente a decisão do STF não invalida ou macula garantias prestadas por Estados ou municípios, fundadas, por exemplo, na vinculação ou na cessão fiduciária de seus fluxos de FPE ou FPM. Isso porque, embora a decisão em ADI tenha efeitos gerais, tais efeitos se restringem ao objeto de julgamento, ou seja, à vinculação de parcela do FPE para fundo específico, na forma realizada pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, a argumentação dos ministros preocupou muitos agentes do mercado e estudiosos da área, dado seu potencial impacto na estruturação e oferta de garantias em projetos de infraestrutura. A preocupação se justifica porque a argumentação do STF traçou um paralelo, em abstrato, entre a vinculação do repasse de recursos através de FPE e a vedação à vinculação da receita de impostos, acima mencionada, sinalizando que poderia, caso se deparasse com situação de vinculação de FPE ou FPM para garantia de contratos ou projetos, entender pela vedação à vinculação e anular o instrumento amplamente utilizado no país. Esse novo entendimento vai na contramão daquilo que vinha sendo realizado nos projetos de infraestrutura e nos contratos de financiamento aos entes públicos, posto que em ambas as hipóteses era praxe a vinculação de tais fluxos de receita à garantia ou pagamento das obrigações contratuais. O entendimento, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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DATA VENIA com o qual concordamos, indicava que o legislador não poderia instituir cobrança de impostos vinculados a uma destinação específica. Os repasses via FPE e FPM, por não serem frutos de uma destinação específica estabelecida em lei instituidora de impostos, seriam, então, meras receitas financeiras, decorrentes de norma orçamentária, não importando se originalmente os montantes fossem constituídos de parcela de arrecadação de impostos pela União. A leitura construída acima baseava-se em precedente do próprio STF, na análise do Recurso Extraordinário nº 184.116, julgado em 2000, sob relatoria do ministro Marco Aurélio. À época, a Corte decidiu inexistir ofensa à Constituição Federal quando da vinculação de parcela da participação do município no ICMS para liquidação de débito municipal. Neste julgado ficou claro que a vedação de vinculação somente se aplicaria aos chamados tributos próprios, de arrecadação do próprio ente federado. Essa interpretação foi, inclusive, adotada pela Advocacia-Geral da União, em Parecer Vinculante nº GMF 07, de março de 2018, referente ao Parecer nº 02/2018/Gab/CGU/AGU, bem como pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, na análise do Processo nº 809502, Consulta, de relatoria do Conselheiro Antônio Carlos Andrada. No âmbito das PPPs, diversos contratos já foram assinados com garantia proveniente da vinculação de receitas do FPM ou FPE. O novo entendimento do STF pode constituir mais um entrave no desenvolvimento de projetos, ante à provável insegurança jurídica acerca do tema, somada à carência de garantias robustas a serem prestadas pela Administração Pública em projetos de PPP. Esperava-se do STF maior cuidado com o tema, especialmente quando falamos de assunto complexo, inclusive já validado pela própria Corte e AGU. Da análise do acórdão constata-se que os precedentes citados pelos ministros não tratam de casos semelhantes, mas se referem a situações de vinculação de impostos estabelecidos em leis que os instituíram. Ou seja, nos parece que o STF se equivocou no julgamento, utilizando-se de precedentes não aplicáveis à matéria que estava em discussão. A relevância do tema foi aparentemente subestimada pelos ministros, na medida em que poucos abordam a discussão da natureza do repasse e, ainda assim, de forma superficial, quando o fazem. Os impactos para os projetos de infraestrutura e tomada de crédito pelos entes federados tampouco aparecem na fundamentação apresentada pelo acórdão. A situação torna-se cinzenta e já dá sinais de impacto no desenvolvimento de estruturas de garantia prestadas pelos entes subnacionais em contratos de PPPs e de financiamento. Eventualmente, a apresentação de Embargos de Declaração serviria a esclarecer o posicionamento do Supremo sobre a extensão do assunto às garantias, seja positiva ou negativamente. De qualquer forma, fica evidente, caso ainda restasse alguma dúvida, o que é insegurança jurídica no Brasil, como se materializa e seus impactos. Se o desenvolvimento da infraestrutura for mesmo prioridade, faz-se essencial que situações como essa sejam corrigidas e que maior previsibilidade seja oferecida aos investidores.

IGOR NASCIMENTO DE SOUZA, RODRIGO SARMENTO BARATA e FERNANDO BERNARDI GALLACCI são respectivamente sócio e associados do Madrona Advogados, especialistas Tributário e projetos de PPPs.

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EXPRESSÕES LATINAS

Condicio x condictio por

Vicente de Paulo Saraiva

Em suas grandes linhas, os conceitos romanos atinentes à condição permanecem ainda hoje em dia. O termo que se usa tanto para significar o acontecimento futuro e incerto, quanto para a cláusula que expressa a manifestação condicional da vontade, também é empregado impropriamente nos mais variados sentidos, expressando ora os elementos essenciais à formação dos contratos, ora o que seria antes modo ou encargo etc., não só em nosso Código Civil, como nos da França, Itália e Portugal, por exemplo.

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EXPRESSÕES LATINAS

O

vocábulo condicio – condição –, advirta-se desde logo, não tem nada a ver com seus homônimos condictio e conditio, como se verá ao ser explicado o sentido destes últimos, na segunda parte deste trabalho. Já no direito romano, condição – no seu sentido técnico e estrito – era considerado aquele acontecimento futuro e incerto, do qual a vontade das partes fazia depender o surgimento ou a extinção de um negócio jurídico (D. 28, 7; 35, 1; C. 6, 25 e 46; Instas. 3, 15, 6). Daí, excluírem-se as chamadas “condições impróprias”, como as condições legais (= condiciones juris) – as quais não são mais que os requisitos da lei, como pressupostos do ato (v. condicio juris e condicio sine qua [non], objeto de futuros comentários); daí, excluírem-se também as condições associadas a eventos passados ou presentes (= condiciones in praesens vel in praeteritum collatae: D. 28, 3, 16; Instas. 3, 15 e 16) – pois tais eventos não são incertos a não ser para a mente das partes, que os ignoram por acaso. Conheciam-se, já então, as mais diversas categorias de condições, sendo as principais: as possíveis e impossíveis (física ou juridicamente); as casuais, potestativas ou mistas; as positivas e negativas; as resolutivas e suspensivas – que serão objeto, igualmente, de verbetes futuros. Em suas grandes linhas, os conceitos romanos atinentes à condição permanecem ainda hoje em dia. O termo que se usa tanto para significar o acontecimento futuro e incerto, quanto para a cláusula que expressa a manifestação condicional da vontade, também é empregado impropriamente nos mais variados sentidos, expressando ora os elementos essenciais à formação dos contratos, ora o que seria antes modo ou encargo etc., não só em nosso Código Civil, como nos da França, Itália e Portugal, por exemplo. Retornando a seu sentido estrito, a condição acha-se legalmente definida, entre nós, como “a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do ato jurídico a um acontecimento futuro e incerto” (CC, art. 121) e, por isso, “não... decorra necessariamente da natureza do direito, a que acede” (CC/ant., art. 117). Tal incerteza tem de ser a objetiva, isto é, relativamente ao próprio evento (e não a subjetiva, resultante de dúvida pessoal quanto à ocorrência do fato ou sua autoria); descartam-se de figurarem, assim, como condição, aqueles fatos que inevitavelmente irão acontecer (como a morte), a menos que a ocorrência deles esteja delimitada a certo lapso temporal. Já a futuridade significa que o evento não esteja ocorrendo no presente, nem haja ocorrido no passado: porquanto, então, a obrigação ou se tornará inválida ou não será procrastinada (Instas. 3, 15, 6). O elemento vontade, por sua vez, reproduz uma regra consagrada pela doutrina majoritária, porquanto a condição não passa de um elemento extrínseco ao negócio puro, enquanto que as condiciones juris são requisitos intrínsecos, porque essenciais, à validade do ato jurídico, já que impostos pela lei. Tal como entre os romanos, continuam-se distinguindo entre nós as condições casuais, potestativas e mistas, as possíveis e impossíveis, as positivas e negativas, as suspensivas e resolutivas etc. – estas últimas, as mais importantes, pelos efeitos que delas resultam, pendente ou verificada a condição. Como regra geral aplicável a qualquer condição, alerta o Código Civil (em seu art. 129) que se reputa verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição

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arquivo pessoal

cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer, contrariamente, considera-se não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveitar o seu implemento. Passemos agora ao verdadeiro conceito de condictio. Cumpre alertar que não se confunde condicio com conditio, este segundo vocábulo significando a “ação de fundar/estabelecer” (derivado que é do verbo condere); nem se confunde muito menos com o atual objeto destes comentários – condictio – este podendo significar, sem etimologia segura (segundo Ernout/ Meillet), a “preparação [de alimentos]” (se derivado o termo do verbo condire). Mais provavelmente, porém, o substantivo condictio provirá etimologicamente de cum + dictio, derivando assim do verbo condicere (cum + dicere), cuja raiz hipotética*deik-/dik significa “mostrar” (na correta tradução do verbo grego deíknymi [= provar] e do substantivo díkê (= “a norma/o direito/a justiça”]): e assim, dictio traduz em si, substancialmente, “o fato de dizer/revelar”. GAIO assinala, aliás, que na antiga língua latina, dicere tinha o sentido de “denunciar/ citar” (Instas. 4, 18). De modo algum, portanto, nenhuma dessas duas palavras – conditio ou condictio – seriam alternativas gráficas de condicio – como desavisadamente poderia aparentar, induzindo a erros vexatórios, quer léxica quer juridicamente... Literalmente, condictio significa apenas notificação (para comparecer em juízo em determinado dia). O termo, no plural – condictiones (Instas. 4, 5) – entre os romanos passou a denominar ações civis pessoais, visando a obviar ao enriquecimento sem causa (v. locupletatio indebita e solutio indebiti). No procedimento das ações da lei, a legis actio per condictionem (v. actio) foi uma criação da Lei Sília (c. 200 a.C.) para a cobrança de crédito certo em dinheiro (= certae creditae pecuniae) e depois, pela Lei Calpúrnia (c. 200 a.C.), de qualquer outro tipo de débito (= de omni re certa) (Instas. 4, 13 e 19). No sistema formulário, além das anteriores, a ação era concedida para proteger os contratos unilaterais, enxertando-se na intentio (= pretensão do autor) a expressão dari oportet (= é necessário que seja dado) (Instas. 4, 20); caracterizando abstração, não comportava demonstratio (= síntese dos fatos e fundamentação jurídica da pretensão): tal era, por exemplo, a condictio ex mutuo (= ação para reclamar a devolução da coisa), eis que o mútuo era considerado contrato unilateral pelos romanos (D. 12, 1, 2, 2; 44, 7, 1, 2; Instas. 3, 90). No direito justinianeu, concedia-se uma condictio para todos os casos de enriquecimento sem causa, tomando a designação apropriada às hipóteses (D. 12, 4/7; C. 4, 5/7): 1ª) condictio indebiti – a ação contra o pagamento indevido (v. solutio indebiti); 2ª) condictio causa data non secuta – a ação de restituição da coisa ou sua indenização, pelo não cumprimento da obrigação; 3ª) condictio ob turpem vel injustam causam – a ação para a restituição de uma coisa dada para que o aceitante não praticasse atos imorais ou ilegais; e 4ª) condictio sine causa – a ação para repetir o que se deu para obter um fim inexistente ou que não se pode realizar mais.

VICENTE DE PAULO SARAIVA é Subprocurador-Geral da República (aposentado) e autor da obra Expressões Latinas Jurídicas e Forenses (Saraiva, 1999, 856 p.)

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ENFOQUE

Reforma da Previdência avança, mas ainda precisa de ajustes contra privilégios João Badari

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A maioria dos brasileiros, 82%, consideram que é necessário fazer um esforço para garantir a aposentadoria de futuras gerações, enquanto 58% dos cidadãos apoiam a reforma desde que ela traga ganhos econômicos. A proposta apresentada pelo governo federal conta com o apoio de 44% da população.

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eis meses depois de muita discussão, a reforma da Previdência avançou. A Câmara dos Deputados concluiu a votação da reforma da Previdência em 1º turno, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou o início da votação do segundo turno da reforma para o dia 6 de agosto. O texto principal da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, do parecer apresentado pelo relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), foi aprovado por 36 votos a 13 na comissão especial e apresentou mudanças importantes. Entre as principais alterações estão a retirada das mudanças previstas na aposentadoria rural e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a deficientes e idosos carentes, além da retirada do texto da criação do sistema de capitalização. O ponto negativo é a não universalização da reforma, com a não inclusão dos servidores municipais e estaduais nas novas regras. A reforma é necessária e quanto menos afetar os mais pobres e as categorias que atuam em atividades mais penosas e desgastantes, melhor. O caminho é esse. O papel do governo e dos parlamentares é o de encontrar uma proposta que atenda aos anseios do trabalhador e segurado do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e também ao desenvolvimento econômico do país. Entretanto, os servidores municipais e estaduais, responsáveis por grande parte dos gastos federais com previdência no país, não podem ficar de fora da reforma. Não deve ter nenhuma diferença entre os trabalhadores privados e públicos, já que o objetivo central é combater as desigualdades e privilégios do sistema. Temos que universalizar as regras e chegar em um cenário mais justo. Vale ressaltar que a última pesquisa Ibope a respeito da opinião pública sobre a reforma da Previdência mostrou que 79% dos entrevistados apoiam uma aposentadoria igual para todos. A maioria dos brasileiros, 82%, consideram que é necessário fazer um esforço para garantir a aposentadoria de futuras gerações, enquanto 58% dos cidadãos apoiam a reforma desde que ela traga ganhos econômicos. A proposta apresentada pelo governo federal conta com o apoio de 44% da população. São números que refletem o sentimento de que a Previdência Social brasileira precisa de mudanças, mas todos devem fazer um esforço para um futuro melhor. A retirada dos Estados e Municípios nesse primeiro avanço da reforma não atende a essa visão da maioria. E deve ser revisto no Plenário da Câmara e também no Senado. Outra grande vitória do trabalhador brasileiro foi a retirada da capitalização da proposta. O governo permitia, no texto original, que uma lei complementar instituísse um novo regime de capitalização, em que as contribuições do trabalhador vão para uma conta, que banca os benefícios no futuro. O relator, porém, retirou essa possibilidade da capitalização da reforma, atendendo aos apelos das ruas. O parecer também trouxe uma boa notícia aos mais necessitados ao manter as regras atuais do BPC. Isso garante aos mais necessitados uma garantia de receber um salário mínimo, a partir dos 65 anos. O governo pretendia que os miseráveis passassem a receber este benefício integral, apenas aos 70 anos, o que passaria a ser utópica para a maioria esmagadora da população, já que os mais pobres dificilmente atinge esse idade. Os trabalhadores rurais também têm o que comemorar, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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ENFOQUE

arquivo pessoal

pois foram respeitadas suas especificidades. Não dá para trar um trabalhador rural com as mesmas regras dos urbanos. Também caiu no parecer final a retirada da Constituição de vários dispositivos que hoje regem a Previdência Social, transferindo a regulamentação para lei complementar. Vale frisar que a desconstitucionalização fere cláusulas pétreas da Carta Maior, que prevê um sistema solidário e mais justo com contribuições de trabalhadores, empregadores e governo. Esse seria um ponto grave de retrocesso social e de insegurança para os segurados do INSS. A proposta de reforma enviada pelo governo ao Congresso prevê quatro regras de transição para os trabalhadores da iniciativa privada. A primeira é o sistema de pontos: a soma da idade mais o tempo de contribuição, que hoje é 86 para as mulheres e 96 para os homens. Ela sobe um ponto a cada ano, chegando a 100 para mulheres e 105 para os homens. A outra é por idade mínima, que começa em 56 anos para mulheres e 61 para os homens, subindo meio ponto a cada ano. Em 2031 acaba a transição para as mulheres; homens já atingem a idade em 2027. Nesses dois casos, é exigido um tempo mínimo de contribuição: 30 anos para mulheres e 35 para homens. Por essa regra, esse mesmo trabalhador só poderá pedir aposentadoria em 2030, e receberá 84% do benefício a que ele terá direito. Quem está a dois anos de cumprir o tempo mínimo de contribuição que vale hoje, ainda pode se aposentar sem a idade mínima, mas vai pagar um pedágio de 50% do tempo que falta. Por exemplo, quem estiver a um ano da aposentadoria deverá trabalhar mais seis meses, totalizando um ano e meio. Quem quiser se aposentar por idade na transição deverá se enquadrar na seguinte regra: homens, a idade continua sendo 65 anos; mulheres, vai passar dos atuais 60 para 62 anos em 2023. O tempo de contribuição para mulheres fica em 15 anos e passa a ser 20 anos para homens em 2029 progressivamente. Nesta opção, ele se aposenta em 2030, também com 84% da aposentadoria a que tem direito. Também há regras de transição para os servidores públicos, com idade mínima de partida: 56 anos mulheres e 61 anos para os homens. Em 2022, as idades mínimas sobem para 57 e 62, e a essa regra se somam também requisitos como tempo de serviço público mais um sistema de pontos semelhante ao do setor privado: a soma da idade com o tempo de contribuição. O relator criou mais uma alternativa de transição que vale para funcionários públicos e trabalhadores do setor privado. Permite que homens se aposentem aos 60 anos e mulheres aos 57, desde que cumpram ao menos 35 e 30 anos de contribuição, respectivamente. Mas será preciso pagar um pedágio de 100% sobre o tempo de contribuição restante. Assim, se faltarem dois anos, terá que trabalhar por quatro anos. Neste caso, o segurado escapa do fator previdenciário. Esses são os pontos mais relevantes do atual texto da reforma. Certamente, ocorrerão mudanças na votação do Plenário da Câmara e, possivelmente, também no Senado. O essencial é que a reforma tenha um viés de mudança positiva e universal, sem privilégios.

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JOÃO BADARI é especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

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CASOS PRÁTICOS

Reforma legislativa tecnológica: Uma necessidade brasileira por

Agenor Alexsander de Carvalho Costa

Estamos, de fato, preparados para o presente? (Ops! Futuro?) No Brasil, onde mal comemoramos a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), tirando-nos de um atraso tremendo face à outros países e, mesmo assim já se tem registro do popular “jeitinho brasileiro” com a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ao dar-lhe um ar de “puxadinho”.

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CASOS PRÁTICOS

“A not long time ago in a galaxy far, far away...”

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ecentemente foi noticiado por Cheyenne MacDonald (2019) no website do Dailymail o primeiro caso de “robocídio” a se ter registro em nossa história e, o que a primeira vista parecia se tratar de uma brincadeira ou mesmo de alguma estratégia de marketing, acabou por instigar várias reflexões à comunidade de Direito e Tecnologia. A Tesla encontrou-se envolvida em mais um acidente de carro autônomo – e desta vez, sua vítima foi um robô humanoide rentável de US$ 2.000 por dia. No que muitos estão especulando foi um over-the-top PR dublê, Promobot revelou um dos seus robôs modelo v4 foi ‘morto’ por um Tesla Model S em uma rua de Las Vegas à frente da CES. O acidente ocorreu na Paradise Rd na noite de domingo, quando engenheiros transportaram os robôs da empresa para a cabine de exibição. (tradução nossa) O professor Marcelo Crespo (2019), fez as primeiras considerações sobre o caso em seu perfil do linkedin no que tange Machine Learning e ética, “Por isso é tão importante discutir ética algorítmica, já que num futuro não muito distante, seremos alvos de falhas.” De fato, a algum tempo já se debate no meio cientifico o dilema ético dos carros autônomos (driverless cars) e, a decisão de quem sofre acidentes ser das máquinas. Sergio Trentini (2017) nos lembra que “O primeiro carro autônomo teve seu protótipo lançado nos anos 80. No entanto, foi nos últimos anos que houve um boom sobre o tema.” Companhias automobilísticas, indústria tecnológica e setor acadêmico passaram a investir mais no setor. Entre os fatores que motivam o investimento estão 1) segurança, pois essa tecnologia é feita para reduzir o erro ao substituir a percepção e o julgamento humano por sensores e sistemas de inteligência artificial, e poderia reduzir até 90% nos acidentes de trânsito; 2) redução da poluição – segundo estudo, teríamos 80% menos emissão de gases poluentes; 3) o fim dos congestionamentos, uma vez que os veículos possuem sistemas interconectados de comunicação, o que nos leva ao item 4) que é um resultado dos três anteriores: qualidade de vida. (grifos nosso) Desta feita, temos que o aprendizado de máquina foi, e tem sido, a grande aposta para otimizar o tráfego e reduzir a poluição. Todavia, vem deixado a desejar logo na sua primeira meta – segurança – e registrando alguns incidentes, visto que somente a “General Motors relatou que seus carros autônomos [...] que circulam em testes na Califórnia, nos Estados Unidos, se envolveram em 13 acidentes neste ano, 6 deles em setembro” de 2017, todavia busca se isentar ao declarar que “foram causados por terceiros”. Em igual sentido “A Alphabet, dona do Google, também informou 3 acidentes com os carros autônomos da Waymo, a divisão da empresa que desenvolve essa tecnologia. Já a Uber relatou 1, em agosto” de 2017 e, finalmente, em março de 2018 foi noticiado que um carro autônomo da Uber causou sua primeira morte por atropelamento, levando a óbito uma mulher nos EUA. Não sendo essa a primeira morte no trânsito envolvendo carros autônomos, em Julho de 2016 registrou-se o primeiro acidente fatal com carro autônomo da Tesla. [...] a Tesla emitiu um comunicado lamentando a morte de Joshua Brown, 40 anos, nos Estados Unidos. O homem foi a primeira vítima fatal em um acidente

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de trânsito ao utilizar o piloto automático do Model S da Tesla. De acordo com a companhia, os sensores aparentemente não detectaram a presença de um enorme caminhão, causando a colisão em alta velocidade. O acidente, que aconteceu no dia 7 de maio do ano de 2016, no entanto, tem ganhado destaque apenas agora, principalmente por conta de uma série de detalhes revelados pela polícia norte-americana. Pondo-nos a fazer vários questionamentos: Você se sentiria seguro em um carro autônomo? De quem é a responsabilidade? Carros autônomos podem tomar decisões de vida e morte no trânsito? Bom, eu não vou entrar no mérito sobre a responsabilidade civil por acidentes de carros autônomos visto não ser o objetivo deste artigo de opinião, porém, o assunto não poderá passar in albis. Valendo o colacionar que, segundo Marcelo Crespo, “Em 2017 o Parlamento Europeu aprovou um regime de seguros obrigatórios pensando-se justamente na dificuldade de responsabilizar civilmente os robôs.” O nosso objetivo, a priori, seria explorar a necessidade de um código de trânsito que abarque tais questões tecnológicas. Vejamos que, segundo Lucas Monte Silva (2017): No Brasil, há mais de 45,4 milhões de automóveis (Globo, 2014). Cerca de um automóvel para cada 4,4 habitantes. O uso desses automóveis causa mais de 1 milhão de acidentes por ano, deixando mais de 376 mil feridos, causando mais de 45 mil mortes, anualmente (IPEA, 2015). Tais acidentes possuem como origem o excesso de velocidade, consumo de bebida alcoólica, irresponsabilidade, falta de paciência ou prudência, entre diversos outros motivos. Todavia, nada temos positivado em nosso ordenamento quando a direção está nas mãos da tecnologia, o que decerto nos leva a conclusão de que é necessário a inclusão de uma regulamentação que abarque também a esta nova forma de acidentes. Não é crível que permaneçamos à espera do pior para só assim tomarmos uma iniciativa. Convergente a esse entender, Lucas Monte Silva (2017) afirma que, “O ordenamento jurídico do Brasil, bem como de grande parcela das nações, não está preparado para essas situações jurídicas.” A legislação atinente à responsabilidade civil e o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, naturalmente, possuem como foco o ser humano, ou melhor, a conduta humana. No Código Civil, o enfoque repousa no autor (“aquele” – art. 927; “autor” – art. 935, por exemplo) e no CTB, o sujeito das medidas é o condutor (“o condutor deverá” – art. 28, por exemplo). Avançando um pouco mais o tema, com vistas a essa “abordagem legislativa voltada ao ser humano, de acordo com a legislação brasileira vigente, não é possível o uso de carro autônomo em vias públicas”. O art. 28 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.” (grifo nosso) A não ser que seja feita uma interpretação evolutiva para que no conceito de “condutor” seja albergado os sistemas veiculares, o que não se sustenta após uma interpretação sistemática, vislumbrando-se a impossibilidade do uso de carros autônomos no Brasil em vias públicas. O que nos leva a crer que, para “que seja possível a responsabilidade civil dos envolvidos, será necessário partir da premissa que o CTB deverá sofrer alterações significativas de forma a permitir a circulação de veículos autônomos no Brasil”. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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CASOS PRÁTICOS Parece-nos mais recomendável que a responsabilidade seja do fabricante, levando em consideração a teoria do risco. [...] No caso dos carros autônomos, nota-se mais especificamente a existência do risco proveito. Segundo a teoria do risco proveito, o responsável pela reparação do dano deve ser aquele que retirou proveito ou vantagem do fato lesivo, de tal forma que “quem colhe os frutos da utilização de coisas ou atividades perigosas deve experimentar as consequências prejudiciais que dela decorrem” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 153). Nesse mesmo sentido, o art. 931 do Código Civil informa que: Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Excelente, resolvemos o problema com a legislação vigente, caso encerrado! Mas, não é tão simples assim, se nos atermos ao fato de que “o carro autônomo é formado por hardware e software (THOMOPOULOS; GIVONI, 2015, p. 4). O primeiro é o veículo em si, é o conjunto de peças que formam o carro e possibilitam a automação desejada [...]” e ainda “que a maioria dos fabricantes (Google, Volvo, Mercedes-Benz, Audi, Tesla, Delphi Automotive, Nissan, Bosch, por exemplo) serão responsáveis pela criação e fabricação de ambos, de tal forma que a diferenciação para fins de responsabilização seria irrelevante.” Puts! Decerto seria necessária uma “investigação da causa do acidente, de forma a responsabilizar o devido fabricante, seja ele do hardware ou do software” e “A situação é ainda mais complicada no caso de uma colisão entre dois veículos autônomos.” Encontrando solução para este conflito fora do nosso arcabouço jurídico, de forma extra judicial, por intermédio de um acordo entre cavalheiros (gentlemen’s agreement) feito entre as montadoras envolvidas. Por fim, não temos uma solução judicial ao impasse, sendo necessária uma reflexão quanto a inovação e tecnologia dentro do nosso ordenamento. Agora o segundo passo... Já deixei comprovado que a tecnologia dos filmes de ficção chegou à porta das nossas casas, e nem bateu para poder entrar. Como vai se regular as armas com potencial cibernético, sem o viés político por aqui, mas agora que temos um presidente eleito a favor de se revogar a lei do desarmamento, isso não lhes preocupa? Bastaria simplesmente revogar a lei do desarmamento e não nos atermos aos avanços tecnológicos das armas inteligentes? Bom meu caro(a), tal realidade também já não é uma ficção. Nos Estado Unidos um jovem adolescente “chamado Kai Kloepfer resolveu criar um conceito de ‘arma inteligente’, [...] com a ajuda de uma impressora 3D” Relembro ainda, um trecho doutro artigo de opinião que escrevi: [...] em julho de 2015 centenas de cientistas, pesquisadores e especialistas como Elon Musk da Tesla Motors, Steve Wozniak da Apple, Demis Hassabis do Google, Noam Chomsky e Stephen Hawking “assinaram uma carta aberta alertando sobre os riscos do uso da inteligência artificial em armas.” (Future of Life Institute, 2015)

Mas então, estamos preparados legislativamente para isso? E mais, indo um pouco mais além – já que a ficção se tornou parte da nossa realidade – assisti ao filme Weaponized (Sci-Fi, 2016) estes dias atrás, sobre “nanorobôs” que seriam injetados nas veias da pessoa afim de lhes controlar a mente! 66

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Acreditem, nosso arcabouço jurídico ainda se mostra tremendamente primitivo à certas questões. E não digo apenas em matéria de inteligência artificial sendo aplicada na indústria automotiva ou bélica, a coisa mais difícil que se tem no Brasil ainda é lidar com a burocracia para se abrir uma empresa, e acreditem, temos potencial e inúmeras ideias fantásticas para fomentar o mercado das Startups. Mas só quem presta assessoria a estas sabe o quão cansativo é abrir uma empresa cá nestas terras, preferível por vezes requerer por uma cidadania na Estónia. Estamos, de fato, preparados para o presente? (Ops! Futuro?) No Brasil, onde mal comemoramos a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), tirando-nos de um atraso tremendo face à outros países e, mesmo assim já se tem registro do popular “jeitinho brasileiro” com a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ao dar-lhe um ar de “puxadinho”. Confesso ficar curioso para ver este futuro chegar logo, mas ainda mais curioso pelas novas legislações que irão surgir neste decorrer. REFERÊNCIAS

arquivo pessoal

CARVALHO, Alexsander. “Extinção, 2018”: Direitos Humanos no Cinema. [Spoiler] Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/extin%C3%A7%C3%A3o-2018-e-direitos-humanos-spoiler -alexsander-carvalho/ Acessado em: 09 de janeiro de 2019. ______. Conceito de arma inteligente só dispara se reconhecer o dono. Disponível em: Acessado em: https://canaltech.com.br/conceito/conceito-de-arma-inteligente-so-dispara-se-reconhecer -o-dono-81275/ 08 de janeiro de 2019. CRESPO, Marcelo Xavier Freitas. Passando pela sua timeline um “robocídio” (um self driving car que atropelou e “matou” um robô humanoide) ocorrido nos EUA. Disponível em: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6488347762260738048 Acessado em: 08 de janeiro de 2019. ______. GM relata 13 acidentes com carros autônomos na Califórnia e diz que foram causados por terceiros. Disponível em: https://g1.globo.com/carros/noticia/gm-relata-13-acidentes-comcarros-autonomos-na-california-e-diz-que-foram-causados-por-terceiros.ghtml Acessado em: 08 de janeiro de 2019. MacDonald, Cheyenne. Oops! Autonomous robot struck killed self driving Tesla Las Vegas ahead CE. In: Dailymail Disponível em: https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-6566655/Oops -Autonomous-robot-struck-killed-self-driving-Tesla-Las-Vegas-ahead-CES.html Acessado em: 08 de janeiro de 2019. SILVA, Lucas do Monte. A responsabilidade civil por acidentes de carros autônomos: uma análise sob a ótica das smart cities. R. TRF1 Brasília v. 29 n. 7/8 jul./ago. 2017 ______. Primeiro acidente fatal com carro autônomo da Tesla: novos detalhes sobre o caso. Disponível em: https://canaltech.com.br/carros/primeiro-acidente-fatal-com-carro-autonomo-da-tesla-novos-detalhes-sobre-o-caso-71823/ Acessado em: 08 de janeiro de 2019. Trentini, Sergio. O dilema ético dos carros autônomos: a decisão de quem sofre acidentes é das máquinas. Disponível em: http://thecityfixbrasil.com/2017/04/19/o-dilema-etico-dos-carros-autonomos-a-decisao-de-quem-sofre-acidentes-e-das-maquinas/ Acessado em: 08 de janeiro de 2019.

AGENOR ALEXSANDER DE CARVALHO COSTA é Advogado, formado em Direito pela FDCL – Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da OAB/FUMEC, atuante nas esferas trabalhista, empresarial, consumidor, cível e digital. Fundador e Presidente da Comissão de Tecnologia e Segurança da Informação 2ª Subseção da OAB/MG de Conselheiro Lafaiete. Técnico em Informática pela UNA/FIT – Faculdade Infórium de Tecnologia.

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PRÁTICA JURÍDICA

DIVULGAÇÃO

O homicídio doloso perpetrado pelo marido, convivente, namorado e amasiado1, em face da sua mulher, por motivo de ciúme, atrai por si só, a figura do feminicídio?

por

Joaquim Leitão Junior

O marido, convivente, namorado e amasiado que mata dolosamente (ou tenta matar) a esposa por ciúme, pratica necessariamente um feminicídio, mormente quando se visualiza à dicção do art. 5º e art. 7º, ambos da Lei Maria da Penha.

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H

á uma discussão travada na doutrina e jurisprudência, se a morte produzida pelo ciúme2 de marido de maneira dolosa, em face da esposa poderia acumular com a qualificadora de motivo torpe e ao mesmo tempo ser feminicídio3. Essa discussão se desdobra em vários pontos, nos quais ilustraremos adiante para melhor compreensão: 1. se o feminicídio é de natureza subjetiva, conforme posição minoritária? se o feminicídio é de natureza objetiva, posicionamento este majoritário4-5? 2. ainda há quem sustente que se teria uma hibridez, assim parte do feminicídio seria subjetiva (se afeta à discriminação de gênero) e a outra parte objetiva6 (relativa à violência doméstica ou familiar). 3. há ainda quem visualize a possibilidade de o marido ceifar a vida da esposa, sem os componentes de violência doméstica ou de razões da condição do sexo feminino, não cometeria feminicídio, mas sim possível homicídio simples ou o homicídio com qualquer outra qualificadora que não do inciso VI (feminicídio).

Descobrir o que consiste uma violência doméstica e familiar, assim como o menosprezo ou discriminação à condição da mulher, nos parece ser fundamental para o desate destes pontos nodais e de relevância à celeuma. Ademais, descobrir as variações de violência doméstica e familiar, bem como o menosprezo ou discriminação à condição da mulher, é fazer uma incursão no âmago da discussão, e implica em uma leitura atenta à Lei Maria da Penha, em que uma das hipóteses de incidência é justamente, a relação íntima de afeto. E mais, para chegarmos ao conceito de feminicídio, impõe uma análise da Lei nº 13.104/2015, conjugada com a Lei Maria da Penha. Com advento da Lei nº 13.104/2015, o homicídio doloso tentado ou consumado, em face da mulher em âmbito doméstico e familiar ou por menosprezo ou discriminação da condição de mulher passa a ser homicídio qualificado expressamente como “feminicídio”. Vejamos: “§ 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Nessa circunstância, temos que o marido que mata a esposa por ciúme7, é necessariamente um feminicídio, mormente quando voltamos o olhar, ao art. 5º8 e 7º9, ambos da Lei Maria da Penha. Por essas disposições, não conseguimos desvencilhar do fato de estarmos perante a um feminicídio, diante da situação hipotética, em que o marido, convivente, namorado e amasiado mata dolosamente (ou tenta matar) a esposa (com as demais variáveis do estado civil) por ciúme. O Superior Tribunal de Justiça quando enfrentou a natureza do feminicídio, o fez como qualificadora de ordem objetiva – embora tenhamos nossas ressalvas neste ponto. Essa conclusão inicial pretoriana, é importante ao menos, como ponto de partida, para averiguarmos possível compatibilidade de qualificadoras de ordem objetiva e de ordem subjetiva. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PRÁTICA JURÍDICA Teríamos nessa perspectiva outra problemática: se partirmos do pressuposto de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende ser o feminicídio qualificadora de ordem objetiva, seria possível conciliar com outra qualificadora e até mesmo com o privilégio? Não poderia apresentar uma possível antinomia, frente a singularidade desta situação? Em respostas às provocações contidas nos questionamentos pelo menos no que toca às qualificadoras, a orientação do STJ tem sido que: “considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise” (STJ – REsp 1.707.113/MG, de Relatoria do Ministro Felix Fischer, publicado no dia 7.12.2017).

E mais: “Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar” [STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625)].

Então, na visão do Superior Tribunal de Justiça, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Todavia, em contraponto extremamente elogiável (do qual comungamos do seu ponto de vista) a esse assunto que parece ganhar certa tendência na Corte acima, o promotor de justiça, Francisco Dirceu Barros, faz uma análise bem aprofundada sobre a temática, consignando que: “O Dissenso Doutrinário No que tange à natureza da qualificadora do feminicídio, há grande controvérsia doutrinária. 1ª POSIÇÃO: FEMINICÍDIO É UMA QUALIFICADORA SUBJETIVA, PORTANTO É JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL A EXISTÊNCIA DE UM FEMINICÍDIO PRIVILEGIADO. Defendo no livro Tratado doutrinário de direito penal que: Entendo que qualificadora do feminicídio é subjetiva, na medida em que se enquadra na motivação do agente. Ou seja, é homicídio cometido por estritas razões relacionadas à condição de mulher, não havendo ligação com os meios ou modos de execução do crime. A violência doméstica, familiar e também o menosprezo ou discriminação à condição de mulher, não são formas de execução do crime, e sim a motivação delitiva; portanto, o feminicídio é uma qualificadora subjetiva. [grifos nossos]. Assim, são qualificadoras: a) Subjetivas (art; 121, incisos I, II, V e VI, do CP) I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;

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VII – funcional. b) Objetivas (art. 121, incisos III e IV, do CP) III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. No mesmo sentido é a posição de: Cezar Roberto Bitencourt: […] o próprio móvel do crime é o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher, mas é, igualmente, a vulnerabilidade da mulher tida, física e psicologicamente, como mais frágil, que encoraja a prática da violência por homens covardes, na presumível certeza de sua dificuldade em oferecer resistência ao agressor machista. Alice Bianchini: A qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Uma hipótese: mulher usa minissaia. Por esse motivo fático o seu marido ou namorado a mata. E mata-a por uma motivação aberrante, a de presumir que a mulher deve se submeter ao seu gosto ou apreciação moral, como se dela ele tivesse posse, reficando-a, anulando-lhe opções estéticas ou morais, supondo que a mulher não é possível contrariar as vontades do homem. Em motivações equivalentes a essa há uma ofensa à condição de sexo feminino. O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino, ou do feminino exercendo, a seu gosto, um modo de ser feminino. Em razão disso, ou seja, em decorrência unicamente disso. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio de execução do crime. A violência de gênero não é uma forma de execução do crime; é, sim, sua razão, seu motivo. É também a posição de: Márcio André Lopes Cavalcante, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha, Ronaldo Batista Pinto, Eduardo Luiz Santos Cabette etc. Conclusões Práticas da Primeira Posição Sendo o feminicídio uma qualificadora subjetiva, haverá, impreterivelmente, três consequências: a) As qualificadoras subjetivas (art. 121, incisos I, II, V, VI e VII) não se comunicam com os demais coautores ou partícipe no concurso de pessoas. As qualificadoras objetivas (art. 121, incisos III e IV) comunicam-se, desde que ingressem na esfera de conhecimento dos envolvidos. b) Não é possível a qualificadora do feminicídio ser cumulada com o privilégio do art. 121, § 1º, do Código Penal, ou seja, não existe feminicídio qualificado privilegiado, porque doutrina e a jurisprudência dominante sempre admitiram, como regra, homicídio qualificado privilegiado, estabelecendo uma condição; a qualificadora deve ser de natureza objetiva, pois o privilégio descrito nos núcleos típicos do art. 121, § 1º, são todos subjetivos, algo que repele as qualificadoras da mesma natureza. • Posição do STF: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da possibilidade de homicídio privilegiado-qualificado, desde que não haja incompatibilidade entre as circunstâncias do caso. Noutro dizer, tratando-se de qualificadora de caráter objetivo (meios e modos de execução do crime), é possível o reconhecimento do privilégio (sempre de natureza subjetiva) (HC 97.034/MG). • Posição do STJ: Admite-se a figura do homicídio privilegiado-qualificado, sendo fundamental, no particular, a natureza das circunstâncias. Não há incompatibilidade entre circunstâncias subjetivas e objetivas, pelo que o motivo de relevante valor moral não constitui empeço a que incida a qualificadora da surpresa (RT 680/406).

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PRÁTICA JURÍDICA c) As qualificadoras do feminicídio (natureza subjetiva) e as qualificadoras do motivo torpe e fútil (natureza subjetiva) não podem ser cumuladas, constituindo-se um verdadeiro bis in idem a possibilidade de cumulação, uma vez que o desprezível menosprezo à condição da mulher já é um motivo abjeto, repugnante, torpe. É também da 2ª Câmara Criminal do TJMG: A cumulação da qualificadora referente à futilidade do motivo do crime àquela do feminicídio configura o vedado bis in idem, uma vez que, inobstante a existência de respeitável entendimento em sentido diverso, ambas são qualificadoras de natureza subjetiva, já que estão ligadas à motivação do agente para a prática delitiva (Recurso em Sentido Estrito 0028221-64.2015.8.13.0572 (1), 2ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. Beatriz Pinheiro Caires. j. 22.09.2016, Publ. 03.10.2016). 2ª POSIÇÃO: A QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO É OBJETIVA, PORTANTO, É JURIDICAMENTE POSSÍVEL A EXISTÊNCIA DE UM FEMINICÍDIO PRIVILEGIADO. Nesse sentido: Vicente de Paula Rodrigues Maggio. Para o autor, com o advento da Lei nº 13.104/2015, que incluiu mais uma qualificadora no crime de homicídio, cinco passam a ser as espécies de qualificadoras: 1) pelos motivos (incisos I a II – paga, promessa ou outro motivo torpe, e pelo motivo fútil); 2) meio empregado (inciso III – veneno, fogo, explosivo, asfixia etc.); 3) modo de execução (inciso IV – traição, emboscada, dissimulação etc.), 4) por conexão (inciso V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime); e, a novidade, 5) pelo sexo da vítima (inciso VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino). Para Vicente Maggio, as qualificadoras previstas nos incisos III, IV e VI são objetivas. Paulo Busato. Para o autor, trata-se de dado absolutamente objetivo, equivocadamente inserido em disposição que cuida de circunstâncias de natureza subjetiva. A partir dessas premissas, lança-se observação acerca do motivo imediato, que pode qualificar o crime se aderente às hipóteses do art. 121, § 2º, incisos I, II e V, do Código Penal, quadro que não se confunde com a condição de fato, ou seja, com o contexto objetivo, caracterizador do cenário legal de violência de gênero. É a posição das 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Turmas Criminais do TJDFT (cf. TJDFT, Recurso em Sentido Estrito 20150310129458 (939432), 1ª Turma Criminal, Rel. Sandra de Santis, j. 06.05.2016, DJe 10.05.2016). Recurso da defesa não provido (TJDFT, RSE 20160310000568 (967751), 3ª Turma Criminal, Rel. Waldir Leôncio C. Lopes Júnior, j. 22.09.2016, DJe 28.09.2016). E também da 1.ª Câmara Criminal do TJMG: As qualificadoras do feminicídio (natureza objetiva) e motivo torpe (natureza subjetiva) são distintas e autônomas, sendo possível o seu reconhecimento simultâneo, afastandose, assim, o bis in idem (TJMG, Recurso em Sentido Estrito 2013983-98.2015.8.13.0024 (1), 1ª Câmara Criminal, Rel. Alberto Deodato Neto, j. 02.08.2016, unânime, Publ. 12.08.2016). Na mesma linha, vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça: 1. O Tribunal a quo decidiu em conformidade com o entendimento desta Corte Superior, porquanto, tratando-se o motivo torpe (vingança contra ex-namorada) de qualificadora de natureza subjetiva, e o fato de a vítima e o acusado terem mantido relacionamento afetivo por anos, sendo certo que o crime se deu com violência contra a mulher na forma da Lei nº 11.340/2006, ser uma agravante de cunho objetivo, não se pode falar em bis in idem no reconhecimento de ambas, de modo que não se vislumbra ilegalidade no ponto. 2. Nessa linha, trecho da decisão monocrática proferida pelo Ministro Felix Fischer, REsp nº 1.707.113/MG (DJ 07.12.2017), no qual destacou que, considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do motivo

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torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp 1741418/SP, 5ª Turma, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 07.06.2018). Conclusões Práticas da Segunda Posição: a) Sendo a qualificadora de feminicídio de natureza objetiva, é possível coexistir com a qualificadora de motivo torpe ou fútil. b) Para essa posição, é possível um “feminicídio qualificado privilegiado”. Filiamo-nos à primeira corrente, portanto entendemos ser juridicamente impossível a configuração da tese do “feminicídio qualificado privilegiado”. OS GRANDES ERROS DA SEGUNDA TESE Em algumas hipóteses, defender que o feminicídio é uma qualificadora objetiva seria interessante para fortalecer o combate à morte de mulheres, pois seria possível cumular a qualificadora objetiva do feminicídio com o motivo torpe ou fútil, que são subjetivas. Assim, teríamos um feminicídio cumulado com motivo torpe. É assim que vem decidindo o STJ: Nos termos do art. 121, § 2º-A, II, do CP, é devida a incidência da qualificadora do feminicídio nos casos em que o delito é praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar, possuindo, portanto, natureza de ordem objetiva, o que dispensa a análise do animus do agente. Assim, não há se falar em ocorrência de bis in idem no reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio, porquanto, a primeira tem natureza subjetiva e a segunda objetiva. Agravo regimental improvido (AgRg no HC 440945/MG, 6ª Turma, Min. Nefi Cordeiro, j. 05.06.2018). A segunda tese revela dois grandes erros, a saber: Primeiro: Torpe é o motivo baixo, abjeto, desprezível, repugnante, vil, ignóbil, que repugna a coletividade. Pergunta-se: matar uma mulher por razões da condição de sexo feminino, motivado pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, não é algo repugnante, vil, ignóbil ou repugnante? Entendo que sim. Portanto, o feminicídio traz em sua essência o conceito de torpeza, caracterizando-se um verdadeiro bis in idem a cumulação das duas qualificadoras, feminicídio mais a torpeza. Segundo: O concurso entre causa especial de diminuição de pena (homicídio privilegiado, art. 121, § 1º) e as qualificadoras objetivas, que se referem aos meios e modos de execução do homicídio, é aceito pela doutrina majoritária e pela jurisprudência do STF e STJ. Dessarte, ao defender que o feminicídio é uma qualificadora objetiva, abre-se o temerário espaço para apresentação da tese de que o agente cometeu o feminicídio impelido por motivo de relevante valor moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. É a inaceitável e maquiavélica consolidação do: “Feminicídio privilegiado: o privilégio de matar mulheres”. UMA SOLUÇÃO POSSÍVEL Para unificar as posições divergentes demandará muito tempo, ainda mais com a prevalência em nossa doutrina do garantismo penal condoreiro monopolar. Facilmente podemos prever que em pouco tempo será dominante a tese do “feminicídio privilegiado”. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PRÁTICA JURÍDICA O chamado garantismo penal condoreiro monopolar, ou seja, doutrina que patrocina uma proteção exagerada e desproporcional ao réu na relação penal processual, e que hoje contamina grande parte da doutrina brasileira, logo fará a apressada filiação do feminicídio privilegiado, causando o usual fenômeno da violação ao princípio da proteção penal deficiente. Cleber Masson, em citação à lição de Paulo de Queiroz, assinala: Convém notar, todavia, que o princípio da proporcionalidade compreende, além da proibição do excesso, a proibição de insuficiência da intervenção jurídico-penal. Significa dizer que, se, por um lado, deve ser combatida a sanção desproporcional porque excessiva, por outro lado, cumpre também evitar a resposta penal que fique muito aquém do seu efetivo merecimento, dado o seu grau de ofensividade e significação político-criminal, afinal a desproporção tanto pode dar-se para mais quanto para menos. No Brasil, além de não dispormos de um potencial legislativo eficaz para combater a ascendente criminalidade, temos que conviver com os exageros garantistas, como bem anotam Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna: O exagero garantista, no sentido de que a “defesa tudo pode”, é tão gritante que chega a ponto de ensejar decisões inacreditáveis, que acabam fomentando comportamentos maliciosos, criminosos e desonestos dos réus no processo penal, desde que não venham a atingir os interesses de particulares, em uma visão individualista e – data venia – ultrapassada de um processo penal verdadeiramente democrático e garantista. Prevendo o que pode ocorrer em um futuro breve, a única solução plausível para que matar mulher por razões de gênero não seja um fato fomentador de privilégio, defendo que o feminicídio deve ser retirado da qualificadora do homicídio e se tornar um crime autônomo com pena igual a do latrocínio, a saber: Crime de feminicídio Art. 121-A. Matar mulher motivado por razões da condição de sexo feminino: Pena – reclusão, de vinte a trinta anos. §1º Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Revogam-se o inciso VI e o § 2º-A do art. 121 do Código Penal” (BARROS, 2019, p. 1).

De qualquer modo, fazemos as ressalvas de não estarmos totalmente convencidos de ser possível, compatibilizar qualificadora de feminicídio em relação ao privilégio, pela singularidade em si da matéria, máxime por estarmos inclinados de que a qualificadora de feminicídio seria de índole subjetiva10 – e não objetiva,“datíssima máxima vênia” como a maioria da doutrina tem pregado, e, o STJ chancelado. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS Caminhando para o desfecho, entendemos que o marido, convivente, namorado e amasiado que mata dolosamente (ou tenta matar) a esposa por ciúme, pratica necessariamente um feminicídio, mormente quando se visualiza à dicção do art. 5º e art. 7º, ambos da Lei Maria da Penha. Por fim, encerramos com as ressalvas de que não estamos totalmente convencidos de ser possível, compatibilizar qualificadora de feminicídio em relação ao privilégio, pela singularidade em si da matéria, máxime por estarmos inclinados 74

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de que a qualificadora de feminicídio seria de natureza subjetiva – e não objetiva, como, a maioria da doutrina e o STJ têm firmado posicionamento, lembrando que para corrente que defende a qualificadora do feminicídio ser de ordem objetiva, estará dizendo que juridicamente é possível a existência de um feminicídio privilegiado. Obviamente, de outro lado, quem comungar do nosso entendimento, onde a qualificadora do feminicídio seja reputada de ordem subjetiva, estará dizendo juridicamente que não é possível a existência de um feminicídio privilegiado, pela incompatibilidade. NOTAS 1 Quanto ao marido, convivente, namorado* e amasiado, partiremos da premissa de que STJ já deliberou que nessas hipóteses de fatos ocorridos em âmbito doméstico e familiar, em face de sua consorte (com as demais variáveis do estado civil), estaremos diante da Lei Maria da Penha. 2 Quanto ao ciúme, a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça diz que: “O sentimento de ciúme pode tanto inserir-se na qualificadora do inciso I ou II do § 2º, ou mesmo no privilégio do parágrafo primeiro, ambos do art. 121 do CP, análise feita concretamente, caso a caso” (STJ – AgRg no AREsp 363.919/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/05/2014, DJe 21/05/2014). 3 Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. (...) § 2º Se o homicídio é cometido: Feminicídio VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. (...) Pena – reclusão, de doze a trinta anos. 4 O festejado penalista, Guilherme de Souza Nucci, enfrentando o feminicídio pontua que se trata de “uma qualificadora objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher”, advertindo que “o agente não mata a mulher somente porque ela é mulher, mas o faz por ódio, raiva, ciúme, disputa familiar, prazer, sadismo, enfim, por motivos variados que podem ser torpes ou fúteis; podem, inclusive, ser moralmente relevantes’, não se descartando, ‘por óbvio, a possibilidade de o homem matar a mulher por questões de misoginia ou violência doméstica; mesmo assim, a violência doméstica e a misoginia proporcionam aos homens o prazer de espancar e matar a mulher, porque esta é fisicamente mais fraca’, tratando-se de ‘violência de gênero, o que nos parece objetivo, e não subjetivo” (NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume 2. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 46/47). 5 No julgamento do Habeas Corpus nº 430.222/MG, julgado em 15/03/2018, a Corte de Cidadania negou a ordem de soltura sob – dentre outros – o argumento de que as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio não são incompatíveis porque não têm a mesma natureza: enquanto a primeira é subjetiva, esta última (feminicídio) é dotada de caráter objetiva. 6 QUALIFICADORA – FEMINICÍDIO – NATUREZA OBJETIVA (TJDFT) 1 Réu pronunciado por infringir o art. 121, § 2º, inciso I, do Código Penal, depois de matar a companheira a facadas motivado pelo sentimento egoístico de posse. 2 Os protagonistas da tragédia familiar conviveram sob o mesmo teto, em união estável, mas o varão nutria sentimento egoístico de posse e, impelido por essa torpe motivação, não queria que ela trabalhasse num local frequentado por homens. A inclusão da qualificadora agora prevista no art. 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal, não poderá servir apenas como substitutivo das qualificadoras de motivo revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PRÁTICA JURÍDICA torpe ou fútil, que são de natureza subjetiva, sob pena de menosprezar o esforço do legislador. A Lei nº 13.104/2015 veio a lume na esteira da doutrina inspiradora da Lei Maria da Penha, buscando conferir maior proteção à mulher brasileira, vítima de condições culturais atávicas que lhe impuseram a subserviência ao homem. Resgatar a dignidade perdida ao longo da história da dominação masculina foi a ratioessendi da nova lei, e o seu sentido teleológico estaria perdido se fosse simplesmente substituída a torpeza pelo feminicídio. Ambas as qualificadoras podem coexistir perfeitamente, porque é diversa a natureza de cada uma: a torpeza continua ligada umbilicalmente à motivação da ação homicida, e o feminicídio ocorrerá toda vez que, objetivamente, haja uma agressão à mulher proveniente de convivência doméstica familiar. (TJDFT. Acórdão n.904781, 20150310069727RSE, Relator: GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 29/10/2015, Publicado no DJE: 11/11/2015. Pág.: 105). 7 Apelação criminal. Feminicídio. Tentativa. Nulidade do julgamento. Exclusão das qualificadoras. Motivo fútil. Recurso que dificultou a defesa da vítima. Impossibilidade. Soberania do júri. Dosimetria. Discricionariedade do juiz. Exasperação justificada. Descabe a exclusão da qualificadora de motivo fútil quando comprovado nos autos que o crime de feminicídio foi motivado por ciúmes e pela intenção da vítima de romper o relacionamento conjugal. Caracteriza a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima o ato de o agente surpreendê -la, em meio a uma discussão rotineira, e persegui-la, reduzindo sua capacidade de defesa ao imobilizá-la aproveitando-se de sua superioridade física. Não há que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos quando existente versão coerente e consentânea com os meios de provas existentes nos autos. É lícita a fixação da pena acima do mínimo legal quando fundada na correta valoração das circunstâncias judiciais, com fundamento concreto em elementos observados nos autos e uso de uma das qualificadoras para aumento da pena-base, tendo o Juízo a quo apontado clara e precisamente os motivos para a escolha do patamar fixado, conforme lhe permite a discricionariedade. (Apelação, Processo nº 000033559.2016.822.0005, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Des. Valdeci CastellarCiton, Data de julgamento: 09/11/2016) (TJ-RO – APL: 00003355920168220005 RO 0000335-59.2016.822.0005, Relator: Desembargador Valdeci CastellarCiton, Data de Julgamento: 09/11/2016, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 17/11/2016). 8 Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015) I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. 9 CAPÍTULO II DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante amea-

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ça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 10 Lembrando que o feminicídio é homicídio cometido por motivações relacionadas, obviamente, à condição de mulher (sexo feminino), não existindo em nosso sentir, liame com os meios ou modos de execução do crime. Outrossim, a violência doméstica, familiar e também o próprio menosprezo ou discriminação à condição de mulher são ingredientes contidos na legislação para ocorrer o feminicídio, não consistem em formas de execução do crime, mas propriamente a real motivação delitiva. Logo, o feminicídio nessa linha de raciocínio, é uma qualificadora de ordem subjetiva. REFERÊNCIAS

arquivo pessoal

BARROS, Francisco Dirceu. Feminicídio Privilegiado: O Privilégio de Matar Mulheres. Publicado em 05.abr.2019 no site GenJurídico.com.br. Disponível em <<http://genjuridico.com. br/2019/04/05/feminicidio-privilegiado-o-privilegio-de-matar-mulheres/>>. Acesso em 07 de julho de 2019. CUNHA, Rogério Sanches. STJ: Qualificadora do feminicídio tem natureza objetiva. Publicado no Meusitejuridico.com. Disponível em:<<https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com. br/2018/04/05/stj-qualificadora-feminicidio-tem-natureza-objetiva/>>. Acesso em 07 de julho de 2019. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume 2. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 46/47. STJ – AgRg no AREsp 363.919/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/05/2014, DJe 21/05/2014. STJ – REsp 1.707.113/MG, de Relatoria do Ministro Felix Fischer, publicado no dia 7.12.2017. STJ. Habeas Corpus nº 430.222/MG, julgado em 15/03/2018. STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018. TJDFT. Acórdão n.904781, 20150310069727RSE, Relator: GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 29/10/2015, Publicado no DJE: 11/11/2015. Pág.: 105. TJ-RO – APL: 00003355920168220005 RO 0000335-59.2016.822.0005, Relator: Desembargador Valdeci CastellarCiton, Data de Julgamento: 09/11/2016, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 17/11/2016. JOAQUIM LEITÃO JÚNIOR é Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso, atualmente Assessor Institucional e Coordenador da Assessoria Jurídica da Diretoria da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obra jurídica e autor de artigos jurídicos.

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DIVULGAÇÃO

VISÃO JURÍDICA

IPI – IMPORTAÇÃO – AUSÊNCIA DE PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO – IMPORTAÇÃO DIRETA, POR ENCOMENDA E POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS – AÇÃO JUDICIAL PROCEDENTE COM COISA JULGADA – AÇÃO APÓS DESEMBARAÇO ADUANEIRO – RESCISÓRIA DA FAZENDA SEM ÊXITO – PARECER por

Ives Gandra da Silva Martins e Rogério Vidal Gandra Martins

Ainda que na importação por encomenda a Consulente realize a importação indireta através de uma pessoa jurídica que com nome e expensas próprias procederá a aquisição de mercadoria no exterior, o processo de importação, o desembaraço aduaneiro, revendendo à Consulente, na qualidade de adquirente predeterminada (encomendante), entendemos que só por força de processo de industrialização após o despacho aduaneiro é que poderá ocorrer novo fato gerador do IPI e eventual relação jurídica entre a Consulente e o Fisco. Do contrário prevalecerá a operação albergada pela força da coisa julgada.

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CONSULTA

A

consulente, através de seus representantes Drs. Natanael Santos de Souza e Marcelo Biff, consulta-nos sobre a seguinte questão:

“A consulente é uma empresa Trading que opera com importação na modalidade de Encomenda e por conta e ordem de terceiro. Conforme noticiado pela nossa empresa temos transito julgado em processos de dois dos nossos CNPJs, conforme documentação já enviada aos senhores, a saber: nºs 00.802.235/0011-79 e 00.802.235/000792. Entendemos que devemos proceder, na importação por encomenda e por conta e ordem, baseados na IN 1861/18, sem o destaque do IPI nas referidas NF de Revenda no caso de encomenda, e de remessa no caso de conta e ordem. Tal instrução mencionada acima, em seu art. 3º declara que: “Art. 3º Considera-se operação de importação por encomenda aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira por ela adquirida no exterior para revenda a encomendante predeterminado. Parágrafo 4º O importador por encomenda poderá solicitar prestação de garantia, inclusive mediante arras, sem descaracterizar a operação referida no caput.” São nossos quesitos: 1) A Consulente pode vender mercadorias nacionalizadas por encomenda sem o devido destaque do IPI baseado no transito julgado de novas decisões favoráveis? 2) A Consulente pode remeter mercadorias nacionalizadas por conta e ordem sem o devido destaque do IPI baseado em tais decisões? 3) A importação própria de mercadorias pela Consulente e posteriormente a revenda no mercado, sem o devido destaque do IPI, está amparada pelo transito julgado dos processos referidos? 4) O cliente que adquirir mercadorias da Consulente por encomenda sem o IPI destacado na NF da Consulente, corre o risco de a RF cobrar o IPI não destacado na NF e ser multado pela RF? 5) O cliente que adquirir mercadorias da Consulente por conta e ordem sem o IPI destacado na NF da Consulente, corre o risco de a RF cobrar o IPI não destacado na NF e ser multado pela RF? 6) Baseado na IN 1861/2018 qual o percentual, sobre a operação, de ARRAS que a trading poderia receber dos clientes como garantia das importações por encomenda? 7) O fato de o cliente ser equiparado a indústria, por lei, pode a RF cobrar o IPI não destacado na NF da Consulente, nas importações por encomenda? 8) O fato de o cliente ser equiparado a indústria, por lei, pode a RF cobrar o IPI não destacado na NF da Consulente, nas importações por conta e ordem?

RESPOSTA Algumas considerações preliminares são necessárias para responder ao final as questões formuladas. A primeira diz respeito ao perfil delineado pela Constituição Federal e pela legislação complementar ao imposto sobre produtos industrializados – IPI. A CF, em seu art. 153, VI outorgou à União a atribuição para a imposição do IPI nos termos seguintes: revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) IV – produtos industrializados;”

Conferida a competência impositiva ao ente federativo, o Texto Supremo estabeleceu que as normas gerais do imposto seriam traçadas por lei complementar, como se depreende da leitura do 146, III, “a” e “b”, verbis: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;” b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (grifos nossos)

No tocante à explicitação das normas gerais do IPI, coube ao Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66) esta tarefa normativa, plasmada em seus arts. 46 a 51, diplomas recepcionados pela Carta da República de 1988. O art. 46 definiu as hipóteses de incidência do tributo na seguinte dicção normativa: “Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”

O legislador do CTN, cujas normas ganharam eficácia de lei complementar com a Constituição de 1967, estabeleceu um rol taxativo de hipóteses de incidências do IPI. Destas não podem se furtar o legislador ordinário nem tampouco os reguladores e aplicadores executivos da lei, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade e ilegalidade. Em outras palavras, estender a lista de incidências e/ou dar contorno as já existentes fora dos parâmetros estabelecidos pelo CTN significa violar o ordenamento jurídico pátrio, maculando, entre outras ofensas, o princípio basilar de todo sistema tributário nacional, qual seja, o da legalidade, tipicidade e reserva absoluta da lei formal, insculpido no art. 150, I da CF.1 Neste diapasão, são fatos geradores do tributo: a) Industrializar produtos b) Proceder ao desembaraço aduaneiro de produtos industrializados no exterior c) Arrematar produtos industrializados abandonados ou apreendidos que foram levados à leilão. O legislador definiu o que seria produto industrializado, para fins de incidência do imposto. O conceito está expresso no art. 46, parágrafo único do CTN, assim redigido: 80

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“Art. 46. Parágrafo único: Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. (grifos nossos).

Desta forma, a industrialização tem como característica precípua: a) uma operação que gerará ao final do processo alteração do produto inicial. b) alteração pode se dar na essência, finalidade ou aperfeiçoamento para o consumo do produto inicial. E o Regulamento do IPI ( Decreto nº 7.212/2010), ao explicitar o conceito de industrialização, atém-se ao estabelecido no CTN, como se depreende da leitura de seu art. 4º, “verbis”: “Art. 4o Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 5.172, de 1966, art. 46, parágrafo único, e Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único): I – a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação); II – a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento); III – a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem); IV – a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou V – a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).”

Isto posto, constata-se que para haver a incidência do IPI é necessária que o bem passe por um processo de industrialização (alteração da natureza, finalidade, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação). Uma vez que o bem que entra no estabelecimento sendo submetido a qualquer destes processos e posteriormente é objeto de um ato negocial que enseja sua saída, está o mesmo passível de incidência pela via do IPI. O Imposto sobre produtos Industrializados é, pois, uma somatória do processo de industrialização de um bem acrescido de um ato/ negócio jurídico cujo objeto é a alienação do industrializado com sua consequente saída do estabelecimento do fabricante. Na análise da questão ofertada pela Consulente, qual seja, nas hipóteses de bem importado industrializado no exterior e não submetido a qualquer processo de industrialização até a saída de seu estabelecimento, entendemos que aplicase à hipótese o art. 46, inciso II do CTN, ou seja, caberá o IPI quando do desembaraço aduaneiro da mercadoria, não podendo se justificar nova incidência do imposto em território nacional durante sua circulação ao menos que na cadeia produtiva houver processo de industrialização. A incidência do IPI sobre produtos industrializados no exterior quando de sua “nacionalização” se justifica, caso contrário, estar-se-ía afrontando o princípio da igualdade tributária previsto no 150, inciso II, vez que um bem estrangeiro entraria no mercado nacional em revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA condições menos onerosas que os produtos da mesma espécie industrializados no País. Em outras palavras, o que se tributa via IPI quando da operação de importação de bens industrializados no exterior é a própria industrialização em si do bem fora do território nacional aliada a uma operação de compra e venda internacional. Uma vez tributado pelo IPI, quando do despacho aduaneiro, para fins do Imposto em análise, o mesmo se encontra em igualdade de condições a um bem industrializado em solo brasileiro, tendo sido respeitado o princípio constitucional da livre-concorrência. Elucidativo o julgado da 1ª Turma do STJ (REsp 841269 / BA) voto do Ministro Francisco Falcão) sobre a matéria, assim ementado: “EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. I – O fato gerador do IPI, nos termos do art. 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. II – Tratandose de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação”(STJ – REsp 841269/BA (Processo nº:2006/00860867), 1ª Turma, Relator(a):Ministro Francisco Falcão (1116), data da decisão 28/11/2006, DJ 14.12.2006 p. 298).

Vale destacar trecho do voto do Ministro Relator Francisco Falcão: “O recorrente é comerciante e importador de tapetes, conforme reconhecido no acórdão recorrido. Ao importar os produtos industrializados e desembaraçá-los na aduana, o contribuinte, nos termos do art. 46, I, do CTN, fez nascer o fato gerador do IPI, o que impõe o pagamento da exação. O referido dispositivo legal apresenta três hipóteses de incidência tributária, quais sejam: a) o desembaraço aduaneiro, quando o produto tem procedência estrangeira; b) a saída do produto dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; e c) a arrematação dos produtos, quando apreendidos ou abandonados e levados a leilão. As diferentes operações encimadas explicitam em que hipóteses alternativas deverá recair o IPI. Ao explicitar que incidirá imposto sobre produtos industrializados na operação de saída do produto nos estabelecimentos a que se referem o parágrafo único do art. 51 do CTN, o legislador indicou qualquer estabelecimento importador, industrial, comerciante ou arrematante, para consignar que a hipótese de incidência do IPI é a realização de operações com produtos industrializados, sejam os contribuintes importadores, industriais, comerciantes ou ainda arrematantes em leilão. A indicação constante da parte final do inciso II do art. 46 do CTN não atinge, como é curial, a hipótese descrita no inciso I, do mesmo regramento, uma vez que este inciso traz situação dirigida ao produto de procedência estrangeira. Permitir a dupla incidência do mesmo tributo (IPI), primeiro no desembaraço aduaneiro, depois na saída da mercadoria do estabelecimento importador, seria praticar a bi-tributação e, mais, malferir o princípio da isonomia e da competência tributária onerando ilegalmente o estabelecimento importador, o qual já sofre bis in idem na entrada da mercadoria, com o recolhimento de Imposto Sobre Produtos Industrializados e Imposto de Importação. (...)” (grifos nossos).

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Nesta esteira de raciocínio o STF, através de decisão monocrática do Min. MARCO AURÉLIO em Ação Cautelar, sobre o tema já se pronunciou. Seguem excertos do referido julgado: “DECISÃO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI – IMPORTAÇÃO – DUPLA INCIDÊNCIA – AÇÃO CAUTELAR – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – EFEITO SUSPENSIVO ATIVO – REQUISITOS PRESENTES – INEXISTÊNCIA DE DANO INVERSO – DEFERIMENTO. 1. O assessor Dr. Pedro Júlio Sales D’Araújo prestou as seguintes informações: “... formalizou ação cautelar incidental contra a União, objetivando o implemento de efeito suspensivo ativo ao recurso extraordinário nº 946.648/SC, distribuído a Vossa Excelência em 16 de fevereiro de 2016. Segundo narra, impetrou mandado de segurança para afastar o recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI quando da revenda, ao mercado nacional, dos produtos por ela importados. Diz da declaração de procedência, pelo Juízo, do pedido formulado no mandado de segurança. A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da apelação, reformou a decisão, consignando o recolhimento do imposto tanto no momento do desembaraço aduaneiro como na ocasião da saída da mercadoria do estabelecimento do importador. Entendeu não serem excludentes as hipóteses de incidência previstas nos incisos do art. 46 do Código Tributário Nacional, não se observando situação de bitributação. Em face de tal decisão, a autora interpôs recurso extraordinário, admitido pelo Tribunal de origem. Nesta cautelar, argui a inconstitucionalidade da dupla incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados nas operações de importação para revenda. Alega haver violação ao princípio da isonomia ante a oneração excessiva do importador em relação ao industrial nacional, considerado o fato de a mercadoria do primeiro ser tributada em dois momentos distintos. Ressalta ser a circunstância reveladora de bitributação, articulando a presença do sinal do bom direito”. Sob o ângulo do risco, aduz a possibilidade de a União proceder à execução provisória do acórdão formalizado no Tribunal de origem. Afirma não ter recolhido o imposto quando da saída das mercadorias, com respaldo na sentença proferida pelo Juízo. Destaca estar em vias de sofrer autuação da Receita Federal do Brasil para recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados, acrescido de juros e multa e, reflexamente, da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina para recomposição da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS devido. Defende, alfim, a concessão da medida liminar para atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário nº 946.648/SC. Anoto a conclusão do extraordinário ao Gabinete em 16 de fevereiro de 2016. 2. (...). Admitido o extraordinário, compete ao Supremo avaliar, no exercício da função de tornar efetiva a Constituição Federal, o pedido formalizado em ação cautelar. Atentem para o caso concreto. Está em jogo, como questão de fundo, a inconstitucionalidade de nova incidência de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI nas operações de revenda da mercadoria importada, quando da saída desta do estabelecimento importador. A partir de interpretação da legislação de regência, no caso, o Código Tributário Nacional – arts. 46 e 51 –, cria-se, segundo o sustentado, situação de oneração excessiva do importador em relação ao industrial nacional. Este, ao produzir a mercadoria no País, sujeita-se ao Imposto sobre Produtos Industrializados apenas na ocasião em que o produto sai do estabelecimento, enquanto revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA aquele está submetido em dois momentos distintos: quando do desembaraço aduaneiro e da revenda, ainda que não pratique ato de industrialização. A incidência do imposto deixa de equiparar o produto nacional ao similar importado e passa a criar verdadeira distorção entre eles. Observo, no campo precário e efêmero, ser a questão merecedora de pronunciamento pelo Pleno, ante o princípio da isonomia versado no art. 150, inciso II, da Carta da República. Até tal oportunidade, entendo presentes os requisitos do sinal do bom direito e do risco da demora, ante a possibilidade de ser cobrado da autora o tributo não recolhido, hoje exigível pelo Fisco. Há de ressaltar-se a inexistência de dano inverso com o acolhimento do pedido liminar. Conforme explicitado pela autora, a mercadoria importada já saiu do estabelecimento do contribuinte, não sendo tal fato objeto da incidência tributária à época em razão da segurança deferida pelo Juízo. A manutenção da suspensão da exigibilidade não irá acarretar qualquer prejuízo à Fazenda Nacional. 3. Defiro a medida de urgência, implementando a eficácia suspensiva ao recurso extraordinário admitido, interposto pela autora contra o acórdão formalizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento da apelação nº 5004521-47.2012.404.7205, voltada a impugnar decisão da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Blumenau proferida no mandado de segurança nº 5004521-47.2012.404.7205, afastando, por ora, a exigibilidade do crédito tributário envolvido na espécie.” (MC na AC 4.129/SC, Rel. Min. MIN. MARCO AURÉLIO, j. 06.06.2016, DJe nº 119, divulgado em 09/06/2016)” (grifos nossos).

Analisando a evolução da jurisprudência acerca do tema vemos constatamos que o STJ incialmente divergia em suas Turmas sobre a legalidade ou não da incidência do IPI na saída de produto importado para revenda. Em 2004 a matéria foi apreciada pela 1ª Seção, que julgou pela não incidência de IPI na saída de bem importado e não industrializado pelo estabelecimento importador. Segue ementa do Acórdão: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO OBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR. A norma do parágrafo único constitui a essência do fato gerador do imposto sobre produtos industrializados. A teor dela, o tributo não incide sobre o acréscimo embutido em cada um dos estágios da circulação de produtos industrializados. Recai apenas sobre o montante que, na operação tributada, tenha resultado da industrialização, assim considerada qualquer operação que importe na alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto, ressalvadas as exceções legais. De outro modo, coincidiriam os fatos geradores do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre circulação de mercadorias. Consequentemente, os incisos I e II do caput são excludentes, salvo se, entre o desembaraço aduaneiro e a saída do estabelecimento do importador, o produto tiver sido objeto de uma das formas de industrialização. Embargos de divergência conhecidos e providos.” (STJ, Embargos de Divergência em REsp nº 1.411.749, Primeira Seção, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 11/06/2014, DJe 18/12/2014)”

ANDRÉA MEDRADO DARZÉ MINATEL, com extrema clareza e percurciência comenta a decisão da 1ª Seção: “Com efeito, partindo da premissa de que arts. 46 e 51 do CTN deveriam ser interpretados sistemática e teleologicamente (e não de forma literal), a Primeira Seção do Tribunal concluiu que a referência que esses dispositivos fazem à saída de produtos de estabelecimentos

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industriais ou equiparados a industriais como fato gerador do imposto não é suficiente para autorizar a sua incidência sobre produto importado que não sofreu qualquer espécie de industrialização, sob pena de restar configurado “bis in idem”, não admitido pela legislação de regência. Isso porque a simples saída desses produtos do estabelecimento importador não guarda qualquer relação com as atividades que constituem as reais hipóteses de incidência do tributo: importação e industrialização, somente se justificando a nova exigência (após a importação) sobre operações que envolvam produtos industrializados no território nacional. É o que fica bem evidente no seguinte trecho do voto do ministro Napoleão Nunes Maia Filho: ‘Pretender que, para o importador/comerciante sejam dois os fatos geradores da tributação pelo IPI, fere a lógica da especialidade, pois há uma regra própria para importação, que é a da tributação no momento do desembaraço aduaneiro. Na condição de revendedor da mercadoria importada, esse contribuinte realiza mera atividade comercial, que não se assemelha a qualquer processo de industrialização”2.

Muito embora os julgados que se sucederam ao acórdão supra citado seguiram a linha de não admitir a incidência do IPI nas nascidas oriundas de estabelecimento importador que não industrializa bem, o STJ em 2015, ao analisar a matéria sob a sistemática dos recursos repetitivos, entendeu por bem rever seu posicionamento e considerar legais as imposições fiscais para esta hipótese nos termos assim ementados: “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA SOBRE OS IMPORTADORES NA REVENDA DE PRODUTOS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. FATO GERADOR AUTORIZADO PELO ART. 46, II, C/C 51, PARÁGRAFO ÚNICO DO CTN. SUJEIÇÃO PASSIVA AUTORIZADA PELO ART. 51, II, DO CTN, C/C ART. 4º, I, DA LEI nº 4.502/64. PREVISÃO NOS ARTS. 9, I E 35, II, DO RIPI/2010 (DECRETO nº 7.212/2010). 1. Seja pela combinação dos arts. 46, II e 51, parágrafo único do CTN – que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art. 51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei nº 4.502/64, art. 79, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei nº 11.281/2006 – que definem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham sofrido industrialização no Brasil. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei nº 4.502/64, com a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN. 3. Interpretação que não ocasiona a ocorrência de bis in idem, dupla tributação ou bitributação, porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira importadora. Além disso, não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito pela revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA lei nacional brasileira como contribuinte de direito do IPI (os limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito (não cumulatividade), mantendose a tributação apenas sobre o valor agregado. 4. Precedentes: REsp. nº 1.386.686 – SC, Segunda Turma, Rel. Min.Mauro Campbell Marques, julgado em 17.09.2013; e REsp. nº 1.385.952 – SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03.09.2013. Superado o entendimento contrário veiculado nos EREsp. nº 1.411749-PR, Primeira Seção, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. p/acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em 11.06.2014; e no REsp. nº 841.269 – BA, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006. 5. Tese julgada para efeito do art. 543-C, do CPC: “os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham sofrido industrialização no Brasil”. 6. Embargos de divergência em Recurso especial não providos. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (EREsp 1403532/ SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 18/12/2015)” (grifos nossos).

Malgrado a decisão do STJ na sistemática dos recursos repetitivos, entendemos que a mesma encontra-se em desacordo com e regência do IPI em nosso ordenamento jurídico. Isto porque permitir a cobrança do referido imposto nos casos de importação direta pelo próprio comerciante para posterior revenda configura-se tributação sem amparo legal, vedada dentro da sistemática estabelecida pela Constituição Federal, CTN e legislação infra complementar. Tributar-se-á o mesmo fato duas vezes, em explícito bis in idem rechaçado por nosso sistema legal. Isto porque a incidência do IPI sobre operações envolvendo produtos para o mercado interno após sua entrada no território nacional, com o pagamento do tributo quando do despacho aduaneiro necessita de procedimento de industrialização sobre o bem antes da saída do estabelecimento, industrialização esta que siga os padrões conceituais estipulados pelo CTN e legislação de regência. Se o processo de industrialização não ocorrer estar-se-á exigindo tributo sobre mercadoria industrializada no exterior – e sobre a qual já houve a tributação – mas que em território nacional em nenhum momento foi submetida a tal processo, vale dizer, estar-se-á tributando produto industrializado sem processo de industrialização. Se não bastasse o CTN, a Lei nº 4.502/64 é cristalina na exigência de processo de industrialização nacional para a exigência de IPI, conforme se depreende de seu art. 2º, “verbis”: “Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto: I – quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço aduaneiro; II – quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor. § 1º Quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora de estabelecimento produtor, o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar concluída a operação industrial.” (grifos nossos).

Resta claro que o STJ, ao adotar o posicionamento sobre a matéria na sistemática dos recursos repetitivos terminou por criar “dois fatos geradores” para uma operação que, como já analisada, comporta apenas a ocorrência de uma única 86

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incidência já que a Constituição Federal, o CTN, bem como a legislação infra complementar são lógico-conclusivas ao determinar que nas hipóteses de importação de produto o imposto incide quando do desembaraço aduaneiro, momento no qual o bem está nacionalizado e já se consumou a tributação da industrialização ocorrida no exterior. Dentro da cadeia econômica produtiva, haverá nova incidência do IPI quando e somente quando houver, por algum dos estabelecimentos sujeitar o produto a processo de industrialização, conforme o mesmo se encontra definido na legislação de regência. Quando assim o fizer e operacionalizar venda de produto industrializado, com a consequente saída de seu estabelecimento, neste momento estaremos diante de uma novo situação, ensejadora de novo fato gerador do IPI. Exigir o IPI sobre a mera saída de estabelecimento importador equivale a sujeitar sobre um mesmo fato duas incidências tributárias idênticas, em total arrepio aos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, capacidade contributiva e toda sistemática de regência do imposto. Trata-se de instaurar a vetusta regra do “bis in dem” sobre uma operação, cobrando tributo já recolhido ao Erário sob o mesmo título em momento anterior mas pertencente a esta. Vale ressaltar a importância conferida pelo legislador, seja complementar, seja ordinário, no processo de industrialização como condição “sine qua non” para a exigência do IPI no que se refere a bens que circulam em território nacional. Nas palavras de ANDRÉA MEDRADO DARZÉ MINATEL: “Isso fica ainda mais evidente no parágrafo 1º do art. 2º da Lei 4.502/64. Este dispositivo legal, ao prescrever que “quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora de estabelecimento produtor, o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar concluída a operação industrial”, deixa evidente que o que é fundamental para a incidência do IPI é a industrialização e não a saída em si do produto industrializado do estabelecimento, que é o mero critério temporal do imposto, que pode ser alterado pelo legislador, sem que isso resvale em qualquer inconstitucionalidade. O que é imexível é a exigência da industrialização, vez que se trata do critério material eleito diretamente pela Constituição Federal.”3

Percebe-se, desta forma que na revenda de produto importado a varejista ou consumidor final, estando o bem nas idênticas condições as quais entrou no País, não há que se falar em exigência do IPI, eis que falta elemento essencial para a caracterização do fato gerador, qual seja, “procedimento de industrialização”. Imposição fiscal que se faça nestas circunstâncias afrontará a Constituição Federal, eis que a mesma impõe elemento constitutivo do imposto em comento (industrialização de produto), assim como ferirá, outrossim, os limites constitucionais de competência tributária vez que a União estará cobrando a título de IPI, uma “operação de circulação de bem estrangeiro”. Saliente-se que o próprio Regulamento do IPI, ao reproduzir norma constante da Lei nº 4.502/64 estabelece em seu art. 35 hipóteses excludentes de uma dupla incidência do imposto ao determinar que: “Art. 35. Fato gerador do imposto é (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º): I – o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; OU II – a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.” (grifos nossos). revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA No tocante ao argumento segundo o qual o IPI seria exigível de estabelecimentos importadores e e revendedores dos bens sem qualquer industrialização dado que são equiparados a estabelecimentos industriais tal argumento não nos parece coadunar com a sistemática e arquétipo normativo do tributo. Isto por que o próprio Constituinte ao estabelecer as bases econômicas passíveis de tributação repartiu as competências impositivas de cada sujeito ativo, buscando evitar a sobreposição de competências tributárias. Neste diapasão, ao determinar no art. 153, IV a competência da União em instituir imposto sobre produtos industrializados (deixando por força do art. 146, III a explicitação de seus contornos gerais à Lei Complementar – CTN), elegeu como fator econômico passível de tributação o processo de industrialização de bens com a consequente comercialização dos mesmos. Não foi intenção do Constituinte através do art. 153, IV conferir competência à União para a tributação da circulação de bens pura e simplesmente, já que para esta base econômica foram eleitos os Estados-Membros através do art. 155, II ( “operações relativas à circulação de mercadorias....”).Em outras palavras, o elemento primordial, preponderante e essencial para a imposição do tributo em tela é a caracterização do processo de industrialização de bens. Se a mera comercialização, sem a existência de industrialização fosse suporte normativo para a exigência do IPI estaríamos diante de uma invasão de competências tributárias, o que não é em qualquer hipótese interpretativa factível com o ordenamento constitucional. É de extrema clareza a lição de LEANDRO PAULSEN sobre o tema: “Sujeito Passivo. Contribuintes. Industriais e equiparados. Quanto aos sujeitos Passivos, cabe destacar, desde já, conforme análise que fizemos da base econômica, que só pode ser tributada a operação com produto que tenha sido industrializado por uma das partes do negócio jurídico, de maneira que não é dado fazer incidir o tributo em outras situações, tampouco colocar como contribuinte senão a pessoa que pratica a industrialização ou que com ela realiza a operação. A indicação, como contribuintes, de outras pessoas, como o importador e o comerciante, revela inadequação à base dada à tributação, ou seja, tributação sem suporte na norma de competência.”4 (grifos nossos).

O Constituinte ao Dedicar todo um Capítulo ao Sistema Tributário Nacional (arts. 150 a 156) elegeu dentre os inúmeros fatos e bases econômicas que permeiam a sociedade aqueles que seriam objeto de tributação pela via dos impostos. Outrossim, por respeito ao princípio federativo, outorgou competência tributária indicando expressamente e de forma taxativa quais os impostos que União, Estados-Membros e Municípios poderiam instituir evitando, outrossim, que a competência de um ente da Federação recaísse sobre fato econômico de outro assim como sobre um fato econômico em sua essência não recaísse outro imposto. Corolário do raciocínio acima exposto percebe-se da leitura dos arts. 153,155 e 156, onde as hipóteses de incidência estão elencadas, sendo o art. 153 dedicado aos impostos da União, o 155 aos Estados-Membros e 156 aos Municípios. Nestes termos verificamos, a título exemplificativo, que a União pode instituir impostos sobre “a renda”, sobre “importação”, “exportação”, “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”, “propriedade territorial rural”, “sobre produtos industrializados”, etc.; Estados-Membros podem tributar operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”, “propriedade 88

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de veículos automotores” entre outros; e Municípios são dotados da competência de instituir impostos sobre “propriedade territorial urbana”, “serviços de qualquer natureza, não compreendidos os serviços albergados pelo ICMS, de competência dos Estados e definidos em lei complementar”, etc... Para conferir maior segurança jurídica, efetividade, completude e harmonia ao sistema, o legislador constituinte ainda fez questão de frisar no art. 146 que caberia à Lei Complementar papel fundamental no tema ora tratado pelo que se percebe da leitura dos dispositivos abaixo transcritos: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (...) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (...)”.

A vista disso, o Código Tributário Nacional passa a ter função precípua pois é o diploma normativo que atende às exigências de explicitação da norma constitucional em matéria constitucional. Posto o quadro constitucional e complementar ao tema objeto da Consulta, percebe-se que no tocante ao IPI a Constituição conferiu competência para União instituí-lo e o mesmo recai sobre o fenômeno econômico da operação com produtos onde houve processo de industrialização. Não se trata apenas da tributação do processo de industrialização tão somente, eis que o mesmo só será de fato exteriorizado quando o bem que passou pela industrialização for comercializado. Não se trata outrossim de uma mera tributação sobre a circulação de bens industrializados, vez que, se assim fosse estar-se-ia diante de conflito de competências, já que a circulação de mercadorias é objeto do imposto de competência dos estados. Conclui-se que haverá tributação pela via do IPI sempre que a mercadoria/ bem a ser comercializado passe por processo de industrialização pelo estabelecimento que o efetuou. O fato/base econômica que constitui a essência do IPI, nos termos da CF e CTN, é a efetivação de processo de industrialização agregada à comercialização do bem resultante de tal processo. Em outras palavras, a materialidade do IPI é consubstanciada na operação de industrialização de bem com sua consequente saída de estabelecimento comercial e não qualquer operação jurídica realizada com produto industrializado. Pelo exposto verifica-se que a exigência do IPI sobre a saída de bens procedentes do exterior para revenda sem qualquer processo de industrialização realizado no País carece de embasamento legal eis que a sistemática do tributo demanda a existência de processo de industrialização. Uma vez analisado o perfil do imposto sobre produtos industrializados na importação de bens, passemos a examinar as modalidades de importação existentes no contexto da consulta formulada. Em suma três são as principais modalidades de importação existentes: a) importação direta: é aquela onde a própria empresa situada em território nacional contata e adquire bem de estabelecimento estrangeiro, sem qualquer revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA interferência de intermediários.O vínculo jurídico que estabelece é entre o comprador importador e a vendedora estrangeira. Todos os direitos e deveres concernentes à importação e aquisição de propriedade do bem estarão previstos em contrato celebrados entre as duas partes citadas. Nesta modalidade de importação reveste-se a empresa das características de importadora e destinatária final simultaneamente; b) Importação por conta e ordem de terceiro: nesta modalidade de importação uma pessoa jurídica (destinatária final/ adquirente) contrata os serviços de uma pessoa jurídica importadora (importadora) para promover o despacho aduaneiro da mercadoria estrangeira, a qual é adquirida no exterior pela destinatária final. Nesta modalidade verificam-se as seguintes relações: 1) Contrato de compra e venda de mercadoria estrangeira celebrado entre adquirente destinatário final localizado no Brasil e vendedor localizado no exterior; 2) O contrato de compra e venda de mercadoria estrangeira é realizado com recursos próprios do destinatário final. 3) A fim de operacionalizar a transação a empresa adquirente da mercadoria celebra com pessoa jurídica (importador) contrato de prestação de serviços visando a promoção do despacho aduaneiro. em seu nome o despacho aduaneiro. 4) No contrato de prestação de serviços celebrado entre a adquirente da mercadoria importada e o importador a promoção do despacho aduaneiro é o objeto principal. No entanto, o contrato poderá, conforme for a vontade das partes, conter outros serviços relacionados ao processo de importação, como cotação de preços, intermediação comercial , pagamento ao vendedor estrangeiro. 5) No tocante aos valores envolvidos na importação por conta e ordem de terceiros, os valores envolvidos são adiantados pelo adquirente ao importador. O importador faz os pagamentos devidos e após presta contas à adquirente. 6) Na importação por conta e ordem de terceiros, enquanto o adquirente concentrase na operação de compra e venda, o importador concentrar-se-á tão somente no processo de importação. A princípio no despacho aduaneiro, mas podendo, conforme contrato previamente estipulado entre a adquirente e a importadora.5 c) Importação por Encomenda: Na importação por encomenda uma pessoa jurídica importadora realiza em seu nome e com seus próprios recursos a aquisição de mercadoria no exterior, o processo de importação, o desembaraço aduaneiro com a posterior revenda a adquirente predeterminado (encomendante). Diferentemente da importação por conta e ordem, na importação por encomenda a empresa importadora não se atém apenas ao despacho aduaneiro e eventuais operações correlatas à importação. Ela própria realiza, às suas expensas, a transação de compra e venda de produto estrangeiro. Apenas quando o mesmo é internacionalizado no País é que ocorrerá a revenda da importadora para o encomendante. Enquanto na importação por conta e ordem de terceiro o objeto principal da operação é o despacho aduaneiro, na importação por encomenda o objeto principal é a negociação comercial de compra e venda de produto estrangeiro adentrado no país estabelecida entre o importador e o encomendante de mercadoria importada. Saliente-se que, a depender do que estabelecerem importador e encomendante predeterminado, poderá este último participar das negociações envolvendo a compra do produto no exterior. Por ser uma importação que ocorre por conta do importador e este assume toda suas fases (compra da mercadoria e processo de importação), pode o mesmo 90

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exigir do encomendante garantias pelos riscos da operação como a celebração de contrato de arras. O contrato de arras tem previsão legal nos arts. 417 a 420 do Código Civil6 e basicamente é realizado pelas partes na celebração de um contrato de compra e venda. Por meio do contrato de arras, a parte que adquirirá o bem oferta à outra uma quantia em dinheiro ou bem móvel, a título de garantia de efetivação do negócio. Quando da execução/término do contrato nos termos acordados, tal quantia ou bem móvel é devolvido ao comprador ou abatido do preço da compra. Faz-se importante ressaltar que no contrato de aras: – Se não houver a concretização da compra e venda por desistência do comprador este perde a quantia/bem entregue. Já no caso de desistência do vendedor, o valor/ bem deve ser devolvido em dobro, as arras devem ser devolvidas (art. 418 C. Civil). – Por vezes no caso de celebração do contrato de arras as partes preveem cláusula de arrependimento do negócio. Assim, ocorrendo este, as arras terão caráter indenizatório, não se podendo falar em reparação suplementar, eis que a mesma já foi alcançada através do montante/bem. Neste caso, se o arrependimento for do comprador este perde as arras, e se for do vendedor, o mesmo há de devolvê-las. Caso não houver no contrato cláusula prevendo o arrependimento, a parte que se viu prejudicada pela não efetivação do negócio pela outra pode pleitear judicialmente não só as arras mas todos os prejuízos advindos do desfazimento do contrato. Por fim, no tocante às arras, vale destacar posicionamento do STJ acerca da função das arras conforme se depreende do excerto da ementa abaixo transcrito: “3. As arras constituem a quantia ou bem móvel entregue por um dos contratantes ao outro, por ocasião da celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio. Apresentam natureza real e têm por finalidades: a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório); b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal); c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório).” (Resp nº 1.669.002 – RJ (2016/0302323-0), Rel. Min. Relatora Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 21.09.2017, D.O.U – 02.10.2017).

Ainda no concernente à importação por encomenda vale frisar que o pagamento ao vendedor estrangeiro deve ser realizado necessariamente pelo importador. Verifica-se que pelas três modalidades de importação acima aludidas o IPI só poderá, a nosso ver, recair sobre o desembaraço aduaneiro caso não haja processo de industrialização entre a celebração do contrato de compra e venda internacional e a aquisição pelo importador, adquirente, encomendante, inclusive no caso de saída do estabelecimento para revenda, vez que a junção de operação comercial com processo de industrialização não ocorreram, não sendo possível a materialização do fato gerador do IPI nos termos do art. 46 do CTN. DA QUESTÃO EM ANÁLISE – PROCESSO Após a análise do perfil geral do IPI em nosso ordenamento jurídico, mister analisar a questão processual suscitada pela Consulente. Isto por que, conforme exposto no histórico supra a empresa possui decisão favorável transitada em julgado eximindo-a do pagamento do IPI quando da saída de estabelecimentos para revenda. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA Como pode se verificar da análise da documentação enviada, a Consulente ajuizou ação ordinária junto a Justiça Federal de Santa Catarina (2ª Vara – PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO Nº 5002277-63.2012.404.7200/SC) visando a declaração de inexistência de relação jurídico tributária que lhe obrigasse a recolher o Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI quando da revenda para o mercado nacional das mercadorias que importou. Os seus principais fundamentos foram: (a) dentre suas atividades está a importação/exportação; (b) compra produtos acabados para revenda no mercado interno; (c) recolhe o IPI quando do desembaraço aduaneiro das mercadorias que importa; (d) a SRFB entende que o produto também deve ser recolhido quando da revenda das mercadorias importadas, mesmo que estas não sofram qualquer processo de industrialização após o desembaraço; e (e) entendimento da SRFB seria ilegal e abusivo pois não realiza qualquer processo de industrialização antes de revender os produtos importados no mercado nacional. Em 1º grau a Consulente obteve êxito no pedido, declarando o juízo “a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue a autora a recolher o IPI na operação de revenda para o mercado nacional das mercadorias que importou, quando não houver qualquer modificação no produto apta a caracterizar novos atos de industrialização.” Em sede de Apelação/Reexame necessário a 1ª Turma do TRF-4 em 20.03.2014 deu provimento à Apelação da União, reformando a sentença de 1º grau. Interpostos e Admitidos os Recursos Extraordinário e Especial da Consulente subiram os mesmos às Instâncias Superiores. O STJ, ao julgar o REsp reestabeleceu a decisão de 1º grau, favorável à Consulente. Destaquem-se os seguintes trechos do julgado: RECURSO ESPECIAL Nº 1.439.494 – SC (2014/0046413-8) RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO RECORRENTE: CONSULENTE ADVOGADO: JESSICA MARTINI DE SOUZA E OUTRO(S) RECORRIDO: FAZENDA NACIONAL ADVOGADO: PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL DECISÃO TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EMPRESA COMERCIAL IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI OCORRENTE NO ATO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. INADMISSIBILIDADE DE NOVA EXIGÊNCIA DO MESMO IMPOSTO NA VENDA DO PRODUTO IMPORTADO AO CONSUMIDOR FINAL NÃO CONTRIBUINTE DESSA EXAÇÃO. PRECEDENTE PARADIGMA: ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA PELA 1A. SEÇÃO NO ERESP. 1.411.749/PR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Trata-se de Recurso Especial interposto com fundamento nas alíneas a e c do art. 105, inciso III da Constituição Federal, que objetiva a reforma do acórdão do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, assim ementado: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. IMPORTADOR COMERCIANTE. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CUMULATIVIDADE. É devido o imposto sobre produtos industrializados no desembaraço aduaneiro de produto industrializado, assim como na saída do estabelecimento do importador, comerciante equiparado a industrial, compensando-se o que for devido na última operação com o que foi pago na primeira, por força do princípio constitucional da não cumulatividade (fls. 632).

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2. Nas razões do seu Apelo Especial, alega a parte recorrente, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 2º, 3º, 4º, inciso I e 35, inciso I, alínea a todos da Lei nº 4.502/64, bem como aos arts. 46, inciso II, e 51 inciso I ambos do CTN; sob o fundamento de que não incide Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na saída do estabelecimento para o mercado interno. 3. Com as contrarrazões (fls. 716/728), o recurso foi admitido na origem (fls. 746). 4. É o relatório. Decido. 5. A irresignação merece acolhimento. 6. Isso porque, a questão aqui discutia já foi apreciada por este Superior Tribunal de Justiça na 1a. Seção, por ocasião do julgamento do EREsp. 1.411.749/PR, julgado em 11.06.2014, Relator para acórdão o ilustre Ministro ARI PARGENDLER; na ocasião, prevaleceu o entendimento da 1a. Turma desta Corte,adotada no REsp. 841.269/BA, consoante o qual tratandose de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação. 7. Veja-se por oportuno alguns exemplares desta diretriz judicante: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTADOR COMERCIANTE. FATOS GERADORES. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. BITRIBUTAÇÃO. OCORRÊNCIA. ERESP 1.411.749/PR. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp 1.411.749/PR (acórdão pendente de publicação), de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, Relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, deu provimento ao embargos de divergência para fazer prevalecer o entendimento adotado no REsp 841.269/BA, segundo o qual, tratando-se de empresa importadora, o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança de IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação do fenômeno da bitributação. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes (EDcl no AgRg no REsp. 1.455.759/PR, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 06.10.2014); PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTADOR COMERCIANTE. FATOS GERADORES. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. BITRIBUTAÇÃO. OCORRÊNCIA. ERESP 1.411.749/PR. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp 1.411.749/PR (acórdão pendente de publicação), de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, deu provimento ao embargos de divergência para fazer prevalecer o entendimento adotado no REsp 841.269/BA, segundo o qual, tratando-se de empresa importadora, o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança de IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação do fenômeno da bitributação. Agravo regimental provido (AgRg no REsp. 1.466.190/PR, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 23.09.2014). 8. Em face do exposto, com fundamento no art. 557, § 1º-A do CPC, dá-se provimento ao Recurso Especial, para restabelecer a sentença de primeiro grau. Brasília (DF), 14 de novembro de 2014. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO MINISTRO RELATOR”.

Após a interposição de Agravo Regimental e Embargos de Declaração por parte da Fazenda Nacional, os mesmos foram rejeitados. Desta decisão a União Federal interpôs Recurso Extraordinário, o qual não foi rejeitado. A matéria chegou ao STF através do RE interposto pela Consulente contra a decisão do TR4, bem como o Agravo interposto pela União Federal contra decisão do STJ que lhe negou seguimento (Recurso Extraordinário com Agravo nº 908.508-DF). revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA O Ministro Relator Dias Toffoli proferiu a seguinte decisão monocrática: “DECISÃO: Vistos. Trata-se de dois recursos, o primeiro recurso refere-se ao agravo interposto pela União contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que não admitiu recurso extraordinário no qual se alega violação da súmula vinculante n° 10 e do art. 97 da Constituição Federal e, ainda, requer que seja reconhecida a legitimidade da incidência do IPI tanto no desembaraço aduaneiro de produto industrializado como na saída do estabelecimento do importador. O segundo recurso extraordinário foi interposto por Consulente contra decisão proferida pelo TRF. Aduze o recorrente que um mesmo tributo não pode incidir duas vezes, sem que tenha ocorrido novo fato gerador capaz de autorizá-lo. Decido. No tocante ao recurso da União, a irresignação não merece prosperar. Note-se que os pontos referentes ao art. 97 da CF/88 e à súmula vinculante n° 10 carecem do necessário prequestionamento, sendo certo que os acórdãos proferidos pelo Tribunal de origem não cuidaram das referidas normas, as quais, também, não foram objeto dos embargos declaratórios opostos pela parte recorrente. Incidem na espécie os enunciados das Súmulas nºs 282 e 356 desta Corte. Ademais, verifico que o Tribunal de origem, ao analisar a controvérsia acerca da incidência do IPI tanto no desembaraço aduaneiro de produto industrializado como na saída do estabelecimento do importador, decidiu a lide utilizando-se de fundamento infraconstitucional, sendo certo que para rever o que decidido, seria necessária a análise da controvérsia à luz da legislação infraconstitucional pertinente. Eventual afronta ao texto constitucional, caso ocorresse, seria meramente reflexa ou indireta. Em situações idênticas ao caso em tela, as seguintes decisões monocráticas: ARE n° 892.125/DF, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 5/6/15; ARE n° 883.073/DF, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 18/5/15”.

Anotem-se, ainda, os seguintes precedentes: “EMENTA Agravo regimental no agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. IPI na importação. Princípio da isonomia. Operação de industrialização. Afronta reflexa. 1. O Tribunal de origem decidiu a controvérsia com base na legislação infraconstitucional (arts. 46, I, II e III; e 51 do Código Tributário Nacional; arts. 4º, I; e 25 da Lei 4.502; e art. 226 do Decreto 7.212/2010), sendo certo que para rever essa decisão, seria necessário analisar a controvérsia à luz da referida legislação. 2. Eventual afronta ao texto constitucional, caso ocorresse, seria meramente reflexa ou indireta. 3. Agravo regimental não provido” (RE n° 810.531/RS-AgR-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 8/4/15)”: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPI. FATO GERADOR. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OFENSA INDIRETA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Inadmissível o recurso extraordinário se a questão constitucional suscitada não tiver sido apreciada no acórdão recorrido. Súmula 282 do STF. A tardia alegação de ofensa ao texto constitucional, apenas deduzida em embargos de declaração, não supre o prequestionamento. II – Questão decidida com base na legislação infraconstitucional. Eventual ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta. III – Agravo regimental improvido” (AI n° 684.059/BA-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 6/6/08).

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Quanto ao apelo extremo interposto por Consulente S/A, compulsando os autos, verifico que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso especial n° 1.439.494/SC, interposto paralelamente ao recurso extraordinário, deu provimento ao mencionado recurso para considerar a incidência do IPI unicamente no desembaraço aduaneiro do produto importado. Destarte, fica prejudicado o referido apelo extremo por falta de objeto. Ante o exposto, conheço do agravo para negar seguimento ao recurso extraordinário da União, e, nos termos do art. 21, inciso IX, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, julgo prejudicado o recurso extraordinário de Consulente por perda de objeto. Brasília, 2 de outubro de 2015. Ministro DIAS TOFFOLI Relator”.

Em 01.12.2015 a questão transitou em julgado. Em 05.12.2017 a Fazenda Nacional ajuizou Ação Rescisória (AÇÃO RESCISÓRIA Nº 6.175 – SC (2017/0319725-7)), objetivando a rescisão de decisão proferida no REsp 1.439.494/SC. Êm 18.04.2018, a Fazenda Nacional solicitou a desistência da ação a qual foi homologada pela Ministra Assusete Magalhães. Dado em linhas gerais o histórico processual percorrido pela Consulente, verifica-se, que o instituto da coisa julgada ficou plenamente cristalizado, garantindo a mesma a proteção judicial consolidada na declaração de inexistência de relação jurídica que autorize à Fazenda Nacional proceder à cobrança de IPI em relação à saída dos produtos importados e revendidos sem terem sofrido qualquer processo de industrialização. O direito brasileiro tem como um de seus principais pilares a proteção à coisa julgada, colocando-a como princípio e garantia fundamental do indivíduo, não podendo em qualquer hipótese ser tolhido da Carta Magna, por se tratar de cláusula pétrea assecuratória de um sistema jurídica onde o princípio da segurança possa ser vigente, eficaz e permear todo ordenamento. Com clareza –e é cláusula pétrea- o art. 5º, inciso XXXVI da lei suprema determina que: “XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;...”, (grifos nossos)

que tornou imutável princípio de pacífica aplicação no direito brasileiro, antes de 05/10/19887. Em outras palavras, o que a lei suprema fez foi transformar o princípio da coisa julgada em princípio imodificável, intocável, irreversível, de impossível alteração, MESMO POR EMENDA CONSTITUCIONAL, visto que, ao singelo elenco de cláusulas pétreas do direito anterior (república e federação), acrescentou toda uma extensa relação de princípios e direitos, conforme se deflui da leitura do § 4º, do art. 60, da lei maior assim redigido: “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – direitos e garantias individuais”8. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA Importante destacar que o conjunto de decisões proferidas no processo ajuizado pela Consulente terminou por consagrar “a inexistência de relação jurídicotributária que obrigue a autora a recolher o IPI na operação de revenda para o mercado nacional das mercadorias que importou, quando não houver qualquer modificação no produto apta a caracterizar novos atos de industrialização”, sendo esta uma garantia fundamental da Consulente, eis que aamparada pelo art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, “verbis”: “Art. 5º (...) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Isso significa que não existe com relação ao tema específico levado a juízo pela Consulente, com a respectiva prestação jurisdicional ofertada “ad plenum”, inclusive com oferta de ação rescisória por parte da Fazenda Nacional e que não logrou o êxito, tendo esta também transitada em julgado, qualquer possibilidade de contestação. As importações realizadas pelas consulentes no desempenho de suas atividades comerciais estão fora do alcance do IPI subsequente ao ato de importação. A imutabilidade desta prestação jurisdicional ofertada à Consulente é direito inquebrantável dentro de nosso sistema constitucional de garantias fundamentais constitucionais. O desrespeito, posição contrária ou o questionamento da coisa julgada significa ignorar o papel fundamental do Poder Judiciário, assegurado constitucionalmente dentro do chamado “Estado de Direito”, dogma e cláusula pétrea sobre o qual se alicerça nossa Constituição Federal, cujo conceito submete tanto Fisco quanto contribuintes a um Poder Judiciário imparcial e equidistante das partes. Neste cenário, qualquer desrespeito pelas autoridades fiscais à determinação judicial obtida pela consulente não teria nem validade e muito menos força. Não teria validade porque estaria ofendendo cláusula pétrea. E não teria força porque ao recusar jurisdição, não poderia dela se aprouver para forçar o cumprimento de seu próprio arbítrio. Não há saída para este paradoxo, em que se recusaria como ponto de partida pressuposto judicial que necessariamente seria por ela posteriormente buscado. Em síntese, com relação à decisão judicial obtida, nada podem dizer ou fazer as autoridades fiscais ou terceiros. Ainda quanto ao tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme, tendo já examinado a validade da jurisdição difusa, mesmo após consolidação jurisprudencial em sentido oposto: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DO ART. 543-C DO CPC. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO – CSLL. COISA JULGADA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 7.689/88 E DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. SÚMULA 239/STF. ALCANCE. OFENSA AOS ARTS. 467 E 471, CAPUT , DO CPC CARACTERIZADA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL CONFIGURADA. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Discute-se a possibilidade de cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL do contribuinte que tem a seu favor decisão judicial transitada em julgado declarando a inconstitucionalidade formal e material da exação conforme concebida pela Lei nº 7.689/88, assim como a inexistência de relação jurídica material a seu recolhimento.

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2. O Supremo Tribunal Federal, reafirmando entendimento já adotado em processo de controle difuso, e encerrando uma discussão conduzida ao Poder Judiciário há longa data, manifestou-se, ao julgar ação direta de inconstitucionalidade, pela adequação da Lei 7.689/88, que instituiu a CSLL, ao texto constitucional, à exceção do disposto no art. 8º, por ofensa ao princípio da irretroatividade das leis, e no art. 9º, em razão da incompatibilidade com os arts. 195 da Constituição Federal e 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (ADI 15/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, DJ 31/8/07). 3. O fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade. 4. Declarada a inexistência de relação jurídico-tributária entre o contribuinte e o fisco, mediante declaração de inconstitucionalidade da Lei 7.689/88, que instituiu a CSLL, afastase a possibilidade de sua cobrança com base nesse diploma legal, ainda não revogado ou modificado em sua essência. 5. “Afirmada a inconstitucionalidade material da cobrança da CSLL, não tem aplicação o enunciado nº 239 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores” (AgRg no AgRg nos EREsp 885.763/GO, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Primeira Seção, DJ 24/2/10). 6. Segundo um dos precedentes que deram origem à Súmula 239/STF, em matéria tributária, a parte não pode invocar a existência de coisa julgada no tocante a exercícios posteriores quando, por exemplo, a tutela jurisdicional obtida houver impedido a cobrança de tributo em relação a determinado período, já transcorrido, ou houver anulado débito fiscal. Se for declarada a inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo, não há falar na restrição em tela (Embargos no Agravo de Petição 11.227, Rel. Min. CASTRO NUNES, Tribunal Pleno, DJ 10/2/45). 7. “As Leis nºs 7.856/89 e 8.034/90, a LC 70/91 e as Leis nºs 8.383/91 e 8.541/92 apenas modificaram a alíquota e a base de cálculo da contribuição instituída pela Lei 7.689/88, ou dispuseram sobre a forma de pagamento, alterações que não criaram nova relação jurídicotributária. Por isso, está impedido o Fisco de cobrar a exação relativamente aos exercícios de 1991 e 1992 em respeito à coisa julgada material” (REsp 731.250/PE, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ 30/4/07). 8. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 8/STJ. (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, v.u., j. de 23.3.2011, DJe de 6.4.2011)” (grifos nossos).

E o próprio STF, no julgamento do RE 589.513 ED-EDv-AgR, assim se posicionou: “A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia “ex tunc” – como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765) –, não se revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, “in abstracto”, da Suprema Corte.” [RE 589.513 ED-EDv-AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 7-5-2015, P, DJE de 13-8-2015.]

Cumpre asseverar ainda neste ponto que está pendente de julgamento em sede de Repercussão Geral perante o STF o RE 946.648 SC, cujo tema é constitucionalidade ou não do IPI revenda. A nosso ver, salvo melhor juízo, uma possível apreciação do tema referente ao IPI revenda pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de julgar constitucional e devida sua cobrança, não muda a compreensão do tema aqui tratado. Primeiramente pela necessidade da proteção à coisa julgada (clausula pétrea, acima explicada, contida no art. 5º, inciso XXXVI, da CF). E, depois, pelo simples fato de nenhuma nova rescisória poder ser ajuizada por conta da observância de preceito contido no art. 505 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; (...)”

Por fim ressalte-se que o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário no 590.809 (DJ 21/11/2014), reconhecido como de Repercussão Geral (Tema 136), assentou entendimento que a Ação Rescisória não pode ser utilizada como mecanismo para uniformização de jurisprudência, visto que afronta a garantia constitucional da coisa julgada e a alteração da jurisprudência sobre determinado tema não é fundamento autorizador da propositura desse tipo de ação. A Tese ficou assim ementada: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.”

O primeiro subscritor deste parecer sustentou oralmente a tese, em 2014, perante o Pleno daquele Sodalício, em sede de repercussão geral. Passemos pois a responder os quesitos formulados: 1) A Consulente pode vender mercadorias nacionalizadas por encomenda sem o devido destaque do IPI baseado no transito julgado de novas decisões favoráveis? RESPOSTA: Entendemos que sim pois existe prestação jurisdicional albergada pela garantia fundamental da coisa julgada que declara a inexistência de relação jurídica apta a exigir da empresa o recolhimento do IPI no caso de revenda de produto importado sem industrialização após o despacho aduaneiro. A sentença transitada em julgado é claríssima em sua parte dispositiva ao declarar: “a inexistência de relação jurídico tributária que obrigue a autora a recolher IPI na operação de revenda para o mercado nacional das mercadorias que importou, quando não houver modificação no produto apta a caracterizar novos atos de industrialização.” (grifos nossos)

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Ainda que na importação por encomenda a Consulente realize a importação indireta através de uma pessoa jurídica que com nome e expensas próprias procederá a aquisição de mercadoria no exterior, o processo de importação, o desembaraço aduaneiro, revendendo à Consulente, na qualidade de adquirente predeterminada (encomendante), entendemos que só por força de processo de industrialização após o despacho aduaneiro é que poderá ocorrer novo fato gerador do IPI e eventual relação jurídica entre a Consulente e o Fisco. Do contrário prevalecerá a operação albergada pela força da coisa julgada. A revenda sem o destaque da nota é possível a nosso ver. Entendemos, contudo, ser necessário, na documentação fiscal e contábil, referência expressa à decisão judicial que desobriga a Consulente do pagamento do tributo. 1) A Consulente pode remeter mercadorias nacionalizadas por conta e ordem sem o devido destaque do IPI baseado em tais decisões? RESPOSTA: Pelos mesmos motivos expressos na resposta a pergunta 1, entendemos que sim. No caso de importação por conta e ordem, a Consulente contrata terceiro visando precipuamente o despacho aduaneiro de bem por ela contratado internacionalmente. Entendemos que não havendo qualquer processo de industrialização após o despacho aduaneiro nova ocorrência de fato gerador do IPI inexiste, estando a operação albergada pela decisão judicial que fez coisa julgada e declarou a inexistência de relação jurídica Consulente-Fisco para cobrança da exação em tela. Desta forma, entendemos que pode a Consulente remeter as mercadorias importadas sem o devido destaque, com as mesmas ressalvas feitas na resposta ao quesito nº 01 quanto à necessidade de discriminação nos documentos contábeis e fiscais da existência de decisão transitada em julgado autorizadora do procedimento. 2) A importação própria de mercadorias pela consulente e posteriormente a revenda no mercado, sem o devido destaque do IPI, está amparada pelo transito julgado dos processos referidos? RESPOSTA: Sim, pelos motivos já expostos nos quesitos 1 e 2. A decisão, a nosso ver, declara inexistência de relação jurídica entre a Consulente e o Fisco capaz de exigir a título de IPI após o desembaraço aduaneiro de bem importado, desde que não haja após o desembaraço qualquer processo de industrialização, Vale dizer, no caso de importação direta, o único IPI exigido será o previsto no art. 46, I do CTN (desembaraço aduaneiro). Reiteramos a necessidade de menção nos documentos fiscais das decisões transitadas em julgado. 3) O cliente que adquirir mercadorias da Consulente por encomenda sem o IPI destacado na NF da Consulente, corre o risco de a RF cobrar o IPI não destacado na NF e ser multado pela RF? RESPOSTA: Entendemos que não, haja vista a decisão judicial favorável à empresa e que foi albergada pela coisa julgada, garantia constitucional impeditiva de questionamento por parte de terceiros. Mais uma vez salientamos que para maior segurança tanto da Consulente quanto de seus clientes entendemos necessária a discriminação da existência da referida decisão judicial na documentação contábil e fiscal da Consulente quando da saída da mercadoria. De qualquer maneira, na eventualidade de uma atuação abusiva da Fiscalização, no que não acreditamos, poder-se-á recorrer ao Poder Judiciário em busca de proteção cautelar. 4) O cliente que adquirir mercadorias da Consulente por conta e ordem sem o IPI destacado na NF da Consulente, corre o risco de a RF cobrar o IPI não destacado na NF e ser multado pela RF? revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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VISÃO JURÍDICA RESPOSTA: Entendemos que não, pelos mesmos motivos expostos na resposta ao Quesito 05, embora acrescentando as mesmas ressalvas. 5) Baseado na IN 1861/2018 qual o percentual, sobre a operação, de ARRAS que a trading poderia receber dos clientes como garantia das importações por encomenda? RESPOSTA: Embora a IN 1861/2018 permita o instituto das arras, a mesma não fixa limites expressos. Por se tratar de garantia, conforme exposto no corpo do parecer, entendemos que para a fixação do percentual as arras devem estar em consonância com os percentuais praticados em mercado e dentro de limites de razoabilidade atinentes a cada operação, procurando a Consulente evitar percentuais acima dos usualmente praticados sob risco de incorrer em percentual abusivo. 6) O fato de o cliente ser equiparado a industria, por lei, pode a RF cobrar o IPI não destacado na nf da Consulente, nas importações por encomenda? RESPOSTA: Conforme exposto no corpo do parecer, entendemos que muito embora a lei disponha sobre equiparação a estabelecimento industrial, a interpretação que nos parece mais correta confrontando a Constituição Federal, O Código Tributário Nacional, legislação ordinária, Regulamento do IPI e normas complementares expedidas pela RFB é a de que os fatos geradores estabelecidos pelo CTN são alternativos, vale dizer, ou incidem sobre a importação no desembaraço aduaneiro, ou incidem sobre a saída de bens sujeitos a processo de industrialização, ou incidem sobre arrematação no caso de bens apreendidos ou abandonados. O IPI tem em sua materialidade para fins de cobrança sobre produtos já nacionalizados a conjugação da operação de industrialização jungida à operação comercial de venda (saída do produto). Também como foi exposto no corpo do parecer, o entendimento sobre a não incidência do IPI nos casos de importação sem posterior industrialização nacional que já havia se pacificado no STJ teve naquele mesmo Tribunal mudança de posicionamento em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, passando a entender que a mera saída, ainda que sem industrialização nas hipóteses de importação sujeita-se a cobrança do tributo. Neste ponto é importante frisar que o STF ainda não analisou a matéria, a qual está com Recurso Extraordinário pendente de julgamento pelo Plenário da Corte, tendo já sido reconhecida sua Repercussão Geral. Ainda que o entendimento expressado esteja em dissonância com a atual posição do STJ sobre o tema, deve-se mais uma vez frisar que a Consulente está albergada por decisão judicial revestida da garantia constitucional da coisa julgada, não podendo desta forma ser atingida por exação referente ao IPI fundamentadas na equiparação a industrial nos casos de importação por encomenda. 8) O fato de o cliente ser equiparado a indústria, por lei, pode a RF cobrar o IPI não destacado na nf da Consulente, nas importações por conta e ordem? RESPOSTA: Entendemos que não pelos mesmos argumentos e ressalvas expostos na resposta ao quesito nº 7. Este é o nosso entendimento sobre as questões suscitadas pela Consulente. S.M.J. São Paulo, 29 de Abril de 2019. Ives Gandra da Silva Martins Rogério Vidal Gandra da Silva Martins 100

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NOTAS 1 Sobre o princípio da legalidade o primeiro subscritor do presente escreveu: “Com efeito, em direito tributário, só é possível estudar o princípio da legalidade, através da compreensão de que a reserva da lei formal é insuficiente para a sua caracterização. O princípio da reserva da lei formal permitiria uma certa discricionariedade, impossível de admitir-se, seja no direito penal, seja no direito tributário. Como bem acentua Sainz de Bujanda (Hacienda y derecho, Madrid, 1963, vol. 3, p. 166), a reserva da lei no direito tributário não pode ser apenas formal, mas deve ser absoluta, devendo a lei conter não só o fundamento, as bases do comportamento, a administração, mas --e principalmente-- o próprio critério da decisão no caso concreto. À exigência da “lex scripta”, peculiar à reserva formal da lei, acresce-se da “lex stricta”, própria da reserva absoluta. É Alberto Xavier quem esclarece a proibição da discricionariedade e da analogia, ao dizer (ob. cit., p.39): “E daí que as normas que instituem sejam verdadeiras normas de decisão material (Sachentscheidungsnormen), na terminologia de Werner Flume, porque, ao contrário do que sucede nas normas de ação (handlungsnormen), não se limitam a autorizar o órgão de aplicação do direito a exercer, mais ou menos livremente, um poder, antes lhe impõem o critério da decisão concreta, predeterminando o conteúdo de seu comportamento”. Yonne Dolácio de Oliveira, em obra por nós coordenada (Legislação tributária, tipo legal tributário, in Comentários ao CTN, Bushatsky, 1974, v. 2, p. 138), alude ao princípio da estrita legalidade para albergar a reserva absoluta da lei, no que encontra respaldo nas obras de Hamilton Dias de Souza (Direito Tributário, Bushatsky, 1973, v. 2) e Gerd W. Rothmann (O princípio da legalidade tributária, in Direito Tributário, 5ª Coletânea, coordenada por Ruy Barbosa Nogueira, Bushatsky, 1973, p. 154). O certo é que o princípio da legalidade, através da reserva absoluta de lei, em direito tributário, permite a segurança jurídica necessária, sempre que seu corolário conseqüente seja o princípio da tipicidade, que determina a fixação da medida da obrigação tributária e os fatores dessa medida a saber: a quantificação exata da alíquota, da base de cálculo ou da penalidade. É evidente, para concluir, que a decorrência lógica da aplicação do princípio da tipicidade é que, pelo princípio da seleção, a norma tributária elege o tipo de tributo ou da penalidade; pelo princípio do “numerus clausus” veda a utilização da analogia; pelo princípio do exclusivismo torna aquela situação fática distinta de qualquer outra, por mais próxima que seja: e finalmente, pelo princípio da determinação conceitua de forma precisa e objetiva o fato imponível, com proibição absoluta às normas elásticas (Res. Trib., 154:779-82, Sec. 2.1, 1980)” (grifos não constantes do texto) (Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, São Paulo, 1982, p. 57). 2 “Da Inconstitucionalidade da Incidência do IPI na Primeira Saída” in “30 Anos da Constituição Federal e o Sistema Tributário Brasileiro – XV Congresso Nacional De Estudos Tributários – IBET”, Paulo De Barros Carvalho ( Coord.) e Priscila De Souza (Org.), Ed. Noeses, São Paulo, 2018, pgs. 62-63. 3 “Da Inconstitucionalidade da Incidência do IPI na Primeira Saída” in “30 Anos da Constituição Federal e o Sistema Tributário Brasileiro – XV Congresso Nacional De Estudos Tributários – IBET”, Paulo De Barros Carvalho (Coord.) e Priscila De Souza (Org.), Ed. Noeses, Op. Cit. p.68. 4 “Direito Tributário. Constituição e Código Tributário À Luz da Doutrina e Jurisprudência”.8ª edição revista e atualizada. – Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado e ESMAFE, 2006. pg.890. 5 A Instrução Normativa RFB nº 1.861, de 27 de dezembro de 2018, ao estabelecer requisitos e condições para a realização das operações por conta e ordem de terceiro e por encomenda, assim define a primeira, em seu art. 2º, “verbis”: “Art. 2º Considera-se operação de importação por conta e ordem de terceiro aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira, adquirida no exterior por outra pessoa jurídica. § 1º Considera-se adquirente de mercadoria estrangeira importada por sua conta e ordem a pessoa jurídica que realiza transação comercial de compra e venda da mercadoria no exterior, revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS é Professor Emérito da Universidade Mackenzie em cuja Faculdade de Direito foi Titular de Direito Constitucional;

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em seu nome e com recursos próprios, e contrata o importador por conta e ordem referido no caput para promover o despacho aduaneiro de importação. § 2º O objeto principal da relação jurídica de que trata este art. é a prestação do serviço de promoção do despacho aduaneiro de importação, realizada pelo importador por conta e ordem de terceiro a pedido do adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, outros serviços relacionados com a operação de importação, como a realização de cotação de preços, a intermediação comercial e o pagamento ao fornecedor estrangeiro. 6 Os arts. 417 a 420 do Código Civil (LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002) possuem a seguinte redação: Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal. Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado. Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização. Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar. 7 Manoel Gonçalves Ferreira Filho integra a coisa julgada no referido inciso à segurança jurídica fundamental ao sistema: “Segurança. Este dispositivo tem por objetivo dar segurança e certeza às relações jurídicas, consequentemente aos direitos assumidos pelos indi­víduos na vida social. No convívio diuturno com outros homens, cada um pratica atos jurídicos dos quais lhe resultam direitos e obrigações e litiga nos tribunais a propósito de tais direitos ou obrigações. Haveria gravíssima insegurança, a ameaçar os próprios fundamentos da vida social, se tais atos pudessem ter sua validade, a qualquer tempo, reposta em discussão, se a decisão dos tribunais sempre pudesse ser impugnada e reimpugnada, se a existência dos direitos fosse a cada passo renegada.” (grifos nossos) (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1, Ed. Saraiva, 2000, p. 54/55). 8 O primeiro subscritor do presente parecer, sobre o tema, assim já se manifestou: “Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea. Não são eles apenas os que estão no art. 5º, mas, como determina o § 2º do mesmo art., incluem outros que se espalham pelo texto constitucional e outros que decorrem de uma implicitude inequívoca. Trata-se, portanto, de um elenco cuja extensão não se encontra em textos constitucionais anteriores” (p. 417, Comentários à Constituição do Brasil, 4º vol., tomo I, Ed. Saraiva, 2002), e, depois de analisar decisões da Suprema Corte, concluiu: “Tal sinalização do Supremo Tribunal Federal, à nitidez, facilitou a conformação mais clara dos limites da petrificação normativa no concernente aos direitos e garantias individuais. Como se percebe, a Suprema Corte sinalizou os limites das garantias e direitos individuais, estabelecendo que a Constituição Federal, para cada direito, assegurou o exercício de uma tutela, isto é, há uma garantia para cada direito elencado na Lei Maior. Desta forma, direitos e garantias individuais explícitos no Texto Supremo são imodificáveis por emenda” (grifos não constantes do texto) (p. 420).

ROGÉRIO VIDAL GANDRA MARTINS é Advogado especialista e Professor em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária-CEU/IICS.


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Processo civil constitucionalizado e direito intertemporal por

Amadeu Garrido de Paula

É a isonomia, que se sobrepunha à liberdade e à propriedade entre os gregos – a “isegoria”. E nos força a considerar ambos as cenas de um único ato disciplinadas pela lei vigente ao tempo da interposição do recurso e da proclamação de seu primeiro resultado.

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Mas temos tamanha dificuldade em perceber a diferença entre a sucessão na duração verdadeira e a justaposição no tempo espacial, entre uma evolução um desenrolamento, entre a novidade um rearranjo do preexistente; enfim entre a criação a mera escolha, que importa em iluminar essa distinção pelo maior número possível de lados ao mesmo tempo. Digamos, portanto, que na duração, considerada como uma evolução criadora há criação perpétua de possibilidades e não apenas a realidade.” (Henry Bergson, “O pensamento e o Movente”, M. Fontes, 2006, 15). O PROCESSO CIVIL CONSTITUCIONALIZADO A disciplina infraconstitucional do processo civil brasileiro não significa autonomia plena na ontologia normativa. A evolução do direito constitucional apartou-o da ideia de o texto fundamental abrigar certas regras meramente programáticas; abandonou a doutrina o conceito de cláusulas contidas ou simplesmente programáticas, reservadas à pura discricionariedade de leis infraconstitucionais, ressalvados os meros regulamentos. As omissões são saneadas pela doutrina e pela jurisprudência subordinante do Excelso Supremo Tribunal Federal, ao qual cabe dizer, em última instância, sobre o sentido hermenêutico e a eficácia dos princípios, preceitos e garantias constitucionais. A subordinação de outrora do direito constitucional a regramentos legislativos inferiores tornava-o algo menor, criava-se o paradoxo do predomínio sociológico do direito inferior aos comandos do superior, por comissão ou omissão. Interpretar as regras de direito ordinário “em conformidade com a Constituição” (“interpretação conforme”) instaurou a coerência vertical, sem sede de aplicação subjetiva ou declaratória do sentido abstrato pela Suprema Corte. O pano de fundo dessa extraordinária e relevante função do Supremo Tribunal Federal assentou seu fundamento no imperativo da densidade da Constituição, não mais uma pomposa e anódina carta de princípios teoréticos, apartada da vida real das pessoas, a tecer figuras em brumas jurídicas enevoadas. Pontua o Mestre CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “in verbis”: Também é dos tempos modernos a ênfase no estudo da ordem processual a partir dos princípios, garantias e disposições de diversa natureza que sobre ela projeta a Constituição. Tal método é o que se chama “direito processual constitucional” e leva em conta as recíprocas influências existentes entre a Constituição e a ordem processual. De um lado, o processo é profundamente influenciado pela Constituição e pelo generalizado reconhecimento da necessidade de tratar seus institutos e interpretar sua lei em consonância com o que ela estabelece. De outro, a própria Constituição recebe influxos do processo em seu diuturno operar, no sentido de que ele constitui instrumento eficaz para a efetivação de princípios, direitos

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e garantias estabelecidos nela e amiúde transgredidos, ameaçados de transgressão ou simplesmente questionados. O direito processual constitucional exterioriza-se mediante (a) a “tutela constitucional do processo”, que é o conjunto de princípios e garantias vindos da Constituição Federal (garantias de tutela jurisdicional, exigência de motivação dos atos judiciais etc. – infra, nn. 109-135; e (b) a chamada “jurisdição constitucional das liberdades”) composta pelo arsenal de meios predispostos pela Constituição para maior efetividade do processo e dos direitos individuais e grupais, como o mandado de segurança individual e o coletivo, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade. a exigência dos juizados especiais etc (infra, n. 109). (cf. “Instituições”, 8a. ed., vol. I, pg. 120).

Ecoando a evolução doutrinária e jurisprudencial, nosso vigente Código de Processo Civil, em seu art. 1º, preceitua que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código” (sem correspondência no código revogado). DA DEFINIÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO É certo que nosso direito processual determina o isolamento autossuficiente dos atos processuais, não obstante o contexto estrutural da marcha evolutiva dos mencionados atos, seguindo-se o norte de uma final e exauriente sentença de mérito. Solucionam-se todas as questões postas pelas partes, prejudiciais, preliminares e de fundo, afim de relevar-se sociologicamente o direito almejado pelos litigantes, porém preservada a normatividade autônoma de cada ato. No ponto, é imprescindível o domínio do conceito de ato processual, oportuno em vista da mudança de nosso parâmetro processual codificado, em face do princípio “tempus regitactum” e do eventual conflito das leis no tempo. Convicção não desafiada firma o postulado de que atos processuais aperfeiçoados e, em especial, os julgamentos – que são assim considerados quando proclamados –, são imunes a qualquer cogitação de retroatividade, enquanto os ainda incompletos induzem a uma ultratividade da lei passada. Considerando-se que nossa doutrina processual não se debruça verticalmente sobre a organicidade dos atos processuais, relega-se o exame da matéria à dissecação dos atos ou negócios jurídicos segundo os parâmetros traçados pelo código civil e sua tradicional inteligência sobre o tema. Na busca do esclarecimento pragmático de eventuais dúvidas de direito intertemporal, o Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou a elucidação de que os recursos interpostos sob a égide do CPC/1973, julgados e proclamados sob seus impérios, blindam-se de qualquer impacto do CPC/2016, de vigência imediata e sem retrocessão. Todavia e como é de trivial sabença, uma fundamentação essencial nem sempre abarca o universo multifacetário do mundo objetivo. Às regras fustigam as exceções. E, permitam-nos, nos detalhes moram os maiores segredos. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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DA EXCEÇÃO ABORDADA Delineado o método, lancemos a hipótese de um julgamento, iniciado e de resultado proclamado, que acolhe prejudicial de exame do mérito e profere, consequentemente, sentença terminativa, em ação rescisória de competência originária de Tribunal Regional, sujeita, portanto, a recurso especial e/ou extraordinário. Por exemplo, ao acolher prejudicial de decadência, acontecimento correntio em nossa atividade judiciária. O processo, julgado por maioria, terminaria por sentença terminativa, sob a regência do Código de Processo Civil de 1973. Contudo, a instância “ad quem” acolhe recurso do vencido e afasta a prejudicial de decadência. O processo volta ao foro originário para emissão de novo acórdão, já sobre o mérito, também julgado sem unanimidade. Outrossim, sob a vigência do Código de Processo Civil de 2016, ingressado em vigência no interregno de processamento do recurso. Sabe-se que o novo Código inovou, extinguiu o recurso de embargos infringentes e, compensatoriamente, criou a denominada “técnica de julgamento ampliado”: são convocados novos julgadores para compor o “quórum”, em número suficiente para, eventualmente, alterar a decisão. “Quid juris”? Trataram-se de dois julgamentos, motivo pelo qual nenhuma questão de aplicação do direito intertemporal incomodaria nossa consciência? Ou de um único julgamento, desdobrado em duas fases? Se for esta a cogitação correta, o conflito estaria instaurado, mas, em nosso modesto pensar, induvidosamente se aplica a lei revogada, que presidiu a primeira parte. É no ponto que nos socorre o direito constitucional, por meio de seu princípio medular da isonomia de tratamento das partes. Na decisão que acolheu a prefacial de decadência, ainda que majoritária, não se buscou, por inexistente, o procedimento desdobrado. A parte vencedora obteve o resultado sem ampliação do “quórum”. Se, por ocasião do segundo ponto recursal, também por maioria, exigir-se a ampliação do colegiado, obviamente estaremos a tratar desigualmente as partes, ao arrepio do art. 5º, inciso I, da CF. É a isonomia, que se sobrepunha à liberdade e à propriedade entre os gregos – a “isegoria”. E nos força a considerar ambos as cenas de um único ato disciplinadas pela lei vigente ao tempo da interposição do recurso e da proclamação de seu primeiro resultado. Nesse quadro, o segundo pronunciamento do Tribunal não está sujeito ao alargamento do colegiado, que não foi imposto ao litígio por ocasião do acolhimento de decadência. Se Bergson nos auxilia, tratou-se de um “rearranjo do preexistente”, não de uma “nova realidade”.

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AMADEU GARRIDO DE PAULA é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

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Dúvidas na impugn(ação?) de crédito por

Leonardo Honorato Costa

A questão, no entanto, como abordado, não possui consenso doutrinário ou jurisprudencial, muito por conta da ausência de uma melhor discriminação na legislação, falha em abordar expressamente os pontos discutidos nesse artigo.

O

título desse artigo é sugestivo ao afanoso tema a que se dispõe enfrentar: a insegurança jurídica que paira sobre os credores acerca do modo de discutir seu crédito em processos de execução coletiva (recuperação de empresas e falência). Em especial: os incidentes previstos na legislação – de habilitação, divergência e impugnação de crédito, prestam-se para constituir/desconstituir créditos ou apenas para verificá-los? Em outras palavras, é pressuposto para a utilização dos incidentes a existência prévia de um título executivo ou podem aqueles serem utilizados para a sua formação, ou até mesmo para sua desconstituição? Em verdade, conquanto o título do artigo possa indicar dúvida quanto à natureza jurídica dos procedimentos (se ação ou incidente), o que se pretende instigar é a possibilidade ou não de tal constituição acontecer em tais incidentes, pois é inegável que essa – incidente – é a natureza jurídica mais defendida. O primeiro ponto a se discutir, portanto, é justamente se a constituição ou a desconstituição de um título executivo pode ocorrer dentro da estreita via de um incidente, ou se tal fenômeno jurídico é exclusivo das ações judiciais, de cognição sabidamente mais exauriente. Pois bem. Quanto a esse ponto, há duas vertentes de pensamento. Para a primeira delas, os instrumentos processuais previstos na Lei nº 11.101/2005 (LRF) têm o objetivo precípuo – e limitado – de submeter ao juízo competente a análise da correção ou incorreção da classificação dos créditos realizada pelo Administrador Judicial, conforme atribuição a ele conferida pelo art. 7° da mesma lei, nada além disso. revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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PRÁTICA DE PROCESSO

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Vale dizer, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, o Administrador Judicial verificará e classificará o crédito, sendo essa sua decisão passível de revisão pelo Judiciário, nos termos do procedimento previsto no art. 8° da LRF, ocasião em que o juízo competente deve, com base na documentação apresentada na impugnação, verificar se o Administrador Judicial atuou corretamente ou não. Não se trataria, assim, de instrumento processual destinado a constituir ou revisar negócios jurídicos, ou, menos ainda, desconstituí-los. É o que se pode abstrair dos seguintes precedentes: no TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.03.1168370/001, no TJRS, Apelação Cível nº 0273266-36.2017.8.21.7000, no TJDFT, Agravo de Instrumento nº 0716776-38.2018.8.07.0000. Em contraponto a tal entendimento, há vertente jurisprudencial que defenda o caráter cognitivo e contencioso dos incidentes processuais em comento, justificando em tais carácteres a possibilidade de constituição e desconstituição de créditos em tais incidentes, mesmo sem a existência prévia de um título executivo. A título exemplificativo, dessa segunda vertente de pensamento, destaque-se o REsp nº 992.846/PR. Maduros quanto ao primeiro ponto, passemos, doravante, ao segundo ponto de discussão: há cognição nos incidentes da LRF? Ou mais, há contraditório? Nesse ponto, ao menos quanto a dois dos procedimentos em análise há que ser negado tal caráter: as habilitações e divergências de crédito, perante o Administrador Judicial, não possuem cognição judicial, de modo que, quanto a elas, há que ser negada a possibilidade de constituição e desconstituição de créditos, pois tais fenômenos dependem, ao nosso sentir, de cognição judicial, não sendo crível que aconteçam em via administrativa. A insegurança jurídica, portanto, restringe-se à habilitação retardatária ou impugnação de crédito, incidentes processuais que acontecem perante um juízo investido de Jurisdição. Quanto a tais incidentes, a LRF prevê um rito próprio com prazo de contestação e indicação de provas (art. 11), réplica (art. 12) e prevendo possibilidade, inclusive, de ser designada audiência de instrução (art. 15, IV). São esses os argumentos de quem defende a existência de cognição e contraditório, e, portanto, a possibilidade de constituição e desconstituição de crédito em tais incidentes. A questão, no entanto, como abordado, não possui consenso doutrinário ou jurisprudencial, muito por conta da ausência de uma melhor discriminação na legislação, falha em abordar expressamente os pontos discutidos nesse artigo. Sabendo-se, no entanto, da dificuldade de tal insegurança jurídica - sobre um tema de suma relevância para nortear a conduta dos credores em processos de crise empresarial – ser resolvida por via de aprovação de projeto de lei que acrescente previsões expressas na LRF, confia-se, ao menos, na breve afetação para julgamento, por parte do colendo Superior Tribunal de Justiça, de recursos especiais repetitivos que tenham por objeto o tema em análise, consolidando-se a Jurisprudência em um mesmo caminho, definindo-se, assim, a regra a ser aplicada e outorgando, com isso, a segurança jurídica que o tema exige.

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LEONARDO HONORATO COSTA é advogado e sócio do Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi advogados, vice -presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-GO, master oflaws em Direito pela FGV-RJ, pós MBA em Governança Corporativa pela FGV-RJ E consultor do livro Direito Empresarial: novos enunciados da justiça Federal.

revista PRÁTICA FORENSE - nº 31 - juLho/2019


por

ARQUIVO PESSOAL

ESPAÇO ABERTO

Marcelo Aith

Lava Jato e seu processo inquisitorial

A

divulgação da troca de mensagens privadas entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol coloca em risco a Operação Lava Jato. Gravações em áudio, textos, fotos, vídeos e documentos judiciais foram compartilhados entre o atual ministro da Justiça e o procurador sobre várias questões que envolvem a mais famosa operação sobre o combate a corrupção no país. Inclusive pode resultar implicações indeléveis. Como bem observou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello a colaboração entre eles “coloca em dúvida a equidistância” entre os órgãos julgador e acusador. Isso porque é importante destacar que no processo penal brasileiro o acusador e o julgador são atores independentes e devem manterse afastados. O comportamento de Moro e integrantes da força-tarefa quebrou não somente essa equidistância, mas também revelou uma visceral quebra de paridade entre juiz, promotor e partes. Essas questões devem ser analisadas de forma global, em especial em comarcas do interior do país onde o Ministério Público está sediado no mesmo prédio do Poder Judiciário e, assim, podendo, por vezes, contaminar a prestação jurisdicional de forma escorreita. Importante citar também o artigo 254 do Código de Processo Penal que dispõe que o juiz torna-se suspeito em processos criminais, caso tiver aconselhado qualquer uma das partes. No caso, aproximação de Moro e dos procuradores tornam o atual ministro suspeito e também colocam em suspeitas as suas decisões. Agora, quais serão as medidas a serem tomadas pelas nossas Cortes Superiores sobre os efeitos da Operação Lava Jato. Vamos aguardar os próximos capítulos dessa nova polêmica em torno da força-tarefa, que está sendo acusada de prisões sem as provas necessárias. Desejo que tudo seja investigado e esclarecido pelo bem de nossa segurança jurídica, política e social. O combate a corrupção no Brasil não deve parar, mas deve ser realizado de forma clara e cristalina, sem viés.

MARCELO AITH é especialista em Direito Criminal e Direito Público.

revista PRÁTICA FORENSE - www.zkeditora.com/pratica

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