Revistas do S茅culo XX Aline Marques e Samuelly Ribeiro
Vit贸ria, 1o de julho de 2014
Introdução Com a vinda da corte portuguesa
Dentre as primeiras revistas brasi-
para o Brasil, no início do século XIX,
leiras destacam-se a Semana Illustrada
a produção gráfica no Brasil é iniciada,
(1861-1876) de Henrique Fleuiss (figu-
e assim, torna-se possível as primeiras
ra 1) e a Revista Illustrada (1876-1898)
publicações de livros, jornais e revistas
de Angelo Agostini, ambas exploravam
em território nacional.
bastante o uso de ilustrações, e tinham
Segundo Werneck (2000, p.16), citado por Moura (2011, p.3), a primeira revis-
a política como tema principal de suas charges humorísticas.
ta não oficial do país, lançada na Bahia, em 1812 pelo jornal Idade d’Ouro do Bra-
“Semana Ilustrada, foi o veículo
sil, tinha como título As Variedades ou
de comunicação responsável pelas
Ensaios de Literatura e sequer foi apre-
primeiras fotos publicadas em
sentada nesta categoria - revista - ainda
revistas no território nacional.
que já existisse o termo, apenas em 1828,
Em 1864, trouxe aos seus leitores,
no Rio, a primeira publicação rotulada
cenas dos campos de batalha da
como “revista” foi lançada: a Revista Se-
Guerra do Paraguai, a guerra do
manária dos Trabalhadores Legislativos
Brasil Imperial contra Solano
da Câmara dos Senhores Deputados.
López, o “tirano” governante
Estes primeiros periódicos não tinham uma preocupação formal com o
paraguaio” (ABREU; BAPTISTA, 2010, p.4)
design editorial, “tinham em comum o formato conservador e o uso mínimo de ilustrações” (MOURA, 2011, p.3). Apenas por volta da década de 1860,
Porém, foi no século XX que houve uma explosão de publicações, e assim, um aprimoramento nas técnicas de pro-
as revistas encontram o caminho para a
dução e no design das revistas brasilei-
simpatia popular abordando assuntos
ras. O Malho, Para Todos..., A Maçã,
de interesse social, e menos erudi-
Senhor e Realidade, são lançadas
tos/científicos (WERNECK apud MOURA, 2011, p.3).
neste século, e são destaques das próximas páginas.
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Fig. 1 - Capa da revista Semana Illustrada de Henrique Fleuiss
Revistas do SĂŠculo XX
Fig. 2 - Capas de Careta desenvolvidas por J.Carlos
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J. Carlos e os semanários ilustrados
L
José Carlos de Brito e Cunha, mais co-
Ambas eram revistas de circulação na-
nhecido por J. Carlos, foi um dos princi-
cional e tratavam de política nacional e
pais nomes da área gráfica na década de
internacional. Durante os 13 anos que
1920 por trabalhar na colaboração, cria-
trabalhou na Careta, produziu entre
ção e diagramação de diversos periódicos semanais ilustrados, além disso, J. Carlos também produzia anúncios e ilustrava
char-
ges
políticas
das
revistas
10 a 20 ilustrações por edição, e adquiriu maior conhecimento gráfico e de novas
tecnologias,
o que ajudou posteriormente sua como
na
atuação diretor
com as quais
de arte, junto
trabalhou.
com
J. tinha
Álvaro
Carlos
Moreyra nas
forma-
revistas
do
ção prática, e é
grupo concor-
possível acom-
rente - O Ma-
panhar sua evo-
lho S.A. - recém
lução através de sua trajetória desde seu primeiro desenho publicado em 1902 até sua morte, em 1950 (SOBRAL, 2005, p. 128).
-adquirida
por
Pimenta de Mello, dentre elas O Malho, Para Todos... e Illustração Brasileira, e outras. Sobral (2005, p.125-132) quali-
Seus primeiros trabalhos de peso
fica J. Carlos como designer gráfico uma
dão início em O Tagarela junto a K.Lix-
vez que no período de atuação no grupo
to e Raul Pederneiras, dos 18 aos 24 anos
de O Malho, aprimorou o projeto gráfi-
(em 1908), quando é convidado para ser
co de cada revista de acordo com seus
ilustrador exclusivo da Careta, que visa-
assunto e público alvo, inovando e man-
va concorrer diretamente com O Malho.
tendo a identificação com o público.
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O Malho Voltada para o público masculino,
cação) da ilustração, e do texto no roda-
O Malho teve início em 1902. Charges,
pé. Em 1927, decide retirar a moldura e
reportagens fotográficas, caricaturas,
sangra as imagens de maneira que texto
críticas culturais, charadas e afins com-
e imagens se integrem.
punham a revista que contava com o
Uma das principais preocupações
prestígio de grandes nomes como cola-
de J.Carlos era com o nível de instrução
boradores: J. Carlos, Raul Pederneiras,
do leitor, e para não perder o interesse
K.lixto e Luiz Peixoto nas ilustrações,
dos menos letrados, as ilustrações eram
Olavo Bilac, Emílio de Menezes e Bastos
muito utilizadas tanto como linguagem,
Tigre nas redações.
representando ou dando pistas sobre o
Em 1922, J. Carlos assume o semaná-
texto, quanto fazendo quebras para dar
rio já consolidado no mercado. Com o
leveza ao volume denso de texto. Sobral
repertório adquirido anteriormente pela
é categórica: “Tal nível de sofisticação
concorrente, Careta, e seu próprio reper-
na relação entre tipografia e imagem,
tório visual típico, J. Carlos enfrenta um
muito comum nos dias de hoje, não era
desafio particular (SOBRAL, 2005, p.133).
em absoluto, frequente nessa época em
Com formato de 23×32cm, 64 pági-
lugar nenhum no mundo” (2005, p. 137).
nas, dois terços da revista era impressa
A fotografia em O Malho tinha auto-
em papel jornal (uma ou duas cores) e
ridade documental, e seu processo de
um terço em papel couché (uma a três
impressão ainda era recente no Brasil,
cores). As charges tinham conotações
porém J. Carlos consegue manter um di-
políticas, e os ‘calungas’ representavam
namismo na diagramação da revista.
caricaturas de políticos da época, agrupamentos sociais ou figuras alegóricas. As figuras femininas estavam restritas ao último grupo. As capas de O Malho geralmente eram impressas em duas cores, por vezes, três. O vermelho utilizado nas capas era marcante, tinha função de destaque nos pontos de venda, e também remete à oposição política. A cor sempre era associada a cores frias. No ano em que assumiu, J. Carlos adotou nas capas uma moldura nas charges que separavam o cabeçalho (título da revista, ano e número da publi-
Fig. 3 - Capa d'O Malho feita por J.Carlos
Para Todos... Uma revista dedicada, em seu pri-
O projeto gráfico de Para Todos... era
meiro momento (1918-1926), exclusiva-
parecido com o de O Malho. O formato
mente para o cinema, e em seu segundo
também era de 23×32cm, e também utiliza-
às várias expressões artísticas e cultu-
va folhas de papel jornal e couché, porém,
rais. Para Todos... tinha como público
apenas as oito primeiras páginas eram im-
principal jovens do sexo feminino de
pressas no primeiro tipo de papel. Em Para Todos..., J. Carlos também
classe média alta. Com tema mais leve que a revista
teve preocupação de deixar a leitura
anterior, J. Carlos teve mais liberdade
mais leve, aumentando a entrelinha e
em Para Todos..., e criou capas que se
arejando a mancha tipográfica.
tornariam “um verdadeiro tesouro do
A fotografia é o recurso gráfico prin-
design gráfico art déco” (SOBRAL, 2005,
cipal da revista, e mesmo não sendo a
p. 144). Além disso, foi possível otimi-
principal expertise de J. Carlos, o ilus-
zar o uso do parque gráfico já que as
trador começa a experimentar recortes
capas não tinham o compromisso de
de fotografias que se integravam com
estar vinculadas com acontecimentos
elementos decorativos ilustrados. O con-
muito recentes, o que permintiu, inclu-
teúdo da revista era um retrato da alta
sive, criar um conjunto de capas que
sociedade brasileira da época, e isso
contavam histórias, como no caso do
pode ser percebido devido ao requinte
carnaval de 1927.
do trabalho feito por J. Carlos.
Fig. 4 - Conjunto de capas desenvolvidas por J. Carlos que contavam a história do carnaval lançadas em 1927
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A Maçã: destaque na década de 1920
Lançada em 1922, no Rio de Janeiro, A Maçã tinha literatura provocante, voltada para o público masculino. O principal nome da revista era Humberto de Campos que assinava os contos com o pseudônimo de Conselheiro xx (xis-xis). A primeira edição de A Maçã esgotou-se e chegou a ser o semanário mais vendido da capital federal daquela época. Desde o início, A Maçã pautava assuntos considerados tabus da época como traição, emancipação feminina e desejos sexuais, por isso, a sociedade via com maus olhos a revista, e muitas vezes seus colaboradores preferiam utilizar pseudônimos para não perderem trabalhos em outros periódicos mais tradicionais (HALUCH, 2005, p. 101).
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Fig. 5 - Capa d'A Maçã de 1923
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A Maçã O primeiro desenhista a frente do projeto gráfico foi Manlius Mello que usava o pseudônimo de Ivan. Foi ele quem desenhou o primeiro logotipo da revista que perdurou nos primeiros dois anos da revista. Calixto Cordeiro, ou simplesmente K.lixto (Lup, n’A Maçã) também foi um grande colaborador em vários momentos da revista. Alguns personagens ficaram marcados pela revista como o “almofadinha” - desenhado com trajes elegantes, mas apesar dos galanteios, não tinham sucesso com as moças - e a cocotte - representação da mulher independente, provocativa, sensual, e que era considerada como uma prostituta de luxo. O formato era de 17,8×26,8cm e era impressa em duas cores na primeira e na quarta capa (três cores em edições especiais), 22 páginas em uma cor e 6 páginas nas mesmas cores das capas. A capa era formada por um cabeçalho com o logotipo criado por Ivan centralizado, acompanhado pelo nome do editor (o Conselheiro xx), a data da publicação à direita e o número junto ao ano à esquerda; abaixo vinha a ilustração acompanhada por um título e uma legenda. A cor vermelha nas capas e a influência art nouveau nas ilustrações eram evidentes.
Fig. 6 - Caricatura de Ivan fei
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de Ivan
ita por Andrés Guevara, 1924
A página editorial que traziam os contos do Conselheiro, era dividida em duas colunas que era dividida por uma ilustração ou uma vinheta, na parte superior, uma ilustração que representava o Conselheiro entregando uma maçã para uma figura feminina que representava Eva. Esta estrutura por vezes não comportava todo o conto, que acabava por utilizar mais uma página para esta finalidade. Apesar disto, o projeto gráfico da revista era notório e incomum para a época. “As relações dialógicas entre a ilustração e o texto, o uso do espaço branco para valorizar a ilustração e a diagramação destacam A Maçã no cenário editorial do início da década de 1920. Nas “páginas livres”, a inovação é ainda mais evidente: a cada página uma novidade no uso da vinheta, da charge ou da cena ilustrada, sempre estabelecendo estreita relação com o texto” (HALUCH, 2005, p. 108).
A estrutura gráfica criada por Ivan permaneceu praticamente inalterada até dezembro de 1923 quando o paraguaio Andrés Guevara assume o projeto gráfico da revista.
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O projeto Fig. 7 - Recorte da primeira capa feita por Guevara logo que assume o projeto gráfico d'A Maçã em 15 de dezembro de 1923.
Em 1923, Andrés Guevara chega ao Brasil e no mesmo ano assume o projeto gráfico d’A Maçã. Formado no curso de artes gráficas nos Estados Unidos, e premiado pelo governo argen-
tino por sua obra, Guevara muda radicalmente o visual gráfica da revista. Enquanto o anterior tinha forte influência art nouveau, o novo traz o art déco para as páginas da revista. Em 8 dezembro de 1923, a quarta capa anuncia a reforma da revista já na próxima edição. O novo logotipo tornase mais geometrizado, e flutua à esquerda no topo da capa. Os traços, as formas e os ornamentos também ficam mais geometrizados e simplificados. A página editorial é refor-
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de Guevara
mulada, o desenho do topo da página é eliminado, a fim de comportar integralmente os contos na página que se destina. Aumenta a valorização do espaço brancos e dos tipos, e a relação entre desenho e fotografia é estreitada. A ilustração fica mais valoziada na capa, e a diagramação do miolo mais organizada. É notória a participação do designer no planejamento da integração entre imagem e texto em algumas páginas duplas utilizando ilustrações de K.lixto em 1925. Nos últimos anos da revista quando Guevara começa a se desvincular, entre 1927 e 28, diminuem as sutilezas e A Maçã torna-se mais explícita e menos criativa (HALUCH, 2005, p. 117).
Fig. 8 - Recorte de uma página de editorial feita por Guevara que mostra os novos
adornos geométricos.
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Fig. 9 - Capa da revista Senhor mostra o estilo Ăşnico
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DÉCADA DE 60 SENHOR Revista carioca cujo assunto abor-
durou muito (MELO, 2005, p. 108).
dado era a cultura e que se destacou
Nas capas da revista, durante os três
pela ilustração como linguagem gráfi-
primeiros anos, a ilustração marcou
ca, Senhor foi criada em 1959 e circulou
presença em quase todas as produzidas.
até 1964. Era publicada mensalmente
De acordo com Melo (2005, p. 108), isso
com tiragem de aproximadamente 40
se deve ao fato de os autores serem artis-
mil exemplares, e seu “período áureo”
tas vinculados à pintura, ao desenho e à
foram durante os primeiros três anos
gravura. Dessa forma, foram exploradas
(MELO, 2005, p. 99).
diversas técnicas e cada capa constituía
Senhor foi construída através da par-
uma peça visual autônoma que não ne-
ceria entre Simão Waissman - proprietá-
cessariamente estava vinculada ao con-
rio da Editora Delta - e o jornalista Nahum
teúdo da edição. Contudo, havia uma te-
Sitorsky, que queriam publicar “uma re-
mática que predominava nas ilustrações
vista de qualidade, destinada a um públi-
e girava em torno do universo do leitor
co sofisticado” (MELO, 2005, p. 107). Seu
da revista, que fazia parte de um público
projeto gráfico baseado em referências
de bom poder aquisitivo.
de revistas internacionais foi montado
Dentre as capas que mais se desta-
pelo artista plástico Carlos Scliar, que
caram, Scliar foi responsável pela pri-
ao lado de Glauco Rodrigues - outro re-
meira - que mescla mar, mulheres e
conhecido artista plástico brasileiro - foi
literatura de forma “irreverente e trans-
responsável pelo design de Senhor.
gressora” (MELO, 2005, p. 109) -, e pela sétima, na qual se percebe a preocupa-
“A ousadia e o requinte do design
ção no enquadramento da ilustração ao
de Senhor, portanto, é fruto do
texto a fim de formar um conjunto. Po-
trabalho de profissionais híbridos,
rém é de responsabilidade de Glauco Ro-
que chamaremos aqui de artistas-
drigues a maior quantidade, tendo sido
designers” (MELO, 2005, p. 107).
ele o “capista mais prolífico” (MELO, 2005, p. 111). As capas de Glauco se des-
Durante os três anos em que Scliar,
tacavam pela versatilidade nos recursos
Glauco e Michel Burton estiveram à
técnicos utilizados, dos quais explorou a
frente da equipe da revista, foram pro-
figuração para se aproximar do leitor, o
duzidas edições notáveis tanto do ponto
expressionismo abstrato informal, a ti-
de vista editorial quanto do gráfico. No
pografia, a natureza-morta e a colagem.
entanto, com a mudança dos proprietá-
Melo também considera importante o
rios Senhor foi perdendo seu vigor e não
traço trêmulo do cartum de Jaguar que
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dá um toque de irreverência e humor às edições principalmente no miolo, mas que pode ser visto na capa do número 10 na qual retrata tanto a revista como o leitor com um personagem que possui um cérebro-jardim (2005, p. 116). A mistura de técnicas com resultados fortes foi característica das capas de Bea Feitler nas edições 16, 17 e 22 (MELO, 2005, p. 116). Já Michael Burton que assume a responsabilidade pela direção de arte da revista a partir da edição 23, trata a tipografia como imagem e a mistura com ilustração de maneira bem dosada em outros momentos (MELO, 2005, p. 119). Ainda na capa, temos a identificação da revista através do logotipo que Fig. 10 - Capa da revista Senhor de no 10
foge às regras convecionais por mudar de lugar e de tamanho a cada edição. O tipo adotado é da família Century. Nas primeiras edições o logotipo é composto pela abreviatura SR., com a palavra “senhor” grafada por extenso na haste vertical do R. A partir do número 13, o mesmo passa a se apresentar numa versão na qual a palavra “senhor” é escrita por extenso (MELO, 2005, p. 119 - 120). No miolo de Senhor, concilia-se variedade com unidade visual de maneira que se mantenha uma identidade do conjunto. Não há adoção de um grid rígido, mas existem padrões que eram seguidos em diversas seções e havia preocupação com as peculiaridades de cada matéria - que eram projetadas uma a uma (MELO, 2005, p. 121). As ilustrações do miolo estão sempre
Fig. 11 - Capa da revista Senhor usando a palavra "senhor" dentro de "Sr."
bem relacionadas ao desenho das páginas. Melo diz que “o que vemos não são imagens autônomas transplantadas
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para o interior de uma revista, mas sim
carte impresso, inseria-se lâminas de
desenhos que estruturam as páginas”
papel colorido, ou havia o acréscimo de
(2005, p. 121). A maioria das ilustrações
uma segunda cor em algumas páginas
cabem à Glauco Rodrigues, no entanto
(MELO, 2005, p. 137).
Scliar faz algumas colaborações com suas naturezas-mortas.
A propaganda esteve presente na revista de maneira peculiar, pois conse-
Os cartuns de Jaguar são responsá-
guiu-se delimitar que o espaço destinado
veis pelo humor e leveza na revista, com
a elas seria no início ou no fim da publi-
abordagens relacionadas aos costumes
cação. Além disso, a maioria dos anún-
da época. Em cada edição estão presen-
cios eram feitos pela própria equipe de
tes três ou quatro cartuns de página in-
arte - o que garantia unidade visual em
teira, apesar de não haver uma seção es-
relação às outras páginas. Outro pon-
pecífica para eles (MELO, 2005, p. 128).
to pelo qual Senhor se diferencia nesse
Nas páginas do miolo a tipografia
quesito, é na veiculação de anúncios que
nos títulos das matérias é tão explora-
rompiam os padrões da linguagem publi-
da quanto as ilustrações. Utilizam-se as
citária convencional. Como exemplo des-
mais “variadas possibilidades expressi-
se experimentalismo pode-se citar uma
vas” de acordo com o contexto (MELO,
sequência de 24 páginas com persona-
2005, p. 129).
gens interagindo com eletrodomésticos,
Apesar de em Senhor predominar a ilustração, a fotografia não é totalmen-
que se baseia na linguagem da telenovela (MELO, 2005, p. 143).
te ausente. Ela aparece como resultado
Como é possível perceber, em Senhor
de manipulações em laboratório, que a
“ocorreu uma simbiose entre as lin-
transforma numa informação pictórica.
guagens das artes plásticas e o design”
Nesse caso, a foto serve como matéria
(MELO, 2005, p. 144). A revista foi capaz
-prima para intervenções dos artistas-
de combinar imagem, texto e diagrama
designers e sua importância se manifesta
de forma que esses estivessem totalmen-
na maneira como ela é colocada na pági-
te relacionados entre si. A ilustração ga-
na e manipulada (MELO, 2005, p. 132).
nhou valor no contexto da página, além
Outro diferencial expressivo de Se-
de se manter como uma obra plástica.
nhor podia ser notado em sua produção
Na curta trajetória dessa publicação
gráfica. O papel utilizado na capa e no
Carlos Scliar ficou reconhecido pelo seu
miolo é “fosco, áspero e encorpado”; a
projeto de design, Glauco Rodrigues pe-
qualidade da impressão era supervisio-
las soluções concretas nas capas e nas
nada de perto por Scliar; em algumas
páginas, e Michel Burton por assimilar e
edições havia a inserção de um libreto
dar continuidade ao projeto durante as
em formato menor com uma breve obra
últimas publicações, que não perderam
literária; e sua impressão era quase in-
em qualidade.
teiramente numa só cor - a quadricromia aparecia por vezes em algum en-
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REALIDADE Realidade foi uma revista dirigida ao
jornalismo, que se apresenta com a par-
grande público que começou a ser pu-
ceria entre o fotógrafo e o jornalista na
blicada em 1966, e desde então mostrou
construção de um discurso baseado na
a que veio. Desde sua primeira edição
imersão do assunto (2005, P. 150).
apresentou o perfil de apresentar na
As capas de Realidade em sua quase
capa um retrato que já traz embutida
totalidade apresentam figuras humanas,
uma narrativa, e a incorporação da fic-
a fim de se dirigir ao grande público. No
ção na prática jornalística - influência
entanto elas não se ancoram diretamen-
do new jornalism. Com peridiocidade
te no registro de fatos, mas buscam ex-
mensal, trazia sempre reportagens que
pressar uma análise, um ponto de vista
eram marcadas pela profundidade e es-
(MELO, 2005, p. 151 - 153).
pírito crítico (MELO, 2005, p. 147).
No miolo o grid é sóbrio, e se destaca
Outra característica de Realidade era
pela relação do texto com a fotografia.
o jornalismo em primeira pessoa, na qual
O texto recebe tratamento diferente nos
o jornalista descreve a reportagem de
destaques - títulos e fragmentos textuais
acordo com sua vivência do fato. O tom
que complementam as imagens, e no
pessoal nesse caso não se restringe ao
texto corrido das matérias. Nos textos
texto, pois este vem sempre acompanha-
de destaque é possível perceber sua fle-
do de imagens (MELO, 2005, p. 148 - 149).
xibilidade para permitir que a imagem alcance o significado pretendido. Já os
“Essa é a contribuição maior de
textos das matérias são tratados como
Realidade à história da linguagem
blocos autônomos que independem da
jornalística brasileira: texto,
fotografia, e ocupam uma massa com-
fotografia e design passam a andar
pacta na página (MELO, 2005, p. 154).
juntos, dividindo irmanamente a
Apesar da fotografia ser o centro do
responsabilidade pela construção
discurso visual em Realidade, a ilustra-
do discurso” (MELO, 2005, p. 149).
ção está presente e se apresenta de duas formas distintas: como desenhos infor-
Melo expõe que a fotografia em Rea-
mativos que compõem diagramas para
lidade tem forte presença de fotógrafos
explicar questões de natureza científica,
estrangeiros que captam através de seu
e relacionadas a textos literários como
olhar aspectos que os nativos não são
em Senhor.
capazes, por enxergarem como hábito
Nas aberturas de matérias foram ex-
o que para eles é novo. O resultado dis-
ploradas sequências que constituíram
so pode ser visto nas imagens inéditas
ensaios verbo-visuais. Estes eram carac-
nas páginas da revista. Outro ponto que
terizados por combinar imagens de ca-
ele nos apresenta é o caráter autoral do
ráter autoral com textos curtos, seguidos
Aline Marques e Samuelly Ribeiro
Fig. 12 - Capa da revista Realidade de 1968
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Fig. 13 e 14 - Capa (dir.) e pรกgina interna (sup.) da revista Realidade
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de blocos compactos de textos corridos.
sicos que a representavam. Eles se en-
Contudo, essas sequências extensas não
contram em capas e aberturas que pos-
eram muito recorrentes, e mais comu-
suem relevância para a cultura do país
mente nas matérias principais da edição
(2005, p. 177).
apareciam aberturas em página dupla
A tipografia utilizada na revista
nas quais geralmente a foto era sangra-
acompanha o tom seco do diagrama, va-
da e atravessava a dobra, com o texto
riando muito pouco para não rivalizar
na faixa vertical à direita. A partir da
com a fotografia. São utilizadas fontes
influência das aberturas compostas por
grotescas, serifadas e condensadas no
ensaios visuais, foram feitas também
logotipo e nos títulos das aberturas - que
matérias exclusivamente visuais, onde o
sempre estão grafados em caixa-alta,
texto era praticamente ausente (MELO,
enquanto nas páginas subsequentes va-
2005, p. 155 - 156).
riam em alta e baixa. No texto corrido
Nas fotografias das aberturas é possí-
também não há muita variação, utiliza-
vel perceber a influência da linguagem
se a Times New Roman na forma de um
cinematográfica sobre a linguagem grá-
bloco sólido (MELO, 2005, p. 182).
fica. As cenas retratadas ganham movi-
Realidade foi lançada pela Editora
mento através de cortes, aproximações,
Abril em 1966, depois de uma longa ges-
afastamentos e mudanças de ângulo,
tação. Seus três primeiros anos foram os
que são produzidos na mesa do arte-fi-
mais efervescentes e seu declínio come-
nalista (MELO, 2005, p. 164).
çou após o AI-5 quando todo o comando
Em Realidade também vemos a ruptura da fotografia com a verossimilhan-
do corpo editorial foi demitido, vindo a ter seu fim em 1976.
ça, com a utilização de imagens menos
O designer responsável pelo projeto
comprometidas com a representação
gráfico foi Eduardo Barreto Filho, que
realista. Pode-se considerar que esse foi
junto a outros diagramadores compu-
o primeiro passo para o que viria a ser
nha a editoria de arte da revista. Assim
conhecido como pós-fotografia nos anos
como em Senhor, as influências inter-
90. Em algumas aberturas é possível ve-
nacionais eram fortes e a principal re-
rificar o uso das imagens em baixa defi-
ferência nesse caso foi a alemã Twen,
nição, com borrões produzidos pela cap-
da qual vieram os tipos condensados, a
tação em velocidade baixa e em ângulos
valorização da fotografia e o diagrama
inesperados (MELO, 2005, p. 171).
seco (MELO, 2005, p. 182 - 183).
Uma questão interessante observada por Melo foi a importância que Realidade teve no retrato da Música Popular Brasileira através da fotografia dos mú-
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Julho de 2014
CONCLUSÃO É indiscutível a evolução pela quais passaram as revistas e os periódicos durante o século XX. Apesar da produção desse tipo de publicação de impressos ter iniciado no final do século XIX, é no século seguinte que os aprimoramentos são evidentes. Tratam-se de melhorias nos projetos editoriais, nas quais os responsáveis pela edição de arte se preocupam em estabelecer e melhorar a relação entre texto e imagem, seja ela ilustração ou fotografia, e a experiência de leitura pelo seu público com mudanças que podem ser percebidas gradativamente. Mesmo com a falta de formação específica em editoração, desses que mudaram o rumo das revistas no século XX como acontece em Senhor por exemplo, a qualidade e o aprimoramento técnico de seus trabalhos nos serve como referência até os dias atuais. Podemos perceber em muitas das revistas publicadas hoje em dia, a influência sobre o projeto editorial dessas que foram as precursoras de publicações voltadas para públicos e assuntos específicos. Elas absorvem a qualidade gráfica e deixam de lado os erros cometidos que levaram ao fim dessas revistas. Dentre as influências mais marcantes, podemos dizer que é perceptível o uso de diagramas limpos que permitem a exploração das imagens da maneira que melhor se comunique com o leitor. Na maioria das vezes, a fotografia continua estar a serviço de um jornalismo pautado no registro de fatos e acontecimentos e a ilustração é usada como recurso em infografias ou imagens explicativas sobre determinado assunto.
BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, Íria; ABREU, Karen. "A história das revistas no Brasil: um olhar sobre o segmentado mercado editorial." Disponível em <http://www.bocc.ubi.pt/pag/baptista-iria-abreu-karen-a -historia-das-revistas-no-brasil.pdf> HALUCH, Aline. “A Maçã e a renovação do design editorial na década de 20”. IN CARDOSO, Rafael, org. O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005. Páginas 96 a 123. SOBRAL, Julieta Costa. “J. Carlos, designer”. IN CARDOSO, Rafael, org. O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005. Páginas 124 a 159. MELO, Chico Homem de. “Design de revistas: Senhor está para a ilustração assim como Realidade está para a fotografia” IN MELO, Chico Homem de. O design gráfico brasileiro: anos 60. São Paulo: Cosac Naif, 2006. Páginas 58 a 97.