Allan Kenzo Tacoshi Orientado por: Prof. Dr. Rafael Manzo
O
PENSAR PROJETUAL PARA ELABORAR ATMOSFERAS ^ ARQUITETONICAS NO MEIO METROPOLITANO
Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arqui tetura e Urbanismo Mackenzie SÃO PAULO 2019
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.
ARQUITETURA ESSENCIAL
O PENSAR PROJETUAL PARA ELABORAR ATMOSFERAS ARQUITETONICAS NO MEIO METROPOLITANO
Allan Kenzo Tacoshi
Banca examinadora: Prof. Dr. Rafael Manzo Orientador
Profª. Drª. Maria Teresa de Stockler e Breia Convidada interna
Prof. Me. Orivaldo Predolin Junior Convidado externo
Dezembro/2019
RESUMO
O trabalho tem como objetivo a investigação acerca sobre a motivação primordial da arquitetura, ao qualificar espaços inertes da natureza em estruturas e ambientes com relevância humana. As ambiências da arquitetura se revelam um caminho instintiva do indivíduo em buscar segurança tanto dentro do âmbito físico como no âmbito psíquico e existencial. A sensibilidade para compreender o fenômeno pode ajudar o projetista a elaborar espaços que se encaixem melhor com as necessidades pessoais dos indivíduos e com comunidades distintas, dando maior margem para a contribuição social do profissional. Baseado na pesquisa decorrente dos últimos dez anos de Juhani Pallasmaa no livro “Essências” e na experiência empírica do trabalho profissional de Peter Zumthor exposto no livro “Atmosferas”, este trabalho busca se guiar nos autores referências em percepções mais profundas para melhor compreender acerca da existência de uma essência arquitetônica que comunique igualmente com a humanidade. Palavras-chave: arquitetura; essência; ambiência; fenomenologia; vivência; atemporal.
ABSTRACT
This dissertation has the target of early architect issues, derived from real space, in environments and structures natural to human beens. The architectural environemnts reveals to be an inate path in search of safety, not only material, but also mental and spiritual. The sensibility to understand this phenomena can help designers to create better spaces to fullfill diverse personal and comunity goals, with more social contribution from the professional worker. This work bases from ten years research of Juhani Pallasmaa, described in “Esencias”, and empiric results from Peter Zumthor professional work “Atmospheres”, that provide deep perception about essential architecture and humanity equaly.
keywords: architecture, essential, enviroment, phenomenology, living, timeless.
(in memorian) ao meu querido avĂ´ Martim
AGR ADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Rafael Manzo, muito obrigado pela paciência, orientação precisa e dedicação. Ao pessoal da DDPU/GIP da Prefeitura de Santo André por fornecer o material necessário de trabalho e pesquisa. Aos professores Claudia Stinco, Daniel Candia e Paulo Olivato, pelas conversas descontraídas divertidas, excelentes conselhos para a profissão e vida, pela amizade extra universitária. Ao meu pai, toda a minha formação não seria possível sem ter acreditado e investido em mim. À minha mãe, minha influência artística. À minha família pelo apoio incondicional. Um agradecimento especial a Julio, Igor, Matheus e Valeska que além de serem super amigos, foram suporte e apoio incomensurável em meus piores momentos na faculdade. Aos amigos Debora, Balls, Dora, Koga, Matsuda, Jessica, Julia, Manu, pela amizade e dias memoráveis. Gabriel Betancor, pela companhia de trajetória e das dificuldades. À Fabiana, Thamires, Jessica, Juliana, Dominic, Aline, Daniel, Italo pela amizade e companhia. As diversas pessoas que eu conheci nesse percurso universitário, sempre me fazendo companhia e fazendo até dos meus piores dias uma alegria enorme por estar vivo. Agradeço a cada um de vocês, são muitas pessoas, mas fundamentais a mim. Um pouco de todos, todos um pouco de mim. Obrigado por cruzarem na minha vida.
Capela e convento das Capuchinhas, Cidade do México, México - 1952 Luis Barragán Fonte: (THE HYATT FOUNDATION, 1979?)
A arquitetura ajuda substituir uma realidade insignificante por outra, transformada de modo teatral, ou melhor, arquitetônico, que nos chama ao seu interior e, à medida que nos rendemos a ela, nos confere uma ilusão de significado [...] não conseguimos viver com o caos. O caos deve ser transformado em cosmos. (Karsten Harries)
SUMÁRIO
RESUMO | ABSTRACT 6 INTRODUÇÃO 15
1 2
ARQUITETURA EM ESSÊNCIA
.1 .2 .3
SOBREVIVÊNCIA VERSUS VIVÊNCIA
21
MÍNIMO VERSUS ESSÊNCIA
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AS AMBIÊNCIAS DOS ESPAÇOS
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ATMOSFERAS NA CIDADE
.1
O PROJETO E AS ATMOSFERAS DA ARQUITETURA
.2 A CIDADE EM MICROUNIVERSOS E
A APLICAÇÃO DOS CONCEITOS
59 71
ESTUDOS DE CASO E REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS
3
.1
.2
.3
.4
4 5
MUBE – MUSEU BRASILEIRO DA ESCULTURA E ECOLOGIA - ARQ. PAULO MENDES DA ROCHA , SÃO PAULO.
77
CCSP – CENTRO CULTURAL SÃO PAULO - PLAE ARQUITETURA E ENGENHARIA , SÃO PAULO.
91
KOLUMBA MUSEUM - ARQ. PETER ZUMTHOR , COLOGNE, ALEMANHA.
107
CHICHU ART MUSEUM - TADAO ANDO ARCHITECT & ASSOCIATES , ILHA DE NAOSHIMA, JAPÃO. 119
.5
REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS
135
O MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ
.1 .2
HISTÓRICO 139 SANTO ANDRÉ HOJE
149
PAVILHÃO DE DESCOMPRESSÃO E MEDITAÇÃO NO CENTRO DE SANTO ANDRÉ
155
PROJETO
.1
BIBLIOGRAFIA 176
Essência. [Do latim essentia] S. f. 1. Aquilo que constitui a natureza das coisas; substância. 2. A existência . 3. Idéia principal: A essência de um artigo, de um ensaio. 4. Significação especial; espírito 5. Filos. O que constitui o cerne de um ser; natureza [...] (FERREIRA, 1975)
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0.
INTRODUÇÃO
Em meio a tantos debates e discussões a cerca de uma arquitetura em que se prepara para o futuro e seja inovadora, que constantemente busca uma expressão estética que estimule mais a dinâmica do consumismo das artes, esquecemos a parcela dela em que nos conecta à nossas origens e torna o mundo mais compreensível. O intuito desse trabalho se baseia no observar a arquitetura de uma maneira além do pensado. O trabalho guiou-se pela reflexão de produções arquitetônicas de profissionais que de alguma forma conseguem reter uma sensação de “permanência” do edifício, e autores que trazem o debate complexo de transformar essas emoções e vivências em palavras. No caso, a pesquisa é fortemente estruturada no livro Essências (2018) de Juhani Pallasmaa, uma miscelânea de seus últimos 4 artigos produzidos, e Atmosferas (2009), uma reprodução de uma conferência dada por Peter Zumthor no Palácio de Wendlinghausen, na Alemanha. Esses dois livros foram essenciais para direcionar um ponto de partida ao debate. A decisão pelo título dúbio leva a reflexões diversas para cada pessoa. Simplesmente porque 17
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cada um possui o conceito próprio de essencial em arquitetura, mesmo que não tenha a instrução para tal. Se entendermos o termo como substancial logo refere-se o que cada indivíduo extrai do conteúdo arquitetônico, normalmente um reflexo de uma vivência pessoal marcada por eventos e uma relação cultural de valores. Memórias e experiências vividas formam a nossa conexão artística com o mundo, e como cita Pallasmaa “Uma experiência artística sempre desperta a criança esquecida que estava oculta na pessoa de um adulto” (2007, p.33). A discussão parte em compreender qual é o ponto focal correto da perspectiva primordial da arquitetura. Para que existe? A arquitetura inicia-se meramente como um princípio de abrigo ou há alguma intensão agregada, intrínseca à sua atividade que caminha para a própria integração humana ao teu meio físico natural? Após entender o vetor que movimenta a arquitetura, parte-se em diferenciar do termo um mínimo de arquitetura de uma essência de arquitetura. A partir desse confronto fica claro o rumo da leitura. Um mínimo de arquitetura entendemos como a conformação de uma estrutura mais pura e filtrada possível para cumprir uma função, enquanto a arquitetura essencial abrange necessidades conscientes e inconscientes, racionais ou não do homem para que reconheça a presença de uma arquitetura e seja envolvido por ela. Os dois conceitos podem se relacionar, mas não representam o mesmo significado. Ao deixar claro a relação da ferramenta inte-
lectual que representa o mínimo na busca pela essência, a ambiência dos espaços toma finalmente o protagonismo da pesquisa para entender a relevância humana do ofício com o ambiente construído. O ser humano se demonstra persistente em buscar o seu lugar no mundo, e revela a suas ambições na arquitetura. Sua pista em compreender sua conexão com o meio se dá pelas atmosferas que possa sentir do mundo no ambiente construído. Diversos arquitetos demonstram sua frequente angústia em como resolver indiretamente suas próprias questões humanas na arquitetura, e alguns de certa forma atingem um ponto de razoável excelência, se tornando foco de estudo em como se estabelece seu processo de investigação e estudo.
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ARQUITETURA EM ESSENCIA
1
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Monastérios trogloditas na região da Capadócia Göreme, Turquia - por volta do século 11 Fonte: (BRAXMEIER, 2012)
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1.1
SOBREVIVÊNCIA VERSUS VIVÊNCIA
1
O abrigo primordial, a estrutura primitiva e simples para comportar o refúgio humano.
As edificações arquitetônicas são elementos fundamentais nas vivências humanas ao abrigar suas atividades diárias. Elas estruturam ambientes que abrigam o funcionamento e acontecimentos da sociedade integralmente ou em parte, mas sempre complementando as demandas de trabalho e atividades do homem. Ao se observar o princípio de uma arquitetura, pode-se deduzir em primeiro ponto que se trata de uma infraestrutura para o abrigo1 levando a uma reflexão que sua essência seja a técnica. Mas pautar a necessidade de arquitetura seria o mesmo tema de uma arquitetura de sobrevivência? Há uma subjetividade ao afirmar que a arquitetura seja a técnica. A afirmação pode se confundir em meio ao contexto fisiológico ao invés de uma permanência. As razões de seu surgimento talvez se deem por motivos imediatos, mas seu valor se enriquece na medida que atende as camadas de necessidade. Pode se traçar um paralelo, por exemplo, à revolução digital presentes nos tempos de hoje. A facilitação tecnológica revoluciona de tal maneira nossas atividades 23
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diárias que dificilmente se aceita a realidade vigente anterior. O mesmo se aplica as melhorias contínuas que a arquitetura acaba por trazer ao cotidiano humano. Conforme as demandas humanas por sobrevivência são resolvidas, a arquitetura começa a solucionar problemáticas da qualidade de vida. A resolução do abrigo não se conforma no fim em si, mas no reconhecimento de que há outras demandas importantes necessárias para se viver. Cronologicamente, o princípio primordial da arquitetura e das construções humanas sempre se guiou pela difícil tarefa em resolver problemas físicos na adaptação do homem ao longo da geografia terrestre. Se as limitações biológicas dos seres vivos compactaram suas existências dentro de distintos ecossistemas pelo sistema evolutivo, as ferramentas biológicas do homem primitivo possibilitaram a espécie de ultrapassar as fronteiras de seu habitat quando este desenvolveu a capacidade de manipular os materiais inertes à sua necessidade. A habilidade do ser humano em desenvolver ferramentas complementares a sua capacidade de sobrevivência o levou a possibilidade de se inserir, a cima dos ambientes distintos, em uma parte do cosmos. O cosmos, numa tradução direta significa universo, mas na sua origem etimológica do grego kosmos significa ordem (COSMOS, 2019). Para esta interpretação de “macro-
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Entenda-se macromundo como o mundo externo ao que compreendemos em nossa perspectiva pessoal sobre o mundo; o mundo “maior”, universo.
mundo”2 dos gregos, kosmos é a percepção de uma harmonia própria do universo que difere daquela compreensível ao homem. Nessa concepção, a hostilidade dos ambientes se mescla com a admiração de sua presença. Há uma harmonia entre os seres vivos, as formas minerais e geográficas inerentes a presença humana nela. A incompreensão de uma lógica humana no universo não implica a ela, exatamente, um caos em si. Portanto a possibilidade do homem em conseguir se inserir em diversos biomas e geografias através de sua virtude em transformar os materiais locais à sua extensão, ao se fixar nesses ambientes, ele consegue domesticar o espaço e estabelecer o seu lugar ao cosmos (PALLASMAA, 2007). Nesse ponto a técnica é a ferramenta do homem sair do estado de sobrevivência, permitindo seu avanço a qualidade de vida. O sucesso do homem em se adaptar pelos diversos biomas terrestres permitiu sua ocupação ao longo dos continentes, sempre se flexibilizando e solucionando suas necessidades físicas que mantivesse a possibilidade mínima de permanência. A cada contexto uma rotina de sobrevivência própria e um sol distinto a se elevar pelo horizonte, naturalmente existências que vivem realidades ímpares com soluções técnicas diferentes. A arquitetura, espontaneamente, reluz a condição regional e a necessidade de um povo, e não por menos seja encarada como uma bandeira da identidade. A arquitetura naturalmente é um acúmulo de conhecimentos e sabedorias da construção ao
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longo da história. As soluções pontuais de cada artesão ao aperfeiçoamento de uma construção, provoca durante o percurso temporal, um acúmulo de características.. Como é citado por Pallasmaa (2007), essas informações integram parte do cotidiano das pessoas, fixando-as em suas memórias e formam um repertório de compreensão do mundo. Em suas palavras “A memória [...] é o terreno da identidade pessoal: somos o que lembramos”. (p.16) A lembrança do que somos fundamenta outro ponto importante para o cerne da arquitetura: tendemos a ter sensibilidade pelo que compreendemos, e isso se reflete ao nível de intimidade do ambiente em que procuramos. Pode-se dizer de certa maneira que o homem busca o abrigo sonhando com o lar. A resistência inicial ao movimento Moderno da arquitetura se deu exatamente pela sua natural incompatibilidade do que se reconhecia como uma arquitetura intima. Somente nas três décadas recentes, com o envelhecimento da escola, ela se torna mais palatável e identitário do nosso repertório de arquitetura pois ressoa como uma lembrança de nossa formação. A memória também tem uma forte relação com a nossa sensibilidade artística. “Uma experiência artística sempre desperta a criança esquecida que estava oculta na pessoa de um adulto” (PALLASMAA, 2007, p. 33). A memória provoca a consciência da passagem constante do tempo e nos conecta à nossa formação, ao mesmo tempo que nos lembra a um fim inevitável. Conforme vivemos, eventos pontuais moldam a nossa relação com o
mundo e cosmos, tendemos sempre a ser tocado pelo vazio do existir. Nesses momentos nossas memórias buscam em nosso âmago momentos de significado. Isso reflete diretamente em nossa maneira de sonhar e a sensibilidade artística. Os sonhos, por representarem nossos desejos intrínsecos e a arte pelo congelamento de uma atmosfera que comunica com a nossa existência. “A novidade artística apenas consegue nos comover caso toque algo que já possuímos em nossos seres. Toda obra de arte profunda certamente nasce da memória, não de uma invenção intelectual sem raízes.” (PALLASMAA, 2007, p.33) Por fim, a substancia que rege a nossa compreensão de arquitetura é o reconhecimento de nossas demandas tanto físicas como mentais/espirituais, indo muito além de seu estado de emergência e temporal. A partir do cerne dessa compreensão se define o rumo de uma arquitetura, observando inclusive, que seu caminho vai muito além da sua receptividade, apesar de ser a maneira aonde descobrimos teu valor. A exemplo do Museu do Holocausto, obra do arquiteto polonês Daniel Libeskind, aonde a substância é tratada de maneira singular. Ao projetar um ambiente que possibilitasse a conscientização do espectador, o arquiteto desenha um edifício que sensibiliza com os sentidos humanos de maneira desconfortável com o usuário. Muito além de elaborar um edifício de significação tradicio-
nal, Libeskind busca na essência de compreender arquitetura a maneira de conduzir uma ambiência distinta e objetiva. “A arquitetura ajuda a substituir uma realidade por outra, transformada de modo teatral, ou melhor, arquitetônico, que nos chama para o seu interior e, à medida que nos rendemos à ela, nos confere uma ilusão de significado [...] não conseguimos viver com o caos. O caos deve ser transformado em cosmos.” (HARRIES, Karsten 1993, p.47) Projetar arquitetura é compreender que o homem existe em camadas além da existência imediata. “Não existimos apenas na realidade espacial e material, também habitamos em realidades culturais, mentais e temporais” (PALLASMAA, 2007, p. 13). Possuímos demandas além do básico para reconhecer uma construção como uma arquitetura. Ela precisa de alguma maneira ressoar como tal, semelhante à arte, como algo em que reflete em algum ponto do que somos. A sua função é fundamental para que seja estruturada, mas sua essência vai muito além de sua estrutura.
Interior do Museu Judaico Berlim, Alemanha - 1999 Studio Libeskind Fonte: (SPDP, 2006)
Casa Koshino Ashiya, Hyogo, Japan - 1984 Tadao Ando Fonte: (FUJIMOTO, 2011) 30
1.2
MÍNIMO VERSUS ESSÊNCIA A discussão de uma essência que guia a arquitetura permeia, a princípio, da síntese vocacional de seu ofício. Tratar do assunto é filtrar o que é necessário para que um “organismo” arquitetônico funcione com eficiência, ou qual é a função de suas partes que a princípio não expressem utilidade física, mas que possui sua devida relevância humana pautada. Compreender o seu campo de ação é necessário para buscar com maior realidade uma expressão de arquitetura que contemple a escala humana. Entretanto, o repertório de arquitetos contemporâneos que trabalhem com esse meio é fundamentalmente direcionado por um viés mínimo da construção, mais popularmente dito como de “linguagem minimalista”. São referências dessa pesquisa arquitetos como Tadao Ando, Peter Zumthor, RCR Arquitectes, Carlos Scarpa, Heinz Bienefeld, Louis Kahn dentre ouros, que buscam de uma linguagem sintética de informações da cultura humana a maneira de desenhar ambientes únicos e de grande impacto qualitativo no espaço, cada um à sua maneira. Tende-se ao erro de confundir o conceito de uma arquitetura mínima da essência arquitetônica previamente discutida. Ao tratar da arquitetura atual, suas raízes na31
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turalmente respeitam a continuidade cronológica do movimento arquitetônico moderno no começo do século XX. O assunto discutido é a linguagem substancial da estética, trazido pelas vanguardas artísticas do período que percorrem no ofício dos profissionais da atualidade. É necessário entender que a linguagem mínima é uma ferramenta de expressão artística de síntese, e o meio com que arquitetos atuais se apropriam para buscar essa “essência arquitetônica”. Para melhor entendimento, um breve histórico do conceito “minimalista” da estética. O maior patrono da estética mínima dos tempos atuais (na qual seu legado acaba sendo mais visível), dentre todos os grandes nomes do movimento moderno, naturalmente se fundamenta no impacto do discurso e do trabalho de Ludwig Mies van der Rohe. Sua máxima “menos é mais”, apesar de ser uma frase já citada anteriormente pelo dramaturgo inglês Ro-
Pavilhão alemão na Feira Universal de Barcelona Barcelona, Espanha - 1929 Mies van Der Rohe Reconstrução do edifício em 1986 O edifício é um dos maiores exemplos de uma linguagem e expressão mínima da estética. Fonte: (KOFFLER, 2017)
bert Browning em seu poema Andrea del Sarto, de 1855, expressa claramente seu pensamento projetual e a escola arquitetônica que o sucedeu, inspirada em seu forte idealismo. Trabalhando em uma simplificação rigorosa da construção de maneira que sua estética espelhasse a beleza delicada de sua solução técnica, na verdade Mies representa o ápice da revolução estética iniciada pelos mo-
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vimentos artísticos do final do século XIX, dentre eles a influência da Deutscher Werkbund. A “União Alemã do Trabalho”, se tratou da associação de artistas, arquitetos, autoridades públicas, críticos e industriários que buscavam uma aproximação do espírito da modernidade com a estética artística e a produção. Sua existência surgiu por natureza em balanceamento aos movimentos artísticos de resistência às transforma-
Fabrica de Turbinas das indústrias AEG. Berlim, Alemanha -1906 Peter Behrens. O edifício representa o rascunho de um processo de síntese no desenho da arquitetura. Fonte: (BILDARCHIV FOTO MARBURG, Entre 1920 e 1939)
ções provocadas pelas inovações tecnológicas das máquinas e a produção industrial. Dentre esses movimentos se destaca a “Arts and Crafts” que buscava integrar a arte no cotidiano da sociedade industrial através da associação dos artesões com a indústria, de maneira a suavizar o impacto generalizado resultante da Segunda Revolução Industrial. Em meio do surgimento da Werkbund, na Alemanha já havia a sua contrapartida da Arts and Crafts com uma proposta de resgatar valores da tradição e estéticas que remetessem a um mundo anterior à indústria. Fora isso, a industrialização tardia jogava sua competitividade de mercado abaixo do nível qualitativo inglês e da estética dos produtos arrojados da indústria francesa. A União do Trabalho, face a um contexto de busca de uma expressão artística de seu tempo e da necessidade de expressar a qualidade dos novos produtos alemães, abraça a realidade industrial
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como a solução e elabora um sistema de trabalho que aproxime a função do arquiteto e do projetista nesse meio (COHEN, Jean Luis, 2012). Apesar das divergências de opiniões sobre qual é o futuro da expressão estética da produção industrial, com toda certeza a conexão direta com o desenhista possibilita um universo de trabalho para os artistas e arquitetos inédita. O resultado é uma progressiva limpeza da aparência formal da arquitetura e das manufaturas em direção a praticidade comercial e funcional. A “síntese”3 é a revolução profunda que a Werkbund propõe para o universo e vocabulário da estética. Pode-se traçar um paralelo com o trabalho de Pablo Picasso ao abstrair o desenho acadêmico de um touro através do trabalho da síntese (“Bull”, 1945). Limpeza das formalidades, aproximação do problema com a solução, equacionamento prático das ideias; os arquitetos e projetistas conseguem aproximar a arte com a objetividade da engenharia do século XIX. A estética mínima é uma consequência do processo de síntese, é um método de trabalho para buscar as informações essenciais de um objeto. É a arte científica. Peter Behrens representa o início sutil da inovação da estética em parceria firmada com as indústrias elétricas da AEG, com destaque especial ao aclamado edifício da fábrica de turbinas da empresa homônima.
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Define-se “síntese” como o resumo dos tópicos principais ou da essência de algo. (SÍNTESE, 2019)
Litografias do quadro ‘The Bull” Pablo Picasso - 1945-1946 Processo de síntese a partir do desenho de um búfalo. Fonte: (PICASSO, 2017)
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Casa experimental em Muuratsalo Muuratsalo, Finlândia - 1949. Alvar Aalto. Aplicações de conhecimentos tradicionais da construção vernacular com a bagagem da arquitetura moderna. Fonte: (BAGHERI, 2010) 39
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Com a tamanha expressividade moderna de suas propostas de projeto, logo cria uma escola de pensamento sobre a arquitetura, estabelecendo ideais em nomes como o Walter Gropius, que viria a fundar a Bauhaus; Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido como Le Corbusier, um dos grandes divulgadores por uma nova visão de arquitetura; e finalmente em Mies van Der Rohe, aonde eleva a corrente filosófica progressista da Werkbund ao máximo potencial expressivo e leva a frente na história, seu legado na arquitetura e design (COHEN, Jean Luis, 2012). Já em tempos à frente, após o estabelecimento da International Style, arquitetos como Alvar Aalto dão um passo à frente no manuseio do pensamento de síntese da arquitetura, aproximando com relações regionais. É um dos mais reconhecidos “modernos” que trazem um segundo momento da arquitetura de vanguarda: a flexão dessa nova visão sobre a arte no contexto da substância arquitetônica no ser humano. O regionalismo moderno demonstra que a capacidade de síntese pode muito bem estabelecer ligações históricas, da tradição e da memória com a arquitetura contemporânea; acima de tudo como uma expressão convincente do seu tempo (PALLASMAA, 2007). São exemplos forte dessa síntese a Prefeitura de Saynatsalo e a Casa experimental de Muuratsalo, aonde suas pesquisas abrangem inclusive as tipologias de moradias da Roma Antiga. Mais recentemente, numa realidade de
Casa Babanek, Brühl, Alemanha. 1995 Heinz Bienefeld. Pode-se aludir no trabalho do arquiteto alemão a continuação de investigações da união entre a tradição da arquitetura vernacular e a moderna, iniciado por Aalto. Fonte: (SUHAN, 2018)
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Diz-se “contextualismo” como conjunto de teorias vigentes no período de revisão crítica do movimento arquitetônico moderno, aonde prevalece o resgate sobre a cultura e a identidade local no processo de concepção do projeto.
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Igreja da Luz Ibaraki, Osaka, Japão - 989 Tadao Ando. Aberturas delicadas pelo descolamento dos planos do volume do edifício. O arquiteto incorpora o estado de espírito da cultura japonesa na estética minimalista. Fonte: (PARE, 2019)
declínio dos ideais da arquitetura moderna, no período Pós-Moderno o constante debate e resgate sobre o contextualismo4 e os antigos valores pictóricos da tradição arquitetônica cria pouca profundidade no meio artístico. E o movimento contextualista acaba por vingar algumas de suas propostas de pensamento na síntese moderna. Naturalmente, o conceito mínimo se torna o core e elo da continuidade histórica para as revisões modernas. Heinz Bienefeld (1926 - 1995, um arquiteto alemão especializado no restauro é bastante referenciado por Peter Zumthor (2009), trabalha na qualidade e delicadeza de trato às construções patrimoniais, mas trazendo um novo ar de vida aos seus edifícios. O mesmo se aplica nas pesquisas de Louis Kahn, um arquiteto referência no período. Tadao Ando expressa seus valores de vida dentro da realidade japonesa na objetividade do minimalismo formal, buscando pontualmente o necessário para elaborar seus ambientes misteriosos. Nos tempos atuais, a síntese minimalista se torna o vocabulário mais objetivo e intrigante dos ambientes fenomenologicamente trabalhados. Não à toa naturalmente possa ser confundido seu uso e a arquitetura em essência discutida, principalmente no que se referir às atmosferas arquitetônicas que o espaço minimalista possa irradiar. Peter Zumthor, laureado pritzker em 2009, é atualmente um dos nomes de destaque no trato de uma arquitetura de ambiências acima da expressividade formal.
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Thermas de Vals Vals, Suíça - 1996 Peter Zumthor Vista da escada de acesso das piscinas para o vestiário. Destaque ao uso de luz natural para criar atmosferas de ambientes diferentes. Fonte: (FELIX FRIEDMANN PHOTOGRAPHY, 2016)
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Oca, Parque do Ibirapuera São Paulo - 1954 Oscar Niemeyer Fonte: (KON, 2008)
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1.3
AS AMBIÊNCIAS DO ESPAÇO
“Existe um efeito recíproco entre as pessoas e as coisas. E é com isto que me identifico como arquiteto. [...] Existe uma magia do real” (Zumthor 2009, p. 17) Os espaços dizem muito mais que um simples vazio. São a partir deles que temos a experiência corpórea do existir, do situar-se, do compor-se na geografia do universo. O espaço físico nos faz compreender o confronto entre sólido e não-sólido, entendemos a significância de ocupá-lo. É nele que ocorrem o cotidiano e os eventos marcantes, é o meio em que compreendemos o mundo através de nossa ótica regional. Através do meio se observa cada transformação de paisagem, a cada rotação do sol e dos astros, a cada raio de luz que se expande sobre o meio, a cada vento que dá vida às estruturas soltas e flexíveis de um ambiente, e após diversas repetições o desgaste do tempo. Nossos instintos, nossa “programação de fábrica”, reagem ao entorno a todo instante. O cenário muda constantemente e se torna estímulo para as nossas memórias, tornando a vivência no espaço algo identitário e exclusivo para os seletos experienciados (PALLASMAA, 2007:1). A associação da
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memória com o espaço, multiplicado pelas energias do nosso inconsciente, desenrola um fenômeno difícil de se explicar e próxima do que se descreve como aconchego no idioma português. A palavra aconchego5 define-se como amparo, conforto e comodidade e constrói a ideia de algo acalentador, que te cuida, uma sensação agradável de se sentir. A etimologia se dá na origem conchegar que, derivado do latim complicare significa “enrolar, enroscar, agachar-se” o que também se entende como uma sensação envoltória agradável. Se prosseguirmos em um pensamento antropológico e psicológico da sensação de aconchego sobre o espaço experienciado, pode-se deduzir na origem do instinto humano uma possível ligação com o útero materno que envolve o desenvolvimento do corpo biológico humano, talvez por ser o primeiro contato espacial possível com o universo físico, o elo de familiaridade com os ambientes espaciais. Pode-se dessa maneira interpretar pela língua portuguesa uma associação à proteção materna dos ambientes, aquela que simboliza a guarda dos sentimentos mais sensíveis frente a hostilidade do mundo. Um sentimento de energização e convite a permanência, muitas vezes encontrado não só em locais conhecidos, mas em espaços de nova experiência. 48
5
michaelis.uol. com.br (ACONCHEGO, 2019)
“A casa protege o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz” (BACHELARD, Gaston 1969, p. 6) 6
Cosmos como definido no capítulo 1.1 – Sobrevivência versus Vivências 7
Se cosmos significa “universo harmônico”, microcosmos pode-se dizer como as ambiências e pequenos universos de sensações contidos em ambientes distintos da parte de um corpo maior, podendo estar presentes em obras de artes, salas e espaços de um edifício, espaços residuais urbanos. Um microcosmos se revela uma parte quase autônoma de informações e “ecossistema” que ajuda a compor o cosmos.
A experiência vivida se dá nos espaços. Uma casa não possui significado se ela não se estruturar um receptáculo que sustente o abrigo, muito menos se não se comprometer a égide para a permanência humana. Mas acima de tudo, se a edificação não for o berço e a proteção para os momentos vividos, a casa esvazia-se de teu valor. A visão da arquitetura pelos sentimentos de aconchego é muito relacionada a experiência acumulada do indivíduo frente aos desejos que possui sobre os ambientes. Ora há a procura por uma proteção, ora há a busca por expansão. Os diferentes graus de necessidade e estado de espírito nos inserem em uma perspectiva diferente sobre como sentimos, vivemos, ocupamos e desejamos o ambiente. Uma pessoa que ambiciona liberdade muitas vezes deseja aberturas de horizonte para a vista a e a movimentação; outras que buscam um refúgio íntimo se abstém do mundo e dão preferência ao isolamento, em uma relação cosmos6 para o microcosmos7. Há aqueles que preferem contato direto com a atividade humana, o som adentrando sobre o ambiente se faz estimulante; dentre outros que buscam atmosferas amplas do meio para a introspecção e a imersão da imagi-
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Crematorio de Hofheide Holsbeek, Bélgica - 2014 RCR Arquitectes 51 Fonte: (HISAO, 2015)
nação. Cada demanda pessoal é resultado de um acúmulo de vivências específicas da personalidade, e soma-se aos valores do meio cultural e social (PALLASMAA, 2007).
My Heart Leaps Up (the Rainbow)
Quando vejo o arco-íris Eu me aposso de um tumulto: Assim tudo teve início; Assim hoje eu sou adulto; Assim eu ficarei velho; Ou que eu morra! A Criança é pai do Adulto. Que os anos sejam enlaçados E venham a ser perdoados. (WORDSWORTH, William, 2015, tradução por Matheus Mavericco)
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A relação da afetividade com o meio se torna mais profunda conforme se afunda em memórias mais distantes da infância. No poema de William Wordsworth, “The Rainbow”, famosa pela citação de Sigmund Freud “A criança é o pai do adulto” (apóstrofe 7), destaca a profundidade que o evento natural tem sobre o poeta quando relaciona a atemporalidade da paisagem com as memórias da pueridade. Com a percepção distante do evento natural e efêmero, Wordsworth descreve de maneira metafórica a devida influência que a infância marca em sua maneira de se comover no meio. De maneira semelhante os espaços construídos (muitas vezes junto com o entorno da paisagem) impactam na memória pessoal, ao serem palco para os questionamentos inocentes e ingênuos desde momentos da criança. A comoção pelo meio, mesmo quando se trata de uma novidade, só ecoa no cerne do ser quando reflete em algo que previamente já se possui (PALLASMAA, 2007). A união entre as informações ativas com a intuitivas da memória constroem a noção de identidade. “Somos o que lembramos” (PALLASMAA, 2007, p.16). A familiaridade com padrões morais, culturais e das soluções construtivas da tradição, através do relacionamento vivido dessas estruturas, facilitam a aceitação pessoal com o meio; ao mesmo tempo que as necessidades intrínsecas já citadas da formação da personalidade constroem a afetividade com o espaço. Seria mais ou menos nessa direção que a identidade intervém no reconhecimento da própria cultura e agrega valor relacional com os ambientes.
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“La fábrica” Sant Just Desvern, Espanha - 1975 Ricardo Bofill Taller de Arquitectura (RBTA) Requalificação de um edifício industrial abandonado para escritório e residência do arquiteto. O projeto aproveita elementos do desgaste do tempo para resignificar a ruína para uma outra compreensão do espaço construído. Fonte: (ACCUSOFT INC., 1996-98)
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A memória possui papel fundamental no enriquecimento da matéria física, na técnica tradicional ou artesanal, e nas simbologias ou tipologias de ambientes. Quanto mais se experiencia a vida e o passar do tempo, mais se compreende o valor da permanência e durabilidade da sabedoria coletiva, da arte, das construções, da cultura, da civilização e do cosmos, e isso reflete no valor identitário que a materialidade e técnicas agregam ao olhar humano (PALLASMAA, 2007). Um último fator a ser verificado das ambiências do espaço são das construções de outros tempos, sejam preservadas ou em ruínas. O valor comunicativo que essas estruturas provocam costumam trazer indagações e mistério ao indivíduo que se permitir envolver. Primeiro que as construções e arquiteturas são a formalização total dos desejos e necessidades de sua época. Segundo que elas preservam um estado um pouco deslocado a velocidade dinâmica de seu tempo, principalmente quando se trata de ruínas ou programas de necessidade que há muito foi perdido. Terceiro que elas formam palco para a imaginação e fantasia de outras vidas e universos vividos. A “atemporalidade” de uma construção de outros tempos é um forte monumento à compreensão da existência passageira do indivíduo pelo cosmos, mas ao mesmo momento a percepção dos valores duradouros das instituições da cultura e civilização humana (PALLASMAA, 2007).
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“A arquitetura não trata somente de domesticar o espaço. Ela também é uma defesa profunda contra o terror do tempo” (PALLASMAA, Juhani 2007, p.15) Não há uma fórmula perfeitamente universal para estabelecer uma ideia fixa de uma ambiência e o sentimento cômodo por ela, mas claramente é um dos principais planos de compreensão do existir e do relacional com a matéria, o físico e consequentemente à arquitetura. Há fatores que pesem para demandas primordiais da afeição, e outro ligado a ambições e renovações de hábitos. Mas no fim será sempre um efeito afetivo que reluz em algo a quem nós somos ou em que acreditamos. Cabe ao arquiteto também ser sensível e transparente às transformações de contexto de época ao comunicar se em seu ofício.
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ATMOSFERAS NA CIDADE
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Interior da Biblioteca da Academia Phillips Exeter Exeter, New Hampshire, Estados Unidos - 1965 Louis Kahn Fonte: (BRADLEY, 2018)
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2.1
O PROJETO E AS ATMOSFERAS DA ARQUITETURA O assunto debatido sobre ambiências, apesar de se revelar como uma ferramenta instintiva do ser humano em interagir com o meio físico do cosmos, é provocado por tantas variáveis de contexto que tornam a perspectiva de sua compreensão algo estritamente individual e autocentrado. No entanto, se o ponto de vista pessoal é o produto das variáveis em que o ser humano é exposto em sua formação, o mesmo não se pode dizer das mesmas variáveis em que é exposto. Como é dito por Pallasmaa (2007), vivemos em camadas multidiversas da realidade que unem e desunem as experiências do indivíduo com seus semelhantes. Pode tratar se de relações com o seu contexto visual e paisagístico natural, as relações de sangue e proximidade de formação, da história e cultura, de eventos humanos, etc. As camadas de foco nas relações experienciais são o elo que convergem personalidades diferentes a se aproximarem e a se identificarem, mesmo sem uma afinidade pessoal definida. “Coletividades e mesmo nações compartilham certas experiências de espaços existenciais que constituem suas identidades coletivas
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e seu senso de União. Talvez nos mantenhamos juntos mais graças a nossas memórias compartilhadas do que a um senso inato de solidariedade. “ (PALLASMAA, Juhani 2007, p.24)
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Portanto o princípio de projetar espaços com ambiências para um indivíduo ou um coletivo parte em identificar que, para elaborar espaços relevantes para a diversidade pessoal, é necessário incluir elementos compatíveis com as camadas de vivências dos usuários. A grande maioria dos arquitetos renomados fazem isso de maneira intuitiva com enorme sucesso, o que revelam uma grande inteligência relacional com essas camadas mesmo que de maneira passiva e afetiva. Pode se relacionar o pensamento de Luigi Pareyson (1984) sobre a arte moderna nesse meio, aonde a intuição artística nada mais é que a sensibilidade e percepção dessas camadas sobre a si mesmo e unida com a habilidade de expressão artística, transformando essa perspectiva e noção em um canal comunicativo com a produção da obra de arte. O elemento arte, que inclui a arquitetura, mesmo não provindo da mesma perspectiva do autor, reage em vivências próprias do expectador aon-
Abrigo para ruínas romanas Chur, Grisões ,Suíça 1986 Peter Zumthor. Fonte: (BINET, 1997 - 2011)
de as camadas vividas em semelhança são o que unem o emissor comunicativo com o receptor da informação. Um dos arquitetos estudados, o suíço Peter Zumthor descreve no livro “Atmosferas” (2009) uma metodologia própria para direcionar seus projetos. Na busca em erigir espaços que compreenda as ambiências, no qual o define como “atmosferas” , o arquiteto procura identificar em sua própria sensibilidade alguns interesses pessoais sobre
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as construções que permitam dar algum recorte e ponto de partida no desenho de sua característica arquitetura. Esses delineamentos formam procedimentos, instrumentos e ferramentas de trabalho que constroem o espaço a partir da escala de sua perspectiva pessoal. Peter utiliza em seu projeto de estúdio 9 focos de trabalho e mais 3 suplementos pessoais sobre qual o resultado importante que almeja em sua obra finalizada. Será disposto os tópicos numa tentativa de simplificar as suas ideias.
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Ferramentas de trabalho: • O corpo da arquitetura; (A arquitetura funcionar literalmente como um corpo biológico, e não apenas uma alusão) • A consonância dos materiais; (Materiais e formas de composição e arranjo) • O som do espaço; (A acústica no ambiente e suas relações com a forma, materiais e afetividade) • A temperatura do espaço (Não apenas a física da climatização, mas também a relação psíquica e visual) • As coisas que me rodeiam; (o impacto afetivo com a ocupação humana em seus ambientes projetados. Relação pessoas versus espaço) • Entre a serenidade e a sedução; (a arquitetura como espaço vivenciado e uma arte de instigar o deslocamento, através de surpresas e encenação. Uma forma alternativa de entender a promenade architecturale) • A tensão entre interior e exterior;
Proposta para vinícola Pingus, não construído. Representação digital. Valbuena de Duero, Espanha. 2001-2005 Peter Zumthor. Fonte: (DARCSTUDIO, s/d) 65
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(“Estar fora e estar dentro”. A interação entre espaço externo e interno, conduzindo o que ser exposto ou não ser da construção) • Degraus da intimidade; (a percepção e uso de escala de maneira aplicada em contexto da afetividade pessoal) • A luz sobre as coisas; (iluminação e a maneira que clareia a massa sombreada dos espaços, com ênfase na luz natural) Suplementos pessoais sobre a arquitetura: • A arquitetura como espaço envolvente (arquitetura como pano de fundo do cotidiano e das vivencias pessoais) • Harmonia (harmonização entre todos elementos de inserção no contexto, utilidade e forma) • Forma Bonita
Capela de São Benedito Sumvitg, Grisões, Suíça. 1988 Peter Zumthor. Fonte: (CAMUS, 2011)
Peter Zumthor tem uma forte sensibilidade sobre o conceito definido por Pallasma de “camadas vividas”, ao elaborar metodologias, processos e intenções de projeto. Através de sua intuição nos ambientes em sua vida, em seu próprio livro descreve sua afetividade com os fenômenos do espaço com a memória vivida. Outro arquiteto estudado, Juhani Pallasmaa em seu livro “Essências” (2018), possui uma visão mais filosófica e analítica sobre os fenômenos do espaço na arquitetura. No livro discute e explora seus meandros sobre a paisagem, construção e arquitetura e sua conexão direta com a arte.
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Em um de seus textos, “Espaço, lugar, memória e imaginação” (2007), revela qual é o papel profundo da arquitetura sobre o indivíduo humano ao se debater o tempo e a memória. No tópico “Lentidão e Lembrança – velocidade e esquecimento“ (PALLASMAA ,2018 p. 30), após refletir sobre o impacto da velocidade na cultura artística do indivíduo contemporâneo, Pallasmaa aponta que o rápido consumo de informações gera além de uma necessidade do consumo imagético da arquitetura, a geração de uma amnésia cultural devido à falta de tempo para absorver a vivência sobre o ambiente. Estabelece que, diferente de outras artes que transmitem muita dramaticidade em sua expressão, a arquitetura tem um papel mais distante com o indivíduo ao manter-se como “tela de projeção de lembranças e emoções” (2007, p.31). E logo faz uma avaliação pessoal: “Acredito em uma arquitetura que desacelera e foca na experiência humana, em vez de acelerá-la ou difundi-la. Em minha opinião, a arquitetura deve proteger as memórias e proteger a autenticidade e independência da experiência humana. Sendo fundamentalmente a forma de arte da emancipação, a arquitetura nos faz entender e lembrar quem somos “ (PALLASMAA, Juhani 2007, p.31)
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Para Pallasmaa, a memória é uma conexão poderosa do indivíduo com o meio físico. Com essa virtude de acumular informações próprias sobre o meio material e construído, as paisagens, geografias, cons-
Moduli 255 Helsinque, Finlândia. 1969 Juhani Pallasmaa Fonte: (DEGMMIER, 1969)
truções e finalmente a arquitetura crescem enormemente em valor de significância humana. Após relacionar a ligação direta da memória com a imaginação, esclarece que jamais enxergamos a realidade como propriamente é. Toda a visão da perspectiva humana é contaminada por fatores das camadas vividas. Se a memória é um forte elemento agregador na experiência arquitetônica, então a experiência acumulativa e convenientemente vivida é o fator chave para apreciar a arte e a arquitetura. E um arquiteto sensível com essa condição intui que a arquitetura, para tornar-se “viva” e coerente com as necessidades humanas, respeita também os laços mínimos 69
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com a memória, mesmo que de maneira sintética dado que “a memória é o terreno da imaginação” (PALLASMAA, 2007, p.16). Por fim, a boa experiência arquitetônica segundo Pallasmaa acontece quando a sensibilidade vivida e aplicada do arquiteto consegue comunicar-se em meio das infor-
Kamppi Centre. Helsinque, Finlândia. 2006. Juhani Pallasmaa Fonte: (VITALE, 2011)
mações das camadas vividas do usuário. Quanto melhor se relaciona com algo que minimamente o expectador possui, mais intrigante e profundo a obra de arte se torna. 71
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Teatro La Lira. Ripoll, Girona, Espanha. 2011. RCR Arquitectes Fonte: (CHECINSKI, 2010)
2.2
A CIDADE EM MICROUNIVERSOS E A APLICAÇÃO DOS CONCEITOS A discussão da arquitetura sempre caminha para a cidade pois é parte integrante da mesma. Sua experiência é formalmente contida em regras, legislações e moralidade de seu contexto ao mesmo tempo que se solta e se revela artisticamente para fora de muros e terreno. A arquitetura se revela como arte na medida em que sua percepção é irredutível a taxonomias. A vinda da perspectiva da arquitetura japonesa nos projetos dos arquitetos de vanguarda vanguardas modernas, como Mies van Der Rohe e Frank Lloyd Wright, contribuíram para a experiência arquitetônica na cidade com a explosão visual e espacial das construções com a rua. A quebra da caixa da construção arquitetônica tradicional ocidental possibilitou novas maneiras de atender o abrigo humano do cotidiano das construções e cidade. Permitiu se a elaboração de espaços semiabertos ou semifechados no diálogo privado e público, entre edificações e o espaço entorno. A urbanidade adquiriu conceitos de abrigos da arquitetura com a transparência, e assim o fortalecimento de suas próprias ambiências. Entendendo a cidade como uma extensão da arquitetura, o conceito de suas atmosferas naturalmente se torna expansível. Pode se dizer a
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existência de “atmosferas urbanas” ao deslocar os conceitos investigados sobre espaços arquitetônicos sobre a cidade, e naturalmente há. Alguns dos estudos de caso dispostos nos próximos capítulos revelam a arquitetura como ponto de fixação e atração da população urbana, principalmente por fornecer recintos e espaços físicos para ocupar outras necessidades que não pontua exatamente o papel principal do equipamento construído. Entretanto, o fornecimento de planos públicos para a prática democrática do ocupar o meio físico revela uma carência não apenas de espaço exatamente, mas de uma ambiência adequada de um “abrigo” urbano para realizar as atividades. O debate sobre cidades e seus recintos estão mais ligados à cidade tradicional e medieval europeia do que propriamente a utopia moderna, pois a utopia caminhou para a extensão total da relação pública na conexão arquitetura e cidade. A cidade tradicional europeia tem em sua característica de espaço público a elaboração de espaços públicos semifechados pelos volumes das construções, conformando “semiabrigos” que atendem algumas necessidades do abrigo e o ocupar humano. Já a cidade moderna, diferente do trabalho experimentais do objeto arquitetônico, ignora a conexão das pessoas com as camadas vividas e a memória. Ela força apenas uma tipologia e argumento de espaço, impondo aos seus moradores a adaptação do indivíduo ao modelo e não o contrário. Se resgatar o conceito de cosmos citado no primeiro capítulo, pode se aferir ao recinto o papel de microcosmos da mesma maneira que pode se
relacionar aos ambientes arquitetônicos. Um bom recinto ou espaço urbano pode funcionar como arquitetura, principalmente se pensado como abrigo/lar para as suas necessidades. A tipologia de arquitetura moderna não é errada, mas pecou ao planejar uma cidade que não propusesse suas infinitas variações e versões que os indivíduos humanos pudessem propor e pessoalmente solucionar. E assim alguns dos estudos de caso são efetivos mesmo sendo produções de cunho moderno, pois contribuem suas propostas abertas para o enriquecimento do espaço físico das cidades.
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ESTUDOS DE CASO E ^ ^ REFERENCIAS ARQUITETONICAS
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Foto da78 cobertura Fonte: (prรณpria, 2019)
3.1
Implantação do MUBE Fonte: (DE CAMARET, s/d)
MUSEU BRASILEIRO DA ESCULTURA (MUBE) .Ficha técnica Local: Jd. Europa, São Paulo, Brasil. Início: 1987 Conclusão: 1995 Projeto: Paulo Mendes da Rocha ANALISE FUNCIONAL O MuBE se apresenta a princípio como uma praça pública, revelando a face mais agitada do sítio (av. Europa) como um vasto espaço livre trabalhado em desníveis singelos sob a cobertura de um solitário pórtico comprido como protagonismo de sua construção. Seu programa se revela em sua entrada no ponto inferior do terreno, aonde apresenta a sua programação pública em reentrâncias do volume aterrado. 79
A programação principal, a galeria do museu, se conduz como um percurso amplo em volta do seu programa de suporte, e os ambientes secundários como apêndices complementares da galeria. No centro compõe o programa privativo contendo os depósitos, banheiros, documentação e salas de aulas. A administração, situado logo na entrada, é trabalhado adequadamente independente na planta de fronte ao um sutil espelho d’água em uma das fissuras da topografia trabalhada. Já a casa das máquinas é disposta a fundo aterrado ao lado da galeria. Seus conteúdos adicionais, como a cantina e o auditório, ficam na porção triangular em esquina do lote de maneira quase independente na planta, tendo seu acesso público próprio ao mesmo tempo que organicamente é integrado ao corpo edificado. .ANÁLISE TÉCNICA A elaboração da implantação do edifício tem forte reflexo na legislação rígida acerca sobre o lote. O resultado da baixa taxa de ocupação no terreno na época do concurso (30%), com os de-
Planta Superior do museu LEGENDA: Destaque para a superfície em praça do edifício. Indicação das circulações em setas em vermelho.
Piso pavimentado
Gramado Espelho d’água
Fonte: (PINON, 2002)
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Planta Inferior do museu LEGENDA: Estudo programático. Indicação das circulações em setas em vermelho.
Galeria do museu
Suporte Máquinas Administração
Fonte: (PINON, 2002)
Cantina
81 Ausitório
terminados recuos necessários, somado a exigência do baixo gabarito constrói o ponto de partida que traça a rota de decisões de projeto. O arquiteto opta por desenhar uma planta no limite dos recuos propostos e adequa seu volume em níveis conforme a topografia. Como característico das obras do autor o concreto armado é a ferramenta de construção base do edifício e sua materialidade predominante, tendo os corrimãos esbeltos de aço que contornam os níveis da praça o segundo plano de composição de sua arquitetura. Na pavimentação do piso não edificado foi usado o mosaico português, nas partes acima do edifício estão dispostas lajotas de concreto, e no interior do edifício o concreto queimado é predominante em todos os ambientes. Para vedação dos ambientes é usado vastos planos de vidros e caixilharia. O marcante pórtico, uma longa estrutura composta por 4 vigas protendidas travadas por 4 diafragmas que pousam em apoios de neoprene, é implan-
Primeira figura acima Cortes transversais e longitudinais. Fonte: (PINON, 2002)
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Segunda figura acima
Figura acima, à direita
Vista da ligação de Neoprene, local de descarga dos esforços da cobertura. O arquiteto optou pela exposição da conexão. Fonte: (própria, 2019)
Vista do pátio central do MuBE. Destaque para os guarda-corpos de aço que circundam discretamente os platôs do edifício. Nas frestas que se apresentam entre os platôs se localizam abaixo as aberturas de insolação do museu. Fonte: (própria, 2019)
tado perpendicular à av. Europa e seus pilares de sustentação são dispostos nos extremos pontos de desnível do terreno. A máxima altura do pórtico é condizente com a média altura das casas circundantes do Jardim Europa, o que traz sua inserção urbana equilibrada com a sua função essencial. A imersão do edifício abaixo da cota mais alta do terreno exige um trabalho pontual na insolação do museu. A opção pela climatização artificial é favorecida pelos ambientes aterrados no solo e pelo controle, tendo sua sala operadora no ponto mais a fundo da topografia na galeria. Apenas na parte da administração, por ser um ambiente de permanência, tem acesso a uma janela acessível com paisagem a um espelho d’água em uma das aberturas do edifício. No núcleo, duas aberturas 83
Vista da administração na parte interna do museu, na entrada. A vedação de vidro é o contraponto aos fechamentos de concreto. Fonte: (propria 2019).
da topografia do edifício permitem a insolação estratégica do ambiente fechado ao mesmo tempo que fornecem alguma luz para o interior. No projeto ainda consta janelas zenitais para a galeria com objetivo de fornecer uma luz tênue, mas que hoje estão desativadas. .ANÁLISE ESTÉTICA
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O MuBE é uma obra singular na maneira como soluciona o desafio projetual sob a legislação urbana, em como concebe o programa do museu e como radicaliza suas decisões casando-o com a sua arquitetura, como se fossem algo simbióticas.
Abaixo, Croqui de apresentação no memorial descritivo do concurso, 1986. Desenho de Paulo Mendes da Rocha. Fonte: (PINON, 2002, p. 64)
Nela não se expressa fisicamente o edifício como arquitetura, mas uma ideia dela como diria Paulo Mendes da Rocha “a solução adotada dissolve completamente a noção de edifício” (PISANI, 2013, p. 223). Seu croqui de apresentação sintetiza claramente sua proposta de arquitetura: um edifício que estenda a visual e o percurso do horizonte, impondo o mínimo que puder de barreiras construídas. O edifício é expulso de seu térreo, seja levitando pairando sobre o solo, seja estendendo o território aterrando-se sobre o terreno. Como é lembrado por Daniele Pisani, Paulo Mendes da Rocha nesse projeto retoma o tema da “(...) natureza como instrumento de configuração do território”, um discurso que ecoa em um precedente de seu trabalho o Pavilhão Brasileiro na Expo de Osaka 1970. No pavilhão a cobertura delimita exatamente os limites do seu lote e um montante de terra modela um terreno que se eleva sobre os pontos de sustentação, formando morros artificiais que sensivelmente são pontuados pela cobertura. Se por um lado o pavilhão precisa desenvolver
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Acima, Croqui do Pavilhão do Brasil na Exposição de Osaka de 1970. Desenho de Paulo Mendes da Rocha. Fonte: (PINON, 2002)
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Abaixo, Croqui de apresentação no memorial descritivo do concurso, 1986. Desenho de Paulo Mendes da Rocha. Fonte: (PINON, 2002, p. 65)
uma topografia para expressar seu pensamento sobre um terreno plano, o MuBE se torna a oportunidade de intervir solidamente sobre um território real e contínuo que é São Paulo. O resultado são platôs que trabalham a declividade da topografia de maneira arquitetônica que domesticam o espaço. Se por um lado, Juhani Pallasmaa disserta que a arquitetura é a forma de mediação do homem com o “mundo”, aonde o mundo são o que os olhos enxergam no seu horizonte do cosmos, Paulo Mendes da Rocha ambiciona a sua máxima expansão do espaço urbano como se ambicionasse a hiperconexão de diversos “mundos” próximos, como se interligasse “dimensões paralelas” de culturas e pessoas. A opção por dispor um museu de esculturas a céu aberto é justificada por Mendes da Rocha por permitir que as obras de artes expressem o seu máximo potencial à céu aberto, ao mesmo tempo que idealiza que esse museu seja acessível ao meio público como uma praça da cidade. Seus argumentos práticos e ideais levam a um projeto que é uma reinterpretação da topografia do próprio lote: “o MuBE, na verdade, não é uma arquitetura inserida num lote, mas um lote entendido como arquitetura” (PISANI, 2013, p. 222)
O aterramento do museu abaixo da cota da avenida Europa esconde o equipamento público da visual de sua fachada mais movimentada, e dessa maneira revela a importância do pórtico como meio de inserção no bairro. A ausência física de
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Foto da cobertura Fonte: (prรณpria, 2019) 88
Fotografia do espelho d’água Fonte: (própria, 2019)
Fotografia do acesso inferior do edifício Fonte: (própria, 2019)
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edifício enfraquece sua presença para a cidade e como instituição, e a longa cobertura que oferece um curto refúgio sobre a praça se torna um poderoso foco visual do museu. Algo como uma decodificação de uma construção, o pórtico revela uma comunicação essencial do que é necessário para uma arquitetura comunicar com o ser humano. Como lembra Pisani, ela sinaliza a presença do museu e atrai as pessoas para um pequeno refúgio das intempéries, dialoga com o entorno através do seu gabarito baixo com as casas e cria uma dimensão de construção compreensível. “Destituída de uma “função” propriamente dita, a viga cristaliza o gesto atemporal de apoiar um elemento horizontal sobre duas verticais – Stonehenge-, o gesto de marcar um lugar comprimindo o espaço e criando [...] uma sombra” (PISANI, 2013, p. 223)
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É essencialmente estático como duas pedras que apoiam uma terceira, uma solução atemporal que remete aos antigos templos monolíticos. A criação de um mínimo de abrigo cria arquitetura. Pallasmaa disserta em uma palestra em Berke-
ley sobre a dimensão temporal no espaço existencial (“Space, place, memory and imagination”): Fotografia da cobertura Fonte: (FLAGRANTE, s/d)
“Além de seus propósitos práticos, as estruturas arquitetônicas têm uma tarefa existencial e mental significativa: elas domesticam o espaço para a ocupação humana ao transformarem espaços anônimos, uniformes e indefinidos, em lugares distintos e com significância humana. (...)” O projeto do MuBE tem um resultado fortemente simbólico e diz muito mais do que seus argumentos. Tem origem em um ideal de mundo e por fim acaba por satisfazer uma conexão primordial da arquitetura com o cosmos ao repaginar seu terreno caótico em uma topografia com significância humana com um abrigo. No tema abordado, a arquitetura do MuBE reflete inconscientemente os temas atemporais do homem com o universo e mais resgata suas questões primordiais do que impõe uma nova realidade.
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92 Foto interna do CCSP Fonte: (prรณpria, 2018)
3.2
Implantação do CCSP Fonte: (GOOGLE, 2018)
CENTRO CULTURAL SÃO PAULO (CCSP) .Ficha técnica Local: Bairro Paraíso, São Paulo – SP, Brasil Início: 1979 Conclusão: 1982 (inauguração incompleta) – 1983 Projeto: Plae Arquitetura e Engenharia (Eurico Prado Lopes e Luiz Benedito Castro Telles) .ANALISE FUNCIONAL O Centro Cultural São Paulo é um equipamento multidisciplinar para a cultura e integração comunitária da cidade metropolitana de São Paulo. É o maior do tipo no município e o primeiro que se define de fato como “centro cultural”. Está disposta em um comprido terreno de 400 metros por 70 metros com desnível de cerca de 10 metros entre a
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av. Vergueiro e o fundo de vale que corresponde a av. 23 de Maio, localizado no bairro Paraíso. No equipamento funcionam atividades de exposições, bibliotecas, teatros e principalmente espaços livres para o encontro e atividades do cidadão paulistano. O centro cultural é estabelecido em quatro pavimentos diretamente relacionado com acessos ao nível das vias públicas, com oito entradas possíveis na proposta original do edifício. No pavimento mais alto funcionam o espaço de exposições e a cobertura jardim. Embaixo o pavimento principal do edifício tem a proposta de ser o espaço de encontro do público e de contato aos equipamentos multidisciplinares que compõe o programa. É nesse pavimento que todas as funções do edifício se comunicam entre si com suas paredes de vidros e aberturas que permitem a comunicação de espaços ao público com outros pavimentos. Inferior a este está a biblioteca horizontal e os teatros (dois de pequeno porte, um médio e um teatro arena com abertura para o pavimento principal a cima). No último pavimento, o único em acesso à av. 23 de Maio, funciona o andar de serviços e estacionamento. Uma característica forte do projeto são os dois corredores “ruas” paralelos no pavimento principal
Planta do pavimento de exposições (Cota 810) - figura acima, à esquerda Fonte: (SERAPIÃO, 2012, pág. 76)
LEGENDA:
Piso térreo 1. Espaço de exposição 2. Lage Jardim
Planta do pavimento da rua de distribuição (Cota 806) - figura abaixo, à esquerda Fonte: (SERAPIÃO, 2012, pág. 77)
3. Rampas principais 4. Jardim Interno 5. Acesso
Planta do pavimento da Bibliotecas e teatros (Cota 801) - figura acima, à direita Fonte: (SERAPIÃO, 2012, pág. 76)
6. Pátio coberto 7. Espaços de Leitura 8. Auditório arena Adoniram Barbosa 9. Auditório Paulo Emilio
Planta do pavimento de Serviços (Cota 796) - figura abaixo, à direita Fonte: (SERAPIÃO, 2012, pág. 77)
10. Auditório Lima Barreto 11. Auditório Jardel Filho 12. Auditório Ademir Guerra 13. Biblioteca de Braille (atualmente fica a Adiministração) 14. Biblioteca Infantil (atualmente fica a Adiministração) 94
15. Serviços e áreas técnicas
Corte Longitudinal Vista para a Vergueiro. Fonte: (CCSP, s/d)
Corte Transversal Secção sobre auditórios Jardel Filho e Paulo Emílo Fonte: (CCSP, s/d)
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Implantação + Diagrama de entradas. Diagrama de entradas. As setas em vermelho representam o acesso público aos pedestres, verde os acessos de veículos e o amarelo indica a escadaria entre o CCSP e o Centro Operacional do Metrô. Fonte: (Google Earth, 2018)
que ditam a permeabilidade como foco principal do edifício, atravessando toda o seu comprimento e conectados diretamente à via pública. Os demais ambientes se tornam programas “ilhas” entre essas ruas internas e tem o seu conteúdo sempre acessível visualmente com painéis de vidro ou por vãos do pavimento. .ANÁLISE TÉCNICA O edifício foi construído com um forte enfoque no design de toda a elaboração técnica do edifício. Desde a sua estrutura até os brises externos da cobertura ou nos dutos de ar condicionado há um forte trabalho experimental em quase toda a construção, que sofreu as consequências do despreparo da mão de obra das construtoras disponíveis na época. A estrutura foi elaborada por um sistema misto de pilar metálico e sistema de vigas grelhas de concreto, ambos em curvas. O sistema foi pensado a partir do aspecto construtivo. A vontade inicial era de
aplicar o aço curvado na construção como uma aplicação pioneira na época, visto o depoimento de Eurico Prado Lopes (F. SERAPIÃO, 2012, p. 64), um dos arquitetos envolvidos. “Dado que a arquitetura sempre teve um caso de amor com as curvas, resolvemos leva-lo às últimas consequências”. Entretanto a aplicação do aço tem o seu uso de maneira inusitada: além de seu uso amplamente misto com o concreto, ao invés de aplicar suas propriedades conhecidas de pré-fabricação e inseri-las após a etapa de cura do material fluído se opta pelo contrário. O metal seria posicionado primeiro e depois se aplicariam as formas de madeira para a concretagem da estrutura de vigas. 96
Ao lado, detalhe da conexão de elementos construtivos mistos em um dos pilares principais do edifício. Fonte: (própria, 2018)
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Diagrama sobre a conexão do pilar metálico com o sistema de vigas de concreto. Desenho feito à mão pelo autor. Fonte: (própria, 2018)
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Em alguns pontos de encontros do sistema misto o pilar metálico é curvado em dois eixos em seus encaixes Fonte: (própria, 2018)
O sistema misto principal funciona com a base de aço composta por 4 pilares unidos na base como se fosse um único que, na medida que sobem para encontrar o encontro de vigas, se subdividem e se afastam para encontrar os consoles de apoio do sistema de vigas de concreto. Outras variantes utilizam do mesmo princípio, sempre se curvando na medida que sobem, algumas se estruturando em encaixes de curva em dois eixos. As peças de aço possuem grande variedade de formas e tamanhos para estruturar a planta orgânica que acompanha o traçado do terreno e as curvas variadas do sistema de vigas curvas. “[...]a técnica escolhida foi a da caldeiraria pesada, feita por apenas oito operários em uma metalúrgica na periferia da cidade.“ (SERAPIÃO, 2012, p.64). De acordo com o autor, a escolha do material e técnica reflete também na busca de melhores condições de trabalho para a mão de obra da construção civil da época (anos 70):
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“O concreto necessita de numerosa mão-de-obra artesanal e precária, que mantém o operariado em condições degradantes (ao contrário da mão-deobra de peças metálicas pouco numerosa e especializada).” (SERAPIÃO, 2012, p. 67)
Foto do pátio interno para a biblioteca de braille e infantil. Fonte: (própria, 2018)
.ANÁLISE ESTÉTICA
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O partido do edifício, apesar das mudanças de encomendas que foram de biblioteca pública à centro cultural (SERAPIÃO, 2012), sempre giraram entorno de um equipamento que tivesse um acesso livre e acessível à população. Desde o pensamento por uma biblioteca aonde o usuário pudesse ter acesso livre à maioria do acervo de livros, livres de uma triagem para uma consulta, ou de um edifício multifuncional aonde seus programas culturais diversos estão sempre em comunicação direta com o público do pavimento principal, o eixo de trabalho no geral sempre se encaminhou a um espaço mais horizontal, amplo e aberto possível. O terreno por si só permite essa intervenção mais natural e menos grosseira, permitindo uma fluidez em suas entradas que tornam o acesso do público algo mais convidativo. É interessante apontar como o partido de utilizar-se de um pavimento de distribuição com amplo contato e proximidade do seu programa cultural com o meio público gera uma compreensão diferente de refúgio. O pavimento de distribuição prolonga a rua e a qualifica ao inserir a cobertura (estratégia semelhante e simbólica no caso analisado do MuBE), mas no caso a proteção para as intempéries é defini-
Foto da perspectiva interna do CCSP para o jardim interno. Fonte: (própria, 2018)
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Foto da perspectiva interna do CCSP Fonte: (própria, 2018)
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tiva, e de maneira informal, pode-se dizer que o refugiado é “convidado a permanecer” pelos amplos espaços livres para uso e equipamentos culturais acessíveis. A estratégia de comunicação do programa com o pavimento é desenvolvida através de vãos livres da laje que permitem contato visual com o pavimento inferior. Inclusive há a presença de um teatro-arena, uma tipologia de teatro que permite a relação fechada da atividade do teatro com o público geral através de um orifício hexagonal na laje acima (o pavimento público).
Sua implantação se assemelha bastante ao MuBE quando procura mimetizar o corpo principal do edifício no terreno em declive e projeta sua cobertura que pontua a presença da instituição na via superior. Mas diferente da obra de Mendes da Rocha o CCSP projeta um gabarito baixo em contraponto ao seu entorno. A ocupação regular do entorno da via 23 de maio é caracterizada por altos prédios e ocupações que negam a relação da topografia da geografia entre a av. Vergueiro e a via expressa no fundo de vale. O contexto que o 103
CCSP constrói em sua implantação gera foco visual aos transeuntes pela ausência do gabarito do entorno, entretanto, não ameaçadora. A incorporação de elementos “verdes” no edifício, como árvores plantadas próximo a via expressa, a preservação de um talude de árvores presentes já no terreno, e o teto verde (somados ao baixo gabarito) gera uma arquitetura que tem um resultado de fusão com a topografia até mais intenso visualmente do que com a obra anteriormente analisada (apesar que a proposta do museu tenha suas singularidades). O tema de “espaço domesticado” retorna no estudo de caso da mesma cidade, e pela proximidade de datas dos projetos, revelam um desafio e uma experimentação arquitetônica de sua época. O resultado no caso é um edifício que se comporta como uma ampla caverna aonde os equipamentos são “descobertos” na medida que se passeia pelo edifício e se defronta com os “vãos comunicantes”, aonde se revelam os pavimentos inferiores e envolvem transeunte identificar um universo rico de usos escondidos abaixo de seus pés. Em último ponto, em questão da engenhosa estrutura elaborada e o segundo foco do projeto, a expressividade entra em destaque equilibrado em todos os ambientes em detrimento à ala da biblioteca, aonde a estrutura chega intensificar o seu protagonismo e tem um momento mais intenso na ala da biblioteca. Seu aspecto é pesado e entra em conflito com a proposta visual de inter104
Auditório arena Adoniran Barbosa. Fonte: (própria, 2018)
Vista da biblioteca para o pavimento superior Fonte: (própria, 2018)
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Desenho dos arquitetos para concurso do CCSP Fonte: (SERAPIÃO, 2012)
comunicação em níveis dos pavimentos, apesar de sua qualidade de prototipação pioneira indiscutível. Sua forte expressão detalhada rouba um pouco o foco na interlocução entre escalas humanas nos diferentes níveis de pavimentos e a contemplação de suas atividades simultâneas. Mas apesar do conflito pontual na escolha de prioridades de partido o equipamento é amplamente usado pelo público de São Paulo e possui uma ambiência única entre espaços culturais. O traçado da planta se revela difícil de ser domado (visto o gradeamento do MuBE atualmente em detrimento a sua praça pública) e gera um espaço mais democrático em sua possibilidade de uso. Talvez pela sua definida horizontalidade, o que distancia a hierarquia de usos e controle de funções, o fato é que o Cen106
tro Cultural São Paulo constitui uma repaginação da reflexão de “abrigo” para o homem paulistano. Com reflexões semelhantes ao MuBE, porém os equipamentos solidificam arquitetura com teores diferentes da mesma poética: o museu sintetiza a sua reflexão e ideal de mundo, de maneira simbólica, sobre a questão filosófica de abrigo com uma singela, estreita e baixa cobertura; enquanto o centro cultural torna real e palpável o tema ao conseguir edificar em seu pavimento público um abrigo multicultural vivo e de ampla escala para as pessoas da cidade de São Paulo. Se o MuBE poderia se caracterizar pela síntese de um abrigo, o CCSP é a realização de um abrigo da metrópole.
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Inbterior do Museu Kolumba Fonte: (HJORTSHøJ, 2017) 108
3.3
Implantação do museu Fonte: (SZEPOKS, 2016)
KOLUMBA MUSEUM RASMUS HJORTSHØJ .Ficha técnica Local: Cologne, Alemanha Início: 2003 Conclusão: 2007 Projeto: Peter Zumthor .ANÁLISE FUNCIONAL O museu é dividido em 3 setores, as ruínas, pátios e galerias, começando pelo térreo temos as ruínas e uma capela. As ruinas datam do século I e a capela “Madonna in Ruins” construção datada entre 1949 e 1950 projetada por Gottfried Bohm é tratado de maneira independente com um acesso 109
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B”
A”
B
A
LEGENDA: 1. Entrada 2. Informação e Antessala 3. Serviços 4. Foyer 5. Pátio aberto 6. Escavações e ruínas 7. Pequeno pátio 8. Capela “Madonna em Ruínas”
Pavimento Térreo figura acima, à esquerda Fonte: (ATELIER PETER ZUMTHOR, 2009) Planta 2º Pavimento figura abaixo, à esquerda Fonte: (ATELIER PETER ZUMTHOR, 2009) Planta 3º Pavimento figura acima, à direita Fonte:(ATELIER PETER ZUMTHOR, 2009)
9. Exposição de arte 10. Leitura
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direto pela rua. Adentrando o museu após o lobby há um contato com as ruinas de forma escavada são acessadas em meio nível através de passarelas de madeira. As fachadas internas das ruinas são voltadas aos pátios nivelados ao térreo. Para a divisão de ambientes destacam-se as cortinas de couro que dividem as galerias e a circulação vertical, para acessar os níveis superiores existem escadas isoladas que revelam uma hierarquia clara entre circulação e exposição, exceção feitas às escadas de emergência que são externas.
Corte A-A” Fonte: (ATELIER PETER ZUMTHOR, 2009)
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.ANÁLISE TÉCNICA A iluminação natural é um elemento a se destacar pelo uso dos materiais, como o uso dos tijolos assentados sob um arranjo que simula as formas de elementos vazados como cobogós e alternância de pé direito ao longo das salas de exposição. Os tijolos utilizados foram feitos em processo artesanal por Petersen Tegl (fábrica de tijolos dinamarquesa) através de uma técnica que onde foram inflamados com carvão para atingir a tona-
Corte A-A” Fonte: (ATELIER PETER ZUMTHOR, 2009)
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lidade desejada. A técnica construtiva ainda sobre os tijolos é a síntese da obra, no assentamento cuidadoso entre o antigo e o novo. Ainda sob os novos aspectos encontramos uma estrutura simples apoiada sobre pilares de concreto e aço e o uso de concreto eventualmente nas fachadas mescladas com uma caixilharia que sustenta painéis de vidro.
Pátio menor. Destaque à integração com a contrução antiga em ruínas. Fonte: (VAZQUEZ, 2010)
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Detalhe da arrumação dos tijolos com a construção antiga Fonte: (HJORTSHØJ, 20119)
Maquete do mudeu em madeira Fonte: (ATELIER PETER ZUMTHOR, 2009) 115
Detalhe do efeito da luz no interior do edifĂcio Fonte: (KOLUMBA, s/d)
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Missa sob o novo edifĂcio Fonte: (KOLUMBA, s/d)
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.ANÁLISE ESTÉTICA
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O museu é criado a partir das ruínas de uma igreja de estilo gótico (tardio), a adaptação da nova estrutura sobre as ruínas aponta a intenção do arquiteto de respeitar o espaço histórico e os valores espirituais que representa. Esteticamente a intenção de neutralidade da nova construção é colocada em prática através do uso dos tijolos de cor cinza das fachadas, que se encaixam nas ruinas preservando sua forma. O contraste se dá pela forma, nas ruinas góticas pelas formas angulares ante a forma simplista do museu de ângulos retos. Algo que se vê na arquitetura e na construção da paisagem através das obras de arte contemporâneas.
Ambiente resultante da proposta de Zumthor. Pilotis finos calculadamente repousados sobre a ruína, e efeito de “água” dos brises feito pelos tijolos. Fonte: (VASQUEZ, 2010)
Volumetria formal e monolítica do edifício. Fonte: (KOLUMBA, s/d)
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Pรกtio quadrangular Fonte:120 (BENESSE ART SITE NAOSHIMA, s/d)
3.4
Foto aérea sobre museu fonte: (BAAN, 2010)
CHICHU ART MUSEUM .Ficha técnica Local: Início: Conclusão: Projeto:
Ilha de Naoshima, Japão 2002 2004 Tadao Ando Architect & Associates
.ANÁLISE FUNCIONAL O Museu de Arte Chichu (do japonês, “enterrado”/ “sob a terra”) é um edifício que compõe um complexo cultural na ilhas de Seto, no mar interno do Japão, incentivado e mantido por uma benfeitoria chamada Fundação Fukutake. O museu é um abrigo fixo para obras de Claude Monet, Walter de Maria e James Turrell, e tem um cuidado muito grande de não interferir na 121
Vista sobre o museu soterrado, foto tirada da montanha ao lado Fonte: (FUJITSUKA, 2017)
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paisagem natural da ilha, na qual compõe com o mar patrimônio da UNESCO desde 1934. O museu tem a forte característica de ser enterrado no alto de uma das montanhas da ilha, próxima ao Museu de Arte de Naoshima. Seu acesso se dá por uma longa trilha-estrada que circunda as montanhas. O programa consiste em três galerias em níveis diferentes, interligadas por rampas e corredores escuros que recebem luz apenas nas extremidades ao chegar em iluminados pátios situados em encaixes geométricos estrudados no morro. Na galeria de Walter de Maria, o expec-
Instalação Espaço James Turrel Fonte: (BAAN, 2010)
tador se depara com um monumental espaço em escadaria que serve uma gigantesca escultura brilhante em formato esférico em um dos patamares no centro do salão. O espaço é cuidadosamente iluminado por uma abertura retangular exatamente aonde se situa a esfera, rodeado por painéis dourados fixados nas paredes e que refletem suavemente a reflexão da esfera. Na sala de Monet, o ambiente é mais fechado para preservar as obras do artista. Os quadros são dispostos em planos centrais das paredes alvas provocados pela luz indireta artificial. O expectador é convidado a entrar descalço e sentir as texturas e temperatura das pastilhas
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LEGENDA: 1. Entrada - Antessala - Loja 2. Informação 3. Administração 4. Vazio 5. Antecâmara 6. Toaletes 7. Sala de máquinas 8. Sala do diretor 9. Entrada para o pátio (pátio quadrangular) 10. Espaço James Turrel 11. Espaço Claude Monet 12. Café 13. Pátio triangular 14. Foyer 15. Espaço Walter de Maria
Isométrica figura à esquerda Fonte:(TADAO ANDO ARCHITECTS ASSOCIATES, 2004) Planta Superior figura acima, à direita Fonte:(TADAO ANDO ARCHITECTS ASSOCIATES, 2004) Planta de acesso figura acima, à direita Fonte: (TADAO ANDO ARCHITECTS ASSOCIATES, 2004)
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ACESSO
Planta do pavimento inferior figura abaixo, à direita Fonte: (TADAO ANDO ARCHITECTS ASSOCIATES, 2004)
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italianas no chão. No salão de James Turrel, um artista contemporâneo, a arquitetura se funde com arte ao expor a obra do americano “Open Sky, um recorte quadrangular no teto do salão que se revela um quadro em transformação constante pelo humor do céu. Na sala bancos são dispostos frente a frente, nos quatros sentidos das faces da sala para contemplar a passagem do tempo. Nos demais anexos de suas intervenções geram ambientes multicoloridos de tonalidades neon que geram ambientes intrigantes ao transeunte. .ANÁLISE TÉCNICA Sua construção aterrada marcante é fruto de uma sequência de projetos já realizados anterior-
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A’’
A
Implantação figura acima Fonte:(TADAO ANDO ARCHITECTS ASSOCIATES, 2004) Corte longitudinal A-A’’. figura abaixo Fonte: (TADAO ANDO ARCHITECTS ASSOCIATES, 2004)
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PĂĄtio triangular, foto sobre fresta de tĂşnel Fonte:(@SWYCH, 2010)
Vista do portal de acesso dos visitantes. Fonte: (KHARVARI, 2017)
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Detalhe do Espaço Walter de Maria. Fonte: (BENESSE ART SITE NAOSHIMA, s/d)
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mente na ilha, aonde se experienciou em cada projeto o desafio de adequar os equipamentos culturais ao sítio. “Ambas as duas construções anteriores, o Museu de Arte Contemporânea de Naoshima e o Annex, refletiram a minha idéia de semienterrar os edifícios no terreno, em consideração à paisagem. Aqui, o método é levado mais a fundo ao submergir inteiramente o volume abaixo da terra com o objetivo de preservar o belo cenário do Mar interno de Seto incluindo suas salinas”, disse o arquiteto para uma entrevista ao site bbs. zhulong.com no ano de 2006. No experimento do Museu Chichu, Tadao
Detalhe do Espaço Walter de Maria. Reflexões da luz sobre texturas. Fonte: (BENESSE ART SITE NAOSHIMA, s/d)
Ando molda o edifício sobre um talude e depois o recobre de terra para trazer a sensação cavernosa e simbiótica com a paisagem e natureza. O concreto armado tradicional nas obras do arquiteto, é trabalhado com primazia o polimento para permitir que sua superfície funcione como refletores de luz, que vem de pontuais pátios das galerias e passagens de transposições verticais. Seu desenho é trabalhado organicamente de maneira geométrica, ao desenhar as ambiências com formas ortogonais racionais mas as relacionando de maneira, a primeiros olhos, “caótica” e “aleatória”. Na verdade, o trabalho do percurso do museu é meticulo-
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Espaรงo Walter de Maria O artista projetou o ambiente em conjunto com o arquiteto. Fonte: (BENESSE ART SITE NAOSHIMA, s/d)
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Vista do túnel e pátio triangular. Fonte: (ALADYINLONDON, 2018)
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Reflexão interna do edifício. Fonte: (BAAN, 2010)
samente trabalhado para evocar experiências de breu e iluminações livres. .ANÁLISE ESTÉTICA A construção da paisagem é feita pela volumetria da geometria que se ergue ao avistar a ilha, uma clara referência às ruínas do mediterrâneo uma nova leitura sobre a relação entre objeto e natureza. Sua implantação como paisagem trabalhada (tema novamente retornado) se torna mais incisiva com o natural pela maneira com que se compõe o percurso. Não é mais um edifício camuflado, o edifício se estabelece de fato como uma natureza própria, uma caverna construída pelo homem. É um embate, mas não exatamente um conflito. Há uma harmonia na maneira com que se relaciona o sítio e a montanha em seu entorno. A arquitetura de Tadao Ando chega num nível de sensibilidade
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que parece que é a própria montanha que se torna arquitetura. Não há otimização dos espaços, apenas percursos imersos na terra que deixam o expectador confuso aonde se situar na geografia da ilha pois não há referenciais de horizonte, a não ser pelo deck aonde funciona um café e mirante do edifício para o mar.
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3.5
REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS
Os estudos de casos tiveram um resultado bastante interessante. As obras foram escolhidas por motivação afetiva e com a temática sensível e pública, e curiosamente temas frequentes retornam um para o outro, como a mimetização da natureza com a arquitetura (no caso do MuBE, CCSP e Chichu Museum) um tema recorrente quando o assunto é a ambiência introspectiva. Algumas obras ou outras tem seus conflitos de propostas, talvez por não buscar o tema da sensibilidade com a arquitetura como caminho oficial de sua obras. Outro mergulham nas possibilidades que a sensibilidade dos espaços podem produzir para as pessoas.
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´ O MUNICIPIO DE SANTO ANDRE´
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Foto do Centro Cívico de Santo André Fonte: (própria,2016) 140
4.1
HISTÓRICO
A história de Santo André remonta em dois períodos distintos, a primeira na qual se refere ao antigo povoado de Santo André da Borda do Campo de Piratininga , de onde herda o seu nome, e segundo ao povoado que surge com a inauguração da estação de trem São Bernardo, da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí em 16 de fevereiro de 1867 . Este último posteriormente se constituirá a cidade de Santo André. O início da ocupação da região que compreende hoje o município de Santo André e a Região do Grande ABC começa por volta de 1550 com o povoamento da vila de Santo André da Borda do Campo liderado por João Ramalho. A vila é a primeira colonização distante do litoral na história da América Portuguesa e tal possibilidade se deve ao seu fundador já ser um morador experiente dos planaltos de Piratininga, conhecendo o caminho para cruzar a Serra do Mar e ser extremamente influente com os nativos locais em ambas regiões do Baixo da Serra (no litoral) e no Alto da Serra (no planalto). Sendo peça importante na instalação e sucesso dos colonos portugueses no litoral paulista, é motivado pelos mesmos a iniciar uma empreitada de colonização de serra acima em busca
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Antigas rotas aproximadas utilizadas para percorrer de Piratininga até o litoral de São Vicente, trabalho sobre Folha Topográfica de São Paulo, Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo, 1954. Fonte: (CARDOSO, 2016)
João Ramalho, misterioso personagem envolvido no surgimentp da Vila de Santo André. Fonte: (RODRIGUES, séc 20)
de maiores riquezas naturais do que as antes vistas no litoral. Entretanto, mesmo com o suporte dos indígenas locais em razão ao influente português a vila foi exposta à muitos ataques da Confederação dos Tamoios, uma coligação indígena contrária aos costumes escravagistas de João Ramalho, cacique Tibiriçá e aliados tupiniquins, e consequentemente, aos colonos portugueses. Após sucessivos ataques, a popu142
lação da vila foi reduzida drasticamente e com sérios riscos de se acabar. Em 1560, num apelo dos colonos a Mem de Sá, que na época estava em estadia em São Vicente após com sucesso conseguir expulsar os franceses na região atual de Rio de Janeiro, o governador-geral aprova a transferência da população e o pelourinho da vila de Santo André para de fronte ao então Colégio de São Paulo de Piratininga que se situava numa posição geográfica mais estratégica às invasões indígenas. Com a transferência, a vila de Santo André da Borda do Campo é extinta e até hoje não se sabe exatamente aonde está localizado seu assentamento original, no qual foi abandonado e engolido pela vegetação circundante. O povoamento que se seguiu para Piratininga daria origem a vila de São Paulo de Piratininga, posteriormente São Paulo, e o local da antiga vila passa a ser bairro dessa vila e agora chamado de Borda do Campo. A região então abandonada é transformada em uma grande sesmaria, com a posse de Amador de Medeiros em
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1561. Miguel Aires Maldonado, genro de Amador de Medeiros, doa em 1637 a sesmaria para aos monges beneditinos do Mosteiro de São Bento. Os monges criam duas fazendas posteriormente dessas terras: São Bernardo e São Caetano. A partir dessas fazendas se originarão no futuro as respectivas cidades de mesmo nome. Em 1717 é construído na fazenda de São Bernardo uma capela dedicada ao santo padroeiro, e conforme passa o tempo a 144
Mapa das primeiras sesmarias no planalto paulista, trabalho sobre mapa de original de Gentil de Moura. Em branco o nome dos sesmeiros.. Fonte: (CARDOSO, 2016)
região é reconhecida pelo seu nome passando a se chamar bairro de São Bernardo, da vila de São Paulo. A grande região de fazendas da Borda do Campo recebe um impacto crucial quando é construída a Calçada do Lorena entre 1790 e 1792, um novo caminho do planalto até Santos agora pavimentado para viabilizar o transporte do açúcar. Parte do caminho atravessa o bairro de São Bernardo iniciando um ciclo de economia tropeira na região devido a posição estratégica entre São Paulo e a Serra do Mar. A população que permeava o calçadão direciona o bairro ao reconhecimento de freguesia em 1812 pelo Marquês de Alegrete em toda área que consiste hoje a Região do Grande ABC. Com expansão contínua das lavouras açucareiras no interior de São Paulo o caminho da
Calçada do Lorena hoje, Serra do Mar. Fonte: (VALENTE, 2008)
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Calçada do Lorena começa a entrar em obsolescência, aonde o crescimento paulista se esbarra num entrave. O transporte de muares se mostrava limitado às demanda para exportação, e os estudos de uma estrada de ferro começam após os esforços do Barão de Mauá em convencer o governo imperial em 1859. A construção dura 7 anos e traz à região de São Bernardo duas estações ao longo do Rio Tamanduateí: a estação São Bernardo na região que atualmente é Santo André em 1867, e São Caetano, na região da fazenda e futura cidade de mesmo nome em 1883. Com a presença da ferrovia o caminho do mar fica em desuso e o tropeirismo e seu ciclo econômico entra em declínio, trazendo estagnação no povoado que vivia desse mercado. A São Paulo Railway - SPR é um sucesso e se torna o novo eixo de desenvolvimento na freguesia de São Bernardo, fazendo surgir um novo povoado independente daquele ligado ao caminho mar, uma vez que a linha de trem se encontra muito distante da localização da onde se encontrava o povoamento mais antigo. O novo povoamento que se instala ao redor da estação de São Bernardo começa a se chamar de Bairro da Estação, e é ao redor desta que começa o novo polo de crescimento da cidade atraindo novas indústrias e imigrantes para a região. Em 1889 a freguesia de São Bernardo é elevada à categoria de vila, e no mesmo ano com a instauração do Governo Republicano, passa a se denominar município, e assim emancipa-se da cidade de São Paulo. Conforme os anos passam
Estação São Bernardo, atual estação Prefeito Celso Daniel - Santo André. Fonte: (AZEVEDO, 1865)
vários distritos são criados no município para facilitar sua administração como Ribeirão Pires e Paranapiacaba, e em 1910, depois dos moradores da proximidade com a Estação São Bernardo convencerem a SPR a mudar o nome da mesma para Estação Santo André em homenagem a antiga vila que existiu nas redondezas, no mesmo ano surge o Distrito de Paz de Santo André, que compreendia o próprio Bairro da Estação. O Distrito da Paz de Santo André mantém o seu desenvolvimento no município ao ponto que na Era Vagas, em 1938, o interventor federal Ademar de Barros decreta a transferência da sede do município de São Bernardo para o distrito de Santo André e que a cidade agora seja renomeada como
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município de Santo André . A antiga sede é rebaixada para distrito, o que causa certo descontentamento local pois já estava instaurada a essa altura uma rivalidade política na cidade. Este acontecimento gera um movimento que leva à emancipação do distrito de São Bernardo em 1945, nomeando-se agora município de São Bernardo do Campo e dessa abre caminho para novas emancipações na Região do Grande ABC como São Caetano do Sul (1949), Mauá e Ribeirão Pires (1953) . Desde então o território andreense se constitui o formato atual,
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Vista superior sobre o Centro Cívico de Santo André, complexo projetado por Rino Levi. Conclusão em 1965. Fonte: (METRO JORNAL, 2018?)
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150 Mapa sobre relevo e mancha urbana de Santo AndrĂŠ. Fonte: (GOOGLE, 2019)
4.2
SANTO ANDRÉ HOJE com 174,840 quilômetros quadrados, constituído pelos distritos de Sede, Capuava e Paranapiacaba. Santo André hoje é um município que compõe a Região do Grande ABC, região industrial tradicional da Grande São Paulo e que deriva do território original da antiga cidade de São Bernardo. O município possui uma população de 716.109 pessoas (de acordo com o último senso do IBGE de 2018) [1*], com 175,782 km² de área territorial e uma densidade demográfica de 3.848,01 hab/km². Tem altos índices de escolarização (97,4%) e um IDHM de 0,815. Segundo a FIRJAN em 2018 [2*], Santo André compõe a lista das 100 cidades mais desenvolvidas do país, se situando na 66º colocação. A configuração econômica que ditou o crescimento da cidade é fruto do desenvolvimento industrial da década de 1970 com a chegada das indústrias metalúrgicas que produziam componentes para abastecer a produção das montadoras de automóveis como Volkswagen, Ford, Mercedez-Benz entre outras da região. Dentre as cidades da região do ABC, Santo André e São Bernardo são importantes localidades do desenvolvimento de uma linha política trabalhista 151
sindicalizada que anos mais tarde teve hegemonia no país. Durante a metade da década de 1980 os municípios do interior começaram a oferecer impostos mais baixos para as indústrias gerando assim uma fuga em busca dos benefícios fiscais, mudando a característica econômica da cidade de industrial para comércio e serviços e consequentemente uma nova dinâmica urbana e alterando o uso do seu território. As grandes glebas e terrenos transformam-se em lojas, shoppings, e hoje a cidade sofre um processo de verticalização da habitação de classe média, Santo André é um exemplo muito interessante para analisar dinâmicas parecidas com a cidade de São Paulo. Entender seu território é consequentemente entender como as relações econômicas influenciam as direções político-sociais através do território das cidades, neste caso em um curto espaço de tempo.
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V F
Vista aérea do parque industrial na avenida Industrial. Fonte: (CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE, s/d)
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PROJETO
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5.
PAVILHÃO DE DESCOMPRESSÃO E MEDITAÇÃO NO CENTRO DE SANTO ANDRÉ Dialogado o tema, a sequência final da pesquisa leva a experimentação de um espaço que expresse a ambiência arquitetônica desejada em sua essência de maneira acessível, oportuna, e o mais importante, pública. O enfoque está concentrado em desenvolver uma estrutura arquitetônica que contenha a pureza trabalhada na pesquisa, seja compartilhável e se distancie de um certo elitismo em que o repertório da melhor qualidade que a arquitetura no geral pode produzir fique retida a certos grupos privilegiados, seja por questões monetárias, sociais ou mais. A proposta, portanto, é uma vontade de inserir no repertório do cotidiano das pessoas uma experiência arquitetônica “nova”, mas que estimule a reflexão com as questões primordiais do existir do homem, como a memória, a cultura, e por fim a sua relação com o mundo, cosmos e universo. Como estratégia de aproximar o equipamento com a necessidade e a sensibilidade da população, optou-se por inserir o projeto num centro metropolitano de grande agitação e atividade para trabalhar com maior contraste de experiências o caos da intensidade e o caos do cosmos (silêncio e serenidade). Foi escolhido o centro de Santo An-
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Contexto e situação
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dré, mais precisamente no entorno imediato do calçadão Oliveira Lima (zona de maior atividade urbana da cidade), devido ao relacionamento do autor com o seu local de origem. Para tornar o equipamento mais acessível à população buscou-se espaços oportunos na região que se situasse em condição de proximidade com fluxos, ou desenvolvesse novos. Foram identificadas várias situações interessantes e a que mais chamou a atenção foi o vazio urbano no interior da grande quadra triangular delimitada entre a praça do Carmo, calçadão Oliveira Lima e a avenida Luís Pinto Fláquer, aonde se encontra atualmente um estacionamento. O acesso ao vazio se limitava a uma estreita passagem e provavelmente era resultante de uma mescla de parcelamentos de lote que sobraram da ocupação dos comerciantes locais nas antigas casas de vilas do local. Optou-se pela desocupação de um dos lotes laterais do terreno que se comunica com o calçadão Oliveira Lima, estabelecendo assim uma possibilidade de permeabilidade pública na área de intervenção e a decisão de que essa seria a área intervir.
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O projeto se estabelece, a princípio, como uma passagem urbana que rasga a quadra e permite um novo fluxo direto do calçadão à praça. Um atalho urbano em sua definição, e nessa passagem estratégica é onde se prototipa gradualmente a transição entre ambientes, externo e interno, para chegar no ambiente desejado. Uma construção que serve de abrigo e se encaixa ao redor do percurso, trabalhando recortes de paisagem e iluminação natural para transmitir a atmosfera durante a passagem. O programa mínimo constitui em espaços de descompressão nas entradas; corpo principal (salão), aonde se permite fenestras de luz na cobertura em pontos específicos; mezanino, espaço com iluminação dedicada na cobertura; solário, espaço aberto quadrangular presente ao lado da entrada da praça do Carmo; e o espaço anexo coberto e descoberto para permanência de pessoas.
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3D em vista axonométrica Esquerda 3D em vista axonométrica com corte Esquerda 3D em Explosão - indicação do pavimento público Direita
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Imagem, entrada Oliveira Lima
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Vista do pรกtio interno
Vista à abertura zenital
Destaque ao espelho d’água
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BIBLIOGRAFIA
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