Aves de Portugal Continental - Vários Autores

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AVES DE PORTUGAL CONTINENTAL


Breve história da fotografia analógica de aves selvagens em Portugal Nuno Gomes Oliveira B i ó l ogo

A mais antiga referência que encontramos para a fotografia ligada à ornitologia, em Portugal, foi no livro Narrative of a spring tour in Portugal, publicado em 1870 por Alfred Smith que foi, provavelmente, a primeira pessoa a fazer turismo ornitológico em Portugal, quando nos visitou em abril e maio de 1868. Esta visita deu lugar a um artigo na conceituada revista inglesa de ornitologia Ibis, A Sketch of the Birds of Portugal (SMITH, 1868) e ao livro já referido. O pastor protestante, Alfred Charles Smith (1822-1898) era um dos, então, quarenta membros honorários da prestigiada “The British Ornithologists’ Union”. Foi reitor da igreja de Todos os Santos, em Yatesbury, Wiltshire, em Inglaterra, de 1852 a c. 1878; foi, ainda, um amador da história natural, arqueologia e viagens, e correspondeu-se com Charles Darwin. Veio a Portugal com o pai, e “...carregava uma espingarda, um par de binóculos, e todos os utensílios necessários a um ornitologista, para obter e preservar espécimes de aves, ele [o pai] levou a sua câmara, e tudo o que um fotógrafo precisa.”. Dessas fotografias não se encontrou rasto nos arquivos ingleses, pelo que esta referência vale, apenas, como curiosidade histórica da associação da fotografia à ornitologia (OLIVEIRA, 2015). Segue-se um longo vazio e só a partir dos anos 50 do séc. XX começam a surgir fotografias de aves. O Professor Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior (Barcelos, 1901-Maia, 1990) desenvolve trabalhos de ornitologia um pouco por todo o país, mas com especial dedicação à área que viria a ser, em 1957, a Reserva Ornitológica de Mindelo (Vila do Conde) (Fig. 1). Fez inúmeras fotografias de aves que anilhou, mas quase sempre seguras na mão pois não tinha teleobjetivas.

Fig. 1 - 1960 – O Professor Santos Júnior a anilhar rolas-bravas, Streptopelia turtur, na Reserva Ornitológica do Mindelo.

Nos anos 30 do séc. XX, o Eng.º Ludwig Wagner (Alemanha, 1900-Porto, 1976) estabeleceu-se no Porto, com com uma oficina de reparação de rádios e assistência técnica a diversas marcas de equipamentos ópticos nomeadamente a Zeiss Ikon. Fez milhares de fotografias de natureza, paisagem e etnografia e acompanhou José Maria d´Eça de Queiroz (neto do famoso escritor português Eça de Queiroz) numa expedição a Moçambique, que deu origem a um livro sobre a Gorongosa, intitulado Santuário bravio (1964). Fotografou as Águias-reais do Alvão (Fig. 2), abutres e cegonhas-pretas no Douro internacional, para além de muitas espécies de borboletas. Faleceu na sua residência no Porto, de morte súbita, após o regresso de mais uma das suas muitas excursões à Serra de Valongo, que tanto amava (Comunicação pessoal de Arnold Gilbert, 2003).

Fig. 2 - 7/7/1957 – Ninhos de Águia-real, Aquila chrysaetos, nas Fisgas do Ermelo (Rio Olo), no Alvão (Foto Ludwig Wagner, publicada pela Gazeta Mobil, nº 185, 1974).

Alguns dos mais conhecidos fotógrafos ingleses vêm a Portugal para captar imagens das espécies mediterrânicas que não tinham no seu país. Em 1963 visita-nos o fotógrafo inglês M. Derrick England (1908-1980), com o objetivo de captar as primeiras imagens de Peneireiros-cinzentos, o que conseguiu (Fig. 3), tendo fotografado um ninho cujas imagens publicou na revista inglesa British Birds (56: 444-452, 1963), num artigo intitulado Observations on the Black-winged Kite in Portugal with preliminary notes on its status.


Fig. 3 - 1963 – Peneireiro-cinzento, Elanus caeruleus (Foto de M. D. England)

Em 1968 e 1969, fomos visitados por um outro grande fotógrafo inglês de aves, Dr. Alfred Nowell Hamilton Peach (1913 - 2012) (ENGLAND,1978), que, entre outras espécies, fotografa Abetardas (Otis tarda) (Fig. 4) e o Rouxinol-do-mato (Cercotrichas galactotes) (BEVEN, 1970).

Fig. 6 – 26/6/1977 – Airo, Uria aalge (Foto António Teixeira, Berlenga, tele 300 mm)

Fig. 4 - Junho 1969 – Abetarda, Otis tarda (Foto de Nowell Peach)

Entre 1985 e 1987 (CHANDLER et all,1988) vem a Portugal outro famoso fotógrafo de aves inglês, Dr. Kevin J. V. Carlson, que, entre muitas outras espécies fotografa a Garça-vermelha (Fig. 5), mas já a cores. Dessa viagem, para além de muitas fotografias, resulta o livro Birdwatching Guide to the Algarve, Kevin Carlson e Christine Carlson, Lello & Irmão, Porto, 1994.

Ainda no início dos anos 70 do século passado demos (Nuno Gomes Oliveira) início ao processo de estudo e proteção da Mata Nacional de S. Jacinto (Aveiro), que viria a culminar com a sua classificação como Reserva Natural, em 1979. Nesse âmbito foram feitas algumas tentativas de fotografia de aves, recorrendo a exemplares capturados para anilhagem, que eram temporariamente encerradas na “barraca” que a Fig. 7 mostra. Obtiveram-se, com equipamento rudimentar, fotografias de alguma qualidade de que se dá como exemplo um Gira-pescoço (Fig. 7).

Fig. 7 - 1974 – Barraca para fotografar aves, Mata Nacional de S. Jacinto (Foto: Nuno Gomes Oliveira).

Fig. 5 - Maio 1987 – Garça-vermelha, Ardea purpurea (Foto Kevin Carlson, em Portugal, Maio de 1987, com (Nikon FE2. 70-210 mm Nikkor AF zoom. f.8. l/60th. Kodachrome 64).

No princípio dos anos 70 do séc. XX, o então estudante de biologia, hoje biólogo, António Manuel Teixeira (1953) inicia-se na fotografia, sempre muito vocacionado para as zonas húmidas e as aves marinhas, como o Airo (Fig. 6) que damos como exemplo.

Fig. 8 - 1974 – Gira-pescoço, Jynx torquilla, fotografado na barraca da foto anterior (Foto: Nuno Gomes Oliveira, máquina fotográfica Zenit, 80 mm).

O fim da fotografia analógica, e desta pequena história, começa em 1975 quando Steve Sasson, engenheiro da Kodak, desenvolve a câmara fotográfica digital. A primeira a ser comercializada em 1990, a Kodak DCS 100, era muito cara e, por isso, não teve grande difusão; seria a partir do ano 2000 que as digitais “vencem” completamente as máquinas analógicas e começa um nova era para a fotografia, nomeadamente para a fotografia de vida selvagem, surgindo em Portugal muitos e excelentes fotógrafos, como este livro demonstra.


Abetouro Botaurus stellaris

Esta garça de hábitos secretivos surge entre nós durante o Inverno, ocorrendo principalmente em caniçais; o seu poder de mimetismo é grande e observá-la a descoberto pode constituir um verdadeiro desafio.

Foto de: Carlos Patricio

Abibe Vanellus vanellus

Também conhecido pelo nome de ave-fria, o abibe é sobretudo um visitante de Inverno, sendo uma presença característica nos terrenos agrícolas, onde por vezes forma bandos com centenas de indivíduos.

Foto de: Isilda Jesus

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Abutre-do-egipto Neophron percnopterus

O mais pequeno dos abutres portugueses é uma ave migradora, que ocorre sobretudo nas regiões pouco habitadas do interior do território. As suas populações encontram-se em declínio desde há várias décadas.

Foto de: Nuno Xavier Moreira

Abutre-preto Aegypius monachus

Tem quase três metros de envergadura, sendo por isso a maior das aves portuguesas. Observa-se com regularidade ao longo da raia, muitas vezes acompanhando bandos de grifos.

Foto de: Manuel Quaresma

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Águia-de-bonelli Aquila fasciata

Discreta e nem sempre fácil de observar, a águia-de-bonelli distribui-se de forma esparsa pelo território nacional, contando com cerca de uma centena de casais no nosso país.

Foto de: José Frade

Águia-imperial Aquila adalberti

Esta grande águia esteve ausente durante várias décadas, mas após o virar do milénio tem vindo a recolonizar o território e actualmente já conta com treze casais, sendo relativamente fácil encontrar a espécie nas planícies de Castro Verde.

Foto de: Patrícia Santos e José Luís Sequeira

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Águia-pesqueira Pandion haliaetus

O espectáculo de ver uma águia-pesqueira a capturar um peixe pode ser presenciado em muitas das nossas zonas húmidas. Esta espécie, que já nidificou em Portugal, ocorre sobretudo como migradora de passagem e invernante.

Foto de: Paulo Leite

Águia-real Aquila chrysaetos

Por vezes chamada a ‘rainha das aves’, a majestosa águia-real não é muito comum em Portugal, sendo mais frequente em locais remotos do interior do país, em especial nos vales do Tejo e do Douro superiores, junto à fronteira.

Foto de: José Frade

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Bico-de-lacre Estrilda astrild

Introduzido em Portugal na década de 1960, o pequeno bico-de-lacre rapidamente se espalhou por uma grande parte do país e é hoje a espécie de ave não nativa mais bem estabelecida no nosso território.

Foto de: Pedro Olivença

Bico-grossudo Coccothraustes coccothraustes

É o maior dos fringilídeos portugueses, mas é também um dos mais difíceis de observar, devido aos seus hábitos discretos. O seu bico, muito potente, permite-lhe partir caroços de cereja.

Foto de: Francisco Barroqueiro

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Bispo-de-coroa-amarela Euplectes afer

De origem africana, esta ave exótica de cores garridas foi introduzida no nosso país e hoje pode ser considerada localmente comum. Ocorre principalmente junto a zonas húmidas com abundante vegetação emergente.

Foto de: Nuno Xavier Moreira

Borrelho-decoleira-interrompida Charadrius alexandrinus

Este borrelho está presente em Portugal durante todo o ano e nidifica ao longo da orla costeira. Os seus locais de eleição são as praias arenosas, as zonas dunares e os complexos de salinas.

Foto de: Francisco Bernardo

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Chasco-preto Oenanthe leucura

Raro e com uma distribuição muito localizada, o chasco-preto encontra-se hoje restrito aos vales do Tejo e do Douro superiores e de alguns dos seus afluentes. Até ao virar do milénio ainda podia ser visto nalguns locais do Alentejo.

Foto de: Luís Rodrigues

Chasco-ruivo Oenanthe hispanica

Este chasco aprecia ambientes áridos, sendo por isso mais abundante nas zonas mais secas do país. Os machos ocorrem em duas formas distintas: alguns, como o que se vê na foto, têm a garganta escura e outros a garganta clara.

Foto de: Patrícia Santos e José Luís Sequeira

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Cia Emberiza cia

Discreta, a cia frequenta sobretudo ambientes acidentados, onde haja rochas expostas e vegetação de porte arbustivo. É mais abundante a norte do rio Tejo, embora também se observe no sul do país.

Foto de: Pedro M. Pereira

Codorniz Coturnix coturnix

Difícil de ver, porém fácil de localizar auditivamente pelo seu canto, a codorniz é uma espécie nidificante comum em terrenos abertos. Uma grande parte da população é migradora, mas alguns indivíduos ficam por cá no Inverno.

Foto de: Paula Alçada

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Cuco-canoro Cuculus canorus

O característico canto do cuco faz-se ouvir por todo o país durante a Primavera. Esta ave de hábitos parasitas não constrói ninho, depositando os seus ovos nos ninhos de outras aves, nomeadamente de pequenos passeriformes.

Foto de: Francisco Bernardo

Cuco-rabilongo Clamator glandarius

Tal como a espécie anterior, este cuco é parasita, sendo os corvídeos as suas vítimas habituais. Esta ave migradora chega particularmente cedo ao nosso país, surgindo no sul do território logo a partir de Janeiro.

Foto de: José Frade

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Dom-fafe Pyrrhula pyrrhula

Nidifica a norte do rio Douro e inverna em todo o país. A origem do nome desta ave permanece um mistério – já foi sugerido que se trate de uma adaptação do nome alemão desta espécie: Dompfaff.

Foto de: Patrícia Santos e José Luís Sequeira

Escrevedeira-amarela Emberiza citrinella

Esta escrevedeira é uma ave característica de latitudes temperadas e atinge no norte de Portugal o limite sul da sua área de distribuição. O melhor local para a observar no nosso país situa-se na região de Barroso, perto de Montalegre.

Foto de: Carlos Patrício

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Frisada Anas strepera

Este pato de superfície nem sempre é fácil de identificar, pois tem uma plumagem pouco chamativa. A espécie é residente em Portugal, sendo razoavelmente comum no sul do território.

Foto de: Patrícia Santos e José Luis Sequeira

Fuinha-dos-juncos Cisticola juncidis

O canto característico da fuinha-dos-juncos, emitido em voo nos meses de Primavera, torna-a bastante fácil de detectar e de identificar. No entanto, durante o resto do ano, esta diminuta ave passa mais facilmente despercebida.

Foto de: João Silva

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Fuselo Limosa lapponica

Grande ave aquática da família dos maçaricos, que frequenta principalmente as grandes zonas húmidas. Tal como acontece com muitas outras limícolas, o fuselo é mais numeroso durante as passagens migratórias, mas alguns indivíduos invernam no sul.

Foto de: Patrícia Santos e José Luis Sequeira

Gaio Garrulus glandarius

Parente próximo do corvo e das gralhas, o gaio é bastante comum de norte a sul do país, frequentando qualquer tipo de formações arbóreas, mesmo em meio urbano. É bastante tímido, escondendo-se muitas vezes entre o arvoredo.

Foto de: Luis Catarino

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Gaivota-de-cabeça-preta Larus melanocephalus

À primeira vista pode fazer lembrar um guincho, no entanto as asas totalmente brancas, no caso dos adultos, tornam a distinção das duas espécies bastante fácil. Ao longo dos últimos anos esta gaivota tem vindo a tornar-se cada vez mais comum no nosso país.

Foto de: Patrícia Santos e José Luis Sequeira

Gaivota-parda Larus canus

Pouco frequente, mas regular durante o Inverno, a gaivota-parda pode passar facilmente despercebida no meio das outras gaivotas. A maioria dos registos diz respeito a um único indivíduo, mas por vezes observam-se pequenos bandos.

Foto de: Tomás Martins

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Gaivota-pequena Hydrocoloeus minutus

É a mais pequena das gaivotas e também a que tem um voo mais ligeiro, quase fazendo lembrar uma andorinha-do-mar. Pouco frequente, aparece no nosso país durante as suas migrações e, por vezes, no Inverno.

Foto de: Tomás Martins

Gaivota-tridáctila Rissa tridactyla Esta gaivota de hábitos pelágicos é frequente em mar alto, mas só raramente se observa em terra firme. Porém, no início de 2009 deu-se um enorme influxo de adultos e a espécie surgiu em números elevados em muitas praias, tendo mesmo havido registos no interior. Foto de: Tomás Martins

Gaivotão-real Larus marinus A maior gaivota do mundo observa-se regularmente em Portugal. Muitas vezes é vista no meio de bandos de gaivotas mais comuns, chamando de imediato a atenção pelo seu grande tamanho. Foto de: José Frade 63


O “Aves de Portugal Continental” é muito mais que um livro que nos mostra, em belas fotografias, todas as aves que por cá se encontram com regularidade… reflecte a paixão pelas aves em particular e pela Natureza em geral. É também essa paixão que leva milhares de pessoas a visitarem, todos os dias, o grupo do facebook com o mesmo nome e a deliciarem-se com as fotografias, partilharem saberes e experiências, conviverem ou até rirem um pouco. Criado em Abril de 2012, o grupo teve a rápida adesão de todos os que partilham o fascínio pelas aves. Reúne, em sã convivência, os simples admiradores, observadores de aves ou ornitólogos de profissão, fotógrafos, ilustradores, biólogos, estudantes, donas de casa… Muito mais que a simples partilha de fotografias de aves, o grupo orienta-se no sentido de informar e educar os membros para as causas ambientais, científicas e cívicas. Os pedidos de identificação de aves e de informações ou de ajuda para salvar uma determinada ave ferida são constantes e sempre atendidos. Mas acções maiores, como contribuir para impedir que uma prova desportiva se realize em local e época de reprodução de aves ou a coordenação de um censo da águia-pesqueira, pioneiro no país em regime de voluntariado, marcam, a ainda curta, história deste grupo. O grupo “Aves de Portugal Continental” é constituído por aqueles que gostam de aves mas pretende sobretudo cativar os que não gostam. Espera-se que este livro, ao partilhar a beleza das nossas aves, contribua também para esse objectivo. Armando Caldas (fundador do grupo “Aves de Portugal Continental”)

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