JEvangelista Meu nome é João Evangelista e embora fotografe por instinto, a minha formação nesta área faz de mim um discípulo da escola francesa tanto na fotografia analógica como digital. A meu ver, do mesmo modo que ter uma boa máquina faz de nós o proprietário de uma boa máquina e não um bom fotógrafo, uma boa formação torna-se insignificante sem a prática e a criatividade. Cada um tem uma visão única e pessoal do mundo em que vive e todas estas visões individuais nos enriquecem a todos mutuamente mais pelas diferenças que pelas semelhanças. Sendo cada acto de criação influenciado por tudo o que aconteceu na nossa vida até esse momento criativo, é impossível sermos totalmente objectivos. Será sempre a realidade filtrada por quem a registou mesmo se, neste caso da street photography ou fotografia de rua, pondo de parte os outros meios de expressão artística, seja talvez o tipo de fotografia mais objectivo e menos pessoal que se possa praticar. Além de estarmos constantemente a observar o outro, será sempre o eu observando o outro. E a maturação de uma ideia, o planeamento prévio tal como na pintura ou fotografia de estúdio é inexistente. Tudo acontece no momento presente e tudo o que acontece está à nossa volta. Entre o fotojornalismo que nos mostra o que acontece no mundo e a fotografia humanista que destaca a nossa relação com o mundo, a street photography, porque regista os nadas do dia-a-dia, fala de nós próprios. Mostra quem realmente somos no nosso “ambiente natural” e sem estar a pousar frente a uma máquina fotográfica pois ter um ar natural quando sabemos que estamos a ser observados…ou fotografados pode ser muito difícil. Na minha opinião, fotografar pessoas tal como são no dia-a-dia e sem lhes pedir para pousar desta ou daquela forma, sem interrompe-las na sua rotina ou pensamentos, é um ato de respeito. E por mais discreto que seja o fotógrafo de rua, ele acaba fotografando-se a si próprio, o fotografado acaba sendo o espelho de quem fotografa. Cada cidade tem sua personalidade e cada recanto por mais monótono que seja pode ser sublimado por uma luz diferente do habitual ou simplesmente pelo olhar de quem, de tanto observar, vê além do óbvio e acaba por ver aspectos da sua cidade que nunca tinha reparado antes mesmo passando por essa rua todos os dias. E é o que representa este livro, registando o que esta cidade tem de único, sua personalidade, a beleza da sua luz e dos seus habitantes
6
My name is João Evangelista and although I photograph by instinct, my studies in this field were done in the french school of photography both in film and digital. In my opinion, the same way that having an expensive camera will only mean that you are the owner of a good camera, a diploma in photography will not make you a good photographer. This will only happen with years of practice. Each person has its personal and unique vision of the world and all these individual visions mutually enrich us more by their differences than their similarities. Being that each act of creation is influenced by all that happened in our lives until this creative moment, it is impossible to be totally objective. Reality will always be filtered by the personal vision of the photographer even if, in the case of street photography, and putting aside other types of artistic expression, it might be the most objective and impersonal type of photography you can practice. Besides the act of constantly observing the others, it will always be “you observing the other”. And the maturation of an idea, the previous planning that happens in painting or studio photography doesn´t exist. Everything happens in the present moment and everything is happening around us. Between photojournalism that shows what is happening in the world and humanist photography which highlights life and our relation with the world, street photography is about us because it registers the daily routine. It shows who we really are in our “natural habitat”, without posing for the camera, since acting natural when you know you are being observed…or photographed can be very difficult. And in my opinion, photographing people the way they are in their daily life, without posing for the camera, without interrupting them in their routine or thoughts, is an act of respect. And even the most discrete street photographer ends up photographing himself; the photographed person is the mirror of the photographer. Each city has its own personality and each street corner, even the most monotonous can be enriched by an unusual light or simply by the look of whom, by constantly observing, goes beyond the obvious and ends up seeing aspects of its own city that he never noticed before even in a street he is used to walk every day. This is what this book is about; capturing what is unique in this city, the beauty of its light and inhabitants.
7
Isabel Cabral Meu nome é Isabel Cabral. Não sou escritora. Mas gosto de sentir as palavras quando elas invocam a emoção. E a fotografia é uma das formas mais preciosas de abrir o sentimento, de fazer com que as palavras tenham justificação. Por isso escrevo por ébrio impulso quando uma fotografia me capta a emoção e me leva aos meandros da sensibilidade. Escrever será em mim, um modo de estar. Sem ambições, sem ressentimentos. Escrever é lançar de dentro o que nem sempre se sabe dizer com o gesto ou com a voz. É colocar no papel o que a alma veste no momento e o que vestiu ao longo das vivências somadas. Não tenho formação literária, nem conheço os meandros da técnica linguística. As minhas palavras cinzelam o sentir e este nunca conheceu gramática. Fazer os textos para as obras do João Evangelista foi um acto de imenso prazer, porque as fotografias que me apresentou, são o retrato, o desenho, a pintura, das emoções clandestinas às paredes de uma cidade, mas existentes na sua força nas pessoas que nela vivem, com todas as cores mitigadas, escritas no preto e branco. My name is Isabel Cabral. I am not a writer. But I like to feel the words when they call for emotions. And photography is one of the most precious forms to invoke feelings, give meaning to the words. So I write with a drunken impetus when a photograph catches my emotions and takes me to the intricacies of sensitivity. To me, writing is a way of life. With no ambitions, with no resentments. Writing is to expel from the inside what you cannot always say with a gesture or the voice. It is putting on paper what the soul is wearing in the moment and what wore over the summing of lives. I have not graduated in literature nor do I know the intricacies of linguistic techniques. My words engrave emotion and that emotion doesn´t know what is grammar. Writing the texts for João Evangelista´s work was an act of immense pleasure because the images that he presented to me are the portrait, the drawing, the painting of clandestine emotions that belong to the walls of this city, but found in the strength of its inhabitants, with all the mitigated colors written in black and white.
8
9
10
11
Há vida em suspenso dentro da montra. Sei que há .Nos rostos porcelana dos bonecos imitando pessoas que não existem, nas roupas estendidas a que não posso chegar. Espreito colocando a mão entre a luz e o vidro e não sei o que quero espreitar, se o meu reflexo em paragem, se a vida ali suspensa. Ou se qualquer coisa que me conceda a ideia de que espreito porque a vida está neste gesto. Mesmo insignificante.
There is life suspended inside the shop window. I know there is. In the faces of porcelain dolls imitating people that do not exist, in the clothes laying there where I can’t reach. I peek with my hand between the light and the glass and I don’t really know what do I want to peek at, if at my reflection in limbo, or at life there suspended. Or at something that gives the idea that I peek because life exists in this gesture. As insignificant as it is.
12
13
16
17
Agora já nada acrescento à vida. Somam-se as cadeiras e as mesas vazias e tudo parece sem história. Eu, o meu calendário e o meu cigarro, tentando apanhar sobras de vida na luz escondida do dia. E a desnecessidade de ter historias dentro da minha história. Às vezes penso que pareço um publico feito de um só espectador , olhando um palco vazio, num teatro esperando fecho definitivo. Começo a ficar deprimido quando penso nisso. Terei que sair desta esplanada onde só estou eu, o meu cigarro e a minha inércia.
There is nothing to add to life now. Counting the empty tables and chairs, and everything has no story, so it seems. Me, my calendar and my cigarette trying to catch shadows of life in the hidden daylight. And the lack of need to have stories within my story. Sometimes I think I seem like an audience made out of one spectator, staring at an empty stage, in a theatre waiting for a definitive ending. I start to feel depressed when I think about that. I have to get away from this beer garden. Me, myself, my cigarette and my lethargy.
20
21
Tantos sonhos que embuti nesta rua. Tantos passos largados aqui, pisando cansaço e vontades. Andei léguas sem me dar conta que somadas eu já teria visto outras paisagens bem longínquas, degustado na mente outros sonhos, feito do meu olhar sentinelas de encanto. Mas estou aqui nesta rua. A minha rua, as paredes e o caminho. Aqui me sento, porque aqui quando me avistam, há um sorriso conhecido e um cumprimento estendido. E a solidão deixa a casa e o meu envelhecer um pouco para trás.
Many dreams that I embedded on this street. Many steps through fatigue and desires. I walked miles without realizing that I already have seen other remote scenarios all together, tasted other dreams in my mind, and made my glance look like sentinels of delight. But I’m here on this street. My street, the walls and the road. Here I stand because I’m observed, there is a familiar smile and an extended hello. And the loneliness leaves the house and my ageing is left behind.
38
39
42
43
64
65
Há um braço de luz que vem do mar abraça em oceano todas as paredes da cidade e num brilho translúcido agarra em véu , o cheiro e o verde.
There is an arm that comes from the sea embraces like an ocean all the city walls and in a translucent glow holds in a veil, the scent and the green.
74
75
Um livro único de street photography sobre a cidade do Funchal. Resultado de um projecto de vários anos, estas fotografias são um eco da tradição de representar a beleza desta cidade, seus habitantes e costumes que começou com as gravuras e aguarelas dos primeiros turistas e mais recentemente, fotografias antigas sobre o Funchal feitas pelos primeiros fotógrafos locais.
A unique street photography book about the city of Funchal. As a result of a project that took several years, these photographs are an echo of a long tradition of representing the beauty of this city, its inhabitants and their lifestyle that started with the engravings and watercolours made by the first tourists and more recently with the old photographs about Funchal done by the very first local photographers.
Algumas destas fotografias estão associadas a textos inéditos de Isabel Cabral escritos como um espelho dos pensamentos secretos, receios, alegrias e sonhos dos habitantes desta cidade.
Some of the photographs in this book are associated with original texts written by Isabel Cabral, as a mirror of the secret thoughts, fears, joys and dreams of the inhabitants of this city.
M e d ia H o u s e