1ª Edição Rio de Janeiro, 2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Tropicália: Música, Cinema, Moda e Design Rio de Janeiro: Cultuarte, 2012 20x17cm ISBN 978-85-91986-150-3 1. Tropicalismo 2. Música 3. Anos 60 e 70 4. Cinema 5. Moda 6. Design Índice de Catálogo Sistemático 1. Música 2. Moda 3. Artes 4. Design ________________________________________ Editora Cultuarte Ltda. Rua Jubai 153 - Conj. 03 - Ipanema - Rio de Janeiro - RJ Cep 21331-030 Tel. (21) 2454.3883 / 7611.5186 e-mail: amanda.design@oi.com.br
Apresentação O Movimento Tropicalista “...aqui é o fim do mundo” A Cruzada Tropicalista O Cinema Tropicalista
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Tropicalismo, antropofagia, mito, ideograma Design do Caos “Panis et Circencis”
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, Apresentacao
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Em maio do mesmo ano, estréia Terra em Transe, obra polêmica do diretor Glauber Rocha. O filme destaca-se pela estética agressiva e forte conteúdo político. A anárquica e provocativa montagem encenada pelo Teatro Oficina da peça teatral O Rei da Vela, texto do modernista Oswald de Andrade escrito em 1933 dirigida por José Celso Martinez Correa, misturava circo, teatro de revista e buscava uma superteatralidade interação com o publico.
MPB da Tv Record, em que Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram as canções Alegria, Alegria e Domingo no parque. A canção Alegria, Alegria era uma marchinha alegre de carnaval com a intenção de provocar empatia com o público. Domingo no parque parecia uma roda de capoeira ao som de berimbau. Como a preferência dos jovens pela música estrangeira era maior do que pela MPB que naquele momento soava desinteressante e chata aos ouvidos dos jovens Caetano e Gil queriam modernizar a música popular brasileira introduzindo guitarras elétricas, sabendo que estavam preparando uma provocação ao público dos festivais e a visão dos esquerdistas, defensores da música de protesto e xenófobos que eram contra o uso dos instrumentos por considerarem símbolo da invasão cultural norteamericana.
A eclosão do movimento deu-se principalmente no III Festival de
Caetano Veloso ficara impressionado ao assistir Terra em Transe
O ano é 1967. O MAM do Rio de Janeiro exibia a exposição Nova Objetividade Brasileira, e nela a instalação Tropicália, do artista plástico Hélio Oiticica: um ambiente tropical for¬mado por duas tendas (penetráveis), com vaso de plantas, araras, areia, pedras que no final encontrava um aparelho de televisão ligado.
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e sentiu-se estimulado a utilizar aquela agressividade na música. Semanas antes de assistir a peça, ele compôs a canção - manifesto cujo título, por sugestão do fotógrafo Luis Carlos Barreto, recebeu o nome da instalação de Hélio Oiticica: Tropicália.
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A sincronicidade de acontecimentos de 1967, em diversos campos artísticos, deu início a um manifesto bem-humorado de um ambicioso projeto cultural. O nome surgiu numa con¬versa de bar entre os cineastas Glauber Rocha, Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Gustavo Dahl, o fotógrafo Luis Carlos Barreto e o jornalista Nelson Motta, que refletindo sobre o ano anterior, perceberam que havia algo de novo ocorrendo na cultura brasileira e decidiram fundar um movimento que recebeu o nome de Tropicalismo. A Tropicália durou pouco mais de um ano, encerrando-se em dezembro de 1968, com as prisões de Ca-
etano e Gil. Porém, as idéias e as influências do movimento conseguiram impulsionar a modernização da cultura nacional, realizando a mistura de elementos díspares: do arcaico e moderno, alta cultura e cultura de massa, tradição e vanguarda, nacional e internacional, pop e folclore, que ressoariam ainda por mais alguns anos. 45 anos depois da criação do Tropicalismo, o Banco do Brasil orgulhosamente apresenta esta caixa comemorativa que contém três DVDs com imagens raras e um livro com textos e fotografias deste movimento que até hoje influencia a moda, a música e o design como um movimento cultural brasileiro pela própria natureza. Banco do Brasil | Junho 2012
o movimento tropicalista 9
“eu organizo o movimento. eu oriento o carnaval” Caetano Veloso
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O Tropicalismo foi um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968. Seus participantes formaram um grande coletivo, cujos destaques foram os cantores-compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, além das participações da cantora Gal Costa e do cantor-compositor Tom Zé, da banda Mutantes, e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão e os letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto completaram o grupo, que teve também o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus princi-
pais mentores intelectual. Os tropicalistas deram um histórico passo à frente no meio musical brasileiro. A música brasileira pós-Bossa Nova e a definição da “qualidade musical” no País estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos ligados à esquerda. Contra essas tendências, o grupo baiano e seus colaboradores procuram universalizar a linguagem da MPB, incorporando elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. Ao mesmo tempo, sintonizaram a
eletricidade com as informações da vanguarda erudita por meio dos inovadores arranjos de maestros como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Damiano Cozzela. Ao unir o popular, o pop e o experimentalismo estético, as idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas da própria cultura nacional. Sincrético e inovador, aberto e incorporador, o Tropicalismo misturou rock mais bossa nova, mais samba, mais rumba, mais bolero, mais baião. Sua atuação quebrou as rígidas barreiras que permaneciam
no País. Pop x folclore. Alta cultura x cultura de massas. Tradição x vanguarda. Essa ruptura estratégica aprofundou o contato com formas populares ao mesmo tempo em que assumiu atitudes experimentais para a época. Discos antológicos foram produzidos, como a obra coletiva Tropicália ou Panis et Circensis e os primeiros discos de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Enquanto Caetano entra em estúdio ao lado dos maestros Júlio Medaglia e Damiano Cozzela, Gil grava seu disco com os arranjos de
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Rogério Duprat e da banda os Mutantes. Nesses discos, se registrariam vários clássicos, como as cançõesmanifesto “Tropicália” (Caetano) e “Geléia Geral” (Gil e Torquato). A televisão foi outro meio fundamental de atuação do grupo – principalmente os festivais de música popular da época. A eclosão do movimento deu-se com as ruidosas apresentações, em arranjos eletrificados, da marcha “Alegria, alegria”, de Caetano, e da cantiga de capoeira “Domingo no parque”, de Gilberto Gil, no III Festival
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de MPB da TV Record, em 1967. Irreverente, a Tropicália transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e à política, mas também à moral e ao comportamento, ao corpo, ao sexo e ao vestuário. A contracultura hippie foi assimilada, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas.
“... aqui e o fim do mundo“
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“...aqui e o fim do mundo” Gilberto Gil e Torquato Neto Em 1964, o Brasil encontrava-se no olho do furacão. A Guerra Fria – disputa entre as superpotências dos Estados Unidos e da União Soviética – alimentava conflitos na América Latina e no País. Em 1959, a Revolução Cubana transforma Fidel Castro e Che Guevara em heróis internacionais e atiça a pressão do bloco capitalista sobre os países do terceiro mundo. Por aqui, o presidente João Goulart (Jango) propõe uma série de reformas de base para atenuar o grave problema da desigualdade social
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e as pressões políticas que vinha sofrendo dos movimentos de esquerda. Contra tais propostas – acusadas de comunistas – formou-se um movimento da direita política e de parte da sociedade, que preconizavam uma modernização conservadora. Com a participação do Congresso, das classes média e alta, essa facção venceu por meio do golpe militar de 31 de março. O Exército e seus aliados civis depuseram o presidente Jango e entregaram o poder aos militares. O golpe, apoiado pelos americanos, rompeu o já frágil jogo democrá-
tico brasileiro. A concentração de renda surgiu como forma de expansão capitalista. Castelo Branco se tornou o primeiro de uma série de generais-presidentes ditatoriais. Seu substituto, Costa e Silva, governou o País de 1967 a 1969, cada vez com mais poder. Culturalmente, o País fervilhava. Até 1968, intelectuais e movimentos de esquerda podiam agir livremente, com pequenos problemas com a censura. A intensa produção ia das peças do Teatro Oficina aos grupos Opinião e Arena; das canções de protesto às músicas da Jovem Guarda, passando pelos filmes do Cinema Novo e pelas artes plásticas. Em todas as áreas, a política fazia-se presente, mantendo acesa no campo das artes uma polêmica que opunha experimentalismo e engajamento, participação e alienação. A partir de 1967, os antagonismos foram radicalizados. No campo da
música, houve confrontos entre os artistas nacionalistas de esquerda e os vanguardistas do Tropicalismo. Estes se manifestaram contra o autoritarismo e a desigualdade social, porém propondo a internacionalização da cultura e uma nova expressão estética, não restrita ao discurso político. Para os tropicalistas, entender a cultura de massas era tão importante quanto entender as massas revolucionárias. Ainda no terreno político, 1968 foi o ano em que as tensões chegaram ao máximo no País. As greves operárias e as manifestações estudantis – com a conseqüente repressão policial – se intensificaram. As guerrilhas rural e urbana aumentaram suas ações. Com o crescimento da oposição, Costa e Silva, pressionado pela extrema direita, respondeu com o endurecimento político. Em 13 de dezembro, o Ato Institucional Nº 5 decretou o fim das liberdades civis e de expressão, sacramentando o arbítrio até 1984, quando
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o general João Figueiredo deixa a presidência do País.
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a cruzada tropicalista
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A Cruzada Tropicalista Nelson Motta O filme Bonnie and Clyde faz atualmente um tremendo sucesso na Europa e sua influência estendeuse à moda, à música, à decoração, às comidas, aos hábitos. Os anos 30 revivem em força total. Baseado nesse sucesso e também no atual universo pop, com o psicodelismo morrendo e novas tendências surgindo, um grupo de cineastas, jornalistas, músicos e intelectuais resolveu fundar um movimento brasileiro mas com possibilidades de se transformar em escala mundial: o Tropicalismo. Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra ainda desconhecido.
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O lançamento da cruzada tropicalista seria feito em uma festa no Copacabana Palace. A piscina estaria coberta de vitórias-régias, pal-
meiras por toda a pérgula, bebidas servidas em abacaxis ou cocos, abacaxis que também serviriam de abajur, iluminados por dentro. A música baseada em samba-canção da década de 50 e o menu, sofisticadíssimo: aperitivo; batida de ovo; entrada; sanduíche de mortadela com queijo-de-minas (facultativo); vatapá como prato forte e maria-mole de sobremesa. Ao final, em vez de licor, seria servido xarope Bromil em pequenos cálices. O terno de linho branco, requinte supremo. Mas cuidado com as lapelas, que devem ser o mais larga possível. Também é permitido o azul-marinho listradinho de branco, mas penas quando usado com gravata vermelha de rayon. A camisa deve ser de nylon, de preferência com abotoaduras de grandes pedras. Na gravata, pérola, é claro, podendo os mais sofisticados usar uma esmeralda ou uma águamarinha, que como se sabe, é a
pedra da moda… Há uma corrente que defende o lançamento de calças idênticas às de Renato Borghi em O Rei da Vela, as calças pansexuais. Para a praia, a moda seria calção de nylon, mas com seu comprimento reduzido por dobras manuais, assim como a camisa de linho branco que teria suas mangas também dobradinhas com esmero. Bonés, muitos bonés na praia do Posto 4. Bonés brancos com palas de plástico verde transparente (para proteger do sol). Para os mais requintados: óculos ray-ban. Ou de espelho. Turquesa, laranja, maravilha e verde-amarelo seriam as cores da moda, usadas pelas mulheres em vestidos pelo meio das pernas se abrindo em grandes rodas. Anáguas, muitas e engomadas anáguas, sempre é bom. Laquê, litros de laquê, para todas as mulheres fazerem grandes penteados, quanto mais altos o cabelo, mais bonito. O Tropicalismo vence. Para os ho-
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mens não ficarem atrás, a grande novidade é a tintura para cabelo, mesmo aqueles que não têm cabelos brancos, só pra dar “aquela” tonalidade levemente azulada. Para os cabelos a cor é “asa de graúna” e muita brilhantina Royal Briar e Glostora, que ressaltam e perfumam o penteado. Está decretada a falência de qualquer outra forma de iluminação que não seja abajur de vidro que roda e sai fumacinha do desenho do trem ou ainda o modelo de caramujo ou concha. Iluminação também válida é a luz vermelha ou verde que acompanha a imagem de São Jorge, que deve estar sempre em cima da cristaleira.
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Pingüim de louça só em cima da geladeira. Em cima da geladeira é também tolerado qualquer outro bicho, desde que de louça recoberta de camurça. No liquidificador, uma grande saia de baiana de plástico e para o
puxador da geladeira nada mais certo que um grande peixe também de plástico. O plástico e a louça são materiais do Tropicalismo por excelência. Não percam batizados e paradas de Sete de Setembro. É chiquérrimo! São Jorge é o nosso santo e carnaval a nossa festa. Por um mundo tropical! Pelo sol! Pela ginga do brasileiro! Viva o trópico! Viva o trópico! Viva o trópico! PS – Não esquecendo que os sapatos de homem devem ter sempre duas cores e o material nobre é crocodilo ou cobra. Para mulheres, forrados de cetim, o salto bem fino alto e o bico mais agulha possível. Trexos de matéria publicada no jornal Última Hora – 5 de fevereiro de 1968
o cinema tropicalista
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O Cinema Tropicalista Ricardo Janoário Dentre outras influências marcadas pelo movimento Tropicalista, o Cinema Novo foi uma das mais significativas. A partir da exibição de Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe do cineasta Glauber Rocha, determinou-se um novo impulso criativo na composição das letras musicais. As canções passaram a representar um conjunto de elementos culturais. Um som que simbolizou as coloridas imagens de revistas, expostas nas bancas de jornal, com fotos de atrizes de cinema, mescladas com cenas violentas de guerra e flagrantes de viagens espaciais que em sua união constituíram o tom enfático representado pela estética tropicalista. O corte, a justaposição, o uso de fragmentos, e dos efeitos flashback, presentes na produção cinematográfica, pareciam atrair a atenção, não apenas do grupo baiano, mas também dos expressivos setores da juventude interessados pela cultura.
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Significava expressar o ato descritivo dos quadros, dos desenhos que faziam acender a realidade dos objetos. Seus processos de construção lembravam montagens, sons, ruídos que nas palavras do cineasta Glauber, “havia uma gama infinita de possibilidades de comunicação com o público, através de uma linguagem muito violenta, agressiva representadas em seus filmes”. Entre os vários cinemas novos que se desenvolveram pelos anos 60, o brasileiro foi um dos mais destacados, não só pela importância que teve internamente como também, pela repercussão internacional. Os cinco primeiros anos da década de 60, são dominados, entretanto, pelo fenômeno baiano, que se constituiu de um conjunto de filmes realizados na Bahia. Projeta-se então, no cinema, a figura de Glauber Rocha. É a erupção do chamado Cinema Novo, movimento que englobava, de forma pouco descriminada, tudo o que
se fez de melhor – em matéria de ficção ou documentário – no moderno cinema brasileiro. Opondose ao populismo das chanchadas e ao cosmopolitismo de produções que imitavam modelos estrangeiros, defendia a realização de obras autenticamente nacionais, que colocassem em discussão a realidade econômica, social e cultural do país. Esse movimento contou com a participação de outras personalidades como Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Luiz Sérgio Person, Leon Hirzman, Carlos Diegues, Sergio Ricardo, Walter Lima Júnior dentre outros. O movimento cinemanovista chegou ao fim dos anos 60 procurando novos caminhos, pois a sua relação com o grande público lhe permaneceu inacessível.
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tropicalismo, antropofagia, mito, ideograma
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O Tropicalismo, a antropofagia e seu desenvolvimento são a coisa mais importante hoje na cultura brasileira. Tropicalismo é aceitação, ascensão do subdesenvolvimento; por isto existe um cinema antes e depois do Tropicalismo. Agora nós não temos mais medo de afrontar a realidade brasileira, a nossa realidade, em todos os sentidos e a todas as profundidades. Eis por que em Antônio das Mortes existe uma relação antropofágica entre os personagens: o professor come Antônio, Antônio come o cangaceiro, Laura como o comissário, o professor come Cláudia, os assassinos comem o povo, o professor come o cangaceiro. Esta relação antropofágica é de liberdade.
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É uma procura estética política que se move debaixo do signo da individualização do inconsciente coletivo, e para isto existe o apro-
veitamento de elementos típicos da cultura popular utilizados criticamente. O cinema do futuro é ideogramático. É uma difícil pesquisa sobre os signos (símbolos). Para isto não basta uma ciência, mas é necessário um processo de conhecimento e de autoconhecimento que investe toda a existência e sua integração com a realidade. O mito é o ideograma primário e nos serve, temos necessidade dele para conhecermo-nos e conhecer. A mitologia, qualquer mitologia, é ideogramática e as formas fundamentais de expressão cultural e artística a elas se referem continuamente. Depois poderemos desenvolver outras coisas, mas, este é um passo fundamental. O surrealismo para os povos latino-americanos é o Tropicalismo.
“panis et circencis“
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O título da canção “Panis et Circencis” parte de um lapso. Ou de dois, melhor dizendo. Caetano Veloso, no seu livro Verdade tropical, diz que se lembrava da expressão com “i” - circencis, quando na realidade, o correto é com “se”- circenses. Ele também pensava que a expressão queria dizer algo como “do pão e do circo”, quando, na verdade, seu significado é “do pão e das coisas do circo”. É muito significativo que o título dessa canção, que é também o subtítulo desse disco-manifesto - Tropicália ou Panis et circencis, tenha derivado de um lapso. O lapso não é exatamente um erro. É, na etimologia, um escorregão da memória. E colapso, poderíamos deduzir, meio poética e meio cientificamente, seria então um lapso coletivo da memória.
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Caetano assumiu seu lapso de forma até algo orgulhosa: “Sempre cri numa espécie de organicidade da assimilação de informações, e faço questão de tratar com natu-
ralidade a assimilação de cultura, retendo dos livros, das aulas, das canções, somente o que me for congenial, e transmitindo somente o que já estiver em mim incorporado. Uma vez disse a Maria Ester Stockler, a propósito das referências presentes no filme que dirigi já nos anos 1980 (O cinema falado): ‘Só tem ali o que sai na urina’”. Talvez não seja mesmo tão importante a diferença entre “do circo” e “das coisas do circo”, e sim o fato de ter ocorrido o escorregão. Afinal, hoje, pode-se dizer que um dos procedimentos discursivos básicos do Tropicalismo tenha sido justamente colapsar o discurso convencional. (...) Permitir a saturação, o excesso e o desperdício, porque a economia e o controle lógicos, a essa altura do campeonato, estavam muito mais localizados na “sala de jantar”, no mundo da produtividade e da funcionalidade. Quarenta e dois anos depois de feita a canção e o disco-manifesto,
é o caso de se pensar: e será que essa letra e o arranjo antropófago de Rogério Duprat ainda fazem sentido? Diria que fazem muito sentido, sim. Talvez as pessoas da sala de jantar já não sejam as mesmas, nem estejam fazendo as mesmas coisas, nem tampouco o “eu” precise ir tanto atrás de luz: de uma “canção iluminada de sol”, de um “luminoso punhal”, e de “folhas que sabem procurar pela luz”. Há realmente mais luz agora e os “eus” não precisam ser como raízes que sabem “procurar, procurar”, pois tantos deles já vieram à superfície da terra. Atualmente, pode-se dizer que pão e circo não são mais suficientes para calar as “pessoas na sala de jantar”. Nem o poder mais quer tanto calá-las, nem elas são mais tão facilmente caláveis. É até mais difícil fixá-las em tipos únicos. Elas se espalharam mais, estão distribuídas por todas as classes e lugares e muitos dos frequentadores das
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salas de jantar de antigamente já abandonaram seus postos. Outros foram para lá e alguns, tendo saído, acabaram voltando. Mas a canção “Panis et circencis” se sustenta vivamente como lembrança e como possibilidade. Infelizmente, não faltam novas “salas de jantar”. Felizmente também, não faltarão pessoas e canções, que, como essa, são iluminadas de sol.
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design do caos 31
“O valor pejorativo atribuído a esse apelido o magoara duplamente: chamavam de caótico exatamente o que nele era mais lógico e construtivo, e desprezavam o Caos que ele, em outro nível, era capaz de amar.” Caetano Veloso
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O baiano Rogério Duarte nasceu em 10 de Abril de 1939, vindo de uma família de intelectuais. Teve uma infância doentia e foi alfabetizado em casa pelo avô. Autodidata, descobriu cedo a paixão pela leitura e desde pequeno freqüentava bibliotecas públicas. Após enfrentar alguns despontamentos com o ensino tradicional, Rogério pouco tempo depois abandonou os estudos sem concluir o ensino médio. Rogério Caos foi o apelido deformador dado pelo dramaturgo Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha na época em que ele era coordenador de Artes Visuais da União Nacional dos Estudantes (UNE). Devido ao choque que a complexidade de suas idéias causava entre os membros do partido, acabavam não sendo aceitas, não encontrando espaço. Este apelido era uma forma de manter Rogério Duarte afastado, estereotipado como “porra louca e caótico” , e o marcou profundamente.
Rogério Duarte ajudou a definir a estética visual do movimento e conseguiu ser ao mesmo tempo popular e erudito, rompendo as regras do bom design. O designer da Tropicália, preferiu inovar na utilização das cores e na complexidade de suas capas. Representou toda a pluralidade de elementos da música e da estética do tropicalismo nas capas de disco. O cartaz de cinema é um elemento de grande destaque da obra de Rogério Duarte. Assim como a capa de disco, ambos representam um poder de comunicação forte para a divulgação do movimento Tropicália. A peça gráfica, símbolo da síntese entre o racionalismo e a exuberância tropical da cultura popular brasileira, traz a foto em preto-e-branco de Corisco em contraste com o fundo de cor vermelha e vibrante que antecede à estética que será vista mais adiante com o surgimento do movimento Tropicália.
Rogério Duarte teve papel importante como um dos teóricos do design brasileiro. Em 1965, escreveu o que seria, um dos primeiros textos brasileiros sobre design, o artigo Notas sobre o desenho industrial, publicada na revista Civilização Brasileira. Nele, discute as origens do design, critica a ESDI e a influência demasiada do formalismo da escola de ULM no design brasileiro. Com o profundo conhecimento que tinha do design gráfico, não foi difícil que incorporasse a tipografia suíça e ainda sentisse a necessidade de transgredir: “Alguns professores tentavam nos impor um formalismo racionalista europeu sem levar em conta nos¬sa singularidade e individualidade como cultura e nação”, relata. Fez questão de aplicar o rigor técnico e funcional, mas, ao mesmo tempo, não deixou de pinçar elementos da cultura popular brasileira a serem mantidos nos projetos.
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Este catálogo foi composto pelas tipografias Lot e Century Gothic. Impressão offset em papel couché 150g/m² pela Editora Cultuarte.