Relat贸rio:
A legitimidade do passe livre Natal - RN - 08/10/2013 Parte 2
Mandato Vereadora Amanda Gurgel (PSTU)
Considerações Jurídicas sobre a Constitucionalidade do Projeto de Lei do Passe Livre de Natal Assessoria Jurídica Mandato Vereadora Amanda Gurgel
A Prefeitura, nomeadamente o Procurador Geral do Município, Sr. Carlos Castim, já questiona o projeto através da imprensa (ao lado) e declara sua “inconstitucionalidade”. Isso mesmo após a Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final da Câmara dos Vereadores do Natal ter atestado sua constitucionalidade. Diante destes questionamentos, procuramos a seguir responder às principais questões jurídicas relacionadas ao PL 098/2013.
Jornal Tribuna do Norte - 03 de outubro de 2013
01. Em primeiro lugar é bom que se destaque que Transporte é um Direito Social Fundamental (Art.6º, CRFB) e, portanto, um direito indispensável à Dignidade da Pessoa Humana tendo, em razão disso, caráter essencial.
02. Na condição de Direito Social, o Transporte é o que chamamos de Direito Positivo, isto é, impõe ao poder
público uma Obrigação de Fazer.
03. Há reiteradas decisões do STF que afirmam inclusive que o Poder Público não pode fraudar, frustrar ou inviabilizar a implementação de políticas públicas concretizadoras da dignidade da pessoa humana. a. "A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à 5
Relatório: A legitimidade do passe livre em Natal - 08/10/2013
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alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)." (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-82011, Segunda Turma, DJE de 15-9-2011.)
04. A Constituição Federal (Art.30, V) e a Lei Orgânica de Natal (Art.5º, §1º, V) são inequívocas em afirmar que esta Obrigação de Fazer, no que toca à garantia do Transporte Urbano Coletivo, é uma competência do Município. a. Compete aos Municípios: organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial. (Art.30, V, CRFB) b. Compete privativamente ao Município: dirigir, conceder, permitir ou autorizar serviço de transporte coletivo e de táxi. (Art.5º, §1º, V, Lei Orgânica de Natal) c. Na promoção do desenvolvimento urbano, cabe ao Município do Natal organizar e prestar, diretamente ou sob regime de permissão ou de concessão, os serviços públicos de interesses municipal, especialmente os de transporte coletivo e de limpeza urbana (Art.120, III, Lei Orgânica de Natal)
05. Desta forma, se o Art.21 da Lei Orgânica de Na-
tal afirma que compete à Câmara Municipal legislar sobre todas as matérias de competência do Município (Art.21, caput, da Lei Orgânica de Natal), obviamente inclui a competência para legislar sobre Transporte Coletivo.
06. O que a Lei Orgânica define como sendo maté-
ria reservada a Projeto de Lei de iniciativa privativa do Prefeito (Art.39, §1º, da Lei Orgânica) é sistema tributário, arrecadação e aplicação de rendas, Plano Plurianual de Investimentos, Diretrizes Orçamentárias, Orçamento Anual, operações de crédito e dívida pública, fixação e modificação do efeito da Guarda Municipal, concessão de isenção e anistia fiscal e remissão de dívida e de crédito tributário, criação, transformação e extinção de cargo, de emprego e de função pública, inclusive a fixação de seu efetivo e dos vencimentos e das vantagens, criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e dos órgãos da administração direta e indireta do Município, cor-
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respondendo autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, matéria financeira e orçamentária.
07. O Projeto de Lei do Passe Livre não trata de ne
nhum dos temas elencados nos incisos I, II, III, VI, VIII, IX ou X do Art. 21 da Lei Orgânica de Natal, como sendo, por força do Art.39, §1º, da mesma Lei, de inciativa privativa do prefeito.
08. A atividade legislativa é típica do Parlamento, onde têm lugar os representantes do povo com legiti midade para dispor sobre o interesse público. O prefeito não representa o povo, não pode dispor sobre o interesse público. Com o mandato eletivo, tem ape nas delegação popular para administrar o interesse público garantindo fiel execução às leis. Em razão disto, o rol de matérias de projetos de lei de sua inicia tiva privativa é taxativo e não pode ser interpretado de maneira expansiva sob pena de se invadir a competência do parlamento e, assim, ferir a separação entre os poderes. 09. O Projeto de Lei do Passe Livre trata daquilo que
o Art.21 definiu no inciso XI, isto é, uma norma geral sobre a exploração de serviço público e de utilidade pública (Art.21, XI, da Lei Orgânica de Natal). Esta matéria não é reservada a projetos de lei de iniciativa privativa do Prefeito!
10. A Câmara Municipal, ao legislar sobre as Nor-
mas Gerais sobre a Exploração de Serviço Público e de Utilidade Pública, deve estar atenta às exigências feitas pela Lei Orgânica do Município, dentre as quais destaca-se, no que toca ao serviço de Transporte Coletivo, que no estabelecimento de tarifas, serão considerados o poder aquisitivo dos usuários (Art. 78, §único, III, Lei Orgânica de Natal).
11. Por esta razão, a mesma Lei Orgânica estabele-
ceu a possibilidade da concessão de gratuidades ou de benefício na utilização dos serviços de transporte coletivo, exigindo para tanto, apenas a indicação da fonte de custeio e a forma de pagamento (Art.130, Lei Orgânica de Natal).
12. Cumpre, portanto, observar que a Legislação que
trata de Transporte Urbano Coletivo, as normas gerais de sua exploração e, inclusive, a concessão de gra-
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tuidades é de competência da Câmara Municipal e não se enquadra dentre as matérias que, taxativamente, a Lei Orgânica do Município define, no art. 39, §1º como sendo objeto de projeto de lei de iniciativa privativa do prefeito.
13. O projeto do Passe Livre não trata de finanças e orçamento, nem tampouco de tributação. Versa sobre uma
gratuidade na utilização de serviço público de competência municipal e, como exige a Lei Orgânica, faz clara indicação da fonte de custeio em absoluta compatibilidade com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias enviadas à Câmara pelo prefeito municipal.
14. A forma de custeio desta gratuidade é semelhante à que outros municípios do Brasil já adotam sem qualquer questionamento quanto à sua constitucionalidade, como é o caso recente de Goiânia.
15. O Prefeito e os empresários de ônibus é que nos devem explicações legais: a. A Lei 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, afirma em seu Art.2º que os serviços, as concessões e permissões Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação. b. A prestação de serviço público feita delegação depende sempre de prévia licitação (Art.78, §único, I, Lei Orgânica de Natal). c. Nunca houve licitação prévia aos contratos que a Prefeitura possui com as empresas de ônibus. d. Falta publicidade aos contratos. O que fere todos os princípios mais básicos de uma República Democrática.
16. Contratar com esses empresários a prestação de um serviço público de caráter essencial e indispensável à
dignidade da pessoa humana sem a prévia licitação é uma crime contra os interesses e o patrimônio público (Art. 82, da Lei 8.666/1993)
17. A Lei de Licitações permite ao poder público romper unilateralmente o contrato por razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento (Art.78, Lei 8.666/1993).
18. A finalidade de um serviço público essencial é atender às necessidades da população. Uma democracia se caracteriza também por seu caráter inclusivo. Portanto, não é o interesse público que deve estar subordinado ao lucro dos empresários, e sim o lucro dos empresários é que deve estar subordinado ao interesse público.
19. O Projeto é portanto perfeitamente constitucional e compatível com a Lei Orgânica do Município de Natal.
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