As modificações nas linhas de ônibus e a luta por um transporte barato e de qualidade

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As recentes modificações nas linhas de onibus, que só prejudicaram a população, e a luta por um transporte público com qualidade e com tarifas baratas.

Natal, 05 de abril de 2013.


O transporte coletivo urbano tem como objetivo fundamental levar e trazer trabalhadores de suas moradias ao lugar onde trabalham. Portanto, compreende o direito de ir e vir, a utilização do espaço urbano pela população. É um serviço público de caráter essencial, ou seja, compreendido como serviço fundamental para o funcionamento da sociedade.

A lógica do transporte coletivo no capitalismo Como vivemos em uma sociedade capitalista, onde o lucro antecede as necessidades sociais, como todos os serviços prestados ao Estado, não diferentemente, o transporte coletivo público atua sob tais interesses. Um pequeno grupo de empresários enriquece explorando o conjunto dos trabalhadores. No capitalismo, o ato de deslocarse é transformado em mercadoria, os empresários do transporte vendem o direito de ir e vir aos usuários do transporte coletivo urbano. No entanto, os empresários do setor não são os únicos a lucrar com essa venda, toda a cadeia produtiva de transporte lucra: fabricantes e revendedores de veículos, autopeças e combustíveis, etc. Tendo o transporte coletivo urbano como parte fundamental para a concretização das funções da cidade, como deslocamento para o trabalho e para moradia, o seu não funcionamento interrompe as atividades fundamentais para o funcionamento da sociedade. Em uma sociedade onde o consumo para o lucro está acima de tudo, o deslocamento da população se torna um negó-

cio altamente rentável para os empresários. Historicamente, houve uma inversão na matriz de transporte no Brasil, se no passado, a matriz ferroviária (bonde e trem), em 1950, transportava 70% dos passageiros, em 2004, o trem e o metrô transportava apenas 3% dos passageiros. Essa inversão se deu devido à priorização no investimento na indústria automobilística pela pressão do capital estrangeiro e suas empresas multinacionais, resultando na multiplicação da malha rodoviária em detrimento da ferroviária, já que com a extensão das rodovias, o mercado automobilístico iria vender mais carros e consequentemente lucrar mais. O ritmo do crescimento de veículos foi maior que o do crescimento da população. Para ter uma ideia, em 10 anos a quantidade de veículos cresceu 5 vezes mais do que a população do Brasil. A principal fonte lucro do transporte coletivo público se dá através da tarifa. O trabalha­dor precisa pagar a tarifa e os empresários do setor utilizam o reajuste para obter cada vez mais lucro.


Como visto no gráfico, entre 1995 e 2008 o preço da tarifa cresce acima da inflação, enquanto o número de passageiros transportados diminui progressivamente. Quanto mais cara fica a tarifa de ônibus, mais pessoas deixam de utilizá-lo. Os passageiros de renda mais elevada adquirem seu meio de transporte individual, enquanto os passageiros mais pobres, forçadamente passam a deslocar-se a pé ou de bicicleta, mesmo em grandes distâncias. Ou endividam-se para adquirir uma motocicleta. O aumento da tarifa do transporte faz com que o salário do trabalhador necessite aumentar, e para que ele possa continuar deslocando-se a mesma quantidade de vezes será preciso majorar seu salário. O empresário, em busca de evitar este aumento nos custos, prefere contratar trabalhadores que morem mais perto da sua empresa. Nas grandes cidades, o aumento da distância

entre a moradia e o local de trabalho torna-se um fator de desemprego e precarização do trabalho. Em muitos dos casos, os trabalhadores se veem obrigados a aumentar despesas com o transporte público para não perder seus empregos. Um exemplo se dá na construção civil, as empresas, para reduzir gastos com a compra da força de trabalho, contratam trabalhadores, em maioria de outros estados, e os alojam próximo à obra. O sistema de transporte público coletivo no capitalismo atua sob interesses contrários. De um lado, os empresários na busca incessante do lucro. Do outro, os trabalhadores, que dependem do transporte para poder deslocar-se. O aumento abusivo dos preços, concomitantemente às condições cada vez mais precárias, são as causas principais dos protestos populares em defesa do transporte público coletivo de qualidade.

TRANSPORTE PÚBLICO EM NATAL Ônibus, alternativos e trens lotados, passageiros amontoados, desesperados para chegar ao trabalho, escola ou em casa. Congestionamentos e horas e horas desperdiçados diariamente. As cenas se repetem, seja em uma grande metrópole ou qualquer outra cidade de médio ou grande porte. Em Natal, o transporte público é feito basicamente por linhas de ônibus, transporte alternativo, além de duas linhas de trens urbanos que atendem parte dos bairros. Atualmente, seis empresas oferecem o serviço de transporte coletivo. Estas operam com 86 linhas diretas, com uma frota efetiva de 646 ônibus, realizando 158.068 viagens por mês, sendo 7. 903 por dia útil. O sistema transporta uma média de 530 mil passageiros por dia. (NATAL, 2008).

MODO DE TRANSPORTE PRINCIPAIS MODOS DE DESLOCAMENTO, EM NATAL

TRENS OPCIONAIS

1,41% 4,21%

ÔNIBUS

94,38%

Foto Paulo Almeida


VOLUME DE TRÁFEGO EM NATAL (Xavier, 2008)

O transporte público em Natal já não aten­de mais a demanda, já que não acompanhou a expansão da cidade no mesmo ritmo. A quantidade de usuários do transporte público na cidade cresceu 1,5% em 10 anos. Dados preocupantes se compararmos com o crescimento populacional de 13% e a elevação de números de veículos na cidade de 330%, saltando de 66,8 mil para 292 mil. Infelizmente, na lógica do lucro, quanta mais cara a passagem fica, menos pessoas se utilizam do sistema de transporte público. Como vimos na figura acima, a população sofre diariamente com os engarrafamentos. Nos horários de pico, entrada e saída do trabalho, por exemplo, fica quase impossível a fluidez do trânsito devido a enorme quantidade de veículos na via. A ausência de políticas públicas de mobilidade urbana compromete o funcionamento da própria cidade. “A Oficina de Consultores, empresa contratada pela STTU para a reorganização da Rede de Transporte Público de Natal, em 2011 observou que o sistema apresenta desigualdades expressivas no serviço oferecido na cidade no que diz respeito à frequência a diversificação dos destinos e a taxa de ocupação do transporte nas viagens” (TORQUATO, 2006)

MONOPÓLIO DO SETURN E PREÇOS ABUSIVOS DE PASSAGEM Hoje, o sistema de ônibus é operado no regime de permissão e seis empresas tem autorização de operar no sistema: Guanabara, Santa Maria, Conceição, Cidade do Natal, Reunidas e Via sul. Além da Riograndense, que, recentemente “faliu”. Elas são representadas pelo sindicato patronal SETURN. O transporte público é uma concessão do público para o privado, através da entrega do todo sistema público de transportes de passageiros a meia dúzia de empresários de transporte, por exemplo, o Seturn. Este monopólio privado no transporte público de Natal explora sozinho

o setor há 60 anos. Destes, pelo menos 24 com base em ações judiciais para impedir a licitação do serviço na capital. A conivência dos prefeitos e vereadores possibilita que o Seturn mantenha esta situação, onde só quem perde é a população, tendo um serviço público de péssima qualidade. Enquanto isto os empresários atuam sem nenhum respeito ao usuário e as leis, com medidas que só visam aumento de seus lucros como a diminuição de linhas, mudança de roteiros, suspensão de serviço, ou descumprindo a lei orgânica do município, onde as empresas nunca apresentaram


uma planilha de custos que justificasse qualquer mos 8 anos, a tarifa aumentou mais de 50%, acima aumento dado nas passagens de ônibus. Nos últi- da inflação acumulada (INPC) no período.

ÚLTIMOS REAJUSTES DAS TARIFAS

Em R$

2,40

2.5

2,20 2.0

1.5

1,45

1,60

1,75

2,20

2,00

1,85

inflação (INPC) no período

47,36% 1.0

Jun/2005

Set/2006

Set/2007

Out/2008

Out/2009

Abr/2011

Ago/2012

Ago/2012

Fonte: ANTP

A RETIRADA DE LINHAS E A MODIFICAÇÃO DE ROTEIROS PARA ATENDER AOS LUCROS DOS EMPRESÁRIOS E ATACAR USUÁRIOS Os transportes públicos em nossa cidade vêm sofrendo duros ataques nos últimos meses. Desde agosto de 2012, quando a Semob autorizou o aumento de passagens de 2,20 para 2,40, e que logo em seguida foi derrubada pela CMN, graças a mobilização popular, que os empresários do setor vêm atacando de diversas formas o sistema como forma de compensar o reajuste que não tiveram. Primeiro foi a tentativa de acabar com a integração, mas que retornou em seguida. Em novembro de 2012, novas mudanças no sistema de integração. E, daí para a frente, estamos acompanhado diversas medidas para “diminuir custos” dos empresários, penalizando como retirada de linhas, diminuição de frota, fusão de linhas ou modificações nos itinerários. Estas modificações têm significado piora nos

serviços à população, visto que significa mais tempo nas paradas esperando ônibus, mais superlotação nos transportes ou maior deslocamento dos usuários para pegar chegar a parada mais próxima. Soma-se a isto a situação da frota que é antiga e o sistema que já são precários. Todas estas mudanças visam apenas atender aos interesses e lucros do Seturn. Todos estes ataques têm a autorização da Semob (Secretaria de Mobilidade Urbana) e da Prefeitura que poderiam impedir que estas situações que prejudicam a vida da população, mais devido sua cumplicidade e conivência com os empresários não movem uma palha para mudar a atual situação. Dentre as diversas alterações, nos transportes coletivos, listamos aqui algumas que visualizam como a população vem sendo prejudicada.


A SITUAÇÃO DO TRANSPORTE NO BAIRRO LAGOA AZUL Se a situação dos transportes no geral é ruim em nossa cidade, quando falamos dos bairros periféricos a situação piora. No bairro de Lagoa Azul, um dos bairros mais populosos de Natal, esta situação é refletida com o fim de 03 linhas (03, 10 e 28) das 4 que atendiam ao bairro. O sofrimento daquela população iniciou em agosto de 2012 com a “falência” da Viação Rio­ grandense, quando a Semob e Prefeitura não fize­ram nada para compensar. E depois foi agravada por uma política da Semob e Prefeitura.

Em janeiro deste ano, a SEMOB compareceu a uma reunião, no Conjunto Nova Natal, apresentando uma “saída emergencial” para a situa­ ção dos transportes de Lagoa Azul. Esta “saída emergencial” na verdade significou mais uma vez enxugar as despesas para os empresários. Já que num bairro onde a precariedade diária era a marca do serviço de transportes, a Semob, para atender aos empresários, mudou roteiros e diminui a quantidade de ônibus e linhas.

LINHAS E QUANTIDADE DE ÔNIBUS

Total de ônibus

Antes e depois da mudança da SEMOB

LINHAS

TOTAL DE ÔNIBUS JUL.2012

FEV.2013

03 (Nova Natal/Ponta Negra)

13

0

10 [10/29] Nova Natal/Campus

8

14

28 (Nova Natal/Hemonorte)

6

0

64

12

17

ÔNIBUS DA RIOGRANDENSE

40

39 31

35 30 25 20 15 10 5 0

JUL.2012

FEV.2013

Como fica claro, a “saída emergencial” da Semob e Prefeitura mostrou que não resolveu o problema, ao contrário, foi piorado já que diminui-se a quantidade de ônibus para o centro e a zona sul, aumenta o tempo para se chegar ao destino, e o tempo de espera pelo transporte, além do que a mudança do roteiro continua exi­gindo que os usuários de diversas localidades tenham que fazer longas caminhadas até a parada que o ônibus passa.


A SITUAÇÃO DAS LINHAS DO CAMPUS Anos atrás, muitos ônibus tinham em seu itinerário a entrada pelo anel viário do Campus da UFRN. Ao longo dos anos os empresários e a Semob foram retirando esta entrada no Campus e apresentando como saída o circular, que sai do Via Direta. Só que as empresas nunca colocaram quantidade suficiente deste circular para atender aos estudantes, refletindo em sua superlotação. Os ônibus 66 e 48 tiveram seu roteiro modificado e deixaram de entrar no anel viário do Campus, prejudicando assim a população em geral os e estudantes que passaram a não ter mais este serviço, dificultando o acesso a educação. Além dos estudantes, a população de Ponta Negra, Nova Descoberta e adjacências estão bastante prejudicadas com a atual situação. Com essa modificação, o já precário transporte no

PARADA DO CIRCULAR

interior do campus ficou pior. Ônibus lotados, longos tempos de espera, são alguns dos vários problemas enfrentados pelos estudantes gerando revolta e indignação.

PASSE-LIVRE PARA ESTUDANTES E DESEMPREGADOS A garantia do pass-livre significa a gratuidade da tarifa do transporte coletivo, isenção do pagamento do deslocamento as empresas de transporte, diferentemente do meio-passe que aborda o corte da tarifa pela metade. Na maioria dos casos é concedido a idosos, deficientes físicos, policias militares, oficiais de justiça, trabalhadores dos correios, etc. Ao longo dos anos, a luta pelo passe livre tornou-se bandeira histórica do movimento estudantil, pois está vinculada a concepção de educação gratuita e de qualidade. Entender educação como direito de todos significa que o Estado tem por obrigação garantir o acesso à escola a todos os jovens brasileiros. Com os constantes aumentos de tarifa, milha­res de jovens são tolhidos do direito de ir e vir, e acabam impedidos de continuar os seus estudos por não terem condições de pagar a tarifa. É sobre está contradição que se constitui ao longo dos anos a luta pela garantia do passe livre para os estudantes. Para de fato, garantir o direito a escola aos milhões de jovens, também é

preciso assegurar a presença dos alunos nas escolas, universidades, creches, etc. Portanto, o passe-livre é a gratuidade nos transportes concedida pelo poder público como benefício a todos os estudantes de ensino fundamental, médio, superior, técnico, pré-vestibulares, quilombos educacionais e outros estabelecimentos de ensino, independentemente de sua faixa de renda ou local de residência. Outro setor que é cruelmente afetado pela lógica capitalista de gerir o transporte público são os desempregados. Os altos preços da passagem de ônibus excluem uma parcela da sociedade que não tem condições de pagar. Sendo assim, os trabalhadores desempregados, acabam tendo enormes dificuldades de conseguir emprego, pois seu deslocamento para procura de emprego não é garantido. O desempregado só poderá ter a chance de obter emprego, tendo a oportunidade de moverse do seu bairro às zonas industriais e comerciais da cidade.


A LICITAÇÃO Natal é uma das poucas capitais onde o sistema de transporte não passou por processo licitatório. O processo da licitação do sistema de transporte público da cidade tramita na Justiça há 13 anos. A novela começou no dia 9 de novembro de 1999, quando o Ministério Público exigiu que a Prefeitura, administrado pela então prefeita Wilma de Faria desse início ao processo de licitação do transporte público, tão logo os termos de permissão fossem encerrados. A licitação do sistema é prorrogada desde 26 de junho de 2003, quando venceu o primeiro prazo para concessão das linhas de ônibus. Na época, o município prorrogou as permissões por mais sete anos, prazo que terminou em 27 de junho de 2010. No mesmo ano, a gestão de Micarla de Souza (PV) deu inicio a um novo processo licitatório mas que foi suspenso pela justiça, que viu indícios de irregularidade. Segundo o magistrado, “existe a possibilidade que não pode ser descartada de que realmente tenha existido conluio no sentido de ferir a imparcialidade do certame licitatório”. O magistrado tem como presente a possibilidade de que os procedimentos administrativos que culminaram na confecção do edital de licitação para o sistema de transportes coletivos de Natal “possam ter sido

maculados”, de alguma forma, “por comportamentos de agentes públicos e privados, o que será objeto de apuração em procedimento próprio”, conforme informou o Ministério Público. Portanto ficou congelado e não houve avanço nenhum no processo licitatório durante o final da gestão de Wilma de Faria, toda a admi­ nistração de Carlos Eduardo (2002-2008) e a primeira metade da gestão de Micarla de Sousa. A atual gestão não confirmou se haverá licitação no segundo semestre. Isto é uma amostra de como a relação entre o privado e público quanto é nefasto para a população. Os empresários dos transportes de Natal conseguiram por décadas evitar ao menos um mecanismo de comum acordo entre empresários e prefeituras no Brasil. Por outro lado, há uma crença de que a licitação vai resolver os problemas dos transportes, o que não é verdade. A licitação nada mais é do que a escolha dentre o empresário capitalista que explorará o sistema, de uma forma ou de outra, mas sempre explorando, porque a lógica permanecerá a mesma, enquanto vivermos no capitalismo. Portanto não temos ilusão na licitação, mas não quer dizer quer iremos aceitar qualquer tentativa de retirar direitos dos usuários dos transportes.

É PRECISO ACABAR COM A LÓGICA PRIVADA PARA O TRANSPORTE PÚBLICO Transporte público de qualidade é um direito da população. Esse direito deve ser garantido pelo poder público municipal. O que ocorre é que a Prefeitura transfere o serviço para as empresas privadas. Contudo, os empresários não estão preocupados com a qualidade do serviço, e sim com o lucro. Por isso, defendemos que o serviço de transporte seja municipalizado.

Com a municipalização, isto é, a prefeitura passaria a assumir o transporte público, tratando de fato como serviço público e essência. O objetivo deixa de ser o lucro e passar a ser garantia de um serviço de qualidade, com o aumento da frota, melhores condições de trabalho e salários aos motoristas e cobradores, e redução da tarifa, garantindo uma tarifa social.


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