Deixa de Banca - Zine 2014

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29 de janeiro de 2012

Eu tinha 17 anos e minhas preocupações eram apenas duas: passar no vestibular e acompanhar todos os episódios possíveis de Esquadrão da Moda. Surgiu o Deixa de Banca. Parte diário, parte ficcional, parte ensaístico, alguns consideraram o blog pornográfico, baixo e chulo demais para continuar no ar. A página foi encerrada por mim em 2014, após três anos de vida. Para matar a saudade, criei essa coletânea. E para me matar de vergonha, manti os textos com o mínimo possível de alterações. Espero que aproveitem.

1. É PRECISO UM ESCRITOR ERÓTICO QUE SEJA HONESTO 2. CONFIESO QUE NO HE VIVIDO 3. ÀS VEZES VIVER VALE A PENA (MAS SÓ ÀS VEZES) 4. O SUVACO É A GAVETA DA ALMA 5. PRECISO ENGORDAR VINTE QUILOS ENQUANTO ESCREVO ESSE POEMA 6. LA FADEUR, LA TRISTESSE DES SES CHEVEUX 7. É QUASE IMPOSSÍVEL CONCILIAR AS EXIGÊNCIAS DO MERCADO DE TRABALHO COM AS DA CIVILIZAÇÃO 8. ONDE OS ARTRÓPODES NÃO TÊM VEZ 9. ESPLENDORES E MISÉRIAS DOS BIBLIOMANÍACOS 10. VOCÊ ME SECANDO E EU VIRANDO ÁGUA 11. TODO DIA EU TENHO QUE CHORAR UM POUCO 12. CELÍACAS SAFADAS 13. EM DEFESA DO FEMISMO

Acontece que eu não passei no vestibular. Ia até escrever no meu diário, porque agora eu tenho um diário, até colei uma foto da Charlotte Rampling na capa e desenhei uns corações, mas eu tenho preguiça de escrever à mão e minha letra é feia. Na verdade, nem foi no vestibular, foi no PAS, programa de avaliação seriada, no qual ao invés de sofrer de uma vez o candidato toma no cu gradualmente em três anos. Então eu venho aqui, na cara e na coragem, dizer, UNB, não sei as leis de newton, sou preguiçosa, minha letra é feia mas tenho em mim todos os sonhos do mundo. Adoraria fazer Introdução à Psicologia e Culturas Nórdicas I contigo. Aguardo contato. O problema é que eu não tenho vergonha na cara, não tenho força de vontade, não tenho determinação. Não sei de onde vim nem para onde vou. Sou uma letra de música do Kid Abelha que ninguém conhece. E gosto de pensar que sou um Tabacaria em três dimensões. Fernando Pessoa me entende. Ele também não teria passado no vestibular. Nem no Programa de Avaliação Seriada. Amanhã eu tenho que acordar cedo, não deveria nem estar aqui. Tenho que preparar a papelada pra me matricular na particular, se eu passar. Após um conversa emocionante cheia de reviravoltas e revelações com a minha querida progenitora, chegamos a triste conclusão de que eu não presto pra cursinho. Estou acima disso, ou seja, muito abaixo. É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que eu entrar no reino dos universitários da federal. Ou decorar a tabela periódica.


29 de janeiro de 2012

Confesso que odeio Pablo Neruda. Confesso que odeio todos os poetas, escritores, músicos e usuários de facebook que amam a vida. A vida é uma merda. E se você usa boina e compara mamilos com caramujos e tira fotos de close-up de flores e gosta de Bons Filmes e tem um blog: vá à merda. Enfim. Confesso que acordei meu gato pra encontrar o ipad e escrever isso. Confesso que tenho um iPad, mas nem é meu, era do meu pai. Acho cafoníssimo isso de iPad, mas é prático. Todas praticidades no século XXI são bregas. Todas as generalizações são desculpas. Aí que eu preciso de um senso de propósito para a vida; não para a Vida, mas para minha vidinha, meu cotidiano, meu todo dia ela faz tudo sempre igual. Afinal, minha previsão astrológica diz que dois mil e doze vai ser um ano de desafio às autoridades e que é preciso cautela e bom senso. Sou péssima em desafiar, desafiar pra mim é ficar em casa fazendo absolutamente nada. E eu quero fazer tudo. Nesse ano, eu quero aprender francês, se possível italiano, entrar para o Pilates, aprimorar meus parcos dotes culinários, ler mil autores, conhecer outras bandas e outras pessoas e acabar com o SOPA. E, em vez de ir atrás dessas coisas, eu venho e faço um post no blog. Mas isso não é apenas um post no blog. É a minha vida. E a minha Vida também. Aliás, internet é uma droga. Acho bem provável que as entidades, ou seja, os EUA, usem ela pra controlar o planeta Terra. As grandes empresas estão no poder. A gente consome das grandes empresas. A China etc. Nossos filhos vão nos perguntar como é que era fazer um download. O mundo vai acabar enquanto os fãs de 1984 terão orgasmos múltiplos. O intelectualismo associado ao tesão pela destruição. Acho que quem gosta de 1984 gosta porque sente prazer em saber que o mundo vai ser assim. Ter orgulho de não ser um prole e ser um. Aliás, confesso que nunca li Pablo Neruda.

5 de fevereiro de 2012

A vida não é emocionante? Um dia você acha que não vale a pena viver e que o mundo é uma droga, outro dia você assiste um filme ou aprende uma coisa nova e nossa, muito legal viver. Por que acaba tão rápido? Por que a gente envelhece? Aprendi nessa quarta a usar fio-dental (o dos dentes). Conhecimento não é tudo de bom? Estou fazendo perguntas retóricas demais? Ou seria de mais? Eu nunca sei. Dá pânico saber que eu nunca vou conhecer todas as coisas boas do mundo. Todos os filmes e as músicas e os livros interessantes. Me sinto culpada quando releio livro, podia tar lendo uma coisa nova. Mas também acho que a gente aproveita melhor um livro quando lê mais de uma vez. A primeira vez que eu li As Virgens Suicidas achei comum; ontem à noite cada palavra era nova. Puta escritor esse tal de Jeffrey Eugenides. E eu achando que depois do Complexo de Portnoy a Literatura tinha acabado. Aliás, nem vim aqui falar de como a vida às vezes vale a pena, ou a poiné, mas pra mostrar porque ela não presta. Podia estar no shopping ou compartilhando link do 9gag, mas estou aqui, num blog, criticando o mundo para não ter que me criticar. O inferno são os outros. Sartre não era misantropo, só era misógino. O que dá quase no mesmo. “Toda ação gera uma reação... Se quer encontrar um cavalheiro, comporte-se como uma dama”. Super cavalheiresco fazer uma mulher se sentir um lixo pelo modo como ela se veste. E eu tenho que encarar isso todos os dias da minha triste Vida Virtual. Me chamam de radical, mas radical pra mim é opressão e violência. As pessoas se odeiam pelos motivos errados. Não importa o seu humanitarismo ou a sua crença na igualdade de todos os seres vivos, no final o que conta é o seu jeito de se vestir, a música que você escuta ou a sua higiene pessoal. Amém. Mas aí que você não pode fazer nada, e talvez não fazer nada tenha


mais resultado. Eu também já pensei assim. Eu também achava que uma moça tinha que ‘se preservar’ e ‘se respeitar’. Mas mudei. Talvez elas mudem também, mas provavelmente não. Tenho que parar que ser negativa. Mas eu não sou negativa, não imponho nada, não proponho nada, apenas exponho os fatos. E os fatos são uma droga. Reparou que eu usei mas quatro vezes e também três? Uma droga essa tal de timeline no facebook. Li na Época que estamos rumando ao fim da privacidade. Tudo é compartilhado em tempo real e vendido para as grandes empresas. Olha, eu sei que isso é verdade, mas acho muito difícil empresa alguma ter interesse na minha rotina de sono ou nos hábitos alimentares do meu gato. Só recebo propaganda de bolsa Louis Vuitton e de pousada simples & elegante. Às vezes a tecnologia falha.

TOP SEIS SUVACOS QUE EU GOSTARIA DE VER 6. PATRICK SWAYZE EM DIRTY DANCING (CIRCA 1987) Sempre vestido de preto e com um topete esvoaçante, Patrick Swayze encarna em johnny uma mistura entre uma música das Shangri-las e o Sidney Magal oitentista. Seria meu maior sonho erótico transformado em clássico da Sessão da Tarde - não fosse a ausência da melhor parte do corpo de um homem (e não, não é o coração). Swayze provoca, ergue os braços algumas vezes, mas mostrar o tesouro que é bom, jamais. quem se atenta consegue, porém, pescar alguns detalhes que ora apaziguam ora atiçam o desejo frustrado. 5. RICHARD HELL (CIRCA 1977)

Amanhã começa o meu cursinho pré-vestibular. Desisti da particular, pelo menos por enquanto. Vou correr atrás dos meus sonhos. Foi o que o meu horóscopo me disse. Espero que o zodíaco me dê paciência & determinação para aprender exatas. Uma hora a gente precisa aprender as leis da física. E da misoginia também. Às vezes vale mais a pena ser misógino do que tentar ser íntegro. Tem menos poiné. 26 de março de 2013

Vocês me perdoem mas suvaco* é fundamental. Denso com pelos, úmido de suor e pastoso de desodorante, com aquele cheiro salgado maravilhoso (o gosto eu não sei - ainda). Ou lisinho, rosinha e cheirando ao saudoso Giovanna Baby**, não sou exigente. Idealmente esse seria um post sobre os suvacos mais atraentes do universo pop, mas a database de axilas da internet é ainda incipiente para atender as minhas demandas - é mais fácil achar pinto de famoso do que uma foto de sua inofensiva suvaqueira. Ficam aqui registradas a intenção e a minha frustração.

Richard Hell provavelmente é o cara legal mais babaca da música, e com o cabelo babaca mais legal também. Resta a dúvida quanto a em qual das duas categorias o suvaco dele cairia (se alguém fosse ter um suvaco babaca, seria o Richard Hell). Na falta de imagens, só nos resta ler seus poemas sobre baratas e soluçar pelos cantos. 4. HARRY STYLES (CIRCA DOIS MIL E TREZE E ALÉM) Tente ignorar as tatuagens horrorosas e preste atenção nessa terra de oportunidades. Embora nos últimos anos meu príncipe aquariano tenha nos presenteado com uma quantidade considerável de fotos da sua cavidade pubescente, acredito que essa região ainda tem muita possibilidade de se desenvolver e se tornar uma verdadeira potência axilar. A axila do Harry Styles é o país emergente dos sovacos; resta saber se ele seguirá o exemplo da China ou será apenas uma eterna promessa, como você sabe de quem eu estou falando (Brasil). 3 & 2. JIM & WILL REID (ENTRE 1985 E 1994) Em 1985, os irmãos Reid usavam calça de couro com camisa de botão, tentavam esconder suas respectivas virgindades e mentiam sobre seus hábitos de consumo de drogas para a imprensa. Na minha imaginação, suas axilas consistiam de uma leve penugem sedosa e cheiravam a cheetos de requeijão. Lá pra meados dos anos 90,


com as ilusões juvenis perdidas, seus suvacos balzacos deveriam ser peludos, engordurados e com um leve aroma de cerveja e látex. Fica difícil escolher. 1. ANDREW MCCARTHY EM QUALQUER COISA DOS ANOS OITENTA Detentor do cabelo mais macio, do gogó mais pungente e das mãos mais beijáveis das comédias românticas teen dos anos 80, Andrew McCarthy deve ter um suvaco igualmente digno da sua aura de nice guy - o único que não consigo odiar. Seja interpretando um jornalista com pretensões a celibatário nietzscheano ou um popular banana do ensino médio, McCarthy desperta a minha curiosidade mais do que qualquer outro garoto - apesar da sua mania de arregalar os olhos enquanto fala.

a cada semana descubro ter uma nova doença. Em setembro tive falência hepática (uma dor no canto esquerdo da barriga causada por desidratação), semana passada sofri com uma endometriose (menstruação adiantada) e la malade du jour foi uma infecção urinária. Na verdade eu só tinha comido aspargos. Vocês sabiam que só um quarto da população fica com xixi fedido depois de comer aspargos? Elas também conseguem detectar esse cheiro até mesmo no mijo daqueles que declaram não sentir fedor nenhum. Me senti especial. Minha piscina está cheia de solicitações de amizades recusadas e meus erros não correspondem ao vazio da minha caixa de e-mails. Até mesmo recebi um spotted sobre o quanto não sou loirinha e linda. Se havia alguma ilusão de que eu parecia com a Ellen Jabour, ela foi completamente destruída.

E UM QUE QUASE VI Flagrado em em toda a sua glória pixelizada oitentista, o suvaco do Paulo Ricardo, vocalista do RPM, mais conhecido como o homem que arruinou a minha vida. Achava que ele sussurrava “pequena” no final de olhar 43, mas na verdade é “que pena”. O dia que um cara me chamar de pequena eu vou chorar (de prazer) e morrer. infelizmente tenho um metro e setenta então a possibilidade de isso acontecer é nula. Estou esperando alguém postar no Youtube o vídeo do show em HD. *Há quem diga sovaco. Imagino que sejam as mesmas pessoas que falam boceta.

25 de Novembro de 2013

Voltei, amigos. Nesse intervalo de três meses, meia dúzia de celulares foi perdida, dezenas de bocas beijadas e minha capacidade de autoflagelação apenas se superou. Também emagreci dois quilos e

Os perigos infelizmente não se resumem ao universo virtual e minha versão tridimensional sofre com os percalços da existência. Apesar de ter um ego maior do que meu cérebro (e do que meus peitos, obviamente), a perseverança em sair de casa é sempre maior que o meu orgulho. Não importa o quanto eu seja humilhada na sexta, sábado às nove horas já estou passando blush ao som de Not On The Guest List (ft. Zita Lotis) - Marco Dos Santos. Mantenho as esperanças de que tudo ocorrerá como uma propaganda de perfume da Carolina Herrera. No entanto, o cara que tirou minha virgindade finge que não me viu dar oi. Acabo sem querer no meio de uma moshpit num show cover de Nirvana (ó, Senhor, por que me abandonastes). Levo um empurrão do meu ex porque não quero ficar com ele. Nunca tem papel higiênico no banheiro. Meu celular some. De novo. E de


novo. Para evitar futuras perdas, considero enfiá-lo no útero. Com certeza ainda será menos desagradável do que um pênis. Falando em pênis, semana passada o cara que eu peguei brigou comigo porque não quis transar -- e eu, é claro, me apaixonei. Curto essa vibe estuprador da engenharia, é o meu tipo de homem. Gosto deles escrotos e sem nenhuma noção do que é consentimento. Se forem homofóbicos e ficarem reclamando das bichas encostando neles na balada, melhor ainda. Tendo em mente esse estilo de vida vicioso que afeta minha saúde mental e emocional, minha família, a faculdade e acarreta até mesmo problemas legais (Dirigindo, derrubei um cone numa blitz. Estava sóbria), decidi criar meu próprio programa de recuperação de dignidade. PROJETO REABILITAÇÃO DE DIGNIDADE 2014 1. NÃO BEIJARÁS Aceito ficar com pessoas sem nem saber o nome, idade e nem mesmo sem olhar para o rosto. Às vezes, durante o ato, que raramente é prazeroso, me pergunto se não estaria sendo mais produtiva se tivesse ficado em casa lavando minhas calcinhas. Após muita deliberação, percebi que a resposta é sim. A partir de hoje, só beijo se houver um clima de romance e sedução. Ou se for algum escroto da engenharia. 2. NÃO PAGARÁS MAIS DO QUE VINTE REAIS POR UM EVENTO Todas as festas são iguais, tocam as mesmas músicas e vão as mesmas pessoas. Um ingresso acima de vinte reais é tipo o que o Tom Ford é para a Zara. Ou o iPhone pro Samsung Galaxy. 3. NÃO DEIXARÁS QUE SEJAS FOTOGRAFADA Cometo essa burrice de aceitar posar para foto. Desde as minhas fotos do perfil do orkut tiradas de cima e apertando os peitos, eu deveria ter percebido que eu simplesmente não nasci para ser fotografada em situação alguma. Tenho uma imagem a zelar, e ela não deve ser eternizada por minhas marcações no facebook. 4. NÃO DANÇARÁS SHOW DAS PODEROSAS Sério, gente. Essa música não é engraçada.A partir dessas dicas,

poderei ter uma vida digna. E provavelmente muito menos divertida. 3 de Dezembro de 2013

Não há cura ao niilismo que não seja break out the booze & have a ball? Quais são as alternativas family friendly PG-13? Sou uma niilista cautelosa e minha vida, se fosse novela, seria a das seis. Os rompantes escapistas-hedonistas se resumem à masturbação e à atualizar violentamente as minhas abas do Safari, esse companheiro da auto-aversão. Os cínicos cautelosos sofrem. Aplacamos a sede não com Catuaba mas com suco de caixinha e não sabemos dançar. Vivemos com a triste certeza de que até mesmo o Rogério Flausino se diverte mais do que nós. Não almejamos nada a não ser um dia sermos gordos e felizes. Somos caretas.

depoimento de um niilista cauteloso

O que transforma uma pessoa completamente digna & saudável em um niilista cauteloso não é o rompimento com a metafísica e os valores tradicionais cristãos, mas sim uma incapacidade completa de se divertir. Numa festa ou no bar ele estará sempre olhando para os cantos, esperando alguma coisa acontecer. É claro que nada acontece, e só resta se arrastar de volta pra casa jurando nunca nunca mais botar o pé na rua. Ele aprende, na marra, a apreciar pequenas aventuras cotidianas, como ver filmes sem ler a sinopse ou assistir pornô com a porta aberta. Quando se sente particularmente deste-


mido, puxa assunto com caixas de supermercado e as pessoas na parada de ônibus. Não é que a gente não tente. Nos esforçamos. Montamos complexos esquemas estratégicos para qualquer movimento fora dos perímetros de nossos quartos. Dessa vez vai ser diferente é o mantra. Mas não importa quantos bêbados aluguemos na fila do banheiro (são os niilistas cautelosos que alugam os bêbados, não o contrário), quantas vezes repetimos a coreografia de Ragatanga com uma expressão irônica no rosto, quantas vezes sorrimos para desconhecidos: acabamos pelados debaixo de edredom e bebericando chá de alho com limão, persistindo apenas a certeza de que tudo não passou de uma atuação. E das ruins. 15 de Dezembro de 2013

“E você estuda pra fazer o quê?” A pergunta veio de um flanelinha no estacionamento do Carrefour. Quando digo jornalismo, ele me olha com desgosto e responde: faz isso não, véi. Ao perceber meus olhos vazios suspensos no ar e mãos trêmulas, emenda: faz, faz sim. Depois de ser aconselhada a não namorar, porque “homem só pensa em fuder” (o cara era sábio), parto com a consciência intranquila. São tempos difíceis, amigos. Aqueles que cursaram Introdução ao Jornalismo podem confirmar. As aulas consistiam em visitas de jornalistas, que aproveitavam a uma hora e meia disponível para chorar pitangas. O salário é baixo, você tem que fazer tudo sozinho, a rotatividade é alta etc, etc. liás, você não precisa ser da área para saber da verdade. Numa festa, um estudante de engenharia civil (“estudante de engenharia” já virou sinônimo para “pessoa que peguei”) recebeu minhas aspirações jornalísticas com

um riso de escárnio e as palavras peremptórias: cara, o jornalismo morreu. Morre o jornalismo mas não morre a minha persistência no erro. Como vocês já sabem, seja ele sempre deixar o guarda-chuva no carro ou apertar o botão de soneca do despertador, o erro é uma constante em minha vida. O fato é que, enquanto meus colegas de curso migram para as áreas mais diversas e os que permanecem possuem um caso grave de Communis opinio acuta, mantenho-me firme em minha escolha de me degradar profissionalmente o máximo possível. Não penso no dia amanhã. Tenho certeza que sairei da faculdade com um diploma na mão e um futuro brilhante pela frente. Recusarei ofertas de emprego importantes. Grandes veículos implorarão por uma coluna minha em qualquer lugar, fica a meu critério. Recusarei, pois tenho dignidade e um senso ético apurado. Me mandarei para o norte da Itália, de onde tomarei gelato de frutas e psicografarei análises críticas reveladoras da sociedade pós-contemporânea. O salário será tão infinito quanto os personagens do Stephen Chbosky. Foi aos nove anos que, lendo a coluna de fofocas da Época dos meus pais, senti um chamado. Meus progenitores, que acreditam que todo mundo que faz jornalismo apresentará o Bom Dia DF, foram ingênuos o suficiente para incentivar minhas ilusões. Dez anos depois, percebo que o mundo do jornalismo é um lugar úmido, triste e feio, mas simplesmente não consigo abandoná-lo. Cada tapa é como um beijo. Ainda acredito que um dos grandes males do jornalismo é os jornalistas. As coisas que sou obrigada a ouvir, seja de estudantes ou jornalistas formados, queridos, não estão escritas (na verdade, infelizmente estão, e em veículos de grande circulação). Colegas, se esforcem. Leiam. Eu sei que é difícil, mas pelo menos tento. Intercalo a obra completa de Freud disponível no Pensador com as notícias de celebridades do Jezebel (alguém me tira daquele site). Minhas Piauís dos últimos dois meses ainda estão no plastiquinho (juro que leio e gosto, gente. Às vezes até mesmo entendo). É claro que sabemos o último single da Selena Gomez supera qualquer coisa que o Miles Davis possa ter produzido, e que Guimarães Rosa não é essa coisa toda, mas vamos fingir. Nessa vida é preciso ter jogo de cintura, paciência e muita empatia. Empatia, aliás, é coisa que falta. Pensem duas vezes antes de reclamar dos motoristas em greve


e não das condições de trabalho horríveis pelas quais eles passam. Pensar é chato, mas com força de vontade podemos ir um pouquinho longe. Sei que estou soando prescritiva, mas podem ter certeza que sofro dos mesmos problemas. Às vezes é preciso nos olhar no espelho e assumir que somos uma droga. É difícil ter que reconhecer defeitos nas pessoas que mais amamos (nós mesmos), mas crescendo nos tornaremos pessoas mais amáveis e teremos mais motivos para estarmos eternamente apaixonados. Fica aí um texto inspiracional. E nem mesmo mencionei minha vagina. 25 de Dezembro de 2013

Agir de forma madura nunca foi o meu forte. Uma barata na cozinha, por exemplo, é algo que me paralisa completamente. Em vez de simplesmente buscar um chinelo e resolver o negócio ali mesmo, à la John Ford, subo em cima da cadeira e encaro o teto à procura de um sinal, uma solução, um suplemento vitalício de Raid. Não encontro outra resposta que não seja acordar a minha mãe, às três da manhã de uma terça-feira. Aliás, acordar minha mãe costuma a solução para muitos dos meus problemas. Já contei para vocês que toda vez que ela se atrasava para me buscar na escola eu ficava chorando na sala da diretora? Acredito que esse medo de abandono hoje se manifeste no meu pavor em ter minhas solicitações de amizade rejeitadas no Facebook. Minha imaturidade também se manifesta na minha incapacidade de responder e-mails ou atender o telefone, uma vez que considero inviável qualquer forma de comunicação que não permita o uso de emoticons. O fato é que os anos vão passando e a gente acaba aprendendo que a louça não desaparece magicamente da pia. Porém, embora eu consiga lidar com certas coisas como marcar consultas médicas ou pedir notas ficais, outras permanecem um eterno emaranhado de espinhos. Sair em encontros, tal qual lavar a roupa na lavanderia ou dormir de pijama (sério, pra que fazer alguma coisa vestido se você pode fazer isso pelado?), era algo que eu imaginava apenas aconte-

cer com personagens de seriados americanos. Na minha adolescência, as interações românticas que eu tive se limitavam a avaliar pênis alheios no Omegle Video. Os garotos do colégio eram extremamente desinteressantes (o sentimento era recíproco). Meus professores estavam mais próximos de um comediante ruim de stand-up do que do Michael Vartan. Passava o dia em casa, confusa e incrédula, assistindo comédias românticas como quem lê a Nova Trilogy do Burroughs. Agora, neste limbo entre adolescência e fase adulta, posso confirmar: as pessoas saem em encontros. Que maduro. Porque elas fazem isso, porém, vai além da minha compreensão. Toda vez que eu saí num encontro algo muito ruim aconteceu depois, frequentemente envolvendo a minha vagina. O problema é que nunca me sinto tão consciente do fato de ser mulher quanto num encontro. Provavelmente porque apenas saí com homens (lesbianismo político será a meta de 2014, juro). Sonho com uma realidade paralela na qual todos seremos apenas bróders que se pegam. Todos esses rituais da paquera me dão nos nervos. Você pode falar palavrão e não, não precisa enlaçar a minha cintura enquanto andamos. Posso comprar meus próprios ingressos, abrir minha própria porta do carro etc. Acreditem, tem gente que ainda se oferece pra te buscar em casa, embora more no outro lado da cidade. Aparentemente muitas meninas curtem, eu só me sinto incomodada. Você faria isso pelo seu amigo? Então por que faz por mim? Aliás, o ato de sair de casa já é algo delicado em si. Sempre tem aquelas pessoas encontradiças que nunca sabemos se devemos cumprimentar, além do risco de acabar embaixo de uma iluminação desfavorável (o terror, amigos, o terror). Por que ninguém me chama pra ficar em casa vendo tevê? Já vi tantos filmes que não queria e assisti tanta gente beber e conversar sobre nada. Aí nos encontramos em um impasse. Como chamar alguém pra sair sem impor logo essas regras idiotas de hômi-mulhé? Juro que só quero algum contato físico enquanto o Clinton Kelly me diz quais são as calças mais adequadas para usar com mocassim. Não quero conhecer a mãe de ninguém (de família já basta a minha), muito menos ter que ficar trocando cinquenta SMS por dia. Prometo que não invento apelidos idiotas e minhas reclamações se limitam a textos passivo-agresssivos na internet, como esse. Assim como no episódio da barata, limito-me a encarar o teto no aguardo de uma epifania. Ou


a enviar stickers de coelhinhos comendo salada no chat, na esperança de que o possível amásio entenda a paralinguagem universal do Facebook. Enquanto isso, colegas solteiros, lembrem-se dos versos do Drummond sobre sair em encontros: “Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas tempo em mentir. Não te aborreças.” E nunca, por favor, nunca mencionem seriado algum. Nem Breaking Bad.

5 de Janeiro de 2014

Quando tínhamos treze anos e havíamos terminado todos os volumes publicados do Diário da Princesa, existia orgulho em nos declaramos “viciados em ler”. Uma hora ou outra a vergonha na cara chega, e percebemos que não há nada para se orgulhar nessa condição ignóbil. Entre esses anos, acumulei centenas de livros (não é uma hipérbole), muitos deles não lidos, outros inacabados. A situação só foi aliviada quando entrei na faculdade e adquiri acesso a uma biblioteca de verdade. Meu dispêndio mais recente foram os dezesseis reais mais mal gastos da minha vida, com o livro A vida sexual da mulher feia, da Claudia Tajes. Comprei porque o título era legal. Vede, ó amigos, as razões que motivam as minhas escolhas. A sensação de lê-lo era semelhante ao que normalmente sinto quando saio em encontros: infelizmente o miolo não fez juz à capa, contendo majoritariamente piadas de gorda e comentários sexistas. Meu dispêndio mais recente foram os dezesseis reais mais mal gastos da minha vida, com o livro A vida sexual da mulher feia, da Claudia Tajes. Comprei porque o título era legal. Vede, ó amigos, as razões que motivam as minhas escolhas. A sensação de lê-lo era semelhante ao que normalmente sinto quando saio em encontros: infelizmente o miolo não fez juz à capa, contendo majoritariamente piadas de gorda e comentários sexistas.

O fato é que NÃO CONSIGO entrar em uma livraria ou banca de revistas sem sair de lá com um exemplar novinho embaixo do braço. Juro que meu coração bate mais rápido, minha boca fica mais seca etc. Inclusive pesquisando sobre o assunto descubro que bibliomania totalmente existe. Totalmente não estou me apavorando com essa novidade. Totalmente não estou me autodiagnosticando com uma condição clínica que provavelmente não tenho. Aparentemente um cara aí roubou três milhões de dólares em livros raros. Minha ambição não chega a tanto. Na verdade, minha coleção é composta mais por livros que jamais lerei e cujos motivos para a aquisição são misteriosos para mim. Para alguém que acha Shakespeare desinteressante nos melhores dos casos, é incompreensível o volume de peças do bardo que tenho na estante. Sou uma pessoa romântica. A autodestruição é o requinte da minha existência e meu sistema imunológico é tão delicado quanto minha alma. Logo, além de uma compulsão por adquirir livros, sofro de rinite alérgica; um casamento difícil. Tive que mudar minhas estantes do meu quarto para a sala, e hoje, após muita insistência materna, consegui completar a tarefa. Foi um trabalho interessante; muita coisa tinha sido esquecida e fiquei surpreendida com os absurdos da minha administração financeira. Lembrei de The Books in My Life, do Henry Miller, e de como as coisas que a gente consome, a literatura entre elas, podem moldar a nossa vida. A lista que mostro abaixo não é a dos meus livros favoritos, nem dos piores. São títulos dispersos que em algum momento significaram alguma coisa. Não levem como sugestão de leitura, por favor. AMAR, A REALIDADE SOBRE A VIDA SEXUAL, VOLUMES I & II - EDITORA ABRIL A única saudade que sinto do Ensino Médio é das tardes em que eu, ingênua mas curiosa, passava lendo esses volumes e fazendo anotações diligentes sobre o aspecto antropológico indústria pornográfica e os rituais tribais de masturbação. Acabamos nos encontrando de novo numa banquinha de antiguidades do Gilberto Salomão e tive certeza de que aquele golpe de serendipidade só podia ser um sinal de que éramos destinados um para o outro. Também tem umas fotos muito boas, com aquela qualidade nebulosa e colorida demais dos anos 70.


DESVENTURAS EM SÉRIE - LEMONY SNICKET Não quero ter filhos, mas estou plenamente convencida de que engravidarei por acidente em algum momento da minha vida, apesar de não transar e ter uma obsessão por camisinhas (suspeito que seja culpa do Bonde da Stronda). Aliás, parto da teoria de que toda gravidez não é planejada, até as que são. Não me entra na cabeça que um ser humano possa não apenas botar uma vida no mundo intencionalmente, como planejar para que isso aconteça. Voltando aos livros, não toco nessas preciosidades há três anos, mas como meus rebentos necessitarão de algo edificante para cansar seus olhos, eles ficarão aqui em casa até o furo propício no preservativo. OTTOLINE MORRELL, LIFE ON THE GRAND SCALE, MIRANDA SEYMOUR Ottoline Morrell foi uma aristocrata inglesa que patrocinou um bilhão de artistas no início do século XXI. A sua generosidade podia ser confundida com prepotência e seu jeito extravagante de se vestir, assim como sua religiosidade, acabavam tornando-a figura de chacota entre o círculo (D.H. Lawrence, Virginia Woolf, Aldous Huxley, Lytton Strachey etc) que a frequentava. São comoventes as aspirações grandiosas de Ottoline quando comparadas à sua vida sexual miserável, os relacionamentos amorosos fracassados, o casamento vazio, os amigos que a criticavam contundentemente pelas costas, a falta de dinheiro e aquela vez em que o peito dela pulou para fora do vestido. Também é interessante ver as cartas trocadas entre ela e Bertrand Russell, seu amante. Todo mundo que prestou o PAS em 2011 sabe que Russell era veementemente ateu, mas nas suas cartas à Morrell ele expressa sua necessidade de reconforto espiritual associadas a um ressentimento com sua educação católica extremamente rígida. Gosto de ler cartas e de histórias tragicômicas protagonizadas pela aristocracia intelectual do século passado, então foi uma leitura maravilhosa. O livro está repleto de caracterizações fenomenais, como essa do Augustus John (outro amante de Morrell): “belo como um herói celta e exuberantemente homossexual”. Também serve para quebrar aquela ilusão adolescente de que artistas são necessariamente pessoas de boa índole, quando na verdade eles podem ser bem egotistas e hipócritas.

QUASE TUDO, DANUZA LEÃO Recentemente os textos da Danuza Leão viraram sinônimo de opiniões que não deveriam ser dadas, mas diatribes contra porteiros à parte, ela às vezes faz algumas coisas bem boas. Adoro seu jeito de escrever, é bem despretensioso e elegante, como a própria Danuza deve ser quando não está reclamando com as aeromoças da primeira primeira classe. Quase Tudo é uma autobiografia, então dá pra imaginar o conteúdo: names-dropping, marajás, ex-modelos, coquetéis, heroína, galicismos, cartas contrabandeadas em estojos de maquiagem etc. Destaque para a parte em que a jovem Danuza, então modelo, pintou os olhos com batom vermelho e os lábios com sombra verde em um trem italiano - “foi um sucesso”. Isso antes da classe C congestionar a Europa com suas viagens parceladas, é claro. ESPLENDORES E MISÉRIAS DAS CORTESÃS, HONORÉ DE BALZAC Não há nada que você vá aprender lendo Balzac que já não tenha aprendido com as colunas de fofoca de celebridades. Aos quinze anos, porém, tinha um grande fascínio pelos clássicos da literatura; fascínio apenas superado pelas minhas inseguranças e necessidade de parecer culta. Nessa vibe, adquiri vários dos livros que eram mencionados nas aulas de literatura, só para descobrir que eles eram completamente tediosos (Inocência, A Escrava Isaura, A Moreninha, A Mão e a Luva, Iracema são exemplos). O fato é que nunca terminei esse catatau, apesar do título sedutor. E por ser uma edição de bolso e capa mole, nem mesmo fica bonito na estante. O INFORME DE BRODIE, JORGE LUÍS BORGES Borges foi o meu primeiro “escritor sério”, devorado entre muitos Stephen King e chicklits. Comecei a ler por acaso na biblioteca da escola, provavelmente mais atraída pelo cheiro do livro do que pelos contos em si. A edição que eu tenho aqui em casa é a mesma, da Companhia das Letras. Não sei se foi o tempo que estragou o livro ou se no passado eu tinha um gosto pelo schifo, pois minhas narinas acharam aquilo completamente insalubre. Hoje posso dizer que prefiro os contos. MANUAL AUDACIOSO PARA RAPARIGAS, ? Redigido em português lusitano, infelizmente não contém dicas para não sentir frio de minissaia ou como andar em saltos agulha. Apenas ensina a redigir cartas e a plantar bananeira (duas habilidades que


não tenho, aliás). Uma decepção. Ficarei com o exemplar, porém, pois o título é em material holográfico. LONDON, ? É um livro de bolso, capa dura azul-marinho, comprado nessas lojinhas de souvenires em algum lugar em Londres, nos tempos em que eu era destemida e gostava de viajar. É composto por anedotas sobre a cidade, como os Pubs Notórios (um tal de Blind Beggar, por exemplo, onde aparentemente um homem foi assassinado ao ter o olho atravessado por uma ponta de guarda-chuva - bem Tarantino). Também tem listas diversas, como Coisas Atiradas a David Blaine Quando Ele Passou 44 Dias Sem Comida Em Uma Caixa Sobre o Tâmisa Em 2003 (ovos e bananas). É um livrinho divertido. MRS. DALLOWAY, VIRGINIA WOOLF Adquirido quando eu estava no último nível do curso particular de idiomas e achava que sabia falar inglês, na época pareceu a coisa mais críptica já escrita por um ser humano. Muitas visitas ao thefreedicitonary.com melhoraram o meu inglês, mas até hoje as frases What a lark! What a plunge! ecoam na minha cabeça como um enigma indecifrável. THE SELECTED LETTERS OF D.H. LAWRENCE, JAMES T. BOULTON Cartas de escritores são provavelmente a melhor coisa do mundo. Geralmente são até mais interessantes do que as obras deles, e é o caso com o D.H. Lawrence. Nunca terminei esse livro, mas ele é provavelmente o exemplar mais sublinhado que tenho. Me sinto muito íntima dele, de um jeito que me deixa meditativa. Nous nous entendons. A RAINHA DA FOFOCA, MEG CABOT Infelizmente num rompante de sentimento de superioridade e vergonha pelo passado, vendi todos os meus livros da Meg Cabot ao sebo. Meu orgulho me impediu de preservar marcos importantes como esse livro, que contém o primeiro relato de cunnilingus lido por mim, aos quatorze anos (fui uma late bloomer). Me faltou perspectiva histórica.

26 de Janeiro de 2014

Pode não parecer, mas tenho momentos de dúvida e autoquestionamento. Entre um episódio de Simple Life e a coluna de fofocas de celebridades do Jezebel, sou invadida por uma sensação de vazio. Falta um propósito na minha vida. Meus textos são apenas diatribes contra as coisas que odeio (no momento: a notificação automática de visualização de mensagens no Facebook. E homens, é claro). Preciso produzir algo que seja verdadeiramente edificante, com uma função política e social. Então venho compartilhar com vocês o meu método de lavar louças, atividade que faço com frequência, infelizmente. Se você for um herdeiro milionário que perdeu toda a sua grana jogando poker e precisa se adaptar a uma vida miserável na qual é responsável por limpar a sujeira que faz, como acredito que boa parcela dos leitores desse blog seja (olá, Paris), esse artigo será bastante útil. Caso você seja uma pessoa de bom senso, acompanhe esse passo-a-passo para saber o que não fazer quando diante de uma pia abarrotada de arrependimentos. Lavar louça é um processo árduo, que exige preparo psicológico e condicionamento físico. Me surpreendo como a maioria de nós consegue fazê-lo cotidianamente. Somos guerreiros e vencedores. 1. PROCRASTINAÇÃO É SEXY Se existe algo que aprendi com fanfics eróticas do One Direction, é que quanto mais você espera por alguma coisa, melhor será quando você de fato executá-la. Quando se trata de louça suja, você não pode simplesmente transar no terceiro capítulo. Você tem que criar um pouco de tensão sexual antes. Nesses momentos é que todas as páginas lidas da Nova da sua mãe se tornam úteis: seja difícil. Seduza. Provoque. Não se aproxime da pia enquanto a louça não estiver implorando aos berros para ser lavada. Toda a sujeira vai ter se solidificado em uma crosta dura e grudenta que você vai gastar horas esfregando, mas tudo bem, Sacher-Masoch e Lady Gaga nos ensinaram to like it rough.


2. YOU SET THE SCENE Todos os vídeos de coelhinho na internet já foram assistidos e todas besteiras irrelevantes possíveis tuitadas, até que a vergonha na cara chega e não há mais para onde correr. Primeiramente, é preciso ter calma. O ambiente é tudo. Não me digno a lavar louça sem passar duas horas antes baixando discos e pesquisando a trilha sonora ideal. É preciso algo suave, intimista, levemente melancólico -- eu disse levemente. Lavar louça já é um ato desesperador o suficiente por si só, deixe o Elliot Smith e o Nick Drake para os momentos masturbação autoflagelante. Qualquer coisa cantada por meninos de suéter e com cortes de cabelo tortos costuma funcionar.

sistem em grudar e nunca mais sair. Não confie nos seus olhos para flagrar restos recônditos sobreviventes. Você provavelmente não vai conseguir enxergar através das lágrimas de ódio, decepção e depressão domésticos mesmo. É diante da percepção de que lavar louça é o mais próximo que chegamos da letra de Dirrty, da Cristina Aguilera, que somos acometidos pelo vazio da existência. 5. FIM Agora você pode voltar a reclamar no twitter ou na rede social de sua preferência. 24 de Fevereiro de 2014

Caso você seja uma pessoa animada e excelsa no multitasking, coloque algo dançante e inspirador, como o sucesso Água, da Sheila Melo. Não consigo mexer a cadeira sem espirrar detergente pra todo lado, então me atenho ao silêncio meditativo. Jamais cometa o sacrilégio de lavar louça com a tevê ligada. Aliás, nunca deixe a tevê ligada se você não estiver sentado num sofá e encarando-a diretamente, um conselho a se levar para a vida. 3. DETERGENTE À VISTA Tanto na cozinha quando no cinema a mise-en-scène é fundamental. O mesmo se aplica ao triste ato de lavar louça. Tenha tudo o que você precisa à vista: detergente, esponja, palha de aço e avental, para não espirrar de espuma no Dolce & Gabanna que está usando em casa, porque você é a Danuza Leão (se você realmente for a Danuza Leão: adoro seu trabalho, me manda um e-mail). Flanelinhas, panos e afins são sempre necessários em qualquer atividade doméstica, acredite. Acrescente luvas de borracha à lista se você for aquele tipo de pessoa (metódica, obssessivo-compulsiva e secretamente um serial killer). Desse modo você evita interromper a coisa toda em pequenas buscas por objetos faltantes, cada uma te tentando para nunca mais voltar às redondezas da pia. 4. CARÍCIAS E PRAZER Lavar louça é um trabalho sujo e indigno, mas isso não significa que não devemos fazê-lo com carinho. Fale com a sua louça. Sussurre palavras de afeto. Observe-a candidamente. Acaricie ela. Mas é sério, acaricie essa porra com gosto porque só assim você vai conseguir perceber se ainda restaram gordura e aquelas nojeiras todas que in-

Esse texto se trata exclusivamente de cisgêneros e descreve experiências sexuais e genitais Nada me deixa mais dolorosamente consciente do fato de ser uma garota cis do que uma roda composta apenas por homens. Exceto, talvez, cólicas menstruais. Aos doze anos, não penteava meu cabelo e meu rosto era tão harmônico quanto um Picasso pós-naturalista. Era então alocada para sentar sempre entre os moleques falastrões, pois até as professoras do Ensino Fundamental sabem que nada é mais desinteressante para um homem em conflito com sua heterossexualidade do que uma mulher feia. Passei boa parte da minha sétima série ouvindo conversas sobre as garotas “mais gatas” da sala e fingindo não perceber que eles subrrepticiamente mediam o pau dentro da calça com uma régua para compararem as medidas entre si. Durante uma aula no laboratório de Biologia, um deles queria que eu fosse ao banheiro, olhasse minha vagina e desenhasse ela para que ele pudesse ver como era. Enquanto a professora de Geografia explicava o surgimento do Mercosul: Você faz pensando em alguém?, ele indica com os olhos as meninas do lado de lá


Não, cara, não. Eu faço. E fui atingida pela consciência de que jamais nenhum daqueles pré-adolescentes remelentos iria esfregar seu pau pensando nos meus peitos nascentes enquanto Warrant tocava no mp3. Naquela época, aquilo era uma pequena tragédia. Se ser uma garota significava Atiçar Os Homens, eu estava falhando miseravelmente naquilo que obviamente era meu chamado na Terra. Restava-me apenas escutar Leoni Acústico MTV enquanto sonhava como romances intricados e levemente castos. Literatura adolescente me dava a segurança de ser uma garota que lia, uma garota inteligente, diferente das outras e que meu dia iria chegar, embora eu não esperasse nada de um rapaz que não fosse um maxilar largo e mechas castanhas sebosas jogadas na testa (sebosidade sempre foi um grande turn-on para mim, como vocês podem ver). Hoje, embora não pareça, penteio meu cabelo e dominei com certa dificuldade a arte de usar maquiagem (se você não consegue identificar seu rosto, está no caminho certo). A insegurança, porém, permanece. A única diferença entre uma roda de garotos de vinte anos para os de doze é que eles já aprenderam a usar desodorante. O planeta é um grande corpo celeste que orbita em volta de uma só coisa: o Pau. Existem grandes diferenças entre o pau e o Pau. O Pau está constantemente duro, pronto para violar qualquer buraco, é um espartano. Coitado do pau. Torto, murcho, falível e falho, ele é a negação do Pau, o anti-Pau. O homem que brada pra contar de quantas comeu não assume nem pra si mesmo que tem pau. Me lembro do cara que, depois que a gente transou, cobriu seu pau mole com uma toalha. Se o Pau deve ser mostrado para o maior números de observadores possíveis (voluntários e involuntários), no chat do Omegle, da janela do apartamento, no ônibus e no Snapchat, resta ao pau permanecer escondido, recôndito, inobservado.

A melhor coisa que ouvi no pós-sexo foi: “Qualquer coisa te arranjo um Cytotec” Em meio a latas de cerveja e discussões sobre Whey, estou ocupada demais tentando fazer piadas escatológicas e me preocupando se o

meu batom está borrado e a luz desfavorável. Percebo, em retrospecto, que a raiz do meu desconforto é a mesma da ansiedade deles. Enquanto membros do sexo feminino continuarem sendo encarados como apenas uma foda potencial, e o pau uma fonte que espirra porra ininterruptamente, não há outra possibilidade que não ansiedade e desconfiança. Sob essas circunstâncias, não pode existir intimidade. E isso é muito triste. 20 de Março de 2014

Faz por volta de três anos que não consumo carne e dois que não encosto em produtos de origem animal. Costumo ser low-profile quanto aos meus hábitos alimentares porque 1) não suporto ser encarada por mais de três segundos, 2) odeio piadas sobre bife e 3) sou elegante (secretamente esse blog é escrito pela Glória Kalil). O veganismo te dá resistência para enfrentar qualquer tipo de intempérie. Familiares insistentes -- os seus e os dos outros -- ficam ainda mais irritantes, as piadas são sempre as mesmas e de repente todo mundo tem alguma opinião para dar sobre a inocente beringela no seu prato. Como sofrimento nunca é de menos, recentemente decidi parar de comer glúten. Agora a coisa ficou difícil, amigos. Vocês sabiam que glúten e cola aparentemente tem a mesma origem em latim? Aparentemente ele forma uma capa inflamatória de cola no seu intestino que impede a absorção de nutrientes. Aparentemente seu consumo está relacionado com câncer nos rins. Aparentemente estou pensando em todos os Big Macs, miojos e bolos que já consumi na vida. Aparentemente foram muitos. Aparentemente estou calculando quantos pratos de salada tenho que consumir para anular todos os pães franceses de todos os cafés da manhã de toda a minha existência como uma ingênua consumidora dessa cola proteica maligna. Pedir um Subway vegetariano sem queijo já era uma pequena tortura. Os atendentes sempre me encaravam como se eu tivesse pedin-


7 de Abril de 2014

do um sanduíche de fetos teriaky. Pedir uma SALADA VEGETARIANA SEM QUEIJO (já falei o quanto sou infeliz?), porém, consegue ser pior. O atendente fez questão de chamar outro lá do fundo para ver: “Olha só essa, salada vegetariana sem queijo”. Posso considerar minha existência uma série de happenings herbívoros em redes de fast food. A única diferença é que não tiro a roupa (ainda). Da última vez, um cara levantou do nada de outra mesa para perguntar se era isso o que eu comia. Sou uma pessoa relativamente pacífica, mas deu vontade de enfiar no olho dele a faquinha de plástico que eu empunhava pra cortar a minha alface (sem molho). Pena que a ponta era arredondada. É impressionante o efeito que plantas hortenses causam nas pessoas. Mas chega de saudade. Posso viver muito bem sem trigo. Só porque não como carne ovo leite queijo trigo aveia levedo de cerveja mel gelatina & açúcar não significa que tenho uma vida limitada. Nas minhas pesquisas pela internet descobri até um ramo novo da gastronomia, a culinária maromba. Me senti menos esquisita. Resolvi então compartilhar com vocês as receitas que tornam o meu dia mais gostoso. Depois dessa, ninguém pode dizer que veganos autodiagnosticados com doença celíaca não comem nada. MACARRÃO SEM GLÚTEN Prepare o molho de macarrão. Jogue no prato e despeje um fio de azeite enquanto mentaliza um tumor no seu rim esquerdo PÃO SEM GLÚTEN, SEM LEITE E SEM OVO Misture água morna, sal, óleo e fermento. Deixe descansar por uma hora e leve ao forno médio por 30 minutos. Nem pense em margarina, nada diz eticamente correto como comer pão puro GRANOLA SEM GLÚTEN E SEM MEL Junte óleo, água morna, essência de baunilha e passas. Acompanhe com leite (de arroz, ninguém precisa colaborar com a indústria chauvinista de exploração animal no café da manhã) HAMBÚRGUER SEM GLÚTEN, SEM CARNE, SEM QUEIJO E SEM MAIONESE Misture alface com rodelas de cebola e tomate. Sirva com batata-frita e lágrimas

TW: Esse texto se refere a experiências entre cisgêneros. “Não existe femismo!”, bradam as feministas contra acusações masculinas em comentários de sites de notícias e tópicos do Facebook. Estamos cansadas de ser negligenciadas e rechaçadas pelo movimento feminista. Nós, femistas, existimos sim. Somos organizadas e muito mais numerosas do que imaginam. Formado por mulheres que foram chifradas e agora querem se vingar dos homens, o movimento femista busca a dominação do homem pela mulher. Trabalhamos na formação de exércitos castradores de machos, compostos por mulheres treinadas para invadir lares na calada da noite e desmembrar homens inocentes. Uma de nossas pautas é a busca por 100% de cotas para mulheres na Universidade, porque homens não devem ter acesso ao ensino superior. Aliás, eles não deveriam nem mesmo cursar o ensino fundamental. Aprender a ler e escrever pra quê? Lugar de homem é na labuta. Mas só em profissões “masculinas”, como gari, pedreiro e mecânico. Se algum deles tiver a sorte de ter uma mentalidade mais feminina, pode chegar a cargos de autoridade. Só que aí vai ganhar 20% menos do que mulheres que exerçam a mesma função. Na ditadura femista, mulheres que assassinarem homens estarão agindo em Legítima Defesa da Honra e serão inocentadas. Afinal, todas sabemos que homens são uns safados que não sabem se comportar. Se não conseguem andar na linha, lidem com as consequências. Homem que não se dá valor, sai de bermuda na rua, sem camisa: é porque tá pedindo, castração nele. E nem adianta querer reclamar, se organizar politicamente, porque eles também não vão ter direito a voto. Não está na natureza masculina pensar racionalmente e tomar decisões políticas. Cada um tem a sua função na sociedade, e a dos homens é servir de pano de chão para nós, femistas. Se você quer uma foto do futuro, imagine um salto 15 fincado no rosto de um macho. Essas são as diretrizes do movimento femista. Quer conhecer a gente? Nossa sede fica no delírio de perseguição do homem cis branco heterossexual comum, faça uma visita.



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