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Mouhamad é absolvido em mais uma ação envolvendo dispensa indevida de licitação

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO AMAZONAS

Processo N° 0004480-92.2019.4.01.3200 - 4ª VARA - MANAUS Nº de registro e-CVD 00020.2020.00043200.1.00402/00128

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CLASSE: AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR OBJETO: DIREITO PENAL AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL RÉU: ANDRE LUIS BARRETO BECIL, JENNIFER NAIYARA YOCHABEL RUFINO CORREA DA SILVA, MOUHAMAD MOUSTAFA, PAULO ROBERTO BERNARDI GALACIO

SENTENÇA

Tipo D

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em desfavor de ANDRÉ LUIS BARRETO BECIL, JENNIFER NAIYARA YOCHABEL RUFINO CORREA DA SILVA, MOUHAMAD MOUSTAFÁ e PAULO ROBERTO BERNARDI GALACIO, pela suposta prática do delito previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93 c/c artigo 71 do Código Penal.

Consta da acusação que PAULO ROBERTO BERNARDI GALACIO e JENNIFER NAIYARA YOCHABEL RUFINO CORREA DA SILVA contrataram diretamente a empresa DANI COMÉRCIO, fora das hipóteses previstas em lei e sem observar as formalidades pertinentes à dispensa, nos termos do Regulamento de Compras e Contratações de Obras e Serviços do próprio INC, beneficiando diretamente ANDRÉ LUIS BARRETO BECIL, sócio ostensivo da empresa contratada, e MOUHAMAD MOUSTAFÁ, líder da organização criminosa.

A denúncia foi recebida em 26.02.2019 (fl. 82). ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUÍZA FEDERAL ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY em 11/02/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 19197303200262.

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ANDRÉ LUIS BARRETO BECIL apresentou resposta à acusação, às fls. 91/125. Suscitou, preliminarmente, a incompetência da justiça federal e a inépcia da inicial, bem como o deferimento de perícia técnica no sistema AFI. No mérito, requereu a absolvição sumária pela atipicidade da conduta. Apresentou 1 (uma) testemunha.

MOUHAMAD MOUSTAFÁ foi citado à fl. 89 e apresentou resposta à acusação às fls. 181/224. Suscitou, preliminarmente, a incompetência da justiça federal e, no mérito, requereu a absolvição sumária pela atipicidade da conduta. Não arrolou testemunhas.

JENNIFER NAIYARA YOCHABEL RUFINO CORREA DA SILVA apresentou resposta à acusação, às fls. 226/235, requerendo, em síntese: (i) que seja acolhida a tese de atipicidade da conduta e declarada a absolvição sumária, considerando a colaboração premiada celebrada entre o Parquet e a acusada; (ii) subsidiariamente, o compartilhamento das provas colhidas nos autos n° 4109.2017.4.01.3200, 4764- 71.2017.4.01.3200, 4760-34.2017.4.01.3200, 4762-04.2017.4.01.3200, 4765- 56.4.01.3200, 4779-40.2017.4.01.3200 e 4763-86.2017.4.01.3200; e (iii) a aplicação dos benefícios contidos na cláusula 2ª do acordo de colaboração premiada. Não apresentou testemunhas.

PAULO ROBERTO BERNARDI GALACIO foi citado à fl. 259, ocasião em que afirmou não possuir condições de constituir advogado. Os autos foram encaminhados à Defensoria Pública da União, que apresentou defesa à fl. 262 com pedido de absolvição sumária, concessão dos benefícios da justiça gratuita e intimação do réu para o interrogatório, no momento oportuno.

É o relatório. Decido.

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1. DAS PRELIMINARES

Os réus ANDRÉ LUIS BARRETO BECIL e MOUHAMAD MOUSTAFÁ alegam, por meio de suas defesas, que o patrimônio supostamente desviado era proveniente de pagamentos realizados ao Instituto Novos Caminhos pelo Governo do Estado do Amazonas com verbas exclusivamente estaduais, razão pela qual não haveria interesse da União no feito.

A fim de provar o alegado, ANDRÉ LUIS BARRETO BECIL pugna, ainda, pela realização de perícia contábil, para apurar a origem das verbas públicas remetidas ao INC.

Acerca do tema, o MPF, com fundamento no artigo 3°, VII, da Lei n° 12.850/2013, estabeleceu cooperação com a Controladoria Geral da União – CGU, que elaborou diversas notas técnicas a fim de esclarecer a origem dos recursos envolvidos nos crimes praticados no bojo da Operação Maus Caminhos.

Nesse contexto, foram elaboradas pela CGU as notas técnicas n° 2711/2016 (constatou a mistura de verbas federais e estaduais e o descontrole na identificação das fontes de pagamento) e 1072/2017 (constatou indícios de utilização de verbas da educação nos pagamentos ao INC).

Em seguida, a Secretaria de Fazenda do Estado do Amazonas – SEFAZ/AM apresentou a nota técnica n° 04/2017, contestando as informações trazidas pela CGU e esta, por fim, elaborou a nota técnica 2186/2017, em contraposição àquela Secretaria.

Diante das graves irregularidades apontadas pela CGU em suas notas técnicas, o Ministério Público de Contas apresentou uma representação perante o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas – TCE/AM, que originou o processo n°

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13.081/2017 (cujo inteiro teor encontra-se em mídia a ser juntada a estes autos), com o objetivo de examinar as movimentações financeiras no Sistema de Administração Financeira Integrada – Sistema AFI.

No bojo daquele processo administrativo foi realizada uma auditoria, equivalente a verdadeira perícia no sistema AFI, que, em atenção ao princípio da economia processual, deve ser aproveitada nesses autos, afastando-se a necessidade de realização de uma nova.

Constatou-se, então, que os pagamentos ao INC eram feitos pelo Governo do Estado mediante a utilização de contas de passagem, em que se misturavam verbas federais e estaduais sem controle de fonte.

Essa confusão de recursos e a inexistência de controle de fontes de pagamento foram expostas nas Notas Técnicas da CGU e corroboradas pela perícia realizada pelo TCE/AM, conforme consta do processo n° 13.081/2017, julgado naquela Corte de Contas, o que será mais bem explicado nos tópicos seguintes.

1.1. Da confiabilidade do Sistema AFI

O processo n° 13.081/2017 do TCE/AM trata de uma representação proposta pelo Ministério Público de Contas, com o objetivo de apurar os indícios de irregularidades em movimentações financeiras bancárias e no sistema AFI, apontadas na Nota Técnica n° 1072/2017 da CGU.

Na exposição de motivos, fls. 109/113 da mídia, o relator dispôs que os assessores da SEFAZ/AM apresentaram a Nota Técnica n° 04/2017, que trazia informações conflitantes com a Nota Técnica n° 1072/2017 da CGU, afirmando, em

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síntese, que o sistema AFI era sim capaz de apontar o caminho percorrido pelas verbas públicas. Em resposta, a CGU apresentou a Nota Técnica n° 2186/2017, que novamente contestava as informações levadas pela SEFAZ.

Diante da desarmonia de informações e da gravidade da questão, o relator submeteu à deliberação do Tribunal Pleno a autorização de auditoria de sistemas, mediante inspeção extraordinária, a qual foi autorizada em 09/02/2018. Referente aos trabalhos preliminares dessa perícia, a Comissão emitiu a Informação nº 1/2018-CIE, relacionando diversos achados de auditoria e os respectivos responsáveis.

Assim, passo a expor alguns pontos contidos na informação n° 01/2018-CIE, constante da Representação n° 13081/2017 (inteiro teor na mídia):

3.1. Questão 1. O sistema AFI registra fonte de recursos do FUNDEB, separando a parte estadual (146) da federal (246), e as quantifica? Especifica recursos vinculados por fonte? Achado 1.1. Não há separação de registros das fontes de recursos do FUNDEB (parte estadual e federal). Situação Encontrada: Foi constatado que todas as entradas e saídas de recursos do FUNDEB foram registradas no sistema AFI como se fossem recursos estaduais, na fonte 146, quando o Manual de Orçamento do Estado indicava que a parte federal deveria ter registro na fonte 246. Essa separação por origem do recurso deve ocorrer desde a elaboração das leis orçamentárias de modo que a execução do orçamento espelhasse a origem dos valores. Ressalta-se que a ausência de segregação dessas fontes por origem distorce a prestação de contas dos recursos do FUNDEB no âmbito deste Tribunal de Contas, uma vez que a Resolução TCE 11/12, em seus anexos, define campo específico de inclusão das despesas custeadas com a Complementação da União ao FUNDEB, valores que devem ser deduzidos no cálculo do limite constitucional de manutenção e desenvolvimento do ensino a constar na prestação de contas anuais da SEDUC desde o

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exercício de 2012. De igual modo distorce informações do Relatório Resumido da Execução Orçamentária – Demonstrativo das Receitas e Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). (...) Achado 1.2. O sistema AFI não detalha todas as fontes de recursos vinculados, a exemplo dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação-FNDE e do Fundo Nacional de Assistência Social-FNAS. Situação Encontrada: Foi constatado que todas as entradas e saídas de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e do Fundo Nacional de Assistência Social foram registradas no sistema AFI numa única fonte, respectivamente: 250 – Transferências do FNDE e 240 – Transferências do FNAS. (...) (...) 3.2. Questão 2. Os recursos vinculados à educação, FUNDEB (parte estadual e federal), foram transferidos da conta específica para contas bancárias que movimentam recursos não vinculados (recursos do tesouro estadual)? Em qual momento e montante (estadual e federal do FUNDEB)? Houve irregularidade na aplicação destes recursos? Houve registros contábeis em contas de controle, classes 7 e 8 do PCASP, de tais movimentações? Achado 2.1. Mistura de recursos vinculados à educação (FUNDEB, parte estadual e federal) com recursos próprios do tesouro nas mesmas contas correntes Bradesco. Situação Encontrada: Foram constatadas na conta centralizadora (Conta BRADESCO 16200-0) movimentações de recursos do FUNDEB (parte estadual e federal) junto com outros recursos quando a legislação define que os recursos do FUNDEB devem ser movimentados pela conta única, específicas e exclusivas (Banco do Brasil, no caso). É admitida criação de outra conta em outro banco para movimentação de FUNDEB, porém devem, igualmente, ter movimentação exclusiva de FUNDEB. (...)

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Achado 2.4. O controle contábil das disponibilidades financeiras permite a utilização indevida de recursos vinculados, como no caso do FUNDEB, quando depositados na mesma conta bancária que recebe recursos não vinculados (ordinários). Situação Encontrada: O padrão contábil utilizado pela SEFAZ – refletido no sistema AFI - permite pagar uma despesa orçamentária antes do ingresso do dinheiro ou sem que haja saldo bancário suficiente na fonte de recurso respectiva. Isso é possível quando uma conta bancária recebe recursos de mais de uma fonte de receita, como no caso da conta centralizada (conta única) do Estado, e há saldo financeiro suficiente em outras fontes. O atual controle contábil não impede, por exemplo, que uma folha de pagamento da Seduc, que deveria ser custeada com recursos do Fundeb (empenho na fonte 146 ou 246), seja paga com recursos oriundos do ICMS (fonte 100). De igual modo, o sistema contábil (AFI) não impede que uma despesa não vinculada à educação básica (empenho na fonte 100) seja paga com recursos do Fundeb (fonte 146 ou 246). O problema é grave quando se trata de uso indevido de recursos vinculados (desvio de finalidade), ainda que haja a compensação e/ou a regularização contábil posteriormente. Esclarece-se que a não conformidade mencionada no parágrafo anterior refere-se ao aspecto financeiro (movimentação e saldo bancário), que é o que realmente importa, pois, aparentemente, ou seja, de acordo com o sistema AFI, todos os estágios da despesa orçamentária – empenho, liquidação e pagamento - foram cumpridos mantendo-se a coerência da fonte de recurso. Neste caso, os registros contábeis não refletem a realidade e a coerência é meramente formal.

Extrai-se da informação, portanto, que as verbas federais e estaduais são misturadas na conta única do Estado e que, em relação aos pagamentos, não há separação por fonte. Além disso, os recursos vinculados à educação (FUNDEB) foram transferidos da conta específica para contas bancárias que movimentam recursos não vinculados, havendo também confusão de verbas.

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Embora o Estado, oficialmente, afirme que apenas recursos estaduais são repassados ao INC, a verdade dos fatos é que recursos federais foram repassados diretamente à organização social em função da confusão financeira do Estado do Amazonas.

Dolosamente ou não, o Estado enviou para a mesma conta bancária verbas estaduais e federais, e utilizou essa conta para realizar os repasses ao INC, criando a impressão de que se tratava de verba exclusivamente estadual. No entanto, este modo de agir findou por garantir a competência dos órgãos federais para fiscalização da aplicação dos recursos e para processar infrações penais possivelmente cometidas nesse momento.

1.2. Do julgamento do processo n° 13081/2017 no TCE/AM

Saliento, inicialmente, que o juiz é livre na formação de seu convencimento e que possui independência na apreciação e na valoração das provas constantes dos autos, não estando comprometido por qualquer critério prévio de exame dos seus elementos por outros Órgãos, até mesmo em razão da independência das instâncias cível, penal e administrativa, podendo optar pela solução que lhe parecer mais prudente, desde que o faça de forma fundamentada.

Com isso, passo ao exame do voto relator e do voto condutor no processo n° 13081/2017.

Em seu voto oral condutor, o Conselheiro ÉRICO XAVIER DESTERRO E SILVA expôs que o Relatório Conclusivo nº 2/2018-DICREA e a proposta de voto do relator teriam ultrapassado o objeto da representação. Quanto aos pagamentos ao INC, ele

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assim se manifestou (transcrição às fls. 3810/3813 da mídia):

“Meu voto, assim, Excelência, é no sentido de julgar improcedente a Representação,

quanto àquele aspecto relacionado à aplicação de recursos federais ou do FUNDEB nos pagamentos feitos ao Instituto investigado. Isto está demonstrado e dito na Proposta de Voto e repetido aqui neste Plenário; nisto eu acompanho integralmente a proposta e o Relatório Técnico.”

mídia): Assim, decidiu o Plenário da Corte de Contas (decisão 233/2018 – fl. 3776 da

“9.1. À UNANIMIDADE:

9.1.1 Acolher, parcialmente, a Proposta de Voto do Auditor Alípio Reis Firmo Filho para julgar improcedente a Representação quanto à relação direta entre recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB e as despesas de saúde realizadas com o Instituto

Novos Caminhos, em conformidade com as conclusões do Relatório Conclusivo 2/2018-DICREA (Relatório Conclusivo – Auditoria Orçamentária, Contábil e Financeira nos Pagamentos do Poder Executivo do Estado do Amazonas nos exercícios de 2014 a 2016 objeto do Processo 13081/2017 com reflexos no Sistema AFI).

9.2. POR MAIORIA: 9.2.1. Determinar o encaminhamento do Relatório Conclusivo 2/2018-DICREA (Relatório Conclusivo – Auditoria Orçamentária, Contábil e Financeira nos Pagamentos do Poder Executivo do Estado do Amazonas nos exercícios de 2014 a 2016 objeto do

processo 13081/2017 com reflexos no Sistema AFI) à Comissão das Contas do Governo - COMGOV, para que sejam as suas conclusões objeto de apreciação por ocasião da emissão de Parecer Prévio sobre as Contas Governamentais, consideradas as diversas determinações ali contidas a respeito do Sistema de

Administração Financeira Integrada (AFI).”

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A partir desse excerto, mediante uma interpretação meramente gramatical, concluo que acórdão afasta tão somente a relação direta entre as verbas do FUNDEB e os pagamentos ao INC, mas mantém os achados da Comissão de Auditoria, que afasta qualquer dúvida acerca da existência de problemas de controle financeiro nas fontes dos recursos do sistema AFI e atesta a confusão de verbas federais e estaduais nas contas bancárias do Estado do Amazonas, tanto que determina o encaminhamento do Relatório Conclusivo ao COMGOV para que seja levado em conta quando da emissão de parecer prévio sobre as contas governamentais.

A propósito, transcrevo passagem daquele relatório conclusivo, na questão referente à utilização de recursos do FUNDEB em despesas de saúde:

3.3. Questão 3 - Houve utilização de recursos do FUNDEB (parte estadual e federal) em despesas da saúde? Os registros do sistema AFI espelham as movimentações financeiras? O sistema AFI apresenta outras inconsistências? Achado 3.1. Divergências entre as informações de folha de pagamento e os valores desembolsados a título de FUNDEB Situação encontrada: CASO 1: Repasses financeiros atrasados. Constatou-se que nos anos de 2014, 2015 e 2016 houve atraso sistemático nos repasses financeiros efetuados pela Seduc à Sefaz, no que tange à folha de pagamento custeada com os recursos do Fundeb (saída da conta 7205-2). Como consequência, as folhas foram pagas inicialmente com outros recursos depositados na conta única do Estado, o que ratifica a inexistência de controle contábil efetivo das disponibilidades financeiras por fonte de recursos, conforme exposto no achado 2.4. (...)

CASO 2: Repasses financeiros antecipados. A SEDUC repassou recursos do FUNDEB

para SEFAZ em momento anterior ao pagamento das respectivas folhas de pagamento para, em momento posterior, compensar os valores, conforme quadro abaixo. Como

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consequência, os recursos do FUNDEB circularam na conta única do Estado (conta 16200-0) e serviram para pagar outras despesas enquanto não compensados, o que ratifica a inexistência de controle contábil efetivo das disponibilidades financeiras por fonte de recursos, conforme exposto no achado 2.4. (...) CASO 3: Repasses financeiros a menor. No período analisado - anos de 2014, 2015 e 2016 – constatou-se repasses financeiros efetuados pela Seduc à Sefaz em montante inferior ao consignado em folha de pagamento do Fundeb. De acordo com os documentos disponibilizados à Comissão de Inspeção, as diferenças são oriundas de anulação de empenhos e dos custeios de pessoal com recursos ordinários (fonte 100). Os documentos não indicam as razões dessas práticas. Dessa maneira, tais anulações indicam pagamento de despesa sem prévio empenho face à não comprovação de emissão de novos empenhos, fazendo com que as folhas de FUNDEB fossem custeadas sem suporte orçamentário e com outras fontes de recursos movimentadas na conta única do Estado. Adicionalmente, fica constatada a gestão inadequada dos recursos financeiros nos casos em o pagamento de folha vinculada ao FUNDEB ocorreu com recursos do tesouro (fonte 100). (...) CASO 4: Repasses financeiros indevidos e não compensados a serem justificados, conforme situações: a) Nas competências de dezembro de 2015, fevereiro e junho de 2016 foram constatados repasses de FUNDEB a maior em relação às respectivas folhas nas quantias de R$ 12.951,26, R$ 1.405,37 e R$ 476,94, respectivamente, como segue: (...) b) Somente a partir de fevereiro de 2016 a SEFAZ orientou a SEDUC a não repassar valores financeiros dos descontos de folha abaixo elencados, fazendo com que os repasses realizados em 2014 e 2015 fossem em montantes acima da necessidade para pagar as folhas do FUNDEB uma vez que também continham estes descontos. Valores estes que circularam na conta única gerenciada pela SEFAZ (conta 16200-0) sem a

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correspondente destinação em despesas relacionadas ao FUNDEB.

Verifica-se, portanto, que o relatório de fato não tece conclusão acerca da relação direta entre os recursos do FUNDEB e os pagamentos à saúde, porém, deixa claro, não somente nesse excerto citado, mas também nos demais transcritos nessa decisão, que há evidente confusão de verbas federais e estaduais nas contas do Estado, a partir das quais eram feitos pagamentos diversos sem controle de fonte.

Ora, se há mistura de verbas e descontrole de fonte quando da realização de pagamentos, não há dúvidas de que a competência da Justiça Federal para apreciar o feito está assegurada.

Saliento, por oportuno, que o Ministério Público de Contas opôs embargos de declaração contra aquele acórdão do TCE, pedindo o esclarecimento, dentre outros pontos, acerca da referida “relação direta” entre recursos do FUNDEB e as despesas de saúde realizadas com o Instituto Novos Caminhos, nos seguintes termos (fl. 3798 da mídia):

“O que a falta de relação direta significa? Que não estão envolvidos recursos federais do Fundeb ou que esse envolvimento nos pagamentos do INC se deu de forma indireta ou oblíqua? A indeterminação do conceito pode fazer surgir duas ou mais interpretações em detrimento da segurança jurídica. Há de se aclarar uma, mais compatível com a prova dos autos, mas sem afastar a qualificação jurídica adequada ao fato.”

Ao julgar os aclaratórios, porém, o relator limitou-se, neste ponto, ao seguinte (fl. 3835 da mídia):

“21 - Considera-se decisão obscura aquela que não possui clareza do posicionamento do magistrado, causando confusão na decisão proferida e deixando dúvidas da forma de

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seu cumprimento. 22 – Não há qualquer obscuridade no Voto Vista. 23 – Contudo, há sim argumentos para sustentar o posicionamento do Redator, no sentido de que não foi encontrada relação direta entre os recursos do Fundeb e as despesas de saúde realizadas com o Institutos Novos Caminhos, com base no laudo conclusivo no.2/2018-DICREA e na Proposta de Voto (item 2 da parte dispositiva).”

Ora, o laudo conclusivo, repito, deixa clara a confusão de verbas e o descontrole das fontes de pagamento, o que implica a utilização de recurso federal nos pagamentos ao INC e a competência da Justiça Federal.

No mesmo sentido, o citado item 2 da parte dispositiva da proposta de voto diz o seguinte (fl. 3755 da mídia):

“Julgar Parcialmente Procedente a presente representação interposta pelo Ministério

Público de Contas, por meio do Procurador Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, em razão de terem sido constatadas vulnerabilidades no controle contábil e financeiro das fontes de recursos pelo Sistema “Administração Financeira Integrada – AFI” , bem assim, distorções de informações no Portal da Transparência em razão de ajustes de fontes de recursos oriundos da anulação da execução orçamentária e, por último, gerenciamento de vultosas somas de recursos estaduais em conta bancária (Ag 3739, conta 12092-8, Banco Bradesco) cuja movimentação era realizada sem registro no referido Sistema.”

Consta do julgamento dos embargos de declaração, ainda, que “As

irregularidades apontadas no Relatório Conclusivo da DICREA, especificamente referente

ao Sistema de Administração Financeira Integrada (AFI), segundo a decisão que foi

adotada pelo Egrégio Tribunal Pleno, serão objeto de análise pela Comissão das Contas

do Governo – COMGOV, conforme contido no item 9.2.1 [1] da Decisão no. 233/2018 –________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUÍZA FEDERAL ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY em 11/02/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 19197303200262.

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TCE – Tribunal Pleno”.

Para melhor esclarecimento, junto, também nesses autos, o parecer prévio que apreciou as conclusões do Relatório Conclusivo da DICREA, no qual constam as determinações que foram tomadas, das quais se extrai a confirmação da constatação de graves falhas no sistema AFI e a utilização de verbas do FUNDEB de forma irregular.

Afasto, assim, a tese de que as Notas Técnicas da CGU não são dignas de credibilidade, pois, a meu ver, o TCE apenas afastou a relação direta entre as verbas do FUNDEB e os pagamentos realizados à área da saúde, confirmando, por outro lado, todo o teor do relatório conclusivo da auditoria, de forma harmônica àquelas Notas Técnicas, no que concerne à confusão de verbas nas contas do Estado, ao descontrole de fontes quando da realização de pagamentos e, ainda, a não confiabilidade do sistema AFI em retratar a execução financeira estadual.

Como se sabe, compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais cometidas em detrimentos de bens, serviços ou interesse da União, nos estritos termos do artigo 109, IV, da Constituição Federal. Ou seja, a principal questão a ser verificada é o repasse, ou não, de verbas federais pelo Estado do Amazonas para o INC, em razão dos contratos de gestão firmados entre as partes, o que restou esclarecido por todo o exposto acima.

Assim, não restam dúvidas quanto à competência da Justiça Federal para processo e julgamento do feito, razão pela qual concluo pela improcedência da preliminar de incompetência.

Desta feita, ratifico a competência da Justiça Federal para processo do feito e INDEFIRO os pedidos de realização de perícia e de nulidade por incompetência absoluta.

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INDEFIRO, também, os pleitos de rejeição da denúncia e as alegações de inépcia da exordial acusatória, porquanto referida peça preambular descreveu os fatos criminosos de forma suficientemente clara a permitir a defesa dos réus, além de ter sido oferecida lastreada em denso inquérito policial contendo elementos indiciários em torno de cada denunciado, não sendo necessário que se tenha certeza da autoria do fato delituoso, mas que haja indícios suficientes, como é o caso dos autos.

Superadas as preliminares, passo ao mérito.

2. DA ANÁLISE DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

Chancelo a decisão que recebeu a denúncia em face dos réus para, a seguir, apreciar eventual aplicabilidade da norma contida no artigo 397 do Código de Processo Penal ao presente caso.

A absolvição sumária somente poderá ocorrer naqueles casos em que a verificação das situações que a legitimam prescindir de dilação probatória, isto é, quando os elementos já existentes nos autos demonstrarem de forma inequívoca a inexistência de crime ou a ocorrência de excludentes de antijuridicidade ou culpabilidade ou, ainda, a extinção da punibilidade.

Analisando-se os autos, verifica-se que se trata de suposto cometimento do delito previsto no artigo 89, caput, da Lei n° 8.666/93 (Lei de Licitações), cujo dispositivo consiste em “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”.

O referido crime teria se configurado, como argumenta o MPF, no momento em que PAULO ROBERTO BERNARDI GALACIO e JENNIFER NAIYARA YOCHABEL

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RUFINO CORREA DA SILVA contrataram diretamente a empresa DANI COMÉRCIO, fora das hipóteses previstas em lei e sem observar as formalidades pertinentes à dispensa, nos termos do Regulamento de Compras e Contratações de Obras e Serviços do próprio INC, beneficiando diretamente ANDRÉ LUIS BARRETO BECIL, sócio ostensivo da empresa contratada, e MOUHAMAD MOUSTAFÁ, líder da organização criminosa.

Ocorre que, antes de se prosseguir na análise do objeto desta ação penal, é necessário fazer um estudo mais apurado em relação ao tipo penal prescrito no artigo 89 da Lei de Licitações e sua aplicabilidade às organizações sociais e aos agentes vinculados a estas entidades.

O delito em comento é uma norma penal em branco, isto é, sua configuração depende de outra norma de natureza extrapenal. Neste caso, o artigo 89 da Lei n° 8.666/93 refere-se à conduta de dispensar licitação ou declarar sua inexigibilidade fora das hipóteses previstas nos artigos 24 e 25 da referida lei; ou em relação a segunda parte, não observar as prescrições do artigo 26 da Lei n° 8.666/93.

Ao se analisar as hipóteses autorizadoras da dispensa de licitação previstas no artigo 24 da Lei de Licitações, verifica-se que uma delas abrange justamente as contratações feitas por organizações sociais, mais precisamente o inciso XXIV, que é transcrito abaixo:

Art. 24. É dispensável a licitação: XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

A constitucionalidade deste e de outros dispositivos legais que dispensavam as

organizações sociais de observarem o regime previsto na Lei n° 8.666/93 foi objeto da ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUÍZA FEDERAL ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY em 11/02/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 19197303200262.

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Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n° 1923, que tramitou no plenário do Supremo Tribunal Federal. Em seu julgamento, o STF reconheceu a constitucionalidade da dispensa das organizações sociais do regime da Lei de Licitações, conforme trecho do acórdão abaixo transcrito:

As organizações sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito

constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em suas contratações com terceiros, ao dever de licitar, o que consistiria em quebra da lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de todo o marco regulatório instituído pela Lei. Por receberem recursos públicos, bens públicos e

servidores públicos, porém, seu regime jurídico tem de ser minimamente informado pela incidência do núcleo essencial dos princípios da Administração Pública (CF, art. 37, caput), dentre os quais se destaca o princípio da impessoalidade, de modo que suas contratações devem observar o disposto em regulamento próprio (Lei nº

9.637/98, art. 4º, VIII), fixando regras objetivas e impessoais para o dispêndio de recursos públicos – STF, ADIN n° 1923, rel. Min. Ayres Britto, revisor Min. Luiz Fux (voto vencedor). Sessão Plenária de 16/04/2015 – grifos nossos.

Desta forma, as organizações sociais, como o Instituto Novos Caminhos, não são obrigadas a seguir a Lei de Licitações, devendo, porém, em suas contratações e compras de bens e serviços, obedecer aos princípios gerais da Administração Pública.

Voltando ao objeto desta ação penal, embora o INC não tenha observado, ao realizar a contratação, os princípios da Administração Pública e sequer seu próprio Regulamento de Compras, tal conduta é penalmente irrelevante, ao menos em relação aos delitos previstos na Lei n° 8.666/93.

Isto ocorre justamente pela não obrigação do INC em obedecer às prescrições da Lei de Licitações, enquanto o tipo penal do artigo 89 e outros da parte criminal da Lei n° 8.666/93 fazem menção expressa a violações contra o regime de licitação, ao qual o

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INC não estava submetido.

Continuando o raciocínio, não se pode punir os acusados por violarem procedimentos aos quais estes não eram obrigados a seguir, por mais que existam sérios indícios de cometimentos de outros tipos de delitos através da execução do contrato de gestão. A contratação da empresa sem a observância dos princípios do artigo 37 da Constituição Federal e do Regulamento de Compras do INC poderia ter consequências administrativas, mas não em relação à infração dos delitos previstos no artigo 89 e seguintes da Lei de Licitações.

Admitir tal possibilidade, como requer o Órgão Ministerial, é violar um dos princípios basilares do Direito Penal, qual seja, o da legalidade. Neste sentido, o princípio da legalidade deve ser aplicado de forma a se considerar de modo estrito a aplicação de determinado tipo penal, isto é, levando em consideração somente o teor de seu texto, sem dar margem a interpretações extensivas ou analogias que prejudiquem o réu.

Neste sentido, vale fazer referência à lição de Guilherme Nucci:

O emprego de analogia não se faz por acaso ou por puro arbítrio do intérprete; há

significado e lógica na utilização da analogia para o preenchimento de lacunas no ordenamento jurídico. Cuida-se de uma relação qualitativa entre um fato e outro. Entretanto, se noutros campos do Direito a analogia é perfeitamente aplicável, no cenário do Direito Penal ela precisa ser cuidadosamente avaliada, sob pena de ferir o

princípio constitucional da legalidade (não há crime sem lei que o defina; não há pena sem lei que a comine). Nesse caso, não se admite a analogia in malam partem, isto é, para prejudicar o réu. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 16ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, pp.25-26).

Não se permitindo o uso da analogia in malam partem no Direito Penal, devese concluir pela atipicidade da conduta dos réus, pela ausência de elemento objetivo do

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tipo previsto no artigo 89 da Lei n° 8.666/93, qual seja a irregularidade no procedimento de dispensa ou inexigibilidade de licitação, sendo que o INC, e consequentemente os agentes vinculados a esta organização social, não estavam legalmente obrigados a respeitar o regime de contratação de bens e serviços previsto na referida lei.

Ante o exposto, ABSOLVO SUMARIAMENTE os acusados ANDRÉ LUIS BARRETO BECIL, JENNIFER NAIYARA YOCHABEL RUFINO CORREA DA SILVA, MOUHAMAD MOUSTAFÁ e PAULO ROBERTO BERNARDI GALACIO das acusações feitas pelo Ministério Público Federal, em conformidade com o artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal.

Por fim, julgo prejudicado o pedido de compartilhamento de provas formulado por JENNIFER NAIYARA YOCHABEL RUFINO CORREA DA SILVA.

Intimem-se as partes e, sem manifestação destas no prazo legal, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.

Junte-se a estes autos a mídia contendo a integralidade do processo n° 13.081/2017 do TCE/AM e os documentos de fls. 608/614 do processo n° 4021- 27.2018.4.01.3200.

Intimem-se.

Manaus/AM, 11 de fevereiro de 2020.

ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY Juíza Federal

[1] Decisão 233/2018 – TCE – Tribunal Pleno, item 9.2.1: “Determinar o encaminhamento do Relatório ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUÍZA FEDERAL ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY em 11/02/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 19197303200262.

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Conclusivo 2/2018-DICREA (Relatório Conclusivo – Auditoria Orçamentária, Contábil e Financeira nos Pagamentos do Poder Executivo do Estado do Amazonas nos exercícios de 2014 a 2016 objeto do processo 13081/2017 com reflexos no Sistema AFI) à Comissão das Contas do Governo - COMGOV, para que sejam as suas conclusões objeto de apreciação por ocasião da emissão de Parecer Prévio sobre as Contas Governamentais, consideradas as diversas determinações ali contidas a respeito do Sistema de Administração Financeira Integrada (AFI).”

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